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Joseph Taigen

Uma Estranheza 2

Os desafios que se colocam a uma pessoa mais ou menos dependente de afectos, mas que
aprendeu a ser isento e que não está nada satisfeita no seu palácio mental que comanda as
decisões. Por dentro da cidadão, poucas coisas lhe parecem lógicas, a não ser estar em casa,
porventura aproveitando algum sentido de propriedade e segurança que tal lhe proporciona.
Podemos equacionar até que ponto de vemos intervir na vida dos outros e de que maneira e
se tal será legítimo, dado que parece que a lógica da cidade desenrola-se de um modo
esquizóide e completamente estranho a espíritos não preparados. É claro que uma pessoa
habitua-se, mas sonhamos sempre no regresso a casa estar noutra casa, noutro bairro, noutra
cidade. Na verdade, foi o homem quem tudo fez acerca deste tema da beleza na sociedade
contemporânea. Qual política qual ética, é a estética que comanda as pessoas, muitas pessoas
pelo menos. Não, na verdade não há nada de escritor falhado nestas coisas. Porventura há um
espécie de respeito pela literatura…até um ponto em que vem a nossa vez de falar. E nesse
sentido, não vale a pena ficar gago, nem continuar falando por desculpas, há que dar o passo
em frente em boa mente pensado durante muito tempo. Na verdade, as mulheres cada vez
mais desiludem, procuram relações fáceis onde possam controlar, nem sabem o que
procuram, na sua biografia mesquinha, e os homens procuram o que faça as mulheres felizes.
E vive-se assim, neste reino há beira mar plantado uma conspiração que dura séculos, um
fado, dizem, a admiração por um passado que não podia ter sido de outra maneira, enfim, o
regime salazarista e a revolução que nunca se deu são o binómio que governa a vida actual em
Portugal. Chega também o tempo de um português dizer mal do seu país, quer pelo que não
aconteceu quer pelo que não vai acontecendo. Na verdade, tudo funciona em capelinhas, em
Lisboa, nos meios académicos de Lisboa e de Coimbra. Em Coimbra as pessoas são pequenas,
não é por acaso que lá está o Portugal dos Pequenitos. Lisboa é cada vez mais uma cidade suja,
debochada, entregue a uma ausência de razão ao ponto de ser ingovernável. Os que governam
são igualmente doentes, por isso a coisa nunca vai ao lugar. Sim, amargo de boca sinto eu ao
dizer tudo isto, porque nunca ou raramente fui feliz nesta cidade e procuraste? Sim procurei,
talvez me tivesse desligado de entrar em capelinhas a tempo e talvez por isso esteja só, na
verdade isto parece-me ser mais mafioso do que a máfia, depois a falta de arbitrariedade da

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Igreja, não que eu queria que me fizessem alguma coisa ou que dessem esmola, mas contando
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as coisas bem contadas, esquecimento foi aquilo a que me votou a Igreja e o secularismo nada
me serve embora acalente desejo de provar as coisas, de encontrar meu caminho, na filosofia,
não como dono desse saber, mas podendo caminhar sozinho para fazer sentido de tudo isto
que me rodeia. Em pequeno tinha inúmeras questões e perguntas, meu sobrinho diz “tio,
deixa de fumar que eu faço a comunhão” e eu não sei se vale a pena fazer a comunhão,
admiramos São Francisco e o que ele defendia por si só é indefensável, impraticável, o que ele
realizou foi uma reacção ao deboche da Igreja do tempo e tal parece não ter surtido efeito
durante muito tempo, pois os porcos homens se encarregaram de logo repor tudo no pior
cenário. Ficamos à espera que todos os prenúncios de sombriedade possam afastar-se de nós
e sonhamos acordados, quando é mais do que evidente que a vida neste país, é estranha e
dura, e que a maior parte de nós vive numa hiperrealidade, numa ficção quotidiana que nos
vai, tal balão de oxigénio, aguentando no fio dos dias. A mediatização cada vez maior dos
sentimentos das pessoas vem a par daquela ideia de que expondo-se a pessoa está disponível
para qualquer pessoa, num momento cirando um portefólio das aventuras passadas e
fincando pé nas aventuras que hão-de vir. Nunca como hoje a divisão entre o público está tão
em causa, ora se aproximando, ora se afastando. Elegia do individualismo, o quotidiano que
tomamos não ilustra senão uma temorosa passagem pelo reino dos medos e frustrações,
numa forma negativa em que é impossível sublimar mais o sexo, sendo que sexo e morte,
seguindo Bataille, andam de mãos dadas. Pois é numa cultura de morte que vivemos. A morte
não está exposta senão a morte política e diplomática, nos ecrãs que relatam conflitos no
Afeganistão, no Iraque ou no Sudão. A morte do cidadão comum é escondida, não se pode
sofrer, tem de se aguentar, não se pode uma pessoa queixar, tem de sofrer sozinho, no canto
para onde a sociedade o relegou, e será porventura alguma ousadia falar mal da sociedade
quando ela o coloca de lado? Terá alguma coisa a dizer bem da sociedade aquele que ela
rejeita e que sempre rejeitou e mesmo assim com sorrisos essa pessoa se apresentou para
novas e novas solicitações? Na verdade, não existe a solidão, mas corpos arfados de almas que
se encontram, uns sós outros acompanhados, comunicando, permanecendo sós. Na verdade,
parece-me que a sociedade actual nunca fez tão sós as pessoas, nunca os psicólogos tiveram
tantos meios para enriquecer e corajosas as pessoas que assumem o seu mal e que não o
atribuem a bruxaria, oráculos e magia. Os corpos estão sós. O mundo da cidade não é feito
para representações em que o grupo era é diminuto e pode ser abarcado pelo sujeito
cognoscente. Nesta altura, assiste-se a um desfasamento de tais perspectivas. No entanto,
surgem outras comunidades, as capelinhas, em que a academia se substitui à família. De um
lado, da academia, como do outro, da família, o que se procura será o reconhecimento por
coisas feitas e pensadas. Mas o que permanece totalmente estranho e que causa absoluta
estranheza é a forma como os membros da sociedade são mediatizados. A sociedade já não é
relatada como os membros pertencendo a tal ou tal terra mas como sendo capazes de falar tal
ou tal habilidade. Em todo este cenário, há um silêncio atroz na noite e o silêncio quebrado
pela voz estala dentro da cabeça como se o cérebro fosse feito de vidro frágil. A mediatização
funciona como forma de entronização de novos membros na sociedade, mesmo que isso custe
perda de privacidade que tanto custou conquistar nestas lutas entre público e privado. A
pessoa só se sente completamente integrada quando é reconhecida como sendo mediática,
somente quando toda a gente sabe da sua vida, mesmo os mais pequenos pormenores,
usualmente raiando o escândalo sob a temática do sexual.

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Uma estranheza se faz notar na consciência individual, a qual rege a condição com que nos
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apresentamos ao objecto. Essa consciência deve ser em termos de praxis, uma consequência,
um leitmotiv e não uma condição, já que as tarefas da filosofia também se aplicam ao livre
pensamento, sendo que este, quando abrange o domínio do religioso, põe em causa os outros
e nesta medida é sem dúvida eivado de qualquer conteúdo ético. Na verdade, parece que as
tendências actuais para a disseminação do pensamento e da crença individual numa entidade
supranatural são tendência e não consequência. Se analisarmos as coisas em termos de
tendência muito melhor visão teremos dos três tempos e da modernidade tal qual a vê
Habermas. Ainda assim, na contemporaneidade interessa perceber porque é que o homem se
revolta: falta de emprego e oportunidade para se afirmar, falta de espaço para progredir na
reprodução biológica, que engendra esta dum novo tipo de reprodução a social, quando a
ontológica há muito se faz esquecida na alma das pessoas menos cautas. Olhamos assim de
uma maneira tendencial para o que é verdade aos olhos de cada uma das pessoas, pode ser
verdade a realização pessoal e profissional, os jovens parecem cada vez mais insatisfeitos e o
alvor da era tecnológica serve como lenitivo que adormece e esses desejos, mas potencia
outros que descaracterizam a personalidade em termos psicológicos, em termos de
comportamento e de base estritamente ontológica. Estamos tentado dar uma ideia do que
significa ser-se pós-moderno num mundo em que a afirmação do indivíduo é promovida pelo
colectivo, mas também num mundo de que o sujeito não está alheio, a alienação pós-
revolução industrial parece atingir contornos totalmente distintos do que acontecia na época
observado por Karl Marx. Se alguma forma de reivindicação o filósofo pode clamar para si é a
da observação da sociedade, da cidade, no estilo de Max Weber, e do comportamento, da
eticidade dos seus indivíduos e é pela soma dos comportamentos que fazemos leis gerais que
aqui declaramos como apoiando, sendo documentos contemporâneos e históricos relativos
aos tempos que correm. É isso que o filósofo pode clamar para si, não a alienação em relação
ao mundo que já não vive, mas a participação, num caso e a observação, no outro, sendo que
esta última se trata de uma afirmação documental, etnográfica, material, dos pressupostos
com que à partida se parte para essa mesma observação. Porventura se adianta aqui uma
nova forma de fazer filosofia, menos centrada no sujeito pensante, talvez uma nova era está o
homem moderno engendrando, esta prenhe de significações novas prontas a serem agarradas
no vento pelo observador-pensador. Entre estes dois momentos da actividade filosófica há
mais um hiato comportamental do que que propriamente metodológico, dado que o sujeito-
pensante-observador está também imerso no mundo, e devido a tal se compara aos seres
observados e se inclui no rol desses seres enquanto personagem de uma actu-acção que leva
o seu tempo perceber. Quando se considera o dualismo esfera individual versus esfera social,
podemos dizer ainda que em certos contextos psiquiátricos ela não existe, em certos agentes
ela não existe, na maior parte de todos, sobretudo na camada mais velha da população, ela
existirá, mas todavia me parece que neste caso não há que ter ideias feitas, por na verdade me
parece que todos somos um pouco sartreanos no nosso quotidiano. Todos experimentámos já
a agonia e a náusea e vimos o vómito do conhecimento, Assistimos à explosão de imensas
metáforas dentro do nosso espírito, pois como pode a mente pensar senão por imagens,
muitas delas sobreexpostas.

Nas tentativas que encetamos ao longo dos dias úteis para interagir com os outros, muitas
vezes acontece que não se travam diálogos tendo como referência um sistema de valores

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onde crescemos. A cada pessoa o seu sistema de valores, poderíamos dizer, no entanto algo
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mais prende a nossa atenção quando nos dirigimos à beira-mar para ouvir a voz do mar,
quando cessam de fazer sentido as vozes humanas. Há uma sede de eternidade em cada um
de nós e essa sede não pode ser saciada somente pela religião. Longevidade, busca da
sabedoria, maturação de valores, eis algo que nos passa a preocupar mais do que o simples
acto de entrarmos sozinho numa igreja para fugir à confusão da cidade. Sem dúvida que
Husserl foi importante ao dar um papel proeminente à intersubjectividade no seu sistema. O
que ele quis significar foi que após a era do colectivo veio a era do sujeito e tal foi bastante
intensificado na década de 90 do século passado. Nunca como então se registou o apogeu da
era individualista e Lipotevski fê-lo notar de certa maneira, mostrando o cansaço dos velhos
paradigmas, que foram caindo em desuso face à realidade emergente. Mas a par desta era do
indivíduo, gerava-se um movimento que conhecemos como globalização, e o que se tornou
difícil em termos de engenharia social para benefício do indivíduo foi conjugar as escolhas do
que era ou é seu com o que era e é dos outros. Globalização ou americanização? Isto é uma
questão que não iremos desenvolver aqui, neste contexto.

Vivo Lisboa como se vivesse em Nova Iorque. Há bandas de garagem, um clima pesado e
depressivo, mas também há flores ainda em certos recantos e o céu a meio da tarde fica limpo
deixando o sol irromper para a terra. Bebo um café, bebo uma água com gás. Esqueço o meu
Ego insaciável e estranho entrando nas faces que meus olhos conhecem. Por detrás de cada
face está uma história que não ouso descortinar, afinal de contas, há uma tácita lei de
privacidade. Vivo de livros, que vou buscar às bibliotecas, compro o Jornal das Letras e estou
no meio de uma praça lendo, como se o mundo das palavras girasse à minha volta. A pouco e
pouco parece-me que construo uma prosa filosófica, uma obra não inteiramente filosófica,
não inteiramente científica, não inteiramente literária. Mas inteiramente minha e genuína.
Apesar de certos dias estar aguardando pela inspiração, ela chega antes de uma mulher.
Passarei bastante tempo à espera da inspiração como de uma mulher.

O que caracteriza a diferença entre filosofia e ciências sociais será a ênfase posta no ôntico
de um lado e o social, do outro. Eu e Outro assumem-se, assim, como baluartes disciplinares,
disputando a primazia académica. Se, por um lado se reconhece o esforço de previar ideias e
conceitos, por outro lado, é inevitável reconhecer o actor social como aquele que mesmo na
tragédia grega, interage. O fruto dessa interacção são laços que o sujeito tece para se
relacionar com Outros, de que resulta uma trama de Outros Sujeitos, que povoam a órbita do
sujeito. Acontece por vezes que essas relações são esporádicas e não se mantêm no tempo, ou
são conflituais, gerando isolamento e dor. Quando o seu humano interage, assim, ele coloca
em questão as suas pré-de-terminações em favor do Outro a fim de se acercar daquilo que Ele
é, do que pensa e o que não pensa no locus da interacção é abarcado pelo Eu, Sujeito, gerando
o processo a que chamamos de comunicação. Trata-se na verdade de pôr em comum, quando
dois Sujeitos se encontram, quando se encontram seus pensamentos, crenças, pré-conceitos.
Se em certas experiências fora do normal quotidiano o Eu pode ser Outro, nomeadamente nas
tradições e fenómenos de possessão, a maior parte do tempo encontra-se absorto em Si, o
que não quer dizer que não faça, ele próprio, parte de uma comunidade. Tem em si, na sua

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mente, algo que efectivamente não é seu de todo. São estes pensamentos e ideias que
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resultam da interacção social, intersubjectiva.

Muitas vezes, acontece que temos nos próprios, seres sociais e religiosos, desejo da violência,
do sexo violento, talvez porque não nos encaixemos ou ainda não encaixámos no seio da
sociedade. Um estado de desejo é preferível a nada sentir, a ter dores de cabeça filosóficas, é
preferível a adiar o desejo. Louis Vuitton diz que “viver sem paixão é imperdoável”, para
promoção de mais um perfume, apresentando um homem com duas mulheres. Ora, que não
tem mulher fica cm inveja e daí a comprar o perfume vai um pequeno passo que não consigo
agora explicar. O obsceno, na realidade, deixa-nos paralisados, tira-nos alegria de viver e deve-
se pensar que nos leva a pensar que a alegria de vida é coisa que não vale a pena
experimentar. O manejo do desejo, o modo como lidamos com as nossas aspirações não é,
pelo menos nessa sociedade, objecto de atenção de Freud. Podemos ver certas patologias à
luz de Freud. Mas ele viveu noutro contexto e isso é o mais importante a este respeito. O
contexto de hoje é particularmente singular: crise económica, fluxo enorme de informação à
escala global, contudo, a economia das emoções parece estar tão ou mais frágil do que a
economia no estrito sentido da palavra.

NOTA: Se tantas vezes na filosofia se fala dos conceitos de tempo e espaço, porque não
demarcar análises filosóficas em temos destas duas bitolas, com a ajuda até particular da
literatura.

Denota o leitor por acaso algum tipo de hiato no texto? Uma crítica deve-se fazer a esta
sociedade que provoca a alegria intra-muros e que noutros espaços tem dificuldade em di-
gerir as diferenças. Que possibilidades há de ser-se feliz num mundo com tantas contradições
e se o stress é benéfico segundo alguns também a literatura se torna competitiva, ver quem
distribui mais náusea pelos outros em forma de palavras, talvez se tenham esquecidos os
escritores que há já para os mais novos outras formas de comunicar e que, no fundo, a
literatura é qualquer coisa de muito conservador mas ainda assim muito subversivo, como o é
o acto de escrever.

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