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São Cristóvão - SE
2018
ii
São Cristóvão - SE
2018
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CDU 911.3-055.2(813.7)
iii
Dedico
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Júlio e José Paulo (meu avô), dedico cada linha, cada lágrima e cada
alegria que integram o processo de amadurecimento acadêmico e pessoal. Sei que aí de cima
estão felizes com mais essa conquista. Sinto muita saudade!
À minha mentora, professora Rosemeri, carinhosamente chamada de Rose, a minha
gratidão eterna. Obrigada por enxergar em mim além do que a fala pudesse expressar.
Obrigada por ser amiga, por ser uma mulher de oração e de fé. Sou grata por me impulsionar
a adentrar no mundo das comunidades extrativistas, por respeitar as minhas limitações e por
me apoiar no momento mais difícil desse caminho, quando a minha saúde não correspondia
aos meus sonhos. Saiba que tenho um grande carinho por ti. Com a senhora aprendi sobre
pesquisa e sobre companheirismo.
À minha madrinha Cleide muita gratidão por me conduzir nas veredas da academia;
por enxergar a beleza em meio ao lamaçal; por me ensinar sobre responsabilidades e sobre se
enxergar enquanto diamante a ser lapidado. Sou muito grata por tê-la em minha vida.
A minha amiga-irmã Joelma, por acreditar em mim; por caminhar comigo mesmo
sendo eu uma pessoa difícil. Obrigada por me acolher no momento de maior fragilidade, por
ser um porto seguro em meio à instabilidade da vida. Serei eternamente grata, minha irmã de
alma.
Ao SFA, Vaninha, Caio e Judson (Guto), por ser abrigo em meio às tempestades.
Agradeço, especialmente, a minha amiga de infância, Vaninha, por me acompanhar durante
tantas décadas e ser ombro amigo diante das inquietudes e fragilidades.
As minhas amigas geógrafas Renata e Gilvânia, gratidão pela amizade que
construímos além dos muros acadêmicos. Obrigada pela torcida e por seguirem comigo nessa
caminhada cheia de obstáculos, porém, construída com muito amor e fé.
Ao GEOPLAN, por me acolher com muito carinho; por me ensinar sobre a arte de
construir a ciência juntos. Agradeço, sobretudo, ao meu amigo Douglas, por praticamente
segurar a minha mão no desvendar cartográfico; por ouvir as minhas dores e sempre tecer
palavras de encorajamento em meio à escuridão que atinge pontos do caminhar investigativo.
A Wandison, Ana e Felippe, pelo grande apoio nos campos, nos mapas e pela amizade
que construímos.
Não poderia deixar de agradecer às gatíssimas Anézia, Alberlene, Cleane e Sindiany,
pela amizade e torcida para que tudo se encaminhasse bem.
A Marília pelas conversas de encorajamento e perseverança no percurso final da tese.
Conseguimos! A Geise, Luana, Heloísa, Sheylla, Michelle, Edilsa, Raquel, Socorro, Patrícia,
Fernando e demais integrantes do Geoplan, sou muito grata pelo apoio nesse processo.
vii
A Paulinha (PRODEMA), mulher de grande coração, que por várias vezes sentou
comigo para a discutirmos sobre indicadores. Obrigada pelo companheirismo!
A Vanessa Costa, Gleise e Adelli, pelas palavras de incentivo e encorajamento.
Obrigada!
Aos meus amigos especiais: Leda, Denise, Mariazinha (in memoriam), Simoni,
Tâmara, Érick e Cícera, obrigada por trazerem alegria para minha vida quando o peso insistia
em me derrubar. Vocês são renovo em mim.
Às comunidades que me acolheram, que me ensinaram sobre vida e ciência. Obrigada
a Josefina (Finha), mulher forte e de luta, que me conduziu no universo das mulheres
extrativistas; a Alícia, que me ensinou sobre rompimento de barreiras; a Avani, que me
ensinou sobre delicadeza em meio à luta; a D. Janete, que me ensinou sobre recomeços; a
Luciana, que me ensinou sobre receptividade; a Joaninha, que me ensinou sobre família e
luta; a Érica, que me ensinou sobre cuidado e força; a Engles, pescador cadeirante, que me
ensinou sobre possibilidades. Obrigada a todos por permitirem que eu me aproximasse um
pouco do que é ser extrativista, da luta por (r)existência.
Às lideranças, técnicos e coordenadores de projetos, por contribuírem pelo
desenvolvimento da pesquisa. Particularmente, a Mirsa, por me auxiliar nas entrevistas na
Casa da Mangaba no período inicial dessa trajetória.
Aqueles que me ensinaram sobre o ensinar e o aprender, aqueles que contribuíram
para o ser professora; aos meus alunos, por serem um desafio diário. Aos meus professores,
por me conduzirem nos primeiros passos dessa profissão que é o chão desse país. Aos
profissionais e colegas da Escola Estadual João Arlindo (Taiçoca de Fora) e da Escola
Municipal Anízio Fontes Torres (Pontal), por me acolherem.
Às professoras Joseli Maria Silva (UEPG) e Sônia de Souza Mendonça Menezes
(UFS), pelas relevantes contribuições quando da qualificação.
À Fapitec, pelo subsídio financeiro no desenvolvimento da pesquisa, sem o qual não
poderia participar de eventos, adquirir livros, realizar os campos, enfim, os instrumentos
necessários para o desencadeamento do projeto.
Aos profissionais do PPGEO, por todo apoio e atenção. Muito obrigada!
Aos que contribuíram para a concretização desse projeto, chamado sonho, meu
agradecimento por toda a vida.
viii
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Rendimento médio no trabalho principal por sexo, razão do rendimento das
mulheres em relação ao dos homens e proporção de mulheres, segundo as áreas gerais de
formação da população de 25 anos ou mais de idade - Brasil - 2010 ....................................... 85
Tabela 2 - Distância das comunidades extrativistas da capital e da sede municipal .............. 101
Tabela 3 - População: Indiaroba (1991-2010) ........................................................................ 116
Tabela 4 - Principais cultivos agrícolas em Indiaroba/SE (2016) .......................................... 117
Tabela 5 - Efetivos da Pecuária, Indiaroba/SE, 2016 ............................................................. 119
Tabela 6 - Síntese sociodemográfica do município de Indiaroba (2010) ............................... 121
Tabela 7 - Síntese socioeconômica das mulheres extrativistas de Indiaroba ......................... 130
Tabela 8 – Preços mínimos e máximos dos principais recursos pesqueiros extraídos nas
comunidades litorâneas em Indiaroba (2015-2016) ............................................................... 171
Tabela 9- Localidades e número de participantes da oficina de avaliação de indicadores de
resiliência socioecológica da paisagem .................................................................................. 176
Tabela 10- Súmula da pontuação de indicadores de resiliência socioecológica em áreas de
pesca e extração de mangaba- Indiaroba/SE .......................................................................... 177
Tabela 11 – Pontuação média dos indicadores de resiliência socioecológica por área em
Indiaroba -SE .......................................................................................................................... 191
Tabela 12 – Preços mínimos e máximos dos principais recursos pesqueiros extraídos pelas
marisqueiras de Indiaroba (2015-2016) .................................................................................. 209
Tabela 13- Produção anual da mangaba nos municípios do Litoral Sul Sergipano ............... 216
xiv
LISTA DE QUADROS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
RESUMO .................................................................................................................................IX
ABSTRACT ............................................................................................................................. X
LISTA DE FIGURAS .............................................................................................................XI
LISTA DE TABELAS .........................................................................................................XIII
LISTA DE QUADROS ........................................................................................................ XIV
LISTA DE GRÁFICOS........................................................................................................ XV
LISTA DE SIGLAS ............................................................................................................. XVI
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 21
População tradicional, extrativismo e trabalho feminino no município de Indiaroba:
problematização e relevância do estudo ................................................................................... 23
Objetivos ................................................................................................................................... 28
Objetivo geral ........................................................................................................................... 28
Objetivos específicos ................................................................................................................ 28
1 TRAMAS DO CONHECIMENTO: DESVELANDO CONCEITOS E CAMINHOS
DA PESQUISA ....................................................................................................................... 31
1.1 Paisagem: um conceito polissêmico e complexo .......................................................... 32
1.2 Território, territorialidades e identidade territorial: entrelaçando conceitos dinâmicos 38
1.3 Percursos metodológicos na análise geográfica do trabalho feminino em comunidades
extrativistas ............................................................................................................................... 47
1.3.1 Abordagem sistêmica e complexidade na análise dos estudos espaciais de gênero ..... 49
1.3.2 Itinerários de pesquisa .................................................................................................. 55
2 GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE: INTERLOCUÇÕES TEÓRICAS
ACERCA DO FEMININO NA ANÁLISE GEOGRÁFICA .............................................. 74
2.1 Mulher, natureza e cultura: a construção da subordinação feminina ............................ 75
2.2 Gênero e apropriação do espaço: o entrelaçar entre exclusão e complementaridade .... 81
2.3 Geografia Feminista e Gênero na discussão de novos paradigmas ............................... 86
2.4 Gênero e meio ambiente: participação social na conservação dos recursos ambientais 91
3.2.2 Perfil socioeconômico das mulheres extrativistas em comunidades costeiras ........... 129
4 ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA
SOCIOECOLÓGICA EM COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA ... 140
4.1 Conhecimento ecológico tradicional nas práticas extrativistas em Indiaroba ............. 140
4.1.1 Entre Luas e Marés: desvendando os saberes relacionados a pesca artesanal ............ 143
4.1.2 Os saberes das mulheres mangabeiras nas áreas de restinga ...................................... 152
4.2 Cartografia participativa como estratégia de mapeamento dos fenômenos sociais em
comunidades extrativistas de Indiaroba .................................................................................. 159
4.2.1 O mapa da pesca artesanal em Indiaroba .................................................................... 161
4.3 Indicadores de resiliência socioecológica nos territórios da pesca e da mangaba...... 171
4.3.1 Análise dos indicadores de resiliência socioecológica ............................................... 175
5 TERRITORIALIDADES FEMININAS: APROPRIAÇÃO E USOS DO ESPAÇO
EM COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA/SE.................................... 194
5.1 Trabalho de mulher/ Trabalho de homem: silenciamento da espacialidade feminina em
comunidades extrativistas de Indiaroba.................................................................................. 194
5.2 “Da restinga ao estuário”: territorialidades das mulheres extrativistas em Indiaroba . 204
5.2.1 O mapeamento da pesca feminina em Indiaroba ........................................................ 205
5.2.2 O mapeamento da mangaba em Indiaroba .................................................................. 215
5.3 Terra e água: arena dos conflitos na apropriação biogeográfica dos recursos ............ 230
ANEXOS................................................................................................................................ 280
ANEXO A-Portaria de instituição do TAUS ......................................................................... 281
INTRODUÇÃO
©Eline Santos
Porto do Papagaio/Pontal
Porto do Papagaio-Pontal
INTRODUÇÃO
por meio da sua espacialidade permitiu o entendimento da maneira como a mulher reafirma-
se na sua relação com o ambiente, com os seus pares e como apropria-se da natureza.
Essas proposições remetem à discussão do território, enquanto diferentes maneiras que
a sociedade se utiliza para se apropriar e transformar a natureza (SPOSITO, 2004) e enquanto
conjunto de nossas experiências ou relações de domínio e apropriação no/com/através do
espaço (HAESBAERT, 2007).
Na relação da mulher com o ambiente por meio do desenvolvimento da atividade
extrativista é que se arquiteta a luta pelo poder e pela manutenção da atividade. Nesse
encadeamento, há a afirmação da sua identidade, da sua história de vida, pelo ser e pelo
existir, constituindo as territorialidades femininas, que são marcadas pelas interações
espaciais entre os grupos sociais e os agentes externos que promovem a mudança, e pelo
processo de constituição do território.
Outro ponto importante no estudo do gênero e espaço na perspectiva da análise
integrada das relações entre os grupos extrativistas e o meio é a compreensão da paisagem,
visto que esta:
não abrange somente o visível, mas também a construção cultural e
econômica de um espaço geográfico. Nela contêm o território, sua
organização espacial e seu funcionamento, e se reproduz nos elementos do
geossistema (ROSOLÉM; ARCHELA, 2010, p.7).
De acordo com Vianna (2008), as relações entre ser humano e natureza são sempre
socialmente determinadas e as intervenções na natureza são de acordo com a representação
que cada sociedade tem dela. Isso remete à discussão de comunidades tradiconais e áreas
protegidas que abarcam o objeto de estudo da pesquisa em tela.
Na década de 1960 iniciaram-se os debates acerca da manutenção biodiversidade1 para
a conservação. Contudo, é nos anos de 1980 que “a questão da biodiversidade aparece
nitidamente na Estratégia Mundial para a Conservação, da UICN-União Internacional para a
Conservação da Natureza”, cujo objetivo era a preservação da biodiversidade biológica
(DIEGUES, 1999, p. 12).
A ideia de manutenção da biodiversidade esteve atrelada ao conceito de conservação
da natureza que refletiu numa preocupação sistemática, resultando na criação de áreas naturais
protegidas de forma integral (VIANNA, 2008).
A área protegida integral tinha como princípio conservador fundante a expulsão do ser
humano do seu interior, em razão desse ser considerado depredador. Era preciso o seu
afastamento para a manutenção do potencial ecológico da área. Tal delineamento gerou
conflitos, pois as populações locais tiveram o acesso bloqueado aos recursos (VIANNA,
2008).
A solução encontrada para minimizar os conflitos entre os habitantes das áreas
protegidas e os gestores públicos foi classificar as populações locais como tradicionais,
categoria que possibilitou a permanência desses grupos nas áreas protegidas (VIANNA, 2008;
ALMEIDA, 2000). Porém, como definir quem é tradicional?
Diegues (1999) evidencia dificuldades na conceituação de população tradicional; no
entanto, apresenta que as comunidades tradicionais são constituídas por
1
“Biodiversidade não é um conceito simplesmente biológico, relativo à diversidade genética de indivíduos, de
espécies, e de ecossistemas, mas é também o resultado de práticas, muitas vezes milenares, das comunidades
tradicionais que domesticam espécies, mantendo e, em alguns casos, aumentando a diversidade local”
(DIEGUES, 1999, p. 9).
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 24
Nas comunidades tradicionais, os indivíduos possuem uma forte ligação com o meio.
Suas práticas são influenciadas pela dinâmica da natureza, em que os saberes construídos no
lidar diário dos recursos ambientais correspondem a forma como manipulam a fauna e a flora,
e na ligação com o sobrenatural, expressada nos mitos e nas crenças presentes no grupo.
No que tange ao sistema de manejo dos recursos naturais, Diegues (1999) destaca que,
nas comunidades tradicionais, são marcados pelo respeito aos ciclos naturais e pela sua
explotação dentro da capacidade de recuperação das espécies de animais e plantas utilizadas.
Estes povos não visam diretamente o lucro, mas a reprodução cultural e social do grupo,
desenvolvendo-se no modo da pequena produção mercantil.
Vianna (2008) tece uma crítica a respeito da conceituação de “tradicional,” posto que a
busca de critérios para a sua definição não contou com a participação das populações locais.
A autora considera que a construção dessa categoria foi inicialmente exógena.
Além das dificuldades no que tange à conceituação, existem ambiguidades quanto à
ideia estanque de tradicional. Duarte (2005, p. 52) aponta questionamentos sobre a qualidade
de “tradicionais”, posto que tal prerrogativa traz a “expectativa de se manterem onde estão”
como se fossem “quase obrigados a perpetuarem-se como uma sociedade isolada, num
contexto onde há muitas pressões de um mundo que se afigura como exterior.”
As assertivas apresentadas atestam os diversos posicionamentos a respeito das
populações tradicionais, importantes para o entendimento crítico de como é forjada a relação
dessas populações com a natureza, uma relação histórica e social. Todavia, neste estudo são
adotadas as conceituações apresentadas por Diegues (1999), já mencionadas, e por Almeida
(2000), em que as populações caracterizam-se como grupos que habitam a algum tempo numa
determinada região e que estão entrando no processo de desenvolvimento com impacto
mínimo, visando melhorias de qualidade de vida.
Em Sergipe (PEREIRA; MOTA, 2006), ainda existe uma biodiversidade mantida
devido às práticas de manejos desenvolvidas por populações tradicionais (pescadores,
marisqueiras, catadoras de mangaba, quilombolas etc.) principalmente nas zonas litorâneas,
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 25
Objetivos
Objetivo geral
Objetivos específicos
©Eline Santos
[...] a necessidade de uma nova lógica só faz sentido se for concebida a luz
de um novo paradigma científico, preocupado com a incorporação de
múltiplos saberes em condições de igualdade-ainda que marcados pela
diferença- e cimentado em uma atitude holística frente à presença do homem
no ambiente (SOUZA, p.194, 2007).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 31
Nesta leitura, a paisagem não está limitada ao visível, à estética, mas como aquela que
efetiva os elementos que humanizam o território, atribuindo a ele as dimensões subjetivas que
configuram a territorialidade como as marcas impressas na paisagem (FERREIRA;
PIMENTEL; BARROS, 2016).
A perspectiva de análise da paisagem em interface com o território na abordagem
ambiental possibilita o entendimento da atuação da estrutura econômica sobre a estrutura
física, modelando a paisagem atual, e também a compreensão da materialização do território
através da apropriação e uso dos recursos, das relações de poder estabelecidas no processo de
configuração espacial, além do mais evidencia um campo de estudo em construção, que
apresenta lacunas a serem minimizadas ao passo do aprimoramento do debate ambiental.
Com base em tais premissas, foram delineadas as seções seguintes, cujo intuito é
apresentar as noções que arquitetaram a análise acerca das relações espaciais de gênero e sua
conformação com a temática ambiental, bem como evidenciar a estrutura conceitual e
filosófica que fundamentou a discussão sobre a configuração do espaço extrativista a partir da
transformação da paisagem e da constituição dos territórios mediante as relações desiguais de
gênero.
A paisagem deve ser analisada além da aparência, dado que resulta “da combinação
dinâmica de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre
os outros” a transforma num “conjunto único e indissociável em evolução” (BERTRAND,
2004, p. 141). Destaque para o ponto em que a paisagem não é uma junção de elementos, mas
a combinação que decorre da interação entre eles. Ademais, esta paisagem não é apenas
natural, mas é integrada, de modo que a ação humana também é levada em consideração e
estudá-la “é antes de tudo apresentar um problema de método” (idem, 2004, p. 141).
Esse é o desafio que os geógrafos enfrentam acerca do estudo da paisagem, uma vez
que envolve um problema de ordem epistemológica e de carência metodológica, como
enfatiza Bertrand (2004) em seu artigo Paisagem e Geografia Física global, ao esboçar um
itinerário para a análise da paisagem fundamentado em alguns princípios, a saber: taxonomia,
dinâmica, tipologia e cartografia das paisagens. Ele considera a paisagem importante para a
Geografia, mas que ainda é caracterizado como um termo impreciso e cômodo, em virtude de
cada pesquisador utilizá-lo conforme a sua orientação teórico-metodológica, perspectiva de
análise e abordagem.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 33
Sauer tratou a paisagem à luz do método morfológico, com a sua aplicação tanto nos
aspectos naturais quanto nos humanos. Ao analisar a paisagem cultural, não conseguiu sair do
seu caráter físico-material, pelo fato de estar sob forte influência do positivismo descritivo
(SCHIER, 2003).
Na segunda metade do século XX, a paisagem vai ser examinada na Geografia sob o
prisma sistêmico, fundamentado pelos princípios da Teoria Geral dos Sistemas (TGS),
proposta e formulada por Ludwig von Bertalanffy nas décadas de 1930 e 1940. Esse novo
caminho permitiu avanços nos estudos de paisagem e influenciou diversas áreas voltadas para
o meio ambiente. Nessa abordagem, todos os elementos fazem parte da natureza, sendo os
aspectos fisionômicos deixados de lado e as trocas de matérias e energia dentro do sistema
(complexo físico-químico e biótico) colocadas em evidência. Os sistemas naturais serão
compreendidos através da sua estrutura e funcionamento (GUERRA; MARÇAL, 2006).
A escola soviética destaca-se nas contribuições de ordem epistemológica acerca da
visão sistêmica de paisagem que é pensada como um todo, com a identificação dos seus
elementos internos, estado, funcionalidade, relação com o meio e por fim, como objeto para
intervenções e pesquisas científicas. Maximiano (2004, p. 88) menciona que “a necessidade
de operacionalizar o conceito de paisagem com fins de gestão territorial levou os geógrafos
russos a desenvolverem o conceito de geossistema”. Ora, eram necessários estudos de
classificação das unidades que estruturam a paisagem para a compreensão da sua organização
e elaboração dos planos que representaram a possibilidade de transformação e seu domínio
num período marcado pela expansão das interferências sobre o meio, resultado das políticas
de gestão do mundo socialista.
Victor Sotchava mostrou-se como um dos principais nomes da escola soviética nas
pesquisas geossistêmicas. Instigado pelos fundamentos da TGS formulou os geossistemas,
“classes hierarquizadas do meio natural” (MAXIMIANO, p. 88, 2004). Como salienta
Rodriguez e Silva (2002), ele utilizou toda a teoria sobre paisagens (Landschaft) elaborada
pela escola russa e formulou a Teoria Geral dos Geossistemas, em que o conceito de paisagem
é considerado sinônimo de geossistema, formada por atributos sistêmicos fundamentais:
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 36
que são comuns aos conceitos: a inclusão da existência humana, o aspecto visual (resultado
dos eventos naturais e sociais) e a questão da escala que permite hierarquizar as classes de
paisagem (MAXIMIANO, 2004)
Nos anos 1970, devido à oposição ao positivismo e ao neopositivismo, a paisagem foi
isolada, não ocupando espaço na Geografia. Em vista disso, na ruptura entre a geografia física
e geografia humana que ocorreu no período, a paisagem foi relegada a uma posição
secundária (FERREIRA; PIMENTEL; BARROS, 2016; CORRÊA; ROSENDAHL, 2004).
Todavia, na contemporaneidade ressurgiu com facetas fundadas em outras matrizes
epistemológicas, apresentando várias dimensões: morfológica, funcional, histórica, espacial e
simbólica.
Na avaliação da paisagem sob a ótica cultural, ela está intimamente ligada à cultura,
correspondendo a um território visto e sentido, portanto subjetivo e elaborado pela mente
(SALGUEIRO, 2001), visão que formata as novas vertentes da paisagem a serem exploradas
na ciência geográfica, ou seja, a adesão da abordagem cultural fundada numa análise
simbólica de paisagem, em que a cultura aparece como ponto que envolve o homem e o meio.
Cosgrove (2004, p. 99) considera que,
[...] a paisagem está intimamente ligada a uma nova maneira de ver o mundo
como uma criação racionalmente ordenada, designada e harmoniosa, cuja a
estrutura e organismo são acessíveis a mente humana, assim como ao olho e
agem como guias para os seres humanos em suas ações de alterar e
aperfeiçoar o meio ambiente.
seja, como objeto geográfico que está em toda a parte, conforme destacaou Cosgrove (2004).
A paisagem aparece, assim, como caminho para a leitura da organização espacial, da forma
como os grupos se relacionam com o meio e entre si, produzindo o território e
consequentemente, o espaço geográfico. Nessa perspectiva, a paisagem apresentou-se como
cenas dinâmicas que possibilitam a intepretação das relações de poder estabelecidas e que
produzem o território.
Paisagem e território surgem como elementos de interpretação da realidade geográfica,
como elos para uma análise integrada de comunidades que têm no extrativismo a sua fonte de
existência e de luta, permitindo uma aproximação da totalidade espacial.
modo, assim como o território, este é revelado em escalas distintas. A escala do território
delimita a escala do poder; porém, existem os poderes que interferem em todas as escalas (o
Estado-nação, por exemplo) e aqueles que estão limitados em escalas específicas, como os
grupos tradicionais. Portanto, têm-se relações de poder em diferentes escalas que corroboram
com a produção de múltiplos territórios, cada um com suas territorialidades e dimensão
própria, sendo apreendidos e vivenciados pelos atores sociais (TERRA, 2009).
Com base nas proposições, o poder molda o território; ele integra as relações tecidas
na trama territorial, instituindo-se como elemento fundamental para o seu entendimento, em
razão deste só existir a partir das relações de poder.
Raffestin (1993), inspirado nas discussões de Foucault acerca do poder, formula uma
abordagem relacional, em que este é analisado segundo as práticas ou relações sociais, já que
resulta delas. Nesta perspectiva, o poder é multidimensional e abarca desde o poder estatal até
os micropoderes, presentes nas práticas cotidianas, em todo lugar; por isso, é inútil procurá-lo
na origem de um ponto central, isto é, num centro único de soberania, já que é o alicerce
móvel das relações de força que, por sua desigualdade, desencadeiam estados de poder locais
e instáveis.
De fato, “o poder visa o controle e a dominação sobre homens e as coisas”, e o
território é a cena do poder, lugar de todas as relações, ou seja, o espaço político e o campo de
ação do poder (RAFFESTIN, 1993, p. 64).
Destarte, as formulações de Raffestin acerca de poder vêm romper com a ideia clássica
do Estado como único dotado de tal componente, o que leva a perceber a existência de outras
formas de organizações dotadas de poder político, pois todo o conteúdo da relação é político
(SAQUET, 2009). Com base nisso, o território carrega a complexidade das relações de poder,
o qual se estende por todas as esferas da sociedade, sendo rizomático e multifacetado.
Outro estudioso que compartilha da ideia de território mediante as relações de poder é
Robert Sack, apesar de seu conceito principal ser o de espaço geográfico (SAQUET, 2010).
Para ele o território significa uma área dominada e controlada; nasce das estratégias de
controle por um grupo de pessoas que tenta afetar, influenciar o comportamento do outro,
incluindo o controle de elementos não humanos dentro dessa porção do espaço.
O território em Sack é dinâmico, uma vez que pode existir num determinado momento
e em outro não, a depender do exercício de controle; assim como a territorialidade que se
desenvolve num tempo limitado. Tempo e espaço são fundamentais para o entendimento das
transformações do território.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 43
Em Marcos Saquet (2009, 2010 e 2015), o território aparece como produto de forças
econômicas, políticas e culturais; sua análise apresenta-se como um percurso a ser desenhado
na elaboração de projetos de desenvolvimento local. Na sua apreciação evidencia a relação
espaço-tempo, em que a história dos lugares manifesta-se como elemento fundamental para a
compreensão das transformações espaciais e da diferenciação entre eles; porquanto cada
espaço possui o seu tempo e cada tempo o seu espaço. Nessa linha teórica, Saquet elabora
uma abordagem (i) material do território, centrada na relação espaço-tempo.
Segundo Saquet (2010), o território inscreve-se como campo de forças que envolvem
as relações sociais (econômicas-políticas-culturais) e é produzido espaço-temporalmente pelo
exercício do poder por determinado grupo social. Ele apresenta a dinamicidade como
característica, uma vez que pode ser temporário ou permanente e se efetivar em diferentes
escalas, envolvendo a dialética entre o natural e o social presente no homem. Em síntese, o
território revela-se como “um espaço de organização e luta, de vivência da cidadania e do
caráter participativo da gestão do diferente e do desigual” (idem, 2010, p. 129).
Foi a partir das abordagens que marcaram a Geografia brasileira dos anos de 1990 que
se interpretou o território no espaço extrativista em Indiaroba. Logo, o território nesta
investigação foi decifrado segundo os pressupostos que consideram a sua multiplicidade, a
interferência das ações objetivas e subjetivas na sua produção. Buscou-se apreender as
territorialidades femininas baseadas na visão integradora de território, na qual este aparece
como uma das facetas do espaço que permite a aproximação das questões referentes às
diferenciações espaciais e das desigualdades presentes na escala analisada.
Destarte, território aqui aparece como expressão da luta social, da organização dos
grupos quanto a sua reprodução social, num espaço marcado por transformações de ordem
econômica que interferem nas dimensões natural, política e cultural, desencadeando conflitos
no uso do espaço. Portanto, foram enfatizadas as dinâmicas política e cultural, simbólico-
identitária presentes no espaço extrativista.
Como um mapa a ser completado que se esboça os sintomas de uma ciência nova.
Esta proposição foi apresentada por Silva e Galeno (2008) em sua obra Geografia- ciência do
complexus: ensaios transdisciplinares, a qual sintetiza as discussões acerca de uma nova forma
de percepção da realidade; ou seja, a busca de uma nova lógica que responda às necessidades
não mais encontradas no antigo modelo científico.
O modelo cartesiano ou mecanicista não conseguia explicar a dinâmica da sociedade
que se apresenta complexa, organizando-se constantemente como um sistema com grandes
números de variáveis, no qual as certezas apregoadas anteriormente por este modelo passaram
a ser redefinidas, imprevisíveis e fora de controle (SILVA; GALENO, 2008). Neste sentido,
os pressupostos teórico-metodológicos cartesianos, fundamentados na concepção de que a
partir da análise das partes compreende-se o funcionamento do todo, não alcançava a
explicação da realidade na sua totalidade.
A busca por um caminho que respondesse a novos questionamentos, rompendo
barreiras, ultrapassando velhos e inertes paradigmas, tornou-se um desafio para estudiosos
que desejavam ir além do modelo regido pela concepção mecânica do Universo linear e
sincrônico (VITTE, 2007a). Nesse contexto, na década de 1930 ressurgiu com os biólogos o
pensamento integrado e sistêmico numa visão de relação, contexto e dinâmica. Nesse período,
ocorreu a primeira formulação teórica de sistemas preconizada Ludwig Von Bertalanffy e R.
Defay, com aplicações na biologia e na termodinâmica (TROPPMAIR; GALINA, 2006;
LIMBERG, 2006).
A Teoria Geral do Sistema, desenvolvida por Bertalanffy nos anos de 1930,
(RODRIGUEZ; SILVA, 2013) expandiu-se em várias direções, configurando como um novo
modo de pensar a ciência.
Na Geografia, a abordagem sistêmica tornou relevante “o direcionamento para a
sistematização e integração do meio ambiente com seus elementos, conexões e processos
como um potencial a ser utilizado pelo homem” (TROPPMAIR; GALINA, 2006, p. 80).
A partir das leituras de Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2010), é possível afirmar que a
concepção sistêmica consiste numa abordagem em que a diversidade da realidade estudada
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 50
pode ser considerada uma unidade (sistema) regulada por categorias sistêmicas como
estrutura, elemento, meio, relações etc. Os estudiosos ressaltam que o sistema consiste no
conjunto de elementos que possuem relação mútua, formando uma unidade e integridade. Ele
muda constantemente, devido ao metabolismo de suas partes inter-relacionadas num todo
integral.
Na Geografia, o desenvolvimento de pesquisas apoiadas na abordagem sistêmica tem
adotado o estudo de geossistema. Este termo foi criado pelo russo Sotchava, na década de
1960, que o conceituou como formações naturais, experimentando, sob certa forma, o impacto
dos ambientes social, econômico e tecnogênico. São fenômenos naturais cuja estrutura e
peculiaridades espaciais podem ser afetadas por fatores sociais e econômicos (SOTCHAVA,
1977). Dessa maneira, o geossistema trata do caráter territorial e espacial do sistema.
Troppmair e Galina (2006, p.81) destacam que Sotchava, ao criar o termo geossistema,
o deixou muito vago e flexível; por isso, é utilizado e empregado como conteúdo,
metodologia, escala, enfim, com enfoques diferentes. Eles apresentam o “geossistema como
um sistema natural, complexo e integrado, no qaul há circulação de energia e matéria e onde
ocorre exploração biológica, inclusive aquela praticada pelo homem”. Eles chamam atenção
para a interferência que a ação antrópica exerce sobre o sistema, afirmando que esta afeta
apenas algumas de suas características, que são perceptíveis somente em microescala e não
com tamanha intensidade a ponto de transformar totalmente as características do geossistema
e fadá-lo ao desaparecimento.
Na presente pesquisa, o enfoque sistêmico e a complexidade engendraram a base
científica para a análise da paisagem. A partir da aplicação da metodologia de Indicadores de
Resiliência em Produção Socioecológica de Paisagens Continentais e Marinhas (Socio-
ecological Production Landscapes and Seascapes –SEPLS), foi possível entender as
transformações da paisagem no município de Indiaroba, as interações entre as condições
naturais e a produção social numa análise histórico-natural. Desse modo, numa perspectiva
integrada da paisagem, a organização espacial da área de estudo foi decodificada, com
destaque para os elementos do ambiente que estruturam o trabalho feminino.
Os Indicadores de Resiliência em SEPLS 2 consistem num conjunto de 20 indicadores
projetados para capturar diferentes aspectos dos sistemas ecológicos, agrícolas, culturais e
socioeconômicos. Eles são quanti-qualitativos, cuja mensuração é baseada em observações,
2
As informações referentes à metodologia de Indicadores de resiliência em SEPLS foram retiradas do manual
para aplicação de Indicadores de Resiliência em Produção Socioecológica de Paisagens Continentais e Marinhas
elaborado em 2014 pela UNU-IAS, Biodiversidade Internacional, Instituto para Estratégias Ambientais Globais
(IGES) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 51
3
A Iniciativa Satoyama é um esforço abrangente para espalhar a consciência de que a proteção da biodiversidade
implica promover relações harmoniosas entre ser humano e natureza de forma a fortalecer a resiliência
socioecológica em paisagens. É uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente do Japão, a Universidade das
Nações Unidas (UNU), o secretariado da Convenção da Diversidade Biológica (CBD) e o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 52
Figura 1- Áreas, descrição e indicadores de resiliência socioecológica em SEPLS utilizados na análise de comunidades extrativistas de Indiaroba
Fonte: UNU-IAS, Bioversity International, IGES e do PNUD (2014); Elaboração: SANTOS, E. A., 2018.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 53
desordem está ligada à ordem, que por sua vez é relativa ao sistema e a sua dinâmica no
espaço-tempo (VITTE, 2007a).
Destarte, a complexidade está comprometida com a estratégia de pensar, em que cada
cientista tem como desafio escolher e arquitetar os caminhos e instrumentos para abordar o
problema a ser compreendido, isto é, os princípios gerais que possibilitem dialogar com a
incerteza, a imprevisibilidade e a causalidade múltipla que fundamentam o pensamento
complexo (SILVA; GALENO, 2008).
Os autores asseveram ainda que nessa abordagem há a introdução do sujeito no
conhecimento, do observador na realidade, da religação entre ciência, arte, filosofia e
espiritualidade, assim como vida e ideias, ciência e política, saber e fazer. A abordagem
complexa apresenta um pensamento aberto e em construção, como um tecido de elementos
heterogêneos integrados.
Limberger (2006) ratifica que na Geografia o conceito de complexidade aparece de
forma mais consubstanciada a partir da década de 1960, principalmente nos trabalhos que
abordam a necessidade da compreensão da organização espacial. A autora acrescenta, ainda,
que a
a) Pesquisa bibliográfica
b) Levantamento documental
4
Nesse órgão seriam coletados dados referentes à fiscalização quanto as atividades que afetam a pesca e a
extração da mangaba; licenças e quantitativo de empreendimentos aquícolas e imobiliários no município de
Indiaroba, porém, a solicitação para o levantamento de dados mediante ofício (Apêndice D) não foi atendida.
Ponto que demonstra as dificuldades na obtenção de informações oficiais relacionadas ao extrativismo, às
atividades que afetam esta atividade e gestão ambiental no Brasil.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 57
c) Definição da amostra
d) Levantamento cartográfico:
Convento 03
Marisqueira- Terra Caída -
Catadora de mangaba Preguiça 03
Pontal 13
Convento 02
Terra Caída 09
Marisqueira
Preguiça 05
Pontal 02
Convento 01
Terra Caída -
Catadora
Preguiça -
Pontal 01
Convento -
Pescador
Terra Caída 03
Preguiça 03
Pontal 08
Convento -
Pescador - Catador de Terra Caída -
mangaba Preguiça 02
Pontal 01
Liderança comunitária Terra Caída 02
(participantes de associações
Preguiça 01
de moradores, de pescadores,
coordenadores de projetos) Pontal 02
Z-4 01
Presidente de colônia
Z-11 01
Projeto de Monitoramento de 01
Institucional Desembarque Pesqueiro (PMPDP)
UFS 01
Superintendência Federal de
Agricultura (SFA) / 01
Setor de Pesca
Secretaria de Desenvolvimento 01
Econômico/
Gestores e técnicos
Departamento de Agricultura
Secretaria de Desenvolvimento 01
Econômico/
Departamento de Pesca
IBAMA 01
Total - 69
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).
Elaboração: SANTOS, E. A., 2018.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 60
e) Pesquisa de Campo
5
O PEAC é uma medida de mitigação exigida pelo licenciamento ambiental federal para exploração de petróleo
e gás offshore na bacia Sergipe/Alagoas conduzido pelo IBAMA e executado pela UFS. Em Sergipe, o PEAC
abrange hoje 10 municípios litorâneos: Brejo Grande, Pacatuba, Pirambu, Barra dos Coqueiros, São Cristóvão,
Aracaju, Itaporanga D’ Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba. Disponível em:
<http://programapeac.com.br/sobre-o-peacabrangencia-do-peac//>. Acesso em: em: marc. 2018.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 61
Durante a realização da oficina, houve uma pessoa responsável pelo registro das
intervenções dos participantes (o relator) e uma facilitadora que conduziu todo o processo.
Por conseguinte, a primeira seção da oficina compreendeu a explanação acerca dos princípios
da cartografia com a apresentação da linguagem cartográfica, do que compreende o
mapeamento participativo e sua importância para a gestão ambiental democrática. Destaca-se
que o mapeamento social do extrativismo na localidade esteve embasado sob os fundamentos
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 63
5A 5B
A) 2A
Caminhada transversal em Pontal B)2A
Etnomapeamento da pesca em Indiaroba/SE
Fonte: Trabalho de campo (2016-2017).
2A 2A
6A
2A
2A
2A
2A
2A
6B
2A
2A
2A
A e B- Pescadoras (es)-Catadoras delimitando as áreas de coleta
Fonte: Trabalho de campo ( 2016-2017).
2A
6
Software que compõe as linhas de soluções dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG). 2A
2A
2A
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 65
7A 7B
2A 2A
2A 2A
2A 2A
2A 2A
2A 2A
2A
7C 2A
7D
2A
A) e B) Introdução da oficina e integrantes2A 2A
do mapeamento participativo e da avaliação dos indicadores
2A de
resiliência da paisagem no povoado Preguiça; C) e D) Participantes da oficina em Terra Caída e em Pontal.
Fonte: Trabalho de campo (2016-2017). 2A 2A
2A 2A
2A 2A
f) Tratamento dos dados: ordenamento, tabulação e análise das informações
2A 2A
tratamento cartográfico ocorreu através da análise das ortofotocartas, do atlas da SRH e das
informações obtidas no trabalho de campo.
Com base nisso, torna-se relevante detalhar o percurso seguido na confecção dos
mapas temáticos, resultantes das oficinas de indicadores de resiliência em SEPLS, tendo em
vista que esses foram baseados na forma como as populações interpretam a sua realidade, nos
princípios da cartografia democrática, que valoriza o olhar de que vivem o território.
Sublinha-se que as toponímias utilizadas nesses mapas são aquelas indicadas pelas (os)
extrativistas no mapeamento.
O passo inicial do tratamento cartográfico englobou o georreferenciamento no ArcGIS
10.2.1 das fotografias dos desenhos referentes às áreas de uso confeccionados pelas (os)
extrativistas. O georreferenciamento realizou-se pela marcação de pontos de controle no mapa
base (Figura 8A, B e C).
8A 8B
2A 2A
2A 2A
2A 2A
2A 2A
2A 2A
8C
2A 8D
2A
A e B) Fotografias dos desenhos elaborados sobre 2A o mapa base; C) Georreferenciamento da fotografia
2A e D)
2A 2A
Vetorização das feições desenhadas pelas (os) extrativistas.
Fonte: Ortofotocartas/SEPLAN ( 2003); Atlas da SRH (2014); Trabalho de campo (2016-2017).
2A 2A
2A 2A
2A 2A
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 68
Os ícones que compuseram a legenda dos mapas temáticos e a capa deste trabalho de
tese reportam-se às principais atividades desenvolvidas pelas populações analisadas e os
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 69
elementos que constituem as suas vivências. Eles foram confeccionados através do programa
Corel Draw com a vetorização automática dos desenhos manuais obtidos nas oficinas (Figura
10 e Quadro 2). Após a vetorização, eles foram exportados no formato bitmap (bmp) e desta
maneira inseridos no ArcGIS 10.2.1.
Aratu
Camarão
Caranguejo
Cocoicultura
Plantio de eucalipto
Mangabeira
Manguezal
Marisqueira
Peixe
Porto
Siri
Lê-se:
Ma: média por área
Mgin: média geral do indicador
n
nia: número de indicador por
área
CAPÍTULO 2
GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE: INTERLOCUÇÕES
TEÓRICAS ACERCA DO FEMININO NA ANÁLISE AMBIENTAL
© Eline Santos
Ao propor uma discussão sobre o espaço como palco no qual a vida é tecida e como
lugar comum em que as dinâmicas socioespaciais são tramadas, demarca-se um campo de
análise em que a escala aparece como elemento norteador para o seu entendimento, nos
estudos de gênero e geografia. A escala aparece como uma lente em que grupos poderão ser
evidenciados ou negligenciados. O local aparece como nível escalar que aproxima/permite a
apreensão das desigualdades e resistências existentes no espaço.
Com base no exposto e corroborando com as ideias de Silva e Galeno (2008, p. 13),
“aguçar a escuta para compreender e lidar com a diversidade de ruídos que desordenam ou
redimensionam os padrões já consagrados de conceber o mundo é uma atitude intelectual
importante e inadiável.” É preciso romper com os velhos paradigmas em que a realidade é
analisada de forma linear, objetiva e neutra, os quais produzem verdades traduzidas em
discurso hegemônico, verdadeira face do poder, da exclusão e da interdição.
A realidade não mais pode ser desvendada pelo velho paradigma (cartesiano), marcado
pelas certezas, ideias fixas e imutáveis, um campo fechado protegido por normas atemporais.
Torna-se necessário buscar caminhos que conduzam o desvelar dessa realidade, caracterizada
pela complexidade dos sujeitos que se apresentam de formas múltiplas, em tempos e lugares
distintos.
Na busca por decifrar o real, por meio dos códigos presentes na relação entre os
sujeitos- meio e sujeitos-sujeitos, numa tentativa de caminhar segundo o novo movimento
epistemológico, estruturamos o debate desta seção a partir das seguintes indagações: Por que
gênero surge como categoria nos estudos geográficos? Qual sua contribuição para os estudos
feministas com foco na análise ambiental?
O que se pretende é discutir gênero como categoria de análise das transformações
socioespaciais, com ênfase na relação entre os sujeitos e o meio ambiente.
Na discussão da espacialidade de gênero, a notoriedade será dada ao feminino, por
constituir um campo de escassas reflexões acadêmicas na geografia brasileira e por contribuir
para a leitura de um espaço relacional formado pelo cruzamento das trajetórias dos grupos.
Para a compreensão das questões da mulher e gênero a partir da sua espacialidade
torna-se necessário a análise de um espaço paradoxal que traz em seu bojo a sua negação
(“invisibilidade”) como sujeito nesse espaço e ao mesmo tempo faz com que ao se reproduzir
adote estratégias do cotidiano, que são políticas, portanto, de poder e que possibilitam a sua
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 75
condição de existência. Desse modo, a análise das relações de gênero por meio da sua
espacialidade permitirá o entendimento da maneira como a mulher reafirma-se na sua relação
com o ambiente e como se apropria da natureza.
A reconstituição dos caminhos que desencadearam a construção da subordinação
feminina (BEAUVOIR, 1970; ORTNER, 1979; BOURDIEU, 1989,1999; GARCIA, 2012) e
a sua organização como movimento que luta pela igualdade de direitos (DEL PRIORE, 2013;
TIMOTEO, 2013) serão pontos apresentados na primeira seção deste capítulo. O patriarcado
(PATEMAN, 1993; CRUZ, 2005) comoo marca do contrato original de construção da
sociedade civil que determina espaços masculinos, espaços femininos, isto é, a divisão sexual
do trabalho revelada nas formas de apropriação do espaço, constitui-se tópico de análise da
segunda seção. Os delineamentos da Geografia Feminista (MONK; GARCÍA-RAMON,
1987; SILVA, 1998; ORNAT, 2008; SILVA, 2009; ROSSINI, 2012) em que gênero se
apresenta como elemento analítico para a compreensão da organização socioespacial, bem
como as críticas relativas às estruturas acadêmicas (SPIVAK, 2010; LUGONES, 2008;
SILVA; SILVA, 2011), caracterizadas tradicionalmente por uma perspectiva patriarcal,
comporão a terceira seção. A vinculação complexa existente entre a mulher e o ambiente (DI
CIOMMO, 2003; ANGELIN, 2006) no qual está inserida será explicitada na quarta seção.
Questionar o discurso hegemônico que constrói verdades reguladoras do
comportamento social é também uma pretensão desse trabalho. A desconstrução de verdades
absolutas, a relação entre poder e conhecimento, no que tange ao controle social por meio das
instituições, são concepções que permeiam a discussão feminista na atualidade e apresentam-
se relevantes à medida que instigam múltiplos sentidos do fazer científico e da análise da
sociedade.
Assim, “o papel dos (as) pesquisadores (as) e dos (as) professores (as) é fazer
perguntas consideradas inconvenientes por sociedades que tendem ao pensamento único e,
através delas, romper hegemonias e propor novas alternativas.” (SILVA; SILVA, 2011,
p.164)
PRENH, 2004, p.14). Desse modo, a análise será subsidiada mediante a leitura da natureza e
cultura como uma produção da atividade humana, histórica.
Garcia (2012), através dos estudos das antropólogas feministas, apresenta que foi
durante a Idade de Bronze que ocorreu a revolução do patriarcado, caracterizada pela
transformação dos arranjos sociais, nos quais o homem passou a estabelecer vínculos
permanentes com a mulher e com a prole em troca da monogamia e disponibilidade sexual.
“Com o patriarcado, o pai reivindica sua descendência e a mulher surge como aquela que
apenas carrega e alimenta a semente” (BEAUVOIR, 1970, p. 29). Baseado em tal
prerrogativa, o poder feminino e a autonomia da mulher, percebida no período da pré-
agricultura, é sucumbido, tese tutelada pelos defensores da teoria do patriarcado que destacam
a invenção do casamento como o início do processo da subordinação feminina.
Essa formulação vai muito além das relações que os indivíduos estabelecem entre si,
uma vez que retrata um processo de mudança da interação do homem com a natureza, o que
refletiu na configuração dos grupos que constituem a sociedade contemporânea.
O processo de domesticação com o armazenamento de grãos, a produção de
excedentes e a produção do pensamento simbólico representaram o início da mudança na
organização dos povos. A agricultura mudou a paisagem, produzindo uma rápida destruição
do ambiente natural e alicerçando a divisão de trabalho, elementos que representaram o início
da dominação do homem sobre a natureza e sobre a mulher, conforme assertivas de Garcia
(2012).
A autora afirma, ainda, que o casamento, as alianças, a proibição do incesto, a divisão
sexual do trabalho sancionaram a passagem da natureza para a cultura, consagrando o
processo de afastamento do homem dela e o delineamento das relações entre homens e
mulheres nos grupos aos quais pertenciam.
A mulher, assim como a natureza, deve ser dominada e intensamente explorada,
elementos que corroboraram com os preceitos de uma sociedade delineada nos moldes
androcêntricos, que contribuíram para a identificação das mulheres como seres menores,
excluída do mundo do pensamento, do conhecimento, que atribui aos homens todo o poder
sobre elas, sobre os filhos, perpetuando a legitimação da inferioridade da posição social destas
(STREY; CABEDA; PREHN, 2004).
Ortner (1979) aponta a tese dos deterministas biológicos acerca da desvalorização
feminina, que denotavam a superioridade masculina à genética. Porém, esta tese foi refutada,
pelo fato de certos dados e diferenças somente adquirirem significados de superior/inferior
dentro da estrutura de sistemas de valores culturalmente definidos. O que a autora evidencia é
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 77
o poder. Para Foucault, os sujeitos respondem de maneiras diferenciadas e com isso vivem
numa tensão discursiva e constituem dobras de subjetivação que promovem as resistências.
Garcia (2012) concorda que a vinculação entre mulher e natureza, homem e cultura,
explica a dominação masculina, seja ela universal ou não. Todavia, destaca que a relação
entre natureza/cultura é uma estrutura que varia interculturalmente e que por isso não se pode
atestar que sempre seja construída como relação de dominação ou superioridade sobre a
natureza. Cada cultura tem o seu próprio modo de perceber e dar sentido a natureza, por isso,
a subordinação feminina baseada na oposição natureza/cultura não ser considerada universal,
o único caminho para entender as relações entre os sexos.
Garcia (2012) anuncia, também, a diferença de gênero como outra estrutura, como a
oposição natureza/cultura. Ela enfatiza que as relações de gênero situam-se na franja
fronteiriça entre a natureza e a cultura: no corpo. Este é constituído a partir de simbologias
sociais, sendo assim, produto de um trabalho social de construção, em que sua estrutura e
movimento carregam elementos do que é construído anteriormente a sua existência.
Desse modo, tudo começa pelo corpo e a função de procriação, característica
específica das mulheres, como pontua Ortner (1979), ao retratar a subordinação feminina
(natureza/cultura) por meio de atribuições sociais relacionadas às diferenças biológicas entre
mulheres e homens. A autora revela que a fisiologia tem importância na análise
mulher/natureza e homem/cultura, em razão do corpo da mulher e suas funções parecerem
colocá-la mais próxima à natureza em contraste à fisiologia masculina que o libera para
assumir os esquemas da cultura. Nesta perspectiva, o corpo feminino coloca-a em papéis
sociais que são considerados inferiores aos dos homens no processo cultural. Estes papéis
tradicionais femininos impostos por seu corpo lhe dão uma estrutura psíquica diferente que é
vista mais ligada à natureza.
A autora salienta, ainda, que todas essas formulações revelam o motivo de a atividade
masculina ser considerada superior às atividades femininas, visto que o corpo da mulher
parece destiná-la à reprodução da vida (seres humanos, perecível, natureza), em contraste com
homem que externamente cria objetos duradouros, transcendentes (tecnologias, cultura).
Além disso, devido a sua condição fisiológica, a mulher tem sua mobilidade limitada, sendo
condenada ao confinamento no ambiente doméstico e obrigada a viver em contextos sociais
vistos como mais próximos à natureza (criação dos filhos). A emotividade e irracionalidade
também são formulações utilizadas para corroborar a superioridade masculina, já que ele é
considerado objetivo, distante e individualista, por isto, racional.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 79
Diante das colocações de Perrot (2005), constata-se que na sociedade a base biológica
é utilizada como justificativa para as relações desiguais de gênero (social, cultural), em que há
a definição do projeto de vida das mulheres, marcado pela maternidade, família e casa.
Porém, “as relações sociais são construídas e não dadas pela natureza. As diferenças
biológicas não podem ser usadas como justificativas para manter a opressão e, por
conseguinte, a desigualdade” (TELES, 2007, p.57). A dominação é fruto de uma construção
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 80
social que desenha um modelo de sociedade, em que as relações de gênero são hierarquizadas
e baseadas no privilégio do masculino, fazendo as mulheres sentirem-se inferiores e percebê-
la como natural.
A dominação masculina enseja a ordem hierárquica entre homem e mulher, o discurso
hegemônico que destina a mulher “à obscuridade de uma inenarrável reprodução, [...] fora do
tempo, [...] fora do acontecimento, confinadas no silêncio de um mar abissal” (PERROT,
2015, p. 16). Todavia, as mulheres buscaram romper com a ordem discursiva que tenta
aprisioná-la no espaço privado, do silêncio, da subordinação. Passaram a recursar tal destino e
a denunciar as injustiças provenientes dessa construção sexista.
No contexto das ideias iluministas, das ideias da Revolução Francesa e Americana
surge o feminismo, um movimento de mulheres (emancipadas da burguesia, da aristocracia e,
posteriormente, operárias) que passaram a lutar, num primeiro momento, em torno da
demanda por direitos sociais e políticos. Esse movimento, no seu alvorecer, mobilizou
mulheres de muitos países da Europa, dos Estados Unidos e, posteriormente, de alguns países
da América Latina, tendo seu age na luta sufragista (TIMOTEO, 2013).
“Como corrente intelectual, o feminismo, em suas várias vertentes, combina a
militância pela igualdade de gênero com a investigação relativa às causas e aos mecanismos
de reprodução da dominação masculina (MIGUEL; BIROLI, 2014, p.17). “É um movimento
que age em ondas; é intermitente, sincopado, mas ressurge, porque se baseia em organizações
não estáveis capazes de capitalizá-lo” (PERROT, 2015, p.155).
O feminismo traz a questão do privado para o espaço público, para que sejam
debatidas novas ações, condutas e concepções sejam estabelecidas, pois este se configura
como político, ou seja, ato que se constitui como uma redefinição do poder político.
Configura-se, também, como um movimento que age em torno de manifestações públicas,
com a participação de pessoas que lutam por igualdade entre os sexos, por melhores
condições de trabalho, por acesso ao saber, aos direitos civis e políticos, para a autonomia da
mulher.
De acordo com Timoteo (2013), as primeiras manifestações feministas no Brasil,
Chile, Argentina, México, Peru e Costa Rica ocorreram na metade do século XIX, em
especial através da imprensa feminista, principal veículo de divulgação dos ideais.
O movimento feminista pode ser caracterizado por
trabalho. Ao pensar no trabalho feminino, Tornquist et al. (2009) versam que nas sociedades
pré-industriais toda a família organizava as atividades. Porém, com a industrialização ocorreu
a separação da produção de bens do âmbito familiar e, assim, uma mudança nos papéis
femininos e masculinos. Elas retratam, ainda, que a sociedade industrial separou a mulher e
sua família da esfera produtiva, tornando-a mera dona de casa.
A industrialização provocou um acréscimo do número de mulheres no mercado,
reforçado pelas novas demandas da sociedade industrial: diminuição do poder de compra e
arrocho salarial. Diante deste novo panorama, as mulheres passaram a reivindicar a solução de
novas questões (creches para os filhos, educação de qualidade, saúde, entre outros) e debater
pontos referentes a seu espaço na sociedade.
Destarte, nos anos de 1970, marcados pela consolidação da indústria e pela
reestruturação do movimento das mulheres, uma grande massa de trabalhadores de diferentes
setores se mobilizou em torno de melhores condições salariais e de trabalho.
Os estudos feministas, neste período, foram influenciados pelo marxismo e pela noção
de patriarcado (SILVA, 2009, p. 33), no qual o homem exerce poder sexual e econômico
sobre a mulher e seu corpo.
O patriarcado é identificado como sistema sexual de poder, como a organização
hierárquica masculina da sociedade, que se perpetua através do matrimônio, da família e da
divisão sexual do trabalho (CRUZ, 2005, p. 40). Ele é fraternal, contratual e estrutura a
sociedade civil capitalista (PATEMAN, 1993, 45). Esboça a mulher como aquela que deve
ficar no espaço privado e o homem no espaço público, da política e do trabalho, corroborando
para definição de espaços caracterizados pela desigualdade que perpetuam a subordinação
feminina.
Scott (1989) expressa crítica em relação ao conceito de patriarcado pelo fato de
reforçar a concepção de que a dominação do homem sobre a mulher ocorre mediante a
reprodução e o controle da sexualidade. Para a autora, tal proposição configura-se como uma
armadilha patriarcal, pois acaba naturalizando a posição da mulher, a essencializa e a
aprisiona naquilo que rebela.
A divisão sexual do trabalho é o retrato da construção social das desigualdades entre o
feminino e o masculino. Ora, para a sua compreensão torna-se obrigatório o estudo de gênero.
Na década de 1980, surgem os estudos sobre gênero, como uma nova abordagem para
a análise das relações sociais, visto que não bastava apenas estudar as mulheres, era preciso
conhecer a totalidade da questão. Sublinha-se que no Brasil o uso de gênero se tornou visível
apenas nos anos 1990.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 83
Em Scott (1989, p. 71), gênero é utilizado para designar as relações sociais entre os
sexos; é uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado, podendo ser uma maneira de
indicar as “construções sociais”. A autora busca uma forma de sistematizar uma teoria do
gênero e defende que este seja empreendido como categoria de análise transversal e relacional
na articulação de uma ruptura de paradigmas.
Os estudos de gênero com base em Scott devem se ater as representações de
masculinidade/feminilidade nas ações políticas e a organização social que é influenciada pelas
concepções e distribuição de poder.
Os estudos de gênero permitem analisar a reprodução das desigualdades hierárquicas,
oriundas das diferenças entre os sexos e construídas social e culturalmente (SILVA; SILVA,
2011). Buscam uma nova perspectiva de reunificar aquilo que foi separado por dualismos:
corpo/alma, matéria/espírito, partícula/onda, homem/mulher, a fim de comprovar a integração
e interdependência do universo como um todo (CRUZ, 2005). Enfim,
A análise de gênero envolve desde relações cotidianas do espaço privado até relações
mais amplas, como o capital, o trabalho, o Estado e as religiões. “O gênero influencia as
formas como as pessoas experienciam o mundo, interagem com outros e quais as
oportunidades ou privilégios são abertos ou fechados para elas” (SILVA, 2010, p. 5).
As mulheres e homens desempenham papéis diferenciados na sociedade e estes variam
de acordo com a localidade e aspectos culturais. Neles, os homens são vinculados ao setor
produtivo (cultura), enquanto a mulher às atividades de reprodução, reforçando os vínculos
biológicos que criam significados simbólicos de proximidade da natureza (ROCHA, 2010). A
mulher é percebida como a natureza passiva (SILVA, 2009), ao contrário do homem, que é
visto como o que domina a natureza através da razão e do trabalho, produzindo o espaço.
Diante desses pressupostos, retomamos a divisão sexual do trabalho, categoria
analítica que “procura explicitar as relações sociais de gênero e a divisão sexual presentes nas
relações de trabalho” (CRUZ, 2005). A divisão sexual do trabalho permitirá, através da
perspectiva de gênero, a compreensão das diferenciações existentes entre homens e mulheres
no espaço público e privado, no seio da sociedade. Ela leva a pensar o acesso das mulheres ao
mercado de trabalho, cujas ocupações são carregadas de preconceitos e dificuldades.
Ao investigar as profissões femininas na atualidade, percebe-se que o quadro, no que
tange às áreas ocupadas, não mudou muito, pois ainda há uma maior ocupação nas áreas
consideradas de aptidão feminina, tais como: Magistério, Enfermagem, Farmácia e
Odontologia. É evidente que as mulheres têm ocupado espaços em que há o predomínio
masculino, mas os números são insignificantes quando comparados às profissões, as quais
foram tradicionalmente destinadas aquelas de “natureza feminina”.
Com base nos dados do IBGE (2010), explicitados no fascículo Estatísticas de Gênero
(2014), as mulheres apresentam um nível de instrução superior ao dos homens; no entanto, os
resultados no mercado não as favorecem, já que as áreas que elas ocupam em maior
proporção Educação (83%) e Humanidades e Artes (74, 2%) são justamente aquelas que
registram menores rendimentos médios mensais (R$1.810,50 e R$2.223,90, respectivamente).
Destacam-se ainda que os rendimentos femininos não se igualam aos rendimentos masculinos
em nenhuma das áreas (Tabela 1). Isso reflete as desigualdades/discriminações de gênero,
combatidas pelas feministas desde o século XX, mas que ainda persistem na sociedade
contemporânea, bem como, o crescimento da inserção das mulheres no universo do trabalho
fora de casa, sem que isso provocasse maiores mudanças nas relações de gênero
(TORNQUIST et al., 2009).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 85
Tabela 1- Rendimento médio no trabalho principal por sexo, razão do rendimento das
mulheres em relação ao dos homens e proporção de mulheres, segundo as áreas gerais de
formação da população de 25 anos ou mais de idade - Brasil - 20107
Áreas gerais de Razão
Rendimento médio no
formação da do
trabalho principal (R$) (1)
população de 25 anos rendimento
ou mais de idade das Total Proporção
Sexo
mulheres de de
em relação pessoas mulheres
Total ao dos
Homens Mulheres
homens
(1)
Educação 1 810,5 2 340,7 1 687,4 72,1 2 429 763 83,0
Humanidades e arte 2 223, 9 2 629, 9 2 064,3 78,5 894 700 74,2
Ciências sociais, 3 912, 1 4 650,9 3 081, 4 66,3 4 495 191 49,4
negócios e direito
Ciências, matemática e 3 038,6 3 578,2 2 339,6 65,4 859 659 47,0
computação
Engenharia, produção 5 565,1 5 985,6 3 976,1 66,4 859 659 21,9
e construção
Agricultura e 4 310,6 4 756,2 2 972,0 62,5 202 232 27,4
veterinária
Saúde e bem estar 3 774,3 5 341,7 2 972,2 55,6 1 441 648 68,1
social
Serviços 3 067,0 4 078,0 2 171,2 53,2 217 755 54,8
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.
(1) Pessoas ocupadas na semana de referência, excluindo as pessoas sem declaração de rendimento e pessoas
com rendimento nulo.
7
Retirado do fascículo Estatísticas de Gênero: Uma análise dos resultados do Censo Demográfico 2010,
elaborado pelo IBGE.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 86
moderno na Geografia, difundido pela criticidade à ciência moderna no que tange a rejeição
das verdades absolutas sobre o mundo, num período de florescimento de uma cultura
contestatória e favorável às mobilizações sociais.
Ao investigar sobre a introdução de gênero no campo científico geográfico brasileiro e
internacional, é perceptível a acentuada influência dos movimentos sociais que caracterizaram
o período, principalmente do movimento feminista, que questionava as desigualdades
configuradas pela diferenciação sexual. Gênero na perspectiva geográfica surge como uma
categoria de denúncia, pois evidencia que o poder é manifestado de forma diferenciada,
contribuindo para múltiplos modos de apropriação do/no espaço. Isto posto, “[...] o espaço
não é neutro do ponto de vista do gênero; torna-se necessário incorporar as diferenças sociais
entre mulheres e homens e as diferenças territoriais nas relações de gênero” (SILVA, 1998, p.
108).
Segundo Spitalere (2013), a introdução de gênero enquanto categoria dos estudos
geográficos ocorreu na década de 1970 a partir das discussões da Sociologia, sobretudo na
Europa e nos Estados Unidos. Neste momento, a “Geografia Feminista” foi fundada como um
subcampo da Nova Geografia Cultural.
A Geografia Feminista surgiu no contexto da segunda onda do movimento feminista e,
desde então, são organizados cursos nos programas de Geografia de universidades de vários
países, como nos Estados Unidos, Inglaterra, Índia, Canadá, Jamaica, Suíça, Índia, Nova
Zelândia, e um conjunto de publicações bem conhecidas dos geógrafos humanos. Entretanto,
a aceitação desse subcampo tem sido marcada por muita discussão e tensão, posto que a
Geografia ainda é escrita sob o viés masculino (ORNAT, 2008).
do Sul a partir do eurocentrismo, bem como a ciência posta como neutra, mas que possui um
posicionamento político que exclui o Outro, não europeu, subalterno.
Fonte: Beauvoir (1970), Bourdieu (1989;1999), Foucault (1996), Pateman (1993), Scott (1989).
Elaboração: SANTOS, E. A., 2018.
das distâncias e do tempo para ter acesso aos recursos, prejudicando os rendimentos e
diminuindo a produtividade.
A degradação ambiental emerge do crescimento e da globalização da economia. Esta
escassez generalizada manifesta-se não só na degradação das bases de sustentabilidade
ecológica do processo econômico, mas como uma crise de civilização que questiona a
racionalidade do sistema social, os valores, os modos de produção e os conhecimentos que o
sustentam (LEFF, 2001, p. 56).
A crise ambiental reflete a lógica que fundamentou a exploração intensiva da natureza,
resultante de um modelo de crescimento econômico caracterizado pela incorporação de
tecnologias no processo produtivo, mas que em nada contribuiu para a libertação do homem e
o uso sustentado da natureza. Ao contrário, promoveu a subordinação humana e o possível
esgotamento dos recursos naturais.
Na década de 1960, o debate acerca da questão ambiental passou a ser intensificado no
cenário mundial, sendo, por exemplo, fundado o Clube de Roma, grupo de especialistas que
se reuniram para discutir a crise atual e futura da humanidade (DIAS, 1994).
No plano político, emergiram movimentos sociais, dentre os quais o ecológico. A
crítica não é, exclusivamente, sobre o modo de produção, mas, fundamentalmente, sobre o
modo de vida. No Brasil, o movimento ecológico surge na década de 1970, num contexto
histórico caracterizado pela ditadura militar (GONÇALVES, 2006).
Nas décadas seguintes houve uma grande necessidade da participação da sociedade
civil nas discussões sobre a gestão do meio ambiente. Assim, nas conferências da
Organização das Nações Unidas (ONU), em 1990, reconheceu-se a importância
(PASQUARELLI; ROSSINI; CALIÓ, 2008) da perspectiva de gênero na questão ambiental e
salientou-se a necessidade da participação das mulheres nos níveis local e global.
O ecofeminismo surgiu como um movimento social, um discurso teórico que definia o
movimento das mulheres na preservação e conservação da natureza. Termo apresentado por
Françoise d’Eauboune, no livro Le féminisme ou la mort, publicado em 1974 (GARCIA,
2012), ele entrecruza os ativismos ambientais e feministas e configura-se como
Gênero apresenta-se como um conceito relevante para se pensar uma nova relação dos
indivíduos com a natureza, para um plano de sustentabilidade alçado numa maior participação
dos projetos ambientais das mulheres, na participação social. Um plano que apresente também
como objetivo a ser alcançado a educação voltada para o ambiente e a introdução da questão
ambiental nas diversas esferas da sociedade, visto que os problemas aí produzidos atingem a
todos, não tendo como ficar inerte ao processo.
Castro e Abramovay (2005, p.38) evidenciam que a abordagem sobre gênero está
centrada na vivência e na incorporação de ações de homens e mulheres nas políticas e
programas, para apontar diferenças e semelhanças e realizar propostas concretas de como
garantir uma participação mais efetiva, quer na modelagem, quer nos frutos de um
desenvolvimento que se deseja sustentável.
Não é demasiado afirmar que as mulheres têm uma relação menos destrutiva
com o meio ambiente do que os homens. [...] A forma pela qual as mulheres
se relacionam com o ambiente natural mostra como elas têm como ponto de
referência as suas próprias vidas. Ou seja, papéis que elas desempenham na
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 95
CAPÍTULO 3
AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS NO CONTEXTO DA
PAISAGEM COSTEIRA
©Eline Santos
8
Disponível em: <http://www.mma.gov.br/gestao-territorial/gerenciamento-costeiro/zona-costeira-e-seus-
m%C3%BAltiplos-usos/caracteristicas-da-zona-costeira.html>. Acesso em: 02 mai 2018.
9
Lei que dispõe sobre regras de uso e ocupação da zona costeira e estabelece critérios de gestão da orla
marítima, e dá outras providências.
98
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA
inclui manguezais, restingas, estuários, campos de dunas, recifes de corais, costões rochosos,
baías, brejos e falésias, bem como populações que dependem diretamente da sua riqueza
ecológica, a exemplo das (os) pescadoras (es) artesanais e das catadoras de mangaba.
A riqueza biológica dos ecossistemas costeiros faz com que essas áreas
sejam grandes “berçários” naturais, tanto para as espécies características
desse ambiente, quanto para outros animais que migram para as áreas
costeiras durante, pelo menos, uma fase do ciclo de vida (SOUZA, 2007, p.
119).
O SNUC salienta ainda que a reserva extrativista é de domínio público, com uso
concedido às populações extrativistas tradicionais, já que as áreas particulares incluídas em
seus limites devem ser desapropriadas de acordo com o que dispõe a lei (BRASIL, 2000).
As reservas extrativistas surgem como um meio capaz de possibilitar a continuidade
do extrativismo, posto que contribuem para a permanência da população local e para a
biodiversidade. Drummond (1996) sugere que para que tal fato aconteça torna-se
imprescindível o manejo sustentável do ambiente, combinando atividades de mercado e de
subsistência, conhecimento folk e científico e as reservas extrativistas devem estar sujeitas a
auditorias governamentais e independentes.
A RESEX Litoral Sul ainda está em discussão e muitos são os entraves que
impossibilitam a sua concretização, a exemplo da desapropriação de terras, que gera conflitos
entre os proprietários e o poder público.
Com base no exposto, este capítulo caracteriza o recorte espacial da pesquisa a partir
dos aspectos físicos e sociais que integram as singularidades do município e das localidades,
enfatizando o processo histórico de ocupação, os usos do solo e as mudanças decorrentes das
ações dos atores envolvidos.
101
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA
Segundo as informações da tabela 2, Pontal (16 km) e Terra Caída (16 km) mostram-
se como as localidades mais afastadas da sede municipal quando comparadas a Convento (8
km) e Preguiça (10 km), porém isso não interfere na relação estabelecida entre os habitantes
destas localidades e a Sede municipal, já que possuem uma intensa interdependência com este
espaço e com o município vizinho (Estância), principalmente no que concerne a atendimentos
relacionados à educação, à saúde, ao comércio e aos serviços em órgãos públicos ( ponto a ser
explorado na seção 3.2).
O clima de Indiaroba é “do tipo megatérmico úmido e subúmido, com temperatura
média no ano de 27,7º C, precipitação média anual de 1.561,7 mm e período chuvoso nos
meses de fevereiro a agosto” (BOMFIM, COSTA; BENVENUTI, 2002, p. 4), elementos
relevantes para o desenvolvimento da agricultura no município.
Quanto aos aspectos meteorológicos, a área de estudo recebe interferências da Zona de
Convergência Intertropical, das massas de ar Tropical Atlântica e Equatorial, além dos
sistemas Frente Polar Atlântica e Correntes Perturbadoras de Leste que são responsáveis pela
regularidade das precipitações no mês de maio (FRANÇA; CRUZ, 2007).
O contexto geológico está configurado pelos sedimentos cenozoicos, pelas unidades
mesozoicas da Bacia de Sergipe, domínio neo a mesoproterozoico da faixa de Dobramento
Sergipano e pelo Embasamento Gnáissico do Arqueano/Paleoproterozoico. Entre os
sedimentos, predominam areias finas e grossas com níveis argilosos a conglomeráticos do
Grupo Barreiras e ainda sedimentos mais recentes associados a depósitos de pântanos e
mangues, depósito flúvio-lagunares e terraços marinhos (BOMFIM; COSTA; BENVENUTI,
2002, p. 4).
O relevo do município está representado pelas unidades geomorfológicas: planície
costeira, contendo a planície fluviomarinha, os terraços fluviomarinho e marinho e as
superfícies de rios, com a presença de relevos dissecados em colinas e interflúvios tabulares
(Figura 14 e Quadro 4).
A planície costeira compreende “superfícies relativamente planas, baixas,
posicionadas rentes ao mar e cuja formação é resultado do aporte de sedimentos marinhos e
fluviais (TORRES; MARQUES NETO, MENEZES, 2012, p. 232).
SA N T O S , E . A . , 20 1 8 C A P Í T U L O 3 - A S C O M U N I D A D E S E X T R A T I V I S T A S D E IN D I A R O B A 10 4
Fi g u r a 1 4 - U n i d a d e s g e o m o r f ol ó g i c a s , c o b er t ur a v e g et al e u s o s d a t err a
105
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA
Em Sergipe, a zona costeira, que vai do rio São Francisco (ao norte) ao complexo
estuarino Piauí-Real (ao sul), apresenta uma diversidade de quadros naturais e usos que
demonstram a sua importância ecológica, socioeconômica e cultural, além da necessidade de
planejamento devido a sua fragilidade ambiental. Segundo França e Cruz (2007), a planície
que integra a zona costeira sergipana segue o modelo clássico das costas que avançam em
direção ao oceano, resultado de processos ocorridos durante o Quaternário.
No município de Indiaroba, a planície costeira recebe influência direta do complexo
estuarino Piauí-Real, sistema ambiental “definido em função do nível médio de penetração
das marés” (FRANÇA; CRUZ, 200, p. 74) e que comumente preserva sequências de
depósitos holocênicos com informações de clima passado, mudanças do nível do mar, do
continente e ambientais (MEIRELES, 2012).
Ao adentrar a planície costeira são encontrados os terraços marinhos pleistocênicos e
holocênicos, derivados de episódios transgressivos quaternários que ocorreram ao longo da
costa sergipana.
O terraço marinho pleistocênico é identificado na base da Formação Barreiras, na
porção interna da planície costeira; já o terraço marinho holocênico forma a margem
oceânica, interrompendo-se nas desembocaduras dos rios que drenam a planície costeira
(FRANÇA; CRUZ, 2007; COSTA, 2011).
Nos terraços marinhos presentes na área de estudo, há predominância dos
Espodossolos, solos profundos a muito profundos com textura arenosa, fertilidade natural
muito baixa, drenagem moderada a imperfeita, presença de camada de impedimento e risco
elevado de contaminação do lençol freático e de alagamento (EMBRAPA, 2014). Esse tipo de
solo predomina nos terraços marinhos presentes no Povoado Pontal, o qual se destaca na
extração da mangaba, fruto típico de ambiente de restinga. Nota-se ainda a sua ocorrência na
faixa entre a planície fluviomarinha e o terraço fluviomarinho, com maior evidência neste
ambiente se comparado ao primeiro.
O terraço fluviomarinho e a planície fluviomarinha também compõem os domínios
ambientais da unidade paisagística planície costeira do município de Indiaroba. São feições
morfológicas modeladas por processos fluviais e marinhos, em que a primeira resulta de
erosão fluvial e marinha e a segunda da deposição de sedimentos fluviomarinhos sob
influência da maré e do continente. Observa-se nos ambientes aludidos, mormente na planície
fluviomarinha, a ocorrência dos Gleissolos, conhecidos como solos indiscriminados de
mangues.
106
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA
Coutinho (2016) salienta ainda que no Brasil o manguezal ocupa uma faixa
descontínua que vai do estado de Santa Catarina ao Amapá, numa área de aproximadamente
12000 km2. Apresenta níveis de conservação interrompidos por trechos depredados, em
virtude da urbanização, carcinicultura, infraestrutura governamental, poluição por efluentes
domésticos e industriais etc.
No artigo Manguezais do Nordeste, Lacerda, Maia, Monteiro et al. (2006, p. 29)
destacam que o principal processo responsável pela expansão do manguezal no Nordeste está
relacionado à grande amplitude das marés e ao suave gradiente de altitude das bacias costeiras
dos rios que tornam os seus estuários sensíveis a variações do nível do mar e a mudanças no
fluxo fluvial. Assim, há o aumento da intrusão salina no continente e a expansão dos
manguezais rio acima, colonizando áreas ocupadas por vegetação terrestre ou de água doce.
Esse processo pode ser acelerado pelo depósito de sedimentos finos trazidos pela maré,
oriundos da erosão de depósitos de praias.
Para as comunidades ribeirinhas, o manguezal constitui fonte de rendimentos e lazer;
além disso, possui uma rica fauna (peixes, crustáceos e moluscos) que compõe a dieta
alimentar dessas populações. Em termos ambientais, ele é de grande importância, uma vez
que atua na bioestabilização do relevo, contribuindo para uma melhor proteção da paisagem
costeira, seja na fixação de solos instáveis, diminuindo a erosão das margens dos canais; na
proteção contra inundações, diminuindo a força das mesmas e o avanço das marés; bem como
depósito de sedimentos; além de ser considerado berçário e refúgio para diversas espécies de
animais (ALVES, 2006).
Em vista disso, duas espécies de mangue foram destacadas pelas interlocutoras da área
de estudo, quanto à composição da cobertura vegetal do complexo estuarino Piauí-Real:
Rhizophora mangle L e Laguncularia racemosa (L.) C.F. Gaertn, popularmente conhecidas
como mangue-vermelho e mangue-branco (também denominado de mangue-manso),
respectivamente.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 108
10
As informações referentes às bacias hidrográficas do rio Piauí e do Real foram retiradas da página do Comitê
de Bacias Hidrográficas, Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (SEMARH).
Disponível em: http://www.semarh.se.gov.br/comitesbacias/modules/tinyd0/index.php?id=20. Acesso em: 20
out. 2015.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 110
O rio Piauí, curso d’água principal, nasce na serra dos Palmares, no estado da Bahia
(fronteira com Sergipe), entre os municípios de Riachão do Dantas e Simão Dias. Esse rio
corta o estado de Sergipe numa extensão de 150 km e encontra-se com o rio Real, no estuário
de Mangue Seco antes de desembocar no Oceano Atlântico. Ele apresenta como principais
afluentes os rios Boqueirão, Arauá, Guararema e Indiaroba, na margem direita; na margem
esquerda, os rios Jacaré, Urubu, Piauitinga e Fundo. No alto e médio curso apresenta canais
intermitentes, reflexo das variações de pluviosidade. Já no baixo curso, os canais são perenes
devido às chuvas abundantes e às rochas de natureza permeável (FRANÇA; CRUZ, 2007).
No rio Piauí são desenvolvidas várias atividades como pesca, turismo, consumo
humano, irrigação, lavouras permanentes, lavouras temporárias etc. Os usos desordenados
(pesca predatória, resíduos sólidos, desmatamento, uso de agrotóxicos) têm gerado impactos,
resultando em pontos de assoreamento e degradação ao longo deste rio (Figura 14).
Relativo à bacia do rio Real, a área de abrangência é de 2.568 km 2, que corresponde a
11,6% do estado. O rio Real (curso d’água principal) nasce em Cícero Dantas (BA) e percorre
até sua foz oito municípios do estado de Sergipe (Poço Verde, Tobias Barreto, Riachão do
Dantas, Cristinápolis, Itabaianinha, Tomar do Geru, Umbaúba e Indiaroba); exibe como
principais afluentes na margem esquerda os riachos Mocambo e Caripau e os rios Jabiberi e
Itamirim.
O rio Real é de regime intermitente da nascente até o município de Tomar do Geru e
Rio Real, tornando-se perene nas proximidades de Cristinápolis (SANTOS; ARAÚJO, 2012).
A carência de recursos hídricos superficiais na bacia, relacionada ao fator climático, à
estrutura geológica e à cobertura vegetal condicionam a intermitência dos cursos d’água. Na
região estuarina, os rios conseguem manter-se perenes (FRANÇA; CRUS, 2007). Assim
como o rio Piauí, várias atividades são desenvolvidas no rio Real, a exemplo do
abastecimento urbano e rural, bem como a pesca, intensamente praticada no município de
Indiaroba.
Ao longo desses cursos d’águas são constatados remanescentes de comunidades
quilombolas e de pescadores que encontraram na exploração dos ecossistemas associados à
Mata Atlântica (manguezais, restinga, dunas e praias) e no cultivo agrícola os elementos
essenciais para a subsistência e para o modo de vida construído nessa relação.
11 1
S A N T O S , E . A., 20 1 8 C A P Í T U L O 3 - A S C O M U N I D A D E S E X T R A TI V IS T A S D E IN D I A R O B A
Extrativismo da mangaba;
Acumulação fluviomarinha plana, presença de frutíferas;
Predomínio de restinga e mangue.
levemente inclinada e modelada por cocoicultura e cultivo de
Presença de pastagem e campos de
Terraço fluviomarinho processos erosivos ou por eucalipto, cemitério, infraestrutura
várzea na fronteira com a unidade
neotectônica. habitacional, e turística; portos de
de paisagem superfícies de rios.
Presença marcante dos Espodossolos. pesca; aquicultura (carcinicultura
e ostreicultura).
Relevo plano na região litorânea,
constituído por areais, baixo poder de Extrativismo da mangaba,
armazenamento de água e nutrientes. Predomínio de restinga e presença cocoicultura, carcinicultura,
Terraço marinho
Destaque para o Espodossolos e de mangues. cemitério e infraestrutura
trechos com os Gleissolos próximos habitacional.
a planície fluviomarinha.
Superfícies
3.2 Nos caminhos das águas: processo histórico de ocupação, usos e transformações
socioespaciais em comunidades extrativistas de Indiaroba
A água mostra-se como elo entre o material e o simbólico, pois está presente nos ritos
e nas produções humanas, a exemplo da socioeconômica, eclodindo como condição
fundamental para o desenvolvimento das populações. Ao observar o percurso que realiza,
percebe-se o quanto de vida ela conduz, o quanto de história compõe e o quanto de luta
espelha. Os caminhos das águas mostram as riquezas naturais e culturais de um grupo, suas
potencialidades e suas demandas. Permitem um mergulho nos interstícios que configuram a
dinâmica local. É através destes caminhos dos rios Piauí e Real que será apresentada a história
de formação do território sergipano, neste caso específico, do município de Indiaroba.
As terras que compõem o município de Indiaroba foram alvo de disputas de jurisdição
entre os capitães-mores de Santa Luzia do Rio Real (Província de Sergipe) e de Abadia
(Província da Bahia). Elas iniciaram a partir de um equívoco geográfico, no momento da
criação, pelo ouvidor de Sergipe da Vila de Abadia nos anos de 1728. Ele alegava que as
províncias de Sergipe e da Bahia eram separadas pelo rio Saguim e não pelo Rio Real da
Praia. Somente em 1843, através do Decreto do Imperador nº 323, é que a parte da freguesia
além do Rio Real passou a pertencer à Província de Sergipe (FERREIRA, 1959). Desse
modo, o rio Real tornou-se linha divisória entre as províncias, como pode ser identificado em
trecho do hino municipal com autoria de letra e música de Raimunda Andrelina:
11
Hospício no sentido de hospedagem, hospedaria.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 114
Com uma área de 314 km, Indiaroba, ou melhor, Índia Bela como é denominada pelos
indiarobenses (Figura 15), está dividida em 33 comunidades (EMDAGRO, 2010) e apresenta
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 115
uma população de 15.831 habitantes,12 cuja densidade demográfica é de 50,49 hab./km2, com
maior concentração na zona rural, posto que 64,72% dos habitantes vivem no campo e
35,28% na cidade, de acordo com as informações do IBGE (2010) expostos na Tabela 3. Tais
dados perduram no período analisado (1991-2010) e são legitimados pelo maior parcelamento
da terra e da presença de cultivos, característicos do sul sergipano (FRANÇA; CRUZ, 2007).
12
Serão aqui trabalhados os documentos dos anos de 1991 a 2010 por referirem-se aos anos em que foram
realizados os censos demográficos no país, possibilitando uma análise ancorada num maior número de
informações.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 116
A maior concentração de pessoas na zona rural também pode ser atestada pela
relevância das atividades agropecuárias na economia, já que corresponde à segunda maior
contribuição ao PIB (Produto Interno Bruto) do município. Com base nos dados do IBGE, em
2015 a agropecuária totalizou a preços correntes R$ 31.890.860,00, que equivale a 20,97 %
do valor total do PIB municipal (R$ 152.102.310,00), ao passo que a indústria adicionou
R$ 6.684.680,00 (4,4% do PIB); a arrecadação com impostos somou R$ 5.665.480,00
(3,72%) e os serviços (administração, defesa, educação e saúde públicas e seguridade social),
setor com maior contribuição, agregou R$107.861.290,00 (70,91% do PIB).
Em relação às lavouras permanentes, há o destaque para o cultivo de coco-da-baía
(14850ft) e laranja (22040t), nos moldes do agronegócio, assim como a tangerina (1496t) e o
maracujá (900t). Quanto às lavouras temporárias, no município sobrelevam-se a mandioca
(320t), o milho (72t), o feijão (34t) e o abacaxi (375ft), culturas de subsistência plantadas em
áreas de assentamentos e colônias agrícolas (Tabela 4).
A Tabela 4 demonstra que a laranja é o principal produto agrícola de Indiaroba, pois
corresponde à maior produção dentre os cultivos permanentes e uma participação de R$
10.756.000,00 na economia municipal. O fato de ter sido um produto beneficiado na década
de 1980 com a chegada da Indústria de Frutas do Nordeste (FRUTENE), sediada em Estância
e voltada à exportação, contribuiu para o incremento da produção em Indiaroba (SANTOS;
VILAR, 2016).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 117
Outro produto proeminente é o coco-da-baía, que ocupa a maior área, a segunda maior
quantidade de frutos colhidos e de valor de produção. Em Indiaroba, assim como no estado, a
árvore desenvolve-se em todo o litoral, por possuir as condições ambientais favoráveis ao seu
crescimento como abundância hídrica, temperatura média anual acima de 22ºC, solos
profundos, permeáveis e arejados (Quadro 4). Um ponto a ser realçado é que mesmo com uma
contribuição elevada, constata-se um declínio na quantidade colhida (de 18.360 ft em 2010 e
14.850 ft em 2016), causado por pragas e doenças e/ou em decorrência da especulação
imobiliária, com a construção de loteamentos, condomínios fechados e segundas residências.
Esses aspectos são verificados nas comunidades investigadas, onde os coqueiros compõem a
paisagem local e a extração do seu fruto realizada, maiormente, por homens, integrando as
atividades desenvolvidas pelas famílias dessa porção do território.
No que se refere à lavoura temporária, a mandioca aparece na posição de maior
colheita (320t), mesmo ocupando uma das menores áreas (a maior área é utilizada no cultivo
do feijão que ocupa 80 ha) e não correspondendo à maior parcela no valor da produção, sendo
este ocupado pelo abacaxi (RS 450.000,00). Como certifica França e Cruz (2007), a
mandioca, o feijão e o milho em Sergipe são cultivados em pequenas propriedades através do
trabalho familiar, com destino à subsistência e ao abastecimento do mercado interno (Figura
14 e 16 A e 16B)
De acordo com o censo agropecuário 2006, as lavouras (permanentes e temporárias)
correspondiam a uma área de 5.612 ha, ocupando um espaço maior que as matas, que era de
2.785 ha e menor em relação às pastagens, que na época equivaliam a 10.437 ha. Observa-se
que, seguindo o cenário estadual, as pastagens ocupam a maior parcela de terra (40,89%) de
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 118
uma área de 20.939 ha, reflexo de um modelo de ocupação que privilegiou a instalação de
fazendas de gado em porções do território sergipano (Quadro 4 e Figura 14)
16A 16B
2016, de acordo com o IBGE) que afetam diretamente a restinga e o manguezal, espaços de
trabalho e vida dessas populações tradicionais, principalmente das mulheres extrativistas.
13
Notícia intitulada “Dilma Rousseff inaugura a maior ponte sobre rio do Nordeste em SE” e disponível em
http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2013/01/dilma-rousseff-inaugura-maior-ponte-sobre-rio-do-nordeste-em-
se.html. Acesso: out de 2017.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 120
ação do Estado emerge como um dos elementos centrais de definição do valor de uma
localidade”. Assim, o Estado desempenha um papel central no povoamento, na valorização de
terras e nas transformações da paisagem costeira sergipana ao incentivar e implementar novas
atividades e usos quase sempre sem levar em consideração a carga de suporte do ambiente.
Com base nos dados do censo (2010), observa-se que entre o ano de 2000 e 2010 o
número de domicílios de uso ocasional em Indiaroba aumentou de 332 para 714 (um
crescimento de 115%), reflexo sobretudo das intervenções estaduais através dos projetos de
urbanização turística que têm possibilitado alguns efeitos negativos como o aumento da
especulação imobiliária, das segundas residências, dos condomínios, dos loteamentos de
terras, elevando uma estrutura fundiária concentrada que interfere na realização das atividades
tradicionais e acirram os conflitos locais; do mesmo modo, o aumento dos preços no comércio
local, do consumo e tráfico de drogas.
Como aspectos positivos nota-se, de forma ainda incipiente, a renda gerada com as
atividades desenvolvidas nos restaurantes, pousadas, estacionamentos e comércio de
artesanato que surgem para atender a demanda crescente de turistas, em especial nos
povoados Pontal e Terra Caída. Neste, por intermédio da Associação pela Cidadania dos
Pescadores e Moradores de Terra Caída (ASPECTO), foram empreendidas ações de fomento
ao turismo de base comunitária com estímulo ao turista a se hospedar na casa dos
comunitários e a degustarem os pratos da culinária local, além da oferta de cursos de
artesanato para a população interessada. Já Pontal, por estar localizado na divisa com a Bahia,
tornou-se o melhor acesso para os turistas que desejam chegar a Mangue Seco (BA). A
travessia ocorre pelo Rio Real mediante embarcações que transportam turistas, moradores
locais do Mangue Seco e do Coqueiro (BA).
Com a finalidade de melhorar o atendimento ao turista, o governo do estado está
elaborando um projeto14 de melhoria da infraestrutura do povoado Pontal, com a construção
de uma orla contendo quiosques, atracadouro e um local para o artesanato das mangabeiras, a
partir de subsídios do PRODETUR.
Na análise do turismo, na porção costeira do município de Indiaroba, é mister
compreender não apenas os benefícios que promove em termos econômicos, mas também a
desestruturação que ocasiona nos ambientes naturais e nos modos de vida tradicionais ou
tradicionalmente estabelecidos.
14
Em matéria intitulada “Secretaria de Turismo discute projeto de orla com a comunidade do Pontal de
Indiaroba”. Disponível em: http://agencia.se.gov.br/noticias/turismo/secretaria-de-turismo-discute-projeto-de-
orla-com-a-comunidade-do-pontal-de-indiaroba. Acesso: out de 2017.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 121
humano
de renda
0,532
Índice de Gini
Banheiro
BENVENUTI, 2002, p.4). É comum nas localidades a prática de queimada dos resíduos
sólidos, bem como o seu descarte nos quintais, nas áreas de mangabeiras e em terrenos
baldios. Foi observado que algumas áreas não são atendidas quanto à coleta dos resíduos,
devido a dificuldades no acesso, como pode ser identificado na fala de M46 ao ser indagada
sobre o serviço de coleta. Alguns interlocutores do povoado Preguiça informaram que há
períodos em que a coleta não ocorre regularmente
15
De acordo com am matéria “Plano de Saneamento Básico é aprovado em Indiaroba” disponibilizada no portal
Cidade da Infonet (http://www.infonet.com.br/noticias/cidade/ler.asp?id=197664) e acessada em dezembro de
2017.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 124
“Ah! Porque meu pai morreu e meus irmãos “me botaram na enxada” para
trabalhar na roça. ” (M-20, 53 anos, Terra Caída, 2016)
quinzenalmente e em Terra Caída a situação é mais crítica, pois acontecem uma vez a cada
mês (Figura 18).
A partir dos relatos, fica evidente a urgência na execução de estratégias que organizem
a estrutura da saúde no município, pois a ineficiência nos serviços de saúde, assim como no
saneamento básico, afeta a qualidade e a expectativa de vida da população local.
Enfim, as informações apresentadas integralizam o panorama geral do município e das
comunidades foco da análise (Figura 19), sendo que os principais problemas elencados pelos
sujeitos da pesquisa estão agregados no quadro 5, constituindo aspectos pertinentes no
entendimento das transformações locais e interferências nos condicionantes físico-ambientais.
As especificidades relativas ao extrativismo e ao trabalho feminino serão esboçadas ao longo
da discussão.
12 7
S A N T O S , E . A., 20 1 8 C A PÍ T U L O 3 - AS C O M U N I D A D E S E X T R A TI V IS T A S D E IN D I A R O B A
Fi g u r a 1 9 - A s p e ct o s g er ai s d a s c o m u n i d a d e s c o st eir a s d e I n di ar o b a
F o n t e: Tr a b a lh o d e ca m p o ( 2 0 1 5 - 2 0 1 7 ).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 128
restaurantes
Iluminação precária das vias X
Educação
Falta de profissionais X X
Necessidade de projetos para o X
desenvolvimento das crianças
X
Atraso no pagamento dos professores
Número de escolas insuficiente para atender X X
Emprego
Poucas alternativas de trabalho X X
Desemprego X
Frequência relativa
Localidades
Pontal Convento Preguiça
Terra Caída
(%)
Variável
(n=09)
(n=13) (n=06) (n=08)
Mulheres (n=36)
Frequência absoluta
21-30 01 01 01 01 11,1
31-40 04 02 01 04 30,5
Faixa etária 41-50 07 04 03 01 41,7
51-60 01 02 - 02 13,9
61-70 - - 01 - 2,8
Indiaroba 07 03 05 04 52,8
Estância 01 01 - 04 16,7
Naturalidade SantaLuzia - 02 - - 5,5
Bahia 04 02 - - 16,7
Outros 01 01 01 - 8,3
Solteira 02 - 02 01 13,9
Casada 04 01 - 03 22,2
Estado Civil UniãoEstável 06 07 04 04 58,3
Divorciada - 01 - - 2,8
Viúva 01 - - - 2,8
Sim 09 06 05 05 69,4
Chefe de família Não 04 03 01 02 27,8
Nãorespondeu - - - 01 2,8
01-03 03 04 04 03 38,9
04-06 08 04 01 04 47,2
Composição familiar 07-09 01 - - - 2,8
Acimade09 01 01 01 01 11,1
Analfabeta 02 02 02 - 16,7
EnsinoFundamental incompleto 07 04 03 04 50,0
Ensino fundamental completo 01 01 - - 5,5
Escolaridade EnsinoMédio incompleto - - 01 02 8,3
EnsinoMédio completo 02 02 - 02 16,7
EnsinoSuperior Incompleto 01 - - - 2,8
Exclusivamente apesca 02 06 - 05 36,1
Exclusivamente amangaba - - 01 - 2,8
Atividades econômicas desenvolvidas Pescaemangaba 08 - 03 02 36,1
Pescaeoutras - 03 01 - 11,1
Pesca,mangabaeoutros 03 - 01 01 13,9
100,00 -300,00 02 01 02 03 22,2
Renda
301,00-600,00 1 07 03 04 04 50,0
601,00 - 937,00 02 04 - 01 19,5
1000-1200,00 02 01 - - 8,3
Situação do domicílio
Própria 13 06 05 08 88,9
Alugada - 03 01 - 11,1
Tipo de construção
Alvenaria 12 09 06 06 91,7
Taipa 01 - - 02 8,3
As menores frequências na faixa etária entre 61-70 (2,8%) são explicadas pelo fato de
a atividade de pesca e extração de mangaba demandarem um esforço físico considerável, o
que impossibilita a participação efetiva deste grupo.
As extrativistas, em sua maioria, nasceram em Indiaroba (52,8%), nos povoados onde
residem; no entanto, existe uma outra parcela (47,2%), em menor proporção (Gráfico 1),
composta por mulheres que são originárias de outros municípios sergipanos (Estância, Santa
Luzia, Itabaianinha, Lagarto e Malhada dos Bois) e baianos (Salvador, Jandaíra e Aporá). Nos
relatos, elas afirmaram que há décadas vivem no município e que vieram acompanhando os
pais ou cônjuges.
Quanto ao estado civil, 80,5 % das inquiridas possuem união estável (58,3%) e são
casadas (22,2%), dado que 13,9% estão solteiras e em menor número, com taxas equivalentes
têm-se as divorciadas (2,8%) e viúvas (2,8%).
Algo que despertou atenção, principalmente na fase de elaboração do perfil
socioeconômico da mulher extrativista, foram as representações existentes no grupo, que
exibem a mulher através da lente do seu consorte. Essa mulher passa a não ter nome, pois é
reconhecida na comunidade como “a mulher de”; sua individualidade é insuficiente para
determinar a força que possui; é preciso ter uma companhia masculina para corroborar a sua
fala. Isso foi muito expressivo durante a fase de reconhecimento da área e dos sujeitos
envolvidos no extrativismo. Contudo, existem as “Marias” que não pertencem a outrem e que
132
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA
poder de decisão que ressoa no espaço público. Do total apresentado, 19,4% das famílias em
análise são monoparentais femininas formadas por mães solteiras ou divorciadas ou viúvas
que vivem junto aos filhos. Há aquelas que não se consideram chefes de famílias (27,8%),
mesmo que, em alguns casos, provenha de igual modo ou com a maior parcela do rendimento
familiar, como manifesta M-21 ao ser indagada sobre a chefia da família. Apenas 2,8% não
responderam ao questionamento (Gráfico 3).
“Não. É ele mesmo, né?! Sempre tem algum homem, né?! Porque, a gente
não vai fazer uma coisa sem combinar com ele. É nós dois, porque quando
um quer concorda com o outro. Se ele não quiser, eu não quero. Aí, cabe um
concordar com os outros ali. ” (M-21,49 anos, Terra Caída, 2016)
As famílias das extrativistas são numerosas, uma média de 05 filhos por grupo
familiar. Assim, a composição das famílias oscilou entre o número mínimo e máximo de 01 a
16 filhos, respectivamente. As maiores taxas variaram em torno de 04 a 06 filhos (47,2%) e de
01 a 03 filhos (38,9%). Já a menor taxa foi de 2,8% correspondendo à família com 07 a 09
134
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA
O grau de instrução das extrativistas é baixo, uma vez que 66,7% não concluíram o
Ensino Fundamental (grupo composto pelas mulheres que não sabem ler, que assinam apenas
o nome e que não finalizaram o Ensino Fundamental). Todavia, percebe-se entre as mais
jovens um fluxo mais contínuo de estudos, no qual 16,7% concluíram o Ensino Médio e 2,8%
estão cursando o Ensino Superior. A escala local reflete uma lógica análoga ao cenário
nacional, em particular da pesca artesanal, que apresenta uma taxa de 85,4% (MPA, 2012) de
pescadores com Ensino Fundamental incompleto.
As mulheres, que compõem o grupo majoritário, informaram que aprenderam assinar
o nome a partir de programas e projetos voltados para a Educação de Jovens e Adultos (EJA),
como o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), Brasil Alfabetizado e o Mova
Brasil. Entretanto, mesmo com a existência dos programas mencionados, os investimentos na
área precisam ser ampliados para contemplar o grande contingente de adultos que, devido à
inserção precoce nas atividades laborais, não conseguiram seguir o fluxo de estudos. Cabe
135
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA
salientar que o baixo grau de instrução reflete diretamente na renda das famílias, na
organização e gestão do setor e, consequentemente, na qualidade de vida dessa população.
de pesquisas anteriores que apresentaram a extração de mangaba como responsável por 60%
dos rendimentos anuais gerados (MOTA, 2007). No entanto, se evidencia que ambas
atividades aparecem como fundamentais para a composição econômica da unidade familiar,
por conseguinte para a subsistência desse grupo.
A renda média mensal (Gráfico 5), adquirida por essas mulheres a partir da
comercialização dos produtos extraídos, é de R$ 492,09, oscilando entre R$ 150,00 e
1200,00, rendas mínima e máxima declaradas. A maioria (50%) afirmou auferir um ganho
mensal em torno de R$ 301,00 a R$ 600,00, o que pode ser considerado uma baixa renda por
não permitir os requisitos imprescindíveis à subsistência; em outras palavras, para
alimentação, moradia, saúde, educação e cidadania. Existe ainda uma parcela expressiva das
mulheres (22,2%) que obtêm o rendimento de R$ 100,00 a R$ 300,00, situação que as
colocam numa posição de extrema pobreza, já que a renda domiciliar per capita é inferior a
R$85,0016. Apenas 19,5% conseguem ganho mensal de até um salário mínimo e 8,3% acima
desse patamar, na faixa de R$ 1000,00 a R$1200,00. A partir dos relatos, foi observado que
elas complementam o orçamento doméstico mediante repasses do Programa Bolsa Família
16
Valor que corresponde à linha de pobreza extrema definida pelo Programa Brasil sem Miséria
137
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA
©Eline Santos
entre os membros do grupo cultural ao qual pertencem; saberes que também estão interligados
nas crenças e no conhecimento estruturado através da experiência que tais povos adquirem ao
se apropriar da natureza. Nesse processo, tramas são tecidas e configuram a inter-relação entre
o material e o simbólico, expressada na forma como eles percebem, concebem e classificam
os recursos naturais, nos elementos que permeiam o imaginário dessas populações.
Os saberes e o saber-fazer abarcam o conhecimento ecológico tradicional (CET),
também denominado de etnoconhecimento, conhecimento tradicional local e saber tradicional
(DIEGUES; ARRUDA, 2000; DIEGUES; VIANA, 2004; SOUZA, 2007; SILVA;
ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2010; MOTA et al., 2011) dos povos dos ecossistemas. Este
conhecimento é local, coletivo e transmitido de geração a geração a partir da língua. À vista
disso, a oralidade e a memória compreendem recursos importantes para a vida dos grupos
tradicionais.
O CET é engendrado através de duas dimensões: a espacial e a temporal. A expressão
espacial do CET é revelada pela bagagem cultural que os indivíduos carregam, que a
depender da escala, projeta-se da coletividade a que ele pertence: a unidade familiar, a
comunidade rural, o território e o grupo étnico ou cultural. É válido destacar que dentro da
família esse conhecimento é marcado pela divisão de gênero e idade, já que cada membro
realiza atividades específicas, o que atribui particularidades a este conhecimento (SILVA;
ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2010), ponto percebido entre as populações tradicionais que
desenvolvem o extrativismo vegetal e animal em Indiaroba, tendo em vista que homens e
mulheres apresentam tarefas diferenciadas no grupo social, acumulando um saber particular
referente a essa atividade econômica.
Relativo ao eixo tempo (histórico), o CET é sintetizado na experiência acumulada e na
transmissão através das gerações de determinado grupo, na experiência socialmente
compartilhada pelos membros de uma mesma geração e, na experiência pessoal e particular
do próprio produtor e da sua família adquirida na repetição do ciclo reprodutivo (SILVA;
ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2010).
O CET desvela que as populações tradicionais possuem uma simbiose com os
ecossistemas, de tal modo a existir uma interligação orgânica entre o mundo natural, o
sobrenatural e a organização social. Para esses grupos não existe uma divisão rígida entre o
natural e o social, mas um continuum entre ambos. Assim, esse conhecimento só poderá ser
interpretado dentro do contexto cultural ao qual foi constituído (DIEGUES; ARRUDA, 2000;
DIEGUES; VIANA, 2004).
142
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
17
Campo de pesquisa transdisciplinar que aglutina diversas formas de compreensão sobre o mundo natural,
denominada experiência tradicional (MARQUES, 2001; SILVA; ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2010).
18
Estuda o conhecimento que os pescadores possuem sobre as espécies marinhas, determinando as relações
taxonômicas entre os peixes, as técnicas de manejo tradicional e a organização tradicional da pesca (COSTA
NETO, 2001; VASCONCELLOS, DIEGUES e SALES, 2004).
19
Pesquisa acerca do conhecimento que as populações possuem acerca dos recursos naturais e ecossistemas dos
quais são dependentes para as suas atividades comerciais ou de subsistência (BEGOSSI, 2004). Estuda o “papel
da natureza no sistema de crenças e da adaptação do homem a determinados ambientes, enfatizando as categorias
e conceitos cognitivos utilizados pelos povos em estudo” (DIEGUES; VIANA, 2004, p. 19).
143
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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presença desses povos manejando os ecossistemas por muito tempo sem provocar sua
depredação vem contribuindo para a sua conservação e evidencia a formulação de um
patrimônio relacional constituído pelo substrato da vida material e pelos laços comunais que
propiciam a base da sustentabilidade do modo de vida dessas comunidades (SOUZA, 2007;
MOTA et al., 2011).
Com base nos pressupostos, o CET foi utilizado como um dos caminhos para o
entendimento do quadro geral do extrativismo no município em estudo. Com a utilização de
ferramentas como mapeamento participativo e aplicação de oficinas de indicadores de
resiliência da paisagem socioecológica, elementos relacionados às potencialidades e às
demandas das populações tradicionais foram identificados e analisados, assim como os fatores
que contribuem para as transformações da paisagem costeira local, a situação da mulher
extrativista no setor e na comunidade e a organização política do grupo frente à luta pela
manutenção do seu modo de existir.
Como o setor extrativista é carente de informações sistematizadas, sobretudo no
tocante ao recorte de gênero, o que resulta em entraves, o CET aparece como possibilidade
para a elaboração de diretrizes que colaborem para a conservação do patrimônio ambiental e
cultural das comunidades tradicionais, ao fornecer dados referentes ao ciclo reprodutivo das
espécies, das formas de manejo e dos problemas socioambientais gerados a partir dos usos do
ambiente costeiro, como um instrumento que visa uma participação ativa e democrática
dessas populações e como caminho para a sustentabilidade.
A pesca artesanal consiste numa atividade fundada numa intrínseca relação dos sujeitos
com a natureza. Os saberes ecológicos permeiam toda a organização dela, de maneira que as
práticas se entrecruzam com o sistema de crenças e fundam o sentido/ modo de ser do grupo
pesqueiro.
Na pesca artesanal, o ritmo da natureza determina a dinâmica da atividade, ou seja, a
movimentação periódica das águas, ocasionada pelos efeitos da combinação do movimento de
rotação da Terra e das forças gravitacionais da Lua e do Sol, interferindo na jornada diária de
trabalho, no trajeto a ser percorrido para os pontos de pesca, nas estratégias adotadas e nas
espécies a serem capturadas.
Nas falas das (os) interlocutoras (es), a maré e a Lua aparecem como componentes
relevantes para o desenvolvimento da pesca em Indiaroba, o que pode ser identificado nos
144
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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“Tem maré que é pela Lua e tem maré que não é pela Lua. A maré de escuro
agora não é pela Lua. Agora quando a Lua é lua nova, aí às vezes a Lua
quando tá saindo a maré tá vazando. Às vezes, quando a Lua se põe a maré
tá enchendo. Têm esses negócio assim, né!” (M-29, 57 anos, Terra Caída,
2017)
“Depende da maré [...]! Tem maré que tá boa [...] a gente vai três, quatro
dias e quando a maré não tá boa a gente vai um dia, dois.”
(MC-33, 38 anos, Convento, 2016)
22A 22B
A) Meninos e meninas junto a avó realizando o B) Crianças, meninas adolescentes e mulheres
beneficiamento do marisco em Terra Caída realizando a extração da mangaba em Pontal. 2A
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017). 2A
2A 2A
“A minha mãe [...] uma marisqueira também. Depois que eu cresci [...]que
eu via ela indo [...]2Aaí eu tinha curiosidade [...] comecei a ir mais ela, 2A
aí [...]
aí até hoje. ” (M-38, 26 anos, Preguiça de Cima, 2016)
2A 2A
“[...]. Quando eu comecei a pescar, eu comecei a pescar mais meu pai. Ele
ia pescar, aí eu ia mais ele, né? A gente vai aprendendo, vai desenvolvendo
os poucos, né! Que nem criança como começa andar, né? A gente vai vendo
e a gente vai desenvolvendo. Sempre pescava mais ele. Aí, aprendi com ele.”
(PC-45, 49 anos, Preguiça de Baixo, 2016).
“Minha filha por aqui aparece tanta coisa. Tanta assombração que a gente
tem até medo de ir pras mangaba.” (MC-50, 40 anos, Caminhada
transversal, Pontal, 2016)
Logo, esses entes mágicos podem castigar ou até mesmo contribuir para uma produção
exitosa no período da extração. Para isso, é preciso desenvolver atitudes sustentáveis de
proteção à natureza, à biodiversidade. Tais estórias foram referidas por Diegues e Arruda
(2000), ao abordarem a contribuição dos povos dos ecossistemas à conservação da
biodiversidade brasileira, e por Aragão (2011), ao destacar que na pesca artesanal de Mem de
Sá forças sobrenaturais compõem os elementos simbólicos que interferem na produção
pesqueira, sendo os pescadores ambiciosos castigados.
Outro ponto a ser destacado nos relatos das (os) extrativistas está relacionado às
capturas dos peixes. Os pescadores artesanais não extraem as espécies ao acaso, como foi dito
ao longo do capítulo, eles possuem saberes específicos que os levam a identificar, classificar,
entender o comportamento das espécies para a utilização de apetrechos, de métodos e do
período adequado para a pesca. Deste modo, buscam as espécies em locais específicos,
reconhecendo a sua posição no rio/estuário em três níveis na coluna d’água (veia d’água ou
boaidos, meia água e fundo) dos principais rios explorados (Piauí, Real e Fundo), conforme
modelo esquemático, baseado em Costa Neto (2001), elaborado por L-01 de Terra Caída
(Figura 23A e 23B).
Com base na distribuição vertical das espécies, os peixes de veia d’água ou boiados
são aqueles encontrados na porção acima da coluna d’água. Dentre as principais espécies
destacam-se a sardinha (Harengula clupeola), o xaréu (Caranx hippos), que é um peixe
canibal e ataca as outras espécies, a solteira (Oligoplites saurus), a sororoca (Scomberomorus
brasiliensis) e a tainha (Mugil gaimardianus), segundo os relatos dos pescadores, é
semelhante à azeiteira e à saúna.
148
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
“É tudo uma família só. É tudo peixe de escama, tudo parece uns com os
outros” (P-13, 80 anos, Pontal, 2016).
A2 A3
A1
(A1)
(A2)
(A3)
23B
2A
2A
2A
2A
A1 Veia d’água
A2 Meia d’água
A3 Fundo
23A 23C
A) e B) Zonação vertical de trechos dos principais rios explorados pelos pescadores de Indiaroba; C) Peixes de
2Acapturados por M-44 no rio Real nas proximidades do povoado Preguiça de Baixo. 2A
fundo
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017); Adaptado de COSTA NETO (2001).
2A 2A
2A L-01(33 anos, Terra Caída, 2017) enfatiza que o pampo é encontrado, principalmente
2A
quando tem comidia no período do inverno. “A comidia é uns crustaceozinhos que têm umas
2A 2A
algas. Então, é peixe de passagem [pampo]. Não é peixe constante. [...] é mais no inverno. ”
149
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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“É tanto que a noite o robalo vai pra costa, pro seco que onde tão as
espécies pequenas (tainha, pequena sardinha, peixe miúdo). Ele é mais
pescado à noite com rede grossa em cima das croas. De dia ele fica
caceando no fundo. É difícil de pegar. Mas, à noite maré grande, à noite
encontra ele. ” (L-01, 33 anos, Terra Caída, 2017)
F o n t e: Tr a b a lh o d e ca m p o ( 2 0 1 5 - 2 0 1 7 ). A d a pt a d o d e C o st a N et o ( 2 0 0 1 ).
151
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
No que se refere aos crustáceos, o siri foi o que apareceu com maior frequência nas
falas dos sujeitos da pesquisa; ele é extraído durante todo o ano, com uma redução no período
da quaresma20. Da mesma maneira ocorre com o aratu e alguns moluscos como o massunim e
o sururu. Os interlocutores explicam que isso acontece por conta da chegada do inverno com a
diminuição da salinidade e o aumento da turbidez da água. Já a ostra e o sarnambi são
explorados durante todo o ano, configurando-se, respectivamente, as espécies de maior e
menor frequência nas narrativas das populações costeiras investigadas.
“O tempo todo tem aratu. Só que tem um tempo que ele se esconde na fonte.
Na quaresma mesmo [...] fica muito ruim de pegar. No inverno, ele fica ruim
de pegar [...] agora no verão aparece aratu de todo canto. ” (MC-33, 38
anos, Convento, 2016)
O camarão e o caranguejo são capturados durante todo o ano, exceto nos meses
correspondentes ao defeso, que condiz à paralisação temporária da pesca para a preservação
da espécie, tendo como objetivo a reprodução e/ou recrutamento, consoante o inciso XIX do
art. 2º da Lei nº 11.959/2009.
20
Período de quarenta dias que antecede a Páscoa, sendo celebrado por algumas igrejas cristãs, dentre as quais a
igreja católica.
152
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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[...] ele [camarão] tem dois paradeiros no ano que é o de desova. Seria em
[...] novembro e maio. São o tempo de desova dele, que é que tem o defeso.
(L-01, 33 anos, Terra Caída, 2017)
Ao longo da discussão acerca do CET foi explicitado que os recursos naturais são
manejados segundo as necessidades das populações tradicionais, o que as levam a cunhar
práticas que retratam a sua relação com a natureza e perfazem um conhecimento construído
na exploração de múltiplos habitats (floresta, estuários, mangues e áreas transformadas para
fins agrícolas), como sugerem Diegues e Arruda (2000). Esses fatores configuram a realidade
das populações costeiras de Indiaroba que, além da apropriação dos recursos pesqueiros,
exploram a vegetação de restinga com a prática do extrativismo da mangaba.
No extrativismo da mangaba é identificada a participação expressiva de mulheres, o
que pode caracterizá-lo como uma atividade feminina. Ademais, é uma atividade de base
21
De acordo com o art. 7º da Lei 11.959/2009, o desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira dar-se-á
mediante: I) a gestão do acesso e uso dos recursos pesqueiros, e III) a participação social.
153
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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“Ah! Isso foi uma coisa de geração, né! Minha vó que catava que eu via.
Meu pai, também, até hoje cata. E aí fui aprendendo com eles. ” (MC-02, 30
anos, Pontal, 2015)
“ D. I [mãe]. Ah! Desde o ventre dela. [...]. Ela foi quem começou a catar
mangaba e passou pra nós, né?! (MC-05, 46 anos, Pontal, 2015)
750 e 1.600 mm anuais, e consegue tolerar períodos de déficit hídrico, conforme assertivas de
Silva Júnior (2003).
Palavra de origem tupi-guarani, mangaba significa coisa boa de comer. É um fruto
saboroso e nutritivo, podendo ser consumido in natura e processado sob a forma de polpa,
sorvete, licor, geleia, bolo, biscoito e doce. Possui uma boa aceitação comercial no Nordeste e
é utilizada principalmente na fabricação de polpas, sorvetes e sucos (MOTA et al., 2011).
A floração e frutificação da mangabeira diferem de um ano para o outro, entre as
plantas de locais diferentes ou de um mesmo local (LIMA.; SCARIOT, 2010). Entretanto, em
Indiaroba a produção está concentrada em dois períodos: safra de verão, que corresponde aos
meses de dezembro a abril, e a safra de inverno, que se estende de maio a junho,
esquematizados na figura 25.
“[...]. Ela começa agora em dezembro e vai até o mês de junho aí torna a
parar de novo. Pega no verão e no inverno [...]. ”
(C-32, 61 anos, Convento, 2016)
A associação das fases da planta ao calendário católico (e.g, a quaresma como período
de transição entre o tempo quente e o tempo chuvoso, marcando o fim da safra de verão) e a
referência de inverno/verão a tempo chuvoso e seco, de modo igual à pesca, foram pontos
expressivos verificados nas narrativas das catadoras.
O período de maior coleta corresponde aos meses do verão, em que é extraída a
mangaba de verão, considerada de qualidade superior por apresentar uma coloração
amarelada e pintas vermelhas, e por ser mais doce e sem manchas, sendo preferida para a
comercialização. No outono-inverno, por causa da elevação da umidade e da pluviosidade, a
mangaba apresenta manchas mais escuras que interferem na coloração dos sucos, sorvetes e
polpas. Nesse período, tem-se a “mangaba- de-cachorro”, fruto que apresenta um dos lados
apodrecidos e com sabor amargo, como relata MC-10 do povoado Pontal e C-32 do povoado
Convento ao diferenciar o fruto no verão e no inverno (Figura 26):
Para a retirada do fruto, utilizam o gancho confeccionado com uma vara e arame na
extremidade, como explica MC-02 (Figura 27 A). Às vezes sobem nas árvores ou solicitam ao
filho menor que o faça para que os galhos não sejam quebrados. Este é responsável também
por recolher as mangabas do chão, por ser mais habilidoso e obter uma maior quantidade de
frutos, contribuindo dessa maneira para aumentar a renda familiar.
É o gancho, [...] o tradicional, a vara, né! O pau que a gente tira no próprio
mato, mesmo. [...]. Mas, os paus mais usados é o pau de cabatana. A
cabatana que é uma madeira que é reta. Raramente, ela entorta. Então, aí,
como tem que ter uma vara reta, fina, né! [...]. Aí, bota um ferrinho. Um
ferro entortado, né?! Assim, estilo gancho, mesmo. Amarra. Aqui a gente
usa assim. Têm comunidades que o gancho é feito do próprio pau, porque
tem pau que nasce já assim, né?!” (MC-02, 30 anos, Pontal, 2015)
os maduros e colhidos do solo, e “de vez”, que correspondem aqueles que não completaram a
fase de maturação e são colhidos com o gancho ou quando as extrativistas sobem na árvore.
27B
2A
2A
27A
2A
2A
27C
2A
2A
2A
27D 2A
27E
A) Catadoras com o gancho utilizado na coleta da mangaba. B) e C) Marcas na mangabeira deixadas após
a retirada do látex. D) e E) Catadora explicando as 2Afinalidades da casca e da folha da mangabeira
2A na
medicina popular.
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017). 2A
2A
quebrem, não derrubar as flores; ter cuidado ao tirar o látex, denominado popularmente como
“leite da mangaba”; respeitar o ciclo natural da planta, limpar as áreas próximas as raízes das
mangabeiras, retirando as ervas daninhas; não queimar as árvores e nem cortá-las.
Cuidado na hora de tirar pra não quebrar os galhos, na hora de tirar pra
ver qual é a mangaba que tá “de vez”, qual é ainda não tá boa de tirar, né!
(MC-02, 30 anos, Pontal, 2015)
“Isso aí é o que eu não sei responder, porque nois não faz nada com ela.
Pode fazer na limpeza [...]. A gente planta a mandioca. Planta até perto
dela. Aí, aquele adubo espaia assim pra ela. Aí, ela carrega mais. A limpeza
é da gente limpar o pé dela, o plantio, limpar o terreno. Adubar e plantar. ”
(C-32, 61 anos, Convento, 2016)
“Essa folha seca, assim que cai no chão, o pessoal pede muito pra fazer chá.
Minha fia, serve pra tanta coisa. [...] as folhas serve pra essas doenças que
dá nas pernas: ostoporose, astrose. É! Diabete. Até diabete!”
(MC-06, 49 anos, Caminhada transversal, Pontal, 2016)
“Serve pra qualquer tipo de doença. Até o câncer, selve!” [Sobre o leite da
mangaba]. (MC-50, 40 anos, Caminhada transversal, Pontal, 2016)
22
Para a categorização dos acessos a mangabeira adotou-se a classificação da EMBRAPA (2009).
162
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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analisada como um fenômeno social e cultural total que mobiliza energias humanas e animais,
simbologias e estratégias, mitos e lendas”, como sugere Diegues (2004, p. 245).
A pesca artesanal corresponde àquela praticada por um “pescador profissional, de
forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou
mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno
porte” (BRASIL, 2009). Todavia, o conceito de pesca artesanal aqui adotado baseia-se em
Diegues (2005), em que esta é traduzida como atividade desenvolvida por um (a) pescador (a)
cujo modo de vida é fundamentado principalmente na pesca, que aparece como elemento de
organização social da família e da comunidade. Nela, os envolvidos podem exercer atividades
complementares como o extrativismo, o artesanato e a pequena agricultura. A família,
geralmente, é a unidade de produção, incluindo conhecidos e parentes na tripulação. Ademais,
a produção em parte é para a subsistência e em parte para a comercialização.
Em razão de atingir mais de 50% da produção, a pesca artesanal é responsável por
grande parte do quantitativo nacional. Dessa parcela, as regiões mais expressivas do setor são
Norte e Nordeste, pois representam de 75% a 85% do total de capturas, números que indicam
seu peso econômico e social com a participação de milhares de famílias dependentes dessa
atividade para a sua reprodução social (PROST; SILVA, 2016).
Mesmo apresentando-se como esfera significante para soberania alimentar e para
geração de renda de 1.041.96723 pescadores, a pesca artesanal experimenta um processo de
crise que reflete as limitações quanto ao planejamento e à gestão dos espaços pesqueiros; essa
tensão “tem acelerado sua precarização, apesar do processo de lutas de seus trabalhadores e da
reivindicação junto ao Estado por políticas públicas de trabalho e estímulo ao
desenvolvimento do setor” (PROST; SILVA, 2016, p. 40).
No ano de 2016, estavam cadastrados no Sistema Informatizado do Registro Geral da
Atividade Pesqueira (SisRGP) mais de 31.000 pescadores sergipanos; destes, 64% eram
mulheres e 36% homens. Constata-se a presença marcante das mulheres no setor, mas que
ainda não reflete em garantias no exercício da atividade, em razão de apresentarem demandas
em torno da efetivação dos seus direitos.
Em Indiaroba, a pesca emprega mais de 5% da população, o que corresponde a 941
pescadores registrados, conforme dados do Sistema do Registro Geral da Atividade Pesqueira
(SisRGP, 2016). Assim, como na esfera regional e estadual, as mulheres representam o maior
percentual de registro no município, com a participação de 61,99% do total.
23
Total de pescadores artesanais, segundo dados do Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP, 2012).
163
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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Em relação ao acesso à carteira de pescador (a), os (as) inquiridos (as) estão registrados
(as) nas colônias Z-3 (Santa Luzia Itanhy), Z-4 (Estância) e Z-11 (Indiaroba). A colônia Z-4
apresenta o maior número de pescadores (as) cadastrados (as) com 46,1% dos sujeitos
investigados. No campo, foi observado que 20,5% das (os) entrevistadas (os) não possuíam a
carteira de pescador (a), mesmo desenvolvendo a atividade há anos. Verificou-se que a média
de tempo de serviço dos que desenvolvem a pesca nas localidades estudadas é de 30,1 anos,
variando entre 11 anos (menor tempo de serviço) e 61 anos (maior tempo de serviço); no
entanto, não conseguem ter acesso ao registro. Outro ponto identificado no campo refere-se à
interrupção prolongada no cadastramento inicial dos pescadores, posto que já são três anos
desde o último, o que tem levando ao desenvolvimento da atividade de forma irregular.
“Hoje ainda tá pior, porque o que acontece, nós temos três anos, faz agora
que existiu o registro inicial. Se tiver um pescador, vinte pescador, qualquer
um que precise de uma carteira não tem onde tirar que a SEAP não emite.
[...] Há três anos que vem fazendo malandragem com o que é do
pescador.”(presidente da colônia Z-4, 69 anos, Estância, 2017)
Ramalho (2006) afirma que as mudanças nas rotas e nos melhores lugares de pescaria
provocadas pelos fatores externos à pesca (aterro de mangues, crescente e desordenada
urbanização, poluição industrial, carcinicultura etc.) exigem dos pescadores (re)leituras de sua
ação na construção de um novo ordenamento das suas territorialidades, levando-os a buscar
estratégias para sua sobrevivência. Nessa situação, os sujeitos do estudo praticam a atividade
em vários pontos dos rios e manguezais localizados na região, em municípios vizinhos
(Estância e Santa Luzia do Itanhy) e além fronteira, no estado da Bahia (Figura 28).
Nas pescarias, utilizam uma multiplicidade de apetrechos definidos conforme a maré e a
espécie a ser capturada. Nos depoimentos dos pescadores, as principais artes de pesca
utilizadas na captura dos peixes são as redes confeccionadas de náilon de diferentes malhas
(caceia, arraieira, camaroeira, taineira), a tarrafa, a rede de calão, as armadilhas (camboa,
cerco e curral) e anzol (linha de mão e grozeira). Para a extração dos crustáceos, são usadas
redes e técnicas manuais, tais como: rede fina (camaroeira), rede de calão, linha com vara,
braceamento, tapamento, redinha, cochicho, jereré e fisga. Os moluscos são capturados com a
realização de técnicas manuais com o auxílio de gadanho, facão, colher e “dedo de pau”,
sintetizados no quadro 7.
O quadro 7 exibe um conjunto de técnicas e práticas marcadas pela criatividade,
liberdade e resistência, características da arte de pescar e de ser pescador, como aponta
Ramalho (2004), ao afirmar que a capacidade criativa, o refinamento da técnica e toda etapa
produtiva do trabalho do pescador permitem a manifestação de uma arte que funda o ser
pescador. Para o referido autor, pescador é aquele que domina os meios de produção da pesca,
quer dizer, controla a arte de pescar (Figura 29).
As artes de pesca utilizadas na captura de peixes e crustáceos foram, igualmente,
identificadas entre os pescadores do litoral norte da Bahia (COSTA NETO, 2001), da Ilha
Mém de Sá em Itaporanga d’Ajuda (ARAGÃO, 2011) e da Taiçoca de Fora, na Grande
Aracaju (SANTOS, 2012). Nessas localidades, a tarrafa é a mais difundida e de maior número
entre os pescadores, diferente das comunidades de Indiaroba em que a rede é apontada com
maior frequência (44,7%, n=38) nos depoimentos dos sujeitos da pesquisa. No que tange aos
apetrechos utilizados na coleta dos crustáceos e moluscos, também foram percebidos nas
comunidades citadas; porém, a fisga utilizada na captura do siri somente foi verificada em
Itaporanga d’Ajuda.
16 5
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
Quadro 7 – Principais artes de pesca utilizadas pelas (os) pescadoras (es) em Indiaroba: descrição, pontos de pesca e espécies capturadas
Pontos de pesca24/
Arte de pesca Descrição
Espécies capturadas
Funciona de forma passiva, devido às espécies ficarem retidas na sua malha. Ela pode ficar à deriva da Pontos: 2, 3, 10, 12, 13, 17, 20,
Rede de emalhar embarcação quando a pescaria é de superfície ou ser fixa quando ocorre na meia água e no fundo. As 25 e 38.
(rede de espera redes são de forma retangular e “ficam suspensas na coluna d’água com a parte inferior tocando o Espécies-alvo: tainha, bagre,
ou rede caceia) assoalho, devido à presença de chumbada e a parte superior boiando, graças a boia de isopor” robalo, sardinha, arraia e
(COSTA NETO, 2001, p. 40). camarão.
Pontos: 3, 10, 20, 26, e 38.
Rede confeccionada com náilon de diferentes números que possui chumbo em suas bordas e ao ser Espécies alvos: tainha,
Tarrafa
lançada apresenta um formado de círculo. Ela é muito utilizada na margens de estuários e mar. carapeba, bagre, robalo, curimã
e camarão.
Rede de Calão Rede de arrasto de forma retangular que apresenta um calão de madeira cada extremidade, utilizado Pontos: 2, 4, 10, 14, 15, 18 e 25
ou redinha por dois indivíduos para arrastá-la. Espécies alvos: camarão e siri
Armadilha que utiliza rede de náilon ou esteira de palha piaçava, canabrava (poucas pessoas utilizam
Pontos: 19, 20, 21 e 35
hoje) e vara para cercar o mangue durante a maré morta. As estacas são inseridas no substrato e nelas
Camboa Espécies-alvos: robalo, tainha,
as redes são amarradas. No período em que a maré está na preamar, os camboeiros levantam a rede e
azeiteira, bagre e carapeba
todos os animais que entraram no mangue ficam presos.
Realizado, geralmente, com 3 pescadores e formado com o emprego de rede de náilon com calão e
operado com o uso de embarcação. No processo, um pescador salta segurando o calão e os outros Pontos: 20 e 25
Cerco operando o barco cercam a croa. Existem pescadores que batem na água com o remo ou correntes para Espécies-alvos: tainha, saúna e
espantar os peixes. Em seguida, as espécies reunidas são lançadas na embarcação. Esse procedimento curimã
de bater é considerado predatório.
Armadilha fixa construída dentro dos rios com esteira de 4 a 5 m tecida de timborana e fixada no
substrato. O curral é uma arte antiga, desenvolvida pelos pescadores mais experientes, formado pela Ponto: 19
espia (parede que serve de guia aos peixes) e a boca da entrada (abertura que dificulta o retorno do Espécies-alvos:
Curral
peixe). Tainha, bagre, saúna, pescada e
“O curral é engano na maré. A gente faz aquele desengano pra enganar o peixe. O peixe passa, mas sardinha
não sai. Vê o buraco, a barrazinha de passar, mas não tem como sair.”(P-13, 80 anos, Pontal, 2016).
Pontos: 03 e 20
Engloba os aparelhos de pesca composto por linha, anzol e isca. Quando uma linha está composta por
Espécies-alvos:
Anzol vários anzóis, é chamada de grozeira (espinhel de fundo). Geralmente, são usados para capturas de
Bagre, pescada, xaréu, corvina,
peixes de fundo.
robalo e arraia
Continua
24 P o n t o s e s p a c i a l i z a d o s n a f i g u r a 2 8 .
167
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
Continuação
Pontos de pesca/
Arte de pesca Descrição Espécies capturadas
Figura 29– Artes de pesca utilizadas pelas marisqueiras e pescadores de Indiaro ba.
2A 2A 2A
2A 2A 2A
2A 2A 2A
2A 2A 2A
2A 2A 2A
A introdução da rede de náilon é citada por alguns pescadores de Indiaroba como um
2A 2A 2A
marcador de mudanças no espaço da pesca, interferindo na conservação dos estoques
2A
pesqueiros, pois existem 2A 2A
situações em que o uso indiscriminado, a exemplo do emprego de
malhas em tamanhos inferiores ao que é exigido pela legislação, tem causado a predação dos
169
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
[...]. Mas, a que cresceu hoje é a pesca de bater [...]. Tem a ilhazinha.
Chega na ponta daquela ilha, ele passa uma rede de um lado a outro.
[...]ele fica entre a ilha com o remo batendo. Quando bate na água cria um
impacto: o som. O peixe que tiver corre todo pra fora e malha na rede ou
usa uma corrente [...]. [...]. Quando aquela corrente bate numa pedra
embaixo emite um som e não tem peixe que guente. [...]. Aquele peixe que
não malhou não volta mais pra ali. Acaba com os pesqueiros.”
(Representante do Departamento de Pesca de Indiaroba, 39 anos,
Indiaroba, 2017)
Ao dizer que “se fosse proibida a fábrica não fabricava esse tipo de rede e também o
comércio não botava pra vender a gente”, P-13 desnuda uma questão importante na
discussão acerca da lógica de mercado que caracteriza a sociedade contemporânea e o falso
consenso da defesa do meio ambiente, retratado por Prost (2009) ao evidenciar que a
incidência da culpa aos problemas ambientais recai sobre os consumidores finais, quando
existe um sistema de produção que intensifica a dilapidação da natureza e arrasa o modo de
vida dessas populações que a enxerga como uma unidade, não como um amontoado de
recursos a serem explorados. Logo, as populações tradicionais são as mais afetadas por
vivenciarem a erosão do seu patrimônio natural e cultural com a inserção de um modelo
econômico que visa a explotação dos recursos.
Outro ponto revelado refere-se à necessidade que esses povos têm de se reinventarem
em meio as mudanças e continuarem reproduzindo enquanto grupo social, como esclarece
Ramalho (2006):
170
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
O beneficiamento do pescado abarca uma outra etapa desse cenário marcado pela
tradição e reinvenção do modo de vida atrelado à dinâmica da natureza e aos fatores
externos à atividade. Ele corresponde à etapa posterior a captura, na qual os recursos
pesqueiros são tratados para a comercialização. Neste momento, serão apenas enfatizados os
procedimentos relativos aos produtos capturados pelos homens, pois os delineamentos sobre
as atividades femininas serão analisados, notadamente, no próximo capítulo com a
apresentação do mapa social da pesca e da mangaba.
Entre os pescadores entrevistados predomina a captura de peixes, camarão e
caranguejo. O beneficiamento do peixe ocorre de forma simples, quando chega na residência
o pescador com o apoio da família (esposa, filhos, pai, irmão e/ou mãe) ou de algum amigo
lava o peixe e separa em bolsas de 1 Kg para ser armazenado na geladeira. Há aqueles que
colocam em vasilhas plásticas e armazenam ou repassam de imediato para o atravessador. Já
o camarão é lavado, salgado e acondicionado no freezer. O caranguejo não é
beneficiamento, sendo comercializado agrupado em “cordas” compostas por seis unidades.
A divisão dos recursos desembarcados ocorre semelhante ao que Maldonado (1986)
retratou entre os pescadores de Ponta do Mato (PB), podendo ser de forma igualitária, em
que a renda proveniente da venda dos pescados é dividida igualmente entre os membros do
rol de pesca; e a desapartada (nas comunidades eles falam em divisão de três partes), em que
60% é do dono da rede (30% referente a rede e 30% a participação na pescaria), 30% para o
pescador que participou da pescaria e os 10% restantes são voltados para o custeio de
insumos, no caso a gasolina. Há os pescadores que não dividem, por realizarem a pescaria
com a família e a renda ser destinada ao pagamento das despesas domésticas.
Anterior à comercialização, o pescador e a marisqueira retiram uma parcela do que
foi extraído para o consumo familiar e assim realizar a venda. Os preços são variados e
traduzem a condição de dependência, à qual estes sujeitos estão submetidos (Tabela 8). Por
não existir uma política voltada ao fortalecimento da cadeia produtiva da pesca local e uma
organização política efetiva que garanta o preço do produto, eles tornam-se vulneráveis e os
cambistas (atravessadores) fortalecidos. A comercialização dos pescados ocorre em sua
maioria na comunidade ou são repassados para os cambistas (atravessadores). É realizada,
171
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
ainda, nas feiras de outros municípios como Itabaianinha, Umbaúba e Aracaju. Em geral, o
pagamento é à vista e a frequência de comercialização é de 1 a 3 vezes na semana.
Tabela 8 – Preços mínimos e máximos dos principais recursos pesqueiros extraídos nas
comunidades litorâneas em Indiaroba (2015-2016)
25
Caracteriza a dinâmica de um sistema complexo sujeito a mudanças. Ele integra quatro fases identificadas
como crescimento ou exploração (r), conservação (K), colapso ou liberação (Ω) e reorganização (α) que
ocorrem de forma lenta iniciada com o estabelecimento do sistema e o seu crescimento gradual (r) com
estabilidade (K) de longa duração; e rápida, acontece com o colapso (Ω) em que os recursos são liberados,
permitindo a reorganização (α) dos ativos acumulados com o estímulo a iniciação de um novo ciclo
(BUSCHBACHER, 2014).
173
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
populações tradicionais com a natureza e a produção dos sistemas caracterizados por alto
grau de complexidade e incerteza (BUSCHBACHER, 2014).
Outra questão a ser levantada é que a análise à luz da resiliência socioecológica
permite a identificação dos atributos que fortalecem as comunidades no enfretamento das
imprevisibilidades e aqueles que conferem vulnerabilidade a mudanças.
Os indicadores de resiliência socioecológica em SEPLS surgem como um conjunto
de ferramentas para a captura dos atributos essenciais que reforçam a resiliência a partir da
compreensão das comunidades locais sobre o estado e as transformações da paisagem.
O termo indicador é originário do latim indicare, que significa descobrir, apontar,
anunciar, estimar (Hammond et al., 1995 apud VAN BELLEN, 2002). A sua aplicação
proporciona a obtenção de informações ou comunicação sobre uma determinada meta a que
se proponha alcançar como, por exemplo, a sustentabilidade da paisagem litorânea.
Para Van Bellen (2002), os indicadores agregam e quantificam informações de
maneira a simplificá-las, evidenciando a sua significância. Destaca que a quantificação deve
ter em vista julgamentos de valor em diferentes níveis e dimensões existentes; outrossim, a
metodologia utilizada deve permitir adaptação a realidade estudada.
A operacionalização do conceito por meio de indicadores é relevante para a
compreensão dos fatores que podem afetar a resiliência dos sistemas socioecológicos; além
de propiciar a identificação das estratégias de conservação desenvolvidas pelas populações
tradicionais investigadas, assim como fornece informações para a tomada de decisão.
Para Souza (2007, p. 45), “os indicadores adequados podem auxiliar no
estabelecimento de agendas mínimas de negociação de conflitos ao facilitar a compreensão
de aspectos complexos do quadro socioambiental de uma área. ”
Segundo Van Bellen (2002), os indicadores têm a necessidade de serem holísticos,
abarcando os aspectos econômicos, políticos, culturais, sociais, ecológicos e outros
envolvidos no tema desenvolvimento sustentável e devem representar as propriedades do
sistema total não apenas elementos e interconexões dos subsistemas. Tais critérios podem
ser identificados no conjunto de indicadores aplicados no recorte espacial de estudo, uma
vez que integram 05 áreas que atendem aos aspectos mencionados.
Em virtude das dificuldades de mensuração da resiliência, por conta da sua
complexidade, os indicadores utilizados aparecem como um caminho possível para a
definição de uma medida geral acerca das suas características, ou seja, para a captura dos
seus atributos essenciais. A escala espacial para sua análise é definida no mapeamento dos
usos e apropriações das populações tradicionais. Nesta pesquisa, ela abrangeu a escala local
175
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
A aplicação dos indicadores26 ocorreu nos povoados Pontal, Preguiça e Terra Caída,
com a participação de 08 mulheres e 04 homens com idade média de 41,9 anos, que variou
entre 57 anos e 30 anos, idades máxima e mínima, respectivamente (Tabela 9). Eles
atribuíram, de acordo com a realidade vivenciada, uma pontuação aos indicadores na escala
de 1 a 5, representada no quadro 8 através das cores, que classificam os níveis de resiliência
percebidos para cada indicador.
26
Ressalta-se que esta fase da pesquisa não foi desenvolvida em Convento, devido às dificuldades em contatar
pessoas com disponibilidade em participar do processo. Isso pode ser explicado pelo fato de ser a agricultura a
atividade preponderante e/ou pelo estranhamento que, em geral, ocorre no contato inicial numa pesquisa de
cunho participativo, mesmo no caso em questão que utilizou a técnica “bola de neve” para a composição
amostral.
176
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
Gênero Idade
Povoado Total de participantes
M F Média Máxima Mínima
Pontal 05
03 02 41,4 52 30
Preguiça 03
- 03 36,6 44 31
Terra Caída 04
01 03 47,7 57 42
12 04 08 41,9 57 30
Alta (4)
Média (3)
Baixa (2)
Tabela 10- Súmula da pontuação de indicadores de resiliência socioecológica em áreas de pesca e extração de mangaba- Indiaroba/SE
Pontuação média
(Min = P1 + P2... Pn / n)
Indicadores Pontal Preguiça Terra Caída
Áreas
(n=5) (n=3) (n=4)
Diversidade na paisagem 1 Diversidade na paisagem terrestre/ marinha (AD) 3,0 3,0 3,0
terrestre/ marinha e 2 Proteção dos ecossistemas (AP) 1,2 2,0 1,0
proteção dos ecossistemas
(A) 3 Recuperação e regeneração da paisagem terrestre/marinha (AR) 3,0 2,0 3,0
Biodiversidade -incluindo a 4 Diversidade de sistema alimentar local (BD) 3,0 3,0 2,0
biodiversidade agrícola
(B) 5 Gestão sustentável dos recursos comuns (BG) 3,4 2,0 2,0
6 A inovação na agricultura e práticas de conservação (CI) 3,4 1,3 3,0
Conhecimento e inovação
(C) 7 O conhecimento tradicional relacionado à biodiversidade (CC) 3,0 2,0 3,0
8 Conhecimento Feminino (CF) 2,8 1,3 2,0
Direitos em relação à terra / água e gestão de outros recursos naturais
9 2,0 3,0 1,0
Governo e equidade social (DD)
(D)
10 A equidade social - incluindo equidade de gênero (DE) 2,4 2,6 1,0
Gráfico 7–Frequência de citação dos fatores que provocam mudanças na pesca e na extração
de mangaba em Indiaroba/SE
solo pelo uso de insumos diversos (fungicidas e antibióticos) e pela introdução de espécies
exóticas que acirram a competição e a predação, além da destruição de habitats (PROST,
2009)
Segundo Santos, Vilar e Oliveira (2016), em Indiaroba a carcinicultura é
desenvolvida em 16 propriedades, onde são cultivadas as espécies Litopenaeus vannamei,
conhecida como camarão cinza. Deste total, apenas 06 propriedades possuem licenciamento,
enquanto as demais aguardam as licenças através da ADEMA. Tal situação contribui ainda
mais para os problemas decorrentes desta atividade, em razão da irregularidade que pode
levar ao desenvolvimento de práticas que não atendam às normatizações legais, como foi
citado pelos entrevistados em todas as etapas da pesquisa. Eles relataram o caso da poluição
provocada pelas ações da empresa Lusomar Maricultura Ltda, localizada no município de
Jandaíra (BA), que resultou na supressão da vegetação de mangue, da restinga e na
mortandade de algumas espécies, sobretudo, o caranguejo (Figura 30).
30 A 30 B
30 C
“Eu digo que é por conta [...] desses viveiro, né! Que [...]essas química,
né! E aí diminui mais o pescado. [...] teve um tempo mesmo que teve uma
mortalidade imensa de caranguejo, de aratu, de tudo [...] por conta dos
viveiro. [Tem muito viveiro aqui, né?] É[...], na Lusomar. Agora [...] que
diminuiu mais. [...]”. (M-12, 48 anos, Pontal, 2016)
“Lá no viveiro que tem na Salina botaram droga no viveiro pra matar
negócio de cargel, certo! E prejudicou o sururu, né? Quem ia catar
chegava lá e via tudo aberto”. (M-51, 49 anos, Oficina de indicadores de
resiliência, Terra Caída, 2017)
Os inquiridos informaram, ainda, que não existe uma fiscalização efetiva por parte
dos órgãos ambientais (IBAMA e ADEMA) para minimizar as ações degradantes. Destacam
que a inspeção só ocorre no período do defeso e assim sentem-se desprotegidos.
“Só faz fiscalização no tempo do defeso, que é pra gente não tá pegando o
pescado. ” (MC-48, 34 anos, Oficina de indicadores de resiliência,
Preguiça de Baixo, 2017).
“A gente aqui não produz nada. Até porque não tem. Se a gente hoje a
nossa maior luta é pela questão de território é porque, já diz tudo: não
tem! Não tem onde plantar um arroz, um feijão, uma mandioca pra fazer
farinha. Até as casa de farinha que tinha, hoje não tem mais nenhuma. ”
(MC-02, 30 anos, Oficina de indicadores de resiliência, Pontal, 2017)
Para as comunidades, a obra apresenta uma mudança de percurso, pois acreditam que
perderão mais um trecho de área de pesca e de coleta de mangaba, com a proibição do
acesso a antigos caminhos, o que acirrará ainda mais os conflitos existentes, tornando-se um
impeditivo da gestão sustentável dos bens comuns e da resiliência dos sistemas
socioecológicos, pois a situação apresentada nega os seus direitos territoriais.
Desse modo, a exploração intensiva dos recursos, aliada à redução das áreas de
extração traduzem a necessidade de adoção de medidas de cogestão adaptativa que levem à
colaboração entre os diferentes tomadores de decisão desde os usuários locais às
organizações internacionais (FOLKE, 2006), buscando de forma conjunta conhecer e
diagnosticar as potencialidades, fragilidades e tendências do território para a projeção de
cenários futuros alternativos (OSCAR JÚNIOR, 2015). A gestão adaptativa centra na
promoção da aprendizagem através da partilha de conhecimento dos diversos atores
envolvidos para a melhor tomada de decisão, no que se refere ao desenvolvimento de
soluções, o que também conduz a maior disponibilidade para experimentar e correr riscos
(SIMONSEN et al., 2015?).
Na área de estudo, o estímulo à gestão adaptativa participativa possibilitaria o
reconhecimento da propriedade comunitária dos recursos, a valorização do conhecimento
local na compreensão dos sistemas socioecológicos e na tomada de decisões frente às
incertezas e, consequentemente, minimizaria os conflitos e fortaleceria a resiliência.
184
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
C) Conhecimento e inovação
ações relativas a coleta e nos baixos rendimentos, pois aquelas mulheres associadas possuem
uma sensibilização quanto ao manuseio cuidadoso da árvore e a importância da união para a
luta do grupo.
remete a uma produção em larga escala, voltada para o mercado internacional em detrimento
do esfacelamento da pesca de base artesanal.
A análise do indicador sob o viés de gênero demonstra uma diferenciação entre as
marisqueiras-catadoras de mangaba e os pescadores no acesso às oportunidades,
informações e resoluções dos problemas locais. As extrativistas expuseram situações que as
impedem de ampliar a sua produtividade e que limitam as suas iniciativas empreendedoras,
o que corrobora para a subordinação às estruturas estabelecidas.
Os aspectos retratados configuram a situação de desigualdade social à qual estão
expostas. Nela, as interlocutoras não conseguem se posicionar nos espaços representativos;
recebem tratamento diferenciado nas entidades de classe, quando expõem apreciação
contrária a determinadas questões, ou até quando procuram mais informações sobre os seus
direitos, sofrendo sanções por isto. Na esfera doméstica, podem até serem coagidas de forma
violenta a não participarem de ações que levem ao seu protagonismo. É evidente que
existem os casos em que as mulheres são apoiadas pelos cônjuges, mas o que marca o grupo
é a situação apresentada.
O tempo da mulher é fragmentado entre o espaço doméstico e o extrativista, fator
que limita a sua participação nos eventos públicos, culturais, assim como o investimento em
aprendizagem e na ampliação das fontes de renda. Já o tempo do homem é o tempo integral,
em que desenvolve as pescarias e participa das esferas decisórias. As diferenças de gênero
na utilização do tempo marcam as desigualdades presentes no espaço extrativista, pois
restringe as oportunidades dessa mulher.
As extrativistas reclamam da falta de informação, que é um impeditivo na efetivação
de direitos básicos, sobretudo aqueles relacionados aos benefícios previdenciários. Existem
casos de mulheres que não acessam as políticas públicas por não possuírem documentos
pessoais como Certidão de Nascimento e o Registro Geral.
No período de 2007 a 2011, as catadoras de mangaba de Pontal participaram do
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003 pelo Governo Federal como
uma das ações estruturantes do Programa Fome Zero. O PAA vem sendo executado em
parceria com Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) e pela Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab) e tem como finalidade a compra de alimentos
produzidos pela agricultura familiar com destinação às pessoas em situação de insegurança
alimentar e nutricional. Os critérios para a participação ao programa são a afiliação à
cooperativa, a propriedade da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) e a identificação
como catadora pelo mediador local do PAA.
188
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
“Pra mim foi uma realização como mulher, né! [...]. Porque era uma
pessoa, assim, muito da casa. Só fazia o que o marido mandasse, né? E
depois que eu entrei no projeto e no movimento, eu comecei a me juntar as
meninas, eu me soltei, fiquei mais aberta. Hoje ninguém me prende mais
[...]. Não preciso mais dar satisfação. Tenho o meu próprio dinheiro,
pouco, mas tenho. ” (MC-01, 37 anos, Pontal, 2015)
27
Disponível em :< https://www.bnb.gov.br/agroamigo>. Acesso em: 14jul. 2017.
189
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
As baixas pontuações nos indicadores ER-13, ES-14 e EM-15 em Terra Caída (2,0) e
Preguiça (1,0) devem-se à dependência em relação ao extrativismo e à agricultura, já que
não desenvolvem outras práticas que possibilitem a rotatividade entre as atividades. Ainda
que na primeira comunidade tenham se organizado cursos de artesanato e corte costura, não
houve o encadeamento do projeto com a possível emancipação dos membros. Na segunda,
os participantes apontam a falta de calçamento na estrada de acesso como um entrave ao
desenvolvimento local.
Em síntese, a análise global dos indicadores proporciona a identificação dos pontos
limitantes à resiliência socioecológica dos sistemas tradicionais abordados. Assim, a área E
concentrou as piores médias (1,87) apresentadas no quadro geral da resiliência (Tabela 11 e
Gráfico 8), sendo que deste bloco Terra Caída expressou nível muito baixo (1,0) em todo o
conjunto. A explicação está na precária infraestrutura local (detalhadamente discutida no
28
Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/poder-publico/programas-uniao/habitacao/programa-nacional-
habitacao-rural/Paginas/default.aspx> Acesso em: 20 de jul. 2017.
191
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
item 3.2), que necessita de ampliação com investimentos na área de saneamento básico e na
melhoria dos meios de subsistência.
CAPÍTULO 5
TERRITORIALIDADES FEMININAS: APROPRIAÇÃO E USOS DO
ESPAÇO EM COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA/SE
©Eline Santos
© Eline Santos
“Ser catadora é tudo. Ser mãe, ser mulher, ser independente [...].”
(L-03, 30 anos, Pontal, 2015)
194
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
Silva e Silva (2014) sublinham que o gênero é uma categoria que atravessa os demais
fatores de influência, uma vez que se refere às diferenças construídas socialmente nas relações
entre homens e mulheres. Para as autoras, a visão acerca de gênero tem que ser desenvolvida
195
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
nas dinâmicas cotidianas das comunidades, as quais são estabelecidas de acordo com uma
divisão de espaços, tarefas e conhecimentos específicos de homens e de mulheres.
A análise do trabalho das mulheres extrativistas sob o viés de gênero permite o
entendimento da condição feminina no extrativismo, ou seja, adentrar um universo marcado
por desigualdades construídas histórica e socialmente, desvelando as tessituras de gênero num
espaço marcado pela divisão sexual do trabalho, em que homens e mulheres possuem papéis
diferenciados e desiguais.
Em Indiaroba, o trabalho no extrativismo tem como unidade produtiva básica a
família, conforme explicitação anterior, e está organizado mediante relações de gênero que
sinalizam o modelo bipolar de organização deste, caracterizado pela divisão sexual do
trabalho, na qual são atribuídos espaços e atividades sociais diferenciados para homens e
mulheres.
A divisão sexual do trabalho aponta a hierarquização dos espaços, com base na
diferenciação sexual, incutindo a lógica de que as características biológicas (naturais) são
responsáveis pela existência de atividades masculinas e femininas (culturais). Assim, por sua
condição biológica, o espaço da mulher é limitado à casa, família e maternidade; compete a
ela o espaço privado, da reprodução. Em situação contrária, há a posição masculina com a
ocupação do espaço público, das decisões. Vale salientar que a diferença do trabalho não tem
relação com a diferença biológica, mas com a divisão sexual do trabalho que coloca a mulher
num lugar de subordinação, de oposição (PISCITELLI, 2009).
Na área de pesquisa, o trabalho está organizado em dois eixos: terra e água. As
mulheres, apesar de desenvolverem atividades nas águas (pesca no rio), desempenham mais
atividades de terra (às margens de rios e no manguezal29, extraindo moluscos e crustáceos; o
extrativismo da mangaba e as tarefas domésticas). Os homens realizam atividades na terra
(colheita de coco e extração do caranguejo); porém, predomina o trabalho na água (no rio e no
mar). Nessa configuração, couberam às mulheres as atividades menos valorizadas pelo grupo,
consideradas de ajuda, complementares e leves, construções que podem ser observadas nas
falas do pescador e do representante do Setor de Pesca da Superintendência Federal da
Agricultura (SFA) quando indagados sobre a pesca feminina, isto é, as diferenças em relação
à masculina e a respeito da quantidade de mulheres que pescam no estado:
29
No caso, seria de transição por estar sob influência das marés.
196
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
É porque o homem tem mais pescaria que a mulher, né?! Porque tem tainha,
tem camboa, a do homem, né?! Porque quando a mulher não pode ir,
porque tá naqueles tempos, né?!” (M-31, 48 anos, Convento, 2016)
suas especificidades, quando do processo para o auxílio doença, pois existem relatos de
constrangimentos ao tentar acessar a Previdência Social.
Durante as entrevistas, foi percebido que muitas mulheres não computavam nas horas
trabalhadas as tarefas domésticas, posto que percebem como algo “natural” a sua condição
feminina, reflexo da divisão sexual do trabalho, que destina a esfera reprodutiva a mulher e ao
homem a esfera produtiva.
De acordo com Abreu, Hirata e Lombardi (2016), a produção doméstica e as
responsabilidades de cuidado aumentam a carga de tempo e limitam as mulheres para o
trabalho remunerado, conduzindo a um círculo vicioso de pobreza. Tal prerrogativa, explica
uma das razões de as mulheres desenvolverem uma pesca diferenciada da masculina, visto
que são encarregadas da organização do espaço doméstico e do cuidado para com a família.
Ao retomar aos depoimentos sobre o trabalho feminino, outro ponto que pode ser
identificado refere-se aos termos utilizados no universo pesqueiro que estabelecem a divisão/
hierarquização do trabalho nesse espaço: “O marido é quem pesca.[...] São filetadeiras lá de
siri, de sururu. Essas daí não são. São marisqueiras”.
De acordo com Jesus (2015), na configuração das atividades pesqueiras é
desencadeada uma divisão de gênero como norma que estabelece a categoria de pescador para
198
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
32A
32B 32C
Elas são mulheres, em sua maioria negra, com baixa escolaridade, que encaram uma
rotina diária exaustiva, dificuldades de acesso à colônia, à terra, à linha de crédito, aos direitos
previdenciários, à educação e à saúde. Ademais, enfrentam violências sob vários ângulos:
simbólico, que ocorre de forma “suave, insensível e invisível a suas próprias vítimas, que se
exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação, [...] do
desconhecimento, [...] do sentimento” (BOURDIEU, 1999, p. 8); o psicológico, que existe por
causa da violência simbólica, em alguns casos; a violência física que acontece com o
exercício da força sobre as vítimas, dentre outras.
Nas estatísticas oficiais acerca do setor, não há o recorte de gênero, o que reforça a
invisibilidade das pescadoras para o Estado e na elaboração de instrumentos legais, quando
medidas que ameaçam as conquistas dessa categoria são sancionadas, corroborando para a
perpetuação de uma longa história de desvalorização do seu trabalho; sem contar que são as
200
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
mais atingidas pelas transformações locais (por exemplo, o desmatamento), posto que as
mudanças ocorrem de forma direta nos espaços em que atuam com maior frequência. Todo
esse quadro expressa uma violência para com elas e reflete em sua qualidade de vida, pois os
rendimentos adquiridos não suprem as necessidades básicas de suas famílias.
Alencar, Palheta e Sousa (2015) mostram que ao longo dos anos as (os) pescadoras
(es) artesanais vêm sofrendo prejuízos causados por mudanças nas políticas públicas, dentre
as quais citam a invalidação dos registros de pescadores, que prejudica a contagem do tempo
de atividade, afetando o processo de aposentadoria. Acrescentam-se a isso as mudanças dos
órgãos que gerenciam o setor,30 o que causa uma sensação de descaso entre as (os) pescadoras
(es).
Na área de estudo, foi constatado que 28,6% (n=35) das inquiridas não possuem o
registro de pescadoras profissionais, embora vivam exclusivamente da pesca. Dessa maneira,
não conseguem acessar alguns benefícios como a aposentadoria, seguro por acidente, auxílio-
doença, seguro- defeso, entre outros.
O seguro-defeso tem sido uma das principais insatisfações entre as pescadoras e
pescadores da localidade, devido às interrupções no pagamento. Eles apontam que esta
situação decorre da desarticulação dos órgãos responsáveis pela organização da pesca
nacional, em que muitos tiveram os seus registros cancelados ou suspensos.
[...] O pescador é a pessoa mais sofrida que tem. Você vê agora tá esse
defeso, por causa de alguns irresponsave, os próprios pescador tá pagando
coisa que não deveria. [...] Daqui pra frente nós só vamos sofrer.
(Presidente da colônia Z-11, 57 anos, Preguiça de Cima, 2016)
30
O setor pesqueiro já ficou sob a tutela de vários órgãos desde o período em que os decretos passaram a ser
instrumentos legais para sua regulação, são eles: SUDEPE (Superintendência para o Desenvolvimento da Pesca),
IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), MAPA (Ministério da Pesca e
Aquicultura), MDIC (Ministérios da Agricultura, Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) e
atualmente está vinculada diretamente à Presidência.
201
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
Para ter direito ao seguro-defeso, o pescador profissional deve exercer essa atividade
de forma ininterrupta; ter registro ativo há pelo menos um ano no Registro Geral de Pesca
(RGP), na condição de pescador profissional artesanal; ser segurado especial; comercializar a
sua produção à pessoa física ou jurídica, comprovando contribuição previdenciária, nos
últimos 12 meses anteriores ao requerimento do benefício ou desde o último período de
defeso até o início do período atual; não estar em gozo de nenhum benefício de prestação
continuada da assistência social ou previdenciário; não ter vínculo de emprego ou outra
relação de trabalho ou fonte de renda diversa da decorrente da atividade pesqueira.
Nota-se nos relatos um descompasso entre aquilo que o Estado apregoa sobre as
políticas públicas e a realidade. O que existe na verdade é a falta de uma política de incentivo
à pesca artesanal que garanta a reprodução social das comunidades pesqueiras, o que tem
levado à miserabilidade o (a) pescador(a) artesanal. Outrossim, o estilo de desenvolvimento
praticado no Brasil não contempla as necessidades dessa população, por priorizar o ganho
capital a qualquer custo (RAMOS, 2001).
Ao contrário da pesca, o extrativismo da mangaba é associado às mulheres em razão
das representações de gênero que permeiam este segmento. Nestes termos, a extração da
mangaba é considerada inadequada para o homem devido à sazonalidade da safra, ao baixo
rendimento, à ideia de leveza e delicadeza presente no grupo (MOTA et al., 2008).
Outra explicação é que há uma prevalência de mulheres no desenvolvimento da
atividade. Para se ter uma noção do quantitativo, a liderança das catadoras de mangaba em
Pontal informou que mais de 93% dos cadastros na ASCAMAI referem-se às mulheres;
porém, as extrativistas reiteram que nos últimos anos aumentou a presença masculina na
atividade. Segundo elas, é por conta da valorização da mangaba no mercado quando passaram
a se organizar em associação, mas também como forma de proteção, pois enfrentam perigos
na restinga, seja por parte de algum indivíduo mal-intencionado, seja por conta dos conflitos
existentes entre elas e os proprietários de terras.
Quanto à divisão sexual no extrativismo da mangaba, nota-se a presença de crianças
que acompanham as mães quando não estão na escola; elas são importantes para uma maior
coleta, pois são responsáveis por catar os frutos que caem no chão e subir nas árvores, quando
solicitado pela mãe, para que os galhos não sejam quebrados. Os homens participam, mas de
maneira esporádica, conforme relato de catadora:
“Homem vai. Hoje tão indo mais. Hoje, os homens tão mais participativos
nessa prática da mangaba. Até, porque a mangaba tá tendo um valor bem,
202
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
né? Ela agregou bem valor depois desse nosso trabalho, dessa nossa
construção da associação e tal. Aí, os homens, né? Porque homens, sabe
que gosta mais de dinheiro do que mulher. [risos] Não! Não sei, talvez. Mas,
o homem era mais assim mais pra pesca. Mas, hoje em dia a gente vê. Eu
vejo mesmo, muitos homens já passando com as mulheres. E também, devido
a proteção, né? Porque como é em mato, né! Aí, geralmente, quando vai a
mulher só, o homem vai acompanhando. Entendeu? ” (MC-02, 30 anos,
Pontal, 2015)
Segundo Mota et al. (2008), a noção de oposição entre trabalho de homens e mulheres
é superada quando ocorre a sua complementaridade para viabilizar a reprodução social do
grupo familiar, o que de fato é verídico; porém, a divisão sexual do trabalho colabora para a
ocorrência de injustiças sociais manifestadas pelas jornadas longas de trabalho com baixos
rendimentos, que afetam o bem-estar feminino e, consequentemente, da sua família.
Por conseguinte, verifica-se que no desenvolvimento da mariscagem e do extrativismo
da mangaba, as mulheres exercem um papel importante na socialização do grupo (consoante
discussão anterior), interagem, compartilham suas inquietações, constroem normas de uso e
controle do território, sentem-se livres. Já no estuário, apesar de dominarem as técnicas e o
conhecimento local, não conseguem subverter o nexo que o constrói como o “mundo
masculino”, da “força”, da habilidade de lançar a rede, de passar vários dias longe de casa.
Segundo os depoimentos, as mulheres que adentram o rio, geralmente vão acompanhadas do
esposo e/ou dos filhos. Existem aquelas que até conseguem, utilizam a rede (Figura 33),
deslocam-se com o uso de canoa a remo e a motor, ou seja, ocupam os espaços e marcam que
o rio é um bem comum; mas essa não é uma característica marcante nas comunidades
analisadas.
A falta de recursos aliada às dificuldades de acessar os serviços de créditos consiste
em mais uma barreira para que essas mulheres não tenham uma participação mais efetiva na
pesca do rio. Durante o trabalho de campo, foi constatado que elas não possuíam os
instrumentos mais onerosos como o barco (custa aproximadamente R$3.000,00) e a rede, pois
geralmente utilizam os de parentes e vizinhos.
“Agora mesmo eu não tenho não! Uso a dos vizinhos. A canoa que tinha se
esbagaçou. Quando Deus dê a permissão nós compra outro.” (MC-47, 44
anos, Preguiça de Baixo, 2017)
marcadores sociais (gênero, raça, etnia, entre outros) que espelham os sistemas de opressões e
subjugação aos quais ela está submetida; quer dizer, “repensar os modelos de divisão sexual
do trabalho e a distribuição do poder, assim como as diversas formas de presença das
mulheres na pesca que, em vários contextos, não é discreta e nem de apoio” (ALENCAR;
PALHETA; SOUSA, 2015, p.22).
33A 33B
33C 33D
A) Homem e mulher na pesca B) Pescadora na direção da canoa C) Pescadora no mangue D) Pescadoras-
catadoras na restinga
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).
É salutar referendar que nesse processo existem as mulheres que resistem, elaborando
estratégias do cotidiano que possibilitem sua condição de existência, porque assim como a
mangaba, pesca também é lugar de mulher.
204
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
“[...] A gente sobe na gaiteira, bota o balde lá no chão e bota linha e pega
umas folhas [...] esbagaça nas mãos [...] sacode e faz lururururu [...]. Aí
quando o aratu tá bom já de pegar, eles vêm tudo, a gente avôa, eles pega
na isca [...]. Quando ele garra na isca a gente joga no balde.” (MC-33, 38
anos, Convento, 2016)
Pontal, 2016). Essa prática foi identificada entre os pescadores de Caravelas (BA) por Santos
et al. (2013), ao analisar os aspectos populacionais do aratu. Os pesquisadores esclarecem que
tal prática constitui-se predatória, pois não há seleção de indivíduos capturados. Nela,
inclusive os juvenis e em ecdise são pescados, o que geralmente não ocorre com a técnica
tradicional que utiliza vara e linha.
O beneficiamento dos recursos pesqueiros ocorre logo que a marisqueira chega a sua
residência e/ ou após a realização das tarefas domésticas. Essa etapa é efetuada
individualmente ou com a ajuda de vizinhos e da família, principalmente as filhas participam
desse momento. O primeiro passo consiste em lavá-los para depois cozinhá-los em fogo de
lenha, utilizando panela ou lata de tinta; após esta etapa, elas retiram o envoltório dos
moluscos ou quebram (descarnam) os crustáceos. No caso do siri, pode ser vendido inteiro ou
catado, com o aproveitamento do peito e da boca; já no aratu,31 no processo de
beneficiamento, são quebrados o peito e as patas. Todo o material tratado é colocado em
bolsas de 1 kg e armazenado na geladeira, como relatam as marisqueiras (Figuras 34 B, C, D
e E):
“Mata ele [aratu] espremendo. Depois bota pra torrar pra depois quebrar.
[Torra como?] Bota um pouco de água e bota ele no fogo numa panela.”
( M-40, 32 anos, Preguiça de Cima, 2016)
“Venho pra casa, lavo, acendo o fogo de lenha, né! Pra botar pra cozinhar,
pra depois tirar, pra depois é, colocar nas bolsinhas [sobre o
beneficiamento do massumim]. (M-22, 37 anos, Terra Caída, 2016).
31
Segundo as marisqueiras, para 1 kg de catado é necessário que sejam quebrados 100 aratus grandes.
207
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
34A 34B
A A
aaa aaa
aA aA
32
Em Indiaroba, elas pagam R$ 10,00 semanal ao final da feira.
208
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
“Eu mesma não tenho banca, me cadastrei, mas não tenho banca. [...]Aí, a
gente vai vender junto com aquela que tenha banca aqui em Indiaroba. [...]
Que ne Estância também não tenho banca e também não sou cadastrada,
mas quando a gente chega a gente tem que vender lá. Se os donos da banca
tiver, não tem como a gente vender ali.” (MC-52, 31 anos, Oficina de
indicadores, Preguiça, 2017)
33
No calendário católico corresponde ao período desde o Domingo de Ramos (entrada de Jesus em Jerusalém)
até o Domingo de Páscoa (da Ressurreição).
209
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
Tabela 12 – Preços mínimos e máximos dos principais recursos pesqueiros extraídos pelas
marisqueiras de Indiaroba (2015-2016)
configurações do litoral brasileiro com a multiplicação dos usos e da exploração dos recursos
naturais que divergem da maneira como se relacionam com a natureza. Em consequência
disso, elas têm os acessos a áreas de coleta alterados com interferências no desenvolvimento
do seu trabalho, que podem contribuir para a perda do CET, da biodiversidade e o fim da
atividade.
No mapeamento dos seus territórios de vida, as (os) extrativistas inquiridas (os)
classificaram os acessos às áreas de pesca da seguinte forma (Figura 36 e Quadro 9):
I) Manguezal
Porção em que predomina a atuação feminina com a captura, sobretudo de moluscos e
crustáceos através de técnicas manuais com a utilização de instrumentos simples, cujo acesso
ocorre em áreas livres, desmatadas, privadas de modo restrito e proibido.
II) Estuário
Porção com o predomínio da atuação masculina, com destaque para a captura de
peixes e utilização de redes de malhas variadas. Nele, o acesso ocorre de forma livre, em
transição e proibido.
III) Porto
Estrutura rudimentar localizada em pontos estratégicos dos rios para o embarque e
desembarque dos recursos pesqueiros capturados pelas marisqueiras e pescadores. Nesses
locais, as canoas ficam aportadas, assim como alguns instrumentos utilizados nas pescarias,
covos e esteiras, por exemplo. O acesso acontece de forma livre, em área privada, permitido e
proibido.
As áreas de acesso livre correspondem às terras públicas com regime de apropriação
comunal, ou seja, condizem aos terrenos presumidamente de marinha e marginais, estuários
em que os recursos naturais são explorados por toda a população orientada por regras
informais fundamentadas no CET. Nessas áreas, as marisqueiras e os pescadores utilizam da
percepção ecossistêmica local para se apropriarem dos recursos pesqueiros, como explicitado
ao longo da discussão em tela. Das áreas mapeadas no manguezal, as extrativistas ressaltaram
a importância do Mangue do Batata, por ser um dos mangues mais disputados tendo em vista
que mulheres de povoados vizinhos (Convento, Saguim e Pontal) e de outros municípios
(Umbaúba, Nossa Senhora do Socorro e Estância) exploram os seus recursos. O rio Piauí e rio
Real aparecem como as principais áreas pesqueiras de livre acesso, por serem fontes de
alimentos, renda e integrarem um modo de saber e fazer marcado pelas nuances da natureza.
211
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
Rio de Dentro
Riacho do Barbosa
Rio do Matari
Em transição - Rio Coqueiro 2,6
Proibido - Rio Pitander
5,1
Trechos do rio Real
L1 Porto do Papagaio
Livre L2 Porto da Preguiça
10,3
L3 Porto Terra Caída
L4 Porto do Viveiro
Porto
P1 Porto 1
Privado P2 Porto 2 7,7
P3 Porto do Gringo
Proibido P1 Porto de Dentro 2,6
Fonte: Trabalho de campo (2016-2017)
preservação e demarcação dos territórios pesqueiros, da seguridade dos seus direitos com a
melhoria da qualidade de vida, isto é, de acesso aos direitos sociais e a condições dignas de
trabalho.
contrária ocorreu na Paraíba, que num determinado período teve sua produção afetada devido
ao corte da mangabeira para a plantação de cana-de-açúcar, mas que reaparece nas
estatísticas, tornando-se em 2016 o maior produtor nacional do fruto com 246 t (IBGE, 2010-
2016). De acordo com Mota et al. (2011), o aumento da sua produção deve ser atribuído às
áreas de cultivo incentivadas pela EMEPA (Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da
Paraíba) e aos poucos fragmentos naturais preservados.
No tocante à participação municipal no total produzido em Sergipe, os municípios do
litoral sul foram responsáveis por 60,5% da produção no ano de 2016. Do montante
produzido, Indiaroba foi responsável por 18,4%, (35 t), o que evidencia a presença
considerável de indivíduos envolvidos na atividade (Tabela 13). No entanto, esses números
podem não representar a realidade, em virtude de não existir um acompanhamento por partes
dos órgãos responsáveis pelo extrativismo no estado. Desse modo, existe a possibilidade de a
produção ser maior do que a apresentada.
Tabela 13- Produção anual da mangaba nos municípios do Litoral Sul Sergipano
Estado/Município Produção em toneladas (t)
Sergipe 190
Itaporanga D’Ajuda 37
Estância 36
Indiaroba 35
Santa Luzia do Itanhy 7
“Aqui tem tempo que a vagabundagem corre tudo pra cá, porque tem muito
mato, né! Pra o povo se esconder. A gente já levou muita carreira daqui.
Foi!” (MC-50, 40 anos, Caminhada transversal, Pontal, 2016)
38A 38B
A A
aaa aaa
aA aA
38C 38D
A A
A) Lavagem B) Secagem C) Separação e D) Encapotamento dos frutos.
aaa aaa
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).
aA aA
Há uma diferenciação no valor dos frutos pelo tipo e pela época de colheita. O dos
frutos de queda é mais elevado (R$ 4,00), em razão do sabor ser mais apurado e serem de
melhor qualidade. Em relação à diferenciação do valor de acordo com época de colheita, na
entressafra os preços são mais elevados, por causa da baixa produção. As catadoras relataram
que a caixa com 30 kg no período da safra é vendida por um valor entre R$ 15, 00 e R$ 35,00
e o litro entre R$ 2,00 e R$3,00; na entressafra, os valores são reajustados e a caixa é
comercializada por um preço que varia entre R$ 30,00 e R$ 50,00 e o litro entre R$ 2,50 e
R$6,00 (Figura 39)
As catadoras de mangaba de Sergipe utilizam diferentes estratégias para ingressar nos
circuitos de comercialização, definidas a partir da forma de acesso às áreas de coleta e dos
locais de venda; por conseguinte, ocorreu a ampliação de parcerias de compra e venda de
frutos entre as catadoras de mangaba e os proprietários das áreas de coleta, fazendo com que
estes assumissem um papel importante nestes circuitos. Verificou-se ainda o aumento da
comercialização entre catadoras, principalmente, para as unidades de beneficiamento coletivas
219
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
“ [...] a gente cata pra associação. Mas, nem todo mundo. É tanto que conta
nos dedos o que cedem pra sede, porque [...] pra fora eles ganham mais, né?
Aí, nem todo mundo faz isso”[sobre a venda a associação]. (MC-01, 37
anos, Pontal, 2015)
39A
A
aaa
aA
39B 39C
A A
A) Catadoras na feira de Estância B) Frutos armazenados em lata de óleo utilizada como medida do litro
aaa aaa
para a venda a varejo C) Caixa vazada de 30kg usada para as maiores vendas.
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017). a A aA
Apesar do incremento nas vendas, devido aos usos do fruto nos últimos anos (em
forma de sorvete, polpa, picolé etc.), as catadoras enfrentam dificuldades, mormente,
relacionadas ao acesso às áreas de coleta e aos canais de comercialização, posto que
necessitam de melhorias no deslocamento do produto (transporte) e nos locais em que são
comercializados. De modo igual a pesca, a comercialização em mercados mais distantes ou
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SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
até mesmo próximos é dispendioso para a catadora por não existir uma estrutura de suporte ao
acondicionamento, transferência e comercialização dos frutos. Desse modo, para estas
mulheres é mais vantajoso o repasse aos atravessadores, mesmo não recebendo o valor
condizente ao seu trabalho.
A Prainha [...], mas só que lá não pode. Diz, né? Os donos que tá pegando
que diz que não pode ninguém tirar não. Mas, só que ali nem é dele, nem é
os donos. É propriedade mesmo das catadoras de mangaba ir pra lá catar.
Mas, eles não deixam. (MC-50, 40 anos, Caminhada transversal, Pontal,
2016)
Com base no exposto, foram mencionadas as áreas proibidas, onde o acesso às plantas
acontece nas primeiras horas da manhã, de forma oculta. Nelas, as catadoras estão sujeitas às
ameaças e constrangimentos por parte dos proprietários e caseiros, tendo que deixar os frutos
coletados quando surpreendidas.
[...] Não! Nós não temos área livre. Tem uma outra grande área [...] que
também era aberta. É uma área grande também. Aí, hoje é fechada. [Mas,
vocês vão ainda?] Vamos! Porque é fechada, mas tem lugar ainda pra
passar. E mesmo têm outros lugar que é fechado e mesmo assim têm
mulheres que cata. Aí, é onde entra a questão das ameaças, né? Cadeia, não
sei o quê. Pegar, tomar as mangabas. Já teve muitos casos aqui. (MC-02, 30
anos, Pontal, 2015)
[...] Meia, geralmente é nos sítios, né? Quando a gente vai tirar. Tem
alguém que tem um sítio grande. Aí, a gente vai, conversa. Aí, pronto vocês
tiram de meia. Que os donos de sítio, geralmente, não sabem tirar, não
sabem qual é a mangaba certa. Aí, [...]a gente faz um acordo e tira de meia.
Tira duas caixas, é uma nossa e uma do dono. Agora quando compra assim,
compra mesmo. Eles tiram e a gente compra as caixas, normal. (MC-02, 30
anos, Pontal, 2015)
41A 41B
A A
aaa aaa
aA aA
Eucalipto
41C
A
A) Propaganda de área loteada em Pontal; B) Cercamento das áreas de extração em Pontal; C) Venda de
aaalotes
e cultivo de eucalipto, em segundo plano, no Povoado Terra Caída. aA
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).
225
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
Para Mota et al. (2011), essas novas práticas promovem a desvinculação entre a
catadora e o recurso com a decorrente erosão dos saberes por não existir o contato frequente
com as plantas.
O extrativismo também é praticado em propriedades privadas próprias (sítios
próprios), quando as catadoras têm nos seus terrenos algumas árvores que são exploradas pela
família e/ou por vizinhos, nos moldes de reciprocidade e companheirismo; nessas áreas,
existem as plantas nativas e aquelas cultivadas a partir dos incentivos provenientes da
valorização do fruto no mercado nacional.
O acesso aos recursos é um dos pontos de reivindicação das catadoras e pauta de luta
para a implantação da RESEX Litoral Sul, como pode ser identificado nas falas das
inquiridas:
“[...] a nossa maior luta hoje é pela questão do território [...]. Então, é a
nossa maior luta, a nossa maior preocupação [...].” (MC-02, 30 anos,
Pontal, 2015)
Nos relatos das catadoras, fica evidente a importância da efetivação da RESEX Litoral
Sul para a definição do território tradicional extrativista e para a continuidade de suas práticas.
Elas lutam por um território no qual possam gerir e fundar o sentido do grupo, perpetuar sua
história; assim, a luta pela RESEX traduz a luta pelo reconhecimento de suas territorialidades,
a busca por novos padrões normativos que possam solucionar suas necessidades,
aproximando as leis e os direitos das práticas sociais cotidianas. Em outras palavras, buscam o
reconhecimento jurídico do seu modo de saber e fazer, da existência de outras manifestações
normativas informais, que conseguem dar conta das formas coletivas da terra e dos recursos
naturais (CRUZ, 2007).
O processo de autorreconhecimento e mobilização política coletiva das mulheres
catadoras de mangaba e produtos do manguezal tem início em 2003, quando uma equipe da
EMBRAPA realiza o mapeamento dos remanescentes de mangabeiras no Norte e Nordeste do
Brasil (MOTA, 2007, 2011; SANTOS, 2007). Nele foi constatada a existência de um novo
tipo de população tradicional, que passou a se organizar, criando em 2007 o Movimento das
Catadoras de Mangaba (MCM) em Sergipe.
O MCM/SE surgiu durante o I Encontro das Catadoras de Mangaba do Estado de
Sergipe (VIEIRA; RODRIGUES, 2009), realizado em Aracaju com a participação das
226
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
34
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
227
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
42A
A
aaa
aA
42B 42C
A A
A) Produtos comercializados pelas catadoras de mangaba de Sergipe; B) Unidade de beneficiamento em
aaa aaa
Pontal; C) Comercialização dos derivados da mangaba na residência da catadora.
aA http://www.catadorasdemangaba.com.br (2015) aA
Fonte: MC-02 (2015); trabalho de campo (2015-2017);
“ Ser catadora é tudo. Ser mãe, ser mulher, ser independente. [...]. Hoje
depois dessas conquistas todas que a gente vem tendo, né? É que faz a gente
se sentir gratificada. [...] A questão das lutas, da gente ter tomado coragem
de enfrentar. Af! Foi difícil no início, porque uma coisa é você, é uma
prática que eu aprendi com os meus avós, com os meus pais e que eu tô
fazendo. Outra coisa é você dizer: eu sou catadora de mangaba e vou lutar
pra que essa prática mais tarde continue sendo de geração pra meu filho,
mas que seja uma prática mais confortável, não tenha tantos
questionamentos, tantas lutas, como tá acontecendo hoje, né? Que eles
consigam uma fase, uma etapa melhor com a garantia de território, né?
Garantia de mangabeiras, né? Assim, livres e de bons estados [...].” (L-03,
30 anos, Pontal, 2015).
5.3 Terra e água: arena dos conflitos na apropriação biogeográfica dos recursos
Terra e água abrigam os elementos que fundam um modo de viver das comunidades
extrativistas de Indiaroba, grupo que tem nas relações estabelecidas nos espaços de uso
comum a continuidade da sua reprodução social e simbólica; por isso, a importância da
utilização desses recursos de forma a respeitar os ciclos naturais, conforme explicitação
anterior.
Destarte, as populações tradicionais vivem um processo de desproteção ambiental e
insegurança que ameaça o seu modo de existência, estando submersas a um modelo
econômico que tenta inviabilizá-las por negar outras formas de ocupação do espaço e de uso
dos recursos naturais que não sejam as que ele promova (LEROY, 2011). Nessa lógica, os
povos tradicionais passaram a ser afetados pelos impactos oriundos de outros modos de
apropriação- a estatal e a privada, que têm na expropriação dessas comunidades o fundamento
para o seu crescimento.
Todo esse panorama dá forma à injustiça ambiental, caracterizada pela desigual
distribuição dos impactos sobre as populações, isto é, pelo arrasamento do seu modo de vida,
com a destruição dos ecossistemas, pela privação de “acesso aos recursos de que dependem
para viver, graças à instalação de grandes projetos de exploração mineral, de geração de
energia, de plantio de monocultivos etc.” (ARANTES; GUEDES, 2010, p. 14).
Ao desconsiderar os diferentes olhares e sentidos dados à natureza pelas comunidades
locais, os governos invisibilizam formas alternativas sustentáveis de gestão (ARANTES;
GUEDES, 2010) e colaboram para o acirramento dos conflitos.
Os conflitos originados em torno da natureza, ou seja, da apropriação dos recursos
naturais, são denominados de conflitos socioambientais, formados nas tensões pelo acesso aos
bens de uso comum e que retratam em seu fundamento os problemas gerados pela finitude, ou
melhor, escassez desses bens; eles expressam a luta entre interesses opostos que disputam o
controle dos recursos naturais e o uso do espaço comum e refletem a oposição entre a lógica
de mercado e a lógica das comunidades tradicionais.
Little (2001) explicita que os conflitos de cunho socioambiental caracterizam-se como
aqueles resultantes dos embates entre os grupos sociais que possuem diferentes modos de vida
e são suscitados quando pelo menos um dos atores sociais participantes do conflito tem sua
231
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
base de sustento e/ou reprodução ameaçada. O autor menciona, também, que o conceito
socioambiental abarca três dimensões: o mundo biofísico, caracterizado pelos ciclos naturais;
o mundo humano, formado pelas relações e estruturas sociais; e a interação entre os dois
mundos que baliza a complexidade da relação sociedade-natureza. Destarte, os conflitos
socioambientais são conflitos sociais que envolvem a natureza e a sociedade; a cisão entre
interesses privados e os interesses coletivos relacionados aos problemas ambientais
(SCOTTO, 1997).
Ainda segundo Little (2001), os conflitos socioambientais podem ser classificados em:
i) conflitos pelo controle dos recursos naturais; ii) conflitos em torno dos impactos ambientais
e sociais gerados pela ação humana e natural; iii) conflitos pelo uso dos conhecimentos
ambientais.
No caso das comunidades extrativistas de Indiaroba, os conflitos são ocasionados
pelas modificações provocadas pelo modo de produção atual, em que o uso e a apropriação
dos espaços comuns passam a ser realizados por agentes econômicos privados (RAMALHO,
2006; RODRIGUES, 2009), englobando a classificação i) e ii) de Little (2001), situação que
tem provocado a restrição dos acessos, a diminuição da oferta de pescado, a dilapidação do
patrimônio natural, entre outros.
Os conflitos estão exclusivamente ligados ao modelo de sociedade existente,
caracterizando-se como diversos, correspondendo aos embates relevantes para a renovação e
unidade da sociedade e fazendo parte da trama social. Como esclarece Mota et al. (2011), eles
desencadeiam um dualismo e leva a um modo de coesão, pois a disputa unifica os adversários
em torno de um objeto comum, mesmo que ocorra a destruição de um dos envolvidos.
Tais conflitos envolvem sujeitos que lutam por seus projetos de vida, os quais
integram grupos que, em regra, são politicamente marginalizados. A visibilidade das
demandas desses grupos, dos conflitos vivenciados por eles, ocorre a partir da capacidade
política dos atores envolvidos em torná-los públicos (VIANNA, 2008). Os conflitos
representam um campo de estudo e de ação política (LITTLE, 2001), já que desvela a crise de
um modelo de sociedade e a luta de grupos tradicionais pelo reconhecimento dos seus
projetos específicos de propriedades.
O estudo desses conflitos torna-se possível a partir da análise dos atores sociais, os
quais constituem peças-chave para sua efetivação e quando se busca a compreensão dos
interesses específicos dos atores participantes. Logo, para que o entendimento do conflito seja
válido e confiável, é preciso entender em quais posições os atores situam-se e quais os
objetivos de cada um (PLATIAU et al., 2005).
232
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
Com base nos pressupostos, as (os) extrativistas foram indagadas (os) a respeito do
desencadeamento de conflitos no seu cotidiano e se percebiam as interferências desses
processos no desenvolvimento da sua atividade, uma vez que as transformações ocorridas
nesse ambiente impactam diretamente a dinâmica local dessas comunidades; por isso, a
relevância do debate acerca das questões que acirram os conflitos no cotidiano das pescadoras
para se pensar medidas que venham minimizar tais tensões.
Assim, para a obtenção de dados e informações acerca dos conflitos nas áreas
investigadas, foi fundamental a participação dos envolvidos na atividade extrativista
(marisqueiras-catadoras, pescadores, lideranças comunitárias e gestores), que contribuíram
para a sistematização do quadro dos conflitos socioambientais (Quadro 11) e para a
elaboração do mapeamento social da mangaba e da pesca em Indiaroba (item 5.2)
O quadro 11 apresenta os atores envolvidos nas disputas em torno do controle dos
recursos naturais e os problemas gerados pelas interferências antrópicas no espaço da pesca
artesanal. O referido quadro mostra como as diferenças de perfis entre atores sociais nas
localidades contribuem para o acirramento das disputas no espaço pesqueiro e da mangaba.
Eles são resultantes de jogos de interesses diversos em áreas de potencial ecológico e
econômico relevantes, como é o caso do estuário e do manguezal.
Na arena em que os conflitos são desencadeados, o Estado exerce um papel de
destaque, pois tem sido um dos principais agentes transformadores da zona costeira, com a
inserção de projetos macrovetoriais de desenvolvimento regional de turismo, infraestrutura,
ocasionando impactos sobre as comunidades (PROST; SILVA, 2016).
A expansão urbana tem ocasionado a ocupação de trechos de rios, contribuindo para o
desmatamento do manguezal, das mangabeiras, poluição dos recursos hídricos e segregação
dos pescadores.
Aliado a questão supracitada, ocorre a restrição aos antigos caminhos que dão acesso
às áreas de pesca, gerando a indignação dos pescadores e das pescadoras, principalmente
porque com o aumento do fluxo turístico, com a concentração fundiária e com a construção de
empreendimentos imobiliários, foram proibidos de atracarem em alguns portos (antigos locais
de embarque e desembarque do pescado).
233
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
Quadro 11 - Configuração dos conflitos socioambientais em comunidades pesqueiras sergipanas: arena, atores em conflito,
dinâmica do conflito e problema central
X pescadores e, por isso, eles não são informados dos seus Distanciamento entre os atores e desigualdades de gênero.
Colônias direitos. As mulheres não se sentem representadas.
Pescadores
Competição pelos espaços de pesca.
X Redução do potencial pesqueiro.
Pescadores
Fiscalização do cumprimento das normas referentes aos
Pescadores X IBAMA modos de pesca. Distanciamento entre os atores.
A partir do momento que ele comprou a fazenda, ele amurou todinha com
poste de cimento e soltou os gados dentro. ” (L-01, 33 anos, mapeamento
participativo, Terra Caída, 2017)
“Esta fazenda por onde a gente passava, tem mais de 30 anos que eu moro
em Terra Caída [...]. A gente passava ninguém nunca proibiu. [...] Só que
agora, que eles vinheiro proibir que a gente não passa.” (M-29, 57 anos,
mapeamento participativo, Terra Caída, 2017)
No tocante aos conflitos desencadeados nas áreas de mangabeiras, Mota et al. (2011)
demonstra que em Sergipe estes podem ser classificados em quatro tipos: i) entre as catadoras
nas áreas de acesso comum, ii) entre as catadoras de diferentes lugares, iii) entre as catadoras
e atores externos (proprietários de terras, empresários de turismo e viveiros) e iv) entre
catadoras e representantes de órgãos governamentais. Porém, nas comunidades em evidência,
a maioria das entrevistadas informou que o conflito mais evidente ocorre na relação entre
proprietários de terras e catadoras, pelo fato de eles não permitirem o acesso à planta, pelo
desmatamento crescente em virtude dos loteamentos, carcinicultura e cultivo de coco e
eucalipto.
Por não existir um instrumento legal que coíba os cortes das mangabeiras, as catadoras
vivenciam uma situação de instabilidade quanto à continuidade da sua prática, desenvolvida
há séculos. O desmatamento dos remanescentes de mangabeiras consiste num dos principais
problemas enfrentados por essas mulheres, pois ameaçam a sua reprodução como grupo que
possui uma relação intrínseca com a natureza.
De acordo com Rodrigues et al. (2017), ocorreu uma redução de 10.456 ha (29,6%)
das áreas de ocorrência natural das mangabeiras mapeadas no estado, entre os anos de 2010 e
2016, sendo que Indiaroba está entre os municípios que sofreram vastas reduções, com
32,18% a menos da sua área natural.
A baixa organização política impede que o confronto seja aberto, sendo tudo feito
rapidamente sem muita informação para os nativos. Ora, o amparo das instituições ambientais
do estado provoca uma reação de apatia pelo caráter da legalidade, como ressalta Mota et al.
(2011), ponto observado em relação à construção do condomínio club, explicitado ao longo da
discussão, em que a população só tomou ciência no processo de execução.
As catadoras recordam que num determinado período todos tinham a liberdade de
catar, que os acordos eram realizados através dos laços de amizades e que não existiam as
“cercas”. Porém, com a valorização da mangaba, em consequência da demanda de mercado,
os proprietários passaram a se interessar e adentrar o circuito de comercialização, mudando as
relações existentes e proibindo a entrada das mulheres nas áreas de ocorrência do fruto, como
235
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
representado no mapeamento social da mangaba; aliás, a venda das terras para pessoas
distantes desse contexto contribui para a situação em questão.
“Antigamente tinha mangaba pra todo mundo, mas hoje não tem mangaba
mais po povo, porque os donos a maior parte venderam e aqueles que
compraram não quer que ninguém cate, então os pessoa vai comprar [...].”
(C-32, 61 anos, Convento, 2016).
[...] Um dia mesmo a gente quando tava fazendo a entrega na quadra das
mangabas. Aí, um disse bem assim que isso não era projeto nosso, isso era
projeto deles, porque eles que eram dono de mangabeira. Então, a gente
tinha que catar pra eles, ser empregadas deles. [...] a gente não tá querendo
invadir, a gente tá querendo dividir, né? Dividir assim: a gente pega a
mangaba, um caixote meu, um caixote seu. É diferente deu chegar lá e você
me chamar de ladrão e eu não vou gostar, né? [...] não é questão que é de
vocês não, que é nosso.” (MC-10, 35 anos, Pontal, 2015).
[...] A maioria dos culpados são os próprios donos dos pés de mangabeiras,
porque se eles conservassem e fizessem tipo dividir de meia com as
catadoras tanto eles ganhava como a gente e não precisava eles cortarem os
pés de mangabeira, são muitos cortes. Vendem os terrenos, cortam pra fazer
casa, pra fazer é [...] plantações. Outras plantações como tá vindo o
eucalipto, né! E outras coisa. E muito só pra cortar mesmo os pés de
mangabeira. Mas, como elas são ousadas, né? Elas são nativas. Aí elas
brotam de novo, nascem de novo e daí eles sempre vão cortando. Mas, elas
nunca desistem, né!?Luta como a gente.” (MC-01, 37 anos, Pontal, 2015)
“Eu sempre costumo citar esse exemplo, de um rapaz, hoje ele não mora
mais aqui não. [...]. Ele morava aqui e tinha uma grande área de terra aqui.
Desde pequena a gente pegava [...]. Depois, ele cismou, que ninguém
pegava mais. [...] Aí, foi cortou as mangabeiras tudinho. Uma das áreas que
mais cortou mangabeira. Aí, cortou. [...]. Como a mangaba é persistente. Eu
costumo comparar a mangabeira com as catadoras [risos], as mulheres
guerreiras, que lutaram até hoje, que conquistaram muitas coisas. Aí, ela
veio contudo de novo, brotou com pouco tempo, porque quando você planta
236
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
mangaba, ela passa mínimo 5 anos para começar a botar. Quando você
planta, que hoje já se planta, né? Antigamente, que não tinha esse
negócio.[...] Mas, quando você corta, no outro ano ela já tá botando uns
galhos que prefiaram, né? Aí, ele foi e tocou fogo ne tudo depois que tava
botando de novo, que o povo tava pegando de novo. [...] Se você vê a área
grande. [...] Apois! Elas vieram de novo, mais com vontade do que antes
[risos]. Pois, ele não se conformou não, aí cavou. Mandou cavar, pra
arrancar a raiz de tudo. Mas, hoje já tão broteando de novo. Um pedacinho
de raíz que fica, ela prefia. [...] Então, foi um dos lugar, assim, sabe? Que
pra gente que conhece tudo, que trabalha, o valor que é uma mangaba, né?
O poder que um pé de mangaba tem, né, é muito triste. E a gente perdeu
essa grande área por esse tempo todo.” (L-03, 30 anos, Pontal, 2015).
Afirmaram também que existem conflitos entre as catadoras em áreas livres e as que
possuem sítios. Em relação ao primeiro caso, elas informaram que não ocorre com frequência
e quando acontece é devido à falta de cuidado na retirada dos frutos, quando algumas retiram
uma quantidade de fruto maior que as demais, não respeitando o ciclo de biológico dos frutos
e extraindo os frutos verdes. Num determinado período, com a restrição das áreas e a escassez
do fruto, este tipo de prática era constante. Todavia, ressaltam que com as ações de
sensibilização, através da associação, algumas mudanças relacionadas aos cuidados puderam
ser notadas. Elas reconhecem que entre os associados existe tal compreensão, mas que o
trabalho deve ser ampliado para que toda a comunidade esteja envolvida nesta causa, pois a
preservação da mangabeira representa a manutenção da subsistência, da vida.
Em relação ao segundo caso, ocorre quando uma catadora que não possui terra realiza
a cata em sítios de outras catadoras sem permissão, o que causa desavenças entre ambas. Para
as catadoras proprietárias, é preciso existir o diálogo para que o respeito não seja violado; elas
reclamam do pouco cuidado que as demais têm ao retirar o fruto e por extrair o “leite da
mangaba”, o que prejudica o desenvolvimento da safra, segundo depoimentos.
“Rapaz, eu acho que tá faltando mais união, porque assim, se tem união tem
tudo, se não tem união não tem nada, porque eu tiro ali [...] eu tenho que
chegar lá [...] me venda. Ela vai me dar se ela quiser. Eu tenho que ter
respeito a ela. [...] Não é chegar lá e invadir não. Vai chamar o pessoal pra
passar de meia ou pagar o dia.” [sobre a extração do leite de mangaba] [...]
“o pior crime é tirar o leite da mangaba. Tem gente de pegar 5 litros de leite
de mangaba. [...] O que sustenta a mangaba é o leite.” (MC- 47, 44 anos,
Oficina de indicadores de resiliência, Preguiça, 2017)
Nas falas das catadoras, é possível perceber que os conflitos são acirrados na
localidade devido às restrições de acesso cada vez mais recorrentes, à escassez e à retirada
inapropriada dos frutos. Elas enaltecem a sua luta a partir da resistência da planta, como se
ambas fossem um só ser (“Mas, elas nunca desistem, né!? Luta como a gente.”), explicitando
237
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
uma relação de unidade/dependência, destacada por Diegues e Arruda (2000). Elas não
compreendem a mangabeira como pertencente a um único proprietário, já que é nativa e por
isso pertencente a todos (“não é questão que é de vocês não, que é nosso”); não entendem o
fundamento do capital com a privatização dos bens, pois a coletividade permeia a sua
existência e molda a organização social da qual faz parte.
Na luta para barrar o desmonte da atividade extrativista, os pescadores e as
pescadoras-catadoras de mangaba obtiveram mais uma conquista com o mapeamento dos
terrenos de marinha que englobam a APA Litoral Sul. Desse modo, no período de novembro
de 2017 a janeiro de 2018, os pescadores e as pescadoras-catadoras de mangaba dos
municípios pertencentes a essa unidade de conservação foram convocados pelo Ministério do
Meio Ambiente (MMA), com apoio da Secretária do Patrimônio da União (SPU) e da
Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Sergipe (SEMARH/SE), para
mapearem os seus territórios de vida e assim definirem a concessão de direito real de uso das
áreas pertencentes à União. O primeiro passo consistiu na assinatura do Termo de
Autorização de Uso Sustentável (TAUS) sobre área rural da União, instituído pela portaria
publicada no Diário Oficial de 03 de janeiro deste ano (Figura 43 e Anexo A).
De acordo com a Portaria nº 89/2010 da SPU, o TAUS consiste num documento de
caráter transitório e precário, com o intuito de disciplinar a utilização e o aproveitamento dos
imóveis da União em favor das comunidades tradicionais através do uso racional dos recursos
naturais disponíveis na orla marítima e fluvial voltados para subsistência dessas populações.
No caso aqui exposto, o TAUS foi outorgado para as Associações de Catadoras de Mangaba e
Colônias de Pescadores Artesanais Z3 e Z4, representantes das pescadoras-catadoras e
pescadores dos municípios de Indiaroba, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Itaporanga
D’Ajuda.
O TAUS inicia o processo de regularização fundiária, podendo ser convertido
futuramente em Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). As (os) extrativistas consideram
esta ação como positiva; porém, continuam preocupadas com as áreas que abrangem as
mangabeiras por não serem contempladas com este documento, visto que compreendem
apenas as áreas ribeirinhas:
238
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS
43A 43B
A A
aaa aaa
aA aA
43C
A
A) Reunião na SPU para definição da data de entrega do TAUS, em 2017; B) e C) Momento de entrega do
aaa
TAUS as entidades representativas das (os) extrativista, em 2018.
Fonte: Trabalho de campo (2017); ASCAMAI (2018). aA
No que diz respeito à atuação das colônias, foi relatado por alguns que o maior
problema refere-se à dependência do pescador, que tem seus direitos negligenciados ao deixar
a cargo dessa entidade toda a resolução. Como foi discutido na seção de indicadores, a
mulheres não se sentem representadas, já que, segundo elas, não são ouvidas e quando
questionam são perseguidas, tratadas com arrogância. Desse modo, veem sua liberdade
corrompida nesde jogo de interesses.
para o seu acirramento. Desse modo, a gestão participativa aparece como uma ferramenta que
contribui para a autonomia dessas populações, por estimular a atuação nos processos
decisórios.
241
CONCLUSÕES
© Eline Santos
© Eline Santos
©
A Catadora e a mangabeira
CONCLUSÕES
Terra e água compuseram o cenário principal na análise das tramas que tecem o
cotidiano de mulheres e homens que têm na natureza a fonte da sua (re)existência. Para esses
povos, a natureza é a totalidade da qual eles fazem parte, pois dela é extraído o alimento que
sustenta a sua matéria, a resistência que nutre a sua luta e a liberdade que norteia a sua
capacidade criativa de reinventar-se em meio aos desmontes do seu modo de vida.
O modo de vida dos povos tradicionais está estabelecido numa relação simbiótica com
a natureza, caracterizada pelo rico conhecimento sobre o ambiente e os recursos explorados,
assim como pelas estratégias e apetrechos utilizados no manejo dos recursos. Desse modo, as
(os) pescadoras (es) -catadoras de mangaba constituem-se um grupo tradicional que
desempenha o extrativismo em áreas costeiras de Sergipe.
A introdução de novos usos alheios ao modo de vida dessas comunidades provoca a
espoliação dos ecossistemas manejados por esse grupo, com efeitos negativos sobre a sua
reprodução social, física e cultural, tendo em vista que são inteiramente dependentes da
biodiversidade local. Nesta conjuntura, as mulheres extrativistas são as mais prejudicadas em
decorrência da realização das suas atividades na restinga e no manguezal, que são territórios
vislumbrados pelos empreendedores com o apoio do Estado, através da implantação de
projetos de desenvolvimento regional. Neste caso, o Estado apresenta um papel ambíguo, uma
vez que ao mesmo tempo em que implementa projetos que alteram os ecossistemas costeiros,
elabora instrumentos que regulam a forma de proteção e usos dos mesmos, a exemplo do
sancionamento da APA Litoral Sul.
Entende-se que a APA Litoral Sul consiste num dispositivo legal para a manutenção
da estrutura ambiental da paisagem costeira com a proteção da diversidade biológica
existente; no entanto, a ineficiência de gestão com a introdução de atividades que aceleram as
mudanças, aliada ao desconhecimento da população residente acerca da sua inserção na
unidade de conservação, tem contribuído para a redução da capacidade de suporte dessa
paisagem.
Diante do cenário apresentado, as pesquisas voltadas à temática das mulheres
extrativistas, na perspectiva de gênero, são relevantes em razão de escassos debates no âmbito
acadêmico e nas esferas públicas quando da elaboração de políticas voltadas para suas
singularidades. É preciso desconstruir o discurso hegemônico e evidenciar grupos
“esquecidos” nas discussões acadêmicas e políticas, já que a construção de uma nova ciência
243
SANTOS,E.A.,2018 CONCLUSÕES
não pode estar alheia à realidade, que é dinâmica. É fundamental, pois, acompanhar as
transformações para que a justiça social e a cidadania sejam efetivadas entre os povos.
Com base no exposto, o estudo apresentou como proposta a análise das ações das
pescadoras-marisqueiras-catadoras de mangaba na apropriação dos recursos ambientais em
Indiaroba. O estudo foi delineado numa perspectiva relacional em que o gênero existe a partir
do outro, ou seja, a condição das mulheres no extrativismo foi apreendida na sua relação com
os homens e com outras mulheres. A base teórica que sustentou a discussão esteve
fundamentada na abordagem sistêmica e na complexidade, importantes para o entendimento
da pluralidade dos sujeitos e das mudanças que alteram os sistemas socioecológicos (SSE)
pesca-mangaba.
As abordagens supracitadas possibilitam a aplicação de novas ferramentas para a
compreensão da incerteza, da imprevisibilidade dos sistemas e dos diversos grupos que
alteram a dinâmica dos SSE. Desse modo, na investigação em tela foram aplicadas
ferramentas participativas em que as territorialidades dos sujeitos consistiram num caminho
para apreensão das mudanças locais. A metodologia de indicadores empregada na avaliação
da resiliência socioecológica em SEPLS permitiu apontar os fatores limitantes desta no
sistema pesqueiro e da mangaba, consequentemente na sua sustentabilidade.
Os resultados demonstraram que o quadro geral da resiliência é crítico, posto que
todas as áreas foram classificadas com nível baixo (2,0), sendo que o indicador proteção dos
ecossistemas apresentou o pior desempenho, refletindo a ineficiência dos mecanismos oficiais
de gestão, que na sua efetivação não integram as comunidades locais, não levam em
consideração os seus conhecimentos e não garantem o seu acesso aos recursos naturais.
Apesar da diversidade da paisagem ser apontada como potencialidade nas
comunidades extrativistas investigadas, as limitações apresentadas acima, associadas à
exploração intensiva dos ecossistemas costeiros, podem diminuir o seu potencial de
recuperação e regeneração e afetar o desenvolvimento do extrativismo, o qual aparece como
fonte primária de renda para essas populações.
Destarte, torna-se urgente a adoção de medidas para a reversão do cenário
apresentado, que podem ser instauradas mediante a criação de instrumentos que valorizem a
cultura local, os modos alternativos sustentáveis de organização e produção do espaço, bem
como o fortalecimento das organizações comunitárias coletivas, com a criação de comitês e
conselhos para a gestão participativa dos recursos naturais.
A infraestrutura socioeconômica necessita de ampliação com a oferta de serviços que
melhorem a qualidade de vida da população, considerando que a saúde é um importante
244
SANTOS,E.A.,2018 CONCLUSÕES
Sobre os conflitos, é evidente a luta pelo território, ou seja, pelo acesso aos elementos
que instituem o modo de ser e pertencer do grupo que forjam a sua identidade. No caso em
questão, a luta é pela existência. As principais causas dos conflitos são as restrições do acesso
às áreas de pesca e de extração de mangaba com a implantação de cercas e a diminuição das
áreas de uso comum, em decorrência do desmatamento gerado pela plantação de eucalipto e
coco, instalação de viveiros de camarão, construção de condomínios e expansão das segundas
residências. No extrativismo da mangaba, os cercamentos aumentaram devido à mobilização
das mulheres na defesa da manutenção das atividades e em virtude da valorização da mangaba
no mercado nacional. Os proprietários de terras, receosos com as discussões da RESEX
Litoral Sul, passaram a adotar atitudes opressoras com ameaças e constrangimentos a essas
mulheres.
A RESEX Litoral Sul aparece nesse cenário como possibilidade de uso sustentável do
território e como reconhecimento dos direitos de propriedade comum das populações
tradicionais. No entanto, na atualidade é um plano que não se desenvolve, pois abrange
interesses políticos divergentes aos desses povos.
As territorialidades desvelam que a apropriação dos recursos ambientais em Indiaroba
ocorre em tempos e modos distintos, marcadas por relações de gênero em que o espaço é
hierarquicamente definido como masculino e feminino. Nessa demarcação, o trabalho
feminino é desvalorizado e suas espacialidades negadas, assim como suas demandas por
acesso à colônia, linha de crédito, aos direitos previdenciários, à saúde, à educação e à
moradia.
Na tentativa de romper com as demarcações de gênero que dificultam seu
protagonismo, as mulheres extrativistas têm se organizado em associações, movimentos e
cooperativa, com a formação de espaços coletivos de debate que venham a impulsionar as
cadeias produtivas, promover a sua autonomia, fortalecer a sua luta e o seu papel como
guardiãs da biodiversidade.
Nas articulações empreendidas, as mulheres conquistaram a visibilidade e o
reconhecimento de populações tradicionais nas esferas estadual e federal, ratificado por
dispositivos legais; a integração de redes nacionais voltadas para a defesa do território
tradicional; além de orientações na produção coletiva de processamento de alimentos e acesso
ao PAA, importante para a elevação do preço mínimo do fruto e para a autoestima feminina.
No entanto, enfrentam desafios em termos de proibição do corte das mangabeiras, do
envolvimento de um maior número de participantes nas suas organizações (inclusive dos
246
SANTOS,E.A.,2018 CONCLUSÕES
© Eline Santos
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© Eline Santos
©
Porto- Indiaroba/SE
© Eline Santos
Dizer “eu” não é fácil para as mulheres a quem toda uma educação
inculcou a conveniência do esquecimento de si mesma (PERROT, 2005,
p.42)
© Eline Santos
265
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES
A- DADOS PESSOAIS
1) Nome: 2) Apelido:
3) Idade: 4) Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
5) Naturalidade: 6) Estado civil:
7) Chefe de família: ( ) Sim ( ) Não 8) Número de filhos:
9) Escolaridade: ( ) analfabeto ( ) fundamental_______ ( ) médio______ ( )
outro____________
10) Local de moradia/Município:
B- PERFIL DA COMUNIDADE
11) A sua moradia é:
( ) própria ( ) alugada ( ) cedida ( ) outro______________
12) O (A) Sr/ Sr. ª mora numa casa de:
( ) alvenaria ( ) taipa ( ) material de coqueiro ( ) outros: ____________________
13) Quantidade de pessoas residindo? ________________
14) A água que chega a sua residência é:
( ) encanada ( ) cisternas ( ) rio ( ) outros: _____________________________
15) Existe coleta de lixo regularmente na comunidade?
( ) Sim. Quantas vezes por semana? ______________________
( ) Não. O que faz com os resíduos? _____________________________________________
16) Na comunidade em qual local os resíduos domésticos são lançados?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
17) Quais são os principais problemas enfrentados pela comunidade na atualidade?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
18) Quais atividades o/a Sr(ª) desenvolve?
( ) extrativista da mangaba ( ) pesca ( ) caseiro ( ) artesanato ( ) comércio
( ) Outra _____________________
Obs.: Caso desenvolva mais de uma atividade, informar como está dividido o trabalho ao
longo da semana/mês.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
19) Qual é o seu ganho mensal? _______________________
20) O/ A Sr(ª) tem acesso a políticas sociais? Quais?
( ) Bolsa Família ( ) Aposentadoria ( ) Defeso ( ) Pronaf Agroamigo ( )
Outra____________
Coleta
21) Como ocorre a catação da mangaba? Quais instrumentos utilizados? Qual é o período de
catação?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
22) Quais são as localidades em que são realizadas a catação da mangaba? Tempo/Distância?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
23) Como a Sr(ª) chega até o local de coleta?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
24) Como é a forma de acesso as mangabeiras?
( ) Acesso livre ( ) Acesso restrito em áreas privadas ( ) Sítios próprios
( ) Arrendamento ( ) Outro________________________
25) Quantas plantas são exploradas por dia no período da safra?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
26) Quem cata a mangaba?
( ) Mulheres
( ) Criança
( )Mulheres e crianças
( ) Homens
( ) Homens, mulheres e crianças
27) A catação da mangaba é feita individualmente ou em grupo? Por quê?
___________________________________________________________________________
28) Quais são os cuidados que devem ter ao catar as mangabas?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
29) Quem lhe ensinou a catar mangaba? Há quanto tempo o/a Sr (ª) cata mangaba?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
30) Existe conflito (disputa/briga) entre as catadoras? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
31) Existe conflito (disputa/briga) entre as catadoras e os proprietários de terras? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Beneficiamento (pós-colheita)
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
35) Como armazena o fruto?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
36) Quem participa dessa etapa?
___________________________________________________________________________
37) O produto coletado fica inteiramente em suas mãos ou a Srª divide com alguém? Como é
que ocorre?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Comercialização
38) Sobre o consumo e venda:
a) Parte consumida?______________________________________________________
b) Parte vendida?________________________________________________________
c)Para quem é vendida? Localidades?
( ) Mercado_______ ( ) Atravessador________ ( ) Comunidade ________ ( )
Cooperativa______ ( ) Proprietário de fábrica de polpa________ ( ) Outros________
Obs: para saber se o produto é vendido para outros municípios e estados brasileiros.
d) Preço do quilo:_____________________________
e) Quantas vezes na semana a/o Sr(ª) vende mangaba?___________________________
f) Como é a forma de pagamento?____________________________________________
g) O que o/a Sr(ªa) faz com a renda proveniente da mangaba?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Coleta
39) Como a maré/lua influencia na pesca?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
40) Quais são os principais animais pescados?
Peixes:_________________________________________________________________
__________________
Período de coleta/época do ano de cada espécie? ____________________________
Apetrechos e técnicas utilizadas? ___________________________________
___________________________________________________________________________
Quantidade semanal pescada?
___________________________________________________________________
Crustáceos:_____________________________________________________________
Período de coleta/época do ano de cada espécie?
________________________________________________________
Apetrechos e técnicas utilizadas?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
268
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES
44) Quem lhe ensinou a pescar? Como foi? Há quanto tempo o/a Sr (ª) pesca?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
45) Existe conflitos (disputa/brigas) na utilização dos pontos de pescas? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
46) Existe(m) diferença (s) na pesca realizada pela mulher e pelo homem? Qual (is)? Por que?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
47) O (A) Sr (ª) percebeu alguma (s) mudança (s) no rio/mangue nos últimos anos? Qual(is)?
Como isso afetará a pesca no futuro?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Beneficiamento
48) Como é realizado o tratamento dos pescados?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
49) Como são armazenados os pescados?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
50) Quem participa dessa etapa? _________________________________________________
51) O produto coletado fica inteiramente em suas mãos ou a Sr(ª) divide com alguém? Como
é que ocorre?
Comercialização
51) Sobre o consumo e venda:
a) Parte consumida?_________________________________________________________
b) Parte vendida?_____________________________________________________________
c) Para quem é vendida? Localidades?
( ) Mercado_______ ( ) Atravessador________ ( ) Comunidade ________ ( )
Cooperativa______ ( ) Proprietário de fábrica de polpa________ ( ) Outros________
269
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES
Obs: para saber se o produto é vendido para outros municípios e estados brasileiros.
d) Preço do quilo:_____________________________
e) Quantas vezes na semana a/o Sr(ª) vende os pescados?___________________________
f) Como é a forma de pagamento?____________________________________________
g) O que o/a Sr(ªa) faz com a renda proveniente da pesca?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
52) O(A) Sr(ª) possui registro da pesca ou da agricultura familiar? Como foi o processo de
registro?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
53) Participa de alguma colônia/associação e/ou cooperativa pertence? Qual? Como é sua
participação nessas entidades?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
54) O (A) Sr(ª) recebe o seguro-defeso? De quê? Qual é o período?
___________________________________________________________________________
54) Participou de algum projeto relacionado a pesca/mangaba? Qual?
___________________________________________________________________________
55) O (A) Sr(ª) já ouviu falar em RESEX? Sabe o que é? Quais mudanças provocaria na
comunidade com a implantação da mesma?
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___________________________________________________________________________
56) Ser catador (a) pescador e/ou (a) de mangaba é...
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
270
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES
A- DADOS PESSOAIS
1) Nome: 2) Apelido:
3) Idade: 4) Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
5) Naturalidade: 6) Estado civil:
7) Chefe de família: ( ) Sim ( ) Não 8) Número de filhos:
9) Escolaridade: ( ) analfabeto ( ) fundamental_______ ( ) médio______ ( )
outro____________
10) Local de moradia/Município: 11) Órgão/entidade a que
pertence:____________
12) Função:___________
Mangaba
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Município
-Relação da colônia/associação/ órgão público com as/os extrativistas
Estado
- Relação com as colônias/associações/ as (os) extrativistas
Federal
- Relação com as colônias/associações/ as (os) extrativistas
Infraestrutura
-Coleta/Calendário da atividade extrativista/Acesso as áreas
-Beneficiamento
-Comercialização/Distribuição-caracterização e compra das (os) extrativistas
(mangaba)
Educação
Defeso
-Funcionamento___________________________________________________________
-Principais problemas para o recebimento_______________________________________
Cooperativa
-Aspectos gerais
-Consequências da domesticação da mangaba para as catadoras
Conflitos
Produção pesqueira
-Quantidade extraída no estuário___________
-Quantidade extraída no manguezal_______
Produção da mangaba
in natura_______________
Processada_____________
PAA
Quem participou?
-Período de funcionamento
-Requisitos
PRONAF Agroamigo
- Quem participou?
-Período de funcionamento
-Requisitos
RESEX
-Encaminhamentos
F-IDENTIDADE CULTURAL
Ser pescador(a)/catador(a) é...
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
273
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES
____________________________________________
Assinatura
274
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES
Senhor Diretor-Presidente,
QUESTIONÁRIO Nº______
Latitude:_______________
Longitude:______________
A- DADOS PESSOAIS
(2) Baixa
(1) Muito baixo (Danos irreversíveis ao funcionamento da paisagem/muito baixa a capacidade
de recuperação e regeneração)
Ocorreu algum evento nos últimos tempos que tenha provocado alteração no ambiente?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
C- BIODIVERSIDADE AGRÍCOLA
4- Diversidade de sistema alimentar local
A comunidade consome uma diversidade de alimentos produzidos localmente (legumes,
frutas, leite, produtos lácteos, animais selvagens, peixes etc.?
(5) Muito alta (Diversidade de alimentos é muito alta e os alimentos são amplamente
consumidos)
(4) Alto
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (Há muito pouco ou nenhum alimento de origem local)
D- CONHECIMENTO E INOVAÇÃO
6- A inovação na agricultura e práticas de conservação
Os membros da comunidade melhoram, desenvolvem e adotam novas práticas para a
conservação do ambiente?
(4) Alto
(3) Médio
(2) Baixo
(1) Muito baixo (Conhecimento local e tradições culturais perdidas)
8 - Conhecimento Feminino
O conhecimento, as experiências e as habilidades das mulheres são reconhecidos em casa e na
comunidade como centrais para as práticas que fortalecem a resiliência da paisagem?
(5) Muito alto (O conhecimento das mulheres, suas experiências e habilidades são
reconhecidos e respeitados em todos os níveis)
(4) Alto
(3) Médio
(2) Baixo
(1) Muito baixo (o conhecimento das mulheres, suas experiências e habilidades não são
reconhecidos e respeitados)
- Quais são os principais riscos? Que tipos de medicamentos são utilizados? (Isto é,
métodos de cura tradicionais, medicina moderna)?
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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
13- Diversidade de renda
Na comunidade as famílias estão envolvidas em atividades sustentáveis de geração de renda?
(5) Muito alta (As famílias estão envolvidas numa variedade de atividades sustentáveis e
geradoras de renda)
(4) Alta
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (As famílias não têm atividades econômicas alternativas)
(4) Alto
(3) Médio
(2) Baixo
(1) Muito baixo (As melhorias dos meios de subsistência não estão relacionadas com a
biodiversidade local)
© Eline Santos
Povoado Convento/Indiaroba-SE