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Belo Horizonte
2014
MARINA BARROSO SPÍNOLA
Belo Horizonte
2014
Nome: Spínola, Marina Barroso
Título: O que falam hoje as adolescentes no socioeducativo
Aprovado em:
Banca Examinadora
Assinatura: ____________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
AGRADECIMENTOS
Dedico a pesquisa às adolescentes que me ensinaram que, apesar de tudo, é sempre possível
fazer uma escolha pela vida.
Agradeço a orientação da Profa. Dra. Márcia Maria Rosa Vieira Luchina pelo acolhimento,
pelo entusiasmo, pela transmissão da psicanálise e pelo incentivo a uma produção singular na
pesquisa.
Agradeço notadamente à Maria Josefina Medeiros Santos, amiga e colega de estudos, muito
querida e sempre ao meu lado.
À Leon Werth
À Leon Werth
(quando ele era pequenino)
SPÍNOLA, M. B. (2014). What the female adolescents’ statements are today in the socio-
educational measure regimen. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 7
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 68
INTRODUÇÃO
a partir de suas falas. Tais falas se relacionam com nomeações as quais esses sujeitos
recorrem repetidamente para se definirem e justificarem as próprias questões subjetivas e os
atos infracionais. Hipostasiamos que não se trata de uma nomeação inédita ou qualquer, mas
sim, determinante para a constituição da subjetividade, uma vez que motivam uma posição de
ser e agir no mundo. De acordo com esses sujeitos e seus familiares, as referidas nomeações
estão presentes desde sempre, desde a infância.
Situaremos o Sistema Socioeducativo, e o que falam as adolescentes, enfatizando suas
nomeações. A escuta é clínica, e, logo, tópicos sobre o saber e a ética na clínica e sobre a
demanda são destrinchados, antes da transcrição de fragmentos de três casos da instituição em
voga, escolhidos por representarem com clareza o tema da pesquisa – “O que falam as
adolescentes” –, título do primeiro capítulo.
No segundo capítulo – “Da infância à puberdade: o destino das nomeações” –,
abordaremos o infantil como o inconsciente e outros avatares do infantil, com a perspectiva
histórica da noção de infantil e o que é este para a psicanálise. Após, discutiremos as noções
de adolescência e de puberdade, com o empenho em tecer uma breve perspectiva histórica da
adolescência, e como a psicanálise a teoriza. Com tal teorização, nos instrumentamos para
discutirmos a respeito de que crise se trata o adolescer, o tempo lógico e suas identificações
nas peculiaridades desse momento. A expressão “hoje”, presente no título principal de nossa
pesquisa, é problematizada.
Por fim, no terceiro capítulo, depreendemos “O destino das nomeações”.
Discorreremos sobre as noções de identificação e nomeação, procurando estabelecer uma
diferenciação entre ambas. Um caso publicado é vislumbrado enquanto paradigmático, para a
compreensão dos casos das adolescentes. Finalizando, com o aparato teórico e clínico
enunciados, refletiremos a respeito dos nomes e seus destinos.
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Como foi dito na introdução, este trabalho é fruto de uma prática de pesquisa no
Sistema Socioeducativo. Antes de trazermos os fragmentos de casos clínicos, método que
subsidia em grande medida nossa dissertação, alguns esclarecimentos práticos, a fim de
melhor situar o leitor, devem ser feitos. Assim, é necessário delinear brevemente do que trata
o Sistema Socioeducativo, explicitando os seus pilares e especificidades.
Não podemos introduzir o Socioeducativo sem antes falarmos do Estatuto da Criança e
do Adolescente, daqui em diante denominado ECA - Lei nº 8.069/1990. Este é reconhecido
internacionalmente como uma das mais avançadas legislações dedicadas à garantia dos
direitos de crianças e adolescentes. Apesar de suas qualidades, suas disposições são pouco
conhecidas pelo público leigo e também por alguns juristas, não sendo incomum
encontrarmos atores da seara jurídica que desconhecem aspectos básicos do Estatuto.
O ECA foi promulgado em 1990, sendo, portanto, um instrumento relativamente
recente. Antes dele, vigorava o Código de Menores, cuja primeira versão data de 1927. De
acordo com esse Código, o público alvo era o "menor em situação irregular", ou seja, aquela
criança que, aos olhos da lei, se encontrava desamparada ou na delinquência. Com tal
legislação, qualquer criança em situação de rua, mesmo que não estivesse cometendo
qualquer ato infracional, era conduzida para a antiga FEBEM ou para a FUNABEM. Era
marcante, portanto, certo higienismo, bem como um preconceito em relação às classes menos
favorecidas. Antes de ser uma legislação que disserta sobre os direitos e deveres ontológicos
de toda e qualquer criança e adolescente brasileiro, ela era uma carta centrada nos deveres e
na punição.
Ao longo dos anos foi sendo percebida pelos legisladores a importância de
modificações nesse código, movimento que passa a incluir a criança e o adolescente de um
modo geral. Além dos direitos fundamentais, é incluída também toda uma disposição acerca
da prática do ato infracional e das medidas socioeducativas passíveis de serem aplicadas. O
Estatuto abrange o adolescente e a criança partindo de premissas cronológicas. Para o ECA, a
criança é aquele indivíduo menor de doze anos e o adolescente é aquele cuja idade está
compreendida entre doze e dezoito anos. Há certas especificidades, sendo possível que um
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jovem cumpra medida até completar vinte e um anos. Isso pode ocorrer se o adolescente tiver
cometido o ato infracional perto de completar dezoito anos. Uma vez que o período máximo
de duração de uma medida socioeducativa é de três anos, podemos, portanto, encontrar alguns
“jovens-adultos” no Sistema Socioeducativo, muito embora isso não seja tão frequente.
As medidas socioeducativas passíveis de serem aplicadas no Brasil são seis e são
imputadas de acordo com a capacidade do adolescente de cumpri-la, bem como a gravidade,
reincidência ou cumprimento insatisfatório da medida. São elas: a Advertência, a Obrigação
de Reparar o Dano, a Prestação de Serviço à Comunidade, a Liberdade Assistida, a
Semiliberdade e a Internação, sendo esta última a mais gravosa. É fundamental sublinhar que,
enquanto as penas – aplicadas no Sistema Prisional – são de caráter retributivo/punitivo, as
medidas socioeducativas têm um caráter essencialmente pedagógico, visando, portanto, a
educação do infrator. Os pilares das medidas são a escola, a profissionalização, a família e a
saúde, aspectos que, articulados, visam à responsabilização e à reinserção social do
adolescente. Diferente do Sistema Penal (Prisional), no qual cada crime possui uma pena com
um tempo prescrito, no Sistema Socioeducativo não há um tempo previsto, sendo três anos o
período máximo de medida. Tal aspecto é alvo de grandes críticas, não sendo incomuns falas
que questionem não só o limite da maioridade penal, como também a visão de que o tempo
das medidas é curto demais, não havendo qualquer incidência efetiva em termos práticos, uma
vez que se verifica um alto índice de reincidência infracional. Não iremos entrar nessas
questões, sendo nosso objetivo, por ora, apenas situar o leitor quanto ao Sistema
Socioeducativo.
Observamos, a partir da escuta das adolescentes autoras de ato infracional, certa recusa
em fazer um endereçamento à instituição socioeducativa, pela via do relato do ato infracional,
por exemplo. Este ato pode até ser descrito pela adolescente, como geralmente acontece ao
serem perguntadas, porém, da fala sobre esse ato infracional, não surge questão ou não se
localiza qualquer demanda do sujeito que permita a subjetivação do ato.
Com frequência, percebemos que as demandas das adolescentes circunscrevem pontos
em relação ao corpo e à sexualidade. Na maioria das vezes, isso culmina em um pedido de
ajuda para tratar, não dos problemas do ato infracional propriamente dito, mas de algo que
elas localizam estar relacionado a um estado de ser, a uma nomeação delas mesmas. Tal
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1
S(Ⱥ): Matema da falta no Outro, escrito no grafo do desejo, em O seminário, livro 5, As formações do
inconsciente, de 1958. O campo do Outro está marcado pela falta de um significante. Esta falta implica a
inconsistência do Outro.
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Nomear diz respeito àquilo que em nós faz exceção, que nos torna únicos. A
nomeação inclui a estranheza, o sinistro e o intruso, não sendo possível lhe atribuir uma
significação fechada e inequívoca. O processo analítico possibilita (sem deixar de lado a
universalidade da estrutura, como já sublinhamos) nomear e legitimar exceções, tornando ao
sujeito possível suportar esse estranho que o identifica no mundo e que o situa em sua relação
com Outro.
Ressaltamos que esta descrição não pode ser reconhecida nos autos do campo jurídico,
no qual as adolescentes possuem registros biográficos tecidos pelas diversas áreas que
compõem a equipe multidisciplinar que atua no socioeducativo. Tratamos de apresentar
cuidadosamente alguns elementos pinçados dos casos a partir da escuta clínica da
pesquisadora, ou seja, eles não constam em qualquer registro jurídico a respeito do caso, zelo
necessário para atender à exigência do sigilo na ética profissional do psicólogo. Desse modo,
tivemos um grande cuidado em não fornecer elementos dos casos que possam, de alguma
maneira, identificar a socioeducanda.
Assim, a ligação entre as adolescentes e seus nomes (estes entendidos não como seus
prenomes e sobrenomes, mas como significantes que as marcam e determinam seus sintomas
e modos de gozo), elemento que circunscrevemos como fundamental para a elaboração da
pesquisa, não implica na exposição de nenhuma das adolescentes enquanto indivíduo
habitante do nosso meio social. Apenas implica considerações delas enquanto sujeitos
circunscritos em uma prática norteada pela psicanálise e que, com nosso trabalho, dispomos a
refletir.
Os fragmentos de casos que descrevemos aqui são o resultado de uma construção
institucional, ou seja, articulados pelos diversos profissionais que atuam na instituição
socioeducativa. Trabalhamos com o recolhimento da escuta da equipe de segurança, dos
agentes socioeducativos e da equipe técnica com os seus profissionais das áreas jurídica,
pedagógica e da assistência social. Em um segundo plano, e não necessariamente de menos
importância, são também resultado da escuta clínica da pesquisadora norteada pela
psicanálise, orientada por autores como Freud e Lacan e seus seguidores.
Apesar de a escuta instrumentalizada pelos subsídios teóricos da psicanálise, a clínica
no Sistema Socioeducativo não se iguala com a clínica tradicional na qual verificamos um
setting analítico composto pelo analista e o analisando, este orientado a fazer uso da livre
associação e supondo que o seu analista sabe sobre os motivos de seu sofrimento, retornando
a cada consulta porque essa suposição de saber que, de certo modo, é o pivô da transferência,
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está posta. Diferente dessa clínica tradicional, nos encontramos em uma instituição que é,
sobretudo, jurídica e pedagógica, que entre tantos outros profissionais, inclui um profissional
em psicologia com sua escolha e orientação analítica. Isso não nos impede de fazer valer uma
clínica norteada pela psicanálise. Logo, conta com a possibilidade de inserir construções
relativas a essa clínica bastante particular em uma pesquisa acadêmica.
nossa pesquisa.
A noção de “demanda de análise”, posta nesses termos por Lacan, não está ausente da
elaboração freudiana. Em vários momentos, Freud (1920/1996) se preocupa com o que
denominou “condições necessárias à psicanálise” ou “condições ideais para uma psicanálise”
no texto A psicogênese de um caso de homossexualidade em uma mulher. A primeira delas é
que a demanda seja advinda do próprio sujeito. Em geral, essa demanda se encontra
correlacionada a uma desestabilização das soluções sintomáticas nas quais o sujeito se
ancorava.
Colette Soler (1990), no artigo Fora do discurso: autismo e paranóia, propõe
classificar as demandas de análise de acordo com duas vertentes. A primeira, a partir do
discurso do mestre2, isto é, por uma vacilação deste discurso; vacilação produzida por uma
desestabilização de uma identificação a um significante ideal. Então, o sujeito se vê
desamparado de uma referência até então apoiada na identificação ideal.
A segunda vertente das demandas de análise seria aquela que se coloca a partir do
discurso da histérica3, quando, de repente, a verdade do sujeito aparece e ele se vê
desamparado de saber sobre esta verdade.
A demanda de saber é típica da neurose, que visa sempre um engano quanto à verdade.
O analista pode responder com o seu discurso, onde o saber está no lugar da verdade.
Cremos que é no discurso do analista4 que se pode articular uma nova relação ao
saber, marcada pela ética da psicanálise. O saber no discurso do analista não é um saber
religioso, tampouco um saber mágico. Segundo Pierre Bruno (1991), na conferência
Transferência e saber, é um saber que vive daquilo que se diz. É por isso que entrar em
análise supõe uma mudança de posição do sujeito com relação às suas palavras. Implica
necessariamente na suposição de um saber atribuído àquilo que se diz, e no consentimento ao
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Discurso do mestre: S¹/$ – S²/a. Discurso da constituição do sujeito, que revela a alienação aos significantes de
sua identificação ideal no campo do Outro e que recobrem a causa de seu desejo.
3
Discurso da histérica: $/a – S¹/S². Discurso cujo agente é o sujeito dividido. Esta divisão implica a causa do
desejo, que se encontra no lugar da verdade. O sujeito busca no lugar do Outro um significante mestre, que
produza um saber sobre sua causa.
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Discurso do analista: a/S² i – $/S¹. Discurso cujo agente é o semblante da causa do desejo do sujeito. Somente
nesse discurso o sujeito produz os significantes de sua identificação ideal podendo se separar deles.
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fato de que as palavras constituem o lugar onde se define a verdade. A partir disso, falar não é
sem consequências. Tem efeitos de divisão, ou, em outros termos, implica em uma perda de
gozo, isto é, no encontro com a condição de falta a ser. A transferência analítica se funda em
uma falta de saber do Outro, na qual o sujeito poderá articular algo de sua verdade.
Bem, se nem todos os pedidos podem desaguar em uma demanda de análise, isto não
os descaracteriza como tendo, para a psicanálise, certo estatuto de demanda. E a resposta
possível, desde que apostamos em uma nova relação com o saber, supõe a ética do bem dizer,
ou seja, a palavra enquanto aquela que pode tocar em um ponto de verdade do sujeito.
Quais são as consequências que isso nos traz quanto à nossa posição ética no dia a dia
da clínica, em que recebemos diversas demandas? O que fazer com o que falam as
adolescentes no socioeducativo? Além disso, qual a contribuição ou as contribuições de
aplicação da psicanálise para essas adolescentes assistidas no Sistema Socioeducativo?
Retornamos à Freud (1919/1996) no esboço Linhas de progresso na terapia
psicanalítica, trazendo um de seus inúmeros enunciados éticos:
1.2.3.1 Caso B
Ato infracional:
Para B o ato infracional praticado foi consequência de seu ingresso no tráfico de
entorpecentes. Ao cobrar uma dívida relacionada à venda de entorpecentes, indignou-se com a
postura da vítima, que não teria levado com seriedade a cobrança ao proferir que B, nem
homem de verdade seria para tanto. B sentiu-se então destratada e atentou contra a vida da
vítima.
Nomeação:
Até antes da puberdade, B se ajeitava como uma menina, com longos cabelos
cacheados à maneira da “bonequinha da mamãe”. Com a chegada da puberdade, virou um
homem que tinha uma namorada, fazendo-se aparentemente um homem.
Assim, a jovem passou a assumir o lugar de provedora de sua companheira,
sustentando o lar com o dinheiro vindo do tráfico, tendo se afastado do convívio com a
família, que não aceitou sua mudança.
Ocupou o posto de gerente do tráfico, cargo antes assumido por um familiar próximo.
Tornou-se o “homem do tráfico”.
O término do namoro a acometeu de modo arrebatador, e, revoltada, chegou a tentar
suicídio, por não satisfazer a companheira.
As ações agressivas, com os outros ou com ela própria, evidenciavam-se como uma
resposta às dificuldades, tal como o término do namoro. Então, imprimia reiterados cortes em
seu corpo.
Demanda:
B não endereçou para a técnica em psicologia, no dia em que chegou para o
cumprimento da medida socioeducativa, uma demanda de falar a respeito do ato infracional e
nem se interessava em saber as ocasiões de liberdade que poderia ter, muito menos a respeito
de seu desligamento da medida socioeducativa. Demandava ajuda para lidar com seu
nervosismo que culminava nas automutilações, ou seja, ela queria cessar com o hábito de se
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cortar. Segundo ela, só se acalmava ao ver o sangue escorrer, demandando também uma
medicação adequada para se acalmar.
É importante destacar que, parecer-se com um homem, bem como as práticas
automutilatórias, surgiram concomitantes à chegada da puberdade, indicando a necessidade de
reinventar novas soluções para o encontro com o real.
Para B, era insuportável ser uma mulher, a dificuldade do convívio com as mulheres
era generalizada, a começar pelo convívio com o Outro materno.
Durante o cumprimento da medida socioeducativa, B demonstrou uma enorme
rebeldia às regras da instituição. Além disso, o convívio com as mulheres era marcado por
atos de agressão contra o outro e contra seu corpo.
O ato infracional vai de encontro com a tentativa de autoextermínio pelo idêntico
motivo da vacilação da aparência de homem que criara e pela qual se definia socialmente.
Contudo, o nome de “homem do tráfico” no qual buscava se localizar, sempre
fracassou, por não ser reconhecido como tal.
Destino:
Mediante as intervenções técnicas no cumprimento da medida socioeducativa, a escuta
do sujeito possibilitou um rearranjo da posição de B. O fracasso do nome viril de gozo deu
lugar a uma posição menos destrutiva, com a contenção dos atos agressivos e de
automutilação.
O que se rearranjou para o sujeito implicou a localização do nome infantil de gozo,
“bonequinha da mamãe”. B consentiu em ceder algo do gozo destrutivo ao resgatar um nome
que a insere na fantasia do Outro.
1.2.3.2 Caso D
Ato infracional:
Para D o ato infracional praticado consistiu na tentativa de matar uma colega do abrigo
onde residia, devido a uma discussão da vítima com outra menina do abrigo: uma briga por
um lugar no sofá em frente à televisão. D tomou para si a desavença do momento em defesa
da menina que foi impedida de se sentar no sofá pela vítima.
O ato infracional irrompeu pouco tempo após o afastamento judicial do convívio de D
com sua filha. Possuía uma filha que foi batizada por ela com um nome que significava: a que
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traz felicidade. A filha foi retirada do abrigo em que estava e encaminhada para uma família
substituta.
Ela que, então, nunca havia praticado ato infracional, ao saber da possibilidade de
perder sua filha, a quem se apegara, e temendo que a estória de sua filha repetisse a sua,
respondeu ao conflito praticando o ato infracional.
Nomeação:
D não tinha registro paterno e o genitor era desconhecido. Desde a perda precoce da
mãe, viveu abrigada. O abandono esteve presente e, diante de uma família numerosa, foi a
única não adotada por ninguém, cresceu em abrigos, longe dos familiares.
D repetia que era “lixo” em casa. Essa posição de lixo se manifestava na queixa do
abandono e na relação ao corpo entregue como objeto ao gozo do Outro. Associou que ser um
“lixo” era causa de sua infração, e que era obrigação do Estado tomar conta dela, e, de fato, a
tutela dela era responsabilidade do Estado que a mantinha durante toda a vida de abrigo em
abrigo.
O “lixo” que D se considerava era tão radical que, entre um abrigo e outro, após ter
sua filha encaminhada para adoção à sua revelia, morou nas ruas e relatava cenas de abuso
sexual.
Na puberdade, segundo D, o que a impedia de seguir fora da criminalidade era ser
“apegada” aos outros, fazendo pactos que a levavam para o pior. O crime também fazia
família, falava, isto é, constituía um modo de se ligar ao Outro, moderando um pouco o gozo
extraído da posição de lixo. Para D, o pior era o único lado do mundo que conhecia e não
haveria jeito de mudar.
A ligação com a filha configurava também um modo de se apegar, ou seja, um modo
de tratar a condição de lixo.
Demanda:
D endereçou para a técnica em psicologia a demanda de ficar em regime fechado,
rejeitou a possibilidade de ir e vir, rejeitava a ideia da liberdade. Demandava a todos que a
mantivesse presa: à polícia, às autoridades jurídicas, à equipe e aos agentes socioeducativos.
Pedia, inclusive, para ser algemada.
Assim, demandava ser contida, pressupunha que não seria e atuava. Pressupunha
porque, ao mesmo tempo em que demandava alguém que olhasse por ela, sabia que isso não
se encontrava em seu horizonte, uma vez que se localizava enquanto “lixo”, abandonada por
todos. D demandava um olhar, uma atenção, já ausente por antecipação. Apegada também à
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D pode produzir uma significativa inserção social encontrando uma residência fora da
instituição e iniciando-se na profissão de cabeleireira, operando cortes singulares e
separadores de sua condição de objeto.
A valorização do saber de D, isto é, um estilo singular de cortar cabelo das mulheres,
lhe permitiu o acesso a um semblante feminino.
Desse modo, D pode regular seu apego imperativo ao outro, o que só lhe mantinha no
circuito do gozo do abandono.
1.2.3.3 Caso K
Ato infracional:
Para K o ato infracional praticado implicava uma fantasia, a de eliminar a diferença do
mundo e trazer a igualdade entre as pessoas. Roubava de quem tinha dinheiro e distribuía para
os que não tinham dinheiro. Julgava-se alguém sem preconceito e se irritava ao ver algum
deboche da miséria, e, quando via, reagia agressivamente, tendo também atos infracionais por
lesão corporal. Falava que não estava miserável, mas um dia poderia estar, pois ninguém
poderia prever o futuro.
Nomeação:
K, antes dos seis anos, começou a fugir de casa, e, posteriormente, permanecia
circulando pelas ruas e estradas. O primeiro termo que a genitora usou para definir sua filha
era de que sempre, desde muito pequena, foi “diferente” dos irmãos. Atrelava isso aos seus
eventos cotidianos de fuga, nos quais ela pulava a janela de casa. Possuía uma vida errante
acoplada ao uso de entorpecentes iniciada na infância, o que persistiu em sua trajetória
infracional na puberdade.
Esse nome estava associado, particularmente, aos seus traços físicos, distintos da
maioria dos familiares. Isso, pois em um conjunto de todos negros e mulatos fazia exceção
por portar a cor branca do pai, ela não tinha o registro paterno, mas seu pai era conhecido e
morava na vizinhança.
O comportamento errante de K resultou em inúmeros boletins de ocorrência por
desaparecimento, quando criança e adolescente.
K foi abrigada diversas vezes, até bem antes dos seis anos, apresentando um histórico
de institucionalização, associada às dificuldades de sua mãe, cuja história é marcada por
repetidas tentativas de suicídio.
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física. O que julgava precisar, para lidar com a agitação que manifestava em resposta ao
sofrimento que informava sentir.
K vinha dizendo da origem de sua revolta, de que não era à toa, teve motivos para ser
assim, teve uma infância difícil. Tal tempo da infância parecia ter sido traumático para ela que
falava não conseguir se separar dele. Comentava que as situações perturbadoras da infância
pareciam ter acontecido no dia anterior.
Ao se pôr a falar, indicava tomar distância do referido tempo infantil, ou melhor, de
lembranças da infância que eram imaginadas e sentidas com grande angústia. Isso parece ter
apaziguado sua agitação, que era imensa.
Acerca da sexualidade, a cada dia se apaixonava por alguém, de adolescentes a
agentes socioeducativos. Não se identificava com os bissexuais, seriam preconceituosos por
demarcar a dupla escolha homem e mulher. Ela achava que poderia se apaixonar por um
travesti ou por um animal, e designava-se pansexual.
Destino:
A primeira solução de K, pelo menos por uns meses, ligada a sua demanda de
encontrar um lugar para si, foi a maternidade.
Ela, nos intervalos de sua menstruação, achava que estava grávida e solicitava exame
de gravidez. Tal fato ocorria antes da existência do cumprimento da medida socioeducativa,
desde a época em que menstruou pela primeira vez, aos onze anos. A cena se dava da seguinte
forma: após as refeições estufava a barriga e dizia que estava grávida em tom de brincadeira.
Só que a brincadeira ganhava seriedade e ela se angustiava querendo saber se havia um bebê
ali, que sentia algo se mexer dentro da barriga e que isso poderia ser a presença de um bebê,
de uma gestação, demonstrando um corpo invadido pelo gozo.
Como iniciara a vida sexual ainda criança e não se protegia com uso de preservativos,
ou anticoncepcionais, os outros pressupunham que, de repente, havia uma gravidez. E somado
a protocolos dos equipamentos da rede social e do cumprimento da medida socioeducativa,
exames de gravidez precisavam ocorrer, havendo qualquer suspeita ou demanda da
adolescente.
Muitos exames foram feitos e todos deram negativos. Ela revoltava-se com os
buchichos de que seria estéril. Falava que esta atribuição lhe retornava ao ser “diferente”, a
ser vítima de preconceito e perseguição. Essa falada impossibilidade de engravidar ressoava
para ela como uma desvalia, a subtraía do grupo de todas as mulheres, em geral, que
engravidam e têm filhos.
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A modernidade pensa-se a si mesma como sendo um ponto de chegada numa série contínua
e irreversível de conquistas da “humanidade”. Com mais ou menos velocidade e/ou força,
mas sempre um pouco mais adiante, sonhou estar se instalando na vida cotidiana até deixar
para trás e para sempre tempos primitivos, hábitos selvagens e morais obscuras. No entanto,
não poucos modernos passaram a dizer isso que nada se queria saber, ou seja, que a
civilização secreta a barbárie. Ou, se preferirmos, que toda a idade adulta produz para si a
infância de seu tempo e que nessa operação algo não pode restar (FERRETI, 2004, p.10).
Quando o infans deixa de ser tal, pois agora é um adulto, a infância passa a existir como
perdida e, assim, torna-se presença de uma ausência no mundo adulto. A infância passa a
existir como perdida, mas não toda ela. O que resta de um encontro de uma criança com um
adulto, em parte, inscreve-se psiquicamente como desejo ou, em outras palavras, como
aquilo que passa a fazer falta – diferença – no mundo sempre adulto. No entanto, uma outra
parte desse mesmo desencontro, ou falta de proporção entre o adulto e a criança precipita
sob a forma de gozo ou simplesmente como o infantil. Assim, enquanto a infância é aquilo
que se inventa como tendo sido, o infantil é o resto que tendo sido não foi e, portanto,
embaralha os tempos do ser à medida que não para de não retornar, ou seja, de se repetir –
voltar a pedir – acabando com a evolução típica da modernidade (FERRETTI, 2004, p.11).
Ressaltamos que esse chamado “encontro de uma criança com um adulto” (Ferreti,
2004) acaba por significar muito mais um desencontro. O mundo adulto, que recebe a criança,
está marcado pela diferença sexual, e, ainda pela falta de saber sobre a relação sexual que não
carrega uma fórmula própria capaz de defini-la universalmente. Tal como, não há uma
fórmula que defina o que é ser uma mulher de modo proporcional àquela que define o que é
ser um homem. Para esta última, a civilização responde fornecendo os seus significantes:
Anteriormente ao século XVIII, a criança era apenas uma figura que marcava a
ausência de razão, e, logo, desinteressante ao olhar adulto, de acordo com a mentalidade
cartesiana. Com Rousseau, ocorre uma mudança de paradigma, existindo um investimento na
criança, agora apta à racionalidade. Isso traz consigo uma contribuição importante para o
nascimento da família moderna, enquadrada na direção de uma criança ser o objeto de todos
os cuidados de seus pais e o suporte de todos os seus sonhos. Logo, a figura do pai e da mãe é
determinante para o curso da vida da criança.
Aos elementos o pai, a mãe e a criança, Rousseau acrescenta um quarto que denomina
preceptor, alguém revestido de autoridade e habilitado a dar conselhos aos pais para que seu
filho seja feliz. Trata-se da figura do mestre ou do educador, encontrada hoje, mais do que
nunca, encarnada no médico, professor, psicólogo, e, até mesmo, no psicanalista.
Ferretti procura no ensino de Lacan, pontos capitais para se estabelecer o que é o
infantil na psicanálise. Se Rousseau antecipa Freud, há, ao mesmo tempo, uma considerável
distância entre a visão freudiana e a de Rousseau, sobretudo porque Freud não tinha o enfoque
pedagógico e educativo.
Porém, a pedagogia proposta por Rousseau considera o infantil e pretende elucida-lo
ao seu modo, mais que discuti-lo, ao invés de recusá-lo. O infantil, caracterizado como aquilo
que é possível de retornar, é íntimo à teoria psicanalítica sobre o tema. Outra semelhança é a
posição tanto de Rousseau quanto da psicanálise contrária ao positivismo, que subverte a
lógica do pensamento cartesiano. A recusa do infantil, caracterizado como aquilo que não é
possível de retornar, é típica do discurso pedagógico hegemônico, ancorado na ciência
aplicada à educação. Isso corrobora a associação da noção de infantil a uma etapa da vida na
qual se é criança, etapa essa passível de ser superada e suplantada pela idade adulta:
A posição de Rousseau, contrária ao cogito, nos fala de uma criança, não do “eu penso”,
mas daquela que é, antes de tudo, pensada por outro e pelo Outro, o que nos fará abordar o
infantil e o inconsciente, já que, na psicanálise, o inconsciente é o discurso do Outro. O
infantil é, primeiramente, a marca da fala, neste que a modernidade começou a chamar de
criança (FERRETTI, 2004, p.39).
O que está em questão, para Freud, é muito da sutileza que Rousseau inaugura sobre a
infância, ao introduzir o infantil como algo que extrapola a criança, ou seja, que pode estar
presente em qualquer tempo. Isso se dá por Rousseau preocupar-se com o que intitula de
“natureza do homem”, mesmo que inserida na invenção de um método pedagógico.
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Freud não está voltado para a invenção de um método pedagógico, mas sim para o
estudo da realidade do inconsciente que é sexual, traçando uma diferença entre o discurso
pedagógico e o analítico:
Esta discussão é para nós importante, na medida em que vemos que o problema da
educação não é, aos olhos de Rousseau, um problema técnico de pedagogia, trata-se de uma
indagação sobre a natureza do homem. Por isso a escolha de Rousseau é um legítimo
parâmetro para que seja indagado o conceito de infantil em Lacan, já que, na psicanálise
trata-se do sujeito enquanto tal (FERRETTI, 2004, p.29).
O infantil deve ser investigado em sua conexão com aquilo que Lacan denomina de
mais “verdadeiramente próprio” (Ferretti, 2004) à psicanálise: o inconsciente. Este é tratado
por Freud como um dos conceitos fundamentais da psicanálise, sendo abordado em toda a
extensão de seu ensino. Embora sejam diversas as definições dadas ao inconsciente, a
premissa de que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”5. Em O seminário, livro
11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, de 1964, tornou-se uma das mais
5
A premissa “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” integra o primeiro ensino de Lacan sendo
formulada a partir da linguística de Saussure (e posteriormente de Jakobson e Benveniste) e da antropologia
estrutural de Lévi-Strauss.
28
unificação de um corpo imaginário é a imagem especular que o semelhante lhe fornece; uma
imagem primeira correspondente ao eu ideal (narcisismo primário). A identificação é mediada
pelo Outro do simbólico, validada pela operação da metáfora paterna. A mãe ganha o estatuto
de signo e não mais de objeto primordial, ao ser simbolizada em sua ausência. É iniciado um
terceiro tempo de interdição, que proíbe a reintegração da criança pela mãe, agora uma
criança-sujeito, para além de uma criança-objeto falo da mãe. A significação do falo encontra
sempre a castração simbólica que divide o sujeito e impede que sua verdade seja dita por
inteiro.
Em O Seminário, livro 11, Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, de
1964, Lacan defende a ideia de que a clínica com crianças é a mais fiel reveladora do mundo
das pulsões. Segundo o autor, ela está firmemente atrelada ao universo pulsional, ou seja,
aferrada a uma montagem que se dá pela linguagem, e que implica as zonas erógenas do
corpo. A pulsão, no ensino lacaniano, está vinculada à demanda, contudo, para além de uma
reivindicação que se faz ouvir, ela é estruturalmente silenciosa e radicalmente imperiosa.
Continuando nas trilhas da pulsão, podemos dizer que à medida que a psicanálise
aproxima o infantil tanto do pulsional, quanto do inconsciente, para o qual os restos diurnos
ou as experiências infantis são importantes na localização do sujeito, a presença do pulsional
no adulto irá nele presentificar o infantil. Como já dissemos, a pulsão vincula-se à demanda, e
esta só se expressa pela via da linguagem. Ao articularmos necessidade, demanda e desejo,
podemos melhor apreender essa noção e o modo como foi reformulada por Lacan. Podemos
pensar que a necessidade representa o elemento bruto da pulsão, a demanda seria aquilo que
da pulsão passa para a palavra e o desejo, por sua vez, é o mais além da demanda. Ou seja: “o
resto da necessidade é o desejo. Pode-se ver que a pressão do que resta de necessidade
pressiona os significantes do desejo” (Ferretti, 2004).
Lacan, ao vincular o pulsional ao infantil, faz mais do que transmitir a ideia de que a
criança está fixada à demanda. Uma vez que a pulsão é um conceito que reverbera
amplamente na teoria, verificamos que é por meio da pulsão que o saber, mais
especificamente, o amor ao saber, é questionado. Desse modo, o infantil, nas trilhas da pulsão,
vincula-se às dificuldades do saber, dada a disjunção entre o saber e a verdade. A posição de
nada querer saber da verdade pode ser muito frequente na criança, bem como em algumas
ocasiões no adulto, o que nos indica a presença do infantil no sujeito, independente da
cronologia, ou seja, da etapa de vida. A questão relativa ao saber, diz respeito às pulsões, é
30
que o saber sobre a satisfação pulsional encontra sempre a castração e por isso mesmo a
pulsão é sempre ingovernável.
Podemos prosseguir falando das relações entre a pulsão e o inconsciente: “o
inconsciente é repetição, porque é o lugar da pulsão” (Ferretti, 2004). Como já dissemos, são
muitas as formulações a respeito do inconsciente na obra lacaniana, mas atributos como
divido, fugidio, efêmero, frágil, inconsistente, pulsante, vacilante, tropeçante e outros são
comumente usados na conceituação do inconsciente. Este também é designado como
repetição. E o que é a repetição? Em O Seminário, livro17, O avesso da psicanálise, de 1969,
Lacan nos mostra que a repetição é o gozo e aquilo que se inscreve da pulsão de morte na
repetição, é propriamente aquilo que se dirige contra a vida. Ou seja, é ao nível da repetição
que Freud articula a pulsão ao instinto de morte.
É curioso observar que Freud, em Além do princípio do prazer (1920/1966), após
discorrer longamente a respeito da neurose traumática, para dar subsídios ao seu controverso
conceito de pulsão de morte, retoma a brincadeira das crianças. É nesse contexto que ele
insere o jogo do Fort! Da!, exemplo que ilustra uma brincadeira endereçada à mãe e aos
momentos em que ela desaparecia e retornava. Lacan sofistica as elaborações freudianas a
respeito desse jogo e diz que nele não se trata de uma necessidade que visa o retorno da mãe,
manifestada pelo grito. O jogo visaria o que não está representado: “O carretel não é a mãe,
mas algo do sujeito que se destaca: o objeto a6.” (Ferretti, 2004). Nessa brincadeira
observamos o nascimento do significante, do sujeito dividido, do objeto a, etc. Ou seja, não é
a mãe da criança a responsável por causar a repetição, mas, sim, a “hiância introduzida pela
ausência que é a causa” (Ferretti, 2004). Com o jogo, portanto, a criança responde à ausência.
A partir de tal delineamento, é possível afirmar que “na constituição da criança o real é causa
e é o real7 o que causa a repetição” (Ferretti, 2004). Como complemento a essa ideia,
podemos dizer que:
6
Objeto (pequeno) a de acordo com Elisabeth Roudinesco em Dicionário de Psicanálise é uma noção lacaniana
que concerne à causa do desejo e ao modo de gozo do sujeito e que nos remete à noção freudiana de objeto
perdido, isto é, o que se perde na “experiência de satisfação”, segundo o Projeto para uma psicologia
científica.
7
O simbólico delimita o campo do Outro, isto é, dos significantes da alienação do sujeito. O Real concerne à
castração, isto é, à falta de significante no Outro, que confronta o sujeito com a parte inominável das pulsões.
O Imaginário constitui o registro do recobrimento do real pulsional por meio de uma unidade conferida pela
organização das imagens do eu. Estas definições se encontram no primeiro ensino de Lacan.
31
A criança não pode ser autônoma sem passar por uma série de perdas, de castrações de
efeito simbólico. Temos o nascimento e a separação do corpo materno como o protótipo da
castração inerente ao humano, havendo, em seguida, repetições de perdas em diferentes
avatares, como o seio, as fezes e etc, sendo o acesso e a submissão à linguagem uma faceta da
castração bastante privilegiada por Lacan.
Ao retomar o texto de Lacan (1966/1998) A significação do falo, Ferreti observa que a
figura do pai e da mãe é determinante para a formação do sintoma da criança:
Lacan, ao referir-se ao complexo de castração nos diz que esse complexo é um nó, naquilo
que se refere à estruturação do sintoma e, por isso mesmo, regula a posição inconsciente do
sujeito. Esta posição é que faz com que o sujeito identifique-se com o tipo ideal de seu sexo
e com que acolha com justeza a necessidade da criança aí procriada (LACAN apud
FERRETI, 2004, p.25).
Voltando à pulsão e sua conceituação, temos, em Freud, uma das definições mais
conhecidas, qual seja a de que a pulsão é um conceito limite entre o psíquico e o somático.
Para Lacan, por sua vez, a pulsão é a realidade do inconsciente no que ela é sexualidade.
Contudo, “se a sexualidade é a realidade do inconsciente [...] a coisa é de acesso tão difícil
que só podemos talvez esclarecê-la pela consideração da história” (Lacan, 1963/2005). É
justamente em virtude dessa dificuldade que a construção do caso clínico se faz tão essencial.
O nosso trabalho prioriza como método deixar-se orientar pelas questões que os casos
suscitam. Nesse contexto, deparamo-nos com casos nos quais a sexualidade é um elemento
fundamental na fala das adolescentes, surgindo com muito mais frequência que o ato
infracional, por exemplo. Constatamos o quão pungente se faz o domínio da sexualidade
nessa clínica bastante particular, sendo-nos impossível, ao falarmos dela, não nos remetermos
ao infantil.
À medida que temos a pulsão como a realidade sexual do inconsciente, faz-se
necessário aproximar ainda mais essa noção ao infantil, campo que, por ora, é o que
verdadeiramente nos interessa. A partir da existência da sexualidade infantil, retiramos
conclusões relevantes:
A sua sexualidade (a da criança) não leva à consequência da reprodução (para isto será
necessário tempo), constatando-se, também, o caráter parcial das pulsões; a sexualidade é
sempre traumática, não há para os pais (entenda-se para a educação) medidas que possam
apontar o bom momento e a boa forma para o encontro com a sexualidade. Além disso, é
porque a criança tem uma sexualidade [...] que ela pode ser neurótica (FERRETTI, 2004,
p.82).
32
Com o excerto acima podemos nos perguntar: a análise, mesmo no adulto, não é
sempre do infantil? É o que Freud nos indicou através de vários casos clínicos por ele
construídos, a exemplo, do caso Hans, do caso do Homem dos lobos, desde os seus Estudos
sobre a histeria (1895/1996). Freud demonstrou como as cenas infantis de gozo recalcadas no
inconsciente estão na base da formação e do sentido do sintoma.
Ao igualarmos o inconsciente ao infantil, é preciso fazer uma ressalva. O inconsciente
e o infantil não são o primitivo. Lacan critica essa aproximação, alegando que fazê-la só faz
mascarar o que se passa de original na infância, sendo imprescindível tomar a singularidade
de cada sujeito em termos de sua história ou biografia. Nesse sentido, Lacan compreende o
infantil não como um momento, mas como resultado de um arranjo próprio de gozo. Podemos
dizer que “o sujeito do inconsciente não é uma criança, nem tampouco um adulto, mas o
sujeito do desejo inconsciente, que não conhece tempo, nem idade” (Miller, 1997).
Como complemento à ideia de Miller, exposta acima, ideia que já se faz presente na
obra freudiana em 1900, A interpretação dos Sonhos, podemos afirmar que, embora o
inconsciente desconheça o tempo, ele conhece a identificação. Tal assertiva nos é de especial
interesse, uma vez que falamos das identificações e nomeações que ocorrem precocemente na
vida dos indivíduos. E de que sorte é essa identificação? Um dos modos de identificação é a
identificação ao falo. Este, para Lacan, é “um significante; também uma imagem que
simboliza o lugar de gozo, para além da própria imagem, enquanto aquilo que falta na
imagem desejada” (Lacan, 1966/1998).
Ora, feitas as considerações acima elaboradas, indagamo-nos: por que estamos falando
de tantos conceitos aqui? Por que lançamos mão de conceitos relativos ao inconsciente,
pulsão, e de noções como falo, gozo, identificação e outros, quando o que nos importa é falar
de alguns matizes da clínica com adolescentes infratoras? Embora possa parecer uma
digressão, não o é. Retomamos todos esses conceitos e noções para sublinhar a ideia de que
na infância se organiza um modo de gozo, ou seja, uma dinâmica pulsional. Desse modo,
outra possível caracterização do infantil é vê-lo como um modo de gozo particular que
reverbera na idade adulta.
A cena fantasmática é ilustrativa nesse sentido, uma vez que aponta o enquadramento
em uma cena repetitiva, petrificação que traz efeitos importantes na vida do sujeito. Nesse
sentido, tal como nos aponta Lacan, o infantil “é o originalmente alienado na imagem
especular [...] é o momento mais original da relação fundamentalmente alienante em que o ser
33
[...] no tempo de concluir, em torno do qual se subjetiva para o sujeito seu ser sexual e
também o tempo em que se operará a escolha definitiva de objeto, orientada
fundamentalmente pela fantasia. Esse ponto de partida implica em levar em conta o lugar
do sujeito na fantasia (SOLANO, 1997, p. 8).
Outra faceta do infantil diz respeito ao fato de a psicanálise considerar a criança como
aquela que está “entre a mulher e a mãe” (Miller, 1998). Ou seja, o infantil encontra-se entre a
maternidade e a feminilidade: “Quanto mais a criança preenche a mãe, mais ela a angustia, de
acordo com a fórmula segundo a qual é a falta da falta que angustia. A mãe angustiada é
aquela que não deseja, ou deseja pouco, ou mal, enquanto mulher” (Miller, 1998). E o fruto
dessa dinâmica é o sintoma do filho.
Lacan fez algumas referências à criança como sintoma familiar. Para o autor, a relação
entre mãe e filho não é dual e sim triádica. Ou seja, trata-se da mãe, da criança e do falo. A
questão que se impõe a criança é se ela poderá ou não obturar a necessidade fálica da mãe.
Esta é vista por Lacan como insaciável, havendo uma perversão normal na qual a mãe coloca
seu filho como objeto fetiche. No próprio centro da teoria fálica existe:
Uma definição de criança que está em um matema que Lacan nomeia como metáfora
paterna. Esta permite afirmar que a criança em sua relação com a mãe – escrita sob o
matema do desejo da mãe DM – não encontra resolução sobre o que ela é, o x do que ela é,
mas pelo operador do pai (NP), isto é, a relação do pai com a mãe. Neste formidável
matema não há relação direta entre a criança e o pai (LAURENT, 1994, p.26).
Nesse sentido, a única saída para a criança, para além do seu lugar de objeto, é
renunciar a ser o falo materno. Assim, há uma desarmonia estrutural entre mãe e criança, uma
vez que essa última é capturada como objeto. É por isso que Lacan fala da “devastação” que a
mãe pode ser para criança, principalmente entre mães e meninas. A educação entra aqui como
saber não devastar, como bancar o lugar das decepções e faltas originais. Lacan diz que a mãe
tem efeitos de inconsciente justamente em função da falta que faz funcionar, fazendo a
criança entrar no discurso.
Lacan compreende a criança como o falo materno, mas também como objeto a. Em
Duas notas sobre a criança entregues manuscritas por Lacan a Sra. Jenny Aubry em 1969, e
somente publicadas em 1983, o psicanalista discorre sobre as dificuldades de uma análise com
crianças quando essas estão na posição de reveladoras do fantasma materno: “a articulação
reduz-se muito quando o sintoma que acaba dominando diz respeito à subjetividade da mãe.
35
Nesse caso, é diretamente como correlato de uma fantasia que a criança é envolvida” (Lacan,
1956/1998).
Ainda apoiado nas contribuições presentes, Lacan em O seminário, livro 4, A relação
de objeto, de 1956, dirá que é usualmente a função paterna que se interpõe entre a criança e a
mãe. Caso essa mediação não opere, a criança estará aberta a todas as capturas fantasmáticas
maternas. Se a função paterna não incide, a criança realiza a presença do objeto a na fantasia.
Ela dá corpo a essa fantasia, sofrendo, também no corpo, os sintomas decorrentes dessa
incorporação. Nesse momento do ensino lacaniano, portanto, a criança é concebida como
correlato de uma fantasia que diz respeito à subjetividade da mãe. A criança é, antes de ser um
sujeito, um objeto real e encarnado.
Por meio de seu sintoma, a criança pode representar a verdade do par familiar. Nesses
casos, embora haja uma maior complexidade, uma vez que ela porta a verdade do casal, há
também uma maior abertura para intervenções analíticas. É como se nessa posição a criança
portasse sem sabê-lo, no entanto, por isso mesmo essa verdade emerge como sintoma. Antes
de ser sujeito, portanto, a criança responde a algo; e para se tornar, enfim, um sujeito, ela deve
passar de desejada (ou não) a desejante, saindo do campo exclusivo da demanda.
Para concluir, podemos dizer que a criança, primordialmente, é um sujeito em vias de
advir. Antes de aceder à alienação significante, foi objeto e pode assim permanecer caso não
aceda à dinâmica da linguagem – é o que é verificado na psicose. As operações de alienação e
separação são fundamentais na constituição do sujeito:
Antes que a criança seja capturada pela linguagem, pelos significantes familiares, ela não é
nada. Quando se aliena a estes significantes, estará marcada por eles. Ao alienar-se, deverá
deles se separar. Ao assim fazer, separar-se-á enquanto objeto (FERRETTI, 2004, p.109).
Embora a adolescência não seja um conceito psicanalítico, ela em muito nos interessa.
Freud e Lacan não chegaram a definir a adolescência, tampouco atribuíram a ela grande
relevância em seus textos, mas isso não significa que ela não seja importante para nós,
praticantes da psicanálise. O interesse pelo adolescer só se acentua na medida em que a
clínica com os adolescentes tem se mostrado cada vez mais rica e dinâmica, havendo nela os
ecos da nossa contemporaneidade. Uma vez que o psicanalista precisa se manter atento ao seu
tempo, o contato com esses jovens nos ensina sobremaneira e nos faz refletir acerca dos
ideais, dos valores e dos sintomas em jogo na atualidade. Observamos, por exemplo, uma
maior presença de casos de adolescentes que realizam automutilações, bem como outras
intervenções no corpo, que nos fazem pensar sobre esse período bastante particular na vida do
sujeito. Ademais, vemos um aumento da delinquência, sendo cada vez mais comum
observarmos jovens se envolvendo em atuações criminosas bastante violentas. O nosso
trabalho no socioeducativo testemunhou esses eventos, bem como o dinamismo e
complexidade de uma clínica que, em alguns casos, é esquecida em detrimento de uma
pedagogia radical, na qual o caso e seus elementos biográficos e singulares são deixados de
lado.
Neste momento do nosso trabalho, iremos nos ocupar com a definição da
adolescência. Para tanto, iremos nos valer de outra noção que, a nosso ver, é mais relevante
que a adolescência por si só: a puberdade. É Alexandre Stevens (2004) que nos mostra que a
adolescência nada mais é que o sintoma da puberdade, ou o sintoma de um encontro com o
real característico desse momento. Antes de entrarmos nessa concepção, traremos algumas
definições de adolescência. Concluído esse percurso, retornaremos ao texto de Stevens que
servirá como base e norte de nossas elaborações.
O livro O despertar e o exílio – da mais delicada das transições, a adolescência
(2011) de Philippe Lacadeé, foi fruto de um momento bastante peculiar na França, no qual
37
jovens dos subúrbios de Paris, descontentes com o governo, começaram a incendiar carros,
gerando uma onda de pânico, como poucas, na capital francesa. Já no título de seu livro, o
psicanalista destaca a adolescência como uma transição das mais delicadas, sendo imperioso,
portanto, tratá-la com igual delicadeza. Lacadeé compreende a adolescência como:
[...] um momento de transição em que se opera uma desconexão no sujeito entre seu ser de
criança e seu ser de homem ou de mulher. Nela está implicada uma escolha decisiva, que
inclui a dimensão inédita de um ato [...] essa dimensão do ato pode levar alguns a uma
clínica da pressa, ou seja, querer pôr à prova, numa certa urgência, e até mesmo com
violência, a dimensão de verdade de seu ser. O ato, então, serve como saída para o impasse
da relação com o Outro, para o que se experimenta de um impossível de dizer, segundo as
modalidades clínicas do desarvoramento, caro a Robert Musil (1906), do tédio ou da
tristeza, e leva ao sentimento de exílio, de que são perpassadas as obras de Arthur Rimbaud
(LACADEÉ, 2011, p.19/20).
impossível de suportar e que vêm se tornando mais frequentes entre os jovens adolescentes.
Se, no caso dos jovens franceses as suas atuações eram direcionadas à televisão, a atuação
contemporânea dos adolescentes dirige-se, com todo furor, ao palco dos excessos, no qual
nada, radicalmente, não pode ser postado e compartilhado: a internet. Hoje, vemos certa
epidemia de adolescentes brasileiros, e também de outras nacionalidades, que, filmados pelas
câmeras dos celulares de seus colegas, asfixiam-se com a ajuda de outros pares, até perderem
a consciência, desfalecerem e terem, em alguns casos, convulsões. Tal sorte de atuação
normalmente se dá nos intervalos das aulas em escolas, havendo um acentuado grau de
euforia entre aqueles que perfomatizam o asfixiamento, como também daqueles que assistem.
Há, nesses casos, um jogo no qual o jovem mais resistente, e que consegue asfixiar-se
por mais vezes, é admirado como alguém forte, corajoso, e, nos dizeres particulares dos
adolescentes, “sem noção”. Esse tipo de comportamento, que sinaliza o empuxo de alguns
jovens a criarem situações limites entre a vida e a morte, sinaliza o desarvoramento ao qual
nos remetemos, bem como o mal-estar que as práticas adolescentes podem nos causar.
Curioso é notar que uma expressão como “sem noção”, antes de ser uma injúria ou uma
reprovação, é visto como um elogio à falta de consciência daquilo que lhe faz mal. Ou seja, o
gozo surge absolutamente desregulado, conduzindo o sujeito a experiências de quase morte.
Fervem na contemporaneidade comportamentos dessa ordem, como o ato de auto
infligir queimaduras com sprays aerossóis e, também, a prática de nocautear pessoas
desconhecidas nas ruas, sem qualquer motivo. Esses são apenas alguns exemplos do leque de
atuações dos jovens, que nos causam horror e que nos mostram a ausência de uma barra a esse
“gozo arruinador” (Lacadeé, 2011) do qual nos fala Lacadeé.
O autor prossegue a sua exposição demarcando que:
Novamente, percebemos, portanto, a ruptura que esse momento caracteriza, bem como
a ligação com o novo e com a invenção, invenções que, tal como expusemos algumas linhas
acima, nem sempre são positivas.
Sônia Alberti, por sua vez, fala da adolescência como um momento no qual se
“implica um encontro com o sexo – o qual não se reduz à relação sexual propriamente dita,
39
mas, muito antes disso, é o encontro do adolescente com as questões sobre a assunção de um
posicionamento na partilha dos sexos” (Alberti, 2008). A autora nos indica que a adolescência
é, antes de tudo, um longo e penoso trabalho de elaboração de escolhas, bem como um
esforço no sentido de elaborar a falta no Outro. Além disso, Alberti aponta para o fato de que:
O adolescente é convidado, tanto pelo meio que o cerca, quanto pelas suas próprias
determinações inconscientes, pulsionais e identificatórias, a tomar uma posição na partilha
dos sexos. Este convite é mesmo mais que um convite, é uma exigência [...]. Pois, se na
infância, ele acreditava – porque tinha de acreditar, da mesma forma como tinha de
idealizar os pais por deles depender para sobreviver – que o encontro com o outro sexo
tinha a possibilidade de ser harmônico, ele agora se depara com o fato de que há mais
desencontros com o outro sexo do que encontros, e que mesmo estes são sempre faltosos,
marcados pela incompletude (ALBERTI, 2008, p.26).
questão relativa à escolha entra em cena, sendo, talvez, a característica mais marcante ao
pensarmos nesse período. Escolhas que são recolocadas ao nível do sintoma e, também, da
organização fantasmática.
Em relação ao encontro com o impossível, Stevens diz que se trata do encontro com
um real próprio da puberdade. Esta põe em cheque a inexistência da relação sexual, que seria
essa dificuldade em saber o que fazer quanto ao sexo, ou seja, a ausência de um saber
estabelecido a priori sobre ele. Nesse sentido, no lugar da ausência da relação sexual, o
sujeito elabora um sintoma que surge a ele como uma resposta possível frente a esse real
impossível de circunscrever, que nada mais é que a própria inexistência da relação sexual.
Retomando um matema pensado por Miller, Stevens defende a ideia de que a puberdade seria
um dos nomes da inexistência do rapport sexual: “a adolescência seria, então, a resposta
sintomática possível que o sujeito vai dar a isso. É o arranjo particular com o qual ele
organizará o gozo, no lugar, portanto, da relação sexual” (Stevens, 2004).
Esse sintoma que se tece para substituir o conjunto vazio é uma interessante metáfora:
“A parte do sintoma que, por um lado, se articula com o significante faz metáfora – mas que é
também um traço de identificação – e é o que permite a interpretação da verdade do sintoma”
(Stevens, 2004). Mais do que o sintoma enquanto um significante, temos também a
compreensão de que “o sintoma também é o uso de um modo particular de gozo conectado a
certo número de traços” (Stevens, 2004). Essa concepção do sintoma se insere no ultimo
ensino de Lacan, no qual a dinâmica do gozo assume maior relevância em relação ao sintoma,
este não sendo apenas uma estrutura fundamentalmente simbólica e significante: “diante do
encontro com um impossível para si de uma relação com o gozo; esse é o seu sintoma”
(Stevens, 2004).
Stevens compreende a adolescência, portanto, como uma série de escolhas
sintomáticas em relação à ausência de saber quanto ao sexo que permeia a puberdade. Na
medida em que o instinto não rege e não nos fornece os recursos necessários para lidar com o
Outro sexo, tal como ocorre no mundo animal, o macho e a fêmea humanos se embaraçam,
não sabendo muito bem o que fazer juntos. A resposta a esse embaraço, a esse buraco, é para
o sujeito o seu sintoma. É a partir desse aspecto que Stevens se debruça sobre a clínica da
adolescência, ou seja, não como uma clínica da crise, mas como uma clínica do sintoma.
Ao contrário do que é amplamente difundido a respeito da adolescência, que a
concebem como um acontecimento ou uma problemática social, Stevens defende que o
adolescer é uma resposta individual de um sujeito. Esse elemento nos parece precioso, uma
41
vez que destoa do modo como a adolescência é amiúde tratada no Sistema Socioeducativo.
Não é incomum que alguns técnicos das instituições, bem como os gestores que as
supervisionam, entendam o ato infracional, não como uma resposta ou uma escolha do sujeito
que se articula ao seu sintoma, mas sim, como um ato que emerge como fruto de um meio
socioeconômico precário que, de alguma maneira, determinaria o ato infracional. É evidente
que condições sociais precárias são de fato relevantes nos casos encontrados no cumprimento
da medida socioeducativa, mas o são como um elemento a mais que se soma a uma dinâmica
complexa na qual o adolescente está no centro instrumentado com um leque de possíveis
respostas. Encarar a atuação infracional apenas como resultado da pobreza ou da miséria
revela não só uma prática demagógica, como também sinaliza grande desconhecimento em
relação a esse público.
Retomando o texto de Stevens, devemos prosseguir com um questionamento
fundamental para a nossa discussão: afinal, o que é a puberdade? Biologicamente, trata-se da
elevação do nível hormonal, e, como consequência, o desenvolvimento dos caracteres sexuais
secundários. Para a psicanálise, entretanto, esse real que se apresenta na puberdade não se
reduz a bruscas mudanças hormonais. É com subsídios lacanianos que percebemos que, se
esse lado orgânico é situável, ele o é no órgão da libido. Lacan (1953/1998) no texto Função e
campo da fala e da linguagem em psicanálise desenvolve a ideia retomada por Stevens,
“constrói a libido como órgão em sua dimensão a mais orgânica possível, mas justamente fora
do corpo, como aquilo que, do gozo, restará estrangeiro ao corpo que se torna significante, ao
corpo que fala.” (Stevens, 2004). Ou seja, na puberdade, o substrato biológico do qual
falamos é um “órgão, marcado pelo discurso, e esse real da puberdade não é o aparecimento
brusco hormonal, mas, antes, esse órgão marcado pelo discurso” (Stevens, 2004). Stevens
continua em sua argumentação dizendo que a prova disso é que o aumento hormonal não traz
qualquer problema para os animais.
Fazendo referência ao famoso prefácio escrito por Lacan sobre O despertar da
primavera8, Stevens diz que, se falamos de uma irrupção na puberdade, ela se articula à
emergência de alguma coisa sobre a qual as palavras falham diante desse despertar no real do
corpo. Trata-se da eclosão de algo radicalmente novo e que, por mais que o Outro diga ao
púbere o que está acontecendo com o seu corpo, essa transmissão não é suficiente para
aquietar o embaraço advindo das mudanças corporais. Diante desse novo, para o qual o
8
O despertar da primavera: peça teatral realizada em 1891, sobre a temática da puberdade e as questões que a
mesma traz para o sujeito adolescente. Trata-se da obra mais conhecida do ator, dramaturgo e romancista
Wedeking.
42
adolescente não tem resposta pronta, a sua fantasia falha. Esta advém especialmente do fato
de que, do lado do imaginário, a imagem, com a irrupção dos caracteres sexuais secundários,
se modifica. No tempo em que um devir homem ou mulher está posto, há uma espécie de
despedaçamento imaginário, ocorrendo uma regulagem da imagem marcada pelo embaraço.
Já ao lado da identificação simbólica, “a criança tem que operar uma separação entre as
figuras de seus pais e as figuras simbólicas dos pais. Ela tem de modular seus ideais de outra
forma que não seja pela simples identificação com o pai” (Stevens, 2004). As falhas possíveis
na estabilização conferida ao sujeito pela sua fantasia no período da puberdade criam
condições de revelação da estrutura subjetiva, que são relevantes para um diagnóstico
estrutural.
Stevens, retomando algumas conceituações do real em Lacan, conclui a sua exposição
acerca do real da puberdade dizendo que:
O real da puberdade é mais articulável nessas três definições do real em Lacan: em primeiro
lugar, ele é articulável na disjunção da imagem e da identificação simbólica acentuada no
momento de seu tratamento na adolescência; em segundo, a criança púbere está brutalmente
às voltas com alguma coisa que surge, que não tem nome e que vem modificar a imagem; e,
por fim, a terceira tese de Lacan sobre o real como não-relação sexual sendo exatamente o
que faz retorno na puberdade (STEVENS, 2004, p.35).
capaz de operar. Tal falha tem como respostas clássicas as passagens ao ato. É em O
Seminário, livro 10, A angústia, de 1962, que Lacan nos mostra que o acting out e a passagem
ao ato surgem como últimas barragens à angústia.
Stevens também faz breves menções à violência, ao fundamentalismo e à demanda de
amor, ilustráveis pela anorexia e a bulimia. Por fim, o autor fala sobre a escolha relativa ao
gozo fora do sexo, tal como ocorre na toxicomania. Retomando, nesse ponto, Lacadeé, o autor
diz que tais condutas são uma maneira de:
[...] se assegurar do valor da existência, de afastar para bem longe o medo de sua
inconsistência e da própria insignificância – tentativas de existir mais do que morrer. Ao
manejar a hipótese de sua morte, o jovem torna agudo o sentimento de sua ´liberdade livre´.
Desafia o modo, convencendo-se de que subsiste o acesso a uma porta de saída, caso o
insustentável se imponha. Assim, a morte entra no domínio de sua própria potência e deixa
de ser uma força de destruição que o ultrapassa” (LACADEÉ, 2011, p.57).
De início no presente tópico, vamos nos servir do tempo lógico em Lacan na tentativa
de estabelecer uma compreensão sobre as saídas identificatórias das meninas, ou, adolescentes
do sexo feminino. Apontamos que nossa orientação em psicanálise procura referir-se ao
adolescente de um modo diverso àquele utilizado por teorias que privilegiam o
desenvolvimento ou a superação de fases, na vida do sujeito.
Freud (1918/1996), ao escrever sobre o caso do Homem dos Lobos, nos faz uma
recomendação importante, retirada de sua escuta no caso citado. Ao escutar os parentes, ou
seja, o discurso da família sobre o seu paciente, percebe que não é recomendável que se
estabeleça o fechamento de determinados comportamentos do paciente pela idade que tinha,
como se diz, em termos gerais, que comportamentos eram típicos e frutos de uma idade ou
outra na infância. Isso, de acordo com Freud, facilmente poderia conduzir ao engodo de que o
sujeito estaria tão somente atrelado em virtude de uma fase específica, ou seja, uma
cronologia, que não o tempo do sujeito do inconsciente. Tempo este no qual, tudo aquilo que
participou da constituição do sujeito, pode retornar. Freud, portanto, ainda reitera sobre o
cuidado que se deve ter, em relação ao discurso dos mais velhos:
9
O caso é de uma jovem que muda o objeto de escolha sexual durante a adolescência, até então aparentava ser
heterossexual. Após uma gravidez da mãe que coincide com o tempo da puberdade da jovem, ela torna-se
homossexual e passa a cortejar uma dama de idade madura e reputação duvidosa. A posição masculina
adotada pela jovem responde à decepção infantil de não ter o filho do pai, decepção reativada pelo real da
puberdade que, como referido, coincide com o nascimento de uma criança na realidade familiar.
47
escreve que “as identificações determinam-se ali pelo desejo, sem satisfazer a pulsão; isso
porque a pulsão divide o sujeito e o desejo, o qual só se sustenta pela relação que ele
desconhece, dessa divisão com um objeto que causa; tal é a estrutura da fantasia” (Lacan,
1966/1998).
Para uma melhor elaboração do mecanismo das identificações no sexo feminino,
necessitamos retomar o que se passa na saída do complexo de Édipo, em nível das
identificações, é claro, e evidenciar como a adolescência acentua uma interrogação das
identificações, desvelando certa decepção atrelada ao que ficou prometido na lógica edípica,
ou seja, na lógica fálica. A solução pela metáfora paterna, operada no registro do Ideal pelo
mecanismo das identificações, que sustentam o sintoma da tosse nervosa de Dora, por
exemplo, transmite um pouco do trajeto clínico de Freud (1905) pelo feminino, trajeto relativo
ao período da adolescência.
Certos encobrimentos do real são indicados, nas soluções que Freud propõe para o
Édipo da menina. São três maneiras de encobrir, que corroboram por assinalar uma
propriedade da sexualidade feminina, vislumbrada no campo do simbólico.
A especificidade do Édipo na mulher está na passagem de afetos pela mãe para os afetos
pelo pai; enquanto o menino continua tendo como objeto de amor a sua mãe, a menina é
obrigada a efetuar uma mudança, tendo que trocar de objeto de amor (FORTES, 1995,
p.30).
A primeira solução, a escolha da neurose, não efetua por completo a passagem da mãe
para o pai. Devido à inveja do pênis, a menina abandona o prazer extraído da sexualidade
fálica, cessando a vida sexual. A segunda, o complexo de masculinidade, mantém a ligação
com a mãe ou retorna a ela, em função de uma decepção com o pai. A menina recusa
reconhecer a castração da mãe, identificando-se à mãe fálica ou ao pai. Com rebeldia, ela se
afirma na masculinidade e se agarra à esperança de conseguir um pênis. O complexo de
masculinidade não corresponde à homossexualidade feminina, que se origina na decepção em
não receber o que se esperou do pai, o falo, na forma de um filho. A mulher, até a elaboração
do complexo de castração, é capaz de apresentar múltiplas situações advindas da inveja do
pênis. Freud descreve quatro delas e as apresenta como resíduos do complexo de
masculinidade, a saber: o sentimento de inferioridade associado à ferida narcísica, o ciúme
como inveja do pênis deslocada, um afrouxamento da relação afetuosa da menina com o
objeto materno e a oposição à masturbação, precursora da extinção da masculinidade da
menina.
48
Das três soluções apresentadas por Freud como saídas para a sexualidade feminina, na
terceira saída, pela feminilidade, se procede mais radicalmente a virada para o pai. A menina
renuncia ao amor da mãe, por esta ser castrada, e se volta para o pai, com o desejo de ter o
pênis, do qual foi frustrada pela mãe. Em conseguinte, o ter nascido mulher, portadora de uma
falta, é imputada ao pai. Entretanto, a feminilidade, para Freud, em 1933, nas Novas
conferências introdutórias sobre psicanálise, só se estabelece se o desejo do pênis for
substituído pelo desejo de ter um bebê, isto é, se o bebê assume o lugar do pênis, tomando
aqui no sentido de um valor, de um valor fálico, consoante uma primitiva equivalência
simbólica.
Logo, o Édipo feminino traduz a reivindicação do falo, e a dissolução desse complexo
fabrica outro problema. Falta motivo para que a menina o ultrapasse, uma vez que não paira
sobre ela a ameaça de castração: ela já é anatomicamente castrada. Os efeitos disso podem
ocupar enfaticamente a subjetividade das mulheres. Todavia, Freud não conclui a teoria da
feminilidade ao verificar que a mulher não se abrigava totalmente na dimensão fálica. A
mulher, posicionada concernente ao falo e à castração, está, como ser sexuado, incluída na
partilha dos sexos. O falo incide na libido no que toca a função sexual e organiza o desejo.
Todavia, o que se verifica é que a libido não é totalmente localizada pelo falo. A natureza
feminina não se reduz, portanto, à função sexual. A parte da natureza feminina, tomada na
função sexual, é, precisamente, a parte desnaturalizada pela incidência da castração e da
ordem fálica, submetida à dialetização do ser e do ter; porém resta outra parte, e ela constitui,
como comunica Freud (1933/1996), o “enigma do feminino”.
Atinamos que, ao trabalhar a adolescência e as identificações do ser e do ter, estas
jamais poderão se inscrever no gozo feminino que, para além da lógica fálica, não as
representa. Sendo assim, mesmo que as identificações ao tipo ideal de cada sexo
funcionassem muito bem, a novidade que a puberdade traz no encontro com o outro sexo, não
é passível de ser representada pelas metáforas identificatórias.
Não parece desnecessário lembrar que a temática do gozo feminino não é alvo de
nossa pesquisa, e, que, por si só, é extremamente complicada, e precisaria de uma pesquisa
muito direcionada a ela. Somente enfatizamos que está presente para todo aquele sujeito que
se inscreve do lado feminino da sexuação, seja menino ou menina.
resposta” (Stevens, 2004). Acrescenta-se, para elucidar isso, que nem tudo se decide na
infância. O que se decide na infância pode ser posto ao lado de tudo que está captado na
repetição da experiência primordial de satisfação. Porém, o que se decide depois pode ser
posto ao lado da contingência dos encontros. Daí um traço da adolescência de
descontinuidade na relação do sujeito ao Outro, um antes e um depois da puberdade. Da
vacilação da fantasia decorre a hipótese da saída pela atuação, como um primeiro atalho
trilhado para o tratamento da angústia.
O encontro fabrica, portanto, ritos de passagem peculiares, como infere Viganó
(1998), geralmente fora do mecanismo da metáfora paterna na contemporaneidade. Isso faz
proliferarem as identificações imaginárias que, com fragilidade, se esvaem e as intervenções
sobre o corpo, da ordem do obsceno, como a automutilação e as demais inscrições de marcas,
apresentam-se.
51
Nossa pesquisa, até agora, abordou a adolescência como um sintoma, um sintoma que
introduz o novo, “esse novo, mais que o órgão, é o reaparecimento, para o sujeito, de sua
falha de saber no real” (Stevens, 2004), condizente com o que se situa no âmago da
dificuldade do sujeito adolescente. Assim sendo, é preciso ir além da lógica do pai, ir além do
falo, mediante a constatação de que o gozo ultrapassa a dimensão falicizada da libido. Tanto
para o sujeito masculino quanto para o sujeito feminino, o que traumatiza é a confrontação
com o Outro gozo, para além do gozo fálico.
Comentadores da obra freudiana dizem que Freud nunca ficou plenamente satisfeito
com as suas elaborações a respeito da identificação. Esta se configura como uma noção de
extrema importância na psicanálise. Embora falar da identificação não seja o objetivo de
nosso trabalho, é preciso continuar a falar dessa noção para poder distingui-la daquilo que
verdadeiramente nos interessa: a nomeação. Afinal, qual é a diferença entre identificação e
nomeação? Por que escolhemos falar da nomeação e não da identificação? Para responder a
esses questionamentos, devemos ainda traçar um breve delineamento sobre a noção referente
à identificação para, em seguida, falarmos da nomeação. Em um tempo ulterior, faremos a
articulação entre os nomes e a clínica sobre a qual nos debruçamos.
Dispomos de alguns textos fundamentais na obra freudiana quando buscamos
esclarecer a noção relativa à identificação. Entre eles, Totem e Tabu (1913), Uma introdução
ao Narcisismo (1914), Luto e Melancolia (1915) e Psicologia das Massas e Análise do Ego
(1921). Como dissemos, nosso escopo não é trabalhar a identificação, mas apenas fornecer os
subsídios necessários para distingui-la da nomeação.
Em Totem e Tabu (1913), texto bastante criticado por ter um excesso de especulações
de cunho sociológico sobre a origem da civilização patriarcal, Freud busca demonstrar “em
uma investigação excepcionalmente condensada, [...] que o resultado dela mostra que os
começos da religião, da moral, da sociedade e da arte convergem para o complexo de Édipo”
(Freud, 1913/1996). A partir dele, Freud discorre acerca da identificação primeva com o pai
52
que teria ocorrido a partir da refeição totêmica. Os filhos matam e devoram o pai, colocando
um fim na horda patriarcal:
Selvagens canibais como eram, não é preciso dizer que não apenas matavam, mas também
devoravam a vítima. O violento pai primevo fora sem dúvida o temido e invejado modelo
de cada um do grupo de irmãos: e pelo ato de devorá-lo, realizavam a identificação com
ele, cada um adquirindo uma parte de sua força (FREUD, 1913/1996, p.170).
A despeito das críticas dirigidas a esse texto, ele engendrou ressonâncias bastante
importantes na obra lacaniana. Lacan nos diz que a primeira forma de identificação se dá pela
incorporação. O autor nos mostra que, no momento em que incorporamos o objeto pai, é que
podemos nos apresentar como um “eu”. Esse momento se articula à noção de traço unário10,
ou seja, aquela marca do Outro sobre a qual o sujeito pode se localizar e se constituir. Lacan,
desse modo, dá grande importância a esse mito e ao ritual totêmico, localizando na
identificação ao pai elementos para a sua teoria acerca do Nome do Pai.
Em Narcisismo: uma introdução (1914), texto metapsicológico que possui enorme
relevância em virtude do delineamento de um novo dualismo pulsional, Freud, no tocante à
identificação, irá discorrer basicamente sobre as modalidades de escolha objetal na seara
amorosa. Uma pessoa pode amar em conformidade com o tipo narcisista no qual ela pode
“amar ela própria, o que ela própria foi, o que gostaria de ser e alguém que foi uma vez parte
dela mesma” (Freud, 1914/1996). Ou seja, a identificação com o objeto amoroso está em jogo
em todos os momentos nessa modalidade amorosa traçada por Freud.
Em Luto em melancolia (1915), outro importante artigo metapsicológico, Freud realiza
uma rigorosa distinção entre o processo de luto e o melancólico, recorrendo à libido e à
identificação como noções fundamentais. Em relação à melancolia, processo mais complexo e
elaborado, Freud diz que:
Não é difícil reconhecer esse processo. Existe, num dado momento, uma escolha objetal,
uma ligação da libido a uma pessoa particular; então, devido a uma real desconsideração ou
desapontamento proveniente da pessoa amada, a relação objetal foi destroçada. O resultado
não foi o normal – uma retirada da libido desse objeto e um deslocamento da mesma para
um outro –, mas algo diferente, para cuja ocorrência várias condições parecem necessárias.
A catexia objetal provou ter pouco poder de resistência e foi liquidada. Mas a libido livre
não foi deslocada para outro objeto; foi retirada para o próprio ego. Ali, contudo, não foi
empregada de maneira não especificada, mas serviu para estabelecer uma identificação do
ego com o objeto abandonado. Assim a sombra do objeto caiu sobre o ego, e este pôde, daí
por diante, ser julgado por um agente especial, como se fosse o objeto, o objeto
abandonado. Dessa forma, uma perda objetal se transformou numa perda do ego, e o
10
Esta noção é bastante complexa, não sendo possível contemplá-la em toda a sua extensão. Convidamos o
leitor a se remeter ao Seminário, livro 9, A identificação, de 1961 – inédito.
53
conflito entre o ego e a pessoa amada, numa separação entre a atividade crítica do ego e o
ego enquanto alterado pela identificação (FREUD, 1915/1996, p.281/282).
O ponto mais relevante a ser destacado nesse ensaio diz respeito à identificação do
melancólico com o objeto perdido, mais precisamente com a parte ruim desse objeto. Desse
modo, o sujeito passa a se recriminar, se envilecer e a se humilhar, o que o leva a uma
“expectativa delirante de punição” (Freud, 1915/1996). Embora não fosse claro a Freud qual
instância estaria em jogo nesse julgamento tirânico, já que ainda não havia elaborado
rigorosamente a noção de superego (no excerto acima ele é denominado de “agente
especial”), é claro para nós, que a sombra do objeto cai sobre o ego, conduzindo-o a um
processo de profundo desinteresse pelo mundo externo. Ou seja, a identificação possui um
papel fundamental na melancolia, bem como esta última em muito nos ensina sobre a
identificação, já que sinaliza que o processo identificatório – como bem nos mostra Lacan em
O Seminário, livro 9, A identificação, de 1961 – inédito – a identificação se dá por meio de
traços, sombras que são capturadas pelo sujeito, modificando a sua dinâmica subjetiva.
No Capítulo VII da Psicologia das Massas e Análise do Ego (1921), Freud se dedica
inteiramente à noção de identificação e sua articulação com o comportamento das massas.
Logo no início desse capítulo, ele diz “a identificação é conhecida pela psicanálise como a
mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa. Ela desempenha um papel
primitivo no complexo de Édipo” (Freud, 1921/1996).
É interessante demarcar que, em consonância com o que diz em Totem e Tabu (1913),
Freud diz que “ao mesmo tempo que essa identificação com o pai, ou pouco depois, o menino
começa a desenvolver uma catexia de objeto verdadeiro em relação à mãe” (Freud,
1921/1996). Tal excerto, embora não seja muito citado e trabalhado pelos psicanalistas, nos
sinaliza que a identificação primária é sempre com o pai, fato que à primeira vista, pode nos
parecer estranho. O que ocorre, portanto, é uma catexia de objeto sexual para com a mãe e
uma identificação com o pai que é tomado como modelo. Esses laços coexistem
simultaneamente e acabam se reunindo no complexo de Édipo. É a partir daí que a
identificação com o pai assume um colorido hostil, bem como se torna notório o aspecto
ambivalente implicado na identificação.
Em seguida, Freud articula a problemática do ter e do ser. Em um primeiro tempo, o
pai é o que gostaríamos de ser; no segundo, o que gostaríamos de ter, ou seja, a diferença
reside no fato de o laço se ligar ao sujeito, ou ao objeto do ego. Freud diz que não compreende
bem os motivos que engendram esses dois laços, mas afirma que “a identificação esforça-se
54
por moldar o próprio ego de uma pessoa segundo o aspecto daquele que foi tomado como
modelo” (Freud, 1921/1996). Novamente, o autor fala não em uma identificação integral, mas
sim com aspectos do modelo, ela é sempre “limitada, isolada e parcial” (Freud, 1921/1996).
Há, também, a identificação pelo sintoma e a identificação hostil. No primeiro, uma
criança, por exemplo, passa a tossir como a mãe amada, no segundo, essa mesma criança
tossiria penosamente, mas como uma forma de punir o sentimento de culpa por ansiar assumir
o lugar materno. Em relação à identificação pelo sintoma, Freud diz: “Você queria ser sua
mãe e agora você a é – pelo menos, no que concerne a seus sofrimentos” (Freud, 1921/1996).
Um terceiro caso de identificação diz respeito a uma forma que não leva em conta a
relação com a pessoa “copiada” (Freud, 1921/1996), ou seja, a pessoa que se identifica nem
conhece o seu modelo, mas identifica-se com ele por meio de um desejo comum.
Freud conclui a sua conceituação relativa à identificação dizendo que:
O que aprendemos dessas três fontes pode ser assim resumido: primeiro, a identificação
constitui a forma original de laço emocional com um objeto; segundo, de maneira
regressiva, ela se torna sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por assim dizer,
por meio da introjeção do objeto no ego; e, terceiro, pode surgir como qualquer nova
percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa que não é objeto
do instinto sexual. Quanto mais importante essa qualidade comum é, mais bem sucedida
pode tornar-se essa identificação parcial, podendo representar assim o início de um novo
laço (FREUD, 1921/1996, p.136).
Podemos extrair desses textos freudianos, portanto, alguns denominadores comuns que
nos auxiliem a definir a identificação para, em seguida, contrapô-la à nomeação. A
identificação é essencialmente parcial e se estabelece por meio da assimilação de aspectos do
objeto. Este é fundamental, na dinâmica identificatória, podendo ser amado ou odiado, fato
que sinaliza a ambivalência inerente à identificação. O processo identificatório é a forma
original de laço emocional, configurando-se como a operação pelo qual o sujeito se constitui.
E a nomeação? Em que medida ela se distingue da identificação?
De antemão, já podemos dizer que, enquanto a identificação se instituí a partir de um
trabalho daquele que se identifica – trabalho que pode ser consciente ou inconsciente – a
nomeação é uma operação na qual o Outro assume o papel fundamental. O Outro marca o
indivíduo com certos significante, imantando-o com uma rede circunscrita de significantes na
qual o “tu és” é o pivô. Esta nomeação que advém do Outro simbólico sulca o psiquismo
daquele que é nomeado, engessando-o, em certa medida, em torno desse nome. Este, não
raro, se relaciona ao lugar que a criança ocupa no imaginário materno, sendo, portanto, uma
operação que ocorre à revelia do indivíduo, ainda que se apoie em características concretas do
55
mesmo. Há, nesse sentido, certa violência na nomeação, já que ela ocorre “a despeito de” e
determina o modo de gozo do nomeado. A nomeação traz a marca da singularidade, do único
e do particular, sendo um modo de o indivíduo se situar no universal em sua singularidade e
aventamos, logo, relacionar-se com a marca do traço unário. A nomeação da qual falamos,
sendo ulterior a ela. Essa nomeação se articula ao sintoma do indivíduo nomeado, sendo,
portanto, uma operação que exige que o indivíduo já esteja situado no domínio do simbólico,
sendo capaz de fazer uso da linguagem, entrando em seu jogo.
A diferença é que, enquanto o traço unário implica diretamente o campo do Outro, os
nomes de gozo socorrem o sujeito ali onde não houve o Outro, ali onde o Outro não existe, ou
onde o sujeito encontra-se desamparado do Outro. A identificação está para o sujeito do
inconsciente da falta-a-ser, assim como a nomeação está para o ser de gozo, porque o sujeito
da falta-a-ser é o sujeito das identificações freudianas, o sujeito representado de um
significante para outro significante na estrutura da linguagem. Enquanto a identificação está
centrada na relação ao Outro, a nomeação está centrada na relação ao real. Logo, não se trata
de colar um nome sobre as coisas, mais de religar ou ligar os elementos e, ao mesmo tempo,
os separar. A ação de nomear, no contexto do nosso trabalho, não quer dizer simplesmente dar
um nome às coisas, mas amarrar elementos fundamentais da vida pulsional do sujeito.
A importância de localizar os nomes de gozo é primeiramente, valorizar a
singularidade do sujeito em oposição as classificações universalizantes. Valorizar a
singularidade realça a dimensão clínica do trabalho. E, em segundo, o nome de gozo implica a
conjunção entre o significante e o corpo, o que determina um modo de gozo próprio a cada
sujeito. Os nomes de gozo concernem ao que do real foi possível ser tratado pelo simbólico,
pois há sempre um resto inominável.
com os três casos eleitos das adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. São
pontos de congruência imensamente ricos, os quais nos põem a pensar que existe um “hoje”
no que falam as adolescentes, mas também existe um atemporal que perpassa os modos de
satisfação, independente da época histórica a qual nos remetemos. Isso, principalmente
quando interpretamos os casos na vertente do significante, da nomeação, dos modos de gozo
do sujeito, tal como a autora se aventura, e o que buscaremos fazer após sua apresentação.
Ademais, nos valeremos de comentários da psicanalista Sandra Oliveira, que possui uma
leitura do caso de Deutsch, pertinente à conjectura de nossa pesquisa.
Acrescentamos também, que esse menino, que desenvolve fobia de galinhas, viveu em
uma época na qual as marcas sobre o corpo, as tatuagens e piercings, por exemplo, não
estavam na moda. E nem seu cotidiano alicerçava-se na pluralidade das metrópoles ou
megalópoles modernas, com seus empuxos ao consumo de mercadorias, imperioso em nossa
sociedade capitalista. Era do meio rural, não sendo ao acaso, a escolha do objeto fóbico
“galinha”.
Deutsch nasceu na Polônia e viveu de 1884 a 1982 e, não obstante, era filha de seu
tempo, e a tessitura de seu caso pode ressoar para alguns com ares talvez moralistas, porém
como analista, isso não a impede de escutar e de provocar que seu paciente a procure para
falar, e que seja feita uma interessante construção clínica. Conquanto, o caso em tela não
deixa de elucidar as marcas que o encontro com o real, com a diferença do Outro sexo, pode
trazer para o corpo e para a subjetividade. O caso não será descrito integralmente, serão
descritos fragmentos eleitos no tocante à pauta de nossa pesquisa, e às indagações destacadas
desta. A tradução para o português é da psicanalista Cristina Drummond (2004). Ressaltamos
que a apresentação do caso em fragmentos em nada compromete sua compreensão e logo, não
acarreta distorções da proposta de Deutsch e de seus comentadores, em especial, a psicanalista
Sandra Oliveira. Assim, para uma melhor retomada da análise do caso posteriormente,
introduziremos uma citação da Conferência XVIII – Fixação em traumas – O inconsciente de
Freud (1917): “[...] as pacientes dão-nos a impressão de se terem fixado em uma determinada
parte de seu passado, como se não conseguissem libertar-se dela, e estivessem, por essa razão,
alienadas do presente e do futuro” (Freud, 1917/1996). Os fragmentos do caso seguem abaixo,
nas palavras de Deutsch:
“[...] Nosso paciente havia sofrido durante anos de uma fobia de galinhas particularmente
penosa para ele, pois, nascido e criado no campo, ele queria ser fazendeiro e não podia
57
exercer esse ofício por causa de sua fobia; ele tinha tido literalmente que deixar o lugar a
seu inimigo e se refugiar na cidade para dar um outro destino a suas angústias.
Quando ele consultou para um tratamento analítico, já estava praticamente curado de sua
fobia. Esse rapaz de vinte anos veio a partir da demanda de sua família que tinha descoberto
que ele era um homossexual manifesto e exigido que ele submetesse sua perversão a uma
análise. O paciente não concordava de forma alguma com isso. Estava totalmente satisfeito
com sua homossexualidade e insistia sobre a parte masculina agressiva de suas relações
com os homens, se bem que toda a sua personalidade manifestava um caráter doce, muito
claramente feminino. Os objetos de seu amor eram sempre jovens elegantes que, segundo
sua descrição, eram do mesmo tipo que ele. Nós chamamos narcísico esse tipo de escolha
de objeto: ama-se no outro a semelhança consigo mesmo.
Essa escolha de objeto era, para dizer a verdade, um pouco surpreendente porque, desde o
primeiro tempo da análise, pareceu claramente que as raízes de sua homossexualidade se
encontravam na fixação a um irmão dez anos mais velho que ele. Não foi senão quando a
análise desembaraçou os nós de sua vida psíquica que esse fato paradoxal pôde encontrar
sua explicação.
O paciente não se lembrava mais de ter estado doente nos cinco ou seis primeiros anos de
sua vida. As primeiras dificuldades neuróticas só apareceram durante o período de latência,
em reação a um acontecimento traumático. Eu queria novamente insistir aqui sobre o fato
de que esses acontecimentos traumáticos podem certamente provocar o desencadeamento
de uma neurose, mas que eles são muito raramente a única e última causa da doença. No
tratamento analítico, eles são indicadores, limites, marcos que conduzem a fontes
inconscientes mais profundas às quais eles devem seu efeito, às vezes sua origem.
A experiência traumática de nosso paciente constituía tanto o clichê de sua neurose púbere
posterior quanto o de sua perversão e, no estudo desse caso extremamente interessante e
instrutivo, eu colocarei esse acontecimento no centro e na base de nossa reflexão. Pois, para
a análise, ele era o ponto de partida que conduzia não apenas aos estádios posteriores de seu
desenvolvimento como também aos tempos pré-históricos de sua infância desaparecidos
sob amnésia. A análise mostra quase sempre que tais acontecimentos – quer eles tenham ou
não soçobrado na amnésia – não têm efeito patogênico senão na medida em que um terreno
favorável lhes preexiste.
A experiência de meu paciente nunca havia sucumbido à amnésia, mas ele não tinha tido
acesso à significação mais profunda desse episódio para o desenvolvimento de sua vida
psíquica. O laço entre o acontecimento aparentemente inofensivo e as dificuldades
neuróticas posteriores não pôde, por isso, ser estabelecido, senão com a análise.
Num quente dia de verão o menininho de sete anos brincava com seu irmão, já adulto, no
quintal da fazenda em que ele havia nascido e crescido. Ele brincava no chão, agachado,
quando seu irmão mais velho saltou bruscamente sobre ele por trás, o agarrou fortemente
pelo tronco e gritou: “Eu sou o galo e você é a galinha”.
Tratava-se manifestamente de uma agressão sexual lúdica da parte de seu irmão mais velho.
Resultou disso uma briga entre os dois irmãos, porque nosso jovem amigo não queria de
forma alguma ser uma galinha. Mas ele teve que ceder a seu irmão mais forte, que
continuava a apertá-lo na mesma posição. Tomado por uma raiva desmesurada, ele se pôs a
chorar e berrar: “Mas eu não quero ser uma galinha!”
A partir desse momento, o menininho começou a perder uma grande parte de sua liberdade
de movimento. Ele se sentia obrigado a fazer grandes desvios para evitar as galinhas, o que,
numa fazenda, não se passava sem dificuldades. Não era ainda o medo das galinhas que o
levava a evitá-las assim, mas o medo dos ataques sádicos de seu irmão mais velho que,
lembrando dessa brincadeira e dos protestos do pequeno contra o fato de ser uma galinha, o
gozava cada vez que uma galinha aparecia gritando: “É você!”
58
Enquanto no princípio ele evitava as gozações de seu irmão, pouco a pouco ele começou a
evitar as galinhas. Foi assim que a angústia devida às zombarias do irmão se transformou
em medo de animais inofensivos com os quais ele tinha até então se relacionado bem. Cada
vez que ele queria sair de seu quarto, uma pessoa de confiança devia prender as galinhas no
galinheiro e vigiar para que nenhuma estivesse nas paragens. Era preciso todas essas
precauções para que o menininho, ainda apavorado, ousasse sair da casa. Com o olhar
inquieto, ele estava sempre espiando com medo de que o bicho-papão – sob a forma de uma
galinha – aparecesse em seu campo visual. Quando ele avistava uma, era tomado por uma
grande angústia. Este entrave a sua liberdade durou mais ou menos dois anos. Depois a
fobia desapareceu totalmente e a análise revelou que esta liberação tinha coincidido com a
partida de seu irmão que deixou a casa da família para estudar.
A fobia diminuiu progressivamente, ele foi pouco a pouco sarando, por conseguinte, mas
ele desviou então do sexo feminino e se tornou, como eu lhes disse, um homossexual
manifesto.
O pequeno tomava ativamente parte nisso, se regozijando quando um ovo era posto e
olhava com interesse sua mãe tocar as galinhas para controlar a postura dos ovos e a
incubação. Ele próprio gostava muito de ser tocado por sua mãe e, quando ela lhe dava
banho, o lavava ou lhe dispensava outros cuidados, ele lhe perguntava frequentemente, para
se divertir, se ele também iria botar um ovo e se ela não queria controlar isso com o dedo.
Se o prazer do tocar, no início, se ligava aos órgãos genitais, ele deslocou em seguida
progressivamente – talvez por relação com o tocar das galinhas – essas sensações de prazer
para a parte posterior. Tocava seu ânus, retinha suas fezes ou ainda botava ovos fecais
perfeitamente formados em todos os cantos do quarto, muito feliz em fazer esse dom de
amor a sua mãe e muito espantado em não vê-la acolher esse dom com a mesma satisfação
de quando ele vinha das galinhas. Nessas brincadeiras, ele próprio tinha um papel duplo:
era a mãe que o tocava, o apalpava e introduzia seu dedo e a galinha tocada que botava o
ovo. Esse jogo anal tinha em grande parte caído na amnésia e só voltou à memória no curso
da análise.
Depois veio uma fase em que a educação empreendida por sua roda parecia coroada de
sucesso. O menininho abandonou suas “porcarias”, se tornou muito limpo e deu a
impressão de ter renunciado aos prazeres anais. Começou a se masturbar e podia parecer
que ele tinha assim conseguido passar do estádio anal ao estádio genital. Mas a análise
revelou que a masturbação não visava por outras vias senão as sensações de prazer anal.
Em suas manipulações masturbatórias ele sabia se pegar de tal forma que, no lugar de
encostar com o dedo na parte posterior, ele encostava seu pênis sobre o períneo na parte da
frente e obtinha assim sensações anais. Suas fantasias permaneciam centradas sobre sua
mãe, que ele a representava munida de um pênis: nesse jogo, seu próprio pênis era um
órgão que pertencia à mãe, assim como o havia sido seu dedo em suas fantasias anteriores.
Nessa fase, ele tinha certamente uma posição passivo-anal, mas a escolha de objeto era
heterossexual. Foi o acontecimento vivido com o irmão que marcou uma virada na escolha
de objeto. Com essa agressão, a posição passivo-anal predispondo à homossexualidade já
tinha tomado uma orientação homossexual e o irmão tinha sido colocado no lugar da mãe.
O jogo com o irmão tinha plenamente ativado sua disposição homossexual passiva. A
análise mostrou que desde antes desse acontecimento, observando o galo que saltava sobre
59
uma galinha, nosso paciente tinha se identificado com esta e que, se ele havia protestado
com tanta emoção contra o ato de seu irmão no jogo do galo e da galinha, era precisamente
porque rejeitava conscientemente esse papel passivo que ele desejava inconscientemente. A
cena com seu irmão tinha, para ele, a significação do ato sexual entre o galo e a galinha, ou
seja, entre seu irmão e ele, e seu grito: “Eu não quero ser uma galinha!”, tinha como
conteúdo real: “Eu nego meu desejo homossexual passivo”. A fobia de galinhas, tal como
mostrou a análise, não era senão a sequência dessa tendência à denegação.
Pelo que nosso paciente podia se lembrar, a cena com o irmão não se acompanhava de
sensações de cócegas, mas nosso paciente guardou a lembrança física na zona do abraço
que, despertado pelos contatos posteriores, levava cada vez à descarga alegre – o riso – e ao
mesmo tempo à defesa como outrora no grito: “Eu não quero ser uma galinha!”
Ele tinha sido vencido no combate com seu irmão, e é como lembrança de sua submissão
passiva depois de ter renunciado a se defender que apareceram suas síncopes posteriores
quando lhe faziam cócegas. Acrescentemos que, em suas relações com sua mãe, o paciente
já tinha tido fortes sensações de prazer quando ela o tocava. Esse prazer de ser tocado – seu
erotismo da pele era visivelmente muito desenvolvido – concernia também outras partes do
corpo que eram objeto de cuidados e da atenção de sua mãe. Esses lugares enxugados,
portanto tocados quando se faz a limpeza das crianças, se encontram sob o queixo, as axilas
e os calcanhares. Em nosso paciente, a sensibilidade ao tocar era provavelmente deslocada
dessas partes do corpo para a zona que, na cena com o irmão, tinha desempenhado um
papel correspondente ao destino da libido, que tinha passado da mãe para o irmão.
Eu tenho a impressão de que esta forma de excitabilidade da pele, com reações afetivas
particulares e tão desenvolvidas em nosso paciente, tem a mesma origem em toda cócega.
É, com efeito, notável que na maioria dos indivíduos, as regiões coceguentas típicas sejam
aquelas que têm a prevalência nos cuidados e nas limpezas da primeira infância. Parece que
a essas regiões do corpo de amarram lembranças de prazer ligadas ao erotismo da pele,
vividas na primeira infância e recalcadas na sequência. A cócega é, portanto, ao mesmo
tempo revivescência e recusa do prazer.
Voltemos a nosso paciente. A cena com seu irmão significava para ele uma cena de
sedução homossexual, acontecimento ao qual ele estava há muito tempo preparado e
predisposto em suas fantasias inconscientes. Sua luta consistia numa defesa contra a
realização desse desejo, defesa contra sua própria homossexualidade passiva que se
manifestava na fobia das galinhas [...]
O que se passa no presente com a fobia de galinhas de nosso paciente? [...] Ele isola essa
parte de sua personalidade que é portadora de sua posição passiva em relação ao irmão. A
galinha, à qual ele já tinha se identificado anteriormente, corresponde precisamente a esta
parte dele mesmo isolada e projetada no exterior. A galinha é, de alguma forma, o espelho
de sua tendência feminina. Cada vez que ele se vê nesse espelho, ou seja, quando ele vê
uma galinha, ele é tomado de angústia diante de suas próprias tendências pulsionais [...]
60
Lembremos que sua analidade primitiva trazia uma disposição à homossexualidade passiva:
seu irmão, atacando-o por trás, não faz mais do que mobilizar e consolidar essa disposição.
A angústia das galinhas desapareceu de maneira característica quando o irmão deixou a
casa – prova de que o perigo real para seus desejos libidinais se situava na realidade em sua
relação com seu irmão.
Durante a puberdade, o irmão teve uma ligação com a governanta francesa. O paciente
também solicitou seus favores, mas foi despachado porque ele era muito jovem. Ele não
aceitou muito facilmente essa recusa. Num acesso de raiva, agrediu a governanta por trás e
tentou violentá-la nessa posição. Depois de uma violenta cena familiar, foi decidido que o
rapaz irritável deixaria a casa.
O acontecimento com a governanta foi decisivo para seu destino posterior. A recusa que ele
suportou da parte da mulher reforçou suas tendências homossexuais. Ele voltou à escola,
sublimou aparentemente sem dificuldades neuróticas, mas toda a sua conduta traía
nitidamente tendências passivas.
Aos dezesseis anos, em visita a seus pais, teve um novo acesso fóbico. Ele deixou
precipitadamente a casa e voltou à cidade. No dia de seu retorno, conheceu um belo rapaz,
se dirigiu para ele de um modo extraordinariamente agressivo, lhe contou suas aventuras
homossexuais (que ele nunca tinha tido) e seduziu ativamente o rapaz, também
homossexual. A partir desse momento ele teve toda uma série de experiências
homossexuais análogas, nas quais desempenhava sempre o papel do sedutor ativo.
É preciso compreender como se passa essa mudança súbita em seu comportamento: fugindo
anteriormente de sua própria passividade, ele tinha, em sua angústia, recalcado toda moção
homossexual e preferido antes tomar medidas fóbicas do que sofrer a irrupção dessas
moções. Mas a libido homossexual refreada podia se impor com uma condição: que ele
assumisse o papel ativo e não passivo em sua homossexualidade. Para fazê-lo, ele deveria
se identificar com a mãe sedutora e não com a mãe seduzida. Ele atingia assim dois
objetivos. Primeiramente, ele podia manter sua atividade, ele não tinha necessidade de
renunciar a sua virilidade nem ao órgão viril. Em segundo lugar, depois de ter feito uma
escolha de objeto narcísica, ou seja, estabelecer relações amorosas com jovens que se
parecessem com ele, ele podia por meio desse desvio, se identificando com os outros, gozar
passivamente da experiência.
Mas o último choque que tinha liberado sua homossexualidade foi o seguinte: quando de
sua última visita a sua casa, ele tinha ficado sabendo que seu irmão era um homossexual
manifesto. Essa descoberta provocou o despertar de sua fobia. Mas ou mesmo tempo, desde
seu retorno à cidade e sob o efeito dessa notícia, ele abandonou a angústia de sua própria
homossexualidade e – se identificando com seu irmão – se torna homossexual ativo. Ele só
tinha que dizer para si mesmo: “Eu não preciso mais temer a agressão de meu irmão porque
eu próprio me tornei o agressor”.
61
As perspectivas terapêuticas de uma tal análise, na qual o analisante aceitou sua perversão
estando inteiramente convencido de estar com boa saúde e não se submete ao tratamento
senão pela demanda de seus próximos, são extraordinariamente desfavoráveis. É muito
surpreendente que esta análise tenha terminado por uma reversão para a heterossexualidade
e que, se eu acreditar nas notícias que recebo de tempos em tempos dele e de seu modo de
vida exterior, o paciente permaneceu heterossexual.
A solução terapêutica se revelou nesse caso tão interessante que eu não posso me impedir
de lhes reportá-la rapidamente.
O paciente veio à análise insistindo vivamente sobre sua auto-satisfação. Era um rapaz de
tipo feminino narcísico, para quem a única forma possível de relação de objeto consistia em
investir suas capacidades de amor limitadas num objeto semelhante a ele.
No momento em que tinha começado sua análise, ele se dizia “apaixonado” por um
comediante. Esse comediante, o tipo mesmo da escolha de objeto narcísica, era a
encarnação de todas as qualidades que o paciente desejava encontrar em si mesmo. Ele
queria ser comediante, o homem amado o era. O ser amado era terno como uma mulher e
generoso como um homem, pronto a todos os sacrifícios e, entretanto, preocupado em
manter sua personalidade, etc. Ao mesmo tempo, o paciente devotava uma igual admiração
à sua própria pessoa, era tão satisfeito e arrogante como se ele tivesse realmente todas essas
qualidades que ele pretendia encontrar naquele que ele amava.
Na análise, esta soberania narcísica foi um pouco abalada. Ele abandonou a análise, mas
logo escreveu cartas desesperadas me suplicando para retomá-lo, pois estava, dizia ele,
completamente “perturbado”. Na sua volta, ele teve o seguinte sonho:
Ele apaga a luz de cabeceira (ele já está sonhando) para dormir. No mesmo instante, sente
uma pressão em seu pescoço, um aperto em sua garganta, uma forma pesada aperta todo
seu corpo, tenta lhe esmagar o peito. Ele se defende, as duas formas se mordem em sua
luta, caem da cama no chão e continuam os socos, arranhões, gravatas, etc. Ele consegue
alcançar o interruptor, acende a luz, vê nesse instante uma forma feminina vestida de preto
passar furtivamente e sabe então que ela é a instigadora do combate. Ele sente suas forças
desaparecerem na luta e sabe que vai morrer. Na pessoa de seu adversário reconhece um
rapaz de suas relações. Ele diz: “Eu me suicidei” e pensa então: “Isso é o que eu mereço”.
Ele sabe muito bem que o outro o matou e, no entanto, afirma que é um suicídio.
Finalmente ele se diz: “É muito nobre de minha parte levar a culpa”, e acorda.
Essas associações traíam nitidamente sua identificação com o rapaz. Enquanto que, até
agora, ele se colocava no mesmo plano de seus parceiros amorosos que correspondiam a
seu ideal do eu consciente e se sentia assim semelhante a eles na admiração narcísica de si
mesmo, o sonho traía uma identidade mais profunda, recalcada, reemergindo no presente
sob a influência da análise (a mulher instigadora), com o que era mal, sádico e agressivo
neste homem. No sonho, ele descarregava toda a sua raiva e agressividade contra o inimigo
que o atacava, contra o parceiro sádico que era também seu duplo, seu eu recalcado e
compensado.
O sonho mostrava, no entanto, claramente, que esta luta entre ele e o “outro” continuava em
sua vida interior. O “outro” nele, que o maltratava e acabava por mata-lo era a parte sádica
de sua personalidade, e ao mesmo tempo seu próprio juiz, declarando: “Ele não merece
nada melhor”, dava sua sentença e o condenava ao suicídio.
Vemos aqui a crítica interna reinar como déspota e supomos então, com razão, que ela foi a
causa justificando o retorno da agressão sobre ele próprio. Ora, a posição masoquista que
resultava disso se tornava perigosa para o eu, pois ela o ameaçava novamente da perda da
virilidade, tal como havia feito o desejo libidinal feminino original. Nós já reconhecemos
na fobia a defesa contra esse perigo, mas compreendemos agora que a fuga fóbica valia
também como castigo que comportava novamente o perigo de castração. O castigo e a
satisfação do desejo libidinal feminino tinham as mesmas consequências fatais e deviam em
seguida ser rejeitadas pelo eu, como isso se produzia, aliás, com os mecanismos fóbicos.
Em nosso paciente, o combate interior tinha se resolvido no curso do tempo numa série de
compromissos aparentemente bem sucedidos e o paciente tinha compensado sua
desvirilização psíquica com um narcisismo soberano. A análise relançou o combate até as
raízes mais profundas do conflito. A paz interior foi abalada, o muro de proteção narcísica
ruiu e o processo de cura pôde então começar [...]” (DRUMMOND, 2004, p.125-132).
Os fragmentos do caso de Deutsch terminam aqui. No mais, ela pouco informa sobre o
desenlace do caso. Apenas condensa que o paciente aceitou em sã consciência sua
homossexualidade e foi se tratar porque a família exigiu. Inclui que ambas as características
seriam muito desfavoráveis, porém, surpreendentemente para ela, ao final da análise, o
paciente tornou-se heterossexual e que tinha informações de isso indicava ser permanente.
Partiremos para as elucubrações que o caso, no estatuto de paradigmático, nos fornece, e para
os comentários.
o trauma que significou para ele ser tomado como objeto de gozo pelo irmão, sendo isso que
lhe conferiu o nome “menino das galinhas”. O nome aí, não só traz a marca desse encontro
traumático, como também já estava indicado na posição de objeto imaginário do gozo
materno. Ele é paradigmático de uma posição sexual definida a partir de experiências
traumáticas infantis, que nomeiam um modo de gozo específico ou singular. Enquanto era o
“chuchuzinho da mamãe”, a “galinha dos ovos de ouro”, ou a versão freudiana da “galinha de
luxo” (substituição imaginária da criança ao falo) como comenta Oliveira (2007) que dava
seus ovinhos em forma de fezes para sua mãe, achava que poderia dar a ela o que lhe faltava,
de igual maneira que as galinhas da fazenda o faziam. Imerso, estava ele, em um paraíso
perverso infantil, da demanda. Mas quando ele vira a galinha do irmão, ele está sem o Outro
na posição de Outro desejante, que vem e que vai. Ali é o gozo que o apanha no imperativo do
“tu és”. Na primeira situação ele tem um apoio de elementos simbólicos e imaginários
oriundos de um mecanismo identificatório, e a nomeação, que se apoia, sobretudo, no real do
gozo, não aleatoriamente, fixa no nome “galinha” o sofrimento do sujeito. Oliveira condensa
essa dinâmica:
O lugar de uma “galinha de luxo”, que superava todas as outras, principalmente seu irmão
mais velho, estabelecido nas relações desse sujeito com sua mãe, em um tempo que Lacan
vai chamar de “tempo perverso”, sofre um abalo a partir dessa cena. O “tempo perverso” ou
“tempo do paraíso” é aquele em que a criança, em uma posição perversa, supõe dar ao
Outro o objeto que poderia satisfazê-lo, fazendo-se instrumento do gozo do Outro. No
entanto, o que essa imagem narcísica da galinha de luxo velava surge através do ato de
nomeação do irmão. A imagem narcísica da galinha de luxo cai e faz o sujeito cair no
estado de uma galinha como as outras ou entre outras. Desvela-se o que ele
verdadeiramente era: um objeto de gozo. Aliás, era a essa consequência de ser uma galinha
que, a cada vez que surgia uma, seu irmão lhe reportava, dizendo: “Essa é você”
(OLIVEIRA, 2007).
sua posição passiva, já nomeada traumaticamente pelo irmão mais velho. Após esse ato, é
mandado para uma instituição educativa e retirado da família. Diante do encontro com o real
do sexo na puberdade, que suscitou o insuportável gerado pela nomeação, ele se rearranja
com sua identificação infantil na homossexualidade. Na ocasião de seu retorno para o seio
familiar, comparece como um homossexual muito feliz e satisfeito por sê-lo, narcisicamente
deslumbrado com as escolhas que fizera. A família tinha, então, uma nova inquietação, e o
envia para a analista; para não brandir a harmonia que estava, servindo sua família, concorda
com a mesma. A analista suscita uma demanda no paciente, que em dado episódio, regressa a
procurá-la. As adolescentes também chegam até o cumprimento da medida socioeducativa –
uma instituição educativa – após a prática de um ato infracional, tendo como dever de acordo
com o Regimento Interno Único das unidades de cumprimento de medida socioeducativa,
passar pelos atendimentos técnicos, inclusive o psicológico.
O caso também termina pela virada à heterossexualidade. Deutsch observa que isso só
foi possível devido à interpretação do sonho do paciente, no qual ele termina concluindo ser
muito nobre de sua parte levar a culpa. Como o sonho é a realidade do inconsciente, segundo
Freud em A interpretação dos sonhos (1900), como o sonho constitui a Outra cena, isto é, a
realidade sexual do inconsciente, temos as cenas infantis de gozo:
Para Hélène Deutsch, esse sonho revela o que estava em questão no núcleo do sintoma de
seu paciente: a “posição feminina” havia sido precocemente determinada, porém, o
resultado final era devido a um ódio violento contra o pai e o irmão, aos quais ele deveria
submeter-se, reconhecendo sua fraqueza, e, de inimigo, transformar-se em amoroso
impotente. Para ela, tanto o sintoma fóbico, quando a escolha de objeto narcísica que
caracterizava a homossexualidade de seu paciente, eram uma defesa contra a ameaça da
perda de sua virilidade que, não obstante, retornava sob a forma de um castigo que
comportava, novamente, o perigo de castração. Hélène Deutsch faz, aqui, demonstração da
experiência do real em jogo na psicanálise, deixando-se surpreender pelo que deste real é
veiculado pelas respostas do sujeito. Tal como aparece no sonho, ela se inclui no sintoma,
encarnando, por sua presença, sua parte real, isto é, o lugar do recalcado, de onde pode
retornar ao sujeito o sentido sexual do sintoma. Cabe ao analista remeter aquilo que faz o
gozo do sintoma, e que é sem apelo ao Outro, ao circuito de mensagem, para fazer aparecer
o que, desse gozo, se recobre com o sentido. (OLIVEIRA, 2007).
Deutsch chega a dizer que não se trata de uma simples reversão com relação à opção
sexual. Trata-se de uma mudança que reatualiza uma posição de gozo, como resultado do
processo analítico e, logo, calcado na transferência, a partir de um retorno angustiado de seu
paciente para análise:
65
instrumento mais conhecido como Mystic Writig-Pad11 ou “Bloco Mágico”. Tal instrumento
seria composto de uma lousa branca que nas mãos de quem o manipula ou toma notas,
desenhos poderiam ser feitos e apagados. Porém, permaneceria uma leve e quase
imperceptível resquício dos traços do desenho. E imperceptivelmente, a tendência seria a de
repetir sempre o trajeto, atualizando a cada vez formas referentes ao mesmo traço.
Já a Carta 52 (1896), que também se encontra em A interpretação dos sonhos
(capítulo VII) foi escrita em um contexto singular no trajeto freudiano, no qual era patente a
preocupação do autor em conferir o estatuto de ciência à Psicologia. Lançando mão de
suportes teóricos advindos do campo da neurologia, fisiologia, física (mais especificamente a
termodinâmica) e matemática (quando se refere à ideia de Fliess acerca da periodicidade dos
ciclos vitais), Freud visa defender a sua criação intelectual imantando-a com o rigor científico
que, à época, era radicalmente celebrado.
Freud parte de uma hipótese central – a de que nosso mecanismo psíquico tenha se
formado em um processo de estratificação. O material presente em forma de traços de
memória estaria sujeito, de tempos em tempos, a um rearranjo segundo novas circunstâncias,
a uma retranscrição. Freud enfatiza que o que há de essencialmente novo em sua teoria é a
tese de que a memória não se faz presente de uma só vez, mas se desdobra em vários tempos;
que ela é registrada em diferentes espécies e indicações.
Com o objetivo de defender a sua hipótese central, Freud recorre aos conhecimentos
existentes acerca da neurofisiologia, em especial no que concerne à atividade neuronal e ao
seu funcionamento. Somado a isso, não se pode desconsiderar a influência exercida pelo
pensamento de Charcot em Freud. Após o seu estágio em Salpetriére, Freud não só pretere o
seu interesse na anatomia do Sistema Nervoso em favor da Psicopatologia, como também se
mostra tomado pela ideia de Charcot de que havia um forte componente sexual na etiologia da
histeria. A partir desses dois referenciais teóricos, Freud constrói um primeiro esquema do
mecanismo psíquico, dizendo que os sucessivos registros representam a realização psíquica de
épocas sucessivas da vida, sendo que na fronteira dessas épocas deve ocorrer uma tradução do
material psíquico. Neste ponto, Freud insere o ainda incipiente conceito de recalcamento,
definindo-o como uma falha de tradução. A gênese do recalque seria a produção de desprazer
gerada por uma tradução. O que determinaria o recalcamento é a natureza sexual do evento e
a sua ocorrência em uma fase anterior.
11
Mystic Writing-Pad é a tradução inglesa mais conhecida do termo ao qual nos interessa aqui, no português
“Bloco Mágico”.
67
CONCLUSÃO
chegam à instituição demandando falar sobre a sexualidade. Quem sabe, já se deram conta de
que há aí um impossível de ser nomeado.
72
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