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Sejam todos bem-vindos ao


I CONGRESSO DIGITAL DE CANNABIS MEDICINAL - CNABIS!

O CNABIS é um evento de caráter técnico-científico, realizado online entre 04 e 06 de


agosto de 2020. Destinado principalmente aos médicos e médicas, no entanto, aberto aos
acadêmicos, profissionais da saúde e público em geral. O objetivo mais amplo do evento é
oportunizar um espaço para o debate qualificado e apresentação de evidências científicas
e clínicas sobre as aplicações terapêuticas da cannabis pelas maiores referências mundiais
sobre cada tema abordado.

As inscrições para o evento foram iniciadas em 29 de junho de 2020 juntamente com o


envio de trabalhos a serem apresentados posteriormente ao evento em um Simpósio Online
para os ouvintes. Todos os inscritos gratuitamente no congresso, independente da categoria,
tiveram a oportunidade de assistir a 20 horas de conteúdo disponibilizado online. Para con-
templar as aulas foi necessário usar e-mail e senha de acesso.

ÍNDICE | DIA I - CNABIS 2020


Viviane Sedola
A cannabis medicinal no Brasil

Ivo Bucaresky
Anvisa e conselhos médicos: a regulação da cannabis no Brasil

Miriam Sanger
A história da cannabis

Lumír Ondřej Hanuš Ph.D


O sistema endocanabinoide e sua descoberta

Yoav Giladi
Controle de Qualidade: como identificar um produto de qualidade

Fabricio A Pamplona
Apresentações, vias de administração e farmacologia

Raphael Mechoulam Ph.D


Destaque: Maior referência mundial na pesquisa sobre cannabis

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Palestrante: Viviane Sedola é a liderança feminina de cannabis no Brasil e
fundadora da Dr. Cannabis, uma plataforma médica que oferece ferramentas tecnológicas
para promover o acesso à cannabis medicinal legal no Brasil. Em 2019, Viviane Sedola foi
homenageada pela revista High Times no evento Female 50 como uma das 50 mulheres
mais influentes do mercado de cannabis no mundo. Atua como CEO da plataforma
Dr. Cannabis, que possui mais de 3 mil médicos e 30 mil pacientes.

Resumo
A Dr. Cannabis foi criada no início de 2018 com o objetivo de combater um dos
maiores desafios que a cannabis enfrenta atualmente: a defasagem em relação às
informações sobre a planta. A consequência deste esforço em prol do conhecimento está
diretamente relacionado ao aumento no número de pessoas encontrando na cannabis uma
alternativa efetiva de tratamento.

São muitos os desafios encontrados no processo de informar a população e é


exatamente neste ponto que a tecnologia torna-se uma grande aliada. A Dr. Cannabis não
limitou-se ao desenvolvimento e curadoria de conteúdos qualificados. A empresa criou
ferramentas tecnológicas para garantir o cumprimento da legislação vigente através da
prescrição online, apresentou um market place com produtos à base de cannabis de
diferentes marcas, apresentações e concentrações; além de oferecer aos pacientes e
responsáveis, apoio e acolhimento em todas as etapas do processo de aquisição legal
destes produtos para tratamentos de saúde.

Relatos sobre filhos com autismo que olharam nos olhos de suas mães pela
primeira vez, pessoas que, após anos convivendo com tremor essencial, conseguiram realizar
atividades simples como assinar papéis ou tomar café em uma xícara, famílias inteiras que
passam a viver com mais qualidade por terem deixado para trás os dias em que as
convulsões infantis ocorriam centenas de vezes por semana, são apenas algumas das
consequências observadas por quem utiliza a cannabis medicinal com sucesso. Melhora na
dor, ansiedade, insônia, náuseas, vômitos e muitos outros sintomas também estão entre os
relatos dos pacientes em tratamento médico com cannabis.

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A Cannabis medicinal no Brasil É fundamental entender este contexto histórico da cannabis para compreender a
O uso da cannabis é milenar e já acumula milhares de estudos e evidências científicas, quantidade de médicos prescritores da planta em atuação hoje. O sistema endonabinoide
clínicas e anedóticas que comprovam sua segurança e seu potencial terapêutico. ainda não é uma disciplina de estudo nas faculdades de medicina. Então, conclui-se que
mesmo aqueles médicos que vão se formar depois de 2020 não terão essa bagagem
Apesar de haver uma regulação da Anvisa desde 2015 permitindo sua utilização de conhecimento oriundo da universidade. Fica mais entendível o fato de os médicos
para tratamentos de saúde, até 2018 foram registrados no Brasil apenas cerca de 3 mil atuantes no Brasil atualmente, não se sentirem confortáveis em prescrever a cannabis
pacientes se beneficiando legalmente das propriedades terapêuticas da cannabis. e seus derivados. Felizmente, as informações necessárias para que estes profissionais
possam iniciar a terapêutica canábica já estão disponíveis e a Dr. Cannabis é uma grande
Segundo o IBGE/2013, 45% da população brasileira convive com pelo menos uma aliada nesta jornada.
doença crônica não transmissível. A atual literatura sobre cannabis sustenta que ela pode
ser uma alternativa para proporcionar mais saúde e qualidade de vida a esta grande A empresa conta com mais de 30 mil pacientes cadastrados, mais de 3 mil médicos
parcela da população. De acordo com esses dados, em 2018 menos de 0,001% dos e uma equipe pronta para dar suporte e acolhimento a ambos os públicos que tenham
pacientes que poderiam se beneficiar em diferentes níveis do uso terapêutico e/ou interesse em acessar e/ou prescrever legalmente produtos à base de cannabis.
compassivo da cannabis estavam tendo, de fato, acesso a ele.
Em 2020, a Dr. Cannabis criou o I Congresso Digital de Cannabis Medicinal - CNABIS,
Para além dos números, estas informações representam histórias de vida de evento online de caráter técnico-científico com uma trilha de conhecimento que visa a dar
pessoas e famílias inteiras que poderiam mudar para melhor. Isto porque as dores e doenças autonomia para o médico e oferecer informações capazes de amparar a prática clínica.
crônicas vêm respondendo positivamente aos tratamentos com cannabis medicinal.
Quadros de ansiedade, insônia, epilepsia, autismo, dor crônica, doenças Os médicos que prescrevem atualmente são pioneiros e buscaram ativamente este
neurodegenerativas, câncer, e uma lista longa de outras patologias apresentam indicação conhecimento, principalmente fora do país. O CNABIS oferece aos colegas de profissão
de uso. a oportunidade de aprenderem sobre a aplicação terapêutica da cannabis onde quer que
estejam para que possam se juntar ao time de profissionais pioneiros em prescrição de
cannabis.
“O CBD mudou a minha vida!”
Melissa Sayon, paciente com tremor essencial cadastrada na Dr. Cannabis A procura dos pacientes por tratamentos à base de cannabis cresce diariamente e é
maior do que a demanda de médicos pode suprir.
E é exatamente neste ponto que outro grande desafio no acesso à cannabis para uso
médico é apresentado: a legislação vigente exige a prescrição médica para tratamentos Viviane Sedola fez a curadoria do CNABIS e encontrou as maiores autoridades em
com derivados da cannabis, no entanto, apenas 0,2% dos médicos brasileiros prescrevem cada tema para compartilharem as evidências científicas e clínicas que vão apoiar os
atualmente. Ou seja, uma alternativa de tratamento multifacetada, segura, que possui médicos em sua jornada de conhecimento sobre a cannabis como ferramenta terapêutica.
regulação no Brasil e que poderia beneficiar quase metade da população brasileira, mas
há apenas algo em torno de mil médicos para atender a esta demanda. Como reconhecimento do seu trabalho, Viviane Sedola foi eleita uma das 50
mulheres mais influentes do mercado da cannabis no mundo, pela publicação pela
Contexto histórico da prescrição de cannabis High Times Magazine. Sendo a única latino-americana presente na lista. Essa projeção
Historiadores encontraram indícios de que a cannabis foi uma das primeiras plantas apresenta o trabalho bem desenvolvido e dedicado em torno da cannabis medicinal no
domesticadas pelo homem e servia para os mais diversos fins: religioso, têxtil, alimentar, e Brasil que vem sendo desempenhado pela empresária e coloca o país no mapa mundial
claro, o medicinal. Apesar disso, somente há 50 anos aprofundamos o entendimento que do mercado canábico.
temos sobre a cannabis e seus mecanismos de ação, pois apenas neste período o tema
foi estudado de forma minuciosa e nos apresentou dados ricos sobre a farmacologia da Ao decorrer das próximas páginas você será apresentado ao resultado do trabalho
planta e informações inéditas sobre o corpo humano. desempenhado por Viviane Sedola e sua equipe durante este evento pioneiro. Além de
ampliar os seus conhecimentos sobre o uso medicinal da cannabis e as evidências que o
Como consequência da pesquisa sobre cannabis, um sistema inteiro foi descoberto: sustentam.
o sistema endocanabinoide. Batizado, inclusive, em homenagem à planta que levou à
sua descoberta. Este sistema se comunica com todos os outros sistemas do organismo,
incluindo os sistemas imunológico e digestivo. E é através dele que o organismo se
mantém em equilíbrio.

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Muito prazer, CBD.
Pacificool ® é uma marca vinda do ensolarado estado da
Califórnia, pioneiro no cultivo e na evolução de produtos
à base de CBD vindos do Cânhamo. Saiba mais acessando
nosso site ou visitando nossa conta no Instagram.
Palestrante: Ivo Bucaresky é economista, foi secretário-executivo da CMED -
Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e diretor da Anvisa -
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, tendo sido um dos responsáveis pelas primeiras
iniciativas da Anvisa no reconhecimento e regramento da Cannabis Medicinal. Desde de
2017 dirige a Orplavi Consultoria, empresa especializada em consultoria nas áreas de
inteligência regulatória e economia da saúde. Tendo inclusive trabalhado com empresas
da área de cannabis medicinal. Consultor em regulação sanitária, inteligência regulatória
e economia da saúde.

Resumo
A Anvisa - Agência Nacional Sanitária é o órgão responsável por avaliar a regulação,
o registro e as regras sobre medicamentos de uso excepcional no Brasil. Isso inclui a
criação e fiscalização das regras que implicam no acesso à cannabis medicinal no
país. Tanto os médicos prescritores quanto os pacientes estão sujeitos às normas da
Agência. Para a cannabis medicinal há características específicas, porém são apresentados
diferentes usos e benefícios para diversas patologias no Brasil e no mundo. Será
apresentado um breve histórico sobre a evolução regulação da cannabis medicinal no país
feita pela Anvisa, a regulação dos usos medicinais da cannabis no Brasil, o uso compassivo,
regras de registro de medicamentos tradicionais, fitoterápicos e produtos de cannabis,
os impactos das Resoluções da Diretoria Colegiada (RDCs) da Anvisa sobre o uso da
cannabis medicinal: RDC 17/2015; RDC 327/2019 e RDC 335/2020.

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Registro tradicionais: fitoterápicos e medicamentos convencionai O primeiro motivo é que as pesquisas são caras, um investimento que os laboratórios
e o mercado só fazem para medicamentos patenteados, que não é o caso da cannabis.
O segundo motivo é que já foi apresentado um grande conhecimento sobre a planta.

Por exemplo, ao discutir sobre um medicamento é sempre reiterada a eficácia e a


segurança. A questão da segurança e os usos da cannabis para fins médicos são
muito bem conhecidos mundialmente, pois foram centenas de milhões de pessoas que a
utilizaram e utilizam. De acordo com as três fases de estudos pré-clínicos realizadas para
analisar os registros de medicamentos tradicionais, pode-se observar que as etapas 1 e
Assim como existem métodos de registros de medicamentos convencionais, 2, nas quais são apresentados e registrados os riscos e as eficácias, já aconteceram na
sintéticos ou biológicos desenvolvidos pela Indústria Farmacêutica ou pelas vida das pessoas.
universidades, há também para os fitoterápicos. Há uma série de estudos antes da
disponibilização destes produtos em farmácias ou em hospitais para o consumo da A humanidade, ao longo de centenas de anos, tem registrado os usos da cannabis,
população. tanto medicinal quanto recreativo. Na prática, a cannabis medicinal já está sendo utilizada
nas fases 3 e 4 (estudos e aplicação em humanos e distribuição para uso), uma vez que
Os fitoterápicos tradicionais são plantas utilizadas para usos medicamentosos de existem centenas de milhares de pessoas no mundo inteiro se tratando com a planta e
conhecimento popular usadas há muito tempo. Para estes usos, não são seus extratos, para diversas patologias.
apresentadas as pesquisas clínicas tradicionais que costumam ser realizadas para o
registro de medicamento. Porém, existe o conhecimento sobre seus usos, quais são os Em tese, ao considerar estes fatos, seria facilitada a forma como as agências
riscos e eficácias, e existem regras específicas para os registros de fitoterápicos de uso reguladoras poderiam registrar a cannabis como medicamento, porém ela está inserida
tradicional, ou seja, eles passam por diferentes e específicos métodos de análise até em uma excepcionalidade.
receberem o registro.
Patologias tratadas com cannabis
Os medicamentos convencionais passam por análises que podem durar entre 10 O mundo está criando regras específicas para a cannabis, pois existe uma situação
e 20 anos, desde as fases de estudos clínicos até os registros feitos pelas agências que difere a planta de outros medicamentos: ela não é curativa, mas é paliativa para
reguladoras no mundo inteiro. Estes medicamentos são submetidos a três fases diferentes patologias. É possível tratar não só epilepsia refratária infantil, bem como
pré-clínicas: a fase 1, de Estudos Clínicos; depois, na fase 2, são direcionados aos a maioria das epilepsias. A cannabis também ajuda a controlar todos os tremores
estudos em seres humanos; na fase 3, os medicamentos são registrados e, por fim, a involuntários, como Parkinson e outras doenças que geram estes sintomas.
fase 4, que é a disponibilização a farmácias e hospitais.
A planta e seus extratos têm demonstrado resultados para a dor crônica, pois con-
A cannabis não é classificada como uma planta fitoterápica ou como medicamento da segue controlar as dores reduzindo ou evitando o consumo de opióides. Fora do Brasil,
farmacologia tradicional, portanto, não se enquadra em nenhuma das regras de estudo, a cannabis também é usada como redutora de danos destes medicamentos, conside-
regulação, registro e disponibilização para uso. rados substâncias viciantes, e que têm sido substituídos por ela. Há também os usos
oncológicos, para aliviar os efeitos da quimioterapia, como os enjoos e a ansiedade,
O debate para regulação da cannabis melhorar o apetite, auxiliar no sono, ou seja, há muitos potenciais terapêuticos.
Ao longo do tempo, acompanhando o que estava acontecendo no mundo e como
deveria ou poderia ser feita a regulação da cannabis, a Anvisa tomou algumas medidas Além dessas características, a cannabis oferece menos riscos e efeitos colaterais e
em relação ao uso no Brasil. A cannabis está em uma situação específica, porque há demonstra maior eficácia, pois é um produto multifacetado. Ao mesmo tempo, cria-se
a questão do consumo adulto ao mesmo tempo em que não é possível ser feita uma uma dificuldade para saber quais são as dosagens e formas de administração para cada
pesquisa clínica pelos processos tradicionais. patologia.

Inclusive, em relação às patologias deve haver uma discussão entre as agências


reguladoras e os fabricantes sobre a eficácia e a segurança dos produtos, as quantidades

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de canabinoides, as indicações de uso, as patologias para as quais poderá ser utilizada e Ao mesmo tempo, neste período, a Anvisa identificou que em vários lugares do
as interações medicamentosas. Esses são alguns desafios nas pesquisas internacionais mundo o uso medicinal da cannabis era considerado legal. Além disso, foram
e que não consolidaram totalmente os padrões tradicionais exigidos para a indústria de encontrados inúmeros estudos e textos produzidos em décadas anteriores, que
medicamentos. começaram principalmente em Israel, provando que o uso da cannabis medicinal
É devido a essas questões que em todo o mundo há regulações específicas para a resultava positivamente em outras patologias e não apenas em pacientes com epilepsia
cannabis. A Anvisa seguiu os mesmos passos e criou uma nova categoria de Autorização infantil.
Sanitária para permitir que se possa ter produtos de cannabis nas farmácias brasileiras.
Não se trata de um registro, mas de uma flexibilização nas regras para permitir o acesso
aos tratamentos canábicos a quem precisa. REGRAS PARA A CANNABIS EM ALGUNS LUGARES DO MUNDO

Brasil: A história da regulação do medicamento de cannabis na Anvisa


Para registrar ou regular um medicamento no Brasil existem regras. Esse proces-
so costuma surgir a partir de alguma mudança mundial ou de alguma pressão dos
setores regulados que desejam melhorias diversas. Há também outros envolvidos como o
Ministério da Saúde, o Governo Federal e as sociedades médicas ou outras sociedades
da área de saúde.

Surge, então, uma análise interna na Anvisa para avaliar cada caso e a cannabis
foi o único em que a pressão foi impulsionada pela sociedade e levada para a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária.

Em 2013, algumas famílias brasileiras cujo os filhos apresentavam quadros de


FONTE: Reprodução do palestrante
epilepsia refratária infantil descobriram que a cannabis oferecia bons resultados para a
doença e começaram a utilizar os óleos da planta para o tratamento destes pacientes. Os
medicamentos eram importados por conta própria até que, em um determinado momento, EUROPA COLÔMBIA URUGUAI
a Anvisa identificou e bloqueou uma destas importações. Permite o uso medicinal da Permite o uso medicinal da Permite o uso medicinal e re-
cannabis em praticamente cannabis e plantio para fins creativo além do plantio para
todo o continente europeu medicinais uso medicinal
Apesar de algumas agências reguladoras em todo o mundo terem feito regulações CANADÁ AUSTRÁLIA, JAPÃO,
ISRAEL, ARGENTINA E CHILE
ESTADOS UNIDOS
específicas destes medicamentos, o assunto não tinha sido colocado diretamente nas Criou uma regra própria e Permite o uso medicinal da Libera o uso da cannabis
agendas internacionais e, até então, a cannabis para o uso medicinal não estava no permite o uso medicinal e o cannabis medicinal como alimento su-
uso recreativo da cannabis plementar e permite o plantio
radar da agência brasileira. Não havia nada que identificasse a necessidade desse tipo de para uso medicinal
regulação no Brasil e essa movimentação surpreendeu a Anvisa.
Ainda em 2014, aconteceu uma reunião entre a Anvisa, a Comissão de Assuntos
Quando o assunto surgiu, as famílias apresentaram argumentos muito bem Sociais e a Comissão de Saúde no Congresso Nacional em que, praticamente, todos
elaborados que pressionaram o Governo Federal e a Anvisa a tomarem decisões a os parlamentares e correntes políticas das mais conservadoras às mais progressistas, e
respeito do uso médico da cannabis. Uma das questões é que - apesar de ser uma planta todos os partidos políticos, foram favoráveis à regulação do uso da cannabis medicinal.
conhecida pela humanidade há milhares de anos e ser utilizada de diversas formas por várias
sociedades - a cannabis (popularmente conhecida como maconha) é acompanhada Uso compassivo da cannabis medicinal
pelo estigma de seu uso recreativo, a proibição e a criminalização. Este posicionamento O uso compassivo acontece quando um determinado medicamento não está
influenciou o debate. Os setores mais conservadores da sociedade afirmaram que o registrado na Anvisa, mas apresenta registros em outros países do mundo. São diferentes
uso medicinal da cannabis era uma forma disfarçada do uso recreativo, ou seja, a pressão motivos que levam a Anvisa a não registrar um medicamento: a indústria farmacêutica
era uma estratégia para tentar legalizar o uso adulto da planta. (proprietários ou patentes) não solicitou o registro no Brasil; o medicamento está em
análise pela Anvisa; e/ou a Anvisa decidiu não registrar aquele medicamento por inúmeros
motivos.

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Foi uma decisão que melhorou o acesso em comparação ao período em que não
O uso compassivo acontece porque o médico prescritor ou o médico assistente do existiam regras. Mesmo assim, há casos que dificultaram o acesso dos pacientes ao
paciente acredita que determinado medicamento, mesmo sem o registro no Brasil, é muito tratamento, pois todo o processo - desde solicitar a autorização da Anvisa, seguido pela
importante para tratar tal diagnóstico. Então, é solicitada uma autorização específica da etapa de importação - chegou-se a uma espera de 70 a 80 dias.
Anvisa para importar o medicamento único, para o uso específico deste paciente. Esta é
a característica do uso compassivo que é diferente, por exemplo, de usos para pesquisas Embora com alguns desafios, a RDC17/2015 possibilitou a mais pessoas terem este
de produtos ainda não registrados no Brasil. tratamento e permitiu que os médicos prescrevessem produtos de cannabis para os
seus pacientes. O Conselho Federal de Medicina, inicialmente, criou regulações que
RDC17/2015: a permissão de uso compassivo da cannabis medicinal limitavam as possibilidades de quem poderia prescrever e a Anvisa precisou adotar um
método que, em muitos casos, precisava de uma autorização excepcional da diretoria da
“Define os critérios e os procedimentos para a importação, em caráter de excepcionalidade, de agência para que houvesse a prescrição. Essa análise acontecia caso a caso.
produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso
próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde”. Ainda há muito preconceito e dificuldade de acesso devido à falta de informação
e contínuas pressões de setores que querem limitar o acesso aos diversos usos da
Empresas no mundo inteiro estavam em busca da certificação da cannabis e muitas cannabis como medicamento. Mas em cinco anos, a partir da RDC17/2015, o mercado
já estavam produzindo medicamentos com extratos da planta no exterior e elaborando evoluiu, os pacientes e os médicos continuamente aprendem como utilizar os produtos
pesquisas clínicas e dossiês. A avaliação era de que cerca de um ou dois anos após a à base de cannabis, assim como a Anvisa tem entendido o que e como deve facilitar o
aprovação das regras mundiais seria possível solicitar registros também no Brasil. Assim, acesso a este tratamento.
os medicamentos seriam comercializados nas farmácias e disponibilizados para o uso
hospitalar. Não foi o que aconteceu.
“Hoje já são mais de 12 mil autorizações emitidas pela Anvisa e,
A cannabis se enquadra em uma situação muito específica e as agências sanitárias provavelmente, de 8 mil a 10 mil brasileiros estão fazendo uso
do país e do mundo criam regras particulares para permitir que os medicamentos com de medicamentos de cannabis com autorização da agência.”
extratos da planta sejam comercializados em seus países. Além disso ainda não existem
pesquisas clínicas consolidadas de maneira tradicional. RDC 327/2019 - A Autorização Sanitária para produtos de cannabis no Brasil

No Brasil, houve apenas um único caso de registro de medicamento à base de “Dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a
cannabis pela Anvisa. Este medicamento não apresenta usos tão amplos referentes a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a
todas as possibilidades que as patologias tratadas pela cannabis permitem, além de dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá
preços mais altos. Essa permissão aconteceu sem seguir as regras tradicionais para outras providências”
registro de medicamentos, tanto no Brasil quanto no exterior.
Diante de tantos desafios, dentre o que foi avaliado anteriormente e o não registro
Para garantir e facilitar o acesso à cannabis medicinal para os brasileiros, em 2015 foi de medicamentos a base de cannabis no Brasil, que facilitariam o acesso por parte da
aprovada a RDC17. A Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa faz referência ao uso população e que permitiria a venda nas farmácias, a Anvisa iniciou uma análise para
compassivo de produtos à base de cannabis, seguindo uma regra específica no país, até criar outra RDC.
porque a cannabis não tinha registro como medicamento em nenhum lugar do mundo
naquele momento. Ao final de 2019, foi comunicada a RDC327, em que consta a categoria de
Autorização Sanitária para produtos de cannabis no Brasil. Essa autorização está
Com essa resolução surgiu a possibilidade de permissão aos pacientes que fizessem o a um nível abaixo e não é equivalente a um registro tradicional, mas permite que
pedido de autorização da Anvisa e pudessem importar os produtos de cannabis do exterior produtos de cannabis entrem no Brasil. Eles recebem a classificação de produtos e não de
para seus próprios usos, a partir da prescrição médica. A autorização possuía 12 meses medicamentos e essa diferenciação acontece porque a Anvisa flexibilizou algumas
de validade e facilitou o acesso à cannabis medicinal, mesmo em um processo demorado regras de uso:
e caro, pois a importação de poucas unidades aumenta o custo do produto.

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1. Produto ou medicamento. As regras foram apresentadas para a entrada dos produtos no país e os
Como não será registrado como medicamento, este produto não poderá definir em prescritores não devem se sentir inseguros com as determinações da Anvisa em relação
sua propaganda ou em sua embalagem, que é um medicamento ou que tem ação às prescrições médicas. Na prática, a agência está permitindo que exista o produto em
medicamentosa. Ele não terá uma bula oficial, mas deverá conter um folheto informativo farmácias e hospitais, e todos os usos dos produtos de cannabis são equivalentes aos
sobre como é produzido e as possibilidades de uso. O médico prescritor é quem terá a usos de produtos off-label.
tarefa de definir qual tipo de formulação servirá ou não para o paciente e se ele precisa
deste tratamento. Produtos nas farmácias brasileiras
Uma das condições apresentadas na RDC335/2020 é a de que tanto médico
2. Apresentação do Certificado de Boas Práticas de Fabricação - CBPF. quanto paciente deverão preencher e assinar um termo de consentimento. Neste
Tradicionalmente, a Anvisa não aceita este documento em inglês ou elaborado documento é esclarecido que o produto ainda não passou por todas as exigências
por outras agências reguladoras. Para que a fábrica receba essa licença no Brasil, tradicionais para o registro de medicamentos na Anvisa e que, teoricamente, não
haverá a inspeção técnica feita por uma equipe da Anvisa, que avaliará se os processos apresenta todas as seguranças reconhecidas e exigidas, mas que o paciente, de livre
produtivos daquela fábrica seguem os padrões farmacêuticos que garantam a qualidade e espontânea vontade, concorda com que o médico receite aquele produto à base de
do que é produzido. Após a análise, será emitido o CBPF. A Anvisa é considerada como cannabis.
uma das agências sanitárias mais rígidas no mundo para assinar uma licença de CBPF.
Caso uma fábrica tenha um CBPF assinado na Europa, não significa que terá da Anvisa, Um fator importante é que a cannabis foi classificada assim como os produtos de tarja
porém se esse fabricante obtiver uma licença da Anvisa, provavelmente, o documento preta, que terão a necessidade de uma receita ou do tipo A ou do tipo B. Aqueles que
será aceito por qualquer lugar do mundo. forem produzidos com mais de 0,2% de THC terão receitas do Tipo A, enquanto os que
apresentarem menos de 0,2% de THC terão receitas do Tipo B. A farmácia deverá ter o
3. Produtos autorizados em seu país de origem. controle da prescrição médica, apresentada necessariamente no momento da compra e
A Anvisa está permitindo a entrada de produtos autorizados no exterior desde uma das cópias deste documento ficará retida pelo farmacêutico.
que continuem a ser apresentados estudos principalmente referentes a estabilidade.
Segundo a RDC327/2019, no pedido de Autorização Sanitária, a Anvisa irá analisar a RDC 335/2020 - Atualização e evolução da RDC17/2015 sobre uso compassivo de
apresentação de dossiês clínicos finalizados, ou seja, aqueles em que estejam nas fases cannabis medicinal
1, 2 e 3, tradicionais para os outros medicamentos. É necessário ter uma autorização do
país de origem, além de uma bibliografia que justifique os usos daquela formulação, seja “Define os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por
na quantidade de CBD ou de THC, e permanece a exigência de vários outros estudos, pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para
assim como acontece para os medicamentos tradicionais. tratamento de saúde”

4. Estudos de estabilidade como os apresentados para fitoterápicos. A RDC335/2020 evoluiu e aperfeiçoou as normas da RDC17/2015 para manter e
Os produtos de cannabis continuam seguindo as RDCs que abordam os fitoterápicos, facilitar o uso compassivo. Enquanto não houver produtos comercializados nas
os fitofármacos e os derivados vegetais, principalmente no que diz respeito aos estudo farmácias, permanecerá este modelo de uso da cannabis medicinal que deverá valer por
de estabilidade que garantem a qualidade do produto e que eles serão produzidos de muito tempo.
forma padronizada. A qualidade do produto é garantida quando, ao adquirir um lote do
produto hoje, o lote produzido daqui a alguns meses é equivalente em todos os fatores. A mais recente RDC simplificou as limitações nas quantidades de THC e CBD
Estes estudos de estabilidade são essenciais, uma vez que essa regra da Anvisa é que existiam. Portanto, se algum produto, versão ou forma farmacêutica, ou alguma
embasada nas possibilidades de produção de medicamentos à base de cannabis como formulação específica, com mais THC, por exemplo, ou com CBD, não estiver disponível
um medicamento fitoterápico. nas farmácias brasileiras, os médicos podem continuar prescrevendo o uso compassivo
e os pacientes mantém o processo de importação deste produto. Além disso, mesmo que
5. Formas de administração dos produtos. haja uma versão equivalente nas farmácias, mas o paciente estiver fazendo uso de um
Uma regra importante definida pela Anvisa é a de que só estarão disponíveis as produto específico, já esteja adaptado a ele e deseja continuar utilizando-o, mantem-se a
autorizações sanitárias de produtos para usos orais e nasais. Outras versões como importação pelo modelo do uso compassivo.
cremes, vaporizadores, supositórios ainda não serão fruto de autorização sanitária no
Brasil.

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CONCLUSÃO
Uma diferença na nova regra do uso compassivo é a de que as prescrições e Este processo de regulação da cannabis é diferente e está em evolução em todo o
autorizações são válidas por 24 meses e não apenas para 12 meses. Isso facilitou a mundo. Está sendo avaliada a permissão do uso de medicamentos da cannabis com
possibilidade de importação via planos de saúde, hospitais e associações de pacientes. algumas diferenças de se haverá e como será a autorização. Porém, é uma decisão
Outro ponto importante é que, enquanto o produto ainda não estiver registrado no Brasil, importante por se tratar de um medicamento bastante seguro, com eficácia em muitas
ele não será submetido ao controle de preço. Assim, indústrias, importadores e farmácias patologia e com amplos usos.
podem praticar valores que definirem.
É importante ressaltar que existe um produto com Autorização Sanitária da Anvisa nas
Para tornar o preço mais acessível dependerá de alguns fatores: pressão dos farmácias brasileiras. Avalia-se que no primeiro semestre de 2021 existirão vários outros
pacientes e dos prescritores para que não haja abuso; aumento no número de opções sendo comercializados, em opções tanto para os diversos usos e patologias, quanto em
de produtos existentes; maior número de autorizações indicando empresas diferentes. diferenciação de custo e qualidade. Com as opções que surgirão no mercado, o médico
Ou seja, aumenta-se a possibilidade de preços competitivos quando existirem outros vai ter maior liberdade ao prescrever.
produtos que forem genéricos dessa mesma prescrição, com vários laboratórios.
Para os médicos será importante que congressos como o CNABIS e outros eventos
Sendo classificado como produto genérico, não poderá haver marcas em sua de educação continuada sejam realizados para ampliar o conhecimento profissional, e
embalagem e será informado apenas o nome do laboratório que o produziu. Cada oferecer mais robustez para a indicação segura do uso da cannabis medicinal.
produto deverá conter a informação de formulação, quantos miligramas e qual a
porcentagem de THC ou CBD. Os médicos devem eliminar o preconceito contra a cannabis, além de ter segurança para
prescrever. A sociedade não deve se contaminar com as questões do debate da maconha
Os médicos farão a prescrição e, com o tempo, será definido quais os tipos de de uso recreativo, pois há o uso medicamentoso da cannabis. Apesar de, ainda, não se
produtos à base de cannabis serão produzidos. As diversas formulações serão ter finalizados todos os estudos químicos seguindo a metodologia tradicional, não quer
diferenciadas para cada uso, indivíduo e patologia. O ideal é que se tenha variedade dizer que o uso seja errado, pois há muitos medicamentos antigos que não passaram por
disponível no mercado para que exista amplo uso do produto. este processo e são utilizados até hoje. E não são apenas os fitoterápicos. Há também
muitos medicamentos sintéticos dos quais são conhecidas a eficácia e a segurança.
Neste sentido, papel do médico será ainda mais importante, pois uma medida
relevante e comunicada na RDC335/2020 é a de que somente os médicos poderão Para garantir a qualidade e ter um controle mais rígido, a Anvisa está criando um
prescrever. Por exemplo, não poderá ter prescrição de veterinários ou dentistas, somente modelo de fiscalização específico sobre estes produtos e fazendo análises para assinar as
os profissionais registrados no Conselho de Medicina estarão autorizados prescrever. Autorizações Sanitárias. Apesar de a regra ter sido flexibilizada na RDC327/2019, ela
É papel do médico entender a importância do uso de canabinoides, mais do que em foi feita com o bom senso e o rigor necessários para garantir a segurança e a qualidade
qualquer outro profissional. tanto para os médicos quanto para os pacientes. Portanto, serão disponibilizados
produtos bastante controlados e seguros.
Assim, a segurança será muito maior para médicos e pacientes. Como não haverá
uma bula da Anvisa ou um modelo padrão para ser seguido, o médico deverá ter uma A mensagem aos prescritores, pacientes e interessados na temática da cannabis
educação médica fortalecida para entender os diversos usos possíveis, quais são as medicinal é a de que o Brasil está evoluindo, não na velocidade desejada, mas há
melhores formulações, se a indicação é de líquidos ou cápsulas, se o tratamento será por continuidade da evolução sobre a possibilidade do uso da cannabis medicinal no país
versão oral ou nasal, qual é a melhor miligramagem, a relação e associação de CBD e e vale a pena continuar acompanhando e estudando. A cannabis tem múltiplos e bons
THC, entre outros aspectos. usos para melhorar a qualidade e até mesmo o tempo de vida dos pacientes.

18 19
REFERÊNCIAS
RDC 327/2019 - A Autorização Sanitária para produtos de cannabis no Brasil
Consultado em agosto/2020

RDC 335/2020 - Atualização e evolução da RDC17/2015 sobre uso compassivo de


cannabis medicinal
Consultado em agosto/2020

RDC17/2015: a permissão de uso compassivo da cannabis medicinal


Consultado em agosto/2020

20 21
Para melhor compreensão, a história da cannabis pode ser dividida em cinco etapas:
1. Cannabis nas Idade Antiga e Média
2. Cannabis na idade contemporânea
3. A guerra contra a cannabis
4. Anos de “pós guerra”: a redescoberta da Cannabis
5. Cientistas, pesquisadores e o ressurgimento da cannabis medicinal
6. Onda de legalizações

Cannabis nas Idades Antiga e Média


A Cannabis nas Idades Antiga e Média está presente desde o oitavo milênio antes de
Cristo. Foram encontrados revestimentos indicando que o primeiro uso da planta pela
humanidade foi como fibra e para fins religiosos. Só depois ela passou a ser utilizada
como medicamento e como alimento.
Palestrante: Jornalista especializada em cannabis, escreve sobre cannabis desde 2017 e é
Diretora de Conteúdo do site Cannigma Brasil. Residente em Israel desde 2012.
Em escavações arqueológicas, são encontradas fibras de cânhamo dentro de
Resumo 8.000 a.C vasos de cerâmica, atribuídos à cultura Mesopotâmia (os atuais Iraque e Irã).
Devido a descobertas arqueológicas, a cannabis é conhecida como uma das primeiras É possível concluir que a planta crescia naturalmente naquela região.
plantas cultivadas pela humanidade há, pelo menos, 8.000 anos. A cannabis se apresenta
nas Idades Antiga e Média, desde a sua presença na China até a sua chegada na Europa. Na
Idade Contemporânea, ela se popularizou pela Europa e também pelas Américas, quando, 5.000 a.C. Surgem evidências de cultivo na China e onde se deu, também, o primeiro registro
nos EUA foi deflagrada uma guerra contra a planta. Anos depois, acontece a redescoberta da da sua utilização como medicamento.
cannabis, especialmente das suas propriedades terapêuticas, que tem beneficiado centenas
de milhares de pessoas em todo o mundo. No entanto, vale destacar que os estudos sobre os
potenciais da planta e indicações de uso ainda estão em seu início. Não apenas as folhas e flores eram utilizadas para produção de medicamentos,
4.000 a.C. mas também as suas sementes, consideradas um dos 5 grãos sagrados na China.

História da cannabis
Sob o reinado do imperador Shen-Nung, ainda na China, é criado o mundialmente
A cannabis sempre acompanhou a humanidade e foi uma das primeiras plantas a 2.737 a.C. conhecido chá. A ele se atribui a utilização pioneira da cannabis como medicamento
serem cultivadas, há milhares de anos. Existem mais de mil espécies de cannabis e na forma de infusão e a planta era indicada para mais de cem enfermidades.
personagens históricos importantes consumiram a planta com diferentes motivações: William
Shakespeare, em busca de inspiração; também na Inglaterra, a rainha Victoria usou para
combater dores menstruais; Abraham Lincoln, como relaxante, entre outros. A cannabis é descrita como “fonte de felicidade” e “planta libertadora” nos Atharva
2.000 -
Vedas (textos religiosos hindus) e mencionada na literatura indiana por seus efeitos
1.000 a.C.
ansiolíticos, além de ser usada para o tratamento de epilepsia, raiva e bronquite.
A cannabis também aparece na literatura há séculos, como no caso da obra Mil e Uma
Noites. Há muitos outros fatos interessantes sobre a cannabis e seria possível publicar um
grande compilado apenas sobre esse tema. A planta chegou ao Brasil na época do Brasil
Colônia, trazida pelos escravos africanos. 1.550 a.C. A planta é citada em papiros egípcios como tratamento contra inflamação.

“Apesar de ser o composto psicoativo mais utilizado no planeta 600 a.C. Corda de cânhamo é encontrada na Rússia
durante a história humana, não há um único registro de overdose
e esse é um fato importante a citar.”

22 23
Os assírios também usaram a cannabis e, a partir desse momento, Cannabis na Europa e nas Américas
a planta seguiu seu trajeto em direção à Rússia Moderna. A planta
450 a.C.
também despertou interesse nos gregos. Há registros de uso para o
tratamento de dores de dente e dores do parto.
A cannabis foi inserida e espalhada pela Europa sendo usada como
matéria-prima para as embarcações, com a confecção de cordas e
1.500
tecidos de cânhamo. Além disso, passa a ser usada como medicamento
psicotrópico.
Os ingleses a utilizaram para a produção de cordas e tecidos. Por
séculos, a Inglaterra, considerada uma grande produtora têxtil, adotou
100 a.C. o cânhamo para a produção de vestimentas. Há estudos que afirmam, O Rei da Inglaterra Henry VIII (1491-1547) obrigou fazendeiros a
inclusive, que cerca de 80% dos tecidos fabricados na idade média 1.533 cultivarem o cânhamo, destacando importância econômica da planta.
até os anos 1920 foram produzidos a partir do cânhamo.

“Provavelmente deve-se aos negros escravos a penetração da diamba


1.549 no Brasil; prova-o até certo ponto a sua denominação fumo d’Angola”,
Em Jerusalém, registrou-se o uso de cannabis para amenizar as (J. Lucena, pesquisador, 1934).
dores do parto. A cannabis se espalhou pela Europa e ganhou um
500 d.C novo papel importante como matéria-prima para a produção de papel
- inclusive para a impressão de bíblias. Sua ação como medicamento
se mantém e entre os mouros era usada contra a epilepsia. Surgiu a primeira lei norte-americana que fazia referência à cannabis e
1.600 obrigava o seu cultivo na Virgínia. Em seguida, outros estados aderiram à
mesma lei.

Ibn Sīnā, conhecido como Avicenna, importante médico persa


e grande influenciador da medicina ocidental, registrou em um No Século XIX, William O’Shaughnessy, médico irlandês que vivia na
tratado a eficácia da cannabis no tratamento de gota, edemas, feridas Índia, embasado em seus próprios estudos e evidências clínicas, publicou
1.025 1.843
infecciosas e dores de cabeça. A partir da documentação de várias um artigo e selou a inclusão da cannabis como medicamento na medicina
formas de utilização da planta, ela começa a fazer parte do arsenal ocidental.
terapêutico europeu.

Evidências apontam que a cannabis chega à África,oriunda do Egito;


Outros fatos sobre a cannabis na Europa e Américas
1.300 • Acredita-se que a cannabis chegou à França por soldados franceses que
usada para tratar a malária, asma, febre e disenteria
regressavam do Egito e levavam consigo não só as relíquias roubadas, como
também o haxixe.
Outros fatos sobre a cannabis nas Idades Antiga e Média. • O haxixe foi largamente consumido nos países de cultura islâmica em séculos
• China se tornou o país que há mais tempo cultiva a anteriores, provavelmente, pelo fato de que entre os muçulmanos é proibido o
cannabis ininterruptamente. São mais de 6 mil anos! De lá, consumo de álcool.
a cannabis conquistou a Ásia. • Há registros de que os espanhóis a utilizavam como psicotrópico, o que não era
• Os indianos a utilizaram tanto com a finalidade religiosa uma novidade, pois os egípcios já faziam uso com este mesmo fim.
quanto para fins medicinais para tratar males em que hoje • O cânhamo é três vezes mais forte do que o algodão e também é resistente à
é aplicado o uso terapêutico da cannabis, como a epilepsia água. Sendo assim, é identificado e atestada a motivação para que, usando a
e a ansiedade fibra do cânhamo, fossem fabricadas velas e de cordas das grandes
• Enquanto os indianos descobriam os benefícios da embarcações de países como Portugal e Espanha, que desbravaram os mares.
cannabis, o mesmo acontecia aos egípcios e sua utilização • Quando a colônia inglesa chegou nas Américas, a cannabis se tornou um
foi registrada em papiros e também na imagem de Sechat produto de plantio obrigatório em estados norte-americanos, como a Califórnia,
- deusa social da escrita, astronomia, da arquitetura - que Massachusetts e Virgínia, entre outros.
aparece frequentemente retratada sendo iluminada por • Curiosidade: todas as calças Levi’s, um dos mais fortes símbolos da Indústria
uma folha de cannabis. FONTE: Reprodução do palestrante Têxtil americana, eram produzidas com a cannabis.

24 25
Agricultor Norte Americano
Outros fatos sobre a cannabis no Brasil Agricultor americano em frente à uma plantação de cânhamo, identificada como da
• Surge entre os escravos o termo “maconha”, que significa tabaco no dialeto angolano. espécie Cannabis Indica, devido à altura das plantas (maiores do que 1m60).
• A única proibição da utilização da cannabis entre os escravos era durante o trabalho, uma
vez que o consumo da planta, segundo relatos da época, tornava-os preguiçosos. Foi por
meio dos escravos africanos que os índios brasileiros conheceram a cannabis e começaram
a plantá-la.
• É possível observar que a palavra maconha é um anagrama da palavra cânhamo.

FONTE: Reprodução do palestrante

Cannabis na Idade Contemporânea

FONTE: Reprodução do palestrante


Séc. XIX O psiquiatra francês Jacques-Joseph Moreau apresenta estudos sobre
redução de enxaquecas, aumento do apetite, indução do sono.

Cannabis e Indústria
1.789
O Início da Idade Contemporânea é marcado pela ascensão industrial da Produção de sabonetes em barra usados como produtos tópicos para queimaduras,
cannabis, quando o uso recreativo ou adulto tinha pouca relevância. alergias e outros. E extratos da cannabis envasados em garrafas de vidro e usados contra
tosse, enjoo e outros tratamentos.
A cannabis foi incluída na farmacopéia americana com indicação para o
1.850 tratamento de males como neuralgia, cólera, alcoolismo, gota. A extração
era feita a partir de espécies de Cannabis Indica.

No Brasil, a Gazeta Médica de São Paulo veicula anúncio publicitário


1.910 dos Cigarros Índios Grimault, produzidos com Cannabis Indica. Existem
registro de outras aplicações da cannabis para fins medicinais na França e
na Inglaterra e não havia nenhuma restrição ao auto cultivo.

1.871 - Sabe-se que o Movimento Impressionista Francês, “Belle Époque”, foi


1.914 regado à cannabis e absinto.

1.930 Nos EUA, tem início a principal campanha contra cannabis, liderada por
Harry Jacob Anslinger, um alto funcionário do Governo Norte-Americano.
FONTE: Reprodução do palestrante

26 27
Cigarros Índios Grimault A guerra contra a cannabis
Eram indicados para o tratamento de asma, eliminação de catarros e combate à insônia. No início do Século XX, a cannabis começa a ganhar destaque por seu lado B, devido
O anúncio publicitário dos cigarros produzidos com Cannabis Indica, publicado na Gazeta aos efeitos psicotrópicos.
Médica de São Paulo, em 1910, informa, em vocabulário de época:

“A dificuldade em respirar, a roncadura, os flatos, a aspiração sibilante acabam quasi logo, produz-se
uma expectoração abundantíssima, quasi sempre em pouco tempo, torna-se mais fácil, a respiração, Eclodiu a Revolução Mexicana e, para fugir da violência que se espa-
mais branda a tosse e um dormir reparatório afasta todos os symptomas assustadores que se tinham lhou pelo país, os mexicanos emigraram em massa para os Estados
manifestado”. Unidos da América. Eles levaram consigo a cultura da cannabis recreativa,
1.910 bastante disseminada entre a população local. Naquele momento, a
cannabis passou a ser chamada de “Marijuana” nos EUA e começou a ser
identificada e relacionada à classe pobre e imigrante da América.

A revista Examiner (EUA) publicou uma reportagem e um trecho


afirmava: “É comum que homens peguem uma faca e corram pelas ruas,
1.920 atacando e matando todos que encontram pela frente”. Outro trecho
publicado posteriormente, concluiu: “A marijuana é um atalho para o
hospício. O haxixe transforma homens de bem em assassinos”.

Aconteceu a Grande Depressão Econômica e os ânimos dos americanos


se acirraram ainda mais quanto aos imigrantes, além dos negros. Nos
anos de Lei Seca (1920-1933), a cannabis se tornou muito difundida entre
1.929
a classe artística e passou a ser associada, também, ao universo do Jazz,
predominantemente negro naquele momento.

Harry Jacob Anslinger líder da principal campanha contra cannabis


a partir dos anos 1.930 nos EUA.

FONTE: Reprodução do palestrante

Francesa posa ao lado de planta de cannabis 1.930


Senhora francesa é fotografada ao lado de uma planta de
Cannabis - França, 1910.

FONTE: Reprodução do palestrante

Nessa década se incia uma campanha muito forte que dominou a


mídia americana e se espalhou pelo mundo. A corrida contra a
cannabis foi liderada por Harry Jacob Anslinger que, em uma de suas
afirmações, diz: “A marijuana é a droga que causa mais violência na
história da humanidade”.

FONTE: Reprodução do palestrante

28 29
Mídia impressa Outros fatos sobre o período de guerra contra a cannabis
• Atribui-se à cannabis a total perda de consciência, da capacidade de discernimento e
Um jornal americano
publica reportagem sobre um um alto nível de dependência química, afirmações que as pesquisas atuais mostram
mexicano que, “enlouquecido ser falsas.
pela cannabis”, teria invadido • A motivação político e social faz surgir um enorme preconceito contra a cannabis e o
um hospital e esfaqueado seis estigma que está levando mais de 100 anos para serem desfeitos.
pessoas.
• Com o objetivo de desassociar a planta do estigma criado, recentemente, o mercado
prefere chamar a planta apenas de cannabis.

FONTE: Reprodução do palestrante Anos de “pós guerra”: o ressurgimento da cannabis

Foi lançado o Filme Reefer Madness - A loucura da maconha, A cannabis ressurgiu com o movimento sociocultural Beatnik e provou ser
1.950
amplamente divulgado e que em sua trama mostra, em especial, o mais forte que as decisões políticas.
1.936 quanto as mulheres enlouqueciam e se perdiam em orgias por causa
da planta, enquanto os homens se tornavam violentos e marginais, por
ficarem atordoados após o uso da cannabis.
O cientista israelense Raphael Mechoulam, com apoio do Governo de
Israel e da Universidade onde atuava, isolou e descreveu a estrutura de
1.960
dois dos canabinoides mais utilizados na medicina atual: THC e o CDB.

O Professor Mechoulam também registrou o Entourage Effect - Efeito


1.964
Comitiva, em português, nessa época.

A cannabis foi incluída na lista de narcóticos junto com a heroína,


1.970 porém a cannabis tornou-se símbolo do movimento hippie e foi mantida
definitivamente presente.
FONTE: Reprodução do palestrante

A cientista norte-americana Allyn Howlett descobre o CB1 -


Diferentes Estados norte-americanos começaram a criminalizar a planta 1.980 receptor humano de canabinoides.
e o Congresso aprovou a lei que inicia a total proibição da presença da
1.937 cannabis em terras americanas, chamada de Marijuana Tax Act. A planta
se tornou uma vilã no país e a visão negativa se espalhou pelo resto do
mundo. Não só a Marijuana foi criminalizada, mas a indústria do cânhamo O Professor checo Lumír Ondřej Hanuš, descobre, em Israel, o
também desapareceu dos EUA e foi retomada apenas em 2018, sob o 1.992 endocanabinoide anandamida, também conhecido como a “molécula da
governo de Donald Trump. felicidade”.

1.938 No Brasil, a criminalização da cannabis tem início sob o governo do então O Estado da Califórnia se tornou o primeiro a legalizar o consumo da
1.996 cannabis.
presidente Getúlio Vargas

30 31
Outros fatos “pós-guerra” contra a cannabis
• Até hoje a cannabis não foi legalizada na esfera federal nos EUA, fato que cria 1980
A cientista Allyn Howlett descobriu, nos EUA, o receptor humano de
desajustes impactantes em diversos sentidos. Por exemplo: um paciente não pode endocanabinoides, o CB1. O CB2 é descoberto em seguida.
se deslocar de um Estado para outro levando consigo o seu medicamento, pois é
proibido cruzar fronteiras com componentes da cannabis.
O Professor checo Lumír Ondřej Hanuš, químico analítico e principal
autoridade em pesquisa da cannabis, junto com William Anthony
• Os impactos também são observados nos negócios americanos relacionados à 1992 Devane, descobriu o endocanabinoide Anadamida, também
cannabis. Eles são obrigados a operar somente com cartão de débito ou dinheiro, pois conhecido como “a molécula da felicidade”; em seguida, descobre-se
estão proibidos de se vincular com bancos federais e a cartões de crédito. Um entrave outro endocanabinoide, denominado 2AG.
importante que - uma vez vencido - poderá abrirá um espaço enorme para a cannabis
em todos os países do mundo.
Assim, aconteceu o ressurgimento da cannabis como medicamento e foram
reforçados os seus benefícios para fins terapêuticos. A nova roupagem da cannabis e
Cientistas, pesquisadores e o ressurgimento da cannabis medicinal momento atual do uso desta planta destacam aspectos como o bem-estar, a medicina, os
O conhecimento acumulado ao longo de milênios começa a ser retomado e direitos do cidadão, a economia e outros pontos positivos.
reavaliado publicamente. Assim, acontece o ressurgimento da cannabis como medicamento e
benefícios para fins terapêuticos. A nova roupagem da cannabis destaca o bem-estar, a
medicina, os direitos do cidadão, a economia e outros benefícios, que retratam o momento PROFESSOR RAPHAEL MECHOULAM
atual do uso desta planta.

O ressurgimento da cannabis medicinal

1930 Dois cientistas isolam o CBD, mas não estudam a sua estrutura.

1960 Cientistas de vanguarda começam a estudar a cannabis.

O Professor israelense Raphael Mechoulan isola, registra e sintetiza o


1963
CBD.

1970 Professor brasileiro emérito da UNIFESP, Elisaldo Carlini descobre a FONTE: Reprodução do palestrante
relação entre o CBD e a redução de convulsões.

Entre os cientistas pesquisadores mais conhecidos está o Professor Raphael


Mechoulam. O cientista israelense da Universidade Hebraica de Jerusalém, aos 90 anos de
idade segue desenvolvendo pesquisas e trabalhos científicos sobre a cannabis. Na déca-
da de 1960, com apoio do Governo de Israel e da Universidade onde atuava, ele isolou e
descreveu a estrutura de dois dos canabinoides mais utilizados na medicina hoje: o THC e
o CDB.

Em 1964, o Professor Mechoulan registrou o Entourage Effect - Efeito Comitiva, em


português. Mechoulam identificou que alguns fitocanabinoides não apresentam
atividade isoladamente, mas em conjunto trabalham sinergicamente para potencializar outros
cannabinoides. Este efeito para o uso medicinal faz muita diferença.

32 33
Ele conta que seu objetivo, revolucionário naqueles anos, ao voltar a estudar a planta, Uma visão moderna sobre a cannabis: Onda de legalizações
surgiu por meio da compreensão de que “Para entender a farmacologia e realizar estudos Com a base científica lançada, a cannabis passou a ser vista com outros olhos e
clínicos é necessária uma forte base química”. iniciou-se a onda de legalização que invade o planeta e que mantém avanços. Não poderia ser
diferente, uma vez que se pressupõe que o sistema endocanabinoide, descoberto em 1992,
está relacionado a todas as doenças humanas.
PROFESSOR LUMÍR ONDŘEJ HANUŠ
Entre os países que se destacam estão Uruguai (2013), Canadá (2018), EUA (cerca de 35
Estados, proibição em nível federal).

O sul-americano Uruguai foi o primeiro a legalizar completamente a cannabis tanto para


o uso recreativo quanto medicinal, em 2013. Cinco anos depois, o Canadá foi o primeiro do
G7 a fazer o mesmo. É neste país em que está a maior indústria canábica do mundo. Os
canadenses possuem o maior programa de cannabis medicinal governamental em que são
atendidos mais de 360 mil pacientes. O número é impressionante se comparado até mesmo
com Israel, que apesar de pioneiro, atende 60 mil pacientes atualmente.

O Brasil lentamente está mudando suas regras em relação à cannabis e apresenta um


potencial incrível, além de ter um aspecto relevante: foi o primeiro país a garantir o direito
de autocultivo à famílias por meio de estratégia jurídica, o Habeas Corpus. Estima-se que
milhões de brasileiros poderão se beneficiar da planta a partir do momento em que as leis do
mercado permitirem acesso a ela.

FONTE: Reprodução do palestrante


O uso da cannabis no Brasil e sua regulação vigente

Outro cientista em destaque é o Professor Lumír Ondřej Hanuš, de origem checa. Em


1992, ele descobriu o endocanabinoide anandamida, também conhecida como a “molécula Brasil atua com estratégia de Habeas Corpus para beneficiar o autocultivo
2013 à famílias brasileira com pacientes com quadros diversos.
da felicidade”. A descoberta contou com o trabalho em conjunto com equipe do Professor
Raphael Mechoulam, na Universidade Hebraica de Jerusalém. Este registro abriu o campo
para a pesquisa sobre os canabinoides produzidos pelo organismo humano, assim como Anvisa comunica a RDC17/2015 sobre a prescrição médica e o uso
2015
sobre os receptores espalhados pelo corpo de homens e de outros mamíferos, que formam o compassivo da cannabis no Brasil.
incrível sistema endocanabinoide.

Anvisa comunica a RDC327/2019 em que informa as regras de registro de


Outros nomes importantes 2019 medicamentos de cannabis no país.
Allyn Howlett
Descobriu, nos EUA, o receptor humano de endocanabinoides, o CB1. O CB2 é
descoberto em seguida. Anvisa atualiza a RDC17/2015 e comunica a RDC335/2020, na qual
2020 atualiza as regras sobre o uso compassivo e a prescrição de cannabis
no Brasil.
Professor Elisaldo Carlini
O brasileiro Professor Elisaldo Carlini está entre os eméritos cientistas. Foi ele que, na
década de 1970, desvendou a relação entre o CBD e a redução de convulsões.

34 35
CONCLUSÃO
A medicina geralmente é a porta de entrada da cannabis na regulamentação dos países e
REFERÊNCIAS
hoje é possível observar um rápido crescimento do uso da planta, com destaque para os fins SUMLER, Byalan. High History: Cannabis in the Ancient World | High Times. 7 de Abril de
medicinais. Porém, é importante citar que o potencial econômico da cannabis recreativa, ou 2017.
de uso adulto, é até 10 vezes maior do que o da cannabis medicinal. Essa é uma informação Visitado em Agosto/2020.
a partir da experiência de Estados americanos como o Washington e o Colorado.
The People’s History. Volume 13, Number 2: Sept./Oct., 2000.
As pesquisas estão avançando rapidamente, mas não tão rapidamente quanto Visitado em Agosto/2020
gostariam os cientistas, como o Professor Mechoulam, e também, infelizmente, como os .
pacientes e suas família desejam. Todavia, lentamente as barreiras do estigma estão sendo MILLS, James H.. Cannabis Britannica: Empire, Trade, and Prohibition 1800-1928. 2005.
derrubadas mesmo que ainda haja um trabalho enorme a fazer. Certamente, a comprovação da
segurança do uso da planta, seja para fins medicinais ou recreativos, estão colaborando para NEWTON, David E.. - A Reference Handbook. 2013.
isso.
Filme: Ilegal, a Vida não Espera
O Coronavírus está ajudando a transformar cannabis em uma nova estrela da me-
dicina e pode-se relacionar com o famoso ditado “há males que vêm para o bem”. Os DEITCH, Robert - Hemp American History Revisited: The plant with a Divided History.
dispensários americanos foram considerados comércios essenciais durante a primeira 2003.
detecção de contaminações. Essas lojas especializadas em produtos canábicos não
participaram do fechamento global imposto nos EUA no primeiro período do isolamento. Carlini EA, Galduróz JCF, Noto AR, Nappo SA. I levantamento domiciliar sobre o uso de
drogas psicotrópicas no Brasil - 2001. São Paulo. CEBRID, 2002.
Além disso, em diferentes países, incluindo Israel e Brasil, estão sendo realizadas
RDC 327/2019 - A Autorização Sanitária para produtos de cannabis no Brasil
pesquisas para verificar se a cannabis pode, devido ao seu efeito antiinflamatório, ser
Consultado em agosto/2020
usada para evitar as tempestades de citocinas, provocadas pela COVID-19, e que agravam o
quadro do paciente infectado.
RDC 335/2020 - Atualização e evolução da RDC17/2015 sobre uso compassivo de
cannabis medicinal
A indústria de cannabis também vem sendo citada cada vez mais como uma
Consultado em agosto/2020
alternativa econômica para o momento pós-pandemia. Os números dessa indústria crescem
exponencialmente a cada ano e, de fato, trazem esperança como um apoio à recuperação
RDC17/2015: a permissão de uso compassivo da cannabis medicinal
da economia.
Consultado em agosto/2020
Alguns países declaram abertamente que essa é sua proposta, como é o caso Líbano que
recentemente legalizou o plantio da cannabis.

Outro aspecto do qual vai começar a se falar cada vez mais é a necessidade de promover
a reparação social frente aqueles que ainda pagam um preço muito alto, por vezes com prisão
perpétua, por terem, no passado, comercializado ou simplesmente utilizado a cannabis.

36 37
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Palestrante: Lumír Ondřej Hanuš é um químico analítico tcheco e uma das principais
autoridades no campo da pesquisa sobre cannabis. Trabalha com pesquisas sobre
cannabis há 50 anos e atualmente reside em Jerusalém. Realizou 30 anos de pesquisa no
Departamento de Higiene e Epidemiologia, além de ministrar aulas na Faculdade de
Medicina da Universidade de Palacký. De 1955 a 1990, conduziu pesquisas sobre cannabis
enquanto atuava com o preparo de extratos de cânhamo para uma farmácia do
hospital que eram usados no tratamento de pacientes do hospital. Professor Lumír foi um
dos responsáveis por isolar e descrever pela primeira vez a estrutura da anandamida, um
neurotransmissor canabinoide endógeno.

Resumo
A pesquisa sobre cannabis dos últimos 50 anos nos apresentou dados inéditos não só
sobre a planta, mas também sobre o corpo humano, as patologias que acometem a
população e evidenciou novas opções de tratamento para uma série de doenças.
O sistema endocanabinoide foi identificado através dessa pesquisa. Hoje, já se sabe sobre
sua importância para manter a homeostase do corpo.
Mesmo com todo o avanço, a pesquisa sobre cannabis ainda está em sua infância e existe
muito potencial a ser investigado e evidenciado para mundo.

Tipos de cannabis
Nos Estados Unidos é comum classificar a cannabis de três diferentes formas: com alto
THC, alto CBD e cânhamo. Também nomeadas em outros países como Sativa, Indica e
Ruderalis, respectivamente. No entanto, há apenas uma planta: a Cannabis Sativa, que
possui diferentes quimiotipos. As diferenças entre as classificações adotadas pelo mundo estão
apenas na relação e na quantidade de compostos contidos na planta Cannabis Sativa.

“Quando eu visitei a Sibéria, na Rússia, de ambos os lados da estrada


haviam plantas e eu pedi: ‘Parem, por favor!’ Eles não sabiam o que era.

38 39
Eu corri e vi: era cannabis!” resultados do tratamento não sejam tão positivos quanto poderiam. Os efeitos psicológicos
A cannabis é uma planta muito antiga e erradicá-la é quase impossível, pois ela é capaz de da crença do paciente são fundamentais no processo de tratamento e melhora.
se adaptar e estar em qualquer lugar. Este fato, somado às evidências históricas encontradas
que remetem há milhares de anos, revela que ela foi usada desde a antiguidade. Fatos históricos
Acredita-se que a mais antiga aparição da cannabis é da República Checa, onde existem
A cannabis é uma planta dióica, ou seja, possui plantas masculinas e femininas. A floração evidências compatíveis com a planta. Na imagem abaixo é possível ver um tipo de rede que
feminina é a mais importante, pois é a partir dela que são extraídos os componentes que era preparada para o uso há cerca de 25 mil anos atrás.
servem para as aplicações possíveis da planta.

FONTE: Reprodução do palestrante

Tricomas são bastões com esferas no topo. São nestas esferas que os terpenos,
terpenoides e canabinoides se originam. Todos os compostos são fundamentalmente
importantes para tratamentos com cannabis.

tricomas - planta fêmea

FONTE: Reprodução do palestrante

Arqueólogos tchecos e americanos afirmam que o material não estava totalmente


adequado para reconhecimento, no entanto, as evidências indicam que poderia ser urtiga
FONTE: Reprodução do palestrante
ou cannabis. 50% é a chance de que tenha sido a segunda opção.
Crença na cura
Também na República Checa foi achado, dentro da lama, um velho cordão de sete mil
anos com cerca de 7,4 centímetros de comprimento. Se tratava de cânhamo, fornecendo
“A natureza faz milagres através das plantas medicinais, mas essa é só evidências concretas de que as fibras de cânhamo já eram conhecidas pela a humanidade
uma metade da cura. A outra metade é acreditar no tratamento.” há sete mil anos.
Jan Mikolasek (1889-1973)

A cannabis possui uma variedade de efeitos benéficos para a saúde e pode ser aliada no
tratamento de uma longa lista de patologias. No entanto, a planta é apenas metade da cura,
a outra metade é a crença de cura. Não acreditar que a cannabis pode ajudar faz com que os

40 41
Na Judéia, na cidade de Beit Shemesh, encontraram o túmulo de uma jovem mulher
e, em sua região abdominal, havia um feto. Ela provavelmente era muito jovem para dar
à luz e teve hemorragia. Junto ao corpo estava um material carbonizado que foi levado
ao laboratório do professor Lumír. Nos resultados de análise constatou-se a presença de
Delta 8 THC. Isso sugere que, já naquela época, a cannabis era utilizada como
medicamento.

FONTE: Reprodução do palestrante

Recentemente, os jornais israelenses publicaram a descoberta de altares onde havia FONTE: Reprodução do palestrante
resina e alguns outros compostos de cannabis em Tel Arad, Israel. Portanto, há 2.700
anos a cannabis foi usada também em Israel.
Heródoto de Halicarnasso escreveu que os Citas no século 5 a.C. (também há
cerca de 2.500 anos) aqueciam pedras e, sobre as pedras quentes, jogavam sementes de
cannabis. Eles cobriam suas cabeças com cobertores e inalavam a fumaça que se
formava. Após um tempo, ficavam intoxicados e uivavam como lobos.

De acordo com o professor Lumír, é provável que as sementes de cannabis


carbonizadas encontradas em Pazyryk, na Sibéria, serviam para o mesmo propósito dos
povos Citas. Ele acredita que as pessoas da época encontravam topos frutíferos cheios de
sementes que continham material vegetal rico em compostos psicoativos. Usavam-no em
funerais e para intoxicação durante a cerimônia.

Na região de Palmira, na China, encontraram uma tigela de madeira com pedras em


um túmulo antigo. Ao analisar as evidências da tigela por cromatografia gasosa, primeiro
descobriu-se vestígios de CBC e depois encontraram CBD. No entanto, o maior pico foi
de CBN, que se origina do THC, conforme ilustração abaixo. Os achados desta substância
revelam a primeira prova científica de que a cannabis foi usada durante funerais também
na China há 2.500 anos.

FONTE: Reprodução do palestrante

42 43
GRANDES NOMES E DESCOBERTAS DA CANNABIS

William O’Shaughnessy - Nos tempos modernos, o uso da


cannabis na medicina começou com William O’Shaughnessy, o médico
irlandês que foi o responsável por introduzir a cannabis na medicina
ocidental. Um de seus primeiros papers foi um relato de caso
publicado no jornal médico da província sobre o uso do cânhamo
indiano ou ‘Gunjah’no tratamento do tétano.

John Russell Reynolds - O médico neurologista britânico


publicou em arquivos de medicina em 1859 e afirmou que “para o
alívio de certo tipo de dor, eu acredito que não há medicamento mais útil
do que a cannabis ao nosso alcance”. Reynolds é bastante conhecido
entre os consumidores recreativos como o médico que tratou a rainha
britânicacom cannabis.

Em 1869, foi feita uma primeira publicação científica sobre as


substâncias da cannabis, na qual descreveram aoxicanabina, um
composto ácido que se cristaliza. Evidenciando que naquela época
ainda havia muito para se descobrir sobre a planta, como o CBD e o
THC, por exemplo.

The Lancet - Em 1890 a renomada revista científica The Lan-


cet, publicou que: “O cânhamo indiano, quando puro e administrado
cuidadosamente, é um dos mais valiosos medicamentos que
possuímos”.

FONTE: Reprodução do palestrante

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O professor Shantavy enviou à imprensa suas notas de publicação sobre a estrutura do
Harry Anslinger - Em 1937 nos Estados Unidos, surgiu Harry canabidiol e mencionou que foi informado pelo professor Mechoulam que ele e sua equipe
Anslinger, que começou a proibição de cannabis com “Marihuana Tax também chegaram à mesma estrutura de canabidiol. No mesmo ano, o Professor Mechoulam
Act of 1937”. Foram produzidos filmes com informações equivocadas, publicou a estrutura do canabidiol e mencionou que o professor Shantavy havia, mais uma
afirmando que a cannabis era muito perigosa, o que não era verdade. vez, chegado à configuração absoluta deste composto.
A classificação da cannabis aconteceu dessa forma porque o tecido
de cânhamo competia com o algodão e as fibras sintéticas. Então, por Em 1964, Gaoni e Mechoulam elucidaram e estruturaram o Delta-9 THC. Naquele ano, o
interesses políticos e financeiros, acharam necessário proibi-la. professor Shantavy, na Tchecoslováquia, também publicou a descoberta da estrutura exata
deste composto psicoativo. Infelizmente, o professor Shantavy não foi reconhecido, mesmo
Houve um longo período de silêncio e em 1950 houve o renascimento
do uso da cannabis medicinal Tchecoslováquia. quando publicou em inglês, na Universidade de Acta. Então, professor Lumír busca sempre
informar ao mundo sobre os excelentes cientistas que fizeram parte da história da pesquisa
sobre cannabis.

Zdenek Krejci - O professor Zdenek Krejci, do


CBD x psicoatividade
Departamento de Higiene e Epidemiologia, descobriu o princípio
antibiótico da cannabis. Ele encontrou efeitos antibacterianos Em 1975, o laboratório de narcóticos forneceu sementes de um quimiotipo de
significativos sobre microrganismos gram-positivos e também em alguns cannabis da África do Sul para pesquisa. Após a análise, não foi encontrado CBD. Na época, os
microrganismos patogênicos em extratos de cannabis. Suas resultados intrigaram Lumír e sua equipe. Hoje sabe-se que se tratava de um composto
descobertas foram examinadas clinicamente com sucesso em
diferente: o canabicromeno (CBC).
estomatologia, otorrinolaringologia, ginecologia, dermatologia e outras
especialidades.
Na África do Sul foi observado que havia maior quantidade de pacientes com psicose
Após este achado, a cannabis foi utilizada no hospital até 1990 para aguda após o uso de cannabis. Somente em 1982, foi descoberto que isso ocorria devido à
tratar o vírus da herpes simplex e herpes zoster. Além disso, quando os
falta de canabidiol. Para compreender com mais profundidade os dados, um estudo foi feito.
pacientes ficam muito tempo acamados surgem escaras e esse extrato
antibacteriano em creme, preparado em farmácia, tratou dessas úlceras
perfeitamente. Para os experimentos, primeiramente os voluntários consumiram apenas THC. Os
resultados indicaram que até 60% deles tiveram pensamentos desconectados, 70%
Em 1954, na faculdade de medicina da Universidade de Palacký -
apresentaram perturbação perceptiva e em mais de 50% houve despersonalização. No
Checoslováquia, o professor Krejci publicou na I Conferência
Científica o estudo “Cannabis como Medicamento”. Porém, naquela entanto, quando lhes deram THC associado ao CBD, estes efeitos colaterais não foram
época ainda não havia interesse em cannabis. Ele, juntamente com o relatados, como consequência da atividade antipsicótica do CBD. Já a despersonalização,
professor Santavy, elucidou a estrutura isolada do composto respon- ocorreu mais tarde e com menor intensidade ao administrar a combinação dos canabinoides
sável por esta atividade antibacteriana e nomeou ácido canabidiólico
CBD e THC.
(CBDA). De fato, foi o pri-meiro composto real isolado da cannabis.

Observou-se também resistência à comunicação, pois sob influência da cannabis, as pes-


CBD soas tendem a ficar mais calmas. Desse modo, não houve muita comunicação. Notou-se esse
Em 1963, a estrutura do CBD foi isolada ao mesmo tempo por diferentes cientistas. resultado em mais de 70% dos voluntários saudáveis. Em contrapartida, quando lhes deram
o CBD não houve nenhum problema com a comunicação. Então, em 1982, foi provado que a
cannabis pode ser anti-psicoativa em decorrência dos efeitos associados ao uso canabidiol.

Em outros estudos foram evidenciados quais são os compostos mais importantes na


cannabis: CBDA e THCA; CBD e THC - após a descarboxilação, respectivamente. O próximo
passo foi entender como a planta funciona no corpo.

FONTE: Reprodução do palestrante

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Sistema endocanabinoide A expressão dos receptores CB1 está principalmente no cerebelo; e dos receptores CB2
Na Universidade de St. Louis, o cientista William Devane descobriu um receptor principalmente no baço. As Ilhotas de Langerhans têm também uma grande quantidade, isso
canabinoide no cérebro. Se trata de um composto enorme com 372 ácidos: o CB1. indica que os canabinoides (sejam endógenos ou exógenos) podem influenciar pacientes com
diabetes, por exemplo.

Diante deste contexto - onde os compostos da cannabis e os receptores do corpo


tornaram-se conhecidos - ficava evidente que os receptores não estavam no organismo
esperando que alguém começasse a consumir cannabis.

Professor Lumír começou a investigar a existência de endocanabinoides. Após o fim do


regime comunista ele - que já estava há 16 anos em contato com o professor Mechoulam - foi
convidado a trabalhar em Jerusalém nesta pesquisa.

FONTE: Reprodução do palestrante

Mais tarde, Munro e sua equipe


descobriram os receptores CB2, mais
curtos e muito semelhante ao CB1.

A distribuição dos receptores


FONTE: Reprodução do palestrante
canabinoides indica que o CB1 é
encontrado, principalmente, no
cérebro e no sistema reprodutivo. Já os A dica que tinham no época era um composto isolado do cérebro que se ligava aos
receptores CB2, estão principalmente receptores canabinoides. A equipe de pesquisa contava também com William Devanne - o
no sistema imunológico, nos órgãos descobridor dos receptores canabinoides CB1 e CB2. Ele tinha desenvolvido um bioensaio
linfoides, pâncreas e macrófagos. Essa muito sensível. Então, professor Lumír fez isolamentos e testou cada um deles. Quanto
distribuição indica o que é influenciado maior o composto isolado, maior era a atividade. Então, ele resolveu purificar o isolado e, na
por esses receptores e os compostos primavera de 1992, foi descoberto o composto conhecido hoje como anandamida.
da cannabis trabalham através deles.
Ananda, em sânscrito, significa prazer e felicidade e amida refere-se ao
N-araquidonoyletanolamina. Lumír e Dr. Devane publicaram o estudo após a realização de
um isolamento guiado por bioensaio. Aviva Breuer fez a síntese e, Roger Pertwee, Stevenson
e Griffin fizeram os estudos farmacológicos. Maldelbaum e Etinger fizeram espectrometria de
alta resolução e professor Mechoulam foi o chefe de toda a pesquisa.
FONTE: Reprodução do palestrante

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Os resultados mostraram que composto mais importante da cannabis - o THC - e o Após a descoberta dos receptores e dos endocanabinoides, verificou-se a existência de
composto cerebral - a anandamida - se ligam ao mesmo lugar do corpo e realizam as todo o sistema endocanabinoide. Um dos sistemas mais importantes do nosso corpo.
mesmas atividades. Foi descoberto também que a anandamida está em concentrações
picomolares no cérebro. E, de fato, tudo começou quando foram descobertos os compostos CBD e THC, depois a
anandamida, 2AG e os receptores canabinoides.
Mais tarde, o Dr. Devane saiu da equipe e realizou outros estudos com o professor Lumír.

Juntos, encontraram outros dois endocanabinoides: homo-linolenoylethanolamida e DESCOBERTAS


docosa-tetraenoylethanolamida.

Já Shimon Bem-Shabat isolou o 2-arachidonoyl glycerol (2AG) que é um composto bem


diferente da anandamida. Este glicerol é um composto que acontece através do grupo
carboxila ligando-se ao glicerol.

FONTE: Reprodução do palestrante

O sistema endocanabinoide é muito importante, pois regula a homeostase. Isso


significa que se o indivíduo encontra-se saudável, seu corpo está em equilíbrio e tudo
funciona como deve. No entanto, ao ficar doente, há um desequilíbrio e o organismo trabalha
para repará-lo. Neste momento, o sistema endocanabinoide começa a agir para devolver o
equilíbrio ao organismo.

FONTE: Reprodução do palestrante


No entanto, nem todos os seres humanos têm o seu sistema endocanabinoide forte, é
então que a cannabis pode ser utilizada, no lugar dos endocanabinoides, para se ligar aos
Outros cinco compostos foram isolados por Lumír. Mais tarde, o éter noladino do cérebro receptores canabinoides e tratar o paciente.
também foi isolado na Universidade Hebraica de Jerusalém. Outros dois compostos clássicos
foram descoberto nos Estados Unidos: virodhamine e dopamina arachydonoil. Os fitocanabinoides podem tratar patologias tanto paliativamente quanto curativamente.
Isto depende da doença e do paciente
Os sistemas fisiológicos e as condições afetadas por esses endocanabinoides,
causam exatamente o mesmo efeito seja através dos endocanabinoides ou do uso da planta Os receptores endocanabinoides estão entre os mais difundidos no corpo humano. Isso
cannabis. Eles incluem a modulação do apetite, da pressão arterial, da memória, do humor, explica porque a cannabis funciona para tratar quase todas as doenças.
da proteção neural, do movimento e outros.

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Funcionamento do sistema endocanabinoide “Tudo o que a Anadamida faz, o THC faz também”
A analogia mais conhecida e propagada sobre o sistema endocanabinoide o exemplifica
com o receptor sendo uma fechadura e os canabinoides sendo a chave. Cannabis x Panaceia
Em comparação com o álcool e os cigarros, a cannabis é uma substância muito mais
Quando a chave entra na fechadura, começam todos os efeitos conhecidos e segura. Isso porque não há registros de óbitos pelo seu uso. Já pelo consumo de álcool e de
relacionados ao uso da cannabis, ou seja, começa o tratamento. cigarro as pessoas morrem o tempo todo.

O sistema endocanabinoide consiste em receptores CB1 e CB2, em endocanabinoides e


em enzimas que sintetizam e/ou degradam os endocanabinoides. “Segundo o meu ponto de vista, quando pacientes usam cannabis
ilegalmente para se tratar, não deveria ser considerado ilegal, pois cada
Não é tão simples, porque não há apenas CB1 e CB2, existem também os receptores indivíduo tem o direito à sua saúde.
GPR que trabalham com canabinoides.
Se um médico não puder ajudar o paciente, mas a cannabis sim, ele
O corpo humano possui uma lista longa de receptores. Alguns trabalham com deveria ter direito à ela. No entanto, mesmo pessoas que não poderiam
canabinoides específicos como, por exemplo, os receptores PPAR. Eles atuam com o ser tratadas com os medicamentos disponíveis e utilizaram a cannabis
THCA. Por isso, o tratamento com a planta é bastante complexo. A pesquisa ainda está em como último recurso, foram punidas pela lei como traficantes de drogas
seus estágios iniciais e há muito para se descobrir sobre o que é necessário para um bom em diversos países. Por isso, é algo muito delicado. Infelizmente.
tratamento.
O problema com o uso da cannabis é apenas medo e estigma.”
FUNÇÕES DO SISTEMA ENDOCANABINOIDE No entanto, é importante reconhecer a importância da padronização entre os diferentes
fenótipos da planta, já que cada um deles possuem conteúdos e compostos distintos. Um
entendimento mais amplo sobre o que está sendo consumido através da planta escolhida,
aumenta ainda mais sua segurança.

Além disso, cultivar um mesmo quimiotipo em Israel, no Brasil, nos Estados Unidos ou
na União Soviética poderá resultar em medicamentos diferentes. Colhê-lo em diferentes
estágios de desenvolvimento também. De modo que é um desafio que esta padronização
seja realizada.

A humanidade começou a fazer o uso da cannabis antes da apresentação de evidências


sobre seu funcionamento. Mas, apesar de ser um remédio muito seguro e potencialmente
eficaz, a cannabis não é panaceia. Ela não cura todas as vezes, nem todas as pessoas. Ela
não cura todas as doenças e nem todas as fases da doença.

O maior desafio do tratamento com cannabis é que, muitas vezes, os pacientes a utilizam
e já na primeira vez acertam exatamente qual o tipo de cannabis precisam, mas esta não é
a realidade de todos. Muitos pacientes terão que mudar muitas vezes de cepas/ produtos/
concentrações de canabinoides para encontrar o tratamento adequado.

FONTE: Reprodução do palestrante

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Efeito comitiva
A teoria do efeito comitiva, ou Entourage Effect, demonstra que o uso da planta inteira A cannabis também serve como medicamento órfão. Ou seja, em doenças raras
de cannabis pode ser mais seguro e eficaz por conta do efeito sinérgico entre todos os como Síndrome de Dravet, Tourette, Síndrome da Pessoa Rígida, Acalasia, Hipertensão
compostos derivados dela. intracraniana idiopática e, assim por diante, muitas vezes os médicos não podem ajudar
o paciente e é através da cannabis que o paciente é tratado, pelo menos paliativamente.
A sinergia é basicamente o trabalho em conjunto, ou seja, se tivermos dois compostos
ativos juntos, eles serão mais potentes do que se usarmos separadamente. Recentemente, os médicos Dr. Pacher e Dr. Kunos, do NIAAA, o National Institute of
Alcohol Abuse and Adiction do Instituto Nacional de Saúde, em Bethesda, mencionam
O efeito de comitiva em si tem uma proposta diferente, no entanto, hoje a em uma publicação que “provavelmente em um futuro próximo trataremos quase todas
expressão também é usada para caracterizar esta sinergia. Originalmente, o efeito comitiva as doenças com cannabis”. Eles apoiam esta forte declaração com uma longa lista de
foi descrito por Raphael Mechoulam indicando que ao usar um composto ativo exemplos, mesmo que ainda apenas in vitro ou in vivo em animais, porque os leis ainda
juntamente com um composto inativo, a atividade será maior do que apenas o composto restringem as pesquisas com cannabis em humanos em muitos países.
ativo sozinho.
Efeitos anti-câncer da cannabis
Idade x Uso da cannabis A cannabis se tornou muito popular com a história de Rick Simpson, que tratou seu
O núcleo cinza do cérebro, geralmente, está em desenvolvimento até os 25 anos. Por câncer de pele utilizando-a. A maior vantagem dos efeitos anti-câncer da cannabis é
este motivo o uso de canabinoides antes desta idade deve ser cuidadosamente avaliado que a planta combate as células cancerígenas e não prejudica as células saudáveis. O
pelo médico e pelos pais. Normalmente, quando as crianças possuem doenças refratária é princípio é a utilização da planta na ativação da apoptose, de forma que as células
mais fácil tomar esta decisão. No entanto, ao tratar um cérebro já desenvolvido (após os 25 cancerosas morram.
anos) não há relatos de resultados prejudiciais.
Canabinoides e endocanabinoides trabalham não só com os receptores CB1, CB2 e
Um dado relevante é que, felizmente, a maioria dos adolescentes que abusam da TRPV, como também de forma não conectada a eles. A planta pode oferecer benefícios
cannabis não se tornaram adultos psicóticos. ao tratamento oncológico influenciando a apoptose, a proliferação, a migração, além de
metástases e angiogênese.
Então, não significa que todos serão afetados desta forma, mas podem haver
quimiotipos prejudiciais para este grupo em especial. Hoje, sabe-se que ela atua melhor sobre glioma, câncer de mama, câncer de tireoide,
câncer de cólon e câncer de próstata. Portanto, pode ser um tratamento muito útil.
Anos atrás, a cannabis tinha entre 5% e 10% de THC. Hoje é possível encontrá-la com
até 30% deste composto. Comumente, esses tipos de cannabis possuem baixo CBD e O tratamento com cannabis não é apenas canabinoides
podem ser perigosos para o paciente do ponto de vista psicótico. Ao testar diferentes cepas de cannabis ricas em THC com concentrações de
canabinoides iguais, constatou-se que os efeitos em pacientes foram distintos. Isso
No caso de uma pessoa adulta mentalmente saudável não há perigo. O único ponto de significa que estes não são os únicos compostos provenientes da planta que são
atenção é o risco de superdose, que apesar de não ser prejudicial, é muito desconfortável. relevantes para tratamentos de saúde.

Consumidores recreativos quando consomem uma superdosagem chegam a Até agora foram identificados, em diferentes quimiotipos, 1.495 compostos na
chamar ambulância porque ficam com a sensação de que vão morrer. Se conseguirem cannabis. Dos quais 175 são canabinoides.
ficar calmos, quando o efeito passar, estarão bem.
Professor Lumír afirma não ser uma boa ideia o trabalho desempenhado por muitas
Para o uso medicinal não existe este risco, uma vez que as concentrações de empresas farmacêuticas, pois acredita que desta forma elas não conseguiram lucrar com
canabinoides são controladas e evidenciadas, garantindo que não haja uma sobredose. este mercado.
Além disso, eles podem ser administrados em óleos, cápsulas, supositórios, cremes e em
muitas outras apresentações que permitem ao médico e ao paciente controlar melhor a As empresas desenvolvem produtos sintéticos que mimetizam canabinoides puros.
dose. Por este motivo, a titulação da dose também se torna indispensável. Todavia, já foi provado - e essa prova começou com casos anedóticos - que durante a
preparação de drogas à base de cannabis existem muitos compostos com funcionamento
Também é muito importante entender qual paciente não deve receber o tratamento com melhor quando em conjunto do que o composto puro.
cannabis. O princípio básico é, antes de iniciar o uso, investigar minuciosamente se existem
contraindicações para o paciente ou patologia a ser tratada.

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A Tikun Olam é uma empresa que produz onze quimiotipos com a proporção de THC O objetivo das pesquisas do Lumír Lab no momento é compreender amplamente sobre
para CBD de 20:1. Cada um desses quimiotipos é específico para uma doença e agem o tratamento da endometriose com cannabis, a partir de testes in vitro, depois testes in vivo
de diferentes formas em pacientes distintos. Isso porque cada pessoa possui cargas ge- e estudo clínico e, finalmente, o tratamento.
néticas individuais e, por este motivo, pacientes com a mesma patologia eventualmente
precisarão de diferentes cepas de cannabis. Ciência brasileira em destaque: Elisaldo Carlini
Em 2011, Charlotte Figi, uma criança de cinco anos de idade, foi diagnosticada
Autismo com epilepsia refratária por síndrome de Dravet. A família da menina descobriu que o
A dosagem ideal dos canabinoides é aquela que usa o mínimo de compostos para canabidiol a ajudava. Então, imediatamente esta possibilidade de tratamento com cannabis se
obter o máximo efeitos terapêuticos positivos. popularizou.

No caso do autismo, a cannabis reduz a ansiedade e a violência em crianças. Em Infelizmente, este ano (2020) Charlotte Figi faleceu em decorrência do coronavírus - que
Israel, algumas crianças diagnosticadas com a patologia são tão violentas que tornam-se acomete mais pacientes do que pessoas saudáveis - provavelmente porque ela já tinha
perigosas para os outros e para si. Há situações em que esses pacientes precisam ser uma pré-condição que somou-se ao Covid-19.
amarrados na cama para serem protegidas.
Há 40 anos, o professor brasileiro Dr. Elisaldo Carlini e professor Mechoulam
Com o uso da cannabis houve melhora significativa nestes casos. A maior parte dos estudavam o canabidiol em pacientes epiléticos e descobriram que ele é muito útil.
pacientes apresentaram resultados positivos nos ataques, agressões, automutilação, Infelizmente, naquele tempo ninguém estava interessado neste tema. Apenas quando
entre outros sintomas. Alguns deles não tiveram alterações, outros tiveram exacerbação. o caso de Charlotte Figi ganhou projeção midiática esta possibilidade de uso tornou-se
. popular.
Constatou-se também uma diferença entre a resposta do sexo masculino ou feminino.
No sexo masculino, os resultados foram melhores em todas as vezes. Eles usaram uma
variedade de cannabis com uma gama mais ampla de canabinoides. CONCLUSÃO
Considerando toda a pesquisa sobre cannabis, existem cerca de 177
Algumas das crianças com autismo avaliadas e que utilizaram a cannabis tornaram-se canabinoides. No entanto, existem também terpenos, terpenoides, flavonoides e glicosídeos
muito educadas. E mesmo aquelas que estavam em leitos de hospitais receberam alta flavonoides. Além de esteroides, polifenóis, outros compostos e também compostos ainda
com base na melhora apresentada. desconhecidos que não estão sendo estudados.

Lumir LAB É preciso estimular a pesquisa, pois através dela será possível encontrar tratamentos
Aposentado da Universidade Hebraica, o professor Lumir começou a trabalhar em seu em potencial que sejam eficazes e seguros para uma série de patologia que ainda não são
próprio laboratório: o Lumir Lab. Um laboratório desenvolvido com a empresa Asana, tratadas adequadamente.
que conta com instrumentos avançados para análise de vários níveis diferentes como
cromatógrafos líquidos, cromatógrafos gasosos, espectrometria de massa por Professor Lumír acredita que há um número crescente de pessoas interessadas em
cromatografia em fase gasosa. Tudo do mais alto nível para estudar canabinoides e trabalhar legalmente com cannabis. E se diz feliz por estar neste mercado há 50 anos.
terpenoides.

Os estudos em andamento são sobre endometriose, uma doença muito grave e “Uma pessoa que tem o dom para curar e ajudar não vende suas
dolorosa que afeta cerca de 10% das mulheres. Na Austrália, uma em cada nove habilidades por somas duras e não abusa de situações difíceis
mulheres convivem com a patologia. de pacientes gravemente doentes.”

Mulheres possuem receptores CB1 e PPAR no útero, no ovário há CB1, CB2, PPARs e Doentes graves, às vezes, gastam todo o seu dinheiro no mercado ilegal por algo que
FAAH. Ou seja, os órgãos reprodutivos femininos trabalham amplamente com receptores pode não ajudá-los. Para evitar este comportamento, é muito importante que a cannabis
canabinoides e endocanabinoides. seja legalizada para os pacientes. Desta forma, todos que necessitam dela poderão usá-la
adequadamente.
A endometriose geralmente ocorre como peritoneal, ovarial retovaginal (entre o reto e a
vagina) ou adenomiose (quando fica no útero). Isso justifica a importância da anandamida
e do 2AG para elas.

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No entanto, é possível garantir a segurança e qualidade de um produto à
base de cannabis avaliando, pelo menos, cinco diferentes aspectos, são eles:
(1) agrotóxicos; (2) metais pesados; (3) mofos, bactérias e leveduras; (4) concentração
de canabinoides e (5) resíduos solventes. Em cada um destes fatores avaliados há
uma margem de permissividade. Quando os elementos inspecionados estão acima do
permitido considera-se o produto inadequado para consumo medicinal. Há, ainda, o
quinto - e mais importante- item de avaliação, que é exatamente a informação contida no
COA: a concentração de canabinoides.

1. Agrotóxicos
Os agrotóxicos são químicos utilizados no processo de cultivo para garantir que não há
insetos causando dano às plantas e, consequentemente, ao produto final. Apesar de
justificável, o uso de pesticidas pode resultar em resíduos alojados na flor de cannabis,
que permanecem na extração e chegam ao produto final.
Palestrante: Yoav Giladi é formado em biologia e possui vasto conhecimento no cultivo
da cannabis. Trabalhou no Departamento de Pesquisas de Fitopatologia da Organização Para avaliar a presença de agrotóxicos no produto é possível utilizar o LC-MS/MS -
de História Cultural. O pesquisador e cultivador israelita em sua mais recente publicação estudo de Cromatografia Líquida Acoplada à Espectrometria de Massas. Nele são
elucidou a descoberta de uma nova doença que afeta as plantas de cannabis: um vírus apresentados os diferentes agrotóxicos inspecionados.
com DNA de fita única.
No exemplo abaixo pode-se observar que todos os produtos estavam abaixo do limite,
Resumo portanto estão livres de pesticidas e são seguro para serem receitados aos pacientes.
Diante do crescimento apresentado pelo mercado da cannabis medicinal nos últimos
anos, a oferta de produtos que possuem a planta em sua composição também aumentou. PESTICIDES
Entretanto, mais produtos disponíveis não significa necessariamente mais
qualidade. Por este motivo é fundamental que médicos, pacientes, fornecedores,
produtores e distribuidores sejam capazes de identificar quais elementos caracterizam
um produto à base de cannabis seguro. Este conhecimento confere mais autonomia na
hora de escolher a origem do produto que será utilizado em um tratamento de saúde. O
documento COA (Certificado de Análise) apresenta todas as informações sobre a
composição do produto.
Exigir este documento dos fornecedores de produtos à base de cannabis, bem como,
saber interpretá-lo tem como consequência um tratamento mais seguro, e possivelmente,
mais efetivo para o paciente.

Como saber se a cannabis é adequada para uso medicinal?


A diferença básica entre a cannabis e outras drogas farmacêuticos é que, enquanto as
drogas farmacêuticas são produzidas sinteticamente desde o primeiro dia, a produção da
cannabis começa com cultivos em estufas e instalações internas. Somente depois ela é
processada e transformada em produtos canábicos de uso terapêutico.

Existem diversas técnicas para cultivar uma planta de cannabis adequada para uso
medicinal. Há também uma série de etapas entre a semente e o produto que será
prescrito pelo médico e consumido pelo paciente. As muitas fases deste processo FONTE: Reprodução do palestrante
implicam em mais chances de erros ao longo dele.

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2. Metais pesados 3.2. Toxinas
O segundo ponto a ser observado é a presença de metais pesados como arsênio, A tolerância para toxinas em produtos à base de cannabis é muito baixa: seis partes por
cádmio, mercúrio e chumbo. Isso pode ocorrer devido ao cultivo de cannabis em solos bilhão. O monitoramento é feito por meio do LC-MS/MS em que são analisadas a presença
contaminados, rega realizada com água poluída ou em cultivos próximos a indústrias que por micotoxinas, aflatoxinas e ocratoxinas.
emitem gases poluentes, estações de trem e estradas. A poluição se propaga pelo ar,
contamina a flor da cannabis e se mantém no produto final. 4. Concentração de canabinoides
O aspecto mais desafiador da produção e análise dos produtos à base de cannabis é o
O solo é o fator determinante para um cultivo que resulte em produtos adequados e conteúdo de canabinoides.
seguros para consumo do paciente. Por este motivo, existem diversas limitações e
restrições no solo onde o cultivo de cannabis é permitido. Um exemplo é que, em Há uma grande variedade de tipos de cannabis, com diferenças morfológicas em
Israel, é obrigatório que o cultivo de plantas usadas para fins medicinais aconteça em solos suas respectivas aparências. Essas diferenças também ocorrem nas concentrações de
desintoxicados. canabinoides de uma planta.

Quando os níveis de metais pesados estão presentes em um grau maior que o permitido
em uma amostra de cannabis, ela é reprovada e todo o lote deve ser desqualificado para NATURAL VARIATION WITHIN THE CANNABIS PLANT
garantir a segurança do produto final. (Variações naturais das plantas de cannabis)

3. Mofo, bactérias e leveduras


A cannabis é uma planta, logo, está sujeita a adversidades como mofo, bactérias e
leveduras que podem prejudicar a qualidade de suas flores (matéria-prima dos produtos à
base de cannabis).

3.1. Fungos
Para monitorar patogenias em plantas, realiza-se um ensaio sobre coliformes. No
exemplo abaixo, a quantidade total de bactérias aeróbicas, coliformes, levedura e mofo,
estão abaixo do limite. Portanto, esta amostra foi aprovada.

FLOWERS WITH FUNGUS


(Flores com fungo)
FONTE: Reprodução do palestrante

“Cada planta de cannabis tem seu próprio perfil de canabinoides.


Se trata de algo quase único.”

No exemplo sobre como avaliar o conteúdo de canabinoides a seguir, nota-se uma


alta concentração de THC. Perceba que o THCA - a forma ácida do THC - é muito alta,
21,89%; enquanto a quantidade dos outros canabinoides é baixa. É identificada, inclusive, a
ausência de CBN, CBG e CBD. Isso significa que se trata de uma amostra fresca, na qual
a degradação natural ainda não ocorreu.

FONTE: Reprodução do palestrante

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HIGH THC EXEMPLE O potencial total de THC é a soma do THC já presente com o THC estimado que virá
(Exemplo de THC alto) com a descarboxilação, processo onde o THCA se transforma em THC.

Vale estar atento a este número, pois em alguns casos podem ser apresentadas
informações enganosas, nas quais a quantidade total de THC é copiada do valor de
THCA.

O potencial total de THC e de CBD sempre deve ser considerado em produtos à base
de cannabis.

O mesmo ocorre em uma análise mais detalhada dos canabinoides. Em um cultivo


rico em CBD, o canabinoide dominante é o ácido canabidiólico, CBDA. Mais uma vez,
é importante verificar o potencial total de CBD. No caso do exemplo abaixo, o total de
canabinoides não é um número muito relevante. No entanto, o CBDA e CBD somados
na informação “Potencial total de CBD” é o número importante.

HIGH CBD EXEMPLE

FONTE: Reprodução do palestrante

Outro aspecto que vale mencionar são os números: “Potencial Total de THC” e
“Potencial Total de CBD”.

HIGH THC EXEMPLE II


(Exemplo de THC alto II)

FONTE: Reprodução do palestrante

As flores de cannabis utilizadas na amostra desse exemplo tiveram 13.83% de CBD.

Como resultado do rendimento da extração do óleo de CBD, há um total de 51,4% de


CBD, ou, seja, um produto bastante concentrado.

É importante mencionar que a maior parte do CBDA foi convertido em CBD no


processo de descarboxilação. Como consequência, observa-se altos níveis de CBD no
FONTE: Reprodução do palestrante produto final.

62 63
Nota-se também que o THC está presente. Ele sempre estará presente quando Esta amostra foi reprovada pela alta quantidade de etanol. Embora ela tenha
houver extração total da planta, pois é extraído junto com o CBD. Há também uma falhado, o motivo pela reprovação abre margem para discussão, pois sabemos que o
pequena quantidade de CBG. etanol não é uma substância tóxica. As pessoas o consomem em grandes quantidades.
Ou seja, não é tão perigoso quanto outras moléculas como o heptano e o hexano, nas
Como retratado anteriormente, o perfil canabinoide de cada planta pode variar. quais há potencial cancerígeno.
O COA de um produto à base de cannabis deve apresentar todas as informações
sobre seus canabinoides e concentrações, pois estes fatores influenciam diretamente Prestar atenção aos resíduos de solventes é muito importante, este fator também
as propriedades e aplicações terapêuticas do produto final. O certificado de pode desqualificar o uso de um produto à base de cannabis.
análise garante que os devidos testes foram realizados no lote que está sendo
prescrito/consumido. O que confere mais segurança ao médico e ao paciente. Por fim, é fundamental ter atenção ao armazenamento destes produtos, uma vez
que aspectos como armazenamento incorreto, erro na etiquetação e muitos outros,
5. Resíduos solventes têm a possibilidade de prejudicar a segurança do consumo, afetando diretamente os
Para garantir a segurança de um produto à base de cannabis é preciso se certificar resultados do tratamento.
de que não existam resíduos de solventes na planta.
Verificar com o fornecedor do produto à base de cannabis quais são as instruções
Resíduos de solventes são um bioproduto do método de extração da cannabis. Há para armazenamento correto tanto do produto lacrado, quanto após ter sido aberto
muitos métodos para fazer o extrato de cannabis. É possível usar diferentes tipos de também garante que não haja prejuízos na qualidade.
solventes, como por exemplo, Isopropanol e etanol. Estes químicos podem permanecer
no óleo após a extração.

No exemplo a seguir foi utilizada cromatografia gasosa. É bem aparente a utilização


de etanol, metanol, acetona, isopropanol e um pouco de acetato de etila.

SOLVENT RESIDUES
(Resíduos de solventes)

FONTE: Reprodução do palestrante

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Palestrante: Fabrício Pamplona é cientista e empreendedor brasileiro de destaque
internacional, tendo empreendido duas startups na área de tecnologia e atuado como
Pesquisador Convidado do Instituto Max Planck de Psiquiatria (Alemanha) e como
Pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e como Diretor Científico da
Entourage Phytolab. Atualmente, está focado em desenvolver soluções de diagnósticos
voltadas ao sistema endocanabinoide e prescrição assertiva de canabinoides. Fabrício
possui background científico sólido em Psicofarmacologia, mais de 1800 citações no Google
Scholar e é Conselheiro do CNPQ, no âmbito de tecnologia e informação.

Resumo
As administrações de produtos à base de canabinoides são amplas. São diferentes
produtos, composições e expectativas em relação aos efeitos, dependendo da
farmacotécnica e a apresentação do produto. Assim, é importante que os médicos e
pacientes recebam orientações sobre as diferenças entre as vias de uso possíveis e as
aprovadas no Brasil; a farmacologia, a degradação e o metabolismo dos canabinoides.
A Medicina Personalizada surge como uma novidade no ano de 2020 e é possível aplicar
esse conceito em canabinoides com os produtos e as composições disponíveis no momento.

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A PLANTA DA CANNABIS E SEUS EXTRATOS Embora a folha da cannabis (imagem1) seja considerada um símbolo tradicional da
planta, ela é apresentada, principalmente, como um artefato de comunicação. Isso porque
os grandes princípios ativos, ou seja, os canabinoides como, por exemplo, o THC e o CBD,
estão presentes, em sua maior parte, nas flores e, mais precisamente, nas inflorescências
(imagem2), locais de maior concentração desses ativos.

Além delas, as folhas de aparência aveludada, localizadas nas áreas apicais da


planta, isto é, no topo, e que possuem tricomas (estruturas semelhantes a pêlos), também
apresentam uma certa concentração destes extratos. Enquanto as folhas mais
basais, praticamente sem tricomas, os ramos e as raízes, têm quantidades praticamente
desprezíveis dos compostos.

O maior conhecimento atual é sobre o CBD e o THC, mas já se fala em centenas


de canabinoides caracterizados e pelo menos dez já passaram por purificação e estão
disponíveis em quantidades suficientes para se obter um efeito biológico. A figura que
exemplifica os benefícios e diferenciais da cannabis é um infográfico mais complexo do
que as fotografias da planta, afinal, ela possui uma série de derivações chamadas de
metabolismo secundário.
FONTE: Reprodução do palestrante

FONTE: Reprodução do palestrante

Estes são os compostos produzidos pela planta e que não têm característica
metabólica primária. Isso significa que eles não são necessários para ela sobreviver,
FONTE: Reprodução do palestrante mas são utilizados, entre outros motivos, para a proteção contra insetos e atração de
polinizadores. A partir disso, surge a grande parte das vias bioquímicas, onde se
encontram a maior quantidade dos extratos considerados medicinais.

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Os benefícios da planta são apresentados e conhecidos por grande parte do Para realizar um controle de qualidade, existe uma análise - química ou fotoquímica,
mercado. Os produtos são disponibilizados, de maneira padronizada, previsível, e com chamado de Cromatograma (imagem). Este estudo tem como objetivo identificar o teor
efeitos confiáveis. Mesmo assim, surgiram originalmente os produtos sintéticos. Neste em que são percebidas algumas moléculas ou seus picos. No exemplo, está demonstrada
cenário, observa-se poucos medicamentos registrados no mundo em oposição à uma uma situação básica em que foram notadas as presenças de CBA, CBD, CBN, Delta 9
imensa variedade e disponibilidade de produtos à base de cannabis em diferentes países. ou THC, Delta 8 THC, e THCA. Porém, existem cromatogramas que apresentam várias
outras substâncias canabinoides como CBG, CBC, THCV, TCVD.
O motivo é que, do ponto de vista regulatório, há uma distinção em três principais
aspectos: o que é um produto à base de cannabis, o que é um suplemento alimentar de O cromatograma é o documento que confere maior certeza e segurança para paciente
cânhamo e o que é um medicamento. O desafio do uso terapêutico é, justamente, fazer e médico sobre a produção padronizada, ou composição muito semelhante, em cada
com que a complexidade da cannabis se transforme em matéria padronizada. lote de produtos à base de cannabis. Este é um ponto essencial quando se trata de usos
terapêuticos.
Medicamentos x Produtos x Suplementos alimentares
A principal diferença entre a classificação de Medicamentos, Produtos e/ou Suplementos
alimentares é o controle da produção.

Para disponibilizar uma composição classificada como medicamento, as regras são


estritas e a produção obrigatoriamente deve obedecer às diversas certificações
farmacêuticas até receber o reconhecimento de qualidade e segurança. Em um âmbito
internacional é chamado de GMP - Good Manufacturing Practices, e no Brasil, é o CPBE -
Certificado de Boas Práticas de Fabricação.

Para obter estes documentos existe um controle de qualidade rígido que se inicia com
a matéria-prima e inclui, principalmente, estudos clínicos que garantam a eficácia e a
segurança do uso. Devido a isso, eles possuem efeitos previsíveis, uma designação
terapêutica e uma indicação na qual é possível afirmar para qual patologia o
medicamento é indicado, bem como, as instruções para determinar a posologia ideal para
uma determinada apresentação. Certamente há exceções pelos efeitos serem variantes FONTE: Reprodução do palestrante
em pessoas diferentes. A seguir serão demonstrados os marcadores mais comumente utilizados, mais
interessantes e que exigem atenção para entender o produto.
Controle de qualidade: macadores
O controle de qualidade está relacionado a uma série de fatores e o principal deles são Serão destacados os principais canabinoides: THC e CBD, e para entendê-los é
os chamados “marcadores”. Isso significa que, ao se produzir um produto farmacêutico preciso conhecer todos os demais, analisar um cromatograma ou averiguar a qualidade
que atenda à normativa regulatória, é necessário garantir que os teores declarados de do produto, bem como a produção, o cultivo e o armazenamento.
determinado princípio ativo estejam presentes na sua composição.

O CBD total que pode ser produzido por uma planta é a soma do CBDA (forma
ácida) com o CBD (forma neutra). Há uma conversão do CBDA em CBD ao longo do
processo de preparação de um produto ou medicamento que será usado por via oral, por
exemplo. Essa conversão acontece ao longo da carburação, durante a produção de um
CBD inalado. É importante lembrar que essa degradação também pode acontecer a partir
do armazenamento inadequado, conhecido como perda de estabilidade, da alteração ou
da composição deste produto ao longo do tempo.
FONTE: Reprodução do palestrante

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Importância dos cromatogramas e marcadores analisados
Ao se observar tantos pontos de um Cromatograma, nota-se a importância de garantir
a qualidade de produtos à base de cannabis dentro de uma regulamentação farmacêutica.
Por isso, a empresa produtora deve apresentar um controle de qualidade rígido em todas
as etapas da cadeia produtiva.

A mesma característica é apresentada para o THCA (forma ácida) e o THC (forma


neutra). O THCA é mais sensível do que o CBDA, ou seja, é mais fácil converter o THCA
em THC, do que o CBDA em CBD. Estes são marcadores muito importantes, pois a
depender da via de administração, é possível se trabalhar com uma forma ácida ou neutra
e obter efeitos diferentes.

Descarboxilação: Passo crítico na produção de canabinoides ativos

FONTE: Reprodução do palestrante

FONTE: Reprodução do palestrante Tem-se como exemplo da necessidade de uma regulação no setor o artigo Quality Traits
of “Cannabidiol Oils”: Cannabinoids Content, Terpene Fingerprint and Oxidation Stabi-
Para a produção de canabinoides ativos, há características que diferem o uso da lity of European Commercially Available Preparations (2018). O estudo fez a avaliação
cannabis por via oral e por via inalada. Como citado anteriormente, existem as formas de óleos de CBD comercialmente disponíveis na Europa. Dos 14 produtos analisados, 9
ácidas e neutras de canabinoides, e dentro das formas de uso, oral e inalada, é importante apresentaram concentrações de princípios ativos diferentes daquelas declaradas no rótulo.
citar a Descarboxilação. Este é o processo da perda de uma carboxila, o ácido carboxílico
orgânico, que resulta na conversão de THCA em THC, e de CBDA em CBD. Em uma regulamentação de alimentos ou suplementos alimentares estes pontos são
considerados mais simples, mas no mercado não regulado da cannabis não existe o
A forma ácida dos canabinoides (por exemplo, THCA e CBDA) é utilizada em controle neste sentido. Devido a isso, é tão importante uma regulação do setor para que
produtos de inalação com aquecimento, como os vaporizadores, onde é necessária a alta todas as empresas produtoras e as associações que produzem os chamados produtos
temperatura para que se converta o canabinoide na forma ativa. artesanais, tenham uma forma de caracterizar os seus produtos para garantir a
composição e a estabilidade.
Na forma neutra (THC ou CBD), o THCA pode ser ativo, mas para se obter o THC e o
CBD, que são usados na forma oral ou por qualquer via que não haja aquecimento durante Farmacocinética
o uso, é necessário submeter ao calor ao longo do processo de fabricação. As vias de administração podem apresentar diferentes efeitos e respostas nos
indivíduos. A imagem ilustra um estudo de farmacocinética em que é citado
A Descarboxilação acontece ao longo do tempo e é acelerada pela temperatura e por exclusivamente o THC e há o comparativo entre as vias mais típicas de uso de
diversas técnicas. Ao relacionar a dependência de tempo e temperatura, ao ser feita a canabinoides: inalada, intravenosa e oral.
descarboxilação no forno, é possível ter uma conversão muito mais efetiva de THCA
em THC, do que ao fazer em banho-maria, pela questão da temperatura mais baixa no No gráfico a seguir é possível notar que elas influenciam no tempo e no perfil de
segundo caso; também pode acontecer a degradação natural, em um processo muito resposta obtida pelos pacientes. O THC tem uma característica interessante pois, por seu
mais lento, de semanas ou meses. Ou seja, eventualmente, ao expor o canabinoide a uma efeito psicoativo, é possível perguntar para o indivíduo sobre a intensidade deste efeito.
temperatura de 150 graus, a degradação acontecerá em pouco minutos. Isso está demonstrado neste gráfico: no eixo vertical (Y) há o efeito psicoativo percebido
subjetivamente, ou seja, perguntado ao indivíduo ao longo das horas após a administração
do canabinoide.

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INTRAVENOSA THC 11-hydroxy-THC Carboxy-THC (THC-COOH)
INALADA Apresenta um pico agudo. Apresenta quase um pe- Demonstra pico mais alto e
ORAL Ele sobe muito rápido e queno pico, mas passa. tem efeito mais persistente.
desce abruptamente. Isso Este metabólito é bastante
significa que o THC per- relevante por ser psicoati-
manece pouco tempo no vo e muito potente.
sangue do indivíduo, e as
sensações passam igual-
mente rápidas.

FONTE: Reprodução do palestrante


Conclusão: a permanência do 11-hydroxy-THC no organismo por muito tempo, pode
promover ao indivíduo um efeito de psicoatividade, mesmo que o THC não esteja
INTRAVENOSA: efeito mui- INALADA: efeito eventualmen- ORAL: pela curva maior,
presente.
to rápido e mais intenso de te tão intenso quanto o intra- o efeito dura bastante e
todos, porém que passa venoso ou um pouco menos, é mais persistente, passa
Biodisponibilidade do THC por via oral
relativamente rápido que também passa em manei- por um platô e depois vai
Na administração por via oral, o efeito é totalmente diferente, como demonstrado neste
ra mais abrupta. Observação: caindo. Nota-se que este
gráfico. Importante notar que: o THC não é representado pela curva maior, e sim pela
Para este estudo, a cannabis efeito atinge intensidades in-
menor, como detalhado a seguir:
foi fumada, porém pode-se in- feriores à via inalada.
ferir da mesma forma a inala-
ção com vaporizador.

Biodisponibilidade do THC por via inalada THC

Um fator que influencia no processo de absorção, distribuição, degradação e excreção de 11-t-THC (11-OH-THC)

uma substância no organismo é chamado Biodisponibilidade. No gráfico a seguir, o processo é Carboxy-THC (THC-COOH)

medido no plasma pela concentração da substância que permanece no indivíduo. Observa-se


o uso por via inalada, onde são notados os efeitos do THC, além de dois metabólitos gerados.

THC

11-t-THC (11-OH-THC)

Carboxy-THC (THC-COOH)

FONTE: Reprodução do palestrante

FONTE: Reprodução do palestrante

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Conclusão: há uma diferença notável entre os efeitos produzidos pelo uso do THC pela
THC 11-hydroxy-THC (11-OH-THC) Carboxy-THC (THC-COOH) as vias oral e inalada.
Passa por metabolismo Efeito maior do que o do THC, É gerado em quantidades
de primeira passagem, no representado pela curva mais bastante altas, mas é um Titulação de dose individualizada
fígado e, assim, gera alta. metabólito neutro e não
metabólito muito rápido. confere influência significati-
Representado pela curva va, ou pelo menos que se te-
mais mais baixa. nha conhecimento, de efeito
psicoativo ou qualquer outro.

Razão dos metabólitos pelas duas vias

FONTE: Reprodução do palestrante

Existe um outro ponto significativo na farmacocinética: a variação inter-individual. Em


cada um dos gráficos (A, B, C e D) há o demonstrativo de um voluntário diferente para a
pesquisa realizada com THC, e é correto afirmar que o mesmo fenômeno acontece com o
CBD, por ele também estar presente na curva.

Nota-se que as quatro curvas apresentam características distintas e, por hora, isso é o
suficiente a saber. A biodisponibilidade dos canabinoides varia de indivíduo para indivíduo.
FONTE: Reprodução do palestrante E apenas a informação de individualidade já sugere a necessidade de personalização
do tratamento, fator que justifica a Titulação Individual de Doses. Ou seja, para o médico
No estudo demonstrado pelo gráfico, é feita uma relação entre a produção de C a r b o x y - prescritor identificar a dose para o paciente, será necessário fazer experimentações e um
THC e de 11-hydroxy-THC, na via oral e na via inalatória. É demonstrada uma média, de ajuste caso a caso. Essa é uma ação bem típica da medicina canabinoide.
vários indivíduos ao longo do tempo:
A cinética química - velocidade das reações químicas e os fatores que as influen-
• Uso oral (linha superior): há uma proporção muito maior de 11-hydroxy-THC sendo
ciam - também se altera ao longo do tempo. Cada uma das curvas, em cada gráfico, é o
gerado e isso já é decorrente do processo de degradação acontecendo de forma mais
comportamento de um indivíduo e seis foram testados.
rápida, pelo fígado.

• Uso inalado (linha inferior): nota-se que o próprio THC tem mais efeito.

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C D

FONTE: Reprodução do palestrante

Nos dois gráficos superiores (A e B) estão demonstrados os níveis de THC. Nos


gráficos inferiores (C e D), estão apresentados os níveis de 11-hydroxy-THC. Mesmo que
não seja de conhecimento qual é o metabólito em questão, apenas ao observar as curvas,
A imagem acima está demonstrado um fenômeno muito interessante, onde estão
observa-se que:
descritos quais os tecidos afetados mais rapidamente pelos canabinoides e em quais
1. Elas são diferentes;
essas substâncias permanecem por mais tempo:
2. O formato da curva muda drasticamente ao longo do tratamento agudo (coluna da
esquerda) em relação ao tratamento não tão crônico, repetido por 7 dias (coluna da
1. Sangue
direita).
2. Cérebro, onde os canabinoides têm grande tropismo e vão mais rápido para o
O efeito tem início antes do tratamento crônico e continuado. A dose que irá causar um
Sistema Nervoso Central
efeito agudo no paciente não é a mesma dose que, eventualmente, causará um efeito
crônico. Ou ao longo do efeito crônico também pode ser necessário ajustar a dose.
3. Tecidos de alta perfusão, que tem uma grande vascularidade, também recebem
e eliminam os canabinoides, relativamente, rápido
Distribuição de canabinoides nos diferentes tecidos
Além do que foi mencionado, variações individuais, vias de administração e demais
4. Tecidos de perfusão menor vão absorvendo os canabinoides e eliminando-os
pontos, um outro fator relevante é a distribuição dos canabinoides de acordo com o tipo de
devagar
tecido. Isso significa que há o tropismo, isto é, uma certa preferência dos canabinoides por
um tipo de tecido e a composição do organismo do indivíduo modifica a biodisponibilidade
5. Gordura e tecidos adiposos, considerados praticamente inertes, ou nem tão
dos canabinoides.
inertes de acordo com estudos mais atuais, porque também produzem substâncias
inflamatórias, demoram a acumular canabinoides e é, praticamente, um estoque
destes extratos no organismo. Assim, ao longo do tratamento crônico, a tendência
é a de que os canabinoides sejam estocados na gordura. Isso significa que os
indivíduos com um índice de massa corporal maior e/ou mais proporção de
gordura, tendem a responder para os canabinoides de maneira diferente do

78 79
que os indivíduos com um índice de massa corpórea inferior. É muito importante ter Degradação e metabolismo do CBD
atenção ao ajuste de doses. E para a necessidade de, eventualmente, administrar um Na degradação e metabolismo do CBD outros citocromos participam, ilustrados na
produto à base de cannabis também perceber que, ao longo do tempo, irá acontecer um imagem a seguir.
armazenamento naqueles indivíduos que possuem mais tecido adiposo.

Degradação e metabolismo
Anteriormente foi mencionada a produção de 11-hydroxy-THC e do Carboxy-THC
(THC-COOH), que são produzidos a partir do THC, por enzimas conhecidas como
Citocromos.

FONTE: Reprodução do palestrante

No destaque está sinalizada a maior proporção do CYP2C19 e do CYP2C/3A, os dois


citocromos mais importantes na degradação de CBD.

Como existem famílias de citocromos que degradam o THC e outras que degradam o
CBD, é possível individualizar e notar casos de indivíduos que têm sensibilidade para o THC
FONTE: Reprodução do palestrante e não têm para o CBD, assim como indivíduos que conseguem biodisponibilidade maior
para o CBD e não para o THC. Os fenômenos podem ocorrer de maneira distinta.

No caso da figura, está sendo destacado o Citocromo P, da família 2C9 (CYP2C9), que é Uma observação interessante, ao analisar uma cadeia completa de degradação
importante no metabolismo, na inativação inicial do THC. (imagem abaixo) de THC, seja pelo CYP2C9 ou seja pelo CYP3/A4, e depois pelo CY2C9, de
11-Hidroxy-THC em Carboxy-THC.
A degradação e a excreção de canabinoides são importantes para eliminação dessas
substâncias do organismo. É a velocidade na qual esse processo acontece que gera os
diferentes metabólitos e faz a quebra das curvas de distribuição observadas.

Depois do THC se transformar em Carboxy-THC, que já é inativo e não tem efeito


psicoativo, ainda há outras enzimas: as glucano transferases. Elas fazem o processo
glucuronidação e facilitam a excreção, chamada de metabolismo de segunda fase.

FONTE: Reprodução do palestrante

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Existe também a ação das glucuronidases. Essas enzimas também são diferentes Este é apenas um exemplo e que responderá a uma comum e importante dúvida:
dependendo do metabólito. É possível notar o 11-Hidroxy-THC sofrendo o processo para
inativação e eliminação pelo UGTIA9 e UGTIA10; e o Carboxy-THC sofrendo o mesmo
processo pelo UGTIA1 e UGTIA3. “A cannabis, em especial o THC, pode causar esquizofrenia?”

Interação medicamentosa É importante explicar primeiro que a esquizofrenia não é psicose e não é surto psicótico.
O conhecimento dessas nomenclaturas e siglas de superfamílias de enzimas é muito Ela é uma patologia crônica que acontece em certos indivíduos e que pode ser deflagrada
importante para o processo chamado Interação Medicamentosa, pois deve-se pelo uso crônico de canabinoides.
considerar essa possibilidade em tratamentos combinados entre canabinoides e outros
fármacos. Embora este seja um assunto direcionado, em geral, a farmacêuticos ou Em geral o que acontece é: um indivíduo que usa canabinoides e tem uma biologia
médicos especializados, é comum as pessoas não se atentarem a este detalhe, que faz suscetível a esse tipo de desbalanço, tem uma psicose aguda induzida por uso de drogas de
toda diferença nos tratamentos. abuso. Não é só a cannabis o motivo deste tipo de psicose. Por exemplo, a ingestão uso de
álcool pode causar a patologia, com menor probabilidade do que a cannabis.
No caso do CBD, é interessante citar que ele é um inibidor da mesma família de
citocromo que degrada o THC. Então, provavelmente este seja um dos pontos em que haja a Ou seja, se o indivíduo tiver um surto psicótico e ainda assim incorrer no uso crônico,
necessidade da utilização de uma composição entre CBD e THC para aumentar levemente existe uma chance de ele se tornar, de fato, um indivíduo com diagnóstico positivo para
o “tempo de meia vida”, ou seja, a disponibilidade do THC no organismo. esquizofrenia. Os números são variantes, porém se fala em algo de 20% dos indivíduos
que tiveram um surto e passaram a fazer o uso crônico da cannabis, apresentam o risco de
Relembrando que, por via oral, o 11-Hidroxy-THC tem mais efeitos psicoativos porque receber o diagnóstico dessa patologia.
possui uma intensidade maior do que o THC. Uma questão que surge: seria este o motivo
de pelo qual o CBD também balanceia os efeitos do THC por essa via? Por outro lado, o número de indivíduos que tem um surto psicótico com cannabis é
bastante baixo. Ao se contabilizar, muito menos de 1% dos usuários de cannabis apresentam
O CBD também, do ponto de vista farmacológico, pode reduzir a ansiedade que chance de, realmente, terem o diagnóstico positivo para esquizofrenia.
eventualmente é gerada pelo THC e a possibilidade ou uma chance de ocorrência de um
surto psicótico venha a acontecer em indivíduos suscetíveis, como será mencionado a Importante: em quem acontece, este é um quadro muito sério e deve ser observado.
seguir.
Se as pessoas com esse comportamento e que possuem uma base biológica tiverem a
Efeitos adversos individuais possibilidade de inalar um cigarro de maconha ou usar por via intravenosa ou oral, há chance
Comenta-se muito sobre a biologia, a fitoquímica e como é a planta da cannabis, de que haja um surto agudo, uma psicose aguda induzida por droga.
linha- gens, trações e métodos de cultivo diferentes. Fatores que resultam em produtos
completamente distintos. São retratados alguns aspectos biológicos do paciente, que Ainda na leitura do gráfico, ao lado esquerdo estão demonstrados pacientes com alto risco
também interferem na farmacocinética e na farmacodinâmica dos canabinoides. O gráfico a de sofrerem um surto psicótico. O alto risco, nesse caso, era uma variação psicológica, ou
seguir registra o estudo de como os efeitos adversos do uso destes compostos dependem seja, pessoas com ideações paranóides, pensamentos estranhos, mania de perseguição,
da biologia do indivíduo. ansiedade combinada. Cerca de 2% a 4% da população, em geral, apresenta este tipo de
comportamento.

À direita, estão os controles: pacientes que têm todos os outros dados demográficos
muito semelhantes e sem este mesmo alto risco de surto psicótico. Eles não apresentam risco
biológico para o desenvolvimento de esquizofrenia ou de surtos, existem os efeitos
psicoativos com intensidade um pouco menores, mas praticamente a mesma. No entanto,
eles não se sentem ansiosos e nem paranoides.

FONTE: Reprodução do palestrante

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Em vermelho está indicado o ativo utilizado: uma administração de 5% THC, quantidade Assim, a Medicina Personalizada consegue ajustar o tratamento da melhor maneira para
considerada moderada. Nesta mesma cor está ilustrada, primeiro, uma resposta de paranoia, o paciente. Isso inclui fazer um cruzamento entre a biologia da planta (ou dos canabinoides)
ou seja, em indivíduos que desenvolvem uma resposta de paranoia, de ansiedade (no meio), e do paciente. Cada paciente, devido à sua biologia e suas necessidades, terá a indicação
e também desenvolvem a sensação do popular “barato”, ou seja, um efeito psicoativo, uma de uma composição de produto e, eventualmente, um ajuste de dose pessoal, que poderá
certa euforia produzida e até procurada pelos aqueles que usam os canabinoides de maneira resultar melhor.
recreativa.
A ciência ainda não afirmou a possibilidade de fazer uma associação direta das respostas
Alertas a serem feito a partir deste estudo: em cada indivíduo com a composição das plantas. Os estudos estão em constante evolução
1. É possível determinar que não é todo paciente/pessoa que fizer o uso de canabinoides e hoje a ciência está pronta para relatar a ação do THC e do CBD, além dos metabólitos.
apresentará sintomas de ansiedade ou paranoia; Isso também poderá acontecer quando estes produtos forem registrados como herbais ou
fitoterápicos. Isto é, quando se tornarem mais padronizados, os produtos favorecerão tanto
2. As pessoas que entram em paranoia e sentem ansiedade, devem ter atenção a terapêutica, quanto a geração de dados nesta área. Por enquanto este ainda é um grande
porque elas podem correr o risco de terem surto psicótico agudo. Assim, pelas respostas desafio.
relatadas pelos indivíduos, é possível fazer uma triagem de quem deveria ou não fazer
o tratamento crônico. Estudo por perfil individual de DNA
Em estudo embasado na ideia de que em uma população heterogênea, formada por
Com estes dados, e outros não apresentados neste estudo, confirma-se a possibilidade pacientes com a mesma condição patológica, ao se realizar um perfil de DNA (DNA
de obter os efeitos positivos e terapêuticos do THC, sem ter grande parte dos seus efeitos profiling), é possível identificar as variantes genéticas naturais deste indivíduo por meio de uma
adversos, temidos pelas pessoas. sequência (rail) de DNA, muito comum na farmacogenômica. Dessa forma, nota-se que alguns
indivíduos apresentam ótimas respostas, outros não obtêm os resultados esperados, alguns
Naturalmente uma medicina personalizada terão a necessidade de ajustes de doses, e uma parte eventualmente terá efeitos indesejados.
A Medicina Personalizada é um estudo atual e novo, principalmente, para a terapêutica
canábica. Ela reconhece e reforça a existência de uma alta variação interindividual na Se for possível identificar a que grupo cada indivíduo pertence, o processo de tratamento
resposta aos canabinoides, além dos pontos: se tornará acelerado, a titulação de dose mais adequada e, em consequência, a ocorrência
de efeitos adversos será evitada. Este é o conceito fundamental da Medicina Personalizada.
1. A possibilidade de ajuste de dose e composição de tratamento personalizados;
Ao ser constatada essa heterogeneidade na população, a resposta esperada é: ao analisar
2. Diferenças no metabolismo de CBD, THC, metabólitos e de outros canabinoides raros um DNA profiling individual, será possível concluir informações, de acordo com a imagem a
com menos informações na literatura científica - que interferem na definição de dose; seguir.

3. Diferenças na suscetibilidade aos efeitos adversos conhecidos em indivíduos diferentes


ou no mesmo indivíduo em distintos momentos ou circunstâncias da vida;

4. Ainda não há polimorfismos - variações genéticas naturais - descritos para a diferença


da eficácia, porém há descritos tanto para o metabolismo quanto para a suscetibilidade
aos efeitos adversos;

5. Não é possível associar poliformismos diretamente a uma linhagem de planta em


particular. Muitos pacientes crônicos ou que têm experiências com a cannabis
relatam que determinada linhagem apresenta mais efeitos benéficos do que outra.
É algo empírico que, eventualmente se confirma em pesquisas nessa área e que é
possível predizer. Porém, não existem artigos apresentando essa variação genética
natural diretamente relacionada a uma variedade. FONTE: Reprodução do palestrante

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MyCannabis Code Em termos de efeitos adversos, o MyCannabis Code analisa os polimorfismos
Para identificar os polimorfismos, os perfis individuais e suas respostas aos associados à ansiedade, a possível ocorrência de surto psicótico, a psicose aguda induzida por
canabinoides, Fabrício Pamplona, em conjunto com uma equipe multidisciplinar formada por drogas e a questão de dependência, que também é importante. Ao se tratar de canabinoides, a
especialistas em genética e em farmacogenômica, desenvolveu o MyCannabis Code após anos de dependência é polêmica, pois ela não é típica. Existe uma dependência que é avaliada por
estudo,. uma escala clínica de problemas com cannabis, conhecida como Marijuana Problems Scale,
também identificada por este teste. A ferramenta confere ao médico a possibilidade de avaliar
Para a concepção deste teste farmacogenético também houve a participação de o paciente ao longo do tempo.
profissionais da bioinformática, essenciais para interpretarem os dados de genótipo e
construirem um algoritmo, que além de traduzir a informação coletada, a transmitisse Nos resultados são retratados mais polimorfismo associados à dependência do que ao
garantindo o fácil entendimento para médicos e pacientes. metabolismo e aos efeitos adversos, mas isso não significa que a dependência é o fator
mais importante. Porém, de acordo com pesquisas realizadas ao longo dos anos, houve
Para a análise individual, o MyCannabis Code usa um cotonete longo (swab) para fazer sempre muito foco em pesquisa de canabinoides em dependência, e em prejuízos
uma raspagem na parte interna da bochecha e coleta o epitélio. Deste modo será identificado associados ao uso crônico. Não quer dizer que há mais polimorfismo realmente no
e amplificado o DNA. A partir da genotipagem usando a rail do DNA é possível rastrear os organismo humano. Eventualmente, outras variações genéticas associadas ao metabolismo
SNIPs, ou seja, os polimorfismos, as variações genéticas e identificar perfis associados às ou aos efeitos adversos vão estar disponíveis e será possível realizar um mapeamento ainda
diferentes respostas obtidas ao uso de canabinoides. As análises feitas são enviadas e são mais preciso. No resultado do teste ainda há informações detalhadas sobre qual o nucleotídeo
desenvolvidas em Portugal e, em breve, estarão disponíveis também no Brasil. e código genético alterado, que podem ser relevantes para alguns médicos.

A farmacodinâmica não implica no diagnóstico de patologias, ela simplesmente O MyCannabis Code busca apresentar os dados individuais de uma forma que possibilite o
transcreve a compreensão sobre o metabolismo e respostas individuais aos tratamentos melhor entendimento. Ele apresenta os segmentos: Metabolismo de THC, CBD e metabólitos;
indicados, principalmente, para os pacientes que irão fazer o uso crônico. É importante funções cognitivas; traços comportamentais e psicológicos, onde estão inseridas as questões
reforçar que essa área está impactando praticamente toda a farmacologia e não é uma de ansiedade, psicose e depressão; uso crônico de canabinoides e impactos deste uso diário,
exclusividade da farmacologia dos canabinoides. que é a associação direta à escala clínica de problemas relacionados ao uso de cannabis.

Embora ainda não seja acessível a todos, por não ser uma tecnologia barata, o A partir das diversas combinações de polimorfismos de cada uma dessas sessões, o
MyCannabis Code é um recurso terapêutico já existente e que pode ser utilizado por médicos paciente é identificado em diferentes perfis e é possível sugerir as composições, os limites
em breve, em particular, para doenças de difícil intervenção e para os tratamentos crônicos. de concentração permitidos, o uso ou não de THC, ou em uma proporção associada ao CBD,
O teste farmacogenético pode ser usado em qualquer indivíduo, de todas as faixas etárias. entre outros pontos de avaliação. Tudo isso de acordo com a probabilidade de ocorrência de
efeitos naquele indivíduo.
O produto resulta em relatórios importantes e pode ser útil mesmo antes do
desenvolvimento de uma patologia, como forma de prevenção. Desta forma, no futuro o São demonstradas as sugestões de doses iniciais e máximas recomendadas para o
paciente terá em mãos as possíveis aplicações desse tipo de substância. processo de titulação e é sinalizado se há alguma restrição para o metabolismo
associado à inalação ou ingestão por via oral, que geram metabólitos diferentes, portanto, algumas
Também é possível notar as ações que envolvem metabolismos de fase 1, de fase 2 e pessoas podem reagir melhor a uma e não tão bem por outra. Dessa forma, com a Medicina
também a Glicoproteína P - uma “bomba” que faz os canabinoides e outras substâncias Personalizada este ponto é demonstrado e o médico pode decidir pelo melhor tratamento.
serem transportadas para os tecidos e para as células. Ela é importante na fase
mencionada sobre a entrada em diferentes tecidos e em velocidades distintas. É observado
também o tempo que o canabinoide permanece no Sistema Nervoso Central, relacionado com a REFERÊNCIAS
atividade da Glicoproteína P, que é codificada pelo Gene ABCB1. Quality Traits of “Cannabidiol Oils”: Cannabinoids Content, Terpene Fingerprint and Oxida-
tion Stability of European Commercially Available Preparations

MyCannabis Code

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Majoritariamente, a cannabis chegou à Europa quando soldados de Napoleão estavam no
Egito e descobriram que grande parte da população fazia uso da planta, principalmente, de
forma recreativa. Então, a levaram para a Europa. Lentamente, os cientistas e os médicos
perceberam um enorme potencial medicinal na cannabis. Ela foi usada extensivamente na
Europa no Século XIX e início do Século XX. Em seguida, caiu em desuso.

Basicamente, a cannabis desapareceu como agente terapêutico porque a maioria dos


medicamentos do Século XX, eram drogas bem definidas, ou seja, que permitiam às
pessoas terem conhecimento exato do que estavam consumindo, afinal estas drogas podiam
ser medidas e pesadas.

Isso não era possível com a cannabis naquela época, pois os compostos ativos ainda não
tinham sido isolados em sua forma pura. Portanto, não era possível saber exatamente o que
estava sendo administrado.

Houveram trabalhos na Europa e nos EUA nos anos 1930 e no início dos anos 1940.
Palestrante: Raphael Mechoulam é um químico orgânico israelense e professor de Mas, então, todo o campo de pesquisa basicamente desapareceu porque, após a campanha
química medicinal na Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel. Mechoulam é mais para proibição da planta, tornou-se ilegal trabalhar com a cannabis e, consequentemente, a
conhecido por seu trabalho de isolamento, elucidação da estrutura e síntese total do realização de pesquisas era impraticável.
delta-9-tetra-hidrocanabinol e do canabidiol. Mais conhecidos como THC e CBD,
respectivamente. E também pelo isolamento e identificação do sistema endocanabinoide. Seu O trabalho do professor Mechoulam com canabinoides começou na década de 1960.
trabalho científico sem precedentes lhe concedeu muitas honras e prêmios, incluindo o Prêmio
Israel (2000), NIDA Discovery Award (2011) e muitos outros, além de torná-lo candidato ao
prêmio Nobel. “Fiquei surpreso ao ver que no país onde era usada a morfina - isolada
do ópio - e a cocaína - amplamente conhecida e utilizada no Século XIX -
Resumo: a química canabinoide não era conhecida.”
A cannabis finalmente está ganhando força. Após anos desde as primeiras descobertas, o
professor Raphael Mechoulam continua na vanguarda. A pesquisa canabinoide iniciada por Quando não se sabe a química exata de uma substância, geralmente não é possível
ele pode ser dividida em três fases: a primeira são os canabinoides provenientes da planta, a ministrá-la como droga de grau farmacêutico e se aprofundar nas pesquisas científicas.
segunda são os endocanabinoides do corpo (como a anandamida) e o sistema da qual fazem
parte. Este sistema é composto por receptores, endocanabinoides e enzimas metabólicas, e Na década de 1960, Mechoulam e sua equipe isolaram muitos compostos da
recebe o nome de sistema endocanabinoide. Hoje, a pesquisa está em sua terceira fase com cannabis, incluindo o único composto que mostrou psicoatividade: o tetrahidrocanabinol, THC.
a descoberta de mais de 100 compostos semelhantes à anandamida que possuem ações Primeiramente, sua estrutura foi elucidada e, posteriormente, o composto foi sintetizado. O
específicas e potentes no corpo. Ainda pouco explorados, estes compostos podem trazer mesmo aconteceu com o canabidiol, CBD.
uma nova perspectiva aos tratamentos disponíveis atualmente e ao entendimento sobre o
funcionamento do próprio corpo humano. Foi então que ambos os compostos foram amplamente investigados, e hoje, muito se
sabe sobre eles. Nos últimos 20 anos, os estudos sobre a cannabis ganharam força. Como
resultado do trabalho da equipe de Raphael Mechoulam e de muitos outros que vieram na
Cannabis: A planta sequência, o THC e o CBD foram aprovados como medicamento em alguns países, como os
A planta cannabis vem sendo utilizada há cerca de 8 mil anos. Há dados sobre seu uso na EUA, e os extratos de cannabis têm sido utilizados legalmente em muitos outros, incluindo o
China, no oriente médio e na Índia há milhares de anos. No entanto, ela não chegou à Europa Brasil.
e às Américas de forma ampla até muito mais tarde. No leste, foi utilizada tanto como droga
recreativa quanto como agente medicinal.

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THC e CBD
A cannabis não produz CBD e THC. Ela produz compostos que são precursores. São eles: A única indicação do canabidiol aprovada nos EUA, por exemplo, é para certos tipos
o canabidiol ácido, CBDA; e o THC ácido, o THCA. São estes os compostos que a planta de epilepsia pediátrica. Embora seja amplamente utilizado como extrato no país, o CBD
produz. Eles não são estáveis e lentamente se convertem em CBD e THC. ainda possui aplicações inexploradas pelas regulações de diversos países, e que poderiam
beneficiar amplamente pacientes que convivem como uma série de doenças e sintomas.

“É uma pena! Pois o CBD não é tóxico, não causa efeitos colaterais e
tem muitos efeitos positivos. Por exemplo, diminui a ansiedade. E essa é
uma das razões pelas quais as pessoas utilizam-o. Pessoas que estão sob
estresse sabem que o canabidiol é capaz de reduzi-lo.”

Mercado da cannabis
Hoje o CBD está sendo vendido em um mercado que movimenta cerca de dois bilhões de
dólares por ano. Não apenas como um medicamento, mas também de outras formas, como
em bebidas e alimentos.

Professor Mechoulam acredita que o CBD deve ser administrado em quantidades exatas
e apoiado por boas investigações clínicas. Ele defende que é algo que precisa ser feito para
garantir a boa utilização do composto.

A cannabis não produz CBD e THC. Ela produz compostos que são precursores. São eles: Epilepsia: Pesquisas sobre cannabis no Brasil
o canabidiol ácido, CBDA; e o THC ácido, o THCA. São estes os compostos que a planta Publicado há 40 anos, um projeto de pesquisa que investigava o uso do canabidiol
produz. Eles não são estáveis e lentamente se convertem em CBD e THC. puro na epilepsia feito com um grupo em São Paulo liderado pelo Dr. Elisardo Carlini,
demonstrou que o CBD é um excelente agente antiepilético. No entanto, Raphael conta que ele,
Infelizmente, esses compostos - que são os produtos naturais reais - ainda não foram Dr. Carlini e a equipe ficaram desapontados ao ver que não houveram impactos diante
investigados minuciosamente porque não são estáveis. No entanto, as primeiras pesquisas dos resultados apresentados. Ou seja, mesmo com as evidências positivas obtidas, o CBD
já começam a surgir. não foi aprovado.

Muitas drogas quimioterapêuticas causam náuseas e vômito. Assim, o THC é usado Demorou mais 35 anos até que que isso ocorresse. Ele questiona:
principalmente como medicamento para diminuir ambos os sintomas em pacientes que
recebem quimioterapia. No entanto, este ainda é um campo de atuação limitado, no qual
o THC pode não ser uma droga tão relevante ou não apresentar todo o seu potencial “Por que tivemos que esperar por tanto tempo?
terapêutico. Poderíamos ter ajudado! O CBD poderia ter ajudado
milhares de crianças com epilepsia pediátrica.”
Já o canabidiol, ou CBD, não é psicoativo. Ou seja, não causa a psicoatividade pela qual
a cannabis é conhecida. Portanto, é amplamente utilizado, embora não esteja aprovado por Esta é a mesma situação que há hoje com muitos outros usos de canabidiol.
nenhum governo, exceto para o uso em epilepsia. Apesar do CBD não ter sido aprovado para
muitas outras indicações, os efeitos benéficos já são evidenciados por pesquisas. No caso da esquizofrenia, por exemplo, foi demonstrado na Alemanha que o CBD em altas
doses é um bom agente anti-esquizofrênico. Ainda assim, não foram tomadas providências
O canabidiol é considerado um excelente composto para o tratamento de várias doenças para regular este uso.
auto-imunes, como a artrite reumatóide. Também é um agente terapêutico em potencial para
diabetes tipo 1, mas infelizmente, essas aplicações não foram investigadas em humanos. Começando a descobrir o sistema endocanabinoide
Os canabinoides ácidos em sua forma estável são muito potentes. O CBD e o THC são
compostos com diversas aplicações possíveis. No entanto, esta é apenas uma parte da
história dos canabinoides.

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Foi demonstrado, por exemplo, que um destes compostos (ainda não nomeado) é
Por muitos anos, não se sabia como o THC funcionava e quais eram os seus mecanismos
capaz de reduzir danos cerebrais. Este composto produzido está intimamente relacionado à
de ação. Então, lentamente, as informações começaram a surgir mostrando que poderiam
anandamida e ao sistema endocanabinoide.
haver receptores para o THC no cérebro e no corpo.
Mechoulam descobriu que o corpo produz um composto, semelhante à anandamida, que
Na década de 1980, descobriu-se que existe um receptor específico para o THC no
diminui o dano da osteoporose.
cérebro (CB1) e, mais tarde, um no corpo (CB2). Eles existem porque o corpo produz
compostos que podem ativar e/ou bloquear estes receptores. É este o funcionamento: são
Após os 50 ou 60 anos de idade, homens e mulheres podem ter osteoporose, condição
produzidos quando necessário e pelo tempo que é preciso.
que ocorre quando os ossos não são construídos tão rápido quanto eles são destruídos.
Então, as pesquisas de Mechoulam buscaram por compostos no corpo que
Sistema endocanabinoide e vício
pudessem ativar esses receptores. Depois de vários anos de trabalho, dois compostos foram
O vício é considerado uma doença e o corpo geralmente trabalha para combater estados
encontrados. O primeiro foi chamado de anandamida, um composto que é geralmente
de patologias. Então, Mechoulam e sua equipe estudaram como o corpo luta contra o vício.
presente em quantidades muito baixas no nosso corpo, sempre que necessário. Quando há
a sensação de dor ou de ansiedade, por exemplo, o corpo começa a produzir anandamida.
O primeiro aspecto estudado foi a dependência da nicotina e, depois de muito trabalho,
Então, ela atua sobre o sintoma e em seguida é eliminada.
descobriu-se que o cérebro produz um composto, semelhante à anandamida, que tenta
bloquear o vício na substância. Essa é provavelmente uma das razões que fazem com que
A anandamida se liga ao receptor identificado no cérebro (CB1) e em outras partes
algumas pessoas que fumam fiquem viciadas e outras não. Ou seja, uma deficiência neste
do corpo. Em muitos aspectos, o THC mimetiza este produto natural, ou seja, ele imita a
mecanismo pode levar a aumento na probabilidade de adicção.
anandamida.
Um outro aspecto importante é que quando alguém para de fumar a nicotina, o humor é
Além da anandamida, há também o 2AG. Ambos apresentam diferenças, mas têm ações
alterado completamente. Este composto estudado bloqueia os efeitos da abstinência do
semelhantes. Embora o THC mimetize esses dois compostos, eles não são totalmente
vício, o que impacta também o humor.
paralelos a ele. O THC permanece no corpo por algumas horas e, portanto, existem efeitos
adversos relacionados ao seu uso.
O estudo inicial foi feito com o vício em nicotina. No entanto, há chances que hajam efeitos
benéficos também para o vício em opiáceos e em morfina.
Anandamida
A anandamida faz parte de um grande, novo e muito importante sistema biológico. Um
Este composto não bloqueia a dependência de opiáceos e, aparentemente, o corpo huma-
sistema que consiste em receptores canabinoides, endocanabinoides (como a anandamida)
no tem uma outra substância específica que bloqueia este tipo de dependência. No entanto,
e enzimas que quebram ou sintetizam os endocanabinoides após a utilização.
o composto apresentado como um efeito anti-vício e anti-abstinência para a nicotina também
possui ação anti-abstinência para os opiáceos.
Cientistas da NIH, em Washington, mostraram e publicaram que o sistema
endocanabinoide é um mecanismo bioquímico central e está, aparentemente, envolvido em
Há empresas estudando este o composto para desenvolver um tratamento eficaz que seja
quase todas as doenças humanas.
capaz de bloquear os sintomas de abstinência de dependência de opiáceos.
A publicação feita por Mechoulam e sua equipe sobre a anandamida já foi citada milhares
O que é o 301?
de vezes por seu envolvimento em um novo sistema que levará a novos medicamentos: o
O 301 é um derivado do ácido canabidiolico que não causa efeitos tóxicos. O ácido
sistema endocanabinoide. A anandamida, do ponto de vista químico, não é um composto
canabidiolico se decompõe rapidamente e, portanto, não foi feito muito trabalho sobre ele. O
muito complicado. É um ácido graxo ligado a um aminoácido. No corpo há cerca de 20 ácidos
professor Mechoulam e sua equipe conseguiram estabilizá-lo. Foi demonstrado que o 301 é
graxos e 20 aminoácidos, o organismo sabe como combiná-los adequadamente.
um medicamento anti-ansiedade e muito potente quimicamente. Então é provável que ele se
tornará um agente terapêutico importante.
Novas descobertas
No corpo, há cerca de 100 compostos que são intimamente relacionados com a
anandamida. Poucos deles são canabinoides, mas todos aqueles já investigados mostram
que estes ativos são de importância básica para o corpo.

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Sejam todos bem-vindos ao
I CONGRESSO DIGITAL DE CANNABIS MEDICINAL - CNABIS POCKET!

O CNABIS é um evento de caráter técnico-científico, realizado online entre 04 e 06 de


agosto de 2020. Destinado principalmente aos médicos e médicas, no entanto, aberto aos
acadêmicos, profissionais da saúde e público em geral. O objetivo mais amplo do evento é
oportunizar um espaço para o debate qualificado e apresentação de evidências científicas
e clínicas sobre as aplicações terapêuticas da cannabis pelas maiores referências mundiais
sobre cada tema abordado.

As inscrições para o evento foram iniciadas em 29 de junho de 2020 juntamente com o


envio de trabalhos a serem apresentados posteriormente ao evento em um Simpósio
Online para os ouvintes. Todos os inscritos gratuitamente no congresso, independente da
categoria, tiveram a oportunidade de assistir a 20 horas de conteúdo disponibilizado online. Para
contemplar as aulas foi necessário usar e-mail e senha de acesso.

Após o evento, foram selecionados, dentre os mais de 50 resumos de artigos recebidos, 09


artigos que se tornaram vencedores e participaram do simpósio online CNABIS POCKET. O
evento ocorreu no dia 19 de novembro de 2020, onde foram realizadas 06 palestras.

Esta obra faz parte dos Anais do I Congresso Digital de Cannabis Medicinal e foi
separada do conteúdo original para distribuição gratuita.

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Índice | CNABIS POCKET Joelber Manzoli dos Santos, Nilton César Nogueira,
Thainan Alves Silva, Elayne Costa e Eduardo Filho
Felipe Minari Utilização da cannabis sativa na medicina
Produção de Etanol celulósico a partir da tradicional chinesa
Cannabis
Bruna Corrêa, Tainá Toqueton e Luiz do Carmo
Rozilaine Silva
A influencia de fitocanabinoides
Revisão sistemática: CBD na artrite na esquizofrenia
Isabella Passoni
José Araújo, Otacílio Dantas, Luanne Souza,
Cannabis: modelagem por homologia Lívia Pimenta, Roberta Albuquerque e Katy Lísias
Victor Vinicius Transmissão do conhecimento cienfítico
Cannabis nas dores neuropáticas causadas através de mídias digitais
por neuplasias
Giovana Paloma da Silva Palma
Herbert Maracaípe
Uso da Cannabis para tremores em pacientes
Cannabis na agricultura familiar brasileira com Parkinson
Natalia Alves
Revisão sistemática: CBD na ansiedade
Helder Camilo
Análise de conhecimento:
Cannabis e seu uso na meidicina veterinária
Maria Luiza Saldanha
Uso de canabinoides em pacientes com
fibromialgia
Roberto Tobaldini
Cannabis no tratamento de Tourette

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Este resumo se propõe a estudar novas aplicações da Cannabis, e conhecendo as
complicações que este tema traz à tona, conclui que ao mesmo tempo que se mostra,
teoricamente, altamente viável, também necessita de mais estudos para a comprovação
deste procedimento. O autor busca visibilidade para novas aplicações da Cannabis, ao mesmo
tempo que se propõe a realizar as análises e estudos para tal.

PALAVRAS-CHAVE: Cannabis; Etanol; Fitorremediação; Novas Aplicações; Viabilidade

A Fitorremediação é basicamente um processo onde a planta consegue filtrar e limpar o solo


em que é plantada. Dentre vários subprocessos, a Cannabis é capaz de realizar um específico
denominado “Fitoextração”, onde ela consegue manter os contaminantes “presos” dentro de
suas raízes. Apesar de que existem plantas que realizem este processo de forma mais efetiva,
a erva possui alguns pontos de vantagem, como sua reutilização após este processo.

O objetivo deste estudo foi verificar na literatura existente a possibilidade


da transformação dessa planta em Etanol após a utilização na Fitoextração.

Quanto aos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa de revisão


bibliográfica com abordagem quantitativa. Para que uma planta seja capaz de realizar a
Fitoextração efetivamente, ela deve possuir alta biomassa, alta resistência aos metais
presentes e alta capacidade de absorção desses. A Cannabis, além de cumprir todos estes
requisitos, ainda possui um ciclo de vida extremamente rápido e cadeias de raízes longas, o
que lhe dá algumas vantagens logo no início do processo contaminante (Citterio et al., 2003).

Ahmad, em 2016 prova que a Cannabis é capaz de reter metais pesados como Chumbo
(Pb) e Níquel (Ni), mas seu potencial está além deste processo, ou seja, uma vez que for bem
administrado, os lucros provenientes da planta podem ser maiores. Sendo assim, uma das
aplicações onde ela pode ser útil é na produção de combustível reciclado, ou neste caso,
Etanol (Sun; Cheng, 2001).

O Etanol pode ser dividido em 2 grandes categorias, o primário e o secundário. Entretanto, o


processo de produção dos dois é bastante similar: a fermentação de açúcares presentes, com
a diferença que no primário, o açúcar está livre, e no secundário, este deve ser separado da
celulose, portanto, sendo conhecido como “Etanol Celulósico (Benedetti et al, 2009).

Quando o assunto em foco é a Cannabis, ela se prova extremamente disposta, uma vez que
possui cerca de 44% em massa de Celulose, em contraste com apenas 37% de trigo e milho,
por exemplo (Sipos et al, 2010). Para a produção deste composto, se faz necessário realizar
um pré-tratamento da celulose, de forma a separar a celulose da lignina, aumentando assim a
taxa de fermentação (Zhu; Pan; Zalesny, 2010), para que logo em seguida a etapa de hidrólise
aconteça, quebrando as moléculas de celulose em açúcares menores (Hamelinck; Hooijdonk;
Faaij, 2004). A Cannabis, no entanto, possui algumas desvantagens, e entre elas com toda a
certeza podemos destacar a presença de psicoativos (THC, CBD etc.) que podem causar uma
reação não desejada na queima deste combustível.

100 101
A literatura científica relata propriedades anti-inflamatórias do Canabidiol (CBD), A enzima ácido canabidiolico sintase (CBDA sintase), encontrada na planta Cannabis
revelando potencial no uso da substância para tratamento da artrite. Porém, até o sativa, tem a função de catalisar a ciclização oxidativa do ácido canabigerólico (CBGA). Essa
momento poucos estudos clínicos sobre os efeitos do CBD na artrite foram publicados. reação tem como resultado a produção de ácido canabidiolico (CBDA), considerado o
Os protocolos de estudo são o registro preliminar do delineamento metodológico de ensaios precursor do canabidiol (CBD), composto que apresenta propriedades farmacológicas em
clínicos, disponibilizando publicamente informações que indicam preditivamente a qualidade mamíferos, atuando como agente antioxidante e anti-inflamatório. Embora a enzima ácido
da evidência em produção. canabidiolico sintase da Cannabis sativa tenha grande importância nas áreas médicas e em
pesquisas científicas, a sua estrutura tridimensional não está presente no Banco de Dados de
O objetivo deste estudo foi verificar o perfil dos Proteínas (PDB), este que possui dados digitais de proteínas, enzimas e ácidos nucléicos de
estudos de protocolos de ensaios clínicos em andamento acesso aberto para todos.
envolvendo o uso de CBD para tratamento de artrites.
O objetivo deste trabalho é produzir conhecimento
Foi realizada um revisão sistemática por meio das bases Clinicaltrials.gov e Pubmed. ao nível molecular da enzima EC:1.21.3.8, através da modelagem
A última busca ocorreu em 13 em agosto de 2020, utilizando as palavras-chave Artritis, por homologia com o programa MODELLER.
Cannabidiol, Clinical trial, study protocol. Todos os protocolos foram lidos integralmente
durante o processo de triagem. Foram incluídos os protocolos de ensaios clínicos em que Inicialmente foi utilizada a estrutura primária da enzima alvo e a ferramenta BLAST, com
a condição clínica dos pacientes era algum tipo de artrite, e cujo tratamento para esta era o o propósito de encontrar estruturas proteicas já elucidadas e com a maior porcentagem de
CBD. Foram coletadas informações sobre: controle, medidas de desfecho primário, tamanho identidade na sequência de aminoácidos, registradas no PDB. A enzima de código PDB 3VTE,
amostral, randomização, cegamento, dose e duração do tratamento. RESULTADOS: Foram referente à tetrahidrocanabidiol sintase (THCA sintase) apresentou 83,98% de identidade,
identificados 6 protocolos de ensaios clínicos, com um total de 544 participantes, e média tornando-se apta para uso como molde.
de 90 indivíduos por estudo. Destes, 5 possuem delineamento randomizado, com o uso de
placebo no grupo controle e cegamento de pacientes e profissionais de saúde. Os ensaios No programa MODELLER, a sequência-alvo da enzima ácido canabidiolico sintase da
clínicos estão sendo realizados nos EUA (2), no Canadá (2) e na Dinamarca (2). Todos os Cannabis sativa foi alinhada com o molde tetrahidrocanabidiol sintase, gerando cinco
estudos utilizam a medida da intensidade da dor como desfecho primário, sendo a escala modelos. O melhor modelo obtido foi submetido à validação por meio do programa
visual analógica (VAS) utilizada em metade dos protocolos. Dois dos seis protocolos avaliam Procheck e análise dos ângulos diedros (φ e ψ) no diagrama de Ramachandran, o qual
o uso crônico do CBD sobre a artrite, enquanto 4 avaliam seu uso agudo. O CBD está sendo constatou que 91,9% dos resíduos de aminoácidos apresentavam-se na região favorável,
testado em dosagens diferentes, sendo a dosagem de 10 mg a mais utilizada (3). 7,9% na região adicionalmente favorável e apenas 0,2% na região proibida sendo esse um
resíduo de ácido aspártico que teve seus ângulos torcionais corrigidos através de uma
Os ensaios clínicos que avaliam atualmente os efeitos do CBD sobre a artrite ferramenta do Swiss-PDBViewer.
apresentam, em sua maioria, delineamento com grupo controle, alocação randomizada de
pacientes e duplo-cegamento. Outro aspecto relevante e aparentemente promissor na O modelo final apresentou mais de 90% de seus resíduos de aminoácidos na região
produção de novas evidências é a escolha de medidas de desfecho relacionadas a favorável, confirmando a boa qualidade do modelo ante aos parâmetros analisados. Por
processos dolorosos já utilizadas de forma ampla e padronizada em ensaios clínicos seu potencial de aplicação biotecnológica na produção de CBDA, molécula promissora no
envolvendo uso de analgésicos e anti-inflamatórios, e adoção de uma dosagem uniforme. tratamento de várias doenças, a obtenção da estrutura tridimensional da enzima em questão
pode auxiliar no seu melhor entendimento ao nível estrutural e bioquímico.
PALAVRAS-CHAVE: Artritis; Cannabidiol; Clinical Trial; Study Protocol
PALAVRAS-CHAVE: enzima; modelagem; estrutura

102 103
O uso da Cannabis sativa como medicamento é bem mais remoto que pensamos. A Cannabis vem representando um grande potencial no mercado mundial diante dos
Antes mesmo da era cristã, na Ásia já se tinha relatos do uso dessa planta para usos seus benefícios medicinais, assim como pela alta produtividade e qualidade de suas fibras e
medicinais. Porém, a falta de embasamento teórico e de resposta concretas adiaram a sementes, além da versatilidade dos produtos obtidos através dessa matéria-prima.
constatação da Cannabis como medicamento até os anos de 1990 quando se descobriu os
receptores canabinóides no cérebro (ZUARDI, 2006). O objetivo desta pesquisa propõe discutir a importância desta cultura na
agricultura familiar brasileira, podendo emergir-se como uma nova
O objetivo deste estudo é de estabelecer a relação existente entre a commodity, indicando uma oportunidade de avanços tanto para
Cannabis sativa com a dor neuropática causada por neoplasias. a saúde pública, quanto para o agronegócio brasileiro.

Foram analisados 2 compostos (canabivarina, canabigerol) dentre os 60 que se encaixam De acordo com o Censo Agropecuário de 2017, observou-se que mediante a análise
na categoria dos canabinoides existentes na planta de cannabis sativa. Esses compostos realizada em mais de 5 milhões de propriedades rurais de todo o Brasil, 77% dos
foram estudados e passaram por testes de seleção usando os softwares: PASS online, para estabelecimentos agrícolas do país pertencem a agricultura familiar. Além disso, a agricultura
avaliar suas atividades biológicas, sendo essa válida com a Pa acima de 0,700 e o GUSAR familiar é responsável pela produção dos principais alimentos consumidos pela população
que prevê uma toxicidade do composto expressando doses letais (DL50) em quatro vias de brasileira: 84% da mandioca, 67 % do feijão, 54 % do leite, 49 % do milho, 40 % de aves e
administração (oral, intravenosa, intraperitoneal, subcutânea), mimetizando o modelo animal ovos e 58 % de suínos (BRASIL, 2019).
em ratos.
No Nordeste, a agricultura familiar é responsável por 82,9 % da ocupação de
De acordo com o trabalho realizado com os programas citados é possível observar que mão-de-obra no campo. Nesse sentido, a introdução da cultura da cannabis deve
dentre os compostos pesquisados o canabigerol obteve um resultado ativo de potencializar o potencializar em caráter econômico e sustentável esse setor produtivo, pois países como
fator neurotrópico, fato que está intrinsicamente ligado a redução da dor neurotrópica causada Uruguai, Paraguai México, Colômbia, Canadá, entre outros, aderiram a implementação dessa
por neoplasias. cultura agrícola e somam resultados positivos provenientes da alta produtividade e qualidade
de suas fibras e sementes, além da versatilidade dos produtos obtidos através dessa
Sua validade de Pa é 0,873 de acordo com o PASS online e sua DL50 pela administra- matéria-prima (FRONTIER FINANCIALS GROUP, 2018).
ção intraperitoneal de 582,500 mg/kg, oral de 2813,00 mg/kg e subcutânea 1108,00 mg/kg
são consideradas administrações não toxicas, classificadas como classe 5 pela OECD. A O valor da produção de um hectare de Cannabis é, em média, de US$ 52.000 para
administração intravenosa de 91,930 mg/kg ou mais foi considerada toxica. Além disso, produção de sementes e US$ 31.000 para a produção de fibras (JOHNSON, 2018).
apesar de pouco estudada, a canabivarina possui, de acordo com o PASS online uma
probabilidade de ação antineoplásica de validade de Pa 0,858. A partir da análise destes dados é possível confirmar que o Brasil possui grande potencial
para o cultivo de Cannabis spp. para fins de uso medicinal e industrial, já que de acordo com a
De acordo com as pesquisas realizadas é possível concluir que alguns compostos variedade e a finalidade do cultivo, as áreas que receberam classificação de aptidão para o
canabinóides como o canabigerol e a canabivarina possuem potencial de ação na inibição da cultivo entre boa e ótima foram responsáveis por valores entre 70% e 95% do território nacional.
dor neuropática causada por neoplasias entre outras doenças. Para o cultivo de fibras, possui entre 80% e 95% de áreas. Para o cultivo de flores, este
percentual foi superior a 80% e para o cultivo e sementes superior a 70% (BARBOSA, 2019).
PALAVRAS-CHAVE: Dor neuropática, Cannabis sativa, neoplasias

104 105
Ademais, o PL No 399, de 2015 que versa sobre o cultivo, processamento, pesquisa,
produção e comercialização de produtos à base de Cannabis spp. contemplam empresas e
associações de pacientes não incluindo, portanto, os agricultores familiares.

Torna-se imprescindível que os legisladores possibilitem a essa classe o fomento desta


cultura, pois várias famílias já exercem essa prática em diversas regiões do país de forma
ilícita. A exemplo, do que ocorre no conhecido polígono da maconha no nordeste brasileiro,
que no ano de 2016 produziu 40% de total produzido em território nacional

É de suma importância que a agricultura familiar seja reconhecida legalmente como


atores potenciais na produção agrícola da cannabis, fortalecendo assim esse setor de
Nos últimos anos, o Canabidiol (CBD), um constituinte da Cannabis sativa, tem atraído
grande relevância social, econômica e sustentável do país.
cada vez mais interesse como um potencial tratamento contra a ansiedade. Os protocolos de
ensaios clínicos contêm informações preliminares que ajudam a traçar um panorama da
PALAVRAS-CHAVE: Agricultura Familiar; Cannabis; Brasil.
qualidade da evidência clínica futura.

O objetivo deste estudo é verificar o perfil dos estudos de


protocolos de ensaios clínicos emandamento envolvendo
o uso de CBD para tratamento de ansiedade.

• Foi realizada uma revisão sistemática por meio das bases Clinicaltrials.gov e Pubmed.

• A última busca ocorreu em 13 em Agosto de 2020, utilizando as palavras-chave Anxiety,


Cannabidiol.

• Foram incluídos os protocolos de ensaios clínicos em que ao menos uma das condições
clínicas dospacientes era ansiedade e que o tratamento para esta era o canabidiol.

• Foram coletadasinformações sobre: grupo controle, medidas de desfecho primário,


tamanho amostral,randomização, cegamento, dose e duração do tratamento.

RESULTADO: No total foram incluídos 12 protocolos de ensaios clínicos,


envolvendo 200.741 pacientes. Destes, um único protocolo registrou um tamanho amostral
almejado de 200.000 indivíduos. Assim, a média das demais amostras é de 67 pacientes por
estudo. 5 dos 12 protocolos são ensaios abertos, enquanto os 7 demais são ensaios clínicos
controlados randomizados. Destes, 2 propõem cegamento duplo, 3 propõem cegamento triplo
e 2 estudos, cegamento quádruplo. 7 ensaios clínicos avaliam tratamentos crônicos a base de
CBD. O desfecho primário mais frequente foi a avaliação da ansiedade por meio de escalas
de ansiedade (n=7). Os protocolos utilizam diferentes dosagens de canabidiol, variando de 30
a 300mg. A dosagem de 30mg foi a única dosagem adotada em mais de um estudo (n=2). Os
Estados Unidos da América realizam 7 dos 12 estudos atualmente.

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Embora diversos ensaios clínicos controlados randomizados para avaliação dos
efeitos do CBD sobre a ansiedade estejam em andamento, foram observadas limitações
que podem impactar na qualidade da evidência, tais como reduzido tamanho amostral e
heterogeneidade da dose de escolha. Por outro lado, observa-se a adoção de desfechos
primários relevantes na prática clínica, com escolha de instrumentos validados para
determinação do grau de ansiedade.

PALAVRAS-CHAVE: Anxiety; Cannabidiol; Clinical Trial; Study Protocol

A Cannabis sativa (maconha) foi uma das primeiras plantas cultivadas pelo homem sem fins
alimentícios. Atualmente a utilização da maconha é um tema polêmico em todos os aspectos.

Estudos preliminares descrevem a eficácia da Cannabis sativa no tratamento de diversas


condições patológicas, tais estudos ainda são pouco conhecidos.

O objetivo deste estudo foi analisar o conhecimento dos estudantes


do Centro de Ciências Agrárias (CCA/UFPB) acerca da utilização
da maconha para fins medicinais na Medicina Veterinária.

• Foram aplicados 100 (cem) questionários estruturados aos estudantes dos cursos
de graduação do CCA/UFPB.

• Os dados foram analisados estatisticamente utilizando o programa SPSS.

• Foi possível avaliar que 98% dos estudantes conhecem a aplicabilidade da


Cannabis Sativa para fins medicinais, 80% afirmaram que essa aplicabilidade se estende
a utilização em animais.

• 66% dos participantes desconhecem o uso desta planta com o objetivo de potencializar a
produção animal.

• Sobre os perigos da utilização da maconha, 35% afirmaram que fitocanabinoides são


perigosos, 20% disseram que esses não oferecem risco a saúde e 44% afirmaram não
saber responder.

• No que se refere à canabinoides sintéticos, apenas 4% afirmaram que esses são mais
seguros do que fitocanabinoides, 30% disseram que aqueles não são tão seguros
quanto fitocanabinoides e 64% não souberam responder.

• Questionados sobre a ética da utilização da maconha com fins medicinais, 54%


afirmaram ser ética a utilização para esse fim, 11% afirmaram não ser e 34% não
opinaram.

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• Por fim, foi perguntado se médicos veterinários deveriam começar a discutir e
informar-se sobre a utilização de Cannabis Sativa para fins medicinais na Medicina
Veterinária, 93% responderam que sim, 3% afirmaram que veterinários não deveriam se
dedicar ao tema e 4% não souberam responder.

Frente a isso, é possível concluir que há muito a ser discutido e divulgado sobre a
utilização da Cannabis sativa como recurso terapêutico à comunidade acadêmica.

PALAVRAS-CHAVE: fitocanabinoides; maconha medicinal; potencial veterinário

A fibromialgia é uma síndrome reumática caracterizada por dor muscular crônica difusa,
associada à fadiga extrema e distúrbios do sono. O presente estudo trata-se de uma revisão
da literatura que avaliou evidências científicas sobre o uso de canabinoides na analgesia da
dor crônica em pacientes com fibromialgia.

O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia do uso de canabinoides


na analgesia da dor crônica em pacientes com fibromialgia.

• Foram feitas buscas nas bases de dados PubMed, SciELO e Lilacs, usando os
descritores DeCS/MeSH: “cannabis” AND “fibromyalgia” e “medical marijuana” AND
“fibromyalgia”.

• Foram selecionados 36 artigos, dos quais 4 foram selecionados para revisão –


2 do PubMed, 1 do SciELO e 1 do Lilacs.

• Os critérios de inclusão foram artigos originais, em inglês, publicados na íntegra entre


01/2015 e 06/2020.

• Os critérios de exclusão foram artigos incompletos não pertencentes ao tema e ao


idioma inglês.

Com base nos artigos selecionados, observou-se que 92 pacientes estudados foram
submetidos ao tratamento durante 6 meses, sendo divididos em 2 grupos:

- Grupo I, com 26 pessoas, que usaram 26g de maconha medicinal por via oral ou inalada;

- Grupo II, com 66 pessoas, que usou dois extratos de cannabis diluídos em óleo:
Bedrocan (22% THC, <1% CBD) e Bediol (6,3% THC, 8% CBD) por via oral.

Analisando os dados fornecidos, notou-se que, depois do início do tratamento, houve


melhora significativa da dor em todo o grupo I, dos quais 13 (50%) pararam de tomar
outros medicamentos para fibromialgia e 8 (30%) apresentaram efeitos adversos leves.
Já no grupo II, 39 (59%) pacientes apresentaram melhora de moderada a significativa, 14
(21%) cessaram outros medicamentos e 22 (33%) apresentaram efeitos adversos leves.

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Foi concluído, que apesar de haver limitações no estudo, devido à pequena amostragem
dos artigos revisados e a falta de comparação com grupo controle, percebe-se que o uso da
maconha medicinal tem resultado favorável na analgesia da dor crônica em pacientes com
fibromialgia, com poucos efeitos adversos.

Isso mostra a urgência por mais pesquisas nessa temática, visto que os canabinoides
oferecem um amplo espectro de benefícios.

PALAVRAS-CHAVE: Analgesia; Canabinoide; Cannabis; Dor crônica; Fibromialgia

Relatos esparsos e estudos preliminares sugerem que medicamentos à base de


canabinóides, como delta-9-tetra-hidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), por exemplo,
são eficazes no tratamento da síndrome de Gilles de la Tourette (ST).

O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia do uso do


Canabidiol + Tetrahidrocanabinol na melhoria da qualidade
de vida do paciente portador de Síndrome de Tourette.

O estudo é de um único de caso de paciente pediátrico com Síndrome de Tourette refratária


ao tratamento convencional e tratado com sucesso com canabidiol e tetrahidrocanabinol.

O sujeito do estudo foi um paciente da faixa etária pediátrica, sexo masculino, 7 anos
de idade, portador de Síndrome de Tourette moderada. O tratamento com canabidiol e
tetrahidrocanabinol foi associado ao tratamento com medicações convencionais, e
progressivamente aumentada a dose do CBD/THC até a dose ideal para a criança, quando
então iniciamos o desmame das demais medicações. Durante o tratamento foram aferidas
variáveis clínicas para tiques motores e vocais, foco, qualidade do sono e comprometimento
global antes, após duas semanas de tratamento, e ciclicamente pelo período de 1 ano.

O tratamento com CBD + THC resultou em grandes melhorias no tocante aos tiques
motores e vocais, com ganho maior no início do tratamento, bem como no comprometimento
global e na qualidade de vida relacionada à saúde, sem causar efeitos adversos relevantes.

Os resultados fornecem evidências adicionais de que o tratamento com CBD + THC pode
ser eficaz no tratamento de pacientes com ST, em virtude da resposta apresentada pelo
paciente neste relato. É necessária uma investigação mais aprofundada e abrangente, com
maior número de casos e randomizada dos efeitos do CBD + THC.

PALAVRAS-CHAVE: Canabidiol; Tetra-hidrocanabinol; Tiques; Tourrete

112 113
Por fim, apesar das inúmeras publicações que trazem os benefícios da
cannabis, a restrição a seu consumo e política de controle imposta no Brasil (fruto do
preconceito e desinformação) são uma barreira de acesso, além do interesse do mercado
que prima pela medicalização da vida e uso de moléculas e compostos sintéticos que sejam
economicamente altamente rentáveis.

PALAVRAS-CHAVE: Cannabis Sativa; Fitoterapia; Terapias Complementares

A fitoterapia chinesa é uma das modalidades de tratamento adotadas pela medicina


tradicional chinesa (MTC). Apesar do termo chinês ser traduzido em geral como
fitoterapia ou medicina herbal, esta forma de tratamento também se utiliza de ingredientes de
origem animal ou mineral na elaboração de suas fórmulas. Observa-se que “fitoterápico” é o
medicamento obtido empregando-se exclusivamente matérias-prima ativas vegetais.
Entretanto, popularmente, denomina-se por extensão como fitoterapia, toda a farmacopeia
chinesa. Os diversos ingredientes que compõem cada receita, indicada por um terapeuta de
medicina tradicional chinesa que emprega este recurso, são combinados em proporções que
maximizam os efeitos desejados e inibem possíveis efeitos colaterais. Entre os fitoterápicos
utilizados tem-se a Cannabis Sativa ou dà má.

O objetivo deste estudo é relatar o uso da cannabis


e suas aplicações na MTC.

Revisão integrativa que seguiu as etapas de identificação do problema e definição da


questão norteadora; definição dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos; seleção
das bases de dados e busca das produções científicas; escolha dos artigos e análise dos
estudos incluídos; desenvolvimento da discussão e síntese da revisão. Foram definidos
os seguintes critérios de inclusão: artigos completos publicados em português, disponíveis
nas bases escolhidas gratuitamente, que abordem sobre “utilização da Cannabis Sativa na
medicina tradicional chinesa e utilização de na medicina tradicional chinesa” e com o recorte
temporal de 2014 a 2019. O corpus foi composto por 04 artigos. Os resultados apontam que
o uso da cannabis remete ao Período Neolítico desde o norte da África até a Ásia. Seu uso
como fitoterápico participa de diferentes formulações fitoterápicas que visam o reequilíbrio
energético do indivíduo enfermo. Em um paralelo à cultura ocidental, tais formulações tem
sua prescrição voltadas sobretudo para epilepsia, depressão, ansiedade, insônia, dores em
geral, problemas digestivos e asma. Além do emprego nos distúrbios energéticos também
é utilizadas em rituais taoistas (sistema filosófico), corrente que influenciou diretamente o
surgimento da MTC.

114 115
Conclui-se, portanto, que a ausência de efeitos psicoativos e na cognição demonstram
que os canabinoides podem, no futuro, ser uma importante opção terapêutica em transtornos
psiquiátricos. A ausência de efeitos psicoativos e na cognição o CBD parece ser o canabinoide
mais próximo de ter seus achados iniciais para a prática clínica.

PALAVRAS-CHAVE: Psicose crônica idiopática; esquizofrenia; fitocanabinoides

A esquizofrenia é uma psicose crônica idiopática, sem sintomas iniciais específicos,


que ocorre, geralmente, na adolescência ou início da idade adulta. É uma enfermidade de
etiologia multifatorial que envolve modificações neuroquímicas, alterações no SNC e variáveis
genéticas.

Objetivo deste estudo foi verificar na literatura vigente


a influência de fitocanabinoides na esquizofrenia.

Quanto aos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa de revisão


bibliográfica realizada nos bancos de dados da PubMed sobre o uso terapêutico dos
canabinoides em psiquiatria, em particular o canabidiol, com abordagem qualitativa. O
desequilíbrio de neurotransmissores envolvidos na sintomatologia é uma das hipóteses
em decorrência da observação dos efeitos de drogas psicomiméticas como os agonistas
dopaminérgicos (MOOORE et al, 1999; BIRD et al., 2001). As drogas antipsicóticas
utilizadas no tratamento desencadeiam sintomas extrapiramidais como efeitos adversos e são
as principais responsáveis pela desistência ao tratamento (MARDER et al., 1991). Com o
intuito de evitar os efeitos adversos de medicamentos antipsicóticos na esquizofrenia é de
grande relevância a pesquisa de novos fármacos. Diante disso, o CBD, um fitocanabioide
encontrado na planta Cannabis Sativa, apresentou um elevado potencial terapêutico para
um possível tratamento de estados de psicose (KANE, 2001). Em comparação aos efeitos
psicomiméticos presentes no ∆9-tetraidrocanabinol, outro derivado da Cannabis, o
∆9- THC ativa os receptores canabinóides do tipo CB1 e CB2 . O canabidiol possui uma
baixa afinidade para esses receptores e possui um elevado potencial terapêutico por não
produzir esses efeitos extrapiramidais (KANE, 2001). O CBD nesse sentido aumenta a
expressão da proteína c-FOS, ativa a via neural mesolímbica e implica em um menor
potencial para efeitos motores indesejáveis (ZUARDI, 2008). Em um estudo recente
conduzido por 88 pacientes com esquizofrenia, foi usado uma droga constituída por CBD,
e foi administrada por 6 semanas junto a medicação antipsicótica usual, e concluiu-se que
a adição do CBD reduziu os sintomas da esquizofrenia sem induzir efeitos adversos graves
(GW Pharmaceuticals). Pesquisas demonstram que o CBD apresenta propriedades
agonistas nos receptores serotoninérgicos 5 HT1A (RUSSO et al., 2005; GOMES et al., 2012)
e a interação parece estar envolvida na sua ação ansiolítica (CAMPOS; GUIMARÃES, 2008;
RESSTEL et al., 2009). As propriedades agonistas 5HT1A melhoram os sintomas negativos e
déficits cognitivos pelo estimulo e liberação de dopamina (ICHIKAWA; MELTZER, 2000).

116 117
utilizadas pela equipe para combater inverdades numa época de julgamentos e duras críticas
ao uso de canabinóides.

Entendendo a importância de quebrar as estigmatizações e os paradigmas envolvidos


com o uso medicinal dessa planta em nosso país, o projeto ganhou ainda mais força com o
advento das novas tecnologias, agregando novas experiências e aumentando a visibilidade e
interação em seu ambiente virtual, com a ampliação no número de apoiadores e, consequente,
divulgação.

Com esse projeto de extensão, espera-se aumentar o número de médicos prescritores em


nosso Estado, para que mais pessoas se beneficiem da planta com a redução da burocracia
ao acesso do tratamento e do acompanhamento médico, bem como despertar um novo olhar
A extensão universitária é uma das principais formas de compartilhar conhecimento do sobre a cannabis, não de julgamento, mas de esperança.
ambiente acadêmico para a sociedade. Visando esse objetivo, foi criado o projeto de
extensão e pesquisa em Cannabis Medicinal, PEXCannabis, vinculado ao Departamento de PALAVRAS-CHAVE: Canabinóides; Cannabis; Redes Sociais.
Patologia e Fisiologia do Centro de Ciências da Saúde na Universidade Federal da Paraíba.
Nesse sentido, o projeto atinge com maestria ações que desenvolvem uma capacitação
social, acadêmica e política dos estudantes com base em aspectos jurídicos, biológicos e
sociais da cannabis e seus derivados, popularizando esse conhecimento. Em parceria com
a Liga Canábica da Paraíba e a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança -
ABRACE - as atividades, anteriormente divididas entre as modalidades presencial e virtual,
intensificaram-se na forma digital devido à pandemia do novo coronavírus trouxe essa nova
realidade.

O objetivo principal do projeto é informar e capacitar - através das


mídias digitais como Instagram e Facebook - os acadêmicos da instituição,
profissionais de saúde e a sociedade, para entender esse novo viés
terapêutico e suas esferas jurídicas, sociais, políticas e biológicas que
melhora a qualidade de vida de diversos pacientes. Além disso, outra
finalidade desse projeto é a desmistificação ao uso da maconha
medicinal, mediante divulgação de informações confiáveis nas redes
sociais, para que haja uma maior adesão ao debate, à defesa e a
utilização dessa planta como indicação de tratamento para diversas
patologias e/ou sintomatologias. Ademais, através desse ambiente virtual,
é possível, também, compartilhar cursos de aprofundamento da temática e
dar destaque a pesquisas desenvolvidas nesse campo.

A disseminação desse conhecimento ocorre através de mesas redondas, minicursos,


encontros, fóruns, produção de material didático a ser divulgado nas mídias digitais e palestras
ministradas por instituições parceiras e/ou por extensionistas após um processo de capacitação
interna que envolve discussão de artigos científicos, além da participação em congressos e em
pesquisas. No atual contexto focado na esfera digital, esses encontros foram alterados para
uma maior facilitação e, consequente, engajamento em eventos. Nesse aspecto, a produção
desse conteúdo digital perpassa o saber sobre a cannabis e alcança o desenvolvimento de
habilidades técnicas como marketing e análise de dados a fim de alcançar um maior público
alvo. Outros pilares são o embasamento científico e a comunicação simplificada são as armas

118 119
Conclui-se que o tratamento com canabinóides na doença de Parkinson pode ser utilizada
para discinesia provocada por levodopa, enquanto o uso para tremores deve ser testado em
cada tipo de evolução para obter eficácia. O aproveitamento do tratamento com cannabis em
Parkinson é melhor para sintomas não motores, como humor e sono, e na neuroproteção, como
forma de retardar a degradação dos neurônios dopaminérgicos e, consequentemente, o avanço
da doença (Martínez-Pinilla ET AL.).

PALAVRAS-CHAVE: Cannabis sativa; doença de Parkinson; sistema endocanabinóide;


tremor.

O Mal de Parkinson é a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente, sendo ela


crônica e ainda sem cura. É estabelecido que a principal causa da doença é a degeneração
dos neurônios com melaninas, principalmente os presentes na parte compacta da substância
negra, geradores do neurotransmissor dopamina (Steidl ET AL.). O tremor de repouso, postural
ou de ação da doença de Parkinson é um sintoma que afeta principalmente a independência
do indivíduo, e sua manifestação se dá em três a cada quatro pacientes (Helmich ET AL.). A
presença de receptores sensíveis a canabinóides em locais afetados com importância
motora abre possibilidades para seu uso nem sintomas motores da doença, com estratégias
que incluem a manipulação de AEA e 2-AG pela inibição da sua degradação, promovendo a
redução dos estímulos glutamaérgicos e gabaérgicos e promovendo a diminuição dos
movimentos involuntários.

O objetivo dessa revisão é verificar, por meio de análise de estudos


clínicos, a eficácia do uso da planta cannabis, seus compostos
combinados ou isolados e suas versões sintéticas na melhora
dos sintomas motores da doença de Parkinson,
em especial os tremores de repouso.

Foi feita uma revisão de artigos experimentais in vivo ou in vitro, publicados a partir de 2015
e com boa pontuação pelo Scientific Journal Rankings (SJR). A temática envolve a doença
de Parkinson, tremores e suas causas, sintomas motores, o uso da canabis ou qualquer um
de seus compostos e suas variações sintéticas, para o mapeando das interações entre os
compostos e o sistema nervoso central. Segundo a pesquisa, quanto ao ∆9-THCV, há
melhora na marcha, movimentação e na discinesia provocada por levodopa (Espadas ET AL.;
Garcia ET AL.). Foi notado também a ação de redução da perda dos neurônios dopaminérgicos.
Quanto a cannabis medicinal e CBD, houve melhoras nos sintomas da doença, principalmente
na mobilidade, fadiga, bem estar emocional, atividades diárias, dor e sono (Lotan ET AL.).
Observa-se uma melhora principalmente em sintomas não motores e ação neuroprotetora, além
dos efeitos do tratamento utilizado para a doença atualmente.

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