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Resumo
No Brasil, o debate urbano contemporâneo reto- Abstract
ma a crítica social como base conceitual, para re- The contemporary urban debate in Brazil resumes
afirmar os espaços públicos como instâncias que social critique as a conceptual basis to reaffirm
promovem práticas sociais e cultura urbana, valo- public spaces as means to promote social practices
rizando a diversidade, a democracia e o exercício and urban culture, valuing diversity, democracy
da cidadania. Analisam-se aqui os novos rumos do and the exercise of citizenship. The new paths
urbanismo com base no papel fundamental desem- of urbanism are analyzed here based on the
penhado pelos espaços públicos livres, incluídos os fundamental role played by free public spaces,
espaços lúdicos infantis, e através de exemplos em- including children’s playing spaces, and through
píricos de transformações urbanas realizadas em empirical examples of urban transformations
Copenhague, Barcelona, Medellín e Curitiba. Por implemented in Copenhagen, Barcelona, Medellin,
meio do apontamento de questões, problemáticas and Curitiba. By highlighting issues, problems and
e deficiências, abrem-se perspectivas e discutem- deficiencies, perspectives open up and alternatives
-se alternativas para o devir urbano, a partir de um for the future of cities are discussed, based on a
planejamento que ressignifique o conceito de urba- type of planning that reframes the urban concept
nidade e reconquiste o lúdico como possibilidade and revitalizes the playing aspect as a possibility
de otimização de uma cidade humana e sustentá- of optimizing a human and sustainable city for all
vel para todos os cidadãos. citizens.
Palavras-chave: urbanização; planejamento ur- Keywords: urbanization; urban planning ;
bano; espaço público livre; espaço lúdico infantil; free public space; children’s playing space;
cidades humanas. human cities.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 19, n. 39, pp. 635-663, maio/ago 2017
http://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2017-3912
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ressignificar a cidade para todos os seus cida- as festas e as celebrações e as identidades cul-
dãos?”. Essas questões justificam o presente turais. Com um caráter não somente analítico,
debate que busca compreender os impactos mas também propositivo, o estudo empírico
socioespaciais desses paradigmas e os pos- traz experiências de transformações urbanas
síveis caminhos para dirimir seus efeitos. Em bem-sucedidas na Europa, na América Latina e
definitiva, urge alimentar as reflexões acerca no Brasil, evidenciando a cidade como espaço
da teoria e das experiências empíricas de (re) “real e representacional, como texto e como
estruturação urbana para orientar os rumos a contexto, como ética e como estética, como es-
serem delineados para nossas cidades. paço e como tempo, socialmente vividos e (re)
Este artigo enfrenta esses desafios as- construídos” (Fortuna, 2001, p. 4).
sumindo a materialidade do espaço real e o
ideário do espaço mental como instâncias di-
ferenciadas, entendidos de modo interdepen-
dente e indissociável. O “espaço real” situa um
O desafio das metrópoles
enfoque retrospectivo, que analisa experiências contemporâneas
vividas na concretude do território, percebidas
pelos sentidos e registradas na memória. O O ideário moderno de cidade, influenciado
“espaço mental” trata de circunstâncias pros- pelo pensamento taylorista, pelo modelo de
pectivas, instaladas em uma espacialidade ima- produção industrial fordista e, mais recente-
ginária, em um espaço projetado, planejado e mente, toyotista, provocou câmbios estrutu-
desejado. Assim, assumem-se uma teoria do rais tanto na organização do território quanto
espaço e uma experiência vivencial no espa- na sua organização social.3 O modelo fordista
ço como recursos retóricos e táticos ou, se se fundou um desenvolvimento econômico e uma
preferir, como estratégia metodológica aberta e relativa independência entre industrialização e
em permanente construção. urbanização, bem como uma desestruturação
Por um lado, a pesquisa dá ênfase às física e simbólica de cidades e regiões metro-
questões teórico-conceituais do fenômeno politanas. Esses efeitos foram potencializados
urbano lato sensu, centrando-se na condição pelo toyotismo, definitivamente atrelado à
urbana hodierna e nos efeitos das atuais con- produção flexível, à gestão política neoliberal,
figurações territoriais sobre os modos de vida ao planejamento urbano estratégico, ao capi-
nas cidades, sobre a prática da urbanidade, da talismo cognitivo e ao “Capitalismo Mundial
sociabilidade, da amabilidade e a ludicidade, Integrado” (Guattari, 2006). Em vez de con-
ou seja, sobre o exercício da cidadania. Por ou- tribuir para a geração de uma nova geografia
tro, debruça-se sobre o espaço público – espe- política e para novas morfologias urbanas que
cialmente o espaço livre público2 –, entendido diluíssem barreiras na escala global e promo-
como fundamento da urbe e ícone de suas fun- vessem o efetivo desenvolvimento local, esses
ções primigênias: dar suporte à vida em comum dois modelos – cujas denominações, não por
e acolher manifestações e conflitos, encontros acaso, estão vinculadas à indústria automobi-
e intercâmbios, o imprevisto e o espontâneo, lística – provocaram uma verdadeira mutação
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como (re)construçãode sentimentos como to- pp. 82-83), essa nova maneira de pensar e
pofilia, terrafilia e cidadania.5 planejar as cidades e as metrópoles, esse
Tratar do urbanismo hoje constitui uma “neourbanismo”,
metáfora para discutir a produção social do
[...] apoia-se em atitudes mais reflexivas,
espaço urbano (Monte Mór, 2006). Como des-
adaptadas a uma sociedade complexa
taca Gehl (2013), é possível modificar as re- e a um futuro incerto. [...] É também um
gras do jogo em prol da escala humana e de instrumento cuja elaboração, expressão,
espaços públicos que garantam uma cidade desenvolvimento e execução revelam as
viva e segura, equitativa e inclusiva, diversifi- potencialidades e as limitações que são
impostas pela sociedade, pelo atores
cada e pluralista, compacta e coesa. Tal postura
envolvidos,pelos lugares, circunstâncias e
demanda um planejamento urbano integrado, acontecimentos.
que vise à sustentabilidade pelo investimento
em edificações multifuncionais, em mobili- Ascher vislumbra um planejamento que é
dade sustentável, em valorização da cultura simultaneamente uma ferramenta de análise e
ciclista e pedonal, em aumento da eficiência de negociação, que deve desenvolver um enfo-
energética com menores níveis de poluição que funcional mais minucioso e soluções mul-
e de consumo de recursos naturais (Rogers e tifuncionais, ao considerar a complexidade e a
Gumuchdjian, 2001). Demanda, ainda, a bus- variedade das práticas urbanas, com ambientes
ca de uma nova cidade que reencontre a sua mais atrativos, confortáveis e inclusivos. Um
natureza, sua arché, para que as comunidades dos componentes fundamentais desse neour-
possam defender, preservar e/ou construir uma banismo deve ser a sustentabilidade, não como
identidade por meio de seus valores naturais e característica acessória ao planejamento, mas
culturais e de seu patrimônio, uma cidade que como premissa que, além das dimensões eco-
possa dialogarcom o futuro pela valorização nômica e ambiental, envolva também a social
dos seus potenciais. Nas palavras de Brandão (Vilà e Gavalda, 2013).
(2006, p. 75), “sem retorno às origens, não há O neourbanismo deve pensar a cidade
futuro; sem memória, a cidade desfalece, e vi- como um campo de práticas epistêmicas, po-
ce-versa: sem futuro e sem projeto, a identida- líticas, sociais e culturais entrelaçadas, permi-
de e o sentido de nossas existências individuais tindo práticas socioculturais que levem à apro-
e coletivas se perdem”. priação dos espaços públicos pela população,
Nessa busca, é fundamental articular para que deixem de ser “espaços de ninguém”
passado e futuro, memória e utopia, arqué- e se efetivem como “espaços de todos”. Nes-
tipo e ideal, para que a comunidade se reco- sa cidade mais plural, a apropriação funciona
nheça dentro de uma tradição, conquistando como mecanismo de defesa e superação ante
uma identidade e construindo um patamar os modelos urbanísticos impessoais impostos
dialógico e democrático. Para Ascher (2010, pelos planejadores.
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de fatores econômicos. Além disso, tais ques- seguro” (Garcia, 1996, p. 26), em uma nova e
tionamentos geraram novos modelos cultu- atemporal cartografia urbana, composta por
rais e de comportamento que transformam
novos produtos imobiliários – loteamen-
radicalmente a sociabilidade, ao modificar os
tos fechados, shopping centers, centros
usos e as formas de relacionamento dos e nos empresariais, parques temáticos, centros
lugares, ressignificando a prática socioespacial turísticos [...]. Os novos espaços “públi-
(Sobarzo, 2006). cos” – realmente semipúblicos ou pseu-
Na análise de Bauman (2001), no século dopúblicos – são muitas vezes caricaturas
da vida social, negando ou ocultando as
XXI, inverte-se o papel histórico da cidade: o
diferenças e os conflitos, tornando a so-
sentimento de “medo” está agora no coração ciabilidade mais clean e, em último termo,
das cidades. Na vida pós-industrial, urbana e negando-a. (Sobarzo, 2006, p. 95)
capitalista, nossa sociedade de muros precisa
forjar monstros do lado de fora para justificar A rua, por exemplo, tem perdido seu ca-
seu isolamento, seus privilégios e seu medo ráter multifuncional e de lugar de encontro, de
do outro (Debortoli, Martins e Martins, 2008). sociabilidade e de vida comum, e os espaços
Mais do que uma dimensão concreta, a “cultu- livres públicos são cada vez menos geridos e
ra do medo” é uma prática discursiva apoiada mantidos de modo a oferecer segurança e ludi-
por interesses hegemônicos dos meios políticos cidade. Esses espaços vêm sendo cada vez mais
econômicos e de comunicação de massa, que “privatizados”: ruas são fechadas por cancelas,
espetacularizam o “caos urbano” e apresen- praças e parques são gradeados e até recebem
tam um quadro distorcido da realidade. Essa bilheterias nas suas entradas, com a justifica-
“cultura do medo” reafirma o individualismo, tiva de ampliar a segurança (Albernaz, 2007).
o hedonismo e o consumismo, em detrimen- Em contraponto, o espaço apropriado por
to das interações sociais e do contato com a meio das práticas cotidianas é mais do que um
natureza, fazendo com que, cada vez mais, os espaço concreto: é percebido, vivido, subjetiva-
habitantes tornem-se indiferentes ao cuidado e do, ressignificado. Já não é espaço consumido,
à preservação dos espaços públicos. mas, sim, lugar afetivo e simbólico, relacionado
A expansão do capitalismo produziu à “experiência antropológica, poética ou mítica
grandes câmbios nos modos de vida, transfor- do espaço”. Certeau (2003, p. 172) destaca que
mando o tempo livre em tempo de consumo. A os “usuários” das cidades possuem a capaci-
consequência direta ocorre no espaço público, dade de superar a condição de meros consumi-
apropriado simbolicamente pelas grandes for- dores passivos, convertendo-se em “cidadãos”.
ças econômicas, que estimulam a progressiva Ao criar, diversificar e valorizar seus espaços
equiparação do conceito de “público” ao de públicos, a cidade converte-se em um espaço
“coletivo”, como se fossem equivalentes. A físico carregado de identidade, em lugar sim-
realidade brasileira evidencia esse tipo de dis- bólico de construção da cidadania (Castells,
curso sobre o espaço público “simbolicamente 2009). Assim, de fato, o conceito de cidadania
recuperado, higienizado e convertido em algo implica um desafio para as cidades: fazer com
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que seus lugares – centrais ou periféricos –, ignorados.O Brasil, por exemplo, tem enten-
seus bairros e seus espaços públicos tornem-se dido que as melhorias sanitárias aumentam a
produtores de sentido à vida cotidiana. expectativa de vida, implicando maior núme-
Construir cidades para as pessoas é ro de idosos. Na última década, por todo o
uma política necessária aos desafios do sé- País, espaços públicos receberam academias
culo XXI: “o custo de incluir a dimensão hu- populares para a prática de exercícios físicos,
mana é tão modesto, que os investimentos convidando os cidadãos a manter-se em for-
nessa área são possíveis a cidades do mundo ma. Em contrapartida, a população infantil
todo, independentemente do grau de desen- permanece desatendida, e os espaços e equi-
volvimento e de sua capacidade financeira” pamentos que lhe são destinados em nada
(Gehl, 2013, p. 7). Confirmando seu argumen- correspondem ao imaginário infantil e muito
to, observam-se esforços de reconhecimen- menos ao ideário lúdico, seguro e atrativo
to e inclusão de contingentes sociais antes aqui defendido.
Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-118456/a-cidade-e-para-brincar-slash-basurama.
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dos espaços públicos promover a igualdade de água, sons e aromas, sol, sombra e brisa e, se
oferta e de oportunidades a todas as crianças, possível, equipamentos lúdicos de qualidade
sem distinção socioeconômica: espaços de qua- (Dias e Ferreira, 2015). Nossa aposta é pelos
lidade que possibilitem o brincar livre, em segu- espaços lúdicos acessíveis e de qualidade, para
rança, em contato com o urbano e a natureza, que o brincar faça parte do cotidiano – a exem-
para a vivência do coletivo, da urbanidade e da plo do que acontece em países europeus –, e
cidadania (Dias e Ferreira, 2015). não apenas pontual ou esporadicamente, nos
finais de semana. Para tanto, é essencial uma
Uma política pública de equipamentos
mudança cultural nos modos de apropriação
lúdicos deve assumir, também, um papel
de redutor das desigualdades sociais e dos espaços públicos.
econômicas. Tanto a formação das elites No atual ritmo da vida urbana, que de-
quanto a da marginalidade não se expli- termina às crianças um cotidiano repleto de
cam apenas pelas oportunidades de edu- compromissos, é necessário considerar a limi-
cação, de saúde e de acesso ao trabalho.
tação de espaço e, também, de tempo para o
Explicam-se, também, pelas oportunida-
des de brincar. (Garcia, 1996, p. 121) lazer infantil. Para contornar essas restrições,
em termos urbanísticos e paisagísticos, deve-se
O brincar no espaço público fortalece os considerar a distribuição equitativa dos espaços
vínculos comunitários, além de ser uma impor- infantis no território da cidade, bem como sua
tante ferramenta na construção de uma cultura integração e adequação com a vizinhança: pró-
de paz. A função dos parques infantis é – ou ximos a residências, escolas infantis e de ensino
deveria ser – fomentar o bem-estar e o desen- fundamental e de equipamentos públicos volta-
volvimento físico, cognitivo, emocional e social dos para outras faixas etárias (quadras espor-
da criança, unindo seus benefícios de saúde, tivas, academia da terceira idade, etc.), favore-
lazer, cultura, educação, socialização e cida- cendo, ainda, as relações intergeracionais.
dania aos do tempo espontâneo, do riso e do Apesar de convidativo a todos, os espa-
risco. Sobretudo, é importante que estimulem ços lúdicos não devem ser planejados e organi-
a iniciativa, a curiosidade e a imaginação da zados apenas para atender aos interesses dos
criança, sem determinar ou limitar suas formas pais ou dos adultos, mas sim às necessidades
de apropriação, permitindo criações e transfor- e subjetividades das crianças. Esse processo
mações no seu uso (Lima, 1989). É essencial implica conhecer a fundo a comunidade, uma
que o interesse pelo espaço lúdico não se es- vez que deve ser fruto de uma planificação que
gote após algumas brincadeiras e com o passar realmente seja capaz de atrair a criança e sua
do tempo, prolongando-se pelo maior período família. A participação das crianças no pro-
possível, renovando-se através do convite à cesso contribui para fomentar sua autonomia,
fantasia e da interação com outras crianças. fazer-lhes protagonistas, colocá-las em diálogo
É difícil idealizar um ambiente público com outros cidadãos, adquirindo um conheci-
mais saudável, rico e estimulante do que um es- mento mais profundo e duradouro da cidade.
paço lúdico com a presença da paisagem e da O cuidado e o respeito pelas singularidades
natureza: areia, terra, árvores, flores, animais, socioculturais das comunidades, aliados às
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Cinco décadas depois, Copenhague crianças é uma constante nos seus espaços
possui um modelo urbano exemplar, que con- públicos, tanto nos dedicados a elas quan-
tinua a manter o seu parque habitacional his- to nos demais, junto a outros grupos etários,
tórico, uso intensivo de bicicletas e extensa tornando-se o lúdico um bem comum. A cidade
zona pedonal. Impactantes resultados sociais conquistou uma vida pública mais versátil, o
traduzem-se no ressurgimento de uma cultu- desenvolvimento de uma nova cultura urbana e
ra ciclista para atividades diárias, perdida no a descoberta de novas oportunidades. Com um
pós-guerra, e atualmente cerca de 50% dos planejamento com ênfase no cidadão, Cope-
habitantes pedalam todos os dias em uma re- nhague atualmente transmite uma mensagem
de de ciclovias de 390 km; na presença plena clara a seus habitantes e visitantes: convida
do pedestre no espaço público, em passagem, à fruição de seus espaços públicos a partir de
descanso ou permanência; na ampliação do uma experiência inclusiva, mais vívida, mais lú-
período de realização de atividades ao ar livre, dica, da cultura ciclista e pedonal (ibid.; Gehl,
apesar das temperaturas baixas; no surgimento 2013), conferindo-lhe o título de uma das cida-
de uma cultura de cafeterias.A presença de des mais “habitáveis” do mundo.
Fonte: http://www.visitdenmark.com.br/pt-br/dinamarca/nordic-star
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Fonte: http://www.visitdenmark.com/copenhagen/activities/copenhagen-two-wheels-0
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Fonte: http://andatori.blogspot.com.br/2011/02/barcelona-parque-de-la-estacio-del-nord.html
Fonte: http://qxulus.blogspot.com.br/2013/12/parc-dels-tobogans.html
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Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pano_Plazo_Botero.jpg
Fonte: https://issuu.com/maurobrunelli/docs/apropiaci__n_del_espacio_p__blico_j
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Lerner na prefeitura de Curitiba (entre 1971- Além disso, foram criadas dezenas de parques
1992), antes de ser eleito duas vezes governa- e bosques urbanos e, também, outros espaços
dor do Paraná (até 2002), ao pensar a cidade públicos. Os novos parques são notáveis por
de modo integral: mobilidade, espaço público, sua profusão de tratamentos arquitetônicos
sustentabilidade. e paisagísticos. Vários deles foram instalados
Já, em 1972, através do impedimento em áreas de antigas pedreiras desativadas,
do tráfego de veículos, foi criado em Curitiba como estratégia para impedir a degradação
o primeiro “calçadão” do Brasil, a Rua XV de e valorizar seu potencial ecológico e paisa-
Novembro. A obra foi realizada em 72 horas gístico (Rogers e Gumuchdjian, 2001). Se, em
para que não houvesse tempo de ser rejeitada 1971, Curitiba tinha 0,5m2 de área verde por
pelos comerciantes e paralisada. Com as no- habitante, 20 anos depois seus indicadores
vas ruas exclusivas para pedestres, diversas contam com um total cem vezes maior, a par-
praças no centro da cidade foram renovadas, tir de um sistemático programa de tratamen-
potencializando os encontros e as vivências. O to paisagístico, que incluiu a proteção do rio
plano de Curitiba se desenvolveu a partir da Iguaçu, o principal da cidade, para que não
implantação de um sistema pioneiro de trans- fosse canalizado. Essas transformações urba-
porte coletivo de massa, o Bus Rapid Transit nas criaram áreas verdes para convívio social
(BRT). O sistema conta com: vias exclusivas de e contato com a natureza.
ônibus, de configuração alongada e articula- As intervenções em mobilidade urbana e
da; terminais confortáveis e estações “tubo”, espaços públicos livres resultaram em uma alta
em plataformas elevadas, à altura do piso dos qualidade de vida urbana e no surgimento de
ônibus, permitindo acesso rápido, boas cone- um sentimento de pertencimento e orgulho da
xões, sistema de pré-pagamento e bilhete úni- população, que possibilita, ao curitibano, não
co. O BRT revolucionou a mobilidade urbana só o desfrute e a autoexpressão, mas também
de Curitiba, com uma considerável redução do o cuidado com seus espaços públicos, servindo
tempo de espera e de deslocamento. Foi im- de exemplo para o restante do País. Apesar de
plementada, ainda, uma complexa rede de ci- ainda hoje apresentar grande número de veí-
clovias, uma das primeiras do Brasil, articula culos particulares, Curitiba alcançou resultados
da com as zonas verdes da cidade (Gehl e surpreendentes, emergindo como referência
Gemzoe, 2002). mundial em sustentabilidade, mobilidade e
Com uma forte preocupação meio am- espaços públicos. Sua posição, como uma das
biental, criou-se o programa Green Exchange, metrópoles com mais qualidade de vida do País
através do qual os moradores trocam lixo por e líder entre as cidades sustentáveis (ibid.), foi
fichas, e estas por produtos. Hoje em dia, 90% resultado de iniciativas que conjugaram dese-
da cidade, ou seja, mais de 10.000 residentes, nho inteligente, ações de relativo baixo custo
participam do programa de reciclagem. En- e as oportunidades oferecidas pelo contexto
quanto a maioria das cidades acumula ater- e paisagem. Infelizmente, ao que tudo indica,
ros sanitários ao longo da periferia, Curitiba parece que os poderes públicos estão mais
recicla 70% do seu lixo (The Guardian, 2016c). empenhados em relegar a cidade ao descuido
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Fonte: http://inhabitat.com/transporation-tuesday-curitiba/
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e de consumo, consolidando os shopping cen- dos espaços públicos a fim de fortalecer o pa-
ters como sua máxima expressão. Como conse- pel da cidade como fórum democrático e lócus
quência, nossas cidades apresentam expressiva de cidadania, ou seja, como uma “extensão da
carência quantitativa e qualitativa de espaços práxis urbana, da pólis (política), da civitas (ci-
públicos livres. Escasseiam os espaços de en- dadania) e da própria urbe (enquanto espaço
contro e convívio, agradáveis e acessíveis para social construído) a todo o espaço social e hu-
o conjunto da população, ratificando uma cul- mano” (Monte-Mór, 2006, p. 193).
tura que aprende desde cedo que os espaços Mesmo numa certa periferia do mundo
públicos são inseguros, degradados e que de- globalizado, podemos acreditar que muitos
vem ser evitados. Questiona-se, portanto, acer- urbanistas brasileiros tentam encontrar um ca-
ca das cidades que estamos criando, com am- minho para reestruturação e revitalização das
bientes hostis aos seus próprios habitantes, em nossas metrópoles e para lograrmos a constru-
especial aos idosos e crianças, tratados como ção de cidades mais humanas. Para tanto, par-
cidadãos de segunda categoria. timos do pressuposto de que o espaço público
Felizmente é possível notar que, com o livre e os espaços lúdicos são estruturantes
apoio de movimentos sociais, o espaço públi- para a revitalização urbana e que as crianças
co de algumas metrópoles vem passando por devem ser a escala primária de tal processo.
um momento de redescoberta e apropriação Pensar as infâncias, a educação e a construção
coletiva, vem sendo afirmado e ressignificado de espaços de convivência e de diálogo é o
como os potenciais lugares para uma mudan- principal caminho para cidades mais inclusivas,
ça cultural efetiva em prol do desenvolvimento educadoras e igualitárias.
de uma nova cidadania. A partir da análise dos Desse modo, apostamos em um planeja-
processos de transformação urbana vividos mento urbano mais humano, inclusivo, demo-
por Copenhague, Barcelona, Medellín e Curiti- crático e seguro, e que passa por: ser susten-
ba, pudemos comprovar a validade da hipóte- tável, integrando valores naturais e humanos;
se implícita nessa redescoberta e apropriação valorizar outras práticas sociais, outras culturas
coletiva. Essas experiências confirmaram a urbanas e a diversidade; priorizar o pedestre, o
eficácia de priorizar certos aspectos ineren- ciclista e os transportes coletivos sustentáveis;
tes ao planejamento urbano responsável por valorizar os espaços de permanência em detri-
intervenções com base em segurança (ruas e mento dos espaços de passagem; valorizar, re-
bairros multifuncionais, diversidade de usos, qualificar e criar novos espaços públicos livres,
desestimando a cultura do medo), sustentabi- recuperando espaços residuais e intersticiais;
lidade (compacidade, transporte coletivo sus- valorizar os aspectos ambientais, paisagísticos,
tentável), saúde (valorização da cultura ciclista históricos e culturais em cada espaço público;
e pedonal), e vivacidade (ambientes atrativos, incorporar a arte e o lúdico aos espaços urba-
agradáveis e acessíveis). nos, estimulando seu uso criativo; requalificar
Desse modo, apostamos em um planeja- e criar novos espaços lúdicos, para todas as
mento urbano mais humano, inclusivo, demo- crianças e suas famílias; articular os espaços
crático e seguro, objetivando a revitalização públicos com a cidade e em rede; fomentar a
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apropriação dos espaços públicos, através dos espaço público por meio dos jogos e das brin-
processos de participação, criação, uso, identi- cadeiras, tanto na sua dimensão física quanto
ficação, cuidado e manutenção. Através da re- na simbólica, poderemos proporcionar, às in-
vitalização dos espaços públicos, fortalece-se fâncias e aos demais grupos etários, a possibi-
o papel da cidade como fórum democrático e lidade de interagir com o espaço, bem como a
lócus de cidadania. capacidade de realização da cidade que dese-
Em última análise, as metrópoles con- jamos construir: uma cidade de espaços edu-
temporâneas brasileiras revelam a necessidade cadores, com estética e dignidade para todos.
não somente de considerar a criança dentro Como planejadores urbanos, temos a oportu-
do planejamento urbano, mas também de re- nidade de projetar cenários, de (re)criar espa-
conhecer o potencial que os espaços lúdicos ços públicos como territórios lúdicos, enfim, de
têm de relação comunitária dentro do tecido assumir a utopia jamais como algo ilusório ou
urbano. A partir da cultura e da apropriação do impossível, mas sim como possibilidade real.
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Notas
(1) Utilizamos o termo “metápoles” e “metapolitanos”, tal como Ascher (1998), para denominar
assentamentos urbanos em configurações expandidas, atomizadas, fragmentadas e
fragmentárias que ultrapassam e englobam as zonas metropolitanas stricto sensu.
(2) O conceito de “espaço público” admite inúmeras acepções. Assim mencionado, refere-se a uma
“categoria espacial” e a um enfoque epistemológico metacientífico. Quando referido como
“espaços públicos”, pressupõe contextualizações históricas e/ou físico-territoriais relativas a
distintas espacialidades, das quais derivam outras tantas conceituações como “espaços livres
públicos”, “espaços semipúblicos”, “espaços públicos, mas não civis”. Já o conceito de “espaço
livre” se refere aos espaços não construídos, desprovidos de edificações ou de coberturas.
Assim, o conceito associativo de “sistemas de espaços livres público” é mais amplo e engloba
espacialidades e instalações destinadas ao uso público, tais como ruas, largos, praças, parques,
passeios marítimos, quadras, etc. Dentre outros autores que abordam essas questões,
destacam-se: Hanna Arendt, Miranda Magnoli, Herman Hertzberger, Zygmunt Bauman, José
Guilherme Cantor Magnani, Richard Sennett.
(3) O modelo “fordista”, fundado por Henry Ford em 1903, baseava-se em linhas de produção que
atuavam em monobloco, em que, em uma ponta, entravam matérias-primas e, em outra, saíam
artigos prontos para o consumo. Esse modelo foi superado pelo “toyotismo”, baseado em
cadeias produtivas que operam de modo fragmentário em montadoras, distribuídas em diversas
localidades, selecionadas em função das melhores ofertas materiais, tecnológicas e econômicas,
recursos logísticos e de mobilidade e comunicação disponíveis.
(4) Não caberia aqui detalhar os conceitos como “países subdesenvolvidos ou periféricos”, que fazem
parte de regimes de representação regidos por juízos de valores estabelecidos por modelos
(tecnológicos, econômicos e sociais) discutíveis, que, via de regra, encerram preconceitos e,
portanto, estranhos ao ideário aqui defendido.
(5) No que se refere ao universo temático da topofilia, terrafilia e identidade territorial, destacam-se
os trabalhos desenvolvidos no Centro de Estudos do Território, Cultura e Desenvolvimento, por
autores como Zoran Roca, sistematizados e contextualizados na realidade brasileira em Moraes
(2012).
(6) A reconstrução de Amsterdã recebeu intervenções do arquiteto Aldo van Eyck, que trabalhou no
Departamento de Obras Públicas e projetou mais de oitocentos espaços infantis entre 1946-
1978, planejados para pequenas áreas residuais e pensados especificamente para cada terreno
e com mínimos elementos.
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