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Crise de identidade

O ser humano tem a missão de passar pela vida aprendendo a se conhecer. Nascemos sendo um
ilustre desconhecido para nós mesmos e, primeiro através dos olhos dos outros e posteriormente, a medida em
que desenvolvemos e sofisticamos nossa capacidade de observar e racionalizar, vamos chegando a algumas
conclusões por nosso próprio mérito.

Acontece que, somos também especialistas em auto-engano e adoramos criar para nós mesmos
auto-imagens que nem sempre são condizentes com a realidade. Também passamos pela vida sofrendo tantos
processos que, como os desenhos formados pelas pedrinhas multicoloridas de um caleidoscópio, vamos nos
metamorfoseando a cada momento embora o envoltório aparentemente permaneça o mesmo. Quem éramos
ontem, já não é exatamente a mesma pessoa que existe hoje. Alguns valores permanecem inalterados por muito
tempo, alguns vão sofrendo alterações sutis e outros sofrem mutações radicais em curto espaço de tempo.

A grande questão é que não só vamos aprendendo quem somos a cada dia que passa, como
também temos que buscar atualizar-mo-nos a cada novo processo de mutação vivido. Que missão complexa!
Nem bem nos encaixamos com nosso eu e ele já se apresenta com algumas alterações no que conhecemos.

Pessoas com experiência em computadores e softwares sabem que em informática as coisas se


alteram na velocidade da luz. O ser humano é similar embora gostássemos de acreditar no contrario. Algumas
pessoas enfaticamente dizem sobre si próprias: “Eu sou assim e não vou mudar nunca” ou “ninguém vai mudar
o meu modo de pensar”. Coitadas! Quanta cegueira. Estão tão distanciadas de si que preferem acreditar numa
imagem única e imutável. Ou talvez seja o medo de reaprender dia a dia conviver com esse novo ser que surge
a cada instante. Realmente! Há momentos em que essa tarefa é extenuante, desgastante, estressante.

Estou vivendo um desses momentos. Sei como eu era mas estou deveras confusa com quem ou o
que eu sou hoje. Tenho convivido com uma sensação constante de estranheza. Atitudes seguras que antes
fluíam hoje enroscam. Certezas se transformaram em dúvidas. Existem muitas mudanças ocorrendo externa e
internamente para que meu pobre intelecto as consiga acompanhar. Do meu emocional-hormonal já nem falo.
Está havendo como que um grande caos. Desconheço meu corpo, minhas entranhas, reações (e ações), estados
de espírito, posturas internas e externas, aparência, apetites, gostos, anseios, humores, limites, ideais,
perspectivas, atitudes, preferências, tudo. É como se eu estivesse passando vinte e quatro horas por dia com um
ser estranho e imprevisível do qual tenho pouquíssimas informações mas tivesse o dever de trata-lo com
carinho, simpatia e respeito sem nem mesmo saber se gosto dele ou quero estar com ele.

Onde eu era certezas, hoje sou dúvidas, onde era impulso, hesitação; o idealismo foi substituído
por algum cinismo, a fé pelo ceticismo. Onde eu era doçura fiquei áspera, onde era sutil tornei-me direta como
um coice certeiro. Onde era sedenta de agradar tornei-me serenamente contundente. Onde era imediatista e
intolerante me vejo hoje ultra-paciente e filosófica. A teimosia foi substituída pela aceitação. A arrogância da
insegurança deu lugar a uma serena auto-confiança. E a auto-confiança em outros aspectos se transmutaram em
intranquilidade. O que eu gostava em mim hoje causa-me estranheza e o que pretendia ocultar do mundo
revelo descaradamente. Alguns medos foram-se definitivamente outros chegaram de forma bizarra. O que
irritava-me hoje causa indiferença e o que fazia-me palpitar deixa-me gelada. O que eu adorava hoje detesto e
vice-versa. Onde era ordem hoje sou caos e indisciplina deu lugar ao método.

Algumas línguas dizem que é a maturidade, outras dizem que são os efeitos da menopausa e eu,
no meio disso tudo, sentindo-me uma púbere descobrindo o mundo. Uma retardada que só agora vive e
experimenta o que deveria ter vivido lá atrás. É tudo tão magicamente novo.

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