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0021-7557/06/82-02/103

Jornal de Pediatria
Copyright © 2006 by Sociedade Brasileira de Pediatria
doi:10.2223/JPED.1456
ARTIGO ORIGINAL

Surface electromyography of facial muscles


during natural and artificial feeding of infants
Avaliação eletromiográfica com eletrodos de captação de superfície
dos músculos masseter, temporal e bucinador de lactentes
em situação de aleitamento natural e artificial

Cristiane F. Gomes1, Ercília M. C. Trezza2, Emílio C. M. Murade3, Carlos R. Padovani4

Resumo Abstract
Objetivo: Mensurar e comparar a atividade dos músculos masse- Objective: To measure and compare the activity of the masseter,
ter, temporal e bucinador em diferentes métodos de alimentação de temporalis and buccinator muscles in different infant feeding methods.
lactentes. Method: Cross-sectional study of 60 full-term infants with no
Método: Estudo transversal, com participação de 60 lactentes intercurrent diseases, aged between two and three months, classified
nascidos a termo e sem intercorrências, entre 2 e 3 meses de idade, into the following groups: 1) exclusive breastfeeding; 2) breastfeeding
divididos em três grupos: 1) aleitamento materno exclusivo; 2) aleita- plus bottle-feeding; and 3) exclusive breastfeeding plus cup feeding.
mento misto com uso de mamadeira; e 3) aleitamento materno Surface electromyography was performed during infant feeding. The
exclusivo com uso de copo. Foi realizada eletromiografia com eletrodos Krushal-Wallis test was used, complemented by multiple paired
de captação de superfície durante a alimentação. O teste estatístico comparisons of the groups. A 5% significance level was chosen for
utilizado é o Kruskal-Wallis, complementado com as comparações the tests.
múltiplas entre pares de grupos, e todas as discussões são realizadas Results: Statistically higher results were verified in the
no nível de 5% de significância. breastfeeding group in relation to the bottle-feeding one, both in the
Resultados: Verificam-se maiores resultados no grupo de aleita- range of movement and the mean contraction of the masseter. With
mento materno em relação ao grupo de aleitamento por mamadeira, regard to the temporalis muscle, statistically higher results were
tanto na amplitude quanto na média de contração do músculo masseter. found in the breastfeeding group comparatively to the bottle-feeding
No que se refere ao músculo temporal, há resultados maiores na one. As to the buccinator muscle, statistically higher results were
amplitude do grupo de aleitamento materno e na média de contração observed in the breastfeeding group in relation to the bottle-feeding
do grupo de aleitamento por copo, quando comparados ao grupo de one, although in this case, the difference concerned only the range
aleitamento por mamadeira. Quanto ao músculo bucinador, observam- of contraction.
se resultados maiores no grupo de aleitamento por mamadeira com Conclusion: The similarities between the muscle activity in the
relação ao aleitamento materno, sendo que tal diferença ocorre apenas breastfeeding and in the cup-feeding groups suggests that cup-
na amplitude de contração. feeding can be used as an alternative infant feeding method, being
Conclusão: As semelhanças entre a atividade muscular do grupo better than bottle-feeding, due to the hyperactivity of the buccinator
de aleitamento materno e aleitamento por copo permitem sugerir o uso muscle, which could result in changes to the structural growth and
do copo como método alternativo na alimentação de lactentes, ao development of the stomatognathic system functions.
contrário do aleitamento por mamadeira, devido à hiperfunção do
músculo bucinador, podendo resultar em alterações motoras orais e das
funções neurovegetativas.
J Pediatr (Rio J). 2006;82(2):103-9: Eletromiografia, aleitamento J Pediatr (Rio J). 2006;82(2):103-9: Electromyography,
materno, músculos faciais, sucção, lactentes. breastfeeding, facial muscles, sucking, infants.

Introdução
1. Doutora, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual
Paulista (UNESP), São Paulo, SP. O sistema estomatognático abrange estruturas orais
2. Doutora. Professora assistente, Faculdade de Medicina de Botucatu, estáticas e dinâmicas, ou seja, as partes duras (arcos
UNESP, São Paulo, SP.
3. Doutor, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, dentários, maxila, mandíbula, osso hióide e ossos crania-
São Paulo, SP. Docente, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, nos) e ativas (músculos, espaços orgânicos, nervos e vasos
Universidade de Marília (UNIMAR), Marília, SP.
sangüíneos) que desempenham as funções neurovegetati-
4. Professor titular, Departamento de Bioestatística, Faculdade de Medici-
na de Botucatu, UNESP, São Paulo, SP. vas (sucção, mastigação, deglutição e respiração), fonação
Parte da tese de doutorado defendida em 11 de novembro de 2005 na e expressão facial. Tais estruturas estão interligadas de
Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP, São Paulo, SP. modo que, se houver um distúrbio em alguma delas, todas
Apoio: CAPES.
apresentarão uma desorganização ou desequilíbrio1-3.
Artigo submetido em 26.09.05, aceito em 14.12.05.
Para que haja crescimento e desenvolvimento craniofa-
Como citar este artigo: Gomes CF, Trezza EM, Murade EC, Padovani
CR. Surface electromyography of facial muscles during natural and cial, há necessidade de estímulos genéticos e externos, que
artificial feeding of infants. J Pediatr (Rio J). 2006;82:103-9. são oferecidos pela respiração, sucção (amamentação),

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deglutição e mastigação. Os estímulos proporcionados pe- aleitamento materno exclusivo que pudessem ser alimenta-
los músculos são considerados os maiores responsáveis dos por copo no momento da realização do exame.
pelo crescimento, pois realizam tração sobre os ossos, A amostra utilizada foi de conveniência, visto que foram
promovendo crescimento ou desgaste, dependendo do local encaminhadas 212 cartas de convite para participação na
em que a tração ocorre2. pesquisa e 64 mães compareceram com seus bebês, sendo
No que se refere às conseqüências do aleitamento que quatro lactentes foram retirados da pesquisa em razão
materno no crescimento das estruturas e desenvolvimento da ocorrência de aleitamento artificial exclusivo (três lac-
das funções do sistema estomatognático, sabe-se que o tentes) e impossibilidade de conclusão do exame (um
crescimento facial harmônico ocorre por meio de movimen- lactente). Os critérios de inclusão foram: lactentes entre 60
tos realizados pelo bebê na ordenha, momento em que os e 90 dias de vida no momento do exame, em aleitamento
maxilares são estimulados a crescer de forma bem direci- materno exclusivo ou misto; nascidos a termo, com peso de
onada. Além disso, o aleitamento materno proporciona nascimento maior que 2.500 g; ausência de intercorrências
amadurecimento oral, estimulando a tonicidade muscular e pré, peri e pós-natais. Foram excluídos da amostra: os
o desenvolvimento da articulação temporomandibular, pro- gemelares; os que estavam em aleitamento artificial exclu-
movendo espaço suficiente para a erupção dentária4-12. sivo e aqueles nos quais foi impossível a realização do
A eletromiografia é o estudo da função muscular por exame.
meio da análise do sinal elétrico produzido durante a As diferenças detectadas na atividade do músculo mas-
contração muscular. Para a realização do exame, utiliza-se seter em lactentes alimentados ao seio materno e com
o eletromiógrafo, aparelho capaz de detectar as variáveis mamadeira, no estudo de Sakashita et al.14, serviram de
elétricas que ocorrem na célula no decorrer da transmissão base para o cálculo do tamanho amostral desta pesquisa.
nervosa e da contração muscular, que são transformadas Aceitando-se α = 5% e ß = 80%, foi estipulado o número de
em sinais elétricos e, após amplificação, são registrados na 18 lactentes por grupo, porém foram analisados 20 lacten-
tela do osciloscópio do aparelho, para serem posteriormen- tes em cada grupo para manter uma margem de segurança.
te analisados. Realizaram-se 60 exames de eletromiografia no período
A eletromiografia com eletrodos de captação de super- de 17 de fevereiro a 31 de julho de 2003. Os participantes
fície é utilizada atualmente na pesquisa de diversas patolo- da pesquisa foram caracterizados quanto à idade (em dias
gias: alterações respiratórias, distúrbios do sono, pesquisa de vida no momento do exame), sexo, idade gestacional de
de músculos específicos em atletas e animais, na fala de nascimento, tipo de parto, peso de nascimento, perímetro
crianças com alterações de oclusão, na avaliação de méto- cefálico, comprimento, índice de Apgar no primeiro minuto
dos de alimentação em lactentes, entre outras. e uso de chupeta. Além disso, as mães foram caracterizadas
O uso da eletromiografia em pesquisas é mais recente quanto à idade, escolaridade e tipo de convênio médico
e permitiu determinar a ação da musculatura oral nas adotado na ocasião do parto.
diversas formas de alimentação, bem como comparar força A pesquisa foi realizada no Hospital Universitário da
e atividade entre elas. Universidade de Marília (UNIMAR), mediante autorização
Considerando as especificidades da eletromiografia com da mesma para seu desenvolvimento, com aprovação do
eletrodos de captação de superfície na avaliação objetiva da comitê de ética em pesquisa da UNESP – Faculdade de
atividade muscular e a escassez de trabalhos que demons- Medicina de Botucatu e autorização da Secretaria Municipal
trem as diferenças entre as atividades dos músculos res- de Higiene e Saúde de Marília para a consulta das fichas do
ponsáveis pela sucção no aleitamento materno, aleitamen- Banco de Leite Humano, referentes ao Programa Nascer
to por mamadeira e por copo em lactentes, este estudo tem Cidadão, programa que visa cadastrar e encaminhar os
por objetivo mensurar a atividade muscular dos músculos recém-nascidos de risco para as unidades de saúde do
masseter, temporal e bucinador durante aleitamento ma- município de Marília com objetivo de reduzir a mortalidade
terno exclusivo, aleitamento misto com uso de mamadeira infantil.
e aleitamento materno exclusivo com uso de copo como Inicialmente, a mãe foi orientada quanto aos objetivos
método alternativo temporário de alimentação. da pesquisa e da importância de sua participação e, após
seu consentimento verbal, foi solicitada a assinatura do
termo de consentimento livre e esclarecido.
Métodos
Para a realização da pesquisa, foram utilizados: um
Para o desenvolvimento deste estudo, utiliza-se o mé- aparelho de eletromiografia portátil de dois canais da
todo transversal ou seccional cego, caracterizado por “es- marca Dantec (modelo LBM – Firmware version 4.03,
tudos em que causa e efeito estão presentes no mesmo 1993 by Neuro Diagnostics, Inc.) com filtro de 70 Hz,
momento, que é o momento analisado”13. tempo de 5 ms por divisória e sensitividade de 50 µv
Participaram da pesquisa 60 lactentes, entre 2 e 3 (microvolts) por divisória; eletrodos de captação de su-
meses de idade, nascidos a termo e sem nenhum tipo de perfície monopolares tipo disco (Eletrodos Maxxigold,
intercorrência, os quais foram divididos em três grupos: marca MF), de ouro, com 9 mm de diâmetro e com 16 mm
Grupo 1: 20 bebês em aleitamento materno exclusivo; de distância entre o referência e o ativo; creme condutor
Grupo 2: 20 bebês em aleitamento misto, com oferecimento (Creme Maxxifix, marca MF); fita adesiva para fixação dos
de complemento por mamadeira; Grupo 3: 20 bebês em eletrodos (Transpore ® , marca 3M); papel termo sensível
Avaliação eletromiográfica em aleitamento natural e artificial – Gomes CF et al. Jornal de Pediatria - Vol. 82, Nº2, 2006 105

branco para equipamentos de eletromiografia Thermwhi- (mediana de 80 µv) diferem do grupo de aleitamento por
te (Alfamedic Ind. Com. e Serviços Ltda.) para a impres- mamadeira (mediana de 50 µv) (Tabela 2).
são dos resultados.
A atividade eletromiográfica foi graduada e tabulada
Tabela 1 - Distribuição das freqüências absolutas e porcenta-
quantitativamente por um profissional especialista da área gens referentes à caracterização dos sujeitos da
de eletromiografia, para posterior análise estatística e pesquisa (n = 60)
comparação entre os diferentes grupos e os músculos
Características f %
estudados.
O profissional especialista realizou uma análise in- Idade do lactente
60-70 dias 3 5,00
dependente, ou seja, sem conhecimento prévio do méto-
71-80 dias 10 16,67
do de alimentação utilizado no momento da realização do
81-90 dias 47 78,33
exame, o que tornou a análise livre de interferências do
Sexo do lactente
pesquisador.
Feminino 22 36,67
O teste estatístico utilizado foi a análise de variância Masculino 38 63,33
não-paramétrica, ou seja, análise para dados com distribui- Idade gestacional
ção não-normal (teste de Kruskal-Wallis), complementada 38 semanas 12 20,00
com as comparações múltiplas entre pares de grupos15. 39 semanas 18 30,00
40 semanas 30 50,00
Foram utilizadas também as medianas, semi-amplitu-
des interquartílicas, valores inferior e superior, primeiro Tipo de parto
Vaginal 22 36,67
e terceiro quartis e valores mínimos e máximos das
Cesárea 38 63,33
variáveis quantitativas de acordo com os grupos de
estudo. Peso nascimento
2.500-3.000 g 19 31,67
Todas as discussões foram realizadas no nível de 5% 3.001-3.599 g 29 48,33
de significância, e os intervalos construídos no nível de 3.600-4.000 g 8 13,33
95% de confiança. + 4.000 g 4 6,67

Perímetro cefálico
33-35,9 cm 36 60,00
Resultados 36-37,9 cm 18 30,00
Não informado 6 10,00
Caracterização dos sujeitos
Comprimento
A análise estatística demonstrou que não ocorreram
44-47,9 cm 15 25,00
diferenças entre os grupos estudados e a variável idade 48-51,9 cm 35 58,33
(medianas de 82,50 dias para o grupo de aleitamento 52-53,9 cm 10 16,67
materno exclusivo, 83,00 dias para o grupo de aleitamento
Apgar 1º minuto
misto com uso de mamadeira e 84,00 dias para o grupo de 7 4 6,67
aleitamento materno exclusivo com uso de copo), devido ao 8 17 28,33
fato de a variável ser um critério de inclusão, ou seja, 9 35 58,33
apenas lactentes entre 30 e 90 dias participaram da pesqui- não informado 4 6,67
sa (Tabela 1). Idade materna
- 18 anos 4 6,67
19-25 anos 38 63,33
Resultados dos exames 26-30 anos 8 13,33
31-35 anos 8 13,33
A análise dos músculos foi dividida em: amplitude de
+ 35 anos 2 3,33
contração e média de contração do músculo masseter,
Escolaridade materna
amplitude de contração e média de contração do músculo
1º grau incompleto 3 5,00
temporal e amplitude de contração e média de contração do
1º grau completo 9 15,00
músculo bucinador. 2º grau completo 39 65,00
Superior incompleto 2 3,33
Superior completo 7 11,67
Amplitude e média de contração do músculo masseter
Convênio médico
No que se refere à amplitude de contração do músculo SUS 23 38,3
masseter, o teste estatístico revela resultado significante Particular 14 23,3
na comparação dos grupos segundo o tipo de aleitamento, Convênio 16 26,7
permitindo afirmar que os grupos de aleitamento por copo Não informado 7 11,7

(mediana de 3,07 µv) e aleitamento por mamadeira (medi- Uso de chupeta


ana de 1,94 µv) diferem entre si. Mamadeira 10 16,67
Amamentação 0 –
Além disso, no que se refere à média de contração do Copo 0 –
músculo masseter, os grupos de aleitamento materno
106 Jornal de Pediatria - Vol. 82, Nº2, 2006 Avaliação eletromiográfica em aleitamento natural e artificial – Gomes CF et al.

Tabela 2 - Mediana, semi-amplitude interquartílica, valores mínimo e máximo, limites inferior e superior,
primeiro e terceiro quartis das variáveis amplitude de contração e média de contração do músculo
masseter (n = 20)

Variável Medida Grupos Resultado do


(n = 20) descritiva teste estatístico
Aleitamento Mamadeira Copo
p
exclusivo

Amplitude de contração: LI * * * 6,61 (p < 0,05)


masseter Valor mínimo 0,84 0,77 1,70
Q1 1,62 1,40 2,12
Mediana 2,38 ab 1,94 a 3,07 b †

Q3 3,14 2,80 4,31


Valor máximo 4,48 5,27 9,10
LS 5,42 4,90 7,42
Sem. interq. 0,76 0,70 1,10

Média de contração: LI * 1,25 * 7,35 (p < 0,05)


masseter Valor mínimo 31,88 19,17 42,50
Q1 57,60 42,50 53,03
Mediana 80,00 b 50,00 a 76,59 ab
Q3 99,90 70,0 107,82
Valor máximo 298,33 131,67 227,50
LS 163,35 111,50 202,80
Sem. interq. 21,15 13,75 27,40

LI = limite inferior; LS = limite superior; Sem. interq. = semi-amplitude interquatílica.


* Valores negativos: valores impossíveis de serem obtidos.
† Duas medianas seguidas de pelo menos uma mesma letra não diferem no nível 5% de significância.

Amplitude e média de contração do músculo temporal Discussão


No que se refere à amplitude de contração do músculo Observou-se que, na comparação entre os grupos se-
temporal, observam-se diferenças na comparação dos gru- gundo o tipo de aleitamento, no que se refere ao aleitamen-
pos, permitindo afirmar que os grupos de aleitamento to materno, diversas pesquisas comprovam que há maior
materno (mediana de 4,02 µv) e de aleitamento por copo participação do músculo masseter, visto que este atua na
(mediana de 3,84 µv) diferem do grupo de aleitamento por ordenha por meio da movimentação da mandíbula, mais
mamadeira (mediana de 1,81 µv). especificamente na elevação e protrusão mandibular, sen-
do caracterizado como músculo de força e resistente à
Com relação à média de contração do músculo temporal,
tração5-11.
os grupos de aleitamento materno (mediana de 111,25 µv)
e aleitamento por copo (mediana de 96,04 µv) diferem do De acordo com Palmer16, Madeira17 e Almeida et al.18,
grupo de aleitamento por mamadeira (mediana de 48,03 µv) os movimentos mandibulares favorecem o adequado cres-
(Tabela 3). cimento e posicionamento mandibular para a erupção den-
tária, por isso a importância da participação do músculo
masseter na alimentação de lactentes, proporcionado ape-
Amplitude e média de contração do músculo bucinador nas no aleitamento materno e aleitamento por copo, já que
Observando-se a Tabela 4, no que se refere à amplitude no aleitamento por mamadeira, além de uma diminuição na
de contração do músculo bucinador, há diferenças na atividade do masseter, há aumento da atividade dos buci-
comparação entre os grupos, permitindo afirmar que o nadores, diminuição dos movimentos mandibulares, retra-
grupo de aleitamento por mamadeira (mediana de 1,70 µv) ção de língua com possibilidade de hipofunção e hiperfun-
difere do grupo de aleitamento materno (mediana de ção, de acordo com o tipo de sucção realizado 19.
1,20 µv). Os resultados descritos anteriormente são semelhantes
No que se refere à média de contração do músculo aos encontrados na literatura, sendo que, no estudo de
bucinador, não são observadas diferenças nas medianas Sakashita et al.14, os resultados eletromiográficos revelam
entre os grupos segundo o tipo de aleitamento após a a ocorrência de maior atividade do músculo masseter no
realização da análise estatística (Tabela 4). aleitamento materno do que no aleitamento por mamadei-
Avaliação eletromiográfica em aleitamento natural e artificial – Gomes CF et al. Jornal de Pediatria - Vol. 82, Nº2, 2006 107

ra, concluindo que os bebês em aleitamento por mamadeira músculo masseter apresenta atividade significativamente
podem apresentar alterações no desenvolvimento da fun- diminuída quando comparada ao aleitamento materno.
ção mastigatória, gerando possíveis distúrbios de mastiga- Apesar de a maioria das pesquisas corroborarem os
ção e deglutição. dados desta pesquisa, Sakashita et al.14 concluíram em seu
Da mesma forma, a pesquisa desenvolvida por Tamura estudo, que compara a sucção de bebês em aleitamento
et al.20 demonstra que, no aleitamento por mamadeira, o materno, aleitamento por mamadeira com bico comum e

Tabela 3 - Mediana, semi-amplitude interquartílica, valores mínimo e máximo, limites inferior e superior,
primeiro e terceiro quartis das variáveis amplitude de contração e média de contração do músculo
temporal (n = 20)

Variável Medida Grupos Resultado do


(n = 20) descritiva teste estatístico
Aleitamento Mamadeira Copo
p
exclusivo

Amplitude de contração: LI * * 0,81 14,21 (p < 0,01)


temporal Valor mínimo 0,00 0,00 2,00
Q1 2,58 1,25 3,21
Mediana 4,02 b 1,81 a 3,84 b
Q3 4,81 3,18 4,80
Valor máximo 15,87 5,35 6,20
LS 8,17 6,09 7,20
Sem. interq. 1,12 0,97 0,80

Média de contração: LI 38,68 * 20,36 17,68 (p < 0,01)


temporal Valor mínimo 0,00 0,00 50,00
Q1 100,0 36,88 80,21
Mediana 111,25 b 48,03 a 96,04 b
Q3 140,87 83,56 120,10
Valor máximo 793,33 133,75 155,00
LS 202,19 203,77 179,95
Sem. interq. 20,44 23,34 19,95

LI = limite inferior; LS = limite superior; Sem. interq. = semi-amplitude interquatílica.


* Valores negativos: valores impossíveis de serem obtidos.

Tabela 4 - Mediana, semi-amplitude interquartílica, valores mínimo e máximo, limites inferior e superior,
primeiro e terceiro quartis das variáveis amplitude de contração e média de contração do músculo
bucinador (n = 20)

Variável Medida Grupos Resultado do


(n = 20) descritiva teste estatístico
Aleitamento Mamadeira Copo
p
exclusivo

Amplitude de contração: LI * * * 6,89 (p < 0,05)


bucinador Valor mínimo 0,57 1,23 0,50
Q1 0,82 1,47 0,92
Mediana 1,20 a 1,70 b 1,36 ab
Q3 1,85 2,76 2,25
Valor máximo 10,35 3,30 2,86
LS 3,41 4,71 4,23
Sem. interq. 0,52 0,65 0,66

Média de contração: LI * * * 5,13 (p > 0,05)


bucinador Valor mínimo 20,00 30,83 12,50
Q1 30,42 36,88 23,12
Mediana 42,09 a 47,82 a 33,92 a
Q3 65,54 75,37 56,25
Valor máximo 258,75 92,00 71,50
LS 118,22 133,12 105,93
Sem. interq. 17,56 19,25 16,56

LI = limite inferior; LS = limite superior; Sem. interq. = semi-amplitude interquatílica.


* Valores negativos: valores impossíveis de serem obtidos.
108 Jornal de Pediatria - Vol. 82, Nº2, 2006 Avaliação eletromiográfica em aleitamento natural e artificial – Gomes CF et al.

aleitamento por mamadeira com um novo tipo de bico Conclui-se que, na comparação entre os grupos de
artificial, que a atividade do músculo masseter é maior no aleitamento, há concordância com a literatura acerca da
grupo de bebês em aleitamento por mamadeira com o novo atividade dos músculos estudados no aleitamento materno
tipo de bico artificial do que no grupo de aleitamento e aleitamento por mamadeira, embora não tenham sido
materno. encontrados artigos científicos que corroborem os resulta-
dos da pesquisa com aleitamento por copo.
No que se refere ao aleitamento por copo, Kuehl21
afirma que os movimentos da língua e mandíbula realizados Os dados obtidos permitem concluir que, tanto no
no aleitamento por copo são semelhantes aos movimentos aleitamento materno quanto no aleitamento por copo, os
necessários ao aleitamento materno bem-sucedido, suge- mesmos músculos atuam de maneira semelhante (sem
rindo que o aleitamento por copo pode ser uma oportunida- diferenças estatisticamente significantes), demonstrando
de para que o bebê desenvolva musculatura necessária a uma maior participação dos masseteres e temporais e
esses movimentos. reduzida participação dos bucinadores.

Os dados obtidos permitem afirmar também que, na O aleitamento materno continua sendo, portanto, o
impossibilidade da ocorrência do aleitamento materno em método de alimentação mais adequado para lactentes, e o
alguns horários, o aleitamento por copo pode ser indicado, uso do copo é recomendável como substituto do aleitamen-
pois apresenta valores de amplitude e média de contração to materno nos momentos de impossibilidade deste, pois a
do músculo masseter maiores do que no aleitamento por musculatura ativa em ambos os métodos é a mesma, com
mamadeira, permanecendo intermediário entre este e o a vantagem de não provocar a “confusão de bicos”.
grupo de aleitamento materno. Percebe-se, com relação ao método utilizado para a
No que se refere ao músculo temporal, poucos estudos coleta e análise dos dados, que esse se mostrou adequado
enfocam sua atividade, possivelmente por ser mais carac- para responder aos questionamentos iniciais. No entanto,
terizado como músculo de movimento do que de força, alguns vieses podem ter interferido nos resultados da
sendo responsável, assim como o músculo masseter, pela pesquisa, como, por exemplo, o uso de chupeta por parte de
elevação da mandíbula pelo engajamento de suas fibras metade dos lactentes do grupo de aleitamento misto com
com as do masseter e pterigóideo medial16-18. O músculo uso de mamadeira, fato que pode ter promovido mudanças
temporal possui tanto a função de elevação mandibular por no padrão de sucção dos lactentes, ainda que os mesmos já
suas fibras verticais quanto de retrusão por suas fibras utilizassem mamadeira.
oblíquas e horizontais19,22. Apesar disso, novas pesquisas deverão ser desenvolvi-
das com o objetivo de verificar a movimentação da língua e
Apesar de não haver informações de estudos de eletro-
outras estruturas orais em ambos os métodos de alimenta-
miografia durante o aleitamento por copo, a presente
ção, observando se há diferenças no aleitamento por ma-
pesquisa permite inferir que, para os momentos de neces-
madeira e copo.
sidade de alimentação através de um método alternativo, o
aleitamento por copo seria mais indicado do que o aleita- Outros estudos ainda deverão ser realizados com pre-
mento por mamadeira, pois, além de impedir a chamada maturos, bebês com síndromes ou más-formações de cabe-
confusão de bicos, proporciona a participação dos músculos ça e pescoço, com a finalidade de verificar a possibilidade de
masseter e temporal de forma semelhante à participação oferecimento do copo como método de alimentação e sua
dos mesmos músculos no aleitamento materno. eficácia em populações específicas de lactentes.

Ao contrário, no aleitamento por mamadeira, a parti- Ainda com relação ao uso do copo, deve-se levar em
cipação dos músculos masseter e temporal é menor consideração que não deve ser utilizado como método
quando comparada aos demais métodos de alimentação, único de alimentação de lactentes, pois nele não ocorre
semelhantemente ao que Carvalho 19 descreve ao afirmar sucção ou ordenha; ao contrário, o bebê apenas sorve o
que, no aleitamento materno, os músculos masseteres, leite. O que se destaca, então, é a importância do uso do
temporais, pterigóideos, língua, lábios, mentalis e buci- copo como método alternativo e temporário ao aleita-
nadores apresentam-se em normofunção, e no aleita- mento materno, que deve ser retomado assim que as
mento por mamadeira com bico convencional, os múscu- condições permitam.
los masseteres, temporais, pterigóideos, língua e lábios
apresentam-se em hipofunção, e o mentalis e bucinado-
res em hiperfunção. Referências
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