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Projeto Conversa de Coxia é uma iniciativa do Núcleo de Estudo e Pesquisa das
Expressões Dramáticas-NEPED/CNPq. O NEPED é formado a partir de atividades
coletivas realizadas entre professores e estudantes da Universidade Federal de
Alagoas/Ufal e outras instituições de ensino superior. Objetiva ser um espaço de
discussão, reflexão e produção de estudos e pesquisas voltados às manifestações da arte
e conexões entre as diferentes expressões artísticas e dramáticas, especialmente o teatro,
o cinema e a literatura.
O Projeto surge a partir do interesse em promover um diálogo entre os discentes
e docentes do curso de Teatro da Universidade com profissionais atuantes no campo das
artes cênicas no estado. Ao lançar luz sobre as carreiras e contribuições desses(as) artistas
do universo teatral alagoano, a ação objetiva, além de homenageá-los(as), contribuir para
a construção da história do teatro alagoano com base na biografia de seus profissionais e
agitadores.

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É com muito prazer que concluímos essa primeira etapa do projeto Conversa de
Coxia, uma tentativa real e concreta de contribuirmos para a construção da história do
teatro alagoano através do depoimento de seus(suas) fazedores(as), daqueles(as) que
efetivamente constroem e reconstroem a cena e se submetem cotidianamente à mais
absoluta falibilidade que é o substrato essencial do fazer teatral.
Este trabalho, além de prazeroso e gratificante, nos proporciona uma interação
acadêmica e artística, pois o contato com os artistas permite realizar um mergulho em
suas histórias e também em seus arquivos.
Para registro dessa interação, preparamos este e-book onde se acha transcrita, além
das entrevistas, a produção acadêmica de docentes e discentes acerca dos entrevistados.
Iniciamos o projeto com o diretor, ator, poeta, dramaturgo e, acima de tudo, homem de
teatro, Lael Correa. Foi uma conversa longa e prazerosa, como sempre o é toda conversa
com Lael Correa.
Em seguida, entrevistamos a atriz Diva Gonçalves, ex-aluna do antigo Curso de
Formação do Ator, da Universidade Federal de Alagoas, que nos brindou com sua história
de paixão pelo teatro.
Aproveitando a reunião da SBPC em Alagoas, dentro da programação da SBPC
Cultural, realizamos uma roda de conversa com os representantes de quatro grupos
teatrais: o Coletivo La Casa, Cia. do Chapéu, Coletivo Volante e o mais antigo em
atividade, a Associação Teatral das Alagoas – ATA. Esse bate-papo nos possibilitou
tomar contato não apenas com a trajetória dos grupos, mas também com a opinião crítica
em torno da cultura alagoana.
A entrevista que sequenciou se deu com o ator, dramaturgo, diretor e ex-professor
do Curso de Teatro da UFAL, Homero Cavalcante, e o ator e diretor José Márcio
Passos. Essa entrevista em dupla se deu pelo fato de eles se encontrarem em cartaz com
uma peça – Centenário ‒ que marcava o cinquentenário dos dois nos palcos alagoanos.
Foi uma entrevista agradável e descontraída, e não poderia ser diferente quando entre os
entrevistados se encontra Homero Cavalcante. Essa conversa possibilitou a todos
conhecerem mais amiúde o universo dos dois, mas, acima de tudo, descobrir efetivamente
que o teatro é a arte da paixão.
A entrevista seguinte se deu com a atriz, diretora e professora da Escola Técnica
de Artes, Waneska Pimentel, que ao comentar sua trajetória nos palcos, quer dirigindo,
quer atuando, não hesitou em manifestar sua emoção ao falar de seus alunos e da
contribuição que eles dão para a construção de sua história.

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O entrevistado seguinte foi o ator e professor do Curso de Teatro da UFAL,
Otávio Cabral, pego de surpresa na ocasião e que também discorreu sobre sua trajetória
no teatro ao longo de 55 anos de carreira.
Todas estas pessoas foram afetuosamente acolhidas pelo público presente e ao
mesmo tempo brindaram a todos(as) com seus relatos apaixonados e incentivadores. De
uma maneira geral, as entrevistas deixaram muito claro na cabeça de cada um(a) que o
teatro só se constrói, só se manifesta, se for possuído pelo ingrediente irretocável da
paixão.
Quanto à produção acadêmica docente e discente, Samara Rayra Cordeiro Viana,
aluna de Teatro/Licenciatura, nos traz o artigo intitulado “Analisando Uma dose de chuva,
de Lael Correa”, no qual percebe, a partir daquele universo dramatúrgico, a solidão do
indivíduo moderno.
Cleydson Alan Cardoso da Silva, também aluno de Teatro/Licenciatura,
igualmente mergulha na dramaturgia de Lael Correa, para produzir seu artigo intitulado
“História do teatro: Aprender e Fazer”, fazendo emergir uma reflexão acerca da
importância do sonho na vida do ser humano.
O discente Neto Portela, do curso Teatro/Licenciatura, também opta pelo universo
dramatúrgico de Lael Correa e promove uma reflexão em torno da peça O Sorriso da
Rainha Morta, que intitula seu artigo, no qual observa o vazio do ser humano moderno
e sua necessidade de ser notado, muitas vezes tentando transparecer o que não é apenas
para se sentir bem e acomodado dentro dos padrões preestabelecidos pela sociedade.
A Profa. Dra. Carla Antonello, da Escola Técnica de Artes – ETA, a partir da
entrevista com a atriz Diva Gonçalves, nos brinda com seu artigo intitulado “Ética
Teatral: um processo de aprendizagem em sala de aula”, no qual, a partir dos três alicerces
considerados pela atriz como fundamentais para a manutenção de seu coletivo, que são
amizade, respeito e afinidades, promove uma relação com o aprendizado em sala de aula,
levando em conta que Diva obteve sua formação artística no antigo Curso de Formação
do Ator, atualmente denominado Curso Técnico de Arte Dramática, que integra a Escola
Técnica de Artes da Universidade Federal de Alagoas, na qual a professora atua como
docente na formação de atores;
O Prof. Dr. Otávio Cabral promove uma reflexão em torno do entrevistado
Homero Cavalcante, fazendo ressaltar sua importancia não só para a história, mas também
para a produção dramatúrgica alagoana, em “Homero Cavalcante: a serviço da paixão”.

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Por fim, o Coletivo Filé de Críticas tece uma reflexão intitulada “Oito Tessituras
para Otávio Cabral”, na qual efetua uma viagem em torno da trajetória do artista.
O NEPED acredita que com a publicação deste e-book presta uma importante
contribuição à história do teatro, oferecendo a todos que o acessarem a possibilidade de
melhor conhecerem tanto a formação histórica do nosso teatro quanto a trincheira de luta
que é o tablado na discussão das inquietações da sociedade.
Uma ótima leitura a todos(as).

Ana Flávia de Andrade Ferraz & Otávio Cabral

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Conversa de Coxia com Lael Correa

NEPED: Boa tarde a todos e a todas. Hoje estamos inaugurando o projeto CONVERSA
DE COXIA, que é um projeto desenvolvido pelo NEPED (Núcleo de Estudo e Pesquisa
das Expressões Dramáticas). Esse projeto é uma contribuição que queremos prestar à
história do teatro alagoano. Ele acontecerá mensalmente, trazendo sempre uma pessoa de
teatro do estado de Alagoas para ser entrevistada. O resultado dessas conversas será
disponibilizado em formato de e-book, criando assim um banco de dados para os
pesquisadores interessados na construção da história do teatro alagoano, a partir do relato
dos seus construtores.
É um prazer ter o aqui Lael Correa, pois ele tem toda uma história ligada ao teatro
alagoano. Vamos conhecer um pouco da sua trajetória: em 1990, Lael cria o grupo Infinito
Enquanto Truque, um grupo que já possui uma história bastante extensa no teatro
alagoano. Lael é uma pessoa que trabalha em todas as áreas do teatro: ele dirige, atua, faz
as cenografias dos espetáculos, os figurinos, a produção... É graduado em artes pelo
Cesmac, fez educação artística e uma especialização em metodologia do ensino da arte;
tem 32 peças de teatro encenadas, de 1990 a 2017, com apresentações em Alagoas, no
Ceará e em Sergipe. Tem 23 exposições de artes visuais e é detentor de vários prêmios.

LAEL CORREA: Boa noite a todos. É um grande prazer estar conversando com vocês.
Estou superfeliz de ver um projeto que está cuidando da memória do teatro alagoano,
porque se depender de atores como eu, não aconteceria nunca, pois sou péssimo para
guardar papéis. Então quando tem profissionais, acadêmicos e historiadores interessados
em registrar o que se faz numa arte, que é a coisa mais efêmera que existe, é ótimo. E esse

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é o calcanhar de Aquiles do teatro: a efemeridade. Porque não sobra nada depois da
apresentação de um espetáculo. Não sobra nada porque não há fotografia que diga, não
há filmagem que revele o que acontece no ato cênico. O que acontece em cena é sempre
esse desespero, é sempre o que sobrou. Quando listam e citam as peças que eu fiz, eu
digo: ‒ Uai, eu nem lembrava essa! Se você mesmo não lembra, como é que o povo vai
lembrar? Como é que o Estado vai lembrar? Como é que a memória cultural do Estado
vai ficar? É preciso esse tipo de trabalho que a gente está vendo acontecer aqui.

NEPED: Lael, acho que todo mundo deve estar curioso, eu inclusive, para saber o que é
que te levou para esse mundo maravilhoso, mas tão difícil, que é o teatro?

LC: Eu sempre acho interessante quando as pessoas dizem que um belo dia resolveram
que queriam fazer teatro. Com vinte anos de idade, às vezes mais, e há casos de atores
ilustres que começaram já com quarenta anos. Tem uma atriz, Lélia Abramo, que
começou a fazer teatro aos quarenta anos e se revelou uma grande atriz. Eu acho muito
interessante essa história, porque comigo não há um registro, eu não me lembro de quando
começou. Desde muito cedo eu gostava de arte, e muito cedo eu já fazia teatro na escola,
não lembro bem em que série, em que ano, mas muito cedo já começava a escrever teatro.
Aliás, eu comecei com teatro escrevendo, lendo Maria Clara Machado e reescrevendo
Maria Clara Machado. Eu não gostava do final das peças, o modo como ela encaminhava
a narrativa, a culminância sempre me desagradava, eu dizia não, eu não acredito nessa
bruxinha que é boa, no final ela vai ter que dar umas pernadas aí. Então eu comecei no
teatro assim, reescrevendo teatro alheio. Acho que essa mania, essa teimosia permanece
até hoje, por isso eu ainda hoje adapto muito, embora hoje eu tenha aprendido que a
grande adaptação é onde você é fiel ao autor, onde você é fiel a cada vírgula, e não quando
você começa a modificar a história. Assim eu comecei a fazer teatro, sem ter muita noção,
sem ter muita consciência disso, muito, muito cedo

NEPED: Se a gente vai fazer uma pesquisa, se a gente vai aos jornais mais antigos, a
gente vai encontrar algumas crônicas do Florêncio Teixeira nas quais ele vai dizer que
conheceu você, um garoto de 15 anos, começando a escrever teatro e falando exatamente
isso que você falou: que não gostava dos finais e ia reescrever. O Florêncio fala que você,
aos 15 anos, tinha mandado uma peça para a censura e que seu pai teve de assinar porque
você era menor de idade. Nessas crônicas ele fala em um grupo que você havia criado.

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Queria que você falasse um pouco sobre o surgimento desse grupo, o surgimento do
Infinito Enquanto Truque e se essas peças que você mandou para a censura foram
encenadas.

LC: Uma lembrança felicíssima a do professor Florêncio Teixeira. Florêncio é da geração


de Bráulio Leite e outros, uma galera que já estava fazendo teatro em Alagoas há muito,
muito tempo. Eu tinha 15 anos quando o conheci e ele me convidou para assistir às aulas
dele de teatro no Cesmac. Ele era professor de educação artística da disciplina Teatro. Eu
o conheci no departamento de censura mesmo, tinha levado meus textos para o exame da
censura, em plena ditadura militar, no fim dos anos 70, e aí ele ficou impressionado com
aquele pivete escrevendo, com três textos de teatro para serem entregues, que eu queria
montar com meu grupo de escola, chamado Grupo Desafio. O professor Florêncio acabou
se tornando o padrinho do grupo. Nós ficamos em cartaz no Teatro Arena. Duas semanas
em cartaz no Teatro Arena, para um grupo de escola, era muito legal. Ele conseguiu que
um de seus alunos dirigisse o espetáculo e foi um texto meu, chamava-se Enganos Fatais.
Eu não tenho mais porque eu fiquei com tanta vergonha desse texto quando eu fiquei
maior que eu o destruí. Assim começou a história desse grupo que só montou esse
espetáculo. Depois eu fui pra o Rio de Janeiro, aos 16 anos de idade, onde fiquei por
quase dez anos; vou para a Europa e volto para Maceió 12 anos depois. Aí invento o
Infinito Enquanto Truque. Eu voltei, na verdade, para passar férias. Eu queria dar um
tempo aqui, rever amigos de infância, reencontrar atores, como Aline Marta, que tinham
sido da minha adolescência... Eu retomei o contato com essas pessoas, e das férias de um
mês estiquei para seis meses, para um ano, para dois, para dez... para o resto da vida,
parece.

NEPED: São interessantes essas histórias porque elas vão enriquecendo o conhecimento
acerca do artista. Você disse que passou dez anos fora, voltou para passear e esse passeio
continua até hoje. Depois vai criar o Infinito... Eu queria que você falasse um pouco sobre
a trajetória do grupo.

LC: A história do Infinito Enquanto Truque começa no final dos anos 80, mas ela não se
define ali. O grupo se registra, se estabelece e cria uma sede nos anos de 1990. Até então,
eu tinha idas e vindas; eu não parava muito aqui e, quando parava, inventava uma moda,
umas brincadeiras... Eram brincadeiras mesmo, eram coisas muito rápidas. O professor

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Almir Guilhermino chamava isso de os “primeiros besteiróis de Alagoas” e era mesmo
essa a intenção, de pura diversão. Mas aí, quando eu resolvi ficar em Maceió, me
estabelecer, morar mesmo, eu fundo o Infinito Enquanto Truque, e a primeira peça é a
Lição, de Ionesco, com a Aline Marta, que vai marcar a estreia do grupo. Com a
inauguração do espaço, com a sede do grupo, começa o trabalho que eu acho que é um
dos mais sérios que eu já vi, que eu vi no Nordeste. É uma das experiências mais fortes,
porque era um grupo que praticamente morava junto; eram dez pessoas que faziam teatro
com exclusividade, a gente não fazia outra coisa, só produzia teatro; a sede se mantinha
com espetáculos que se acasalavam. Você estava encenando um espetáculo, aí você já
estava ensaiando o próximo e isso dava uma agilidade e uma espécie de
profissionalismo... Eu não gosto dessa palavra “profissional”, mas dava um caráter mais
profissional para um bando de amadores, porque éramos amadores no sentido de que não
havia produção, era tudo feito no improviso, no empirismo; não tinha nenhuma base de
estudo, nenhuma base acadêmica, não tinha ninguém formado em arte, era uma coisa
muito solta, mas ela visava a arrecadar fundos para as montagens. Então se cobravam os
ingressos e tinha um público extremamente conivente; você tinha um grupo fixo
garantido. No espaço só cabiam cinquenta pessoas, no máximo. Você criava ali uma
dinâmica e uma experimentação muito férteis, muito fecundas.
Alguns projetos extrapolaram até as intenções do grupo, como é o caso do Ratofuso
e a adaptação de Angústia, de Graciliano Ramos. A peça viajou muito por vários estados,
ganhou muitos prêmios, teve uma repercussão e uma temporada em ação de quase três
anos. Ou seja, existia ali o primeiro grupo na cidade, na segunda metade do século XX,
que tinha uma sede, um trabalho contínuo, permanente, com pessoas dedicadas com
exclusividade à atividade. Então isso tornava o trabalho muito rico e muito diferente do
que é hoje o Infinito... que é um grupo, atualmente, esfacelado, um grupo não fixo.
Eu trabalho hoje com atores da época, como o Silvinho Sarmento, que além de ser um
grande amigo, é um grande ator e que se dispõe a voltar ao Infinito às vezes, sem ou com
uma remuneração pífia. Então, hoje não é esse grupo, mas foi, durante dez anos, de 1990
a 2000, um grupo que tinha sede, tinha endereço, tinha um público garantido. Lembro
que numa das viagens que a gente fez para o Rio de Janeiro, a gente estava sem dinheiro
para as passagens, porque transportar dez atores não é nada fácil sem patrocínio. E aí
pedimos para a plateia colaborar e a plateia pagou algumas passagens e a gente viajou. É
esse tipo de cumplicidade com o público que a gente tinha e que eu acho que é raro, é
muito raro em Alagoas.

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NEPED: Você falou do espaço Camaleão, o saudoso espaço Camaleão. Eu achava aquele
espaço muito interessante, não sei se hoje seria interessante, por conta da questão da
segurança, mas era um espaço diferente, pois nos possibilitava conhecer o palco não
convencional, diferente do tradicional palco italiano. Tínhamos já o teatro de arena, mas
o espaço do Camaleão era algo transgressor, além do charme que possuía. Eu vi alguns
espetáculos ali, lembro bem de Ratofuso, quando você mergulha no universo graciliânico
e vai buscar Angústia, mas estou me lembrando de um outro momento, quando você
encenou A lição, de Ionesco, que, me parece, teve duas montagens, não é? Eu estou bem
lembrado da montagem com Silvio Sarmento, que já foi bem depois.

LC: A primeira montagem, inaugurando a ideia do grupo, teve o apoio da Universidade


Federal de Alagoas; aliás, foi o único momento em que a Universidade de fato apoiou o
Infinito Enquanto Truque. Eu tenho várias reclamações da Universidade, inclusive de
momentos em que ela prejudicou o trabalho do grupo, mas em A Lição, primeira
montagem, quando a Proex era coordenada pelo Almir Guilhermino, que foi uma das
pessoas que mais deu apoio ao grupo, e que intercedeu junto à Universidade para que a
gente estreasse no auditório Guedes de Miranda, no Espaço Cultural. Tivemos uma curta
temporada ali e depois fomos para o Arena, mas a estreia foi pela Universidade, com
grande evento, para convidados nossos, convidados da universidade etc.

NEPED: Eu vejo que na minha relação de peças montadas não consta Leonora
Calatrava.
LC: Era inicial, o grupo ainda não existia.

NEPED: É, foi um espetáculo muito interessante, eu não estou lembrado onde eu vi, acho
que foi no Arena, mas foi um espetáculo que me encantou muito, um figurino muito
bonito, uma ótima atriz, mas percorrendo aqui a minha lista eu chego a 91, a Tipos e
Tapas, e eu acho que aquele é um espetáculo que merece ser comentado pelo que ele
guarda de história e pela crítica que desfere às instituições culturais. Eu gostaria que você
falasse um pouco de Tipos e Tapas.

LC: Era a primeira vez, eu acho, que um grupo tentava investigar o comportamento das
instituições locais. Todas elas entravam nesse jogo proposto pelo grupo, todas eram

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colocadas na berlinda, desde a universidade até a Secretaria de Cultura, todas as
instituições que lidavam com a cultura, o Sesc também, todas passaram a ser alvo de uma
crítica mordaz, mas também muito juvenil; não era uma coisa de desestruturar, apesar de
que havia brincadeiras: por exemplo, o término do espetáculo era o hino de Alagoas
cantado pelo elenco com rotações alteradas ‒ uma hora acelerava dramaticamente, depois
diminuía quase ao desmaio e assim ia até o fim. Já tivemos no camarim o caso de uma
pessoa que foi conversar com o grupo e disse: “Olha, não gostei do nosso hino, melhor
que vocês parem com essa brincadeira. Eu espero que isso não se repita, que vocês mudem
isso nas próximas apresentações”. Isso foi dito por um militar daqui do estado, uma figura
proeminente, conhecida. O sujeito entrar no camarim com esse tipo de pauta é no mínimo
estranho, não é? Ou seja, as pessoas se incomodavam, e isso pra gente era sinal de que
estava dando certo. Na verdade, algumas instituições, algumas direções, ficaram bastante
ofendidas com a brincadeira. A secretária de Cultura na época era a senhora Alita
Andrade, membro de uma família de políticos bastante antiga aqui no Estado; está aí
ainda atuando, é uma pessoa bastante limitada intelectualmente, mas era nossa secretária
de Cultura, e por acaso estamos no momento em que novamente temos uma pessoa que
não tem nada de diferente, talvez tenha um agravante que é ser uma pessoa com sérios
problemas com a Justiça. Esse problema parece que sempre existiu, não é? Quer dizer,
era uma peça de 90 que a gente fez logo depois de A Lição e a gente continua a ter os
mesmos problemas; a diferença é que, diferentemente de 90, não há na cidade hoje nem
mesmo no Infinito Enquanto Truque a vontade de pegar esses temas e levar para o palco,
discutir isso, tirar sarro disso e colocar como uma discussão que tome conta pelo menos
desses lugares onde a gente circula. Tipos e Tapas, na época, virou assunto de bar, virou
assunto de todas as rodas de discussões artísticas, porque estavam ali levantados todos os
pequenos e grandes problemas que a gente tinha e tem com a cultura. Então a cultura,
discutir a cultura e criticá-la é sempre muito bom. Eu tenho pensado em retornar a esses
temas ultimamente, pois está ficando muito necessário voltar a criticar nossos gestores,
nossos produtores culturais também. Aliás, na peça, havia dois personagens que invadiam
o espetáculo para roubar a cena; eram o Lauro “Light” e a Maura “Star”. Eram bem
engraçados, e na verdade eles representavam os atores estrelas, vazios, ocos, sem
conteúdo nenhum, que querem roubar a cena a qualquer custo. A gente continua a
conviver com esse tipo de ator fútil, superficial, que sonha com a novela da Globo. E esse
tipo precisa levar os seus tapas em cena.

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NEPED: Vamos sair de Tipos e Tapas. Eu tenho uma curiosidade, Lael. Um dia eu assisti
na Associação Comercial à montagem de O Navegante. E achei muito interessante a
solução que você encontrou para o navio. Eu sei que o texto do Fernando Pessoa é
bastante denso, e eu queria saber como foi para você montar o Pessoa. Como você se
sentiu? Você encontrou alguma dificuldade em levar Pessoa para o teatro?

LC: O Pessoa... Tá aqui um texto entre milhares dele que eu trouxe para ler para vocês.
Eu tenho uma paixão desde adolescente por ele. E o Navegante é uma colagem de vários
textos dele que falam de mar. Tem muito da peça dele O Marinheiro. Remete muito ao
teatro dessa esfera que não se acaba, mas também remete muito à poesia que se tem no
teatro. Eu costumo pensar que antes de um artista plástico, de um ator, um diretor, um
dramaturgo, antes de tudo isso, eu sou um poeta. Gosto de pensar. Escrevo muitos poemas
que não são publicados. Tem lá uma pasta cheia de poemas que talvez um dia eu publique,
quando eu estiver bem velhinho e não puder mais fazer teatro, aí então eu vou virar poeta.
Mas por enquanto eu uso a poesia em tudo. Eu acho que a poesia está nas artes visuais,
no teatro. E como a poesia chega ao teatro? Como representar um poema? Isso é tão
difícil! E é por isso que me interessa, porque eu não vejo muitos atores que são capazes
disso. Eu fico muito triste quando vejo um poema sendo estraçalhado por uma pessoa que
não tem a menor habilidade pra contar um poema, pra dizer um poema. Os eventos de
recitação de poemas em que qualquer um chega e recita, eu acho uma lástima. Ler poema
qualquer um pode; escrever já é outra coisa. Mas para dizer um texto poético
publicamente tem de ser um ator. Você pode fazer isso no seu banheiro, no seu quarto. É
como cantar, você não pode sair por aí, pegar um microfone e cantar, achando que está
arrasando, porque não está. E levar para o teatro é sempre um puta desafio, mas é também
muito compensador quando dá certo, como no caso de O Navegante e Uma história mal
dormida de uma viagem, de Jorge de Lima. Agora isso só foi possível porque nós
tínhamos atores da grandeza de Denilson Leite, Nilton Rezende e Glauber Xavier. Atores
preparados que se dedicaram e treinaram para aquilo. Então você tem um resultado
incrível, e a plateia se pergunta se aquilo era poema. Sim, era poema, mas quando se tem
atores preparados, aquilo deixa de ser poema e vira poesia.

NEPED: É verdade. Há uma diferença muito grande entre ler um poema e interpretar um
poema. Realmente tem muita gente confundindo isso. Mas Lael, nessa edição recente da
Graciliano Ramos você publicou quatro peças. Parece-me que das quatro apenas o

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monólogo ainda não foi encenado, aliás um monólogo bastante interessante e que mostra
um contrarregra falando das suas memórias; as outras três já foram encenadas, a primeira
delas em 2000, Azul para Viagem, e eu começo dizendo que acho esse título muito
interessante. Depois da sua intervenção nós vamos abrir para a plateia, pois temos alguns
alunos que estudaram os textos e provavelmente têm algumas perguntas para fazer. Azul
para viagem, assim como os demais textos, segundo nós comentamos em sala de aula, é
bastante lírico, poético, e fala da solidão. Nele a personagem foge para a sua Pasárgada e
ali vive o sonho de navegar. Eu queria que você falasse um pouco sobre a sua dramaturgia
e sobre Azul para viagem. Um pouco sobre a montagem, sobre o texto, como achar
melhor.

LC: Vou começar pela a montagem: foi uma tristeza essa montagem! Tanto que você não
viu. Pouquíssima gente viu. Ela teve exatas quatro apresentações. Muito melhor resultado
teve a leitura dramatizada feita no Sesc pelo Flávio Rabelo. Era um evento que teve
bastante gente, o resultado foi bem melhor que a montagem no Espaço Camaleão, aliás
essa foi a última montagem do Camaleão. O grupo estava com dívidas, passando por uma
crise absurda, mas o texto para mim é muito importante, pois fala com uma diversidade
de público, pessoas muito novinhas e pessoas graúdas em idade. Tem uma poética
interessante no texto, e isso para mim é muito bom.

NEPED: Naquele texto, há uma personagem que para mim é muito interessante. É a
sobrevivente que se encontra com o navegante. Eles se apaixonam, têm um caso e ela vai
embora. Na verdade, o texto nos revela que algumas pessoas passam por nossa vida,
marcam e às vezes não ficam. No final da peça, o navegante sai da sua “Pasárgada” e
volta para o seu mundo. Em 2011, você encena Uma dose de chuva, outro texto seu que
nos mostra o teatro dentro do teatro. Acho interessante, pois você usa o termo criado pelo
Boal: Espectator e Espectatriz. Seu texto é uma aula de teatro. Eu queria que você falasse
um pouco sobre essa peça.

LC: Eu sempre quis escrever algo que mostrasse como é o teatro: a estrutura, como ele
se constrói etc. Nesse texto, Uma dose de chuva, temos dois atores assistindo a uma
história e que irão montar uma peça em cima dessa história. Na plateia temos mais dois,
que são os espectadores, que observam e comentam o que se passa com esses dois atores
e a história narrada. Você tem então três planos através dos quais vai investigando a

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construção do espetáculo. Isso me interessa bastante. Alguém me falou um dia que o
melhor da arte é quando se discute a própria arte. Às vezes eu estou tentado a acreditar
nisso, acredito que quando você a discute você aprofunda o tema, pois dá para discutir a
própria vida, dá para fazer a crítica e discutir. É isso que me interessava em Uma dose de
chuva.

NEPED: Eu sei que você fez adaptações de alguns dramaturgos, e também de


romancistas. Uma que eu assisti e de que gostei bastante foi a adaptação de Angústia, do
Graciliano Ramos, com aquela personagem magnífica do Luiz da Silva. Como foi para
você adaptá-lo?

LC: Difícil. Eu sou bastante perfeccionista em algumas atividades e a adaptação é uma


delas. Para adaptar você tem de ser um ator. Você tem de criar essa personagem do autor
e entender o que ele quis passar. Tem de conhecer bastante esse autor, e eu acho que eu
li basicamente tudo que o Graciliano publicou. Passei quase dois anos para pode adaptar
esse texto, pensei até em desistir. Quanto mais você conhece o autor, mais você o respeita
e mais difícil fica para adaptar algo. Em Graciliano não há o que mexer. É tão enxuto, é
tão perfeito, não tem o que inventar. Tem uma cena, a cena da puta, onde, no livro, havia
um diálogo, mas na adaptação ficou quase um não diálogo, eram as duas personagens se
arrastando no chão. Naquela época nós tínhamos o palco, testávamos a iluminação. Eu
fico impressionado como, hoje em dia, um espetáculo sem ter acesso a esse recurso ‒
colocar iluminação e a marcação do palco ‒, com apenas um dia, e às vezes dá certo.

NEPED: Eu tenho uma frustração: nós já tentamos várias vezes trabalhar juntos e não
conseguimos. Eu comecei a ensaiar com você um texto adaptado do Guimarães Rosa, e
não conseguimos. Na verdade, você foi muito feliz ao pegar dois clássicos da literatura
brasileira, Graciliano e Guimarães, e levá-los para o palco. Eu fico imaginando que não
deve ter sido fácil adaptar Guimarães Rosa, pela linguagem que ele usa e tudo o mais. Eu
queria que você falasse como foi adaptar esse clássico da literatura brasileira.

LC: O Guimarães já é outra paixão. Mas eu o simplifiquei em dois pontos, o que faz com
que você tenha um material de trabalho mais maleável, mais curto, mais sucinto. Vai ser
menos pretensioso. A adaptação vai muito às rubricas, pois o texto vai quase todo na
íntegra.

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NEPED: Muito bem, Lael. Na nossa programação, nós colocamos uma parte da
entrevista para a plateia fazer perguntas. Temos os alunos que estudaram seus textos, e
obviamente eles têm algumas perguntas a fazer.

Perguntas da plateia:
PLATEIA: Primeiro eu quero parabenizá-lo. Achei bastante interessante o diálogo entre
o Homem e a Mulher de Uma dose de chuva. O diálogo entre eles era bastante intenso,
trazia bastante dor. Eu queria saber como foi o processo de criação dessas personagens.

LC: Interessante tocar nesse assunto. Quando eu fui escrever Uma dose de chuva, eu
tinha acabado de ler Zygmunt Bauman, O amor líquido. Toda obra do Bauman fala do
quanto a sociedade é líquida em sua relação, mas em O amor líquido ele trata de como o
indivíduo tem sido bastante líquido em sua relação com o outro na pós-modernidade.
Então eu analisei e vi o quanto que a minha vida, e tudo ao meu redor, é cheio de pessoas
que vão se desfazendo, acabando facilmente com a relação. Junto a isso, também o quanto
que as redes sociais influenciam na relação do sujeito na sociedade. É um tema que eu
acho bastante interessante e que é pouco discutido. Além disso, estávamos passando por
um inverno muito rigoroso aqui em Maceió em 2010, que destruiu muitas cidades. Eu
respondia os e-mails de meus amigos para contar o que estava havendo ao redor e em
Maceió. A peça inteira se passa em um dia de chuva e mostra o quão líquida se encontra
a relação entre as personagens da ficção, os atores e os espectadores, pois mesmo tendo
tantos recursos para a comunicação, ainda assim não se consegue estabelecer um diálogo.

PLATEIA: Ainda sobre Uma dose de chuva, como veio a inspiração para escolher a
trilha sonora do espetáculo? As músicas tinham uma pegada meio alemã do tipo Richard
Wagner.

LC: A trilha sonora é basicamente jazz clássico. Havia três versões de Sometimes. A
gente começava com John Country e mesclava com Gotan Project, que é uma banda de
tango eletrônico, Argentina, blues e muito barulho de chuva também. Mas as coisas foram
surgindo à medida que fomos ensaiando. Na divulgação do livro eu evitei colocar as
músicas que coloquei na peça.

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PLATEIA: A minha pergunta é sobre o texto Uma Dose de Chuva, que foi uma discussão
feita também em sala de aula a respeito dos casais, Homem e Mulher, com relação à
questão de gênero. Na ocasião, a gente parou pra pensar: e se essas personagens fossem
Mulher e Mulher ou Homem e Homem? Você concordaria com essa mudança de sexo
nas personagens?

LC: Claro, acho plenamente possível. Romeu e Julieta pode ser feita por dois caras e duas
meninas também. Não vejo sentido em se escandalizar com esse Cristo que é feito por
uma trans no Rio de Janeiro e agora está em Curitiba. Qual o problema com o Cristo
Trans? Qual o problema do Cristo mulher? Qual o problema do Deus mulher? Não vejo
nenhum sentido nisso. Nenhum personagem está ali com carimbo ou certidão e não pode
ser montado ou encenado se não for daquele gênero. Acho que já superamos isso. Lógico
que assusta quando você vê forças tão retrógadas e conservadoras que ainda acham isso
um problema, mas acho que isso não tem mais volta não.

PLATEIA: Eu fiquei aqui pensando qual pergunta faria, porque eu tinha muitas. Então
resolvi fazer sobre O Sorriso da Rainha Morta. Eu terminei de ler a peça na quarta-feira
de madrugada, e em cada cena era uma lágrima que caía, porque é uma peça que mexe
conosco, pois fala muito da solidão, da orientação sexual... E eu percebi que queria saber
muito sobre essa peça, mas tem uma cena que me impactou muito, que é a última fala do
Gabriel. Essa fala me remete muito ao Bauman, que fala do amor liquido e do
relacionamento de bolso, que é quando você fica com uma pessoa e depois a descarta, ou
seja, fica com uma pessoa só para conseguir o êxtase daquele momento. E eu fiz também
o link com a Escola de Frankfurt, quando fala da relação com a internet a partir do
momento em que ela passa a ser acessível a todos, mais ou menos por volta de 1990, se
não me engano. Eu percebi que essa personagem, Gabriel, é uma pessoa muito carente;
ele perdeu o pai e o irmão em um acidente de carro, a mãe fica com várias pessoas e não
lhe dá nenhuma atenção. Eu queria que você falasse um pouco dessa personagem e sobre
essa obra que você fez.

LC: A Rainha Morta foi o penúltimo trabalho que eu fiz. E ele surgiu da necessidade de
se discutir essas questões que você está colocando. Todos os trabalhos que eu faço são
sempre a partir da observação de um comentário feito por alguém ou de alguma coisa que
esteja acontecendo no mundo que de certa forma me afeta. O Rilke fala muito bem sobre

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isso quando diz que se você acha que pode sobreviver sem fazer arte, então, por favor,
não faça, só faça se vai morrer se não fizer. Um tema para me mobilizar a escrever, porque
eu acho um exercício tão desgastante você se colocar na alma de outra pessoa, de outra
personagem, escrever, se sujeitar à critica, se sujeitar a ser incompreendido... É tão difícil
que é preciso que o assunto te motive muito, e essa era uma questão que me motivava
bastante. Quando eu via espetáculos com pessoas fazendo gays, trans e travestis, e aqui
em Maceió teve décadas de espetáculos fuleiríssimos, de homem vestido de mulher, com
piadas, com comédias banais, descartáveis, primarias, toscas... A gente viu muito isso
aqui, e aí chegou um momento em que eu disse: eu vou falar sobre isso, vou colocar esses
travestis em cena de um modo menos divertido, vou mostrar que essa piada na vida real
não é tão divertida assim, que esse gay desbocado, esse gay estereotipado, esse clichê que
está em cena não corresponde à realidade. É esse o exercício de O Sorriso da Rainha
Morta, o próprio titulo já vem daí, vem do Queen da Rainha, da drag queen e desse sorriso
de gente que não existe, de gente morta. Daí essas personagens se digladiam com esse
confronto que é permanente entre a realidade e essa fantasia colorida, desbocada e
engraçada. Eu quis esse choque, essas duas realidades em confronto e em contraste. E que
bom que você se emocionou com isso e se ligou nisso, porque é um assunto cada vez mais
pertinente, e observo que de uns quatro a cinco anos pra cá, você percebe que em alguns
lugares, principalmente aqui em Alagoas, quase não se vê mais essas comédias
escrachadas, onde era bastante colocar uma peruca, um salto alto e contar piada para atrair
o público. Hoje nem grupos de atores nem plateias você consegue mais mobilizar com
esse tipo de espetáculo, ele praticamente sumiu de circulação. Claro que dá um medo
também, porque por mais descartáveis que sejam essas comédias, elas às vezes cumprem
a função de dar visibilidade para uma questão que não existe, só que quando essa
visibilidade vem de forma negativa, cheia de clichês, ela acaba sendo danosa e deletéria.
A peça propõe esta questão: vamos ou não vamos investir nesse perfil engraçado,
divertido, fútil, superficial para a comédia, para o teatro? Ou vamos tentar mostrar o
avesso desse cartão-postal? Eu proponho mostrar o avesso do cartão-postal, pois sempre
acho que a pior das realidades é melhor do que essa fantasia doce e mentirosa.

PLATEIA: Eu queria saber em que momento da sua vida você se conscientizou de que
queria conversar com o mundo através da dramaturgia. E também queria saber em que
momento se deu esse clique do “eu sou poeta”.

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LC: A dramaturgia é aquilo que já comecei a contar antes. Eu começo a minha história
no teatro como dramaturgo mesmo, a ideia de personagem é muito forte na minha praia.
Tem um texto aqui que eu adoro, que é do Fernando Bonassi falando das mentiras, porque
acho que o teatro é mentira, é como diz o Picasso: “A arte é uma mentira que caça a
verdade para incorporá-la, para transformá-la em verdade”. O Bonassi diz o seguinte: “Eu
minto. Minto sobre o passado, sobre o presente e o futuro. As mentiras saem de mim de
forma tão natural que se incorporam à minha vida com o peso de experiências. Filmes
que não vi, lugares que não visitei, mulheres que não tive, presentes que não ganhei,
sofrimentos que não passei. Minto assim... sem nenhum charme. Diria mesmo que, vez
por outra, os acontecimentos são mais interessantes que as mentiras que coloco no lugar.
Minto pra cacete. Minto inutilmente. Minto de me envergonhar. Agora mesmo eu nem
sei se estou falando a verdade...”. Eu gosto muito disso, e isso tem muito a ver com a arte
do ator, a arte do poeta. Aí a gente volta para o poeta fingidor que é tão completamente,
enfim. A gente finge às vezes até confundir, e a dramaturgia, se não tiver o prazer desse
exercício da mentira que busca a verdade, você não escreve teatro. Você tem de entrar na
alma dessas personagens, tem de entrar nessa história que você inventou, passar a levá-la
em consideração, acreditar nela e produzir o texto. A outra coisa que você perguntou foi
sobre o quê?

PLATEIA: Como se tornou poeta?

LC: Ah, porque eu sou poeta, demorou. Eu lembro bem que estava fazendo Bodas de
Sangue. Numa das vindas a Maceió, antes de resolver que ia ficar de vez e que ia voltar
para valer, eu fiz Bodas de Sangue, com direção de Milton Bacarelli, que veio de Recife
dirigir esse espetáculo para a Funted. Foi uma experiência incrível, eu fiz a Lua, uma
personagem fantástica. E quando eu saí do teatro na estreia, fui caminhar na praia, fui
andar, eu estava tão embevecido ainda daquela lua, e era também uma noite de lua cheia,
e foi na praia que eu disse: ‒ Cara, não tem mais volta, eu vou ser ator, vou ser poeta. O
personagem que eu fazia dizia um poema imenso, um poema de varias laudas, o poema
da Lua, e eu dizia: ‒ Cara, é isso. E ali foi o start, o momento de dizer agora não tem
volta, você está castigado e amaldiçoado.

PLATEIA: Lael, essa é uma pergunta sobre o primeiro texto lido na disciplina eletiva, A
Viagem Azul; é sobre um personagem que me marcou muito, o Viajante, aquele menino.

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Numa certa altura, ele diz que está cansado de tudo, está cansado dos problemas políticos,
sociais, do Estado e da própria mãe. Aí eu fiquei pensando de onde surge isso, se você se
inspira em alguém.

LC: Alan, claro que tem muito de mim mesmo naquele menino, dos meus
questionamentos de adolescente. E acho que essas insatisfações é que fazem girar o
mundo. Tem uma hora lá que o Capitão fala pra ele que o que faz girar esse mundo azul
são justamente essas angústias, essas partidas e voltas, é esse movimento que faz girar a
vida, mas que parte da insatisfação. É esse estar insatisfeito permanentemente. Eu vejo
um marasmo e uma repetição na discussão, pessoas no meio artístico, e não só no teatro,
que ainda convivem com um problema sério que é não perceberem que o mundo como o
conhecíamos acabou. E nesse sentido eu acredito que o século 21 trouxe novas
perspectivas, novas leituras para o mundo. A maioria das pessoas que eu conheço não
sacou que não vai dar mais pra fazer politica como se fazia, não vai dar pra se fazer arte
como se fazia, e não vai dar para amar como se amava, pois os códigos são outros. Não
dá pra fazer teatro ignorando a internet, não dá mais pra ignorar muita coisa. Eu acho que
os mais jovens sofrem muito porque não conseguem encontrar as respostas e o modo
dessa nova realidade; e os mais velhos sofrem porque não conseguem modificar os
paradigmas, continuam agindo e reagindo como faziam no século 20, e não dá mais, nada
mais será como antes. Muita gente está por aí perdida porque não consegue encontrar as
respostas e as linguagens que se fazem necessárias. Falei para um dos atores, quando a
gente estava ensaiando: o teatro acabou, o teatro morreu, o teatro não existe mais, o que
a gente está fazendo ainda é um arremedo de um teatro que a gente fazia e não se sustenta
mais. O teatro vai ter de modificar todas as suas perspectivas, todo o seu modus operandi,
vai ter de mudar totalmente, não tem mais como se manter dentro das bases do século 20,
vai ter de surgir um novo Peter Brook, um novo Grotovski, um novo Stanislavski, um
novo tudo. Está tudo tão perdido que há espetáculos em que você vê mais cinema do que
teatro. Eu fiz uma crítica para um jornal, a respeito de uma peça da Cia Armazém, Marca
da Água, e eu ouvi na saída do teatro um comentário de um espectador: “Que massa! Eu
paguei teatro, mas acabei vendo um show de rock, um filme e uma peça de teatro”. Eu
acho que isso traduziu perfeitamente, porque tinha projeções no teto, tinha hora que
parecia que você estava submerso, no fundo de uma piscina, tinha água no teto, projeções
nas laterais, o fundo se transformava totalmente, eram utilizados truques de cinema no
teatro, e de cinema 3D. Você tinha uma banda no palco, e os caras tocavam mesmo;

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alguns eram atores e os outros eram só músicos. Você tinha tudo ali: música e teatro, e
esse é para mim um teatro perdido procurando uma linguagem, achando que ela tem
salvação, e não tem. Teatro é vivo, é arte, é respiração de ator e suor pingando, e quando
você começa a tecnologizar o que era teatro, você está fazendo uma outra coisa, você está
fazendo um espetáculo multimídia que pode ser muito interessante, muito artístico e
muito bom. Mas teatro, a gente vai ter de repensar isso; os atores novos, os atores maduros
e veteranos vão ter de encontrar outra forma de fazer teatro, e não vai dar pra se fazer com
os clássicos, por exemplo, montar Shakespeare como se montava na Inglaterra.
Quando eu estou escrevendo, nem que seja um artigo para jornal, se não tiver esse
momento do texto que eu não me emociono, eu não levo a sério. Tem de haver esse
momento que me toca na alma, no coração, tem de me emocionar. E com o teatro é
frequentíssimo, você está escrevendo, parar uma cena para ir chorar e voltar depois. Isso
que é muito louco, por isso que tem aquela história da mentira, que o ator que mente tem
de gostar da mentira a ponto de acreditar nela e se emocionar com ela, esse é um dos
lances. Então, com certeza, eu chorei todos os textos, não tem nenhum, eu acho, que não
teve aquele momento que não rolou uma lágrima, porque não é só a questão da emoção
no sentido da tristeza, porque arte tem essa história. A primeira vez que eu fui ver Denise
Stoklos em cena, que foi em Mary Stuart, eu saí do teatro em prantos, eu chorei tanto, eu
saí e fui me esconder na primeira rua do lado do teatro para chorar, porque eu não gosto
de chorar em público. Eu choro muito quando não choro em público. E aí, eu tinha me
emocionado com aquela peça, não que aquela peça fosse triste, era uma peça criticíssima,
da Mary Stuart, uma peça politizadíssima, uma história política, mas porque era arte, era
feita com tal dignidade, com tal afeição, com tal excelência, com total entrega, que me
leva às lágrimas. Mas é arte não porque é triste ou porque disse algo que me fez relembrar
da minha infância, não, não é essa emoção. É emoção no sentido de perceber a poesia que
tem ali, perceber a intensidade que está ali. Em todos os meus textos houve sempre um
momento em que eu estava escrevendo e em que eu chorei. E foi o personagem, não fui
eu, só deflagrei aquela história que ele me mostrou.
Tem um senhor, que nem se pode dizer que é brasileiro, é inglês-brasileiro, que é o
Gerald Thomas, de quem muita gente não gosta, e eu vi uns espetáculos e tenho uma
admiração e um ódio pelo mortal, pelo Gerald Thomas. Mas ele falava que um dos
problemas do Brasil é a questão de produção mesmo, você precisa de uma máquina de
datilografia em cena. E aí tem que ter a máquina de datilografia, não interessa onde,
arrume essa máquina de datilografia para colocar no cenário, porque essa história se passa

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na década de 20, de 30, sei lá quando, eu preciso de uma máquina de datilografia e no
Brasil fica todo mundo dizendo, todo mundo meio que de braços cruzados, esperando que
a máquina de datilografia caia do céu no meio do palco. E tem que brigar por isso, eu
sempre fui assim, porque sempre carreguei nas costas o cenário e ensinei meu grupo a
fazer isso. Quando eu estou fazendo espetáculo eu levo e carrego o cenário nas costas, se
for preciso. Teatro foi sempre assim, vai ser sempre assim, é um dos lados que não deveria
deixar de existir do teatro: manter as coisas na ordem, tem de funcionar. Essa é uma briga
que eu tenho sempre, e vou continuar tendo. No festival do Paraná, uma vez ‒ a gente foi
a três ‒, em um deles, alguém da comissão julgadora veio falar comigo e disse que estava
impressionado como o elenco, pois tinha gente do elenco que montava e desmontava
sempre o cenário comigo. Tinha gente do elenco que montava e desmontava a luz comigo.
Um dos atores era dispensado sempre do elenco para operar a luz, então todos tinham
manha de iluminação, todos tinham confeccionado o seu figurino, com a minha
orientação, lógico, eu sou bem ditador na questão visual, mas cada um pregou o botão da
sua blusa. Tudo tem de aprender, tudo tem de fazer, e não cabe reclamação.
No teatro é um artesanato muito requintado e muito comunista, no sentido de que
todos têm de fazer de tudo, todos têm de saber fazer. Saber como foi feito o figurino é
diferente de um figurino feito por uma costureira e a pessoa vestir e não ter a menor
noção; é diferente quando o ator participa dessa feitura. Em todos os grandes trabalhos eu
vi isso; em todos os grandes grupos eles falam mais ou menos por aí também, todo mundo
participa da montagem, todo mundo participa desses detalhes que fazem uma encenação.
E aí você se apropria do trabalho, você se apropria do espetáculo, você é dono do
espetáculo, não é um espetáculo do diretor. Talvez por isso é possível manter um grupo
por tanto tempo, porque você se sente dono daquilo também, você sente que tem ali o seu
trabalho, a sua ideia...
Só para terminar, eu quero agradecer de novo, vou dizer que com todos os problemas
que eu já tive, todas as minhas brigas e perrengues, há alguns acadêmicos por quem eu
tenho um respeito tão grande que nem certos artistas que eu admiro e amo. Faço tanta
reverência com esses acadêmicos ‒ o Otávio é um deles, não são muitos, não. E eu não
poderia nunca deixar de atender a um convite para conversar com ele, com vocês. Então
obrigado pelo convite, pela oportunidade, e obrigado a Ana Flávia, que é uma nova
amizade, porque o amor faz essas coisas, junta as pessoas. Obrigado a vocês, obrigado ao
Allan, que foi o meu maior ajudante hoje. Obrigado, obrigado a vocês.

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NEPED: Nós é que agradecemos, Lael, por sua participação. Você é uma das pessoas do
teatro alagoano pela qual nós temos uma admiração e um respeito muito grande, tanto
pelas inovações que realiza quanto pela postura política, e nos honra muito inaugurando
esse projeto. A nossa intenção com ele é contribuir para a construção da história do teatro
alagoano. Mas eu queria encerrar dizendo que uma das coisas que me marcaram muito
foi o velório de Linda Mascarenhas, que aconteceu no hall do teatro Deodoro. Na ocasião,
estava acontecendo naquele local uma exposição do Lael, e eu achei uma coisa muito
emblemática as pessoas virem reverenciar o morto que estava cercado de obras de arte.
Nós conseguimos trazer três obras do Lael, cedidas gentilmente pelo professor
Washington, e eu não sei se alguma delas se encontrava naquele local. Aquilo me marcou
muito, até porque uma das obras que ficava próxima ao caixão era um quadro do qual
alguma coisa saía dele ‒ chaves, se não me engano. Então foi uma coisa que me abismou
muito ver a Linda ali sendo velada no hall do Deodoro, cercada de obras plásticas. Linda
foi a pessoa que me ensinou a caminhar pelo palco, daí eu manter um respeito muito
grande por sua figura. Nós queremos dizer que estamos muito felizes por sua contribuição
nesta tarde, na escrita dessa história.

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Conversa de Coxia com Diva Gonçalves

NEPED: Você é formada pelo Curso de Formação do Ator, da Ufal, mas em entrevista
ao Deodoro das Artes você disse que começou a fazer teatro a partir de uma oficina com
o grupo Imbuaça, de Aracaju. Como foi esse trajeto e como cada experiência, tanto no
curso de Formação do Ator quanto na Oficina, contribuiu para a sua formação como atriz?

DIVA GONÇALVES: Foi de vital importância cada aperfeiçoamento, cada curso, cada
oficina. O Curso de Formação do Ator me deu muita prática, e como era um período mais
prolongado, me ajudou a entender o que eu queria fazer. Quando eu comecei, eu era
modelo, então tinha uma ideia completamente diferente do que era teatro; o Curso de
Formação do Ator me deu essa consciência de como realmente a coisa acontecia. A
oficina de teatro de rua do Imbuaça foi meu primeiro contato com o teatro de rua e, na
verdade, ela acontecia paralelo com o curso da Ufal. Eles vinham aqui nos finais de
semana, era intensivo mesmo, sábado e domingo praticamente o dia todo, e foi aí que eu
me abri para o contato mais direto com o público, através daquele embate cara a cara. A
princípio você imagina que o público está vendo tudo de longe, mas na rua é aquela coisa
mais direta, é outra realidade.

NEPED: No inicio da sua atividade teatral, quais foram as influências dramatúrgicas? E


hoje, após 27 anos de carreira, essas influências ainda continuam?

DG: Sim! No início, como era um momento de aprendizado, a gente trilha por vários
caminhos, por vários autores, mas quando resolvi enveredar por um caminho, escolhi o
do teatro regional no teatro de rua. Então você pensa: eu sou do sertão! Cada experiência
que eu tinha com esse tipo de espetáculo regional, nordestino, eu me sentia mais
fortalecida, porque era minha verdade. Então fui me identificando cada vez mais, e até
quando não tinha esta linguagem, eu tentava encaixar, como foi o caso do espetáculo
Saltimbancos, que era um espetáculo infantil, e sempre tentávamos encaixá-lo na nossa
realidade. É lógico que eu fiz muitas outras coisas: fiz Romeu e Julieta, de Shakespeare,
e fiz aqui no Curso de Formação do Ator! Fiz Nelson Rodrigues, mas a influência mais
forte é sem dúvida o teatro de rua e o teatro regional nordestino, com grande enfoque em
Ariano Suassuna, Eu me apaixonei pelos textos dele, e hoje nós temos um espetáculo de
autoria dele que é Torturas de um coração. Na verdade, tudo que o Ariano fez, eu sempre
tive aquela ânsia de ver e de fazer.

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NEPED: Qual a sua participação na fundação da companhia Nega Fulô e qual o impacto
disso em sua vida artística?

DG: Quando nós fizemos a oficina do Imbuaça, decidimos fazer algo parecido, então nós
formamos o grupo Joana Gajuru e, de uma forma bem democrática, fomos abrindo o
grupo para outras pessoas, até o momento em que eu pensei: vamos abrir outros caminhos
e deixar essa turma seguir em frente com o grupo. Então decidimos criar a companhia
Nega Fulô, eu e Régis, e aí deixamos a Joana Gajuru, até para ter mais possibilidades de
trabalho. Como havia muita gente, nós pensamos: dá para formar dois grupos com esse
grupo. No princípio foi difícil, porque eu sou muito apegada às pessoas, a trabalhos... No
nosso primeiro espetáculo, que foi um texto do Suassuna, decidimos manter a mesma
linguagem do Joana Gajuru; as pessoas que nós convidamos para fazer parte do novo
grupo meio que casaram e até hoje fazem parte dele, todos que começaram ainda hoje
estão. Logo depois dessa primeira montagem, nós fizemos Caboré, a ópera da moça feia,
que foi quando conseguimos nos firmar mesmo. Obtivemos um patrocínio grande da
Petrobras, concorremos a edital nacional, que era bem representativo, e foi isso que deu
força para a companhia se firmar. Aí eu vi que estava dando certo, nós estávamos fazendo
teatro. A gente estava fazendo com que o teatro acontecesse com mais intensidade,
contribuindo para esse grande fazer teatral em Alagoas.

NEPED: Como você chega a seus personagens: é uma escolha sua ou deixa sempre a
cargo da direção?

DG: Na companhia, especificamente, pelo menos na maioria das montagens, sim. A gente
sempre procura um texto que tenha o mesmo número de personagens de que a companhia
dispõe, a gente meio que pensa no grupo; se a gente encontra um texto interessante com

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cinco personagens e essas personagens têm a cara do Régis, do Moab, do Alderi, a gente
opta por ele, e é por isso que geralmente os espetáculos só têm uma mulher, e esse
personagem normalmente é meu, porque só tem uma mulher na companhia. Acontece
dessa forma porque além da companhia, nós temos liberdade para fazer trabalhos fora.
Quando eu sou chamada, alguém diz assim: “Olha, tem essa personagem aqui para você”.
E aí já vem com a indicação de que vou ter aquela personagem e que estou sendo chamada
para fazê-la.

NEPED: E como você constrói as suas personagens?

DG: Vou falar de uma que me marcou bastante, que foi a Rosa Maria, de A Farinhada,
porque é uma personagem muito intensa. A Farinhada é uma tragicomédia, e para separar
a comédia da tragédia foram feitos vários exercícios que, vamos dizer assim, eram
bastante doloridos, como, por exemplo, o do uso da memória afetiva. Nesses exercícios
havia alguns em que eu era humilhada, e o diretor sempre dizia: “Guarda essa sensação”.
Naquele momento, eu já tinha alguma experiência, mas era um pouco mais jovem. Claro
que eu não sou velha (risos). Tudo aquilo doeu bastante em mim, foi uma experiência
bem intensa, bem forte mesmo, e para construir a personagem eu usei muito dessa
memória. Na verdade, todos esses exercícios estavam baseados na teoria da construção
de Stanislavski, ou seja, de como eu me sentiria naquela situação, o que eu vivenciei que
lembrava aquela situação pela qual a personagem estava passando. Eu digo que foi um
divisor de águas para que eu pudesse entender, perceber, até onde ia a atriz e onde
começava a personagem. Digo isso porque nós fizemos o espetáculo durante muito
tempo, durante anos e anos, e eram muitas apresentações. Só com o tempo eu fui
entendendo e consegui chegar a um patamar com mais tranquilidade. Meu gênero
preferido é o drama, mas foi fazendo Caboré, a ópera da moça feia, que é um espetáculo
em que a minha personagem sofre bastante, que eu adquiri tranquilidade para fazer com
que o público perceba aquele sofrimento sem que eu, a atriz, sofra tanto. Hoje já consigo
dominar essa técnica.

NEPED: Você participou de inúmeros espetáculos teatrais. Qual o que mais marcou a
sua carreira e por quê?

DG: Eu poderia citar A farinhada, porque tive indicações de vários prêmios nacionais.
Diante dessa pergunta, eu não poderia deixar de citar A Farinhada, porém teve um
espetáculo que marcou minha carreira, com o qual ganhei meu primeiro prêmio, que foi

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a montagem de A História da moça preguiçosa. Quando a gente resolveu montá-lo,
decidimos trilhar pela linha do teatro infantil e, na época, eu estava com duas filhas
pequenas; então eu fiz aquilo para elas, e por isso esse espetáculo é o meu xodó e um
marco para mim.

NEPED: O teatro, historicamente, acaba sendo marginalizado. e diversos artistas sofrem


preconceito de familiares, amigos e da sociedade em geral, por seguirem esta profissão.
Sendo mulher, em nossa sociedade machista, quais os preconceitos e abusos que já sofreu
por ser atriz?

DG: Na verdade, eu não sofri não. Não me lembro de ninguém ter me apontado e de dizer
“ela é atriz” no sentido pejorativo. Como eu disse, quando eu comecei era modelo, fazia
muitos desfiles no shopping, e a primeira vez que eu fui fazer um espetáculo de rua no
shopping, foi muito estranho. Acho que o preconceito quem causou e sofreu fui eu
mesma, porque me senti muito intimidada, estava acostumada a estar lá sempre chique e
arrumada para desfilar, e no espetáculo, que era um espetáculo popular, de rua, eu me
senti horrível. Quando cheguei, me veio aquela sensação estranha do que eu fazia lá antes
e o que eu iria fazer naquele momento. O teatro é mágico, e hoje não tenho problema
nenhum. Particularmente, eu nunca sofri preconceito, muito pelo contrário, as pessoas
geralmente me reconhecem dos palcos ou da televisão e é muito satisfatória a forma como
elas me abordam e falam. É muito lisonjeador.

NEPED: Teatro no palco ou rua, textos clássicos ou contemporâneos, o que te deixa à


vontade e o que te desafia no teatro?

DG: Hoje, o que me deixa à vontade, por incrível que pareça, é a rua, principalmente
quando eu faço espetáculos populares, regionais, com coisas que as pessoas podem se
identificar. No aniversário do Teatro Deodoro, no ano passado, fui convidada pelo Lael
Correia para fazer Lady Macbeth e Medeia, era um MM (risos), e nossa!, como foi
gostoso! Eu não acreditei que iria fazer dois clássicos que eu adoro; na verdade, foi uma
performance, uma costura que o Lael Correia fez com vários personagens. Gosto de fazer
esses clássicos e trazer a nossa verdade, até porque sendo eu nordestina, sertaneja, não
vou fazer um clássico como se eu estivesse no teatro de Londres, à la europeia (risos).

NEPED: Você fez outros trabalhos antes desse, com Lael Correia?

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DG: Fiz sim, fiz Madame. O Lael é um expert em transformar textos; ele criou esse em
cima de As Criadas, de Jean Genet. Foi a primeira experiência de verdade com o Lael
Correia; eu já havia tido contato anteriormente, mas nunca tinha feito um trabalho de peso
assim com ele. E Madame foi de fato um espetáculo que me marcou muito; adorei fazer,
gostaria de ter feito mais, porque hoje nós temos aquele trabalho todo de fazer cenário,
figurino, ensaios, e aí a gente só se apresenta cinco ou dez vezes, e eu gosto de me
apresentar por muito tempo, espremer todo caldo. Acho que Madame poderia ter ficado
mais tempo, porque foi um espetáculo muito gostoso de fazer; é um desses trabalhos que
a gente é convidado e acaba sendo uma grata surpresa. Na época, o Lael tinha um espaço
alternativo chamado Camaleão, e eu já havia sido convidada, mas acabou não dando certo
e, anos depois, ele me chama para fazer Madame e me oferece de mão beijada esse
presente maravilhoso. Lael é desses diretores que conseguem extrair o melhor de você
em cena porque ele nos instiga. Foi muito bacana trabalhar com Lael Correia.

NEPED: Como foi atuar em um espetáculo gigantesco como a Paixão de Cristo, em


Craíbas?

DG: Na verdade, na Paixão de Cristo me apresentei durante anos e anos. Eu comecei em


Santa Luzia do Norte, e fazia a Lúcia, esposa de Pilatos; de Santa Luzia nós fomos para
Arapiraca, fazer o espetáculo no morro santo da Maçaranduba, com o diretor Alberto do
Carmo, e lá já era uma coisa maior, um espetáculo com mais visibilidade. Então comecei
a fazer Maria. Eu vou dizer para você, é uma responsabilidade muito grande, sobretudo
pela personagem... As pessoas podem achar piegas, mas para mim é diferente, para mim
foi uma responsabilidade muito grande, pelo fato de que quando eu comecei já era mãe,
e aí você empresta um pouco de você, da sua experiência, da sua vivência, e vai se deparar
com aquela dor que a personagem carrega. Ela é uma personagem bastante motivadora, e
você realmente tem vontade de dar o seu melhor; além da questão da personagem, tem o
fato de ser um espetáculo grandioso, para milhares de pessoas, então você tem de dar
muito para superar a expectativa que as pessoas têm do seu trabalho. A única palavra que
define a sensação daquela multidão te assistindo é energia. Eu tenho outra experiência
com espetáculo desse tipo, foi uma que fizemos na Serra da Barriga, e lá tem muita
energia mesmo, não só a energia do lugar, mas a energia que vinha do público. Na
verdade, no universo teatral nada é igual, é sempre diferente. Fazer teatro na rua é
diferente de fazer o teatro no palco italiano, muito diferente. Quando você está dentro da
personagem, fazendo o espetáculo, é um gasto de energia muito grande, mas, ao mesmo

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tempo, o público te devolve ainda mais energia; pra outros, pode até ser mais uma
personagem, mas para mim tem toda uma espiritualidade, uma expectativa, uma
religiosidade.

NEPED: Em Torturas de um coração, seu figurino aparenta ser pesado e de difícil


mobilidade. É isso mesmo ou é apenas uma má impressão de quem assiste? Algum
figurino já lhe causou problemas em cena?

DG: Andar com aquele sapato foi bem difícil, os meninos têm sapatos também, mas os
deles são bem menores. Torturas de um coração foi feita para bonecos; a ideia do diretor
na época era que a gente se distanciasse de uma pessoa normal. A personagem era muito
exuberante, então não tinha como ser de outra forma. A gente criou aquele sapato, que
ele deve ter mais ou menos uns 20 cm e é pesado, bem pesado, exige muito fisicamente
da atriz, mas eu gosto desse desafio. Em Os Saltimbancos aconteceu um fato curioso: teve
um dia que a minha bota abriu; acontece que a gente se apresentou muito, mas muitas
vezes mesmo, e, como eu disse, o meu negócio é procurar extrair até a última gota, e aí
acabou que minha bota de tanto a gente se apresentar se abriu em cena, e aí eu tirei onda
da situação, improvisei e acabei brincando com o fato, até porque cabia no espetáculo
uma brincadeira. Também em Reis do Sol, que eu faço três personagens: Maria, mãe de
Jesus, Maria Bonita e Maria, mãe de Virgulino, houve duas coisas que me incomodaram
muito na questão de figurino. A Maria, mãe de Jesus, na verdade era uma imagem; há
movimentos, mas ela é uma imagem que não tem fala, e Virgulino está orando para ela.
Ela usa uma máscara, e eu tenho claustrofobia, então foi angustiante, terrível, mais tudo
em nome do teatro. E outra coisa: Maria Bonita fica nua em cena, ela entra nua e veste a
roupa durante a cena, e aí a roupa tinha um zíper e eu não conseguia fechar. Depois a
gente consertou esse problema para os próximos espetáculos.

NEPED: Quando vocês estão fazendo uma nova montagem, você participa de toda a
construção da peça ou fica apenas na sua personagem?

DG: Desde a época do Gajuru que eu sou produtora, então eu corro atrás de patrocínio,
de contatos com os profissionais, figurinista, cenógrafos, diretor, essas questões todas, e
na companhia Nega Fulô, principalmente na Nega Fulô, eu cheguei a fazer figurinos, criei
o figurino do espetáculo O romance de Clara menina com Dom Carlos de Alencar, e
junto com Marcondes Lins criei o figurino da peça O teatro de cordel na feira do

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Passarinho. No espetáculo solo Lampião, eu também concebi o figurino. Fora isso, não
me meto muito, só no figurino e na produção.

NEPED: É difícil conciliar a atuação com a produção do espetáculo?

DG: Hoje em dia, eu não consigo mais me ver fazendo produção, não que eu não tenha
vontade, mas é que aconteciam muitos atritos porque eu tinha de ensaiar e fazer produção.
Eu estava ensaiando, mas ligada em outros problemas de produção. Isso acontecia muito,
mas sempre tive muito jogo de cintura e sempre consegui chegar lá.

NEPED: Como é trabalhar tendo como parceiro de cena seu marido Régis Souza?

DG: É tão ruim... (kkkkkk). Tem suas comodidades, porém. René Guerra montou A
Farinhada, e ele tem uma percepção muito forte, tanto que, num outro momento, quando
nós fomos fazer uma leitura dramatizada da peça no Sesc do Rio de Janeiro, o Sidney,
que organizou a leitura, falou que o Renê tinha recomendado que ele nos separasse, pois
havia um certo embate em algumas questões. Naquele momento eu não entendi, só depois
é que percebi que era pelo fato de nós sermos íntimos, Régis e eu. Vou dar um exemplo:
ele vai fazer uma certa atuação, vai tomar um certo caminho, e eu faço um comentário
que não é bem de uma atriz querendo colaborar com um colega, é uma crítica de uma
esposa. Por isso que é difícil, mas não é impossível.

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Conversa de Coxia com Homero Cavalcante e José Márcio Passos

H: Homero; JM: José Márcio; OC: Otávio Cabral; A: Anne

JM: Nós estamos fazendo uma peça, No buraco da Fechadura, com uma alegria muito
grande; hoje, no ensaio, há uma cena em que somos dois velhinhos de cem anos, somos
os atores José Márcio e Homero e começamos o espetáculo falando sobre a vida, o
caminho, o próprio teatro em si, além das alegrias e tristezas que aquilo ali nos trouxe,
através de nossas memórias. A gente começa sentados, e ao nos levantarmos estamos com
cem anos, cada um com uma bengala. Nessa cena, hoje, de repente, chegou na minha
cabeça o que de fato ela representa. Então eu parei e disse pra mim mesmo: “pera aí”. E
eu me emocionei.

H: Coisas de velhinho.

JM: Mas é muito bom isso tudo. Porque além de tudo, existe a amizade entre mim e
Homero.

H: É, tem muito arranca-rabo, os arranca-rabos da gente são maravilhosos.

JM: Logo que nos conhecemos, eu acho que eu tinha uns 12 anos.

H: Mas olhe, você vê um arranca-rabo, isso é legal a gente ouvir porque é intimidade de
artista, irmandade de palco. Eles são os gêmeos que usam as roupas iguais, sabe? E têm
um par de bengalas iguais, evidentemente. Aí eu levei um guarda-chuva e uma bengala
pro ensaio. Márcio me chega ontem com uma bengala e diz: “Olhe, Homero, comprei”.
Eu olhei aquilo e disse: “Mas tá diferente da outra”. Na cabeça dele, ele queria encontrar
uma irmã gêmea da outra bengala. Pode um negócio desses? As brigas da gente…

JM: Foi um arranca-rabo danado. Mas a bengala custou R$ 70,00.

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H: Você gastou dinheiro à toa.

JM: Dia 15 de novembro, vamos fazer o espetáculo com entrada franca; é aniversário do
Teatro Deodoro.

A: Vocês já passaram por alguma situação cabeluda no teatro? Como foi?

H: Cabeluda?

A: Cabeluda. Um arranca-rabo. O pior arranca-rabo que vocês lembram.

JM: Uma briga, uma coisa assim, entre nós dois?

A: Sim.

JM: Não. A gente tem discussões... Talvez algum problema durante o espetáculo, mas
nada que chegue a causar estragos.

H: Graças a Deus, né?

A: Uma famosa frase diz que os olhos são a porta da alma e, como artista, é importante
acessar esse caminho. O que seus olhos dizem sobre o passado, o hoje e o futuro?

JM (para H): Você quer começar?

H: Não, vá você.

JM: Eu acho que só tenho coisas prazerosas sobre o meu passado. Tenho uma família em
que as pessoas se amam, sempre tive amigos nos quais confiei, gostei, amei. Tive amores,
chorei também, muito. Eu acho que sempre trabalhei muito com a emoção. Esse tempo
todo eu, na verdade, ando em busca dessa emoção, por isso eu sou um ator.

H: Eu acho que é fácil lembrar sem olhar pra trás, foi muito bom. Eu não sou uma pessoa
pessimista, imagino que as coisas boas sempre estão por vir, mas estou sempre esperando
que aconteça, e se não acontecerem totalmente, depois eu vejo. Era pra ser uma comédia,
mas também um drama, ou quem sabe um melodrama, e quando chega ali me abalo... É
assim na vida real. Minha família e a família do Márcio, a gente sempre teve intimidade.
Minha família é muito pequena, somos pouquíssimas pessoas; o interessante é que minha
mãe e meu pai vieram até mim com essa história do teatro, mas eles nunca interferiram
dizendo se seria bom ou ruim. Fico feliz porque era uma coisa que eu não procurei, e o

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teatro chegou até a mim, mesmo eu relutando, brigando pra provar se era isso o que
realmente queria. Mas no final, o que é que a gente quer mesmo da vida? Acho que a
pessoa nunca tem certeza absoluta do que quer da vida, acho que não, no meu caso eu
penso assim. Não é que eu tenha poucos anos pela frente, mas eu acho que o teatro tem
me facilitado isso. Eu hoje mesmo disse igual uma fala de uma drag queen no espetáculo,
que “é um prazer inaudito”, o teatro nos dá um prazer inaudito. Eu acho que questões da
vida real, que nem sempre são tão amenas, no teatro são diferentes. É uma coisa muito
doida. É como, por exemplo, você é uma pessoa e incorpora outra, e você não deixa de
ser quem é. É um negócio muito doido, ou seja, pra vocês verem que é uma coisa muito
prazerosa, tem uma fala, que não sei se é do Marco Nanini, que eu acho extraordinário,
que diz que, já macaco velho, quando vai entrar pra cena, quando ele vai puxar o tecido
pra entrar é como se estivesse com a cabeça esperando a guilhotina. Talvez seja esse
instante o prazer maior, eu não sei, é uma doidice muito grande, mas a propósito, de prazer
e satisfação, tem uma coisa muito engraçada: a gente convive no mesmo tempo e temos
coisas muito diferentes. Pra quem gosta de signo, eu sou de Capricórnio e ele é de Leão.
Mas enfim somos diferentes. Quando fizemos No buraco da fechadura, alguém
perguntou se eu gostava de receber aplausos, que quando acaba tem esse negócio. Eu
acho horrível, sabe? Eu acho aquilo tão chato!

JM: Homero é doido. Aquele é o momento do ator.

H: E é que nem ele disse, eu não sou uma pessoa normal. Depois eu fiquei imaginando
assim: eu fico vaidoso naquele momento do aplauso. Olha que besteira, né? Então é assim,
o teatro me dá essa alegria. Dei uma entrevista para um garoto que estudou na
universidade e está fazendo um TCC sobre velhice, e ele nos perguntou não sei o quê, aí
me parece que Márcio respondeu que é um prazer quase ejaculativo. É um prazer
realmente quase ejaculativo que o teatro me dá. Eu nem tenho idade mais pra ejaculação,
e o teatro me faz sentir isso.

OC: Homero, também divido com você isso. Pra mim, o momento do agradecimento é o
pior momento, e eu me sinto como se estivesse inteiramente nu.

JM: Eu já acho que o espetáculo só termina depois que o ator chega na frente de toda a
plateia. Eu acho que o público quer aplaudir, tem a necessidade de aplaudir o ator, ele foi
ali porque quer sentir prazer e retribuir tudo o que recebeu. Então o ator tem de receber
os aplausos e depois agradecer, aí vai embora.

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OC: Nós estamos falando de teatro e nós estamos entusiasmados de falar de teatro porque
é uma coisa que nos emociona chegar a cinquenta anos de teatro com tantas pessoas que
passaram por nossas vidas, tantos autores, espetáculos interessantes, tanta coisa que nos
vem à memória. Homero, eu acho que é totalmente impossível se falar de vocês dois sem
falar de Linda Mascarenhas. É uma pessoa que está associada à história e à trajetória de
vocês dois. Eu comecei com Linda também, nós tivemos algumas rusgas, porque eu
queria atuar, eu queria ir pra outros lugares.

H: Queria ser talentoso, é isso.

OC: Mas eu não posso deixar de reconhecer dona Linda Mascarenhas como sendo a
grande expressão do teatro alagoano, e foi graças ao prestígio dela que a ATA sempre se
manteve, pois quando as pessoas iam fazer teatro os outros davam as costas. Mas eu
queria falar com vocês dois, vocês estavam falando e eu lembrando, por exemplo, de
Hipólito, lembrando da Lição, lembrando da Mandrágora, lembrando do Itinerário de
Graça, lembrando de tantos espetáculos que marcaram a vida de vocês.

H: Com você, inclusive.

OC: Eu gostaria que vocês falassem um pouco. José Márcio, eu queria que você falasse
sobre a experiência de fazer o texto de Ionesco. E Homero, eu queria que você falasse um
pouco sobre, não apenas a experiência de fazer a Mandrágora, mas a experiência, que pra
mim foi um prazer muito grande, de ser dirigido por Milton Bacarelli.

JM: Eu recebi um telefonema do Silvinho e ele disse: “Zé, a gente tá querendo que você
faça parte de um elenco, nós vamos montar A Lição, de Ionesco”. Eu não conhecia o
texto, e marcamos uma reunião para o dia seguinte. Bom, aí começou; o texto é uma
loucura realmente, dificílimo de decorar, porque é um nonsense. Você não tem uma
historinha que possa ajudar na memorização. Tivemos alguns problemas durante os
ensaios, foram seis meses de ensaios quase diários, mas era uma peça, era um trabalho
que pra um ator era um presente dos céus. Os ensaios eram na casa da Aline; éramos eu,
Silvino e Aline, a direção era do Lael Correia. Lael ficou na direção apenas três meses, já
que ficou inquieto com as coisas que estavam acontecendo durante os ensaios e
abandonou, disse que não voltava mais. Aí a gente já estava com meio caminho andado,
ficamos ensaiando nós mesmos, estreamos e conseguimos fazer ainda sete espetáculos.

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H: Eu não lembro direito como foi a escolha da Mandrágora. O Bacarelli havia se
aposentado como professor de teatro na universidade de Pernambuco. Ele é uma pessoa
estudada em teatro, educadíssimo, cavalheiro e estava vindo morar em Maceió. Aí Lauro
Gomes sempre nos dirigiu, fez muita direção pra gente e não poderia nos dirigir. Então
eu disse: ah, o Bacarelli. E recorri a ele. Ele foi muito gentil e respondeu: “Querido, eu
me aposentei agora, nem arrumei meu apartamento, tá de pernas pro ar. Olhe, eu nem
queria fazer mais nada de teatro”. Mas ele aceitou nos dirigir. E ele era um bom cenógrafo
e muito bom pra figurinista e tudo mais. Quando tínhamos, acho que no máximo um mês
para a estreia, tudo já marcado, ele teve uma parada cardíaca, estava com um grave
problema no coração, foi um susto pra gente. Aí Lauro, que tinha sido a primeira
possibilidade, eu falei com ele, e Lauro disse: “Tudo bem, eu vou”. Lauro veio e fez o
alinhado do final da direção da Mandrágora. Foi um espetáculo muito interessante.

A: Pra vocês, o que um ator deve fazer sem exceção?

JM: Saber que ele é um instrumento e tem de procurar a perfeição para que o autor atinja
o espectador da maneira mais forte e absoluta possível. Ele é o caminho da palavra ao
público.

H: Eu não sou muito de pensar. Quando eu escrevo, eu digo assim: eu não sei justificar.
Eu acho muito interessante quando os atores fazem laboratórios para alcançar
determinada personagem, exercício de voz; eu acho isso muito bonito, mas não fui criado
assim. Eu vou, eu sinto, eu acho que a gente não pode deixar de ser verdadeiro na vida
real, pra poder mentir e ter muita paixão. Porque eu acho que tem de ser assim, com
excesso de tudo. Eu sou uma pessoa do excesso, uma pessoa excessiva.

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Conversa de Coxia com Waneska Pimentel

ANNE LUZ: Boa tarde, sejam bem-vindos ao Conversa de Coxia. Para quem não sabe,
ele faz parte do NEPED, que é o Núcleo de Estudos e Pesquisas das Expressões
Dramáticas. Junto com o Conversa de Coxia tem o Entrelaçados, que também faz parte
do NEPED e é um dos grupos mais atuantes dentro da graduação. O Conversa de Coxia
vivencia e traz consigo os atores que estão por aí em Alagoas, os dramaturgos, as pessoas
que vivenciam a arte como um todo, e a gente quer trazer essas pessoas para falar um
pouco sobre as experiências, sobre a vida e sobre o profundo da arte. A gente também
participa do Entrelaçados, no qual a gente vai fazer uma peça, Quando se deu o eclipse,
do Homero Cavalcante. Eu queria chamar a Waneska para sentar aqui conosco. E o nosso
querido professor, dramaturgo, ator, tudo: Homero Cavalcante.

O meu nome é Anne, sou do 2º período da graduação de licenciatura em Teatro, terminei


a ETA, que é a Escola Técnica de Artes, estou no caminho. Quero provavelmente chegar
a um pouquinho do que vocês são, do que vocês já fizeram parte do teatro alagoano, e o
quanto vocês nos inspiram e nos influenciam cada vez mais. Eu quero chamar, por favor,
nosso querido professor, o professor de Literatura Dramática, Otávio Cabral.

OTÁVIO CABRAL: Boa tarde a todos e a todas. É com muito prazer, mas com muito
prazer mesmo, que nós fazemos mais um Conversa de Coxia, com a cenografia nova, não
é? Quase tudo pronto, ainda falta uma parte do cenário, mas no próximo Conversa estará
completo. Nós queremos agradecer com muito carinho, com muito afeto, o empenho do
nosso aluno Wagner, o nosso querido professor Acioli e o professor Toinho, que
contribuíram para a confecção desse cenário. Quero apresentar a nossa querida Anne, que
vocês já ouviram, mas que está sendo preparada para a minha aposentadoria. Vai demorar
um pouco, mas já está sendo preparada. E hoje nós temos o imenso prazer de ter aqui, ao
nosso lado, essa figura queridíssima que é Homero Cavalcante, essa pessoa que eu até
hoje não encontrei ninguém que não simpatizasse com ele, que não gostasse dele –
embora eu saiba que tenha. Mas ele é essa pessoa querida, adorada, sempre disponível,
não é? E esse é um elemento fundamental para quem faz teatro, essa generosidade.
Generosidade que eu tenho o prazer de já ter usufruído várias vezes em cena.

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Nesta tarde, nós temos o imenso prazer de receber Waneska Pimentel, que é conhecida
de todos vocês. É uma pessoa que conseguiu, ao longo do tempo, enraizar o seu nome e
a sua imagem no teatro alagoano, e também uma pessoa que, igualmente a todos nós, é
apaixonada pelo que faz, apaixonada pelo teatro. Waneska, é um prazer muito grande
recebê-la aqui. Nunca tive o prazer de compartilhar a cena com você, mas sempre admirei
o seu trabalho. Sei que você milita no teatro alagoano há muito tempo, e gostaria de
inicialmente pedir que você falasse um pouco sobre sua trajetória, porque algumas
pessoas conhecem seu trabalho, mas provavelmente não conhecem sua trajetória
completa. Então, como é que tudo começou, o que a atraiu para esse mundo profano do
teatro?

WANESKA PIMENTEL: Vocês não imaginam a felicidade que eu estou aqui, porque
o Homero e o Otávio são as grandes referências que eu realmente tenho. Antes de
qualquer coisa, gostaria de dizer que fiquei muito emocionada quando me chamaram, e
também extremamente feliz por tudo o que representa esse projeto e o que vocês estão
fazendo por essa memória. Minha imensa gratidão por estar aqui vendo pessoas tão
amigas e tão queridas. Eu comecei, na verdade, quando antigamente existia o Curso de
Formação do Ator e funcionava nas dependências da atual Escola Técnica de Artes.
Quando eu tinha uns 15 para 16 anos, uma amiga minha que fazia Medicina disse assim:
“Olha, vamos fazer Teatro?”, e eu falei “Tá...”. Eu fiquei e ela saiu, e aí eu me descobri
nesse universo, porque eu não fiz teatro na escola e me descobri aqui dentro. Então
comecei a fazer e era afobadíssima, não sabia ler o texto. Aí a gente descobre quantas
coisas que acha que sabe e não sabe. Homero foi meu professor, é meu professor por toda
a vida, e me ensinou a ler o texto que eu não sabia, não sabia fazer modulação, cavalgava
naquele texto – era uma coisa horrorosa. Depois, os professores me chamaram para fazer

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parte da Comédia Alagoense, que era a filha pequena da ATA; iam montar O Despertar
da Primavera, e eu assumi, além de atuar, uma produção que talvez naquela época tenha
sido uma das maiores, porque nós fechamos um galpão no Jaraguá, montamos um teatro.
Fomos dirigidos pelo Glauber Teixeira, fizemos uma temporada de três meses naquele
lugar e conseguimos patrocínio. Não foi com dinheiro público não, foi com um patrocínio
da Cooperativa dos Usineiros. Então nós reformamos o local. Naquele momento eu tinha
17 para 18 anos, e não possuía muito a dimensão do que era aquilo que a gente estava
fazendo. Eu aprendi muito com Glauber Teixeira naquele momento. Enfim, a minha
trajetória começa ali mesmo, ou melhor, começa aqui quando me convidam e me levam
para fazer parte da Comédia Alagoense.

Um dos melhores cenários que eu já vi em toda a minha vida foi feito pelo Acioli.
Vocês não têm noção do que é um cenário ser aplaudido em cena aberta. Senhorita Júlia,
com Silvio Sarmento, Ivana Iza e Alex Freire, e Acioli assinando o figurino e também o
cenário. E Senhorita Júlia quando chega na metade, o cenário dá uma tapa na plateia e é
aplaudido em cena aberta. Eu falei: “Minha gente, o que é isso?”. Eu tive muita sorte de
ter ótimos professores. Sempre que me encontro com Otávio, é recorrente eu dizer para
ele: “Otávio, a Gajuru queria tanto montar com você”, mas a gente nunca teve coragem
de chamar, nunca teve. Eu dizia para os meninos, porque eu olhava e é uma aula vê-lo
interpretar, é, eu não sei se algum de vocês aqui viu o Otávio em algum espetáculo. Algum
de vocês viu? Vocês não têm noção do que é esse homem em cena. Era um sonho; eu
brincava com ele, eu dizia: “Você é um sonho de consumo no Joana Gajuru”. E aí eu vou
nessa trajetória. Num primeiro momento, eu não entro no Joana Gajuru, porque eu digo
que não sou atriz de teatro de rua, não sou, não gosto. E então a Diva engravidou, e a
gente precisou viajar. Como eu acompanhei todo o processo, eu sabia fazer o espetáculo
e fui fazer teatro de rua. Novamente, eu me encontro naquele local e me apaixono
imensamente pelo teatro de rua, que se tornou a minha grande paixão. A minha grande
paixão hoje é o teatro de rua. Eu percebo que é naquele lugar que eu quero estar, e aí,
desde então, eu sou do Joana Gajuru. Ao mesmo tempo, eu me formei em Direito. É com
muito orgulho também que a maioria dos estatutos eu assino, das associações daqui de
todas as vertentes, quase – desde teatro até dança, passando por todos os outros. Alguns
até brincam, dizem que meu hobby é Direito e minha profissão na verdade é o teatro. E é
verdade, porque é a minha profissão de fé, a minha grande profissão de fé. O Joana Gajuru
é a minha grande família; é lá que eu me encontro com aqueles que comungam das

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mesmas coisas que eu. Somos uma associação, montamos vários espetáculos nesses 24
anos. Com o passar do tempo, comecei a dar aula e a lecionar teatro de rua. Bem, essa é
mais ou menos a minha trajetória. Eu estou muito, muito emocionada por estar aqui.

OC: É, mas a emoção faz parte do nosso universo, não é? Faz parte do espetáculo e faz
parte da arte do ator, não é, professora? Olha, Waneska, você está falando do Joana
Gajuru, e eu tenho sempre um prazer muito grande de ir assistir ao Joana Gajuru; o
primeiro espetáculo dele foi aqui na Rua da Praia. A peça era A história de Guerreiro no
Xumbrego da Orgia.

WP: Isso!

OC: Muito bonito. Todos de preto, muito bonito, muito interessante. Mas o que eu acho
interessante do Joana Gajuru é que ele é filho do Formação de Ator. No primeiro
momento, eu não sei hoje, mas no primeiro momento todos saíram daqui.

WP: Todos saíram daqui.

OC: Todos, todos os nossos filhos. Isso é que eu acho mais importante, que é uma
contribuição que a universidade dá para o teatro alagoano. Eu queria passar agora para o
meu querido e prezado amigo Homero Cavalcante.

HOMERO CAVALCANTE: É estranho falar no microfone. Mas é porque estão


gravando, parece. É sempre prazeroso voltar à Sala Preta e estar com os amigos, irmãos
de palco. Isso é muito interessante pra gente. O teatro é uma coisa muito doida, o teatro
parece que escolhe mesmo a gente, ele vai, puxa a gente e vai. Veja só: eu estava com
uma amiga, e a amiga que convida e a amiga não vai e não continua, e ela que se descobre
atriz e apaixonada pelo teatro, isso é muito interessante. Depois tem essa história de não
achar graça no teatro de rua, e depois o teatro de rua é a paixão da vida dela. Eu me lembro
de você e Mônica Carvalho, Mônica, numa pressa, numa agonia. Depois Mônica ainda
fez alguma coisa de teatro também no Despertar, fez a Mandrágora...

WP: Fez Mandrágora...

HC: E depois não fez mais nada, uma pena!

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WP: Uma pena que vocês não viram Mandrágora, porque em Mandrágora estavam estes
dois aqui, juntos.

HC: Ele fazia um velhinho que não estava velho, mas enfim... e é claro que a cidade ainda
é pequena, pelo menos assim para os espaços, para as pessoas que fazem o teatro se
encontrarem. Nós temos poucos palcos, poucos teatros, e não sei se isso também faz a
gente se encontrar mais, trocar ideias, ficar juntos. Eu acho isso muito importante. Porque
parece que quando a gente se encontra numa coisa dessa, somos amigos e irmãos de palco
como eu digo, que fique só assim, uma rasgação de seda, mas não é verdade. É de coração.
Quem não gosta de Waneska como pessoa, como amiga, como atriz? Eu acho que é
unânime. Acho que a glória do Joana Gajuru é estruturar o fazer teatral na rua. O teatro
de rua é uma coisa que, praticamente, não existia em Maceió nesses moldes; existia um
teatro acontecendo nas ruas, Mamulengo da Feira do Passarinho, que eu via quando era
criança, mas não nesses moldes que o Lindolfo trouxe para cá, uma grande colaboração.
É bom também ressaltar a lembrança do idealizador do Joana Gajuru, Ailton Protásio,
que está lá em cima com toda a glória merecida pela pessoa do bem. Com o primeiro
espetáculo do Gajuru, eu acho que ali começa essa nova maneira de se enxergar o teatro,
essa possibilidade. Com a dificuldade que sempre existiu de o público ir ao teatro, o teatro
vai à praça, e, como no poema de Castro Alves, “a praça é do povo como o céu é do
condor”. Então o teatro vai para a praça, para o povo voar mais alto. Claro que me encanta
o trabalho todo que você faz, junto com os outros grupos, a generosidade, sempre
colaborando. Eu acho isso muito importante.

A gente tem a parceria de Ivana agora nessa renovação, se é que se pode dizer assim,
pela fase nova do Gajuru, isso é muito importante. É bonito quando as pessoas que fazem
teatro, que são amigas, que se juntam e vão colaborar um com o outro, passando as suas
experiências. Eu já escrevi para a rua, mas nunca atuei, então tenho essa curiosidade.
Podem me convidar como o velhinho que traz a cartinha. A minha intimidade com as
pessoas todas do teatro dá-se porque eu sou muito cabido, eu gosto muito de teatro e as
pessoas que fazem teatro são curiosas e procuram participar. A pergunta a se fazer é se o
fazer teatral que envolve o Gajuru influencia outros grupos. O Igor Rosa, que também
estudou aqui, ele é da cidade de Taquarana e tem feito – até trouxe para cá – uma
reinvenção do Dom Quixote que ele fez aqui no jardim interno; ele faz um teatro muito
interessante com os alunos de uma escola chamada Santos Ferraz. Ele promove semana
de arte, feira de cultura e teatro, principalmente teatro. E o padrão maior do trabalho dele

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é o teatro de rua. É claro que isso é influência das coisas que os alunos dele assistiram no
teatro de rua, e outros grupos mais: temos os espetáculos da Paixão de Cristo de grupos
que se especializaram em fazer esse espetáculo em praça, isso é extraordinário. Eu queria
saber de você, Waneska, como você vê o fazer teatral alagoano hoje. Como você vê o
futuro do teatro de rua. Como você vê hoje a possibilidade no futuro de grupos e por que
essa paixão maior pelo teatro de rua. Eu sou uma pessoa tão enrolada pra perguntar,
porque eu sou prolixo.

WP: Vou tentar pontuar: eu ligo para Ivana, e sempre que nós estamos conversando, e
vou lembrar agora: somos todos crias da Ufal, da Escola Técnica de Artes, do antigo curso
de Formação de Ator, do curso de graduação, inclusive os novos integrantes do Joana, eu
até brinco: eu queria levar vários comigo pro Joana. O Jeová olha pra mim e diz assim:
“– Quer levar pro Joana, né?”. “– Oh, meu Deus, se eu pudesse, eu levava todos para lá”.
Eu digo para a Ivana Iza, que está ali, que pra mim é a maior das alagoanas. Ivana Iza é
uma das melhores atrizes para ser dirigida. Aí eu digo para ela: “Menina, eles hoje estão
muito mais preparados que a gente”. Eu acho que essa nova geração vem extremamente
preparada, com um maior acesso às informações. Eu creio no futuro do teatro alagoano,
eu o vejo com muito mais potencial e a cada dia crescendo mais, devido à qualidade dos
atores. São maravilhosos, e eu vejo meninos disciplinados – a Anne aqui é um exemplo
mesmo.

O teatro de rua vem crescendo e se firmando de uma forma muito mais eficiente,
porque nós vamos procurando novas formas, nós vamos tirando as amarras que por vezes
é o palco, e o teatro de rua é um teatro que é extremamente, por natureza, transgressor.
Uma vez, alguém me arguiu: “O que é ser atriz de um e atriz de ninguém?”. Eu então
perguntei para a menina que me perguntou o que era aquilo, e ela disse: “É porque às
vezes você está na rua e alguém vê e depois vai embora”. E é interessante, porque o estado
de atuação do ator de rua é completamente diferente, já que o estado de atuação está
presente o tempo inteiro. O que é eu quero dizer com isso? Eu quero dizer que se você
aqui no palco é... veja só, você fez Senhorita Júlia, para que idade? Você já sabe, pelo
valor do ingresso, quem receberá aqui nesse teatro, as surpresas ou o que você terá de
improvisar, que é praticamente zero [...]. Eu me lembro do Lindolfo Amaral, que é um
grande mestre, a gente diz que é papai Lindolfo. Nós realmente fomos crias do Imbuaça;
quando vamos para qualquer lugar, nós começamos assim: “Somos do Joana Gajuru,
nascemos no Imbuaça, somos filhos do Imbuaça”. Então Lindolfo é o nosso pai, sempre.

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OC: Falar do Joana Gajuru é uma coisa impressionante, porque me lembra Denilson
Leite, o saudoso Denilson Leite. Grande ator, figura adorável e de saudosa memória. Vi
vários espetáculos com ele que deixaram uma marca muito grande. Mas você falou do
Lindolfo, e eu lembro que participei de uma mesa em Fortaleza, e o Lindolfo fazia parte.
Quando me chamaram para a mesa, sentei junto dele e ele pegou no meu braço: “– Cadê
o Gajuru?”. E eu respondi: “– Está bem; a semente que você plantou está rendendo bons
frutos”. Ele realmente, na época, demonstrou um carinho, uma ligação muito grande com
o Gajuru. Eu fico muito feliz de ver o Gajuru ganhando cada vez mais asas. Você falou
da Ivana, eu acho que a Ivana não é somente uma grande atriz alagoana, ela é uma das
grandes atrizes brasileiras. Eu pediria uma salva de palmas para ela. E agora vou passar
o microfone para minha herdeira, para a Anne.

ANNE LUZ: Eu já chorei, já me emocionei e eu sou muito grata por me acolherem. Eu


lembro até o dia que a Waneska mandou mensagem para mim; eu estava toda largada,
lavando pratos, toda descabelada e dançando Djavan, ao som de Djavan, e ela disse: “–
Anne, você está morando em Maceió? Você queria fazer parte do Joana Gajuru?”. “– Se
quero?! Eu faço até pedra, se você quiser, eu escondo o corpo!”. Essa mulher é incrível,
os professores são incríveis, porque os professores têm muito a nos dar, a gente só precisa
puxar e pegar, porque eles têm uma vasta experiência e a gente só precisa observar e
fazer. Esse é o grande poder que tem o teatro: você pega, suga tudo de arte que você pode
ver e ter, e passa. E eu tentei fazer uma poesia, mas é tanta coisa para falar de Waneska
que eu não consegui...

WP: Eita, menina, pra mim?

ANNE LUZ: Eu falei assim: “Eu vou falar de teatro porque a Waneska é uma grande
figura do teatro, porque não falar do teatro, agora?”. E começa assim:

Conduza-me ao palco

Ao estilhaço, à palhaçaria

Ao drama, em silêncio

Namore-me com doçura

Com gestos, com atitude

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Sem atos, sem medo

Com apelo, com gosto

Com segredo

Com a libido, sem vergonha

Sinta-me, seja eu

Cada palavra, cada frase

Cada enredo

Me possui em palco

Me declame ao alto

Me namore

Enquanto as cortinas não se fecham

ANNE LUZ: E é isso que eu quero viver. É isso que a gente precisa: pegar o texto,
namorar o texto. Pegue o texto, qual é o subtexto que esse texto quer dizer? Por que você
quer falar esse texto no palco? O que é que ele te mostra, o que ele te faz sentir? Pegue
tudo isso, coloque no palco, sinta, e o espectador vai sentir. É isso. E eu queria fazer
rapidinho um pingue-pongue com três perguntinhas rápidas. A primeira: O artista é...

WP: O artista é um sonhador.

ANNE LUZ: A arte possibilita…

WP: … mudanças.

ANNE LUZ: O que todo ator deve ter, sem exceção.

WP: Todo ator deveria ter muito dinheiro. Não é?

ANNE LUZ: Um segredo...

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WP: Eu não me aqueço antes de entrar em cena! Eu digo “– Vamos nos aquecer!”, e aí
eu vejo Regina Casé dizer assim: “– Eu não me aqueço, não, eu entro”. E aí um dia Geová
disse que eu não preciso aquecer minha voz. Que minha voz aquecida ou desaquecida é
a mesma.

ANNE LUZ: Um clássico...

WP: Farinhada. Eu acho Farinhada um clássico.

ANNE LUZ: Joana Gajuru é...

WP: Amor e ódio. Quando eu fico até às 3 horas da manhã para fazer uma prestação de
contas, aí é um casamento.

ANNE LUZ: Ela estava até às 2 horas da manhã fazendo um CD para o Joana Gajuru.
Pra terminar: Waneska é...

WP: Louca, não é? Eu devo ter perdido três décimos naquela parte que eu fiquei parada!

OC: Waneska, dando continuidade à nossa conversa, há umas pessoas que têm um
recadinho pra você.

WP: Eita, minha gente, é o arquivo confidencial!

Vídeos

TONI EDSON: Waneska, como combater o machismo nos coletivos teatrais? De que
forma a gente pode extirpar, acabar com o machismo nos nossos coletivos?

WP: Dentro do meu grupo, eu nunca sofri qualquer problema desse tipo, mas eu percebo
isso em vários contextos: mulher fazer teatro de rua, a exposição, e a família, e não deve
fazer porque é uma exposição muito grande... Eu acredito que a cada dia, o ser humano –
independentemente de ser mulher – exige um maior respeito, e isso passa pela
desconstrução de coisas que historicamente foram construídas. Porque por vezes esse
lutar contra o machismo não é só você chamar a atenção de alguém, é também você se
desconstruir em determinadas atitudes. Eu acredito muito em Brecht, e é maravilhoso
quando ele diz que melhor que o resultado é o processo. Então é isso, é esse processo de
se desconstruir e se empoderar, de acreditar e lutar.

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OC: Bem Waneska, mas não foi só o Toni que mandou um recadinho para você, não.
Ainda falta alguém especial.

WP: Eita, olha, Ivana Iza! Minha comadre!

IVANA IZA: A pergunta que eu faço é: para quem pensa em seguir essa carreira, qual é
a principal coisa, o principal sentimento que alguém que quer ser ator ou atriz precisa ter?
Que tipo de legitimidade essa pessoa precisa ter para ser artista? Porque tem de existir
uma verdade nisso. E o que é que você diz para que a pessoa tenha essa verdade? Que
verdade é essa? O que você acha que quem pretende seguir essa profissão precisa ter?

WP: Ivana Iza, minha comadre, minha irmã de alma e de escolha, quando eu dou aula de
legislação e ética aqui, uma das coisas que eu coloco, aliás, há duas coisas que eu coloco:
uma é que nós passamos muito tempo afirmando que cultura é um hobby, e a outra é não
a enxergamos como uma profissão. A política cultural é uma política muito recente, se
você pensar que ela tem 15, 20 anos, então é preciso que cada vez mais os atores
percebamos nosso valor. Eu acho que é isto: perceber o seu valor. Eu me lembro de uma
colega que é uma grande artista plástica e ela tem murais e murais, talentosíssima, e ela
disse assim pra mim que ia deixar tudo porque ela não teve êxito. Então eu falei pra ela:
“Estamos falando de dinheiro, estamos falando disso, estamos falando de sustento?
Porque, veja só, o seu talento, se você o coloca nesses padrões, o quanto eu me realizei
enquanto profissional com essa febre monetária... esse não é o padrão que você deve usar.
Claro, que a gente quer dinheiro, não é? Mas se você parar pra pensar o quão valorosa
você é, vai ver que é muito mais do que isso”. Eu tenho uma obra dela na minha casa, e
quando estou triste eu olho para a obra e me alegro, porque as cores são maravilhosas e a
obra é linda. Então pense que esse é um valor também, esse é o grande valor que você
tem. Se você quer colocar em parâmetros monetários, não coloque. Se eu pudesse lhe dar
um conselho desse tempo todinho, diria: não se desconstrua nisso, não é esse o referencial.

DAVID FARIAS: Boa tarde a todos e a todas. A Waneska é alguém que vem sendo a
minha companheira de trabalho, da arte e da vida.

WP: No primeiro espetáculo que ele dirigiu e atuou, eu vi Davi em cena e fiquei muito
impressionada com a potência que aquele menino tinha. Anos depois, ele é meu
companheiro de estrada. É uma pessoa por quem eu tenho uma admiração absurda e de
quem eu gosto demais. Mas enfim, voltando... Eu acho que no teatro eu interpreto o tempo

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todo no Direito. Porque quem não tem estômago para lidar com este universo, é muito
complicado. Mas parece que eu gosto do Direito, que me possibilitou lutar por justiça,
pelo meu amigo Denilson, por exemplo, que foi brutalmente assassinado. O Direito me
possibilitou ser assistente de acusação, e consegui, foi um dos poucos crimes
solucionados. O direito me possibilita tantas coisas, me possibilita ajudar vários grupos
que querem se formar, dizer quais os direitos que nós temos como atores. O teatro está o
tempo todo no meu trabalho de advogada e minha advocacia está o tempo todo na minha
arte. Eu uso o Direito para contribuir com a arte. Acho que é isso.

OC: Muito bem, Waneska. Eu achei interessante que com a mudança das cadeiras eu
fiquei entre dois advogados que foram consumidos pelo teatro: você e Homero
Cavalcante. Olha que interessante! Uma das características do Conversa de Coxia é que
ele permite o contato com a público. Em tempos de Bolsonaro, eu serei autoritário:
somente três perguntas da plateia. (Risos)

PLATEIA: Na verdade, eu quero agradecer muito a Waneska. Eu nunca fui seu aluno,
mas me sinto como se fosse um. Ver você no palco, louca desse jeito, ensina tanto a
gente... A minha pergunta: uma vez estávamos falando sobre a escassez de espetáculos
naquela época, e você disse que estava triste com aquilo. Eu quero saber como você vê o
nosso cenário atual. Você ainda está triste com isso?

WP: A gente se entristece só momentaneamente, porque a esperança fala mais alto.


Certamente, naquele instante, a produção estava efervescendo... sei lá! É cabeça de velho
chato, exigente, que gosta muito de arte e gostaria que tivesse um espetáculo todo dia.
Mas o mais importante é isto: é a empatia entre as pessoas, acho isso muito bonito. Porque
nós somos das antigas, eu e o Otávio; naquela época, tínhamos pouquíssimos grupos
atuando, não é como hoje que surge essa mudança extraordinária. Mas fazia muito isso:
emprestava figurino, emprestava máquina de datilografia para datilografar o texto,
emprestava rotunda, emprestava experiência, emprestava tudo! Isso é uma coisa que
fortalece. Eu acho que essa ideia de Otávio, dos professores e dos alunos de desenvolver
o Conversa de Coxia fortalece esse entrosamento entre a gente; esses laços de sangue de
palco fazem a gente crescer mais. Em tempos tão estranhos de política como este,
precisamos estar unidos para fazer o país melhorar sempre.

Eu vejo o cenário cada vez melhor. O Leandro Karnal diz que quando a gente vai
ficando mais velho, a gente vai ficando com medo das coisas. Chegou uma época em que

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tínhamos medo de muita coisa, era um grupo mais fechado, perdemos vários
companheiros, e aquilo tudo foi um “baque” muito grande, foi muito difícil para a gente.
Era complicado. Eu busquei o afastamento do grupo por conta do assassinato do Denilson.
Quando eu o perdi o que me resgatou foi o teatro, com um espetáculo chamado Jorge
Cordel. Fiquei um tempo afastada e quando voltei eu vi isso, esse medo que a gente tem
de adentrar, retornar. Isso nos oxigena. Eu acho que cada vez mais a cena melhora. Eu
não vejo retrocesso nessa nova geração, eu a vejo andando, construindo, eu vejo mais
possibilidades. Eu vejo isso aqui nesse projeto lindo. Então eu vejo mais as coisas
andando, acreditem e sigam!

PLATEIA: Como é esse seu lado de professora de teatro?

WP: Dar aula é uma das grandes realizações que eu tenho. Eu não gosto de pensar em
figurino, eu gosto de ver ator. Eu sou desafiada o tempo inteiro, porque você precisa
entender cada aluno. Não é como legislação e ética, em que tudo ali tem um padrão. A
arte não é assim, você precisa ver aquele aluno e entender que cada um tem um processo.
Eles me ensinam muito mais a ter paciência, a entender os tempos e a importância da
dramaturgia. Cada ator é único.

OC: Waneska, nós queremos agradecer muitíssimo e dizer que estamos felizes em ter
você aqui participando de mais uma edição do Conversa de Coxia. Queria dizer também
para você que estou voltando a fazer teatro. Comecei a ensaiar uma peça, e até a metade
do ano estrearemos Esperando Godot. Mas eu também queria dizer, meu querido
Homero, que quando atirarem as pedras eu quero estar fazendo o meu teatro, mas também
quero estar na rua para devolver as pedras, para protestar e para reclamar. O teatro, além
de ser a arte da paixão, é a arte da generosidade e também da luta. O teatro serve
exatamente para chamar a atenção da sociedade e dizer para ela o que precisa ser mudado.
Nós estamos vivendo em tempos tão sombrios e tão tristes, estamos vivendo um
retrocesso político tão grande, e agora, mais do que nunca, temos de usar a nossa arte para
chamar a atenção da sociedade e dizer a ela o que precisa ser mudado.

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Conversa de Coxia com La Casa

Abides Oliveira é o representante da Cia La Casa, fundada em 2016, mas constituída por
atores e atrizes que já passaram por outros grupos de grande tradição. La Casa estreia com
a peça A mulher braba, que é uma adaptação de O moço que casou com a mulher braba.

OTÁVIO CABRAL: Abides, porque La Casa? Fale um pouco sobre a trajetória de La


Casa.

ABIDES: O grupo surge em 2016. Eu saí do Joana Gajuru em 2015; nesse ano, o Governo
do Estado lançou um edital de fomento à produção teatral. Eu me inscrevi e fui um dos
selecionados. A proposta era montar O moço que casou com a mulher braba, que é um
texto original do século XIV e que eu fiz a adaptação, dando uma pegada mais atual de
teatro de rua. Então convidei algumas pessoas que fizeram parte de outros grupos, todo
mundo experiente em teatro, como Ana Oliva, Gonzaga, De Silva e Gama Júnior, que é
músico e já tinha trabalhado comigo em outros projetos. Nós então fomos ensaiar A
mulher braba, que era o primeiro espetáculo do grupo. Ensaiamos durante uns três meses,
e já próximo da estreia eu disse: “Gente, o nome do grupo, qual é?”. Ninguém sabia qual
era, e a ideia partiu de mim, o nome La Casa, que em português significa “a casa”. O
intuito era a casa de todos nós: fazer teatro, cultura, que somos ligados à arte, e acabou
ficando Cia La Casa. Todo mundo gostou.

Nós montamos esse espetáculo de rua em 2016, e já rodamos por algumas cidades do
interior de Alagoas. Não saímos com ele para outros estados. É um espetáculo que puxa
um pouco para a cultura popular, mas o figurino puxa para a commedia dell’arte; a
direção é minha, a adaptação também, com direção musical de Gama Júnior; as letras

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também são uma criação minha. Daí veio uma inquietação de montar outro espetáculo,
foi no ano passado, em 2017. Eu já vinha falando da ideia de levar ao palco a questão da
abolição, da escravidão em Alagoas e no Brasil, pois isso me inquietava, e eu comecei a
fazer alguns estudos no final de 2016. Participei de muitas discussões sobre a questão
negra no Brasil e em Alagoas, assisti a documentários, fui para muitos eventos e acabei
escrevendo o texto do nosso segundo espetáculo, que se chama Negreiros. Estreamos em
novembro de 2017, no Quinta no Arena. São dois atores em cena, Luiz da Silva e eu, com
direção de Fátima Farias e minha, trilha musical de Gama Junior e De Silva. Montamos
o espetáculo sem nenhum recurso, fizemos apenas uma arrecadação pela internet, a fim
de levantar fundos para a montagem. Todo o dinheiro arrecadado foi investido em
cenários, figurinos e na produção de Negreiros. A montagem durou cerca de dois meses;
tivemos aulas de maculelê e para uma das cenas precisamos aprender Iorubá. Tivemos
orientação de Nani Moreno para as questões de elementos da cultura africana.
Apresentamos no Teatro de Arena, e depois no porão do teatro Deodoro. A ideia de
apresentar no porão surgiu a partir do Coletivo Volante, quando assistimos a Incelença e
achamos que também poderíamos apresentar Negreiros lá. Fizemos três apresentações no
porão; o espetáculo é para palco e também para espaços alternativos. Este ano estamos
participando do Teatro Deodoro é o maior barato no dia 22 de agosto, apresentando
Negreiros. Temos o projeto de levar o espetáculo para o interior de Alagoas; a meta é
levar a dez cidades do interior até o final do ano. Esta montagem é formada por pessoas
experientes, com participações em outros grupos, festivais e eventos de teatro. Por
exemplo, eu faço parte da Rede Brasileira de Teatro de Rua; todos nós trazemos uma
grande bagagem de experiência e de vivências no teatro alagoano. Sou um dos fundadores
do Joana Gajuru e passei pelo Curso de Formação do Ator da Universidade Federal de
Alagoas; não só eu, como Ane Oliva e Tereza. Fiz também pare do grupo Infinito
enquanto truque durante certo período e participei, também, da Comedia Alagoense. O
fato de todos terem uma experiência tão vasta contribuiu para a criação e a montagem em
tão pouco tempo do espetáculo Negreiros: apenas dois meses. É lógico que houve muita
dedicação.

OC: O NEPED está desenvolvendo um projeto que estuda a obra de Homero Cavalcante
e vai encenar a peça Quando se deu o eclipse. Eu sei que você trabalhou na peça Com os
burros n’água, de Homero Cavalcante. Gostaria que você falasse um pouco sobre a
montagem dessa peça.

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A: Eu trabalhei com o Homero na peça Com os burros n’água, no Casamento do
pequeno-burguês, do Brecht, e também no Auto de São Lourenço, de Gil Vicente, tudo
isso no Curso de Formação do Ator. Homero para mim foi um professor na arte de atuar,
na arte de dirigir. Foi enriquecedor trabalhar com ele; é aprendizado o tempo inteiro,
primeiro por sua simplicidade, por deixar a gente aprender. Passar pelo professor Homero
foi de fundamental importância, pois ele é uma das grandes figuras do teatro alagoano.
Quem passa por ele aprende muito. Com os burros n’água foi praticamente meu segundo
espetáculo. Passar pelas mãos do Homero foi um divisor de águas para mim. No
espetáculo meu personagem não tinha fala, ele apenas se movimentava quando os outros
ficavam de costas para mim. Foi um grande aprendizado; eu não falava nada e falava
tudo, apenas com o gestual e corporal em cena. O outro espetáculo em que ele me dirigiu
foi O casamento do pequeno-burguês. Com este, nós participamos do Festival
Universitário de Blumenau.

OC: Uma das coisas que mais me chamou atenção e que me tocou no espetáculo Com os
burros n’água foi exatamente sua personagem, que não tinha texto, mas se comunicava
muito bem. Eu acho que esse é um grande desafio para o ator.

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Conversa de Coxia com Cia Do Chapéu

OTÁVIO CABRAL: Eu gostaria de conversar com os amigos da Companhia do


Chapéu, aqui representados pelo Thiago Sampaio. Eu tenho um carinho e um respeito
muito grande por esta Companhia, pelo que ela traz de coletivo tanto no repertório quanto
na direção. Seu último espetáculo, Tarja Preta, você assiste do princípio ao fim, não
escuta uma palavra sequer, e o espectador fica preso ao espetáculo de uma forma
fantástica. A montagem tem uma luz muito interessante, uma interpretação muito boa,
além de o texto discutir uma questão bastante contemporânea: a depressão.

THIAGO SAMPAIO: Gostaria de reforçar a importância desse momento, de como


espaços que discutem a memória são cada vez mais necessários, especificamente na arte.
Esse espaço aqui é bastante potente, e estamos sintonizados com isso. É importante falar
que o encontro começou com imagens, e agora, com as palavras, vamos dar conta dessas
imagens. Queria registrar as presenças de Laís Lira e Gustavo Félix.

Em relação à Cia do Chapéu, nós somos oriundos da universidade, e aqui estão


presentes tanto o professor Ronaldo quanto o professor Otávio, que já foram nossos
professores. Eu particularmente comecei teatro na escola, então a escola foi para mim um
dispositivo para dar continuidade, para continuar no teatro. Magno, Tassia e o Douglas
também fizeram teatro na escola, e por conta disso buscaram o curso de teatro e deram
continuidade. E isso também está ligado com novos grupos teatrais de Alagoas; a maioria
deles nasceu nas escolas e na universidade. Reuniram-se para brincar, para fazer teatro e
levar isso adiante. Alguns abandonam o barco, seguem outras trajetórias; outros persistem
e adotam isso como uma escolha de vida. Foi o que aconteceu com a gente.

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Em relação à Companhia, queria registrar que nós nascemos para lidar com
dificuldades; não éramos Companhia ainda, mas queríamos pensar teatro juntos, só que
não havia espaço, pois mesmo na universidade as salas eram destinadas a outros fins.
Quando decidimos que para fazer teatro não precisávamos de um espaço necessariamente,
então fomos para o centro da cidade, brincar, fazer exercício cênico, improvisações,
porém ainda sem constituir um grupo, mas tentando criar uma unidade. Decidimos que
iríamos com um chapéu, um guarda-chuva, uma calça preta e uma blusa branca, uma
coisa bem básica. Por ficarmos repetindo isso por semanas, as pessoas começaram a se
acostumar com a gente. Certo dia, Magno escutou, durante uma improvisação, a conversa
de dois comerciantes. Um perguntou: “O que é isso?”; o outro respondeu: “É a Cia do
Chapéu”. O nome a gente não escolheu, ele veio para nós e o adotamos após esse dia. Ao
mesmo tempo estava acontecendo a feira Ufal, uma feira de arte e cultura, e nós
queríamos montar algo para esse evento. Foi quando montamos Apesar de você, que foi
uma escolha por acaso. A Silvia queria montar um texto de Arnaldo Jabor, Eu sei que vou
te amar, e fomos com outra proposta, mas que dialogava com a mesma relação: era o duo,
um casal em conflito. Então montamos Apesar de você, e a partir dessa montagem o grupo
se estabeleceu como grupo; a partir daí as montagens partiram sempre de alguém do
grupo. Um falava: “Eu queria montar isso, vamos?”. As coisas ou atraíam demais ou não
davam certo.

De Apesar de você até Alice houve um vácuo; não estávamos abandonando,


estávamos tentando entender o que éramos juntos e tentando conversar sobre teatro, sobre
nós, até que surgiu a necessidade de voltarmos aos palcos. O Donda me ligou perguntando
se eu não queria dirigi-lo e à Tassi em uma montagem de Alice, que era um texto dele.
Fizemos então uma contraproposta porque tinha um outro texto, outra versão do Eris
Maximiano, que havia sido montado pelo Grupo Horae, do Colégio Marista, em 1998.
Propus isso e eles aceitaram. Essa montagem foi decisiva para o grupo, um espetáculo só
com dois atores e que, aos poucos, começou a demandar a vinda de outras pessoas. Laís,
Magno, Mari e Isac começaram a chegar junto, e esse espetáculo então reorganizou e
afirmou o que era a Cia do Chapéu. Depois dessa montagem, entendemo-nos como grupo,
adotamos o CNPJ, criamos uma instituição de fato, e desde então estamos juntos,
entrando em conflitos, porque temos várias instâncias e com isso as diferenças aparecem,
mas tentando lidar com elas. Donda saiu e já voltou, e estamos sempre pensando em

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porque ainda estamos juntos, mas tem a questão do vínculo, da amizade, que é fortíssimo,
e nos mantém sempre juntos.

Depois de Alice, essa versão de 2006, passamos dois anos apresentando


continuamente. Durante esses dois anos foram umas três temporadas. Viajamos para
Petrolina e São Miguel dos Campos. Depois veio Uma noite em Tabariz, que também
nasceu de uma situação bem particular. A Taci conheceu o texto, montou uma leitura
dramatizada e se apaixonou, e aí começou a movimentar a energia do grupo em torno
disso. Foi quando decidimos montar Tabariz. Alice ainda coexiste junto com Tabariz,
mas acaba dando espaço para essa nova montagem. Tabariz também permanece por um
longo tempo, de 2009 até 2012, e tem uma vida bastante interessante, levando-se em
consideração a dificuldade de manter uma temporada aqui em Alagoas. Após Tabariz,
montamos Graças, e aí recebemos nosso primeiro prêmio, ganhamos um prêmio da Caixa
Econômica. O espetáculo não teve uma vida tão longa como a gente gostaria, mas em
compensação Graças dá continuidade a uma investigação que nasce em Tabariz, a
música. Começamos a compor e também a cantar juntos; a música entra cada vez mais
forte nesse lugar, um lugar que desestabiliza porque não é um lugar a priori nosso, mas
que acabamos adotando como um lugar em que podemos investigar. Após Graças,
fizemos alguns espetáculos encomendados, para sobreviver.

Por volta de 2010/2011, começamos a caminhar nesse universo da depressão, com a


ideia de fazer três trabalhos distintos: um vídeo, uma dança e teatro. Desse processo
sobrevive Tarja e Mal; Mal fez uma temporada e foi contemplado com o prêmio da
Funarte. Tarja deu uma parada e voltou ano passado, com muita força. Desse processo de
Mal, sentimos a necessidade de mergulhar em algo mais alto-astral, e aí vem essa nova
versão de Alice, que coincide com os nossos 15 anos de companhia. Fizemos 16 agora
em 22 em julho, e decidimos revisitar a montagem de Alice, entendendo que não dava
para ser o mesmo espetáculo, já que nós somos outros, as ideias são outras, as percepções
sobre teatro são outras. Então, obviamente, teria de nascer outro trabalho. Se
compararmos com a primeira montagem, Alice estava a fim de discutir a relação do que
é cena e o que não é cena, o que é teatro e o que não é teatro; queríamos revelar esse lugar
da caixa, estávamos usando o texto como pretexto para discutir isso. Nessa outra versão,
nós estávamos discutindo a identidade como algo fluido, como algo que não é absoluto,
que se transforma continuamente, que toca nessa questão do teatro como cena ou não
cena, mas tenta extrapolar esse lugar.

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Hoje, a gente está nesse lugar, que é um projeto que nós conseguimos levantar com
verba proveniente de uma campanha desse coletivo, algo muito importante para nós. A
gente sabe quem contribuiu, e damos o nosso muito obrigado. Enfim, a gente está bem
feliz de estar juntos há 16 anos, dando continuidade e tentando se entender a cada dia.

OC: Obrigado, Thiago. Antes de passar para Ronaldo de Andrade falar sobre a ATA, eu
gostaria de registrar a presença da diretora do ICHCA, a professora Sandra Nunes. Bom,
eu fico muito feliz, Thiago, com esse relato do grupo que surgiu em 2002, oriundo do
curso de graduação teatro licenciatura, e está aí até hoje acreditando nessa ideia,
acreditando naquilo que Cazuza dizia: “ideologia, eu quero uma pra viver”. Na verdade,
ideologia era uma ideia; o ser humano tem de acreditar numa ideia, e essa ideia para nós
é o teatro.

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Conversa de Coxia com Coletivo Volante

OTÁVIO CABRAL: Agora nós vamos conversar com a Cia Volante de Teatro. Ela surge
em 2014, com a participação de várias pessoas oriundas tanto do antigo Curso de
Formação do Ator quanto do Curso Teatro Licenciatura. Nesse sentido, parece-me que a
Ufal vem dando uma grande contribuição para o surgimento de novos grupos no teatro
alagoano. Uma coisa que me chama atenção nessa Companhia é que as montagens, como
as da Cia do Chapéu, são criações coletivas. A matriz original desse formato dramatúrgico
se encontra lá atrás, ainda nos anos de chumbo da ditadura, no grupo Asdrúbal Trouxe o
Trombone, dirigido pelo Hamilton Vaz Pereira, com a participação da Regina Casé,
Evandro Mesquita, Perfeito Fortuna, Luiz Fernando Guimarães, as Patrícias Travasso e
Pilar. Eu acho esse formato uma coisa fantástica, exatamente porque coletiviza, não se
torna uma coisa individual, saída de uma única cabeça. E só pra registrar, Bruno e Rayane,
eu assisti recentemente Incelença, que vai ser apresentado amanhã aqui na SBPC, ou
melhor, tentei assistir. É, eu tentei, mas não consegui, não assisti ao espetáculo todo por
que não tive condições emocionais, saí chorando e não consegui, por razões óbvias,
porque o texto trata exatamente da morte de pessoas, ou melhor, do assassinato de
pessoas. A peça mexeu comigo, mas o que me chamou mais a atenção foi a concepção.
Eu gostaria, Bruno, que nós começássemos a nossa conversa com você falando sobre a
trajetória e o surgimento da Companhia e, se possível, abordando alguns espetáculos que
foram montados.

BRUNO ALVES: Boa tarde a todas e todos. Eu quero agradecer muito pelo convite e
por estar aqui neste momento, compartilhando um pouquinho da nossa caminhada. Pois
bem, tudo começou com uma inquietação. Eu fiz Licenciatura em Teatro, sou da cidade

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de Viçosa (AL) e vim morar aqui para estudar Teatro. Fiz intercâmbio em Portugal e
passei um período fora. Quando voltei, voltei querendo falar de alguma coisa, e
principalmente de um lugar que eu pudesse entender como meu. Eu venho de Viçosa, fiz
uma viagem e depois fiquei meio “azuado” (como a gente costuma dizer aqui em
Alagoas). Então voltar era a vontade de querer contar alguma coisa para ver se eu me
entendia também nesse caminho.

A primeira historia que nasce com isso é o espetáculo Volante ‒ esse nome Volante
só nasceu seis meses depois, e foi ideia de Nivaldo (membro do Grupo), que viu a
trajetória e viu a história que estava nascendo. Ele disse: “Isso é uma coisa que se desloca
facilmente, isso lembra um ser que é mutável e que tem habilidades para o voo, então
acho que o nome Volante é um nome que caberia nessa peça”. Só que assim, Volante, a
primeira peça, não era para ser um solo. Quando eu voltei da viagem, comecei a convidar
pessoas para ver se encontrávamos alguma coisa que pudéssemos dizer juntos, e foi difícil
porque estavam todos em outras histórias e sem tempo. Chegou então um momento em
que eu disse: “Não vai rolar mais nada, então é melhor ficar no meu canto, quieto por um
tempo”. Foi então que me encontrei com um amigo e ele disse: “E aí, está fazendo o
quê?”. Eu respondi: “Nada, só estou terminando o curso. Estava com ideia de fazer uma
peça, mas não encontrei ninguém para descobrirmos juntos”. Aí ele disse: “Então faz um
solo”. Eu falei: “Você está doido”. Ele respondeu: “Faz um solo porque você vai
treinando”. Eu então ponderei: “Solo é pra quem tem muita experiência, e eu não tenho
nenhuma, não dá para chegar e fazer logo um solo”. Então ele disse: “A experiência, você
só vai conquistar se fizer”. Comecei a investigar o que eu queria falar, e descobri que
queria falar de um lugar de pertencimento, falando com o meu sotaque, com o meu corpo
de nordestino, de viçosense. Queria trazer isso para a cena, porque quando eu cheguei
aqui, e também quando viajei, enfrentei muitas questões de sotaque; de as pessoas
questionarem: que sotaque é esse? Como que alguém vai fazer Shakespeare com esse
sotaque? Isso mexia muito comigo, até que chegou um tempo em que eu queria parar de
falar assim.

Depois da viagem, em que eu estava longe de casa, foi que percebi que falava mais
nordestino ainda. Entendi que esse é o meu lugar de fala, que é do jeito que eu sou, com
o corpo que eu tenho, e deveria buscar uma dramaturgia que me representasse. Então
comecei a construir. Vieram dois músicos para me ajudar nesse processo de dramaturgia,
e veio o Nivaldo também; e a história foi nascendo ao tempo que algumas coisas foram

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se pontuando nesse caminho. A primeira foi que a peça deveria ocorrer num espaço
alternativo, porque eu não tinha ideia de como acessar um teatro. Minha história com o
teatro se dava em espaços alternativos em Viçosa, pelo fato de lá não haver teatro. Então
era certo que eu iria para a rua, para um beco, para qualquer lugar onde eu pudesse contar
essa historia. Outra coisa que ficou clara foi que eu a iniciaria a partir da historia de um
homem que sai de casa para procurar a felicidade pelo mundo, e que ele juntava tudo na
carroça. Isso se deu porque foi exatamente esse elemento, a carroça, que me conectou
com essa cidade aqui ‒ essas carroças que as pessoas puxam conduzindo material de
reciclagem. Isso era algo que de certa forma me ligava muito à minha cidade, porque eu
achava muito bonito. Ao passar de ônibus e ver uma carroça atravessar no meio da rua,
eu dizia: “Que coisa louca!”. Ver um homem puxando uma carroça ou ver uma mulher
puxando uma carroça no meio de tudo aqui é tão Viçosa. Eu estou buscando isso nesse
espetáculo.

Outra coisa que foi se mostrando pouco a pouco foi o figurino e os adereços, e isso se
deu porque, já que eu estava falando de catar histórias e caminhar pelo mundo, e esses
catadores me inspiravam, então todos os adereços e figurinos, tudo o que vocês veem
nessas fotos aí, vieram do lixo e do descarte. E eu saí procurando, e tudo que eu
encontrava descartado pelo caminho ia trazendo para casa e ia encontrando um sentido
para tudo aquilo. Eu sei que um ano depois dessa história toda, surgiu o Volante e estreou
no Espaço Cultural, mais precisamente no Beco do Brandão. Aí começamos a percorrer
vários outros espaços da cidade. Eu ia às escolas dos amigos e dizia: “Tem como
apresentar para os seus alunos? Eu estou precisando muito apresentá-la. E queria muito
experimentar, queria muito dialogar com a cidade”. E nesse um ano depois da estreia eu
já apresentei umas 25 vezes na cidade; só depois é que a peça foi para um lugar
convencional, o Sesc, o Teatro do Sesc.

Certo dia, o Magno me liga e diz: “Vamos apresentar no Palco Giratório e tal, tem
uma pauta lá no teatro”. Aí eu disse: “Ah, Magno, obrigado, mas eu não quero não, eu
não apresento em teatro”. Então desliguei. Falei então pro Nivaldo: “Era o Magno
chamando pra apresentar no Teatro Jofre Soares, mas eu falei que não apresento em
teatro”. Aí o Nivaldo respondeu: “Você tá louco! É o Palco Giratório! Todo mundo vai
ver a sua peça, vá logo participar desse negócio!”. Cinco minutos depois, eu ligo:
“Magno, desculpa, ainda tá valendo o convite? Eu aceito”. Foi interessante ir para esse
palco porque as pessoas começaram a ver, se bem que muitas pessoas na cidade já tinham

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visto, porque ela já tinha ido para muitos bairros, muitas escolas e tal. Na verdade, ir para
o teatro agora era a vez de dar oportunidade às pessoas que frequentam teatro e também
às pessoas que fazem teatro. E foi muito bom a partir daí, porque acho que a peça começou
a me aproximar da cidade, que é uma cidade que eu escolhi, uma cidade aonde vim morar,
uma cidade onde não nasci e que me possibilitou a aproximação com esses novos espaços
e com essas pessoas. Nisso tudo também há uma coisa que esta aí dentro, na construção
textual, tudo misturado: é que eu casei, eu casei com o Nivaldo, e quando casei com ele
a gente foi construindo muito a peça dentro do apartamento também. Trazendo o lixo para
dentro do apartamento, limpando; é uma loucura, muita coisa está inserida nesse diálogo.

E nesse caminho, eu encontro a Rayane e falo: “Ray, estou para estrear Volante e
queria alguém que concebesse a maquiagem”. A Ray então começa a acompanhar os
ensaios e perceber a maquiagem; para esse momento, eu queria uma coisa bem armorial,
algo que conseguisse reunir tudo o que já vivi e tudo o que eu gostava. Queria que tudo
estivesse ali, que eu gostasse e me divertisse fazendo, e foi nascendo, e nasceu, e a Rayane
continuou nesse processo, a Rayane e o Nivaldo. Os músicos depois foram embora, e
chegou o momento de a gente fazer uma coisa juntos, porque Volante nasceu como solo,
mas não porque queria ser solo, tão somente pela necessidade.

RAYANE GÓES: Eu só queria acrescentar uma coisa que eu acho muito importante, e
que a gente teve num debate esses dias, sobre “Saberes Populares e Saberes Acadêmicos”.
Alguém falou da importância de às vezes olhar para o seu lugar; e quando eu vejo o
espetáculo Volante, vejo um pouco da história do Bruno, e vejo um pouco de Viçosa, os
bairros de lá. Uma das coisas que mais mexeu comigo ultimamente, nessa semana da
SBPC, foi exatamente essa necessidade de a gente como artista olhar para o nosso lugar,
para primeiro entender os nossos espaços, a nossa cultura.

BA: E então nasceu Volante, e com isso o nome Coletivo Volante; eu acho bonito,
poderoso, é algo que se desloca facilmente, que tem habilidade para o voo. Eu amei e
disse: “Esse vai ser o nome do Coletivo, e já que tem de estrear com o nome, vamos
colocar Coletivo Volante”. Quando a Ray continua, juntamente com Nivaldo, a gente
chega ao segundo espetáculo, que é justamente por ocasião do Festival de Teatro de
Alagoas, o Festival de Artes Cênicas de Alagoas – Festal. E a gente se aproxima de muita
gente, conhece outros grupos, encontro muito com Wanderlândia, encontro Nathaly,
encontro Gessika. Quando saímos para a última noite do Festal teve um sarau, e nesse

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sarau o Magno Francisco chegou ‒ tinha um microfone aberto ‒ e disse: “Eu queria dizer
que a ultima testemunha do desaparecimento do meu primo foi morta, no caso Davi, o
meu primo e tal”. Falou o que tinha acontecido; na hora em que ele falou, a gente estava
tudo em festa, passou muito despercebido, só que o Rogério Dias estava lá e disse: “Eu
vou recitar um cordel, que se chama O Mercado da Morte, porque vocês viram o Magno
falar, mas não deram atenção pro Magno”. Então ele recita esse cordel, que ele fez pra
falar da violência em Alagoas, isso vai ficando na minha memória e eu vou ficando muito
inquieto e vou trazendo pra dentro de mim. E trago para o Coletivo essa questão. Na
mesma semana é divulgado o Mapa da Violência no Brasil, e Alagoas mais uma vez
aparece entre os estados mais violentos para se viver; Maceió, uma das capitais mais
violentas para se viver; e cinco ou mais municípios alagoanos entre os cinquenta mais
violentos para se viver. Então comecei a conversar com Ray e Nivaldo e propus que
começássemos alguma coisa; ao mesmo tempo, fui conversando com Wanderlândia, que
é do Clowns de Quinta, querendo convencê-la e conquistá-la, juntamente com a Nathaly,
para que comprassem a ideia de construirmos juntos alguma coisa sobre essa questão.
Nisso, passo a conversar também com Géssika Geysa, e a gente decide que vai se
encontrar. Foi então que surgiu um texto inicial, que a gente leu no primeiro encontro. Já
nesse primeiro momento surge uma chuva de vontades, de ideias e questionamentos, e
nós fomos apontando coisas e mais coisas. Porque havia tanta coisa pra falar, tanta coisa
pra questionar, que não se conseguia...

RG: Foram 14 versões.

BA: Catorze versões desse texto. Nós queríamos que o nosso corpo falasse, que a nossa
memória falasse. Então chegamos a maio, mais ou menos isso, e resolvemos zerar esse
jogo e começar de novo, porque nós não estávamos conseguindo montar uma cena.

RG: Porque era muita informação para ser processada. Na verdade, no primeiro dia nós
chegamos com um texto, mas não esperávamos que fosse fervilhar de ideias e
experiências. Isso aconteceu justamente porque aquilo tudo tinha atravessado a gente e
então todo mundo estava fermentando esse assunto. No primeiro dia, inúmeras situações
surgiram, vários questionamentos, e a gente trazendo corpo, trazendo jogo de palhaço,
jogo de Brecht. Tudo ia mudando, e nós íamos criando para no fim dizermos: “Não é
isso”. E aí mudava aquele texto e mudava outro texto, e nada. Então quando estávamos
quase sem direção, todos ali dirigindo e ao mesmo tempo propondo alguma coisa nova,

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achando que a coisa estava caminhando, eu disse: “Não, a gente tem de copilar juntos”.
E o grupo então teve a ideia de chamar a Géssika Geyza para dirigir, e foi quando a coisa
caminhou mais.

BA: A partir dessa decisão de Géssika dirigir, ela começou a orquestrar os sentimentos
de todos os que estavam naquela sala. Eu fiquei encarregado de costurar essa dramaturgia,
só ressaltando que a questão da dramaturgia, que é algo muito presente no nosso Coletivo,
é o lugar que a gente constrói a partir da nossa própria experiência ali dentro. Quando se
fala o texto do Bruno, na verdade é um texto que foi atravessado por todas as pessoas que
estavam ali. Por exemplo, a Wanderlândia propôs uma cena, e eu achei bonita essa
imagem: uma bordadeira lá do Pontal ou então ela só costurando e misturando as coisas;
é isso, porque as coisas são construídas ali dentro.

Para adiantar um pouquinho a nossa história, em julho de 2017, no porão do Teatro


Deodoro, a gente estreia Incelença. Por que o porão? A gente passou um bom tempo
investigando os espaços, e um dia a Nathaly chegou com a sugestão do porão, então nós
discutimos e decidimos: vamos experimentar o porão, então estreamos no porão. Cada
espaço que nós encontramos nos propõe cenas. Incelença estreou no porão; a gente ainda
fez mais cinco apresentações por lá, depois fomos procurar outros espaços. Todo lugar
que a gente vai é uma cena nova que surge; assim os espaços estão sempre nos trazendo
novidades para a cena, e em todos os lugares em que nós apresentamos durante esse um
ano Incelença sempre tivemos uma cena nova, porque cada espaço tem um poder sobre
essa história que a gente não conseguiu entender ainda.

RG: E só para falar mais um pouquinho acerca do trabalho do Coletivo. Antes da estreia
de Incelença houve um trabalho do Bruno junto com o Nivaldo que foi o texto Ex
Machina. O Bruno tem muito texto engavetado, então o Nivaldo disse: “Vamos fazer
alguma coisa com isso, vamos relacionar o audiovisual com o teatro e ver no que dá”. Aí
surgiu o texto Ex Machina, com uma proposta inicial de ter como ponto de partida os
textos do Bruno. Alguns atores foram convidados a fazer uma relação do jogo com a
câmera e a propor uma dramaturgia dialogando com o audiovisual. Teve quantas edições,
Bruno?

BA: Catorze edições.

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RG: Catorze edições. Depois nós tivemos Malditos Dramaturgos, de São Paulo, que nos
enviaram um texto também e nós fizemos com algumas pessoas e brincamos com isso
também. Depois a gente parou um pouco, para poder seguir com outras coisas. E aí veio
a nossa revista digital, #Textão; a ideia é que ela seja uma revista colaborativa. Com essa
revista nós temos a intenção de estabelecer um diálogo acerca das artes cênicas e dos
grupos de Alagoas, propondo que eles falem sobre seus trabalhos para que quem estiver
começando possa entender o que está acontecendo sobre teatro em Alagoas.

BA: E pra finalizar, agora em janeiro a gente começou outro processo em que estaremos
todos juntos, Rayane, Bruno e Nivaldo, em cena mais uma vez. Esse processo pretende
nos conduzir a um espetáculo que nós ainda estamos construindo e fala de loucura e do
aprisionamento da loucura. Em março nós começamos uma residência e voluntariado no
Hospital Portugal Ramalho; nós estamos lá desde então, vivenciando e dialogando com
os pacientes. Dessa vivência vai nascer a peça; a gente não sabe ainda quando estreia.

OC: Bruno, eu acho que tem muitas coisas interessantes na companhia. Tem algumas
coisas muito interessantes no grupo. A primeira é que a estreia se dá num dia muito
importante para mim, que é o 19 de março, dia do meu aniversário; mas o que me chama
a atenção é o termo Coletivo Volante. Coletivo é uma palavra que melhor sintetiza a arte
de representar, justamente porque o teatro é uma arte essencialmente coletiva;
diferentemente de qualquer outra manifestação artística, ele necessita do concurso de
outras artes para que aconteça. O Dias Gomes dizia que para que ele aconteça é necessária
a cumplicidade entre o ator e o espectador, é preciso que pelo menos uma pessoa esteja
na plateia para que o ato teatral se complete. Vocês tomaram todas as perguntas que eu
tinha para fazer, inclusive a pergunta sobre o texto Ex Machina; eu queria apenas registrar
uma coisa que acho muito interessante e que muitos aqui não sabem. Você falou que o
espetáculo foi feito no porão, e é importante que se diga que foi no porão do Teatro
Deodoro. Porque muita gente não conhece aquele local no Teatro Deodoro; ele fica
embaixo do palco e era lá que se confeccionavam os cenários, ali era a maquinaria do
Teatro Deodoro. É um local bastante significativo para quem utiliza o Teatro Deodoro.

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Conversa de Coxia com a Ata

OTÁVIO CABRAL: Eu tenho prazer de passar a palavra, agora, para o professor


Ronaldo, que vai falar sobre a Associação Teatral das Alagoas, a nossa mais antiga
referência das artes cênicas no estado, criada por Linda Mascarenhas.

RONALDO DE ANDRADE: Boa tarde a todos vocês. Cumprimentei antes com abraços
e afagos. Sintam-se todos abraçados e afagados. É um prazer imenso estar aqui com meus
colegas. Mas, principalmente, compartilho aqui com o professor Otávio, que é amigo de
longas datas, e com todos aqueles que se interessam pela história do teatro, essa minha
vivência. A ATA foi fundada em 1955. As razões que levaram ao surgimento da ATA
são bastante interessantes, porque ela foi fundada sob a liderança de Linda Mascarenhas,
que é uma mulher que já vinha, na década de 40, levando à frente o movimento de teatro
de Alagoas. Claro que quando falamos levando à frente o movimento de teatro de
Alagoas, não estamos falando de Linda Mascarenhas como atriz, mas entendemos que
tem um coletivo por trás de tudo isso. Um movimento coletivo. Linda é a única mulher
com autoridade, que se arvorava em posições de liderança numa sociedade machista com
relação ao teatro, num momento em que o teatro para mulheres de boa família, como se
dizia na época, era um perigo muito grande, pois a menina poderia ficar mal falada e não
arranjar um bom casamento.
Eu cheguei a Maceió em 1971; Maceió tinha uma população entre 70 e 110 mil
habitantes. Em 1940, Maceió deveria ter, proporcionalmente, uma população muito
pequena. Os comportamentos estavam muito visíveis para toda a cidade. A cidade, muito
amarrada a princípios e paradigmas de comportamento estabelecidos, que até hoje ainda
vigoram, mas aos poucos estão sendo modificados. Então, Linda é uma mulher, uma
mulher idosa, que começou no teatro jovem, como a gente, mais jovem que a gente, mas

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envolvida com um movimento importantíssimo também na cidade, no estado, que é a
Federação Alagoana pelo Progresso Feminino. Uma federação que ela ajudou a fundar
com a Dra. Lili Lages e outras senhoras cultas, para lutar pelo voto feminino, pelo direito
de votar, e que estava ligada à Confederação Nacional, que tinha um nome
importantíssimo a liderar esse movimento, a Dra. Berta Lutz. Desse movimento Linda
fez parte. Primeiro, ela foi secretária, fundadora, juntamente com as amigas; depois ela
assumiu a presidência com a Dra. Lili Lages, e na presidência ela ficou até 1991, quando
faleceu.
Há uma série de atividades, que não vou entrar em detalhes, mas alguns aspectos são
importantes. Por exemplo, a conquista de uma sede para a Federação Alagoana pelo
Progresso Feminino, e essa conquista era feita através do angariamento de recursos,
proveniente de promoções, de festas e de espetáculos de teatro. A Linda então cria um
espetáculo de teatro e o apresenta com essa finalidade. O primeiro grupo que ela fundou
foi numa reunião de pessoas. Ela já vinha fazendo teatro para a Federação e fez um
espetáculo. Depois ela ficou conhecida como a pessoa que estava à frente de um
movimento importante que surgira naquela pequena cidade. Dois jovens do colégio
Diocesano, atualmente colégio Marista, Aldemar Paiva e Nelson Porto, apresentaram-se
no Cinearte, posteriormente o cinema São Luiz. Esses jovens procuraram Linda para
fundar um grupo de teatro; ela arranjou os meios necessários e continuou com eles e
trabalhando em outro grupo, chamado Teatro de Amadores. Teatro de Amadores foi um
grupo montado na década de 40. Linda não dirigia o Teatro de Amadores, a não ser depois
que o Lima Filho, que dá o nome ao Teatro de Bolso Lima Filho, lá na Secretaria de
Cultura, se afastou e foi substituído por Aldemar Paiva, que em seguida é substituído por
Linda Mascarenhas. Quando Linda assume, os textos montados pelo Teatro de Amadores
voltam-se para a temática feminina. O último texto montado por esse grupo foi Casa de
Bonecas.
Dois anos depois, outros jovens, com desejo de ganhar dinheiro para a formatura, Luiz
Gutemberg e Noemi Ambrósio, vão atrás de Linda para montar um espetáculo. Fundam
um grupo de teatro, o Teatro de Amadores de Maceió ‒ TAM. O movimento vai crescer
bastante, porque tem uma expectativa e um interesse cultural estabelecido na cidade pela
presença Dona Leda Collor de Melo e pela própria evolução do movimento do teatro
amador no Brasil. É 1953, momento em que surgem a Aliança Francesa, a Sociedade de
Cultura Artística de Alagoas e uma série de movimentos da sociedade local em prol da
cultura. Mas Linda era mulher e sofreu as restrições que as mulheres sofriam, pois

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pretendia ser atriz. Ela estava com quase sessenta anos. Consegue a vinda, contando com
o apoio de Dona Leda Collor de Melo, de um diretor estrangeiro radicado no Rio de
Janeiro, Willy Keller, para um espetáculo do Teatro de Amadores.
Linda prepara então O Segredo, com um colega do Teatro de Amadores, e faz uma
apresentação para o diretor. O diretor concorda com o texto e será montado também um
outro, sob a direção de Willy Keller. São dois textos, duas montagens pelo Teatro de
Amadores, ao mesmo tempo. O que acontece é que ele não considerava Linda com o tipo
adequado para o papel. Havia essas coisas no teatro nessa época. Foi então em busca de
outra atriz que Linda tinha iniciado no teatro e que se revelou um talento extraordinário:
Eunice Pontes. Esta assumiu então o papel, e Linda continuou na presidência do Teatro
de Amadores, deixando-a dois anos depois.
Novos jovens vão à casa de Linda, que na época morava na Comendador Leão, para
solicitar que ela dirigisse o Departamento de Cultura do Clube Regatas do Brasil, que era
um clube social e não só de futebol, como é hoje. Linda aceitou e chamou Bráulio Leite
para dirigir o primeiro espetáculo. Depois de vários adiamentos, foi feita uma reunião
com os integrantes do Clube Regatas Brasil e a participação de algumas amigas da Linda
e do professor Luiz Lavenère. Preciso ressaltar o nome do professor Luiz Lavenère, que
foi um cronista teatral aqui de Maceió que trabalhou muito e era um homem influente no
movimento cultural de então. Nesta reunião foi fundada, em 12 de outubro de 1955, a
Associação Teatral das Alagoas. Naquele momento, o professor Luiz Lavenère propôs à
assembleia que Linda ficasse como presidente perpétua do grupo, visando protegê-la das
ingerências e dos interesses externos. No ano seguinte, em 1956, o grupo estreia, em
janeiro, com o espetáculo Conflito Íntimo, de autoria e com direção de Linda, o que será
uma surpresa para a cidade.
De 1955 a 1970, a ATA construiu uma trajetória muito interessante, montando textos
da dramaturgia nacional; esses textos eram quase sempre dirigidos por Linda ou por
diretores que ela convidava, do Rio de Janeiro ou de Pernambuco, principalmente
mulheres: Margarida Cardoso, Maria José Campos Lima Selva, também chamada
Marijose Selva, Nita Campos Lima, que era irmã da Maria José Campos Lima, a própria
Linda, e tinha uma outra. Enfim, são umas quatro ou cinco mulheres, que era uma coisa
excepcional dentro do movimento de teatro local. Além desse aspecto do feminismo,
devido à dramaturgia clássica, há também uma dinâmica muito grande na formação do
grupo; as pessoas participavam do grupo duas ou três vezes, em três ou quatro montagens,
e desapareciam; Linda continuava segurando o grupo; a casa dela era a sede. Esse período,

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nós vamos considerá-lo como um tempo de aprendizagem da ATA, e durará até o final
da década de 60.
Na década de 60 ocorre o golpe militar. Temos então uma mudança de perspectiva na
história e na abordagem na dramaturgia brasileira, que envereda por temas ligados às
questões sociais. A ATA montou um espetáculo fabuloso, que fez um grande sucesso,
com a participação de Jofre Soares no elenco: Eles não usam black-tie. Linda montou
também um espetáculo chamado Dona Xepa, de Pedro Bloch, que fala da mulher do povo,
que vende e recolhe alimentos no final da feira, e tem um discurso bem apropriado para
a época. A partir de 1970, outro momento marcante se dá com a chegada de um diretor
de teatro do Rio de Janeiro, trazido por Linda: Lauro Gomes. Esse diretor implanta na
ATA, com os jovens que estavam ali, uma experimentação no chamado teatro de
vanguarda. Essa perspectiva de trabalho de Lauro Gomes, que ele não inventou aqui em
Maceió, ele trouxe do Rio de Janeiro, mais precisamente do grupo Orla, que ele dirigia;
ele é formado pelo Conservatório de Música e pelo Teatro Nacional.
Na mesma época que eu entrei na ATA, em 1971, ele dirigiu Hipólito, de Eurípedes,
e Hoje É Dia de Rock, de José Vicente. Ficou amigo da ATA e é inclusive sócio dela.
Hoje em dia, embora viva no Rio de Janeiro, sempre que a gente precisa, ele vem e dirige
de graça. Nesse momento, a gente tem uma formação com essas práticas do teatro de
vanguarda, que na verdade é a participação com o público, e vanguarda porque quer
abordar temas modernos, assuntos modernos, com uma estética mais arrojada, e não
aquela mais acadêmica. Teatro de gabinete é uma coisa que ficou lá para trás na história
da ATA. Aconteceu uma situação muito interessante; o grupo internamente também
começou a mudar. Lauro não proporcionou o aprendizado das técnicas que Linda gostava
muito de ensinar, tais como o andar no palco, as aulas de dicção, as entonações, seguindo
sempre as convenções teatrais que já estavam ultrapassadas. Lauro vem para um novo
contexto, trazendo um novo momento, e nesse novo momento vai formar um pequeno
grupo dentro da ATA, que Linda permite que funcione. É um grupo formado por José
Márcio Passos, José Correia da Graça, por mim e Homero Cavalcante. Esses foram os
que ficaram mais permanentemente. Tivemos Otávio Cabral em três ou quatro momentos.
Começou-se então a fazer um teatro em que a gente começava a escolher os textos,
não mais os textos que Linda escolhia, e isso exigia que lêssemos os textos para escolher,
que discutíssemos os textos para a gente montar. E dentro disso, a gente também foi
fazendo declamações de poemas, como os de Jorge de Lima em recitais na Academia
Alagoana de Letras, ou em União dos Palmares, no ano do aniversário do poeta. Depois

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disso, fomos escrever textos de teatro. Adentramos os primeiros anos da década de 80
com uma experiência de evolução no grupo, no núcleo que se formava junto com Linda
Mascarenhas. Essa década foi um momento muito interessante. Em 1983, houve uma
experiência de residência com atores profissionais do Recife, realizando um projeto com
outro diretor, Moncho Rodriguez, que foi professor do Curso de Formação do Ator da
Ufal, uma pessoa muito interessante, muito engajada na questão do fazer teatral, um
diretor de teatro na verdadeira acepção da palavra. A gente montou Os últimos dias da
solidão de Robinson Crusoé com os atores profissionais de Recife e com atores amadores
da ATA, e também com a participação de pessoas convidadas da cidade. Foi muito
interessante esse espetáculo porque a gente aprendeu com Moncho a improvisar com
muito mais organicidade a realização da cena.
Terminou a década de 80, que foi o período do teatro de participação de vanguarda
da ATA. Eu me afastei para estudar e fazer mestrado; Homero foi fazer outras coisas;
José Márcio foi para o Rio de Janeiro fazer a Escola de Teatro Martins Pena, para fazer
teatro profissional; José Correia foi cuidar da profissão dele, e a gente passou um tempo
parado. Linda chegou ao final da vida. Houve também a montagem, talvez o canto do
cisne desse período, Fazendo Chuva, de Homero Cavalcante, com a última atuação de
Linda Mascarenhas em cena. Depois disso, ela só se apresentou declamando poesia.
Enfim, passou essa parte da década de 80 e a ATA volta, no início de 90, com Otávio
Cabral, com Toinho (Antônio Lopes), com Homero; eu não estava aqui, estava fazendo
o mestrado, montando Itinerário de Graça. Quando monta Itinerário de Graça, com
Otávio e Aline Marta, eu volto de São Paulo e a gente começou a trabalhar juntos. E aí
finalmente se consolida o retorno da ATA, depois da morte de Linda Mascarenhas. A
consolidação do retorno da ATA já vem noutra situação, todos nós tínhamos estudado
teatro e tínhamos entrado em outra esfera de entendimento sobre teatro.
A gente então monta vários espetáculos, mas o mais importante talvez seja pontuar o
ano de 1995, para comemorar os 100 Anos de Linda Mascarenhas, que nasceu em 1895.
Nessa época, a ATA lançou o manifesto Macamandí, no qual a ATA assume o
compromisso com um teatro que se proclame alagoano. Foram montados vários
espetáculos de 1995 a 2005. Em 1995 nós lançamos o primeiro número da revista Caítitu,
e em 2005 o segundo. Nesse período, a partir do Curso de Formação do Ator e do curso
de Teatro Licenciatura, a ATA começou a agregar pessoas que foram lentamente se
fixando no grupo e hoje são os sócios efetivos: Lidianne Heliomarie, Cibele Araújo,
Rivaldo Lisboa, André Lins, Juliana Perez, Delaine Manteoni, Fabiano Alves. Hoje

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somos nove pessoas e estamos trabalhando juntos nesse tempo todo. Agora temos um
grupo mais efetivo, cada um com mais de dez anos no grupo, e assim estamos levando
em frente. A gente tem atividades de leituras dramatizadas, de teatro infantil, de cinema,
de documentários, de ficção também. E temos eventos regulares fixos no grupo, entre eles
o Bloco Carnavalesco Filhinhos da Mamãe; o Maio Teatral, para comemorar o dia
alagoano do teatro; o Outubro da ATA, para comemorar o aniversário da ATA; e o
Concurso de Peças Teatrais. O Concurso de Peças Teatrais foi Linda que criou, em 1957,
depois de fundada a ATA em 1955.

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Conversa de Coxia com Otávio Cabral

ANNE LUZ: A primeira pergunta, Otávio Cabral, é: alguns dizem que não escolheram o
teatro, o teatro é que os escolheu. Foi assim com você também? Qual foi o ponto de
partida?

OTÁVIO CABRAL: Eu acho que o teatro me escolheu mesmo. Eu lembro muito bem
que ainda quando estudante de grupo escolar, de vez em quando a professora dizia:
“Amanhã, todo mundo fardado para ir ao teatro”. Esse grupo escolar ficava na rua do
Teatro Deodoro, quase defronte à igreja de São Benedito. Nós então saíamos em fila
indiana em direção ao Teatro Deodoro. Eu desde muito jovem assisti a várias peças de
teatro. Lembro exatamente onde eu estava sentado, assistindo à peça da Maria Clara
Machado, Pluft o fantasminha. Lembro a cortina abrindo, a luz acendendo e a sonoplastia
tomando conta da cena. Naquele momento, eu pensei: “Um dia eu quero estar ali”. Esse
foi o meu ponto de partida. Eu não sabia como, só sei que ali, naquele momento, despertou
em mim o desejo de fazer teatro.

O meu pai era alfaiate e tinha uma alfaiataria na Avenida Moreira Lima, no centro de
Maceió. Eu, de vez em quando, às tardes, ia para lá e voltava com ele à noite. Acontece
que um dos atores daquela peça, Pluft o Fantasminha, era amigo do meu pai e às vezes
aparecia na alfaiataria para bater papo e, quando me via, passava a mão na minha cabeça
e dizia: “Oh garoto!”. Aquilo deixava a minha cabecinha de criança muito prestigiada e
envaidecida, porque pensava comigo mesmo: “O ator me conhece”. (Risos). O desejo de
um dia estar no palco me acompanhou, e essas coisas acontecem na vida da gente de uma
forma muito inesperada, sem que a gente as programe. O tempo passou e eu não corri
atrás para realizar o meu desejo. Acontece que eu sempre fui muito interessado nessas
coisas de cultura e procurava me aproximar dos eventos. Um belo dia, um amigo me
convidou para participar de uma Caravana da Cultura que ele estava organizando para
levar ao interior, e eu fui mesmo sem estar apresentando nada. Lá eu fiz amizade com
uma pessoa que passou a ser, pelo resto da vida, o meu grande amigo e irmão: o ator
Carlos Geraldo Sampaio, o Cacau. Ele já fazia teatro e havia levado para a Caravana uma
peça chamada Procura-se uma rosa, de Pedro Bloch. Ele não tinha levado sonoplasta e
perguntou se eu topava fazer. Eu, mesmo sem nunca ter feito, pedi que ele me ensinasse,
e fui fazer a sonoplastia. Felizmente tudo deu certo. Foi o primeiro pé no teatro. Na volta,

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ele me perguntou se eu não gostaria de fazer teatro; eu respondi que sim e ele então
combinou para irmos até a casa de Linda Mascarenhas. Ela foi a pessoa que me pegou
pela mão e ensinou a andar no palco, a amar o teatro e a respeitar esse tablado. Linda
queria exclusividade, e eu queria conhecer outros grupos, outras pessoas, outras formas
de teatro, queria mais engajamento político e aí fui me afastando da ATA e me
aproximando de outros grupos. Naquela época, em plena ditadura, algumas pessoas do
teatro amador de Maceió estavam mais à esquerda. Fiz algumas peças com ela, na verdade
estreei com Linda Mascarenhas. Eu sei que o meu afastamento a deixou um pouco
chateada comigo, mas isso nunca foi impedimento para prejudicar o afeto do nosso
relacionamento; nós sempre nos tratamos com muito respeito e carinho, e nem poderia
ser diferente.

SILVIO LEAL: Como é o processo de construção da personagem para você, Otávio?

OC: Eu acho interessante isso, porque me faz lembrar quando, aos 21 anos, eu era
presidente do Teatro Universitário e fiz o Tirésias, em Antígona. O diretor fazia a
maquiagem, gastava quarenta minutos para me envelhecer; se fosse hoje, ele não teria
mais esse trabalho. O Tirésias era um velho cego, como todos vocês conhecem, e eu
ganhei o prêmio de melhor ator coadjuvante, naquele momento, dado pela Associação de
Cronistas Teatrais de Alagoas, entidade que hoje não existe mais, justamente pela
inexistência de cronistas teatrais. Com toda certeza, hoje eu faria outro Tirésias, um
Tirésias mais bem-acabado, porque o teatro é a arte do tempo e quanto mais o tempo
passa, mais você se habilita para a construção da personagem. Com certeza o Vladimir
que eu estou fazendo hoje, e que tenho o imenso prazer de dividir a cena com esse gigante
do teatro alagoano que é o Silvio Leal, se eu o tivesse feito antes, não faria com a
densidade que estou fazendo hoje, porque a experiência e o acúmulo do tempo são a
matéria-prima para aperfeiçoarmos a construção da personagem.

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A: Recuso-me a acreditar que o ator começa só. Qual foi sua trupe ou quem você
considera sua trupe?

OC: A minha trupe são os meus amigos de teatro; eu tenho uma rede de amigos, não
tenho trupe. Fui sempre muito rebelde. Linda Mascarenhas queria exclusividade, e eu saí
em busca de outros rumos, outros caminhos, outras histórias. Acho que a minha trupe é o
próprio teatro. Hoje, a minha trupe é a Cooperativa Alagoense de Teatro, que reúne
pessoas pelas quais eu tenho o maior respeito e carinho.

S: Como foi a sua primeira peça de teatro? Desde a primeira, o que continua e o que
mudou?

OC: A primeira peça foi As laranjas da Sicília, de Pirandello. O que mudou dessa peça
para cá foi tudo, pois aos 71 anos você tem uma experiência de vida que torna muito mais
fácil, muito mais cômodo, abrir o alforje da memória e retirar o material necessário para
emprestar à personagem que vai interpretar. Portanto, tudo mudou.

A: Pode me relatar alguma situação engraçada que aconteceu nas coxias do teatro?

OC: Tenho sim, tenho várias, mas essa que eu vou contar. Para mim, é uma das mais
engraçadas. Tenho um amigo, um grande ator, grande diretor, dramaturgo, que em toda
estreia tinha uma diarreia terrível. Nesse dia, íamos estrear uma peça no Teatro Deodoro
e ele teve a famosa dor de barriga. Acontece que quando se dirigiu ao banheiro, um dos
atores já se encontrava lá fazendo a mesma coisa que ele pretendia. O mau cheiro exalava
pelo corredor, e ele começou a andar de um lado para o outro na porta do banheiro, até
que não se aguentou mais e resolveu bater na porta. A pessoa que lá estava disse: “Tem
gente!”, e ele de fora, muito irritado, respondeu: “Gente não, que gente não caga assim”.
(Risos). Pois é, essas coisas acontecem, não é? Teve outra situação que aconteceu comigo
e que foi impressionante: eu e Homero Cavalcante estávamos fazendo Mandrágora, de
Maquiavel, no Teatro de Arena; eu fazia o Dr. Nícias. Eu tenho um cacoete que me
acompanha há anos: antes de entrar em cena, dou uma filada no texto. Mesmo estando
com ele decorado, muito bem armazenado na memória, tenho que dar uma filada, porque
caso contrário eu posso esquecer. Nesse dia eu não filei, entrei em cena e esqueci o texto.
Homero percebeu o meu esquecimento e sem dar nenhuma pausa, como se aquilo fizesse
parte da peça, olhou para mim e disse: “Esqueceu alguma coisa, Dr. Nícias?”. Eu
respondi: “Esqueci”. Ele então emendou: “Então volte e veja se acha!”. Eu respondi:

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“Vou fazer isso, Ligúrio”, e entrei, dei a filada no texto e voltei. Quando entro em cena
ele imediatamente diz: “Encontrou?”. “Encontrei!”. E continuamos o texto como se nada
tivesse acontecido. Isso se chama generosidade. Nós, atores e atrizes, temos de ser
generosos em cena, socorrer o outro, dar apoio, porque esse espaço, o da representação,
é dominado por uma carga emocional muito grande e todos estamos sujeitos à
falibilidade, inclusive a morrer em cena.

S: Quem ou qual é a sua grande inspiração? O que o inspira?

OC: Eu gosto muito de uma frase do Jean-Louis Barrault em que ele diz: “Eu sou um
homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Aquele que dedica toda
a sua vida à humanidade e à paixão existente nestes metros de tablado, esse é um homem
de teatro”. Acho que o teatro para mim é isto: uma tribuna onde se discute o ser humano
até as últimas consequências. A minha grande inspiração é o ser humano, a possibilidade
que o teatro nos dá de discutir o tempo presente. É o que a gente está fazendo hoje com
Esperando Godot, construindo um espetáculo com a metáfora da esperança, para discutir
o momento atual, o momento que estamos vivendo. Eu acho que essa é a minha inspiração
e acho que deve ser a de todo ator e atriz: a de ter sempre o ser humano como objetivo,
ter sempre na encenação a possibilidade de discutir aquilo que ainda não é possível mudar,
mas que a arte mostra que é possível mudar. Essa é a minha inspiração.

A: O que todo artista deveria fazer sem exceção?

OC: Ser apaixonado pelo teatro, pois o teatro é a arte da paixão. Ou você se apaixona por
ele ou não vai fazer teatro. Eu lembro quando dava aula no Formação do Ator, as turmas
começavam com a sala sempre cheia e ao final só ficavam aqueles que foram tocados
pelo vírus. Teatro é uma coisa muito chata de se fazer; eu, por exemplo, detesto ensaio,
para mim é a coisa mais cansativa que existe. Só fica, só persiste quem é tocado. O teatro
é algo bastante persuasivo, você sente necessidade de fazer. Eu gostaria de confessar que
fiquei muito feliz ao ter sido convidado pelo Silvio Leal para fazer esse papel que estou
fazendo atualmente, o Vladimir, em Esperando Godot, de Samuel Beckett, porque na
época eu dizia à minha mulher: “Estou precisando voltar para o palco, estou sentindo
necessidade de voltar, não aguento mais, é muito tempo longe, o teatro me acalma”. Só

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entende o que eu estou dizendo, aquele que faz teatro, porque é algo visceral, a gente
necessita dele.

S: Qual é a data mais memorável da sua carreira? Por quê?

OC: Memorável? Não tenho.

A: A pergunta foi para o brejo! (Risos)

A: Como é o Otávio nas coxias, antes de entrar em cena?

OC: Ah, eu sou muito chato. Eu fico sentado em uma cadeira, mergulho para dentro de
mim mesmo e fico pensando na personagem, concentrado no texto. Não falo com
ninguém, ou falo muito pouco. Às vezes, relaxo um pouco, mas normalmente fico dentro
de uma concha, concentrado no espetáculo e na personagem. Eu faço isso, pois tenho
muito medo de me distrair e esquecer a fala. Houve uma vez em que eu estava fazendo O
Amarelinho, de Volney Leite e Gercino Souza, e ao terminar a minha cena, saí para a
coxia para aguardar a deixa e voltar. Acontece que quando eu cheguei, um dos atores, o
Estácio de Menezes, estava contando uma piada e eu parei para ouvir; enquanto escutava,
não ouvi a deixa para voltar, e só escutei quando o Valdir Martins, que estava no palco
me aguardando para dar sequência à cena, falou: “Eu acho que o Coronel se atrasou, vou
chamá-lo”. Então entrou na coxia e me puxou pelo braço: “Você esqueceu de entrar!”. Aí
nós retornamos juntos e a cena continuou. Então eu tenho muito medo disso, fico sempre
muito fechado, não quero conversa com ninguém, eu sou bem chato.

S: Como foi a sua primeira experiência como professor? O que mudou?

OC: Olha, eu sempre fui muito tímido. Na época, eu trabalhava no estado e os salários
estavam muito atrasados, eram vários meses de atraso. Certo dia, o professor Homero
Cavalcante me telefonou e disse: “Olha, está abrindo concurso para professor, vem

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fazer”. Eu disse: “Dar aula? Isso não é para mim!”. Ele insistiu, e eu pensei: “Quer saber,
vou fazer esse e, se passar, fico até a situação financeira melhorar, que eu não dou para
esse negócio, não”. Então fiz o concurso, que era para professor substituto de uma
disciplina chamada Evolução do Espaço Cênico, e eu deveria apresentar uma proposta de
cenário e defende-la perante a banca. O resultado é que eu fiz e passei em 1º lugar. Quando
eu me dei conta, pensei: “Meu Deus, eu vou ter de dar aula. E agora?”. Fui para casa
numa tristeza danada. No dia seguinte, eu me preparei e fui dar aula, muito nervoso e
inibido. Dei a primeira, dei a segunda, e na terceira aula fiquei parado na porta, enquanto
os alunos saíam. Disse: “Meu Deus, isso é o que eu queria a vida toda e não sabia”. No
dia seguinte, eu me dirigi ao setor de pessoal da fundação onde eu trabalhava e perguntei
se podia me aposentar. A pessoa que me atendeu pegou a minha ficha funcional e disse
que eu poderia me aposentar proporcionalmente, então assinei o requerimento de
aposentadoria e me dirigi ao Conselho de Administração. É que a minha graduação é em
Administração, e na época eu trabalhava como Administrador. Pois bem, me dirigi ao
Conselho Federal de Administração e requeri baixa na minha carteira. Em seguida, fui
para casa almoçar e depois do almoço sentei no computador para preparar um projeto de
pesquisa, pois estava aberta inscrição para o Programa de Pós-Graduação em Letras, da
Ufal, e eu resolvi fazer mestrado, analisando uma peça do Luiz Sávio de Almeida,
Comeram Dom Pero Fernão de Sardinha, em que eu havia trabalhado. Escrevi o projeto,
dei entrada, fiz a prova escrita e passei em primeiro lugar. Depois que eu terminei o
mestrado, faleceu um professor do curso e foi aberto concurso para professor efetivo. Eu
fiz, passei. Depois fui fazer doutorado e analisei três peças de autoria de Volney Leite e
Gercino Souza, também dramaturgos alagoanos. Em 2014, fui para Brasília fazer um pós-
doc na UnB. Nunca mais eu quis saber que um dia fui administrador, quando me
perguntam a profissão eu de pronto respondo: “Professor”. E é o que eu sou mesmo, com
muito orgulho. Eu descobri na sala de aula o prazer que não encontrava antes. Quando eu
era Administrador ia trabalhar olhando para o relógio e pensando na hora de voltar; agora,
eu tenho um prazer muito grande em dar aula. Não sei se isso agrada aos alunos, mas a
mim me satisfaz.

A: O que diria para o Otávio que está apenas começando lá atrás?

OC: Não desista. Insista, insista, insista, porque vale a pena.

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ANA FLÁVIA FERRAZ: Queria que você pudesse falar um pouco sobre essas fotos.

OC: [1ª foto] Essa peça foi Antígona, eu fazendo o Tirésias em 1969. Essa foto é
interessante porque ela registra um momento importante na história do teatro alagoano,
que alguns pesquisadores insistem em pular essa parte, e demonstra a participação dos
estudantes universitários no enfrentamento ao regime autoritário. Nós estávamos em
plena ditadura, governo Médici, um dos mais duros da ditadura civil-militar. Nós
havíamos preparado um texto, eu e o poeta José Geraldo Marques, chamado “Canto
Contado”, e o enviamos para a censura. Quando ele voltou, 90% do texto havia sido
cortado e eu fui intimado a comparecer à Polícia Federal para ser submetido a um
interrogatório que durou das 14 até as 22 horas. Quando finalmente fui liberado, o elenco
estava me aguardando no Teatro Deodoro. Eu dei a notícia e de lá saímos para a casa de
Volney Leite, para juntos tentarmos descobrir um texto que possibilitasse a discussão do
autoritarismo. Foi então que resolvemos montar Antígona.

[2ª foto] Essa foto é em Petrópolis, eu, José Marcio Passos e Aldomar Conrado, no
encontro de criação da Confenata – Confederação Nacional de Teatro Amador.

[3ª foto] Essa é uma cena de Entre quatro paredes, de Jean-Paul Sartre. Eu, Ângela Kátia,
que está sentada, e Fátima Medeiros. Duas grandes atrizes fazendo Entre quatro paredes
no Teatro Arena.

[4ª e 5ª fotos] Essa é um ensaio de Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado, peça infantil
de que fizemos uma temporada bem longa no Teatro Deodoro pelo GTEC – Grupo Teatral
de Educação e Cultura. É interessante a gente registrar, porque história se faz assim. Nós
estávamos em plena ditadura, e foi nomeado secretário de Educação do governo do estado
um cidadão ‒ eu creio que ele era advogado do Estado, me parece que na época era assim
que chamavam o que depois passou a ser o consultor-geral ‒, chamado Benedito Hib de
Cerqueira. Pois bem, em plena ditadura, esse senhor resolve pedir ao Hélio Jambo, que
era jornalista e vivia envolvido com o movimento teatral junto ao grupo de Bráulio Leite
(Os Dyonysos), para que convidasse alguns artistas com o objetivo de criar um grupo
teatral na Secretaria da Educação, financiado pelo estado, destinado a montar peças
infantis e apresentá-las em toda a rede pública do Estado. O registro é importante, pelo
fato histórico em si, mas também para mostrar o inusitado da época, pois de onde não se

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imaginava que pudesse surgir uma iniciativa tão meritória, saiu. Nós passávamos meses
com a peça em cartaz e com o Teatro Deodoro funcionando de casa cheia. Havia semana
em que nós fazíamos dois espetáculos pela manhã e dois à tarde, no sábado e no domingo.

[6ª foto] Nessa foto há duas cenas que eu faço com a atriz Aline Marta, em Itinerário de
Graça, onde interpretávamos textos de Graciliano Ramos: Caetés, Infância, Vidas Secas,
Angústia e São Bernardo.

[7ª foto] Aí é Mandrágora. Eu faço o Dr. Nícias e sou maquiado pela Geuza Correia.

[8ª foto] Essa foi a minha única direção teatral, para nunca mais arriscar. Descobri que
não tenho paciência para isso. A peça é O leiteiro e a menina Noite, um belo texto de João
das Neves, que dirigi no Teatro Deodoro.

[9ª foto] Esta é uma cena de O Amarelinho. Eu, Estácio de Menezes, Marcial Lima,
Terezinha Melo, Zé Carlos Magalhães e Volney Leite, que além de ator era o autor da
peça.

[10ª foto] Isso foi uma cena que fiz interpretando um conto do Breno Accioly, lá no
Jaraguá.

[11ª foto] Esse é um grande presente que recebi do Silvio Leal, para fazer o Vladimir, em
Esperando Godot. Bela foto! Linda!

[Vídeo no telão]

AF: E agora?

OC: O que será que vão dizer?

IVANA IZA: Pediram-me pra fazer um vídeo sobre Otávio Cabral. Gente, como é difícil
fazer isso, falando sobre o Otávio, meu Deus! Que nada! Você é um amor, você é um...
Meu Deus! Já pensei em falar tanta coisa sobre você... tudo! Da forma como você me
trata, o quanto você é generoso, o quanto você é amoroso comigo, com o público, com
amigos. Você me trata com tanto amor e de uma forma... Meu Deus do céu! Eu sou tão
pequena perto de você, eu sou aquele grãozinho de areia perto de dunas. É isso o que eu

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sou perto de você. Você não é uma pessoa indispensável, você é muito necessário.
Respeitado, admirado, eu só tenho que te reverenciar, me ajoelhar para você, pela sua
importância, pelo significado que você tem no meu coração. Sou feliz em ter você na
minha vida, feliz em ter você na minha plateia, feliz em ter o teu olhar tão querido me
olhando. Eu fico muito mais feliz e honrada em te olhar, em te ver. Você tem uma
importância muito grande, viu, rapaz? Os artistas que sejam inteligentes, que te olhem e
te escutem, para a universidade e para o teatro alagoano. Eu só tenho a te agradecer por
tua presença e existência. Muito obrigada! Muito obrigada! Muito obrigada! Meu coração
te ama muito! Beijo grande!

EROM CORDEIRO: Bom dia, boa tarde, boa noite! Ana Flávia, antes de tudo, muito
obrigado pela oportunidade de falar uma coisa muito fácil: dizer que é muito difícil falar
de Otávio Cabral. Eu o conheci nos palcos e depois convivi quatro anos com ele, como
aluno. São duas figuras, dois momentos, dois cenários interessantíssimos, porque Otávio
Cabral possui, nos dois ambientes, muita sabedoria. Sabedoria é o ouro que Cabral pode
nos passar. Eu desfrutei bastante de ambas as situações. Cabral me ensinou uma coisa
interessantíssima, que é dizer pra mim que eu pouco sei, pouco sabia. Ele tinha um olhar
crítico das peças teatrais, das músicas, das atuações, das canções... Tenho Otávio como
um dos grandes responsáveis por isso. Otávio Cabral foi demais!

MACLEIN: Eu gostaria de agradecer imensamente por essa oportunidade e falar um


pouco sobre Otávio Cabral, que eu admiro tanto, que eu respeito como artista e como
o ser humano que ele é. O Otávio foi sempre muito importante na minha trajetória
artística. Ele me fez pisar no palco do Teatro Arena para fazer uma temporada junto com
ele. A gente fez Mandrágora, ele só com essa generosidade, com essa força, com esse
carinho que ele tem, de acolher no palco, que ele domina tão bem, um principiante muito
ousado. Foi ele quem me proporcionou hoje ter um disco, que é um dos trabalhos mais
importantes da minha carreira. O Otávio sempre me abriu portas, sem falar que a poesia
dele é um universo imenso, aberto para mim, e eu vou sempre beber daquela fonte. É um
prazer muito grande estar com ele, um cara que admiro demais, por quem tenho um
respeito artístico e pessoal enorme e que, além de tudo, representa a figura de Dom
Quixote, que para mim é o personagem mais importante da literatura mundial. Meu

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querido amigo e parceiro Otávio Cabral, tenho muito afeto e muito carinho por você. Um
abraço imenso.

A: Alguém tem alguma pergunta ou alguma frase para falar para o convidado?

PLATEIA: Professor, dos textos que você passou para nós em aula, qual é o que você
mais gosta e qual é o que você menos gosta? Por quê?

OC: Eu gosto de todos eles. Costumo dizer que se eu passo um texto para vocês
estudarem, é porque eu quero partilhar o prazer que eu tive ao ler aquele texto. Eu tenho
predileção por todos eles.

PAMELA GUIMARAES: “Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela,
isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela. Por
isso, melhor se guarda o voo de um pássaro. Do que de um pássaro sem voos. Por isso se
escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema: para
guardá-lo.” Eu aprendi a guardar, ler e viver poemas antes de dormir com você. Na
verdade, eu aprendi muita coisa com você na academia e fora dela. Eu sempre gostei de
ler, mas eu acho que eu aprendi a gostar de ler teatro nas suas aulas e eu acho uma coisa
bem legal que é “eu aprendi a aprender”. Eu gostava de estar aprendendo, de descobrir.
Se eu tenho uma pergunta, essa pergunta é: como é que a gente se renova no exercício da
docência? Eu sempre sentia esse impulso de dar aula e de incentivar a cabeça dos outros
a funcionar, e eu nunca entendia como fazer isso no exercício da docência. Para além
disso, gostaria de agradecer a você.

OC: Foi minha aluna, pessoa muito querida. Eu lembro de uma vez em que ela foi
designada para fazer uma filmagem comigo e quando terminou a filmagem, eu disse: “Eu
tive três filhos e sempre tive vontade de ter uma filha. Quando meu filho mais novo
nasceu, e o pediatra veio apresentar, eu disse ‘Foi uma menina?’, e ele respondeu ‘Não,
um homem’. Bem, eu sempre tive vontade de ter uma filha, mas se eu tivesse eu queria
que fosse como você”. E dei um abraço nela. Ela é uma pessoa muito querida, tenho um
carinho muito grande por ela, é uma pessoa muito legal.

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CUNHADA: Cunhado, boa tarde! Eu vim aqui para dizer o quanto é uma honra ter você
em nossa família, o quanto eu agradeço desde o dia em que você chegou e até hoje, por
compartilhar momentos incríveis e por tê-lo como amigo, como cunhado, como família e
como sócio. Eu tenho só uma pergunta: Para entrar no teatro, existe algum tempo ou todo
tempo é tempo?

OC: Essa é minha cunhada e uma pessoa a quem eu chamo de “minha cunhada querida”.
Respondendo, eu acho que o teatro é a arte mais democrática que existe. Não existe
tempo, existe necessidade, vontade. Quem faz teatro exercita aquilo que a gente não faz
no cotidiano, pois o teatro é uma arte essencialmente coletiva. No cotidiano, a gente
exerce a individualidade. Por exemplo, a arte da poesia é uma arte solitária, você só
precisa da sua caneta, do seu papel e da mais profunda solidão. A arte plástica, da mesma
forma. O cinema é uma arte solitária. Quando você está fazendo, ainda é uma arte em
execução. Só é cinema quando você projeta na tela e, quando isso acontece, é só você e
o projetor. O elenco todo pode ter morrido, mas ainda assim continua sendo o cinema.
Com o teatro não é assim, pois ele requer a presença do ator vivo, requer o concurso de
outras artes, requer a presença de pelo menos uma pessoa na plateia para que o ato teatral
se complete. Quando a gente faz teatro, a gente exerce a democracia em sua plenitude.
Não existe tempo, existe vontade e necessidade de fazer.

HOMERO CAVALCANTI: Eu sei que sou uma pessoa que fala demais. Quando fala,
às vezes, se perde. Falar sobre Otávio talvez fosse uma coisa em que eu iria me perder.
Então, eu resolvi escrever, bem curto, pra dar aquele tempo de dois minutos, né? “O teatro
nos escolhe e nos acolhe, isso é para sempre. Sem ele, a vida não mais terá sentido. As
cordas, cortinas, refletores, palavras, gestos e emoções os animam a animar outras
pessoas. Otávio é escolhido e acolhido pelo teatro. O teatro se fez carne e habita em
Otávio. E ele, meu irmão de palco, vive entre nós a viver esse sonho, sonhando com um
mundo mais humano”.

OC: Não se pode falar em teatro alagoano sem falar em Homero Cavalcante. Uma das
pessoas mais generosas que conheci. Fizemos várias peças juntos; é uma pessoa por quem
tenho profundo respeito e carinho. Em todos os momentos mais difíceis e dolorosos da
minha vida, Homero chegou sem ser chamado. Emblema do teatro alagoano!

S: A gente está aqui para prestar a nossa homenagem e nossa felicidade de ter
contracenado com o Otávio. É uma lição a cada dia. Eu não tenho palavras, eu só posso

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dizer o quanto me sinto honrado por poder conviver com ele, poder trabalhar, aprender
junto, e a felicidade que foi esse encontro com “Godot”. Eu só quero agradecer por todo
o convívio, pelos ensaios e pelas reuniões. É um privilégio.

IRMÃ: É importante constatar que ele está fazendo 55 anos de teatro. Eu me orgulho
muito do meu irmão, dessa pessoa, do referencial que ele é para mim. Foi através dele
que eu entrei no teatro. Ele quem me estimulou todo o senso de justiça, humanidade e
amor pelas artes. Muita coisa boa em mim foi estimulada por ele, então eu sou
imensamente grata. Eu não sei como pude mencionar essa importância que ele tem na
minha vida. Eu só tenho a dizer que permaneça com esses ideais, porque são estimulantes
e verdadeiros. Permaneça nesse empenho pela liberdade, pela arte, pela beleza, pelo belo
em geral. Quando eu vejo algo muito belo que me inspira, é de você que eu me lembro.
Em vários museus que fui, viagens que fiz, a vontade era de que você estivesse perto para
assistir comigo. Obrigada, irmão! Eu não posso desejar mais 55, porque não dará tempo.
Mas desejo muitos sucessos, livros, alegrias, realizações, às vezes frustrações, pois fazem
parte da vida. Tudo de bom para você. Muita gratidão.

OC: Ela é suspeita para falar. Eu levei as minhas irmãs para o teatro, mas fui reprimido
pela minha mãe. Porque, quando eu comecei a fazer teatro, e olha que eu vivo em uma
cidade extremamente preconceituosa, e naquela época fazer teatro era uma coisa terrível,
desabonadora, a minha mãe dizia: “A gente cria o filho com tanto carinho, pra depois ele
crescer e andar nesse antro”. Esse antro era o teatro. Eu levei a minha irmã, ainda com
nove anos, para fazer a guia do Tirésias. Depois, levei para fazer teatro comigo e ela se
apaixonou pelo teatro e continuou fazendo. Ela fez uma peça em que eu também
trabalhava e ela aparecia nua; no dia da estreia, eu estava em casa na hora do almoço
quando minha mãe ligou a televisão e apareceu a matéria falando da peça. É quando surge
a minha irmã. Minha mãe virou-se para mim e disse: “Está vendo o que você faz com
suas irmãs? Não se contenta em ir e ainda leva as irmãs! Olha só isso!”. Eu telefonei para
minha irmã e disse: “Não venha para casa, mamãe acabou de ver você nua na televisão e
está uma arara”. Até que um dia montamos uma peça e fomos convidados para ir ao Rio
de Janeiro. Meu tio morava no Rio, então eu convidei minha mãe para viajar comigo, ela
topou. Fomos para o Rio de Janeiro, fiz a peça, a gente voltou e eu perguntei: “Gostou da
viagem?”. Ela me respondeu: “Adorei! Fazia tempo que eu não via meu irmão. Que
maravilha!”. Eu disse: “Sabe quem te levou? O teatro!”. A partir desse dia ela nunca mais

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me condenou, passou a aplaudir e a assistir a todas as peças em que eu e as filhas dela
trabalhávamos.

Acho muito interessante que ela falou, porque eu lembro que ia ter uma manifestação
e eu fui de sala em sala convidando os alunos para irem à manifestação, falando sobre a
importância da presença e tal. Um aluno, na hora, me perguntou como é que ficava a aula
que eu não ia dar e eu disse para ele que eu nunca tinha deixado de cumprir com minha
carga horária e que no dia em que eu faltasse, ele podia ir pra rua e me procurar, porque
ele iria me encontrar lá, participando de atividades políticas para melhorar a sociedade
brasileira, enfrentando a polícia para reivindicar melhores condições para os
trabalhadores brasileiros. Sempre fui, vou e irei. Aqueles que vão me encontram lá,
porque essa forma de participação política é a melhor forma que existe para se mostrar a
rebeldia, para mostrar que é possível demonstrar insatisfação e construir o processo de
mudança de que a sociedade brasileira tanto precisa. Hoje, mais do que nunca, estamos
vivendo isso. É através do teatro, da música, do cinema, dos atos públicos e das
manifestações públicas que nós precisamos construir e demonstrar a nossa indignação. O
que nós não temos é o direito de baixar a cabeça e dizer “sim, senhor!”; temos de dizer
“não, não e não” para as injustiças que se constroem contra nós. Eu acho que vocês, a
juventude que está aqui, não podem deixar que as coisas continuem do jeito que estão e
ficar de braços cruzados. A gente tem de descruzar os braços e ir pra rua sempre. Não
podemos baixar a cabeça.

OC: O Sávio Almeida é um grande dramaturgo. Eu tenho uma historinha com ele. Depois
que Linda Mascarenhas faleceu, nós soubemos que a sua sobrinha pretendia se desfazer
dos arquivos dela. Achamos que seria uma perda muito grande e resolvemos conversar
com a sobrinha, para saber se podíamos nos apossar das coisas de Linda Mascarenhas. O
Sávio vestiu um jaleco e nós ficamos sentados lá no chão, separando os documentos.
Eram peças que ela escreveu, programas, cartas etc. Quando a irmã dela chegou,
perguntou: “O que vocês estão fazendo aqui?”. Ele respondeu: “Nós somos da Sucam,
deu rato e a gente veio dedetizar as casas”. E ela saiu. Nós pegamos algumas caixas de
papelão e colocamos tudo dentro. Só que a gente fez isso em vários dias, e cada vez que
o Sávio chegava em casa, a mulher dele dizia: “Lá vem você com essas caixas de
papelão”. Um dia, o Sávio disse: “Compadre, me ajude a levar as caixas”. Eu fui para a
casa dele, ela abriu a porta e disse: “Vocês botem essas caixas de papelão pra fora. Daqui
a pouco vocês vão chegar carregando o cadáver da Linda Mascarenhas”.

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IRMÃ: Com o meu irmão eu precisaria de muito tempo. Tentarei ser breve. Sinto-me
honradíssima por estar gravando este vídeo para meu irmão; ele está fazendo 55 anos de
teatro. Eu fiz teatro pela primeira vez com meu irmão, com nove anos de idade. Quando
ele fez o Tirésias em Antígona. Para mim foi a grande descoberta da minha vida. O teatro
me trouxe lembranças lindas e que me emocionam até hoje. Eu devo isso ao meu irmão;
ele é uma referência para mim, me ensinou muita coisa, não sei nem se ele sabe disso.
Mas eu sou muita grata às minhas escolhas políticas, preferências musicais, os livros que
já li… tudo isso eu devo ao meu irmão. Eu aprendi muita coisa com ele. Como ele era
mais velho, eu sempre o tive como referência. Ele exerceu um papel que meu pai não
conseguia exercer pela idade… e hoje eu tenho um amor e um carinho muito grandes por
ele, e ele sabe disso. Sou grata, não quero me emocionar, mas fico muito feliz de ver que
ele está sendo homenageado em um momento tão importante para ele. Fiquei muito triste
por não ter ido à estreia dele, porque eu tive problemas de saúde e não pude ir. Meu irmão,
meu amor, meu carinho, eu quero que você tenha muitos anos de sucesso e de celebração,
porque você merece. Te amo!

OC: Essa estreou em Antígona, com nove anos de idade, e depois foi aquela que fez a
cena nua. Minha mãe sempre dizia que eu “desencaminhei” minhas irmãs, levando-as
para o teatro. As três irmãs participaram do teatro; essa que está aqui e aquela que está na
tela ficaram. A outra fez só uma participação discreta, mas não era do teatro. Eu fico feliz
em saber que eu tive influência na formação política, porque eu não consegui fazer isso
com todos.

A: Eu fico me perguntando o que falar sobre Otávio. Eu fiquei pensando sobre o que
escrever para o Otávio. Que detalhes eu invento do Otávio? Eu sei que todo mundo vai
falar sobre tudo, sobre muito, sobre o que é profundo do Otávio e sobre o que é o Otávio.
Então, eu fiz um poema que começa assim: Da janela escurece o vão/ nesse vazio
pequeno/ sobre retangulares vistas/ me acorrento./ Imóvel, parado e em apelo/ suja no
esmago/ destoando o céu azul claro/ sobre o papel rosa amassado que/ escrevo esta
narração. / É por debaixo da escada/ que sente ou não/ a inércia de pisar no chão. / E na
mesa sem saber,/ materiais dizem sobre mim.
É de uma janela que reflito a vida/ no escuro do quarto/ na visão de cascas. / mistério
oculto no silêncio. / A obra do medo.
É necessário perder / para poder ganhar/ mas parar Otávio/ jamais será símbolo de lutar.
/ E você é a prova disso. . Muito obrigada”.

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S: Eu só queria dizer que eu me emociono demais, estou muito emocionado. Esse projeto
é lindo e eu sou apaixonado pelo Conversa de Coxia. Não pude estar em todos, mas estarei
presente nos que virão. Foi muito difícil estar aqui. Eu queria dizer que não sou um
gigante, gigante é você. Nem no tamanho, que nunca fui, sempre fui mais baixo. Você
que é o gigante. Eu estou muito feliz e emocionado em estar aqui participando desse
momento da sua vida. Foi uma luta para trazê-lo ao palco, eu queria que ele viesse, porque
meu sonho era contracenar com ele, e agora isso foi possível em Esperando Godot. Muito
obrigado por sua generosidade e carinho.

OC: Não é gigante pelo tamanho, é gigante pelo que a gente traz dentro de si. Você é um
sujeito generoso, um ator extraordinário; eu sempre disse que eu tenho uma admiração
muito grande pelos papéis que você fez. Eu fiquei muito triste quando não pude fazer A
lição com você. Eu não podia fazer naquele momento. Comecei a ensaiar, a fazer aquele
texto de Ionesco, estava muito feliz. Mas foi exatamente naquele momento em que eu fui
atingido pela terrível tragédia da minha vida, e eu não tinha condições emocionais de
continuar fazendo, achava que nunca mais eu pisaria no palco. Mas felizmente eu voltei,
voltei muito timidamente, mas voltei para ficar. O teatro é a pátria do ator, aqui é nossa
casa, as paredes são como um útero em que você se sente aconchegado. Eu me sinto feliz
no palco, eu acho que nesse momento o teatro é uma arte fundamental para que a gente
consiga sobreviver nesse absurdo em que estamos metidos. Por isso trouxemos
Esperando Godot, para, a partir do absurdo, discutir a contemporaneidade.

A: Uma pessoa especial quer falar, o Davi Farias.

DAVI: Quando o Otávio fala dessa volta dele ao teatro, ele faz uma analogia
justamente… primeiro pela importância de ter dirigido o Otávio. Eu ficava muito nervoso,
porque ele foi uma das primeiras pessoas que eu vi no teatro, e ele me convidou para
dirigi-lo. Foi um combo maravilhoso. Ainda mais por ser Esperando Godot, que é um
texto pelo qual eu me apaixonei durante o processo. O Otávio como ator é incrível. Ele
tem a leveza na interpretação.

OC: Eu fico muito feliz com essas palavras. Na verdade, o Guilherme está aqui. Com
toda certeza, ele está aqui. Lembro que na época em que ele faleceu, eu estava construindo
um texto baseando em Fernando Pessoa em que ele iria trabalhar comigo. Eu sempre

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soube que entre os meus filhos, o que tinha mais talento para o teatro era o Guilherme.
Eu sempre insisti para que ele fizesse teatro, mas ele sempre disse: “Não quero saber
disso”. Eu acho que era para negar o pai. Até que um dia eu estava almoçando, ele passou
por trás de mim, bateu no meu ombro e disse: “Quando tiver uma peça, eu topo fazer com
você”. Eu perguntei: “É verdade?” e ele respondeu: “É”. E saiu. Eu conversei com Flavio
Rabello, que tinha muita vontade de construir um texto baseado em Alberto Caeiro. Eu
queria que o Guilherme trabalhasse. Flávio começou a pensar nesse texto em que nós dois
trabalharíamos juntos. Mas não deu, ele partiu... essas coisas acontecem. Hoje eu tenho a
plena consciência de que a saudade ficou, nunca vai desaparecer, ela permanece, mas eu
tenho a certeza do reencontro. Posso estar enganado, mas essa certeza do reencontro me
trouxe uma paz muito grande. Eu também tenho certeza de que, nesta tarde, ele está aqui.
Fico feliz pelas palavras do diretor, fico feliz em ter sido traído pelo amigo Silvio Leal,
fico muito feliz em estar participando deste Conversa de Coxia.

A: Vamos para o pingue-pongue. É fácil: eu vou dizer uma ou duas palavras, e o professor
responde com uma, duas, três palavras ou uma frase. Certo?

A: Um segredo.

OC: Segredo não se conta, já dizia Guilherme.

A: Uma verdade.

OC: A vida é bela.

A: O artista é…

OC: ... o ser humano mais completo que existe.

A: Uma frase.

OC: É melhor ser alegre que ser triste.

A: Otávio é…

OC: ... uma pessoa muito feliz.

A: O momento atual.

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OC: Um momento difícil, muito sombrio e absurdo. Atualmente, estamos vivendo um
momento extremamente triste e deprimente.

A: A arte possibilita…

OC: A arte possibilita a transformação do ser humano.

A: Resistência.

OC: Resistência sempre. A arte é uma resistência. Hoje, mais do que nunca, fazer arte é
um ato de resistência.

A: O silêncio é…

OC: ... fundamental para a criação.

A: Literatura Dramática.

OC: Literatura Dramática é uma forma de se pensar, de se discutir o ser humano até as
últimas consequências.

A: O palco.

OC: O palco é a manifestação da vida; no palco você nasce e morre.

A: A coxia.

OC: A coxia é o momento em que você segreda.

A: Um personagem.

OC: O avarento, de Molière.

A: Uma dica.

OC: Não desista nunca.

A: O que é profundo?

OC: Não sei.

A: O que é raso?

OC: Você faz umas perguntas difíceis. Sei não.

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A: Brasil.

OC: É o nosso povo, nossa gente, nossas raízes. É onde bebem nuvem, comem terra e
urinam mar. O Brasil é o peso da contradição, país onde se convive com a falta, com a
escassez. Mas vocês não podem desistir nunca.

A: Viver é…

OC: Viver é estar vivo.

A: O que há após o fim do túnel?

OC: O fim do túnel é mais ou menos como em Godot. A gente espera o fim do túnel, é o
objetivo de todo ser humano. É como uma pedra no meio do caminho, o nosso objetivo é
mover essa pedra.

A: Nosso tempo está acabando. Queria agradecer a todos que estão aqui, ao Silvio Leal,
ao grande Otávio Cabral, que vamos ver todos os dias nos corredores da universidade e
nas ruas. Eu quero chamar a professora Ana Flávia Ferraz para entregar a placa.

OC: Eu estou muito feliz de ter sido entrevistado. Gostei do fato de o Silvio ter sido
cúmplice nessa surpresa. Eu estou ao lado de um grande ator alagoano.

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Analisando Uma dose de chuva, de Lael Correa

Samara Rayra Cordeiro Viana

Com a peça Uma dose de chuva, Lael Correa nos apresenta toda a solidão em que
o mundo moderno nos insere. Através de diálogos precisos e cheios de emoção, a obra é
capaz de nos revelar os meandros do teatro em sua forma mais didática e de uma maneira
bastante simples, porém sempre norteando e nos chamando a atenção para a solidão
reinante em nossa sociedade.
Uma dose de chuva se inicia com as personagens Espectatriz e Espectator nos
fazendo recordar Augusto Boal, uma vez que este foi quem introduziu os termos
Espectator e Espectatriz através de sua obra, quando se referia ao público como sujeito
da ação teatral. Lael Correa, além de utilizar esses termos, que são característicos do
Teatro do Oprimido, faz com que as falas dessas personagens demonstrem para o
espectador a verdadeira função desses “espectatores”, fazendo com que questionem e
reflitam sobre a obra, o que torna a peça uma verdadeira aula de teatro.
Aludimos à ideia de aula para chamarmos a atenção àquilo que se convencionou
chamar de teatro dentro do teatro, que é quando o espetáculo a ser mostrado traz a
encenação de uma peça dentro da outra. A peça está dividida em três planos: o primeiro
traz as personagens Um Homem e Uma Mulher, e essas fazem parte da peça a ser
encenada dentro da obra de Lael Correa. Ou seja, elas são as personagens que contarão
uma outra história e que servirão de contraponto às outras personagens do texto: Persona
1 e Persona 2, que na verdade são o casal de artistas que estão ensaiando e estudando para
interpretar as personagens Um Homem e Uma Mulher. Poderíamos dizer que Um Homem
e Uma Mulher são as figuras ficcionais, e que Persona 1 e Persona 2 são seus intérpretes.
Através desse suposto jogo entre ficção e realidade nos é revelado o processo de
trabalho do ator, que se inicia com a leitura da obra e o estudo das personagens. Com uma
riqueza de detalhes nos diálogos de Personas 1 e 2, Lael Correa mostra quão árduo é esse
trabalho e faz com que essas personagens teçam um verdadeiro estudo sobre as
personagens Um Homem e Uma Mulher, quando eles leem, discutem, refletem,
problematizam e tentam compreender, através dos diálogos, a alma das personagens. O
mais interessante na estrutura dessa obra é que, com essa construção estrutural, o autor
permite que o público tenha acesso a ambas as cenas: a que será encenada e a que está

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sendo ensaiada, cada uma em seu plano, conseguindo assim nos fazer entender que ali,
no plano dois, se dá o estudo do ator, e no plano um, estão as personagens ficcionais,
vinculadas a toda essa trama. Já no plano três estão as personagens Espectator e
Espectatriz, cuja função é exercer um olhar crítico sobre a obra, já que o espaço de atuação
de ambos é no meio do público, o que torna muito mais amplo o olhar sobre a peça, uma
vez que permite que o campo de visão do público vá aos poucos se estendendo.
Esse jogo de planos utilizado por Lael Correa em sua obra pode muito facilmente
levar o leitor ou o público da peça às diversidades de planos construídos pela
cinematografia. Com toda essa estrutura utilizada por Lael, sua obra torna-se, para aqueles
que assistirem a ou lerem Uma dose de chuva, uma verdadeira aula de teatro.
É possível que os nomes utilizados para as personagens deixe a todos curiosos,
pois são nomes abertos e livres. O motivo provável desses nomes tão incomuns é o fato
de que as problemáticas vividas por cada um deles podem ser vividas por qualquer ser
humano presente no mundo moderno. As personagens da peça encenada ‒ Um Homem e
Uma Mulher ‒ podem ser eu ou você, ou qualquer um que esteja preso a uma dor sem
fim. Por meio deles, Lael trabalha a dor da perda e cautelosamente nos revela o sofrimento
capaz de levar a delírios, como, por exemplo, o dos pais que perderam um filho.
Se em um mundo em que a solidão prevalece já é extremamente difícil viver,
imagine viver nesse mesmo mundo em que membros da prole não mais nos fazem
companhia. É exatamente esse sentimento de vazio, de solidão e de dor, que os diálogos
dessas personagens, Um Homem e Uma Mulher, nos revelam. Talvez por isso sejam
denominadas assim: essa impessoalidade os transforma em qualquer um de nós.
Já que estamos falando sobre solidão, falemos então sobre o uso da tecnologia em
Uma dose de chuva, que é questionado através dos diálogos na cena 11, entre Espectator
e Espectatriz, acerca do vazio que essa tecnologia pode deixar em nós.

Espectatriz: Sei, sei, o “ipod”, o “ai não pode” e até a pessoa mais
podida que pirou de vez com a velocidade do tempo. Sim, esse é um
problema novo, mas foi a mesma coisa quando inventaram a roda,
depois o carro, o telefone, o cinema e a televisão.
Espectator: Mas nada que deixasse todos ocupados ou isolados,
ninguém passava o dia inteiro falando ao telefone ou dormindo com a
televisão ligada. E se um casal como esse, do século passado, já tinha
problemas pra se comunicar, hoje nem moraria na mesma casa!”.
(Correa, p. 84).

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Como podemos observar, o autor propõe um questionamento acerca do papel da
tecnologia na solidão do ser humano moderno. É fato que a tecnologia é um ganho para
a humanidade, mas também é fato que ela segrega ainda mais seus usuários. Numa
sociedade movida pelo capital, tempo é coisa que as pessoas têm cada vez menos, e a
tecnologia se apresenta como a solução para o suprimento dessa falta de tempo. Temos
de admitir, no entanto, que ela nos afastou consideravelmente, bastando para isso darmos
uma olhada numa roda de amigos; logo percebermos a enorme distância existente entre
eles, afinal poucos conversam e a maioria está com o olhar fixo nos celulares; não se vai
mais a um show, a uma exposição etc. sem se revelar aos outros, através do registro, que
lá se esteve.
O mundo moderno construiu a ideia de que é muito mais interessante mostrar que
se esteve do que estar, e é justamente a reflexão desse vazio produzido pela tecnologia
que Lael Correa questiona em sua obra. Embora não seja esse efetivamente o ponto que
sangra a alma das personagens Um Homem e Uma Mulher, somos chamados a pensar
sobre, a partir da fala da personagem Espectator. Entre ambos, Um Homem e Uma
Mulher, o que prevalece é a incomunicabilidade; o que transparece é muito mais uma
total falta de amor que qualquer outra coisa.
Os diálogos parecem muitas vezes estar acontecendo entre pessoas que apenas se
suportam, pessoas devastadas e que apenas esperam a vida passar, para assim dar fim à
dor que as molesta. O que realmente paira na solidão deles é o luto; na verdade, não
deixaram de se amar, de se importar um com o outro; estão apenas vivenciando as fases
naturais do luto, pois o filho, que era tão desejado, se foi antes mesmo de chegar,
quebrando a ordem cronológica da vida.
Desse modo, Um Homem e Uma mulher estão em um quase transe, delirando, e
como cada pessoa sofre à sua maneira, essas personagens fogem, cada uma à sua maneira,
da dor que as acompanhará no decorrer da vida. Certamente chegará um momento em
que se reencontrarão, mas por enquanto vivenciam dolorosamente as fases do luto.
Enquanto isso as personagens Persona 1 e Persona 2, além de Espectator e Espectatriz,
tentam fazer a leitura das dores postas em cena e nomeá-las.
É desta forma que Lael Correa discute a incomunicabilidade do ser humano no
mundo moderno, além de nos possibilitar a vivência de uma aula, ao colocar o teatro
dentro do teatro, para assim poder tocar em pontos dolorosos, como a morte, deixando-
nos a ideia de que por mais que o mundo se modernize, os sentimentos permanecerão
sempre os mesmos. Os avanços tecnológicos que surgem para tornar mais fácil a vida dos

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seres humanos os isola e os torna insensíveis a ponto de ser necessário que algo de muito
catastrófico ocorra para que efetivamente chame a atenção do outro. São essas
peculiaridades que fazem de Uma dose de chuva uma obra extremamente impactante e
que se entrelaça de uma maneira muito densa na vida de todos os que vivem no mundo
moderno.

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História do Teatro: aprender e fazer

Cleidson Alan Cardoso da Silva


Introdução
O texto Azul para Viagem, de Lael Correa, nos mostra a importância dos sonhos
em nossas vidas, refletindo nas entrelinhas a história de um pequeno Navegante que quer
realizar seus sonhos, fugindo de um mundo que o prende e não o deixa realizar o que
tanto deseja. Em nossa análise, observaremos a importância da liberdade e dos sonhos,
identificando a arte como elemento fundamental na convivência entre os seres humanos.

Azul para Viagem


A peça de Lael Correia nos conta a história de um pequeno viajante que tem um
grande sonho: conhecer o mundo e viver livre, sob as velas de um barco. Trata-se de um
texto cheio de personagens, cujas personalidades marcam a história desse pequeno
viajante que está totalmente cansado da realidade de sua terra, como ele mesmo diz ao
dialogar com o Capitão:
Navegante: Capitão, o seguinte assim é esse: eu fiquei mesmo cansado
de tudo e resolvi partir. Fiquei mesmo realmente de verdade, cansado,
enjoado e de saco cheio.
Capitão: Com o quê, com quem, onde e como?
Navegante: Com tudo na minha casa, na minha rua, no meu bairro, na
minha cidade, no meu estado, no meu país e, principalmente, com a
minha mãe.

A partir desse diálogo travado no interior do barco, no qual ele entrou


clandestinamente, percebemos um menino em busca de liberdade, desejando escolher seu
próprio caminho e ir além dos limites impostos, tanto pela sociedade quanto pelos
familiares. Por conta disso, ele foge em busca de outros mares e outros caminhos, para
continuar seguindo em frente. Isso nos chama a atenção para uma sociedade que está
aprisionada entre barreiras e paradigmas que precisam ser rompidos; assim, quando
alguém busca liberdade é considerado diferente e estranho, nesse formato de sociedade
moralista e preconceituosa.
Esse menino quer alcançar a liberdade procurando conhecer o mundo e por isso
quer viajar sem tempo para voltar, porém nem tudo é tão fácil e tão simples para ele, pois
vive um conflito que está ligado ao sentimento de pertença. Ele ama sua terra, sua origem,
pois é lá que se encontra sua marca pessoal, e ainda que dê a volta ao mundo, ali sempre

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será seu porto seguro para onde poderá voltar e descansar quando necessário. Mesmo
correndo o mundo, sempre existirá um lugar para onde poderemos voltar e descansar os
pés, sentir o cheiro de mar, o sal em nossos pés e o sol iluminando o rosto e dando força
revigorante para uma nova viagem. Um lugar onde possamos dizer: essa é minha terra. E
a sua, qual é? Pois cada lugar tem suas particularidades, e nós como viajantes sempre
desejamos voltar depois para matar a saudade, rever nosso cantinho e renovar a vontade
de conhecer o mundo, livrando-nos dos paradigmas que nos prendem e nos tolhem.
Precisamos viver sem medo nossos sonhos para o mundo girar, pois se não
acreditamos neles, como poderemos fazer a terra girar? Esse oceano que vemos na peça
seria parado e sem vida, mas com o sonho daquele navegante naquele barco será possível
movimentar e fazer com que as ondas deem vida à vontade daquele pequeno sonhador.
O autor também nos chama a atenção para o tempo presente, para o hoje e não
para o amanhã, que poderá nunca acontecer. Lembra-nos da necessidade de voltarmos o
nosso olhar para o que está acontecendo agora, já que às vezes o nosso olhar está voltado
para o que vem depois, o que vem no dia seguinte ou mais além, e esquecemo-nos de dar
importância ao agora.
A peça também nos mostra o quanto aprendemos com a vida e que, quando
perseguimos nossos sonhos, nos habilitamos a aprender inúmeras coisas. No início do
texto, o pequeno Viajante não sabe nadar, mas depois, quando consegue aprender, tudo
muda. É bem assim quando nos defrontamos com alguma dificuldade para alcançar algo
que muito desejamos. Quando perseguimos os nossos sonhos e objetivos e os realizamos,
tornamo-nos pessoas bem mais felizes e experientes. Basta não ter medo de ser feliz e
viver aquilo que tanto queremos.
Quando chegamos ao final da peça, deparamo-nos com uma cena na qual a
personagem Índia entrega uma flor azul para o viajante comer, numa referência às drogas
psicodélicas, fazendo com que nosso viajante durma e acorde tempo depois. Nesse
acordar percebemos que ele nunca viajou, mas que se achava apenas dormindo. Quem
nunca fugiu para o mundo dos sonhos? Na verdade, o importante é ter sonhos e não ter
medo de sonhá-los. A personagem quer realizá-los, não quer desistir de torná-los
possíveis.

Personagens

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O mais interessante do texto de Lael Correa é a particularidade contida em cada
personagem, falando-nos diretamente sobre si. Gostaria de falar um pouco de cada um e
mostrar quão particulares eles são.
Começaria pelo Capitão, um homem já maduro, que também poderia ser uma
mulher, uma Capitã, que já viajou o mundo todo, conhecendo e vivendo livremente a
vida. Essa sua forma de viver serve de incentivo ao novo tripulante, mostrando-lhe a
importância de ser livre e o quanto é relevante viver os próprios sonhos. Em suas falas, a
personagem Capitão assim estimula o jovem viajante:

Capitão: Digo, sim. Esses sonhos de navegante fazem girar este planeta
de águas. Sem eles, só nos restaria um oceano inerte, uma solidão
estúpida e este céu escuro.
Capitão: Aeow, navegante, o seu país sumiu do mapa! Agora você é
livre!
Capitão: Mas você tem tudo. Tem os sonhos.

Um homem que já viveu seus sonhos agora estimula os sonhos daqueles que
acreditam em um mundo melhor, um mundo novo, onde possamos ser iguais e livres. Ele
é esse estimulador e encorajador de sonhos.
As personagens Figuras 1 e 2 são marujos que vivem no barco desse Capitão;
lembram a dupla da Commedia Dell’Arte, Arlequim e Briguella, que igualmente agem
em dupla e ali vivem para ajudar o Capitão num barco de sonhos. Mas eles lembram
também as duas personagens de O Inspetor Geral, Bobchinski e Dobchinski, que são dois
fofoqueiros, bastante curiosos e parecidíssimos um com o outro.
A Mulher Pirata, que aparece rapidamente e logo vai embora, confirma a grande
metáfora da vida, na qual nem sempre quem passa por nossas vidas veio para ficar, às
vezes só para passar. Mas, mesmo essas que apenas passam, muitas delas, mesmo não
tendo ficado, marcam-nos a vida inteira. E isso tanto pode ser de uma forma boa quanto
de uma forma ruim. Quantos amores deixamos para trás e deles ainda lembramos?
Quantos amigos que se foram e que nos marcaram, ainda que de forma negativa? De uma
forma ou de outra, todas elas ficam conosco para sempre, tornando-se referências em
nossas vidas.
Anjos e Arcanjo são personagens bem-humoradas que conduzem a trama fazendo
sempre a ligação entre as cenas; na verdade, elas ali estão como uma crítica à religião.
Quando crianças, esta nos é apresentada sob a forma de verdade absoluta, e isso pode se
tornar muito confuso e se estender ao longo da vida, tornando-nos pessoas alienadas e

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preconceituosas. Na maioria das vezes, não se ensina a ter respeito pelo outro, mas tão
somente a se aproveitar do outro.
Já a personagem Monstro, que aparece rapidamente, reflete os problemas que
temos e enfrentamos diariamente. O que o texto deixa transparecer é que esses monstros
querem roubar nossos sonhos, devorar o que tanto pretendemos realizar; daí isso se tornar
uma luta que travamos diariamente com as dificuldades que nos aparecem. E não é fácil
lutar contra os nossos monstros; são obstáculos que devemos derrubar para seguir com
nossos sonhos ‒ e eles são inúmeros e diferentes para cada um de nós.
Por fim, temos a personagem Índia, que fala inglês e tece uma critica à dominação
estrangeira. É a última descendente de sua tribo, que foi dizimada, possivelmente pelos
ingleses, e se comunica através do idioma que ela gosta tanto de falar.

Conclusão
Concluímos que Azul para viagem traz consigo a marca da busca pela realização
dos sonhos, mostrando o quanto é difícil viver numa sociedade que quer a todo custo nos
controlar, como se fôssemos marionetes, seja através da religião, da família ou da política,
seja por outros meios. Na figura desse Viajante existe uma parcela desta mesma sociedade
que quer fugir dessa imposição e lutar por um mundo mais vivo e mais colorido, repleto
de sonhos e cheio de imaginação. A busca pela liberdade ‒ ensina a peça ‒ é fundamental
para que não vivamos presos a ideias alheias, e para que possamos olhar para o hoje de
uma forma clara e franca, vivendo-o sem medo e se entregando aos próprios sonhos.

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O Sorriso da Rainha Morta

Neto Portela

Na peça Sorriso da Rainha Morta, de Lael Correa, existem três personagens


considerados principais: Gabriel, Leon e Samuca. Toda a peça gira em torno dos
sentimentos dos três. O texto inicia mostrando os três no camarim, durante o intervalo do
show realizado por eles.
É interessante falar sobre a personagem Samuca, uma drag queen que é mostrada
como sendo escandalosa e com ações ridículas em meio à sociedade. Na verdade, esta
personagem reproduz o olhar que a sociedade tem sobre ela: uma pessoa promíscua, sem
sentimento e que apenas existe para entreter os indivíduos.
Concluída essa espécie de introdução, Lael Correa nos faz perceber que a peça
começa com as personagens participando de uma encenação; na verdade, elas são atores
participando de uma apresentação, ou seja, trata-se do teatro dentro do teatro. Eles
acabaram de sair de cena e se encontram no camarim do teatro. Logo de início é visível a
insatisfação deles pelo fato de terem o trabalho servindo apenas de entretenimento; estão
fartos disso e querem mudanças, querem fazer da arte a sua verdadeira função: comunicar
e denunciar as injustiças existentes na sociedade. Para melhor dissecar e analisar o texto,
descreverei a personalidade e o que representa cada uma das personagens.
Gabriel é uma pessoa carente, que não consegue se desprender do passado. O
maior trauma de sua vida foi a perda do pai e de seu irmão, trazendo sérias consequências
para a sua convivência com a mãe. Esta não dava o carinho e a atenção que o filho
esperava, daí sentir-se desprezado. Além da mãe, há mais duas figuras que são
importantes na sua história e que de certa forma também contribuem para o seu conflito
afetivo: Pedro e Júlia, dois irmãos dos quais sempre foi muito amigo. Pedro era seu amigo
dos tempos de faculdade, e Júlia nutria por ele um amor platônico, enquanto este a via
apenas como amiga, o que a levava a supor existir uma paixão de Gabriel por Pedro –
algo que o autor não declara no texto, deixando em aberto para que o próprio
leitor/espectador decida.
Essa confusão de sentimentos reinante entre os três fez com que o trio fosse
desfeito, e de uma forma bem pesada. Foi então que surgiu a aproximação de Gabriel com
Leon.

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(Inicialmente sarcástico, mas cada vez mais sério) cachorro, cadela,
marido, mulher, rede social, shopping, academia, balada, tudo uma
merda! Tudo muleta, tudo grana, tudo sexo, tudo falta de amor.
Qualquer dia desse eu vou para um mosteiro e caio fora dessa máquina.
(Cena 1, p. 19).

Consigo fazer uma analogia com Zygmunt Bauman em sua obra Sociedade
Líquida, na qual retrata o comportamento do indivíduo moderno. O ser humano quer estar
com o outro apenas para se sentir bem e, logo após, quando esse companheiro não for
mais útil para ele, descarta-o como se fosse um brinquedo, um papel no bolso da calça
que não lhe serve mais e que pode ser lançado ao lixo. Uma espécie de “relacionamento
de bolso”.
Assim Lael nos faz refletir sobre o quanto o ser humano moderno é vazio e
necessita ser notado, não conseguindo manter um diálogo sadio, fazendo de sua vida uma
vitrine cheia de coisas boas e alegres, muitas vezes tentando transparecer o que não é nas
redes sociais, apenas para se sentir bem e acomodado dentro dos padrões preestabelecidos
pela sociedade.
Leon é um homem bastante infeliz e que tenta suprir um grande amor do passado
ficando com várias mulheres, confirmando mais uma vez a teoria de Bauman. Esse grande
amor do passado é Isadora, que faleceu de câncer aos 15 anos de idade. Foi a primeira e
única paixão dele. Em cada mulher nova com que se envolve, tenta encontrar a antiga
Isadora. A grande motivação de viver dele é a amizade de Gabriel. Explicita que a melhor
coisa que ocorreu foi Gabriel ter se afastado de Júlia e Pedro, pois somente assim os dois
se aproximaram e puderam firmar essa grande amizade; e, também, a amizade de Samuca.
“É sempre na infância, compadre! Na infância é que o circo se arma! O adulto
em que nos tornamos é mera consequência desse início” (Cena 3, p. 22, parágrafo 1).
Leon tem um discurso revolucionário e reforça o argumento de que as circunstâncias e as
oportunidades fazem o cidadão futuro. É da infância que vêm a educação, a cultura e a
personalidade do indivíduo. Na cena 6, Gabriel e Leon têm um diálogo sobre o passado,
presente e futuro; chegam à conclusão de que ambos se completam.
Samuca é homossexual e apaixonado por Gabriel. Encontra-se em uma situação
vulnerável, pois está doente. Faz essa declaração à sua amiga Noviça. Ela está nos estudos
da Igreja católica para se tornar freira, porém mantém uma ligação enorme com a religião
afro e tem uma oratória bastante peculiar, que foge do padrão das demais noviças.
Observando essa situação no texto, faço uma análise e observo que independentemente

101
da crença, deve haver respeito, e essa ideia de religião é tão ampla que se podem unir
várias religiões quando se trata de crença e milagres.
Em uma de suas falas, Samuca relembra do seu tempo de infância. Relata que
tinha uma infância pobre, mas era feliz. Até que chega a adolescência e tudo começa a
dar errado. Surge a descoberta da sexualidade. Entra em conflito consigo mesmo, pois era
algo absurdo para aquelas pessoas que moravam em Miraflores. Este impasse afeta muitas
famílias. Vários adolescentes têm de sair de casa pelo simples fato de amar. Sofrem
bullying na escola, são espancados no meio da rua, não têm a liberdade de amar e de
exercer sua cidadania. Amar outro igual é impossível nessa sociedade em que vivemos,
porém a luta da comunidade LGBT continua e sempre continuará, até que seja possível a
plena cidadania desses envolvidos.
Mesmo com essas lembranças remotas, Samuca ama o local onde nasceu e
cresceu. É fácil de entender essa ligação entre o indivíduo e a origem, pois é onde se
encontram todas as lembranças, os aprendizados, os amigos, os parentes, essas ligações
que nunca saem da memória. O local onde se nasce e vive é marcante na vida do
indivíduo. Ficará para sempre na memória.
Eu concordo geral! E é por isso que eu gosto de ter nascido no interior,
bem no meio do mato. A pobreza era total, mas o cenário era uma
beleza! Nasci num povoado que se chamava Miraflores. Tem um lugar
com nome mais gracioso? É a minha cara! Mas, antes da adolescência,
o encanto acabou. Começou a desabrochar a flor da sexualidade e aí
danou-se! Começaram as porradas, os preconceitos. (Cena 3, p. 22,
parágrafo 1).

A doença do Samuca liga os três amigos e a amizade fica mais forte, até por terem
voltado ao passado e conversado sobre suas recordações e traumas. Gabriel tem a ideia
de se separar do grupo e voltar a fazer o espetáculo trágico. Chega à conclusão de que os
três apresentarão essa nova montagem após terminarem a última apresentação que estão
fazendo no momento.
Ao fim do espetáculo, Leon conhece Isadora, e tudo que sentia pela antiga Isadora
retorna com a nova. Ele volta ao passado e tenta reconstruir uma nova história com a
personagem.
Concluo que apesar de estarmos presos ao passado e perdidos no presente,
podemos seguir em frente e tentar reconstruir nossas vidas. A vida vai além dos traumas
vividos, e por isso jamais devemos desistir de viver algo novo.

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Ética Teatral: um processo de aprendizagem em sala de aula

Carla Antonello

A reflexão que dedico a este artigo foi inspirada a partir do convite dos professores
Ana Flávia Ferraz e Otávio Cabral, que são os coordenadores do Núcleo de Estudo e
Pesquisa das Expressões Dramáticas (NEPED/UFAL/CNPq) e desenvolvem o Projeto
Conversa de Coxia, uma valorosa iniciativa visando fomentar o diálogo e o conhecimento
da produção dos artistas cênicos de Alagoas. O projeto em questão organiza e realiza
eventos com artistas convidados, a fim de promover um bate-papo sobre suas experiencias
artísticas. É aberto para a comunidade interna e externa da Universidade Federal de
Alagoas.
Em decorrência disso, tive a oportunidade de presenciar a conversa com a atriz Diva
Gonçalves, que relatou sua atuação profissional no estado de Alagoas e as dificuldades
enfrentadas pela falta de uma política cultural de incentivo às artes cênicas. Segundo ela,
tal situação impõe e requer um grande esforço para se continuar ativo na profissão, tanto
no tocante à subsistência, quanto no que tange a recursos para a produção de espetáculos.
A atriz faz parte do grupo Nega Fulô nomeação extraída de um poema de Jorge de Lima,
considerado o príncipe dos poetas alagoanos. Em sua fala me chamaram a atenção os três
alicerces compreendidos como fundamentais para a manutenção de seu coletivo, que são
amizade, respeito e afinidades, atitudes que segundo a atriz são exercidas como uma mola
propulsora para a continuidade e a integração dos participantes.
Dessa maneira, tecerei uma reflexão sobre os valores mencionados acima em uma
relação com o aprendizado em sala de aula, levando em conta que Diva obteve sua
formação artística no antigo Curso de Formação para o ator e atriz, atualmente
denominado Curso Técnico de Arte Dramática, que integra a Escola Técnica de Artes da
Universidade Federal de Alagoas, na qual atuo como docente na formação de atores.
Começarei pelo vocábulo utilizado pela artista, que é amizade, compreendida como
“sentimento fiel de afeição, apreço, estima ou ternura entre as pessoas” (FERREIRA,
2008, p. 117). Portanto, é um sentimento que une as pessoas, tecido de confiança, à
medida que trocamos confidências, ideias, reflexões etc. Sabemos que para existir uma

103
amizade passamos por várias fases de conhecimento e construção de uma confiança
mútua que, no decorrer do tempo, irá ou não se fortalecer e progredir. A partir disso,
podemos inferir que os processos de criação estimulam a construção de laços de amizade,
que, por sua vez, geram a confiança; esta proporciona aos participantes se sentirem à
vontade, concedendo liberdade para se expressar.
Sabe-se a experiência teatral exige uma intensa entrega pessoal, por meio do
trabalho psicofísico dos atores. O termo psicofísico foi extraído dos escritos de Konstantin
Stanislávski, que defendia que a ação física não pode ser separada do psíquico, já que os
dois formam uma unidade indissociável. Propunha que o trabalho psicofísico dos atores
apenas avança em um espaço propício, denominado de atmosfera criativa por Maria
Knebel (2016, p. 83), e assim compreendido:

A atmosfera criativa é um dos fatores mais poderosos de nossa arte.


Devemos sempre lembrar-nos de que criar a atmosfera de trabalho é
extraordinariamente difícil. Não é algo que o diretor possa fazer
sozinho: deve ser obra do coletivo. Destruí-la, infelizmente, qualquer
um pode: basta que alguém um pouco mais cético ria de um colega que
trabalha com seriedade para que o micróbio da descrença comece a
corroer internamente o organismo saudável.

De acordo ao pensamento de Knebel, sabemos o quanto é imprescindível a criação


da atmosfera criativa para os atores criarem livremente sem a preocupação de estar sob
pressão e avaliação, tanto dos colegas quanto do diretor. Tal situação impede a
potencialidade criativa, essencial a um trabalho artístico. É perceptível que atitudes
impróprias como risos, cochichos e conversas fora de hora geram um incômodo e
paulatinamente contaminam o trabalho, impedindo a sua devida progressão. Além de
ocasionarem a desconcentração, que é um dos elementos-chave do trabalho do ator
defendidos por Stanislávski (2017). Esta deverá ser exercida tanto nos ensaios como nas
apresentações. O processo criativo somente se realiza com os atores concentrados. Tal
fato também ocorre no momento da apresentação, sendo perceptível quando os atores
estão presentes ou não em cena.
Concomitantente à concentração, Stanislávaski menciona outros elementos
fundamentais: imaginação; “se” mágico, fé e o sentido de verdade; relação; adaptação;
liberdade muscular; tempo-ritmo, irradiação, memória emocional e ações físicas. Farei
um breve resumo para entendermos como tais elementos são acionados no trabalho dos
atores.

104
A imaginação permite ao ator recriar o material textual para a criação das cenas.
Já o “se” mágico é esclarecedor de como eu agiria se fosse tal personagem. A fé e o
sentido de verdade, conhecido atualmente como organicidade ou presença cênica,
requisitam a cena crível para os espectadores. A relação diz respeito ao ator atingir uma
relação consigo mesmo e com as outras personagens. Já a adaptação é uma maneira de o
ator se colocar em presença cênica tendo com base os meios internos (relação consigo
mesmo) e externos (relação com as outras personagens no espaço da cena). Liberdade
muscular implica a capacidade de o ator relaxar os músculos tanto durante os ensaios
quanto na apresentação cênica. O tempo-ritmo se apresenta por meio da atuação dos
atores, estabelecendo como cada cena deve ser executada em seu próprio tempo-ritmo.
Já a irradiação é uma maneira de os atores expressarem os sentimentos e desejos internos
como vibrações que saem pelos olhos e por todo o corpo.
Entre todos os elementos, o mais polêmico é a memória emocional ou memória
afetiva. É a proposta mais conhecida e difundida pelos americanos, que também foram
responsáveis pelas traduções portuguesas. Nesse sentido, é necessário reiterar que
Stanislávski nunca se acomodava com seus achados, porquanto era um incansável
pesquisador. Assim, constatou a dificuldade em acessar a memória emocional e a
complexidade que há em controlar nossas emoções e sentimentos. Em contrapartida, as
ações físicas proporcionam um maior domínio por parte dos atores. A repetição mecânica
de emoções e sentimentos leva a uma atuação baseada em clichês e estereótipos, com
reações desprovidas de organicidade.
Para Vássina e Labaki (2015), a memória emocional não foi desconsiderada por
Stanislávski, pois se acha entre os elementos para o trabalho do ator e lhes possibilita
retomar suas vivências e identificar as que reconhecem em outras pessoas. Outra ressalva
é que Stanislávski desenvolveu alguns elementos do trabalho do ator baseado na yoga,
vocábulo que corresponde a união (CAPRA, 1982). A palavra união sugere um elo ou
uma força que move a prática teatral, tendo em vista que dificilmente um coletivo
consegue realizar uma montagem sem uma total integração.
Essa noção será retomada na fala da atriz, que valoriza os laços de amizade, gerado
pela união entre as pessoas. Contudo o que observo em sala de aula é que nem sempre
isso acontece. No entanto, em qualquer relação de trabalho são necessários o respeito e a
confiança. Ademais, seja qual for o trabalho, mesmo que não haja laços de amizade, deve-
se estabelecer uma relação que se baseia na feitura das tarefas.

105
Em um processo criativo sempre contamos com um desafio a mais, pois lidamos
com assuntos que são concernentes à complexidade humana (solidão, medo, violência,
amor, etc.). Os atores são instigados a adentrar em determinados universos e tecem uma
rede de relações que se retroalimentam em revelações e afetações, o que desencadeia um
sentimento de pertencimento, já que todos são responsáveis por alavancar a criação. O
diretor ou o professor planeja o ambiente de trabalho; a presença de todos os participantes
é incessantemente exigida. A ausência de uma pessoa prejudica o processo. O mesmo
ocorre em relação aos atrasos, pois a interrupção resulta na perda da construção da
atmosfera criativa, executada por meio de études:
O termo étude (“estudo” em francês) na linguagem teatral designa uma
maneira específica de estudar o papel por meio da ação prática. Em
outras palavras, é uma espécie de esboço. O termo já existia na língua
teatral francesa do século XVIII, mas ficou fora de uso e a prática se
perdeu. (2016, p. 138).

O ensaio pelos études é planejado pelo diretor ou professor com objetivo de inserir
os atores na proposta cênica e aprofundar o material selecionado pela experimentação.
Na experiência pelos études, o psicofísico dos atores é acionado na busca de mobilizar
todos os elementos do “sistema” com a intenção de que as ações físicas se realizem com
organicidade. É na interação com esses elementos que o artista compõe sua criação,
potencializada por meio das inter-relações que devem ser preservadas nos ensaios.
Partimos novamente para o relato da experiência da atriz que valorizou as
afinidades. Outra vez ponderamos que no ambiente escolar as turmas são formadas sem
conhecimento prévio entre os integrantes. Assim, os estudantes passam a se conhecer no
processo de ensino aprendizagem; este é desenvolvido por várias disciplinas, o que difere
de um coletivo teatral.
A proposta de exercícios em sala de aula é executada geralmente em grupos.
Observamos que os estudantes começam a formar os grupos pelas afinidades. Algumas
vezes o professor interfere para possibilitar que os grupos se mesclem, visando superar
as diferenças inerentes às pessoas. No contexto escolar, uma das dificuldades consiste em
gerenciar as relações humanas. Como não existem receitas, abrimos mão de
procedimentos cênicos e recorremos novamente ao ensinamento de Stanislávski (2014,
p. 334) que já advertia em um de seus livros, A construção da personagem, num capítulo
intitulado “Para uma ética do teatro”: “Ele precisa de ordem, disciplina, de um código de

106
ética, não só para as circunstâncias gerais do seu trabalho como também, e
principalmente, para os seus objetivos artísticos e criadores”.
O código de ética pleiteado por Stanislávski é um requisito fundamental tanto para
a convivência harmoniosa entre os participantes como para seu crescimento pessoal como
artista, pois, como já observado, o exercício teatral se propõe a perscrutar o âmago de
relações e comportamentos humanos. Portanto, o teatro é uma arte em essência coletiva
na sua execução.
Nos processos de ensino aprendizagem enfatizamos a capacidade de se relacionar e
conviver em grupo. Em uma montagem teatral há o encontro de vários artistas, e cada um
deles tem o mesmo nível de importância. Os artistas precisam desenvolver sua capacidade
artística criadora, que requer sair da zona de conforto, para potencializar o processo e
trazer outras referências.
Na obra Fios do tempo: memórias, Brook cita um conto de Grimm sobre um jovem
herói que precisa salvar a princesa, porém não tinha habilidades suficientes para a tarefa.
Isso o leva a formar um grupo em que cada integrante tem uma habilidade diferente, como
enxergar a uma grande distância, ter audição aguçada, beber a quantidade de água de um
lago e sentir calor quando é frio e vice-versa. A reunião dessas pessoas forma um grupo
bem-sucedido para uma tarefa que nenhum deles realizaria sozinho.

Nas palavras de Brook:

Isoladamente, cada um era insuficiente, mas juntos eles formavam um


todo. Em nosso novo grupo, todos nós vínhamos de experiências
diferentes; enquanto isso normalmente leva a barreiras e conflitos, o
nosso objetivo era o de reconhecer, através do trabalho conjunto, que
cada um não é mais que um fragmento de um quebra-cabeça
incompleto, no qual cada peça estranhamente moldada pode ter uma
função vital. Cada peça deve encaixar-se perfeitamente com as outras
formas retorcidas para que um todo significativo possa surgir.
(BROOK, 2000, p. 227).

De fato, o desenvolvimento de um grupo com participantes que tenham maturidade


e um desejo em comum dificulta um rompimento fácil, por qualquer conflito, e faz com
que se assuma uma postura com objetivos voltados ao trabalho, de modo que cada um é
parte de um todo. A metáfora do “quebra-cabeça incompleto” redimensiona o significado
do trabalho em grupo, deixando claro que é essencial valorizar a convivência e a troca
gerada pela prática diária de compartilhar.

107
Partindo do pressuposto de que o ensino de teatro requisita um trabalho de forma
similar a um grupo de teatro, é relevante pensar e analisar como os grupos gerenciam suas
ações para permanecerem juntos. Deve-se considerar que os estudantes após a sua
formação têm como opção formar um grupo ou se inserir em grupos existentes; ou ainda,
trabalhar em elencos reunidos para um único trabalho, o que também demanda a
capacidade de se relacionar. A premissa de refletir sobre as experiências de artistas
profissionais possibilita aos estudantes se conscientizarem de como a ética é fundamental
para o trabalho teatral.

O Projeto Conversa de Coxia proporciona inúmeras reflexões sobre a trajetória e


as experiências dos profissionais cênicos. A conversa com a atriz Diva Gonçalves nos
alertou quanto aos princípios que regem seu coletivo (amizade, respeito e afinidades),
motivando os estudantes a repensar suas atitudes e comportamentos. Na conscientização
que o trabalho exige profissionais éticos e com capacidade de reflexão.

As condições de trabalho para este profissional ético, no sentido reclamado por


Stanislávski, são as mesmas em qualquer lugar. O desafio será exercitar os valores éticos
para a criação da atmosfera criativa, e que todos possam se sentir pertencentes e
valorizados para comunicar-se e cooperar uns com os outros, já que todos os artistas
caminham no mesmo sentido. O exercício da reflexão e da criação requer uma absoluta
entrega pessoal.

Referências

ANTONELLO, Carla Medianeira. SOBRE A FORMAÇÃO EM ENCENAÇÃO


TEATRAL: Análise de uma experiência pedagógica em sala de aula e de seus
respectivos itinerários de processos criativos. 2017. 406 f. Tese (Doutorado em
TEATRO) – Universidade Federal da Bahia, Salvador.
http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/21627

BROK, Peter. Fios do tempo: memórias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

CHEKHOV, M. Para o ator. São Paulo: Martins Fontes, 1986.

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente.


Sao Paulo: Cultrix, 1982.

108
DAGOSTINI, N. O Método de Análise Ativa de K. Stanislavski como Base para a
Leitura do Texto e da Criação do Espetáculo Pelo Diretor e Ator. 2007. 251 f. Tese
(Doutorado em Letras) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

KNEBEL, M. Ó. Análise ação: práticas das ideias teatrais de Stanislávski. São Paulo:
Editora 34, 2016.

STANISLÁVSKI, K. A construção da personagem. Pontes de Paula Lima. 24. ed. Rio


de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014a.

______. A criação de um papel. Tradução de Pontes de Paula Lima. 4. ed. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.

______. A preparação do ator. Tradução de Pontes de Paula Lima. 18. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

______. El trabajo del actor sobre sí mesmo em el proceso creador de la vivencia.


4. ed. Tradução de Jorge Saura. Barcelona: Alba, 2014b.

______. Manual do ator. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.

______. Mi vida em el Arte. 2. ed. Buenos Aires: Quetzal, 2011.

______. Trabajos teatrales: correspondência. Buenos Aires: Quetzal, 1986.

VÁSSINA, E.; LABAKI, A. Stanislávski: vida, obra e Sistema. Rio de Janeiro:


Funarte, 2015.

109
Homero Cavalcante: a serviço da paixão

Otávio Cabral

É muito difícil desvendar por inteiro a alma humana, muito difícil mesmo compreender
suas nuances, seus caprichos, suas paixões. Há, porém, aqueles que se dedicam
inteiramente, de corpo e alma, a tornar a vida e a convivência entre os seres mais humana,
mais fraterna, alegre e divertida.

Homero Cavalcante é uma dessas pessoas, um ser integral, aquele de quem não se
pode dizer apenas: é um ator, ou um diretor, ou um dramaturgo ou qualquer outro adjetivo
que povoe o universo teatral. Ele é, acima de tudo, um homem de teatro, aquele que reúne,
num só, todos os requisitos para o exercício pleno da arte de representar, e o faz movido
pelo único combustível essencial nesse reino da fantasia, que é a desmedida paixão pelos
poucos metros de tablado contidos no espaço cênico.

A construção da obra de arte é algo que parte do indivíduo, que nasce no mais íntimo
dos recônditos do ser humano e que é transformado em arte para acalmar a inquietude do
artista. Portanto, não se imagine que o nascer de uma obra cai como um paraquedas sobre
a cabeça do criador, sem nenhuma relação com o seu cotidiano, pelo contrário, ela é
produto intrínseco das relações sociais e surge como uma forma agradável para se
entender e decodificar o próprio mundo.

Munido desses acessórios, quixotescamente adquiridos na convivência diária com a


sua gente, esse incrível decifrador da angústia humana vem, anos a fio, construindo e
reconstruindo, nas malhas da criação, um universo paralelo entre o choro da ribalta e o
ranger da bambolina, entre as sombras do urdimento e o lamento das rubricas. Não há
fronteiras que alcancem os delírios da sua imaginação, sempre em ebulição, em estado de
cio, em íntima partilha entre a ideia e a metáfora.

Quando, ainda nos anos 60, Homero ingressou no teatro para emprestar seu talento à
Associação Teatral das Alagoas – ATA, um pacto acasalou a união e ambas as histórias
se confundem até hoje. Entre o homem de teatro e a associação que aprendeu a amar
compulsivamente e que o tempo se encarregou de construir os parâmetros da
cumplicidade, estende-se um vendaval de paixão. Se falar do teatro alagoano sem a

110
presença de Homero Cavalcante é quase impossível, é inteiramente incompatível
desvincular-se a ATA da sua figura.

Sua dramaturgia, por mais que ele insista em reconhecer-se um defensor da arte pela
arte, está inteiramente a serviço da promoção humana e inserida numa trajetória de
inquietação com as questões mais contemporâneas. Através de sua escrita, quando não
aflora um diálogo com a dramaturgia universal, ressurgem, quase sempre, as raízes
populares, onde busca os fundamentos de seus enredos e onde costura o arremate de suas
tramas.

Sua primeira peça encenada, Quando se deu o eclipse, é bem um exemplo disso, onde
discute o fenômeno da natureza, buscando para isso o entrecho amoroso da peça
shakespeariana Romeu e Julieta. Nela, sol e lua são dois amantes, trocando olhares
apaixonados, mandando recados, trocando beijos a distância, mas em constantes
desencontros, e quando afinal conseguem se encontrar e realizar o grande desejo, dá-se
então o eclipse.

Esta é uma estratégia das mais inteligentes, onde é possível ensinar divertindo. Brecht,
ao teorizar o teatro didático, dizia que o objetivo primordial do teatro é proporcionar
diversão e prazer, e que seria muito interessante se a esse prazer se aliasse o ato de ensinar,
pois, dessa forma, teríamos como resultante a absorção do ensino de forma prazerosa. É
com esse espírito que Homero procura desenvolver sua trama. Nela, o espectador é
inserido num universo de prazer, através dos recursos de que se vale a arte de representar,
e, ao mesmo tempo, é conduzido a um aprendizado através de uma escrita que, enquanto
se aproxima do coloquial, beira o lirismo, fazendo uma correspondência com o clima
romântico shakespeariano.

Sempre aberto ao prazer de ensinar, de ser útil e de fazer uma arte utilitária, sua
história no teatro alagoano se edifica através de seu espírito irrequieto, sempre jovem e
apto à criatividade. Quer seja escrevendo peças, dirigindo espetáculos, atuando, quer seja
desempenhando qualquer outra atividade na engrenagem teatral, o que prevalece sempre
no seu comportamento é o espírito de solidariedade. Nada mais compensador que
partilhar a cena com Homero Cavalcante, que repartir com ele o dilema de uma cena mal
resolvida, ou de ser socorrido num fraquejo da memória.

111
A vida é um infinito repositório de surpresas, que vamos desfiando uma a uma. Apesar
dos destroços que acumulamos pelo corpo e das ferroadas que atordoam os sentidos, inda
vale a pena ulcerar-se na arte para tornar a convivência mais humana, mais saudável, mais
justa e muito mais feliz.

112
Oito Tessituras para Otávio Cabral

Coletivo Filé de Críticas

I ‒ Uma conversa, muitas histórias

Uma existência com todos os dias de uma vida.

Um artista, um professor, um mestre, o encantado pela poesia. O teatro como sua


casa e sua mãe, que lhe abre caminhos para uma vida, para ser.

Os caminhos que percorremos e a vida que vivemos são imprescindivelmente


nossos. Cada dia faz parte de nossa história, e cada encontro é o que constrói essa jornada.

Como contar a história de uma vida que se reinventa constantemente? É preferível


viver. É preferível ouvir de quem vive e viveu.

Partimos para essa escrita do encontro, lugar único e sublime, que está no nosso
cotidiano. Como usarmos das palavras e de nossa tessitura para tentar minimamente, de
forma simples, registrar a imensidão de uma vida que transforma outras?

Cada um tem as suas confluências e é a partir dessas que contamos e descrevemos


não só a importância do que foram esses encontros com Otávio Cabral para nós, mas
também para a história do teatro alagoano.

Otávio Cabral é um artista de teatro que, através de seus encontros, moveu-se no


cotidiano e teceu sua história sobre o tablado e as coxias dos teatros em Alagoas. Estes
guardam também essas memórias. Dos encontros que tivemos com Otávio no Curso de
Teatro Licenciatura na Universidade Federal de Alagoas, aos seus livros, conversas e
entrevista, queremos ecoar a nobreza e o presente de poder estar junto a ele nesta vida,
tendo-o como professor e colega de teatro.

Numa manhã de sábado de setembro de 2020, encontramos Otávio Cabral para


uma conversa. No meio da pandemia de Covid-19, restou-nos o recurso da tecnologia
para que esse encontro pudesse acontecer e com isso diminuir as distâncias.

113
Cada um em sua casa abria uma janela de diálogo e encontro para descobrir,
através da voz do próprio Otávio Cabral, histórias e momentos de sua trajetória. Foram
cerca de duas horas de conversa, nas quais ouvimos os percursos que traçam a história
desse ator e professor, feitos pela sua memória no instante do efêmero.

Com sua voz marcante, Otávio nos recebe virtualmente em sua casa e nos revela
momentos que marcaram a sua vida e que nos ajudaram a escrever sua trajetória nos
palcos e nas salas de aula do curso de Teatro.

Nós nos reconhecemos através do espelho das palavras. Para ambos há a catarse,
porque de alguma forma nos conectamos a ele e esse instante nos muda infinitamente.
Assim, o que temos a seguir é uma escrita que por vezes esbarra na emoção, no carinho
e no respeito, e tenta afetuosamente construir uma trajetória.

II ‒ Um ator e seus caminhos

Otávio nasceu em Pilar no dia 19 de março de 1948, mas vive desde os onze meses
de idade em Maceió. É na infância que o menino Otávio tem o seu primeiro encontro com
o teatro. Estudante do Grupo Escolar localizado próximo à igreja de São Benedito, no
centro de Maceió, no prédio em que mais recentemente foi a sede da Secretaria Estadual
de Educação, ele se vê vestido em sua farda azul, seguindo em fila indiana com seus
professores e colegas de sala de aula em direção ao Teatro Deodoro para assistir aos
espetáculos infantis em cartaz na época. Foram muitas idas ao teatro nesse período de
escola, e o que mais o empolgava era saber que um dos atores (Miguel Nobre) era amigo
e frequentador da alfaiataria de seu pai. Encontrar o ator que via nos palcos no ambiente
de trabalho de seu pai era motivo de orgulho e alegria.

“O ator me conhece!”, ele pensava.

Esse mesmo ator lhe propiciou a primeira descoberta que faria parte de toda a sua
jornada. Enquanto assistia, nessas idas ao Teatro Deodoro com a escola entre os anos de
1958 e 1959, ao ator Miguel Nobre fazer sua cena em Pluft, o fantasminha, de Maria
Clara Machado, ele, sentado na plateia, reconhece e afirma:

“Eu queria estar ali”.

114
Mas a vontade de estar no palco não foi vontade passageira, seguiu em seu
pensamento ao longo da adolescência. No entanto, um dilema pessoal lhe causaria certo
temor: era um rapaz que carregava em si a timidez.

Aos 16 anos, em 1964, junto com outros amigos secundaristas, decide realizar
uma Caravana Cultural pelas cidades alagoanas de Delmiro Gouveia, Palmeira dos
Índios, Viçosa, e por Paulo Afonso na Bahia.

III ‒ Primeiros passos no palco

Essa Caravana Cultural, formada por estudantes secundaristas, seguia pelas


cidades com música, cinema, teatro, jogral, entre outras manifestações. Mesmo
acompanhando a Caravana, ainda não tinha pisado nos palcos na cena teatral. É nela que
começa a acompanhar os bastidores e as apresentações de um grupo teatral que seguia
com eles, apresentando a peça Procura-se uma rosa, de Pedro Bloch. Sua aproximação
com o grupo faz com que ele os ajude na sonoplastia do espetáculo, mas a vontade de
experimentar a atuação o fez pedir a um amigo da Caravana que o dirigisse, porque na
próxima parada ele tomaria coragem e recitaria um poema no palco. E assim o fez. Viçosa
foi seu palco de estreia.

A partir dali estava decidido que continuaria nos palcos, que seria como Miguel
Nobre, ator e amigo de seu pai, e como tantos outros atores e atrizes que viu nos palcos
do Teatro Deodoro e na Caravana Cultural.

Ainda em 1964, ao retornar a Maceió, esse mesmo amigo que o dirigiu no poema
que recitou na Caravana Cultural, apresentou-o à atriz Linda Mascarenhas, que o acolheu
para fazer parte da montagem de As laranjas da Sicília, de Luigi Pirandello, seu primeiro
espetáculo como ator.

“Linda pegou na minha mão e me ensinou a caminhar no palco, me ensinou


principalmente a respeitar aquelas tábuas. Fez-me entender que eu só conseguiria fazer
alguma coisa verdadeira se exercesse o meu ofício com paixão” ‒ relembra.

No entanto, sua trajetória ao lado de Linda Mascarenhas duraria pouco; logo


deixaria o grupo para viver outras experiências estéticas.

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IV ‒ O Teatro Universitário de Alagoas ‒ TUA: fatos de uma jornada em
meio à ditadura militar do Brasil

Os percursos da vida o levaram a trabalhar e a se formar posteriormente na área


de Administração, porém o teatro estaria sempre em sua caminhada.

É em 1964 que se torna presidente do Teatro Universitário de Alagoas ‒ TUA:

“Naquele momento histórico, de um governo autoritário, o teatro universitário era


uma tarefa política, porque havia toda uma perseguição... e censura nas produções” ‒
relata.

O primeiro texto escolhido junto com José Geraldo Marques, para a montagem
com o TUA, foi “Canto Contado”, uma colagem de textos de variados autores.

Nesse período estava na Secretaria de Agricultura, da qual era funcionário, quando


foi intimado a comparecer à Polícia Federal. No dia da intimação, o elenco estaria reunido
no Teatro Deodoro para aguardar a devolução do texto pela censura e entender como o
montariam a partir das restrições feitas. No entanto, o que seria uma ida para receber o
texto de volta com as partes censuradas, tornou-se um interrogatório em um sala com
duração de oito horas.

“Canto Contado” jamais viria à cena, pois 90% do texto havia sido censurado.

Ao voltar ao Teatro Deodoro e encontrar o elenco, contou o que havia acontecido


e decidiram procurar outro texto. Mas o que falar, o que encenar quando tudo era vigiado
e as palavras poderiam ser um risco a vida de todos do grupo?

Naquela noite seguiram do Teatro Deodoro em direção à casa de Volney Leite,


para pedir um discernimento do que fazer dali para frente.

Nessa época, o ator Paulo Autran circulava pelo Brasil com o espetáculo Édipo
Rei; em cada local que passava, reunia-se com estudantes universitários para falar sobre
teatro e discutir a situação política do Brasil. A atitude de Paulo Autran os inspiraria e
lhes apontaria possibilidades de como fazer teatro naquele momento sem abandonar o
necessário discurso político, tendo nas tragédias gregas um pretexto para falar sobre o
autoritarismo. Decidem por Antígona, de Sófocles.

116
Bráulio Leite Júnior era diretor do Teatro Deodoro nesta época. Acolhe o grupo e
telefona para o diretor de teatro Alfredo de Oliveira, da cidade de Recife, para que este
dirigisse o espetáculo. Alfredo aceita o convite e atentando para a faixa etária dos atores,
propõe uma versão de Antígona em que o coro seria feito por jovens.

Otávio Cabral pede ao diretor para ser o personagem Tirésias, mas encontra nele
resistência, porém, ao fim, o diretor acaba cedendo e lhe dando o personagem.

Otávio levava cerca de quarenta minutos para se caracterizar e envelhecer para o


personagem. Sua irmã Graça Cabral, com nove anos na época, fazia a guia de Tirésias;
na estreia foram aplaudidos em cena aberta. O espetáculo que estreou em setembro de
1969, além de marcar um importante momento para o teatro alagoano, rendeu a Otávio o
prêmio de Melhor Ator Coadjuvante pela Associação de Cronistas de Alagoas.

Após Antígona, o TUA teve como próxima montagem Ponto de Partida, de


Gianfrancesco Guarnieri, na década de 80. Mas o teatro como tarefa política naquele
momento histórico não se limitava aos ciclos universitários. Em paralelo, nos sindicatos
eram feitos recitais de poesia para estimular o pensamento crítico e o contato da classe
trabalhadora com a arte.

O TUA passou muitos anos sem atividade, retornando em 1999, com Glauber
Xavier e Valéria Nunes, em Sábia Sarjeta, espetáculo que foi posteriormente incorporado
à trajetória do grupo Saudáveis Subversivos.

V ‒ Seguindo de mãos dadas com o teatro em Alagoas

Numa Alagoas conservadora e de um país em plena ditadura militar, sua carreira


seguiu um caminho político e progressista, discutindo com o teatro as questões humanas,
políticas e sociais.

Outras estreias marcariam a carreira de Otávio Cabral. Uma delas se dá com o


surgimento do Teatro de Arena Sérgio Cardoso, que viria a ganhar esse nome por conta
do falecimento do ator um mês depois de apresentar e inaugurar, no dia 14 de julho de
1972, o novo espaço cênico com o espetáculo O homem da flor na boca, de Luigi
Pirandello, que tinha no elenco o próprio Sérgio Cardoso, Jardel Melo e a atriz alagoana
Naná Magalhães.

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É no Teatro de Arena Sérgio Cardoso que, com o Grupo Quatro de Teatro,
estreiam em 1975 Entre quatro paredes, de Jean-Paul Sartre, única peça dirigida por
Bráulio Leite Júnior.

Ainda no período da ditadura militar, na década de 60, foi surpreendido por um


dos secretários de Educação do momento, ao ser convidado a fim de apresentar
espetáculos infantis para estudantes da rede pública no Teatro Deodoro. Era a primeira
vez que teria um financiamento para seus espetáculos. Nascia ali o Grupo Teatral
Educação e Cultura ‒ GTEC. Agora, aquele menino que vinha de farda azul com a sua
escola para assistir aos espetáculos no Teatro Deodoro, estava no palco, como havia
desejado. Era ator e marcaria com suas apresentações uma nova geração.

VI ‒ Dos palcos à sala de aula

Em meio a toda essa efervescência teatral, Otávio trabalhava desde julho de 1980
na Fundação de Saúde de Alagoas Governador Lamenha Filho, atualmente Universidade
Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas ‒ Uncisal. Foi por lá que se aproximou do
professor Ismar Gatto, que fazia semanalmente encontros em sua casa com amigos para
assistir a projeções de espetáculos de diversas linguagens. Sabendo do interesse de Otávio
pelas artes, logo o convidou. Nesses encontros, teve acesso a grandes produções e artistas
internacionais, como, por exemplo, Pina Bausch, num espetáculo que lembra ter assistido
nas projeções e que nos relata com brilho no olhar e euforia na fala.

Mas a carreira na Administração estaria com os dias contados. A crescente crise


da administração pública daquele momento do início dos anos 90 e o constante atraso dos
salários o fizeram perceber que precisaria tomar novos rumos. É nesse momento que
surge em 1993 um convite para o cargo de professor substituto do curso de Teatro da
Ufal, feito por Homero Cavalcante. Um grande susto para Otávio, que jamais, dada a sua
timidez, se imaginaria numa sala de aula. O convite foi aceito, mas é ao teatro que ele
credita a coragem pela decisão:

“O teatro me abriu as portas. Eu digo que o teatro me abriu as portas, porque todas
as vezes que eu entro numa sala de aula, quem entra não é o Otávio, é a personagem. E
quando eu interpreto a personagem, eu me desvisto de toda timidez.”

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Logo em sua terceira aula de Evolução do Espaço Cênico, ao ver os estudantes
saindo da sala, pensou:

“Isso era o que eu procurava a vida toda e não sabia.”

Foi o necessário para, nos dias seguintes, deixar para trás a Administração, dando
baixa em sua carteira e seguindo cada vez mais com o teatro dentro e fora da sala de aula.
Para fortalecer essa decisão, quis o destino que durante a prova para tornar-se efetivo,
numa bolsinha e pequenos papéis para o sorteio do tema, fosse justamente o
Renascimento o assunto que seria tratado no exame, conteúdo esse conhecido
anteriormente por participar da montagem de Mandrágora, de Maquiavel.

A Literatura Dramática sempre esteve em sua vida, seja como docente atualmente,
seja quando era aquele ator tentando driblar a censura da ditadura militar. Foi essa
literatura que naquele momento lhe permitiu não se calar, estar em cena e não se render a
um governo autoritário. Se durante a ditadura militar encontrou na literatura do teatro
uma forma de questionar, hoje em suas aulas ela continua como pretexto para discutir as
questões humanas.

“Aquela obra literária é apenas um pretexto para discutir o ser humano. A


sociedade está ali dentro” ‒ afirma.

Em 2019, Otávio Cabral voltou aos palcos com a Cooperativa Alagoense de


Teatro no espetáculo Esperando Godot. Celebrou com o espetáculo os seus 55 anos de
teatro, recebendo homenagens por esse momento e tendo uma placa em sua homenagem
fixada no hall do Teatro Deodoro.

Passados esses anos, hoje, ele se olha na tela em que nossa conversa ocorre, como
se reconhecesse que agora, mais que nunca, poderia fazer o Tirésias, de Antígona, que
tanto o marcou. Surge aqui uma faísca de curiosidade e que abre espaço para novas
conversas: a quem ou a que dedicaria a fala da personagem Tirésias hoje?

Esse ator, que carrega dentro de si referências e memórias com artistas como Edna
Pontes, Naná Magalhães, Florêncio Teixeira, Miguel Nobre, Bráulio Leite Júnior, Linda
Mascarenhas, Pedro Onofre, Cleia Seixas, Eunice Pontes, Volney Leite e Homero
Cavalcante, meia hora antes de entrar em cena segue todos os seus rituais, buscando

119
concentrar-se em seu personagem e se conectar com o teatro, e que ainda hoje sente como
se fosse a primeira vez o frio na barriga antes do último sinal.

Quando perguntado sobre o que diria aos atores e atrizes de Alagoas, Otávio é
enfático:

“Não desistam nunca, porque o teatro é uma fábrica de prazeres.”

Otávio Cabral é um exemplo vivo de entrega e doação ao teatro. Reconhece que


ser ator é um exercício constante de humildade e generosidade, e ele assim o é nos palcos
ou na sala de aula.

VII ‒ Nosso professor Otávio

Encontrávamos Otávio na sala de aula, sentado na ponta da mesa, com sua


clássica blusa de mangas compridas, geralmente em xadrez, no braço um relógio de
ponteiro. O pigarro antecede a pergunta: “Fizeram a leitura do texto?”. Desse encontro
construímos nossa história, que é atravessada pela sua docência constantemente.

Na construção dessas histórias, no emaranhado desses encontros, é ali também


que Otávio escreve a história do teatro alagoano.

Como mencionado anteriormente, foi pelo encontro com Homero que ele chegou
à docência no curso de Teatro da Ufal em 1993; é por esse encontro que o conhecemos.
Otávio é mestre e doutor da literatura, é aquele que desmembra e disseca as histórias
dramáticas do teatro de forma primorosa e luminosa. A sala de aula lhe veio de assalto,
mas tornou-se a vocação e o ofício que lhe faltava. Alocado ali pelo acaso, Otávio tornou-
se professor e juntou na sala duas paixões: o teatro e a docência. Agora inseparáveis,
caminhando lado a lado com ele.

Reconhecer-se professor no exercício é um presente. Um encontro que modifica


uma vida e impulsiona novos caminhos.

Otávio, pelo chamado, se fez professor e vem há tempos encontrando sujeitos e


transformando-os ao olharem para o teatro. Hoje, nós educadores, compreendemos e
olhamos pra trás, buscando memórias de aprendizados. Não existe receita, existem

120
métodos. A sala de aula, o conhecimento e a possibilidade de encantar o outro constituem
um trabalho divino e intenso. Otávio nos provoca o saber.

Quando entramos em sala para aprender/compreender a literatura dramática, o


drama e o teatro, inicialmente os reduzimos a um texto, mas o que existe de mais
grandioso em estudar é ter junto alguém curioso, que busca com você as respostas para
aquele emaranhado de conflitos da literatura.

Aprender com Otávio é um lugar de responsabilidade. Responsabilidade com a


história, com o presente em que vivemos e com o futuro. O caminho do conhecimento é
construído com você. Na firmeza da voz, na imagem que impressiona, nos livros que
carrega e com que nos faz viajar nas linhas e entrelinhas.

Agora da onde vemos, o aprendizado é uma constante descoberta, assim como


propunha Otávio. Cada vez que se abria uma literatura, abria-se também uma experiência
única, um modo de ver o mundo, uma maneira de entender politicamente quem somos e
que classe representamos. Uma forma de mudarmos a ação no nosso ofício, no nosso
cotidiano. E desse encontro tendo Otávio como um professor artista, o ensino
aprendizagem foi além do conhecimento. Com sua forma de ensinar, mostrou-nos outro
jeito de ler as histórias do mundo. E nele encontramos e reivindicamos a nós mesmos e
nosso lugar no mundo.

VIII ‒ Tessitura sem fim

Reconhecer nos grandes mestres e artistas aquilo que nos assemelha a eles, mesmo
admirando-os como ídolos que são pela história que construíram, é um lugar espetacular,
como no teatro.

Otávio dedica seus dias trabalhando para que de alguma forma o teatro se faça
vivo e presente. Otávio, que é parte fundamental do teatro alagoano, atuou em todos os
setores da cena, das coxias ao palco, do palanque aos livros. É também autor e poeta;
teceu livros e assim analisou e perpetuou dramaturgos alagoanos.

Se estamos aqui a dar continuidade e vida ao teatro alagoano, é sobretudo porque


Otávio subiu ao palco, desempenhou Tirésias e tantos outros personagens, e com coragem
encarou a sala de aula. Os dias nos apresentam infinitas possibilidades de encontros, para
que possamos escutar e ver.

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Ele diz que há muito do artista no docente, e acredita não existir nada no inverso.
Teremos de discordar. Ao estar no palco e principalmente ao encontrá-lo novamente, é o
ator quem nos ensina que o teatro tem seu próprio tempo e, como ele conta, não se encerra
numa determinada vanguarda, tampouco se limita a um palco específico. Ele é um como
um rio, e “o rio é uma imensa manhã como um jardim de girassóis aberto constantemente
ao calor” (CABRAL, 2019, p. 17).

Tirésias ‒ (...) Menino, leva-me de novo para minha casa, ele descarregará sua
raiva à custa de outros mais jovens, até que aprenda a dominar sua cólera e a
adquirir melhores sentimentos. (SÓFOCLES, Antígona, 2001, p. 67).

Seu par de olhos poderia ser masculino, mas em sua poesia encontramos “As
meninas dos olhos” (CABRAL, 2018, p. 52), que vivem por detrás dos óculos
cotidianamente presentes e ao longo dos anos variaram de grau, cor e modelo, mas que
conservam logo adiante essas duas íris. Essa autoafirmação dita apressadamente diz
muito sobre a sensibilidade do ser homem e nos conta que de sua janela o mundo é
projetado sempre de maneira delicada.
Otávio, o oitavo. O significado de seu nome tem origem no latim ‒ octavus ‒, que
coincidentemente foi o oitavo filho do Império Romano, sob o nome de Júlio César; este
possui uma semelhança com o nosso Otávio: a liberdade de se aventurar. Sem esse
desprendimento, ele provavelmente teria passado, mas não permanecido.
Na história do teatro alagoano ele, assim como o signo oito, é o infinito em um
homem que marca um território ilhado por vários hiatos no tempo. Sua história começa e
segue confluindo com os palcos. Somos todos testemunhas e colegas de profissão de
alguém que se reinventa sempre e torna as possibilidades de se fazer teatro infindáveis.

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Ana Flávia Ferraz é Doutora em comunicação na linha Imagem e Som pela Universidade
de Brasília/UnB; Mestra em Comunicação e Estudos Socioculturais pelo ITESO/México
(2006), atualmente é Professora Adjunta II da Universidade Federal de Alagoas/UFAL.
Coordenadora do NEPED- Núcleo de Estudo e Pesquisa das Expressões
Dramáticas/CNPq/UFAL, onde desenvolve atividades na área de artes, com ênfase em
cinema, atuando principalmente nos seguintes temas: dor, tragicidade e distopia no
cinema; cinema e estudos interartes; cinema e intermidialidade; poéticas do feminino;
arte e política.

Carla Antonello é professora, diretora e pesquisadora de teatro, com doutorado em Artes


Cênicas pelo PPGAC da Universidade Federal da Bahia. Professora do Curso Técnico
em Arte Dramática da Escola Técnica de Artes da Universidade Federal de Alagoas.
Coordenadora/Diretora do Laboratório de Estudo e Pesquisa de Processos de Encenação
- LEPPE CNPq/UFAL.

Cleidson Alan Cardoso da Silva é Ator formado pela Escola Técnica de Artes -
ETA/UFAL, Palhaço, Mamulengeiro, Diretor e atualmente graduando no Curso de Teatro
Licenciatura da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Sigo Linhas de pesquisas nas
linguagem Circense, Comicidade, Literatura Dramática, Palhaçaria, Libras, Educação
Inclusiva para Teatro, Teatro na Escola. Discente/Pesquisador do grupo de Pesquisa
BRINCATUAR/Ufal/CNPq, e participou de Projetos de PIBIC e PIBID.

Coletivo Filé de Críticas - Coletivo de Pesquisa, Escrita, Registro e Difusão de Crítica


em Artes Cênicas, nascido em Alagoas em 2018 é formado por Bruno Alves da Silva,
Elizandra Lucca e Jocianny Caetano Santos Carvalho.
Contato: filedecriticas@gmail.com

Neto Portela : é ator, diretor, pesquisador e professor de Artes. Tem interesse em


pesquisas sobre gestão e avaliação educacional, ensino das artes na escola pública, temas

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transversais sobre o texto dramático e poético e estudos referentes à encenação e à
preparação do ator.

Otávio Cabral é ator, pós-doutor em Literatura pela UnB (Universidade de Brasília),


Doutor em Literatura Dramática pela Ufal (Universidade Federal de Alagoias); Professor
Adjunto do Curso de Teatro Licenciatura da UFAL; Coordenador do NEPED- Núcleo de
Estudo e Pesquisa das Expressões Dramáticas/CNPq/UFAL onde desenvolve atividades
nas áreas de Dramaturgia e História do Teatro.

Samara Rayra Cordeiro Viana é graduanda em Teatro pela Universidade Federal de


Alagoas, pesquisadora da Cultura Popular Alagoana.

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Este livro foi projetado pelo

NEPED- Núcleo de Estudo e Pesquisa das Expressões Dramáticas

Maceió, abril, 2021

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