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Estou eu aqui de novo – repetindo palavras já ditas em outras ocasiões, mas dessa vez

por um excelente motivo. Eu pensava que escrevia por timidez, por não saber falar, pelas
dificuldades de encarar a verdade enquanto ardia. Há muitos que ainda acreditam que
comecei a escrever pela covardia, de abrir a boca. Nas poucas cartas de amor, por
exemplo, eu me declarava para quem gostava pelo papel.

Acredito até hoje, que escrevo pra manter as aparências, uma espécie de fuga, pedra
ignorada, silêncio espalhado, um subterfúgio, que não estava assumindo uma atitude e
buscava me esconder, me retrair, me diminuir. Mas não.

Os dias estão densos. O calor se tornou abafamento, o cansaço acumulado faz querermos
desistir da vida. Notícias ruins parecem oxigênio: mesmo invisíveis, você tem certeza
que estão ali e que, em algum lugar do mundo, uma grande desgraça está prestes a
acontecer.

Nossos olhos estão treinados para ver pequenas tristezas e decepções por todos os
lados. Basta olhar do lado e enumerar umas desgraças. Tem papel no chão do lado da
lixeira e ninguém pega. O parente distante, pergunta da sua vida, como se te conhecesse
no dia a dia. Isso quando só traz noticia ruim, que alguém morreu.
O contrato acabou. É quinto dia útil e acabou o café. O Oscar foi em fevereiro, estamos
no fim de março e ainda não sei quem são os vencedores. Conhece um ansioso? Nenhum
problema imenso precisa acontecer para que, no fundo do nosso peito, se arme um
buraco negro.
Mas se for pra ser feliz, tem que ser imenso. Milhões na conta. Promoção a cada seis
meses. Presentes emocionantes, inesquecíveis, caros. Demonstrações de afeto inéditas e
escandalosas. Uma festa de arromba depois da pandemia, que é pra aglomerar sem
medo. Uma paixão avassaladora. A felicidade parece estar apenas no pote de ouro no
fim do arco-íris, nos seis números da Mega-Sena ou em qualquer acontecimento que
mude o rumo das coisas irrefutavelmente.

Como pode a tristeza acontecer por detalhes e a felicidade precisar de tanto?

A ordem está invertida. O sentimento de felicidade deveria inundar a nossa vida com
pequenos acontecimentos. Um casal andando de mãos dadas. E é nessa hora que eu
falo dos meus pais adotivos – na verdade não importa a ordem, se foi eles ou quem
os adotei. Tentei escrever sobre eles uma porção de vezes, mas sempre deixou
escapar alguma coisa importante.
Tipo: o pai [Celso], tô pra conhecer uma pessoa tão carismática (ainda se usa esse
termo em tempos atuais?)
O pai é aquele tipo de pessoa, que dificilmente vai ver cabisbaixo, e se ele tiver, no
mínimo deve tá pensando numa “pegadinha”, uma piada pra fazer.
Se existe dom, o pai tem todos. Além de excelente carpinteiro ou marceneiro, é
excepcional na cozinha. Ele não sabe, mas tenho uma inveja saudável de como ele é.
A forma como trata todos quem vem em sua casa, é algo que precisa ser relatado
aos quatro ventos.
Certamente é o marido que toda esposa adoraria ter – e digo isso com propriedade,
pois a forma como ele tem cuidado da mãe Nilza, é sem palavras. Mas essa
vantagem e amor todo, cabe somente a minha mamis.
A hora do almoço é sagrada. Todos se recolhem a mesa. Costumeiramente o almoço
sai entre 11:30 a Meio dia – raras as vezes que comemos as 13hs no domingo. Sabe
o que mais me chama atenção? Nunca comemos a mesma coisa na mesma semana.
E dificilmente você não repetiria a comida dele. A noite não tem janta, pelo menos
não oficialmente, mas ele sempre nos propõem algo que agrada a todos – sem
exceção, até eu que sou o cara que não come nada derivado de leite, e o Ramon que
não come carne de porco.
E por falar em Ramon, é o irmão mais velho. Já passei mais tempo com ele, do que
posso mensurar. Não é atoa que tido, digo, e repito que é pra mim um irmão
mesmo, tipo aquele descrito na Bíblia: “há um amigo que se apega mais que um
irmão” – Prov 17:17 ou 18:24.
Só pra se ter uma ideia: ele esteve presente no meu primeiro porre (quando enchi a
cara – era pra ele cuidar de mim, mas não deu muito certo, mas ele estava lá, do
meu lado.)
Quando pedi a Isa em namoro, ele estava lá, no sofá, dormindo, mas estava lá.
Quando minha mãe Lourdes faleceu, ele foi o primeiro a chegar e me abraçar, e
devo lembrar que ele passou uma noite em claro naquele dia, por estar de plantão.
Quando me casei com a Isa – adivinha quem fez o discurso em três partes? Sim, foi
ele. Só pra constar, quando meu filho nasceu, ele foi o primeiro amigo, irmão, a
estar lá – alguém por quem tenho profunda gratidão. Nos momentos mais fundos,
rasos, tristes e os que tiravam suspiros, ele estava lá. Devia se chamar Ramon
Oxigênio.
Difícil mesmo é falar da Bibi [Sabrine].
Diria sem medo que sou capaz de dar minha vida pela dela. Não que eu não fizesse
pelo Ramon – porque independente de quem precise de mim, lá eu estou, me
doando sem reservas.
Bibi é o ser mais inteligente que de que tenho conhecimento. Também pudera, é
professora. Ensina o futuro aos pequeninos, e faz isso com maestria. Se fosse mãe,
diria sem medo que seria uma mãe babona. A gente aprende a sorrir perto dela
sem esforço, deve ter aprendido com o pai. Sabe tudo, mas penso que no fundo ela
aprende alguma coisa com os meus textos longos e fatídicos.
E o vó, o que dizer dele?
Ultimamente ele anda mais fraquinho, devido a idade avançada e o peso de ser o
mentor do pai e o ídolo do Ramon. Mas no que tange as palavras, ele tem uma
força, um vigor que desconhecia até pouco tempo. Dia desses ele me contemplou
com a sua atenção, me senti um menino que senta ao escabelo do pai pra aprender
algo novo. Posso dizer, que as vezes ele parece mais forte que a gente.
Pra quem não sabe, tem o Chico[gato amarelo], o mascote, o queridinho da família.
Tem um pouco da minha personalidade – tem dias que não dá as cara, as vezes
quer atenção, em outros não tá afim de ninguém, e morde se for exigido sua
presença.
Tem eu, o problemático e menos interessante da família. Estou sempre pelos cantos,
calado, pensando, escrevendo ou chorando, quase sempre escondido pra não
revelar o peso da dor que carrego em segredo.

Deixei a mãe [Nilza] por ultimo – por mérito.


Ela não faz ideia do quanto é amada, e não digo apenas pelo pai, e sim por todos
nós.
Se o pai é a razão, a mãe não poderia ser menos que a emoção. Tem o coração que
não sabe nela, e se puder, ele dá o dela sem olhar a quem.
Talvez ela nunca leia minhas singelas palavras, mas em ousadia, me arrisco a dizer
que toda a família eh grata por seus esforços.
Nunca vi ela cuidar do Vó, como ela
Dificilmente você veria a família almo O bocejo do gato segundos antes de virar a
barriga pra cima. Uma frase que desperta uma lembrança boa. A saudade que tem data
pra terminar. Uma nova playlist – mesmo que holandesa. Colocar o pé pra fora da cama
sabendo que tem pra onde ir. Sentir liberdade para escolher a roupa que quiser, sem
patrulha ou julgamento. Dez minutos de soneca. As sinaleiras todas verdes.
Precisamos tirar a nobreza da felicidade. Parar de economizá-la para a grandeza e
deixar que aconteça na simplicidade. Não deixar que seja como o jogo de pratos de
festa ou a roupa de domingo. Ao contrário da xícara que pode trincar ou a roupa que
mancha, a felicidade não se acaba. Não tem teto, nem piso. Não é como o limite do
cartão de crédito. Não paga juros.
Chega de sermos tristes por tudo. Está mais do que na hora de sermos felizes por pouco.
Ou por nada.

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