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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DOUTORADO EM GEOGRAFIA

ELINE ALMEIDA SANTOS

O Desvelar das Territorialidades das Extrativistas em Indiaroba/SE

São Cristóvão - SE
2018
ii

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DOUTORADO EM GEOGRAFIA

ELINE ALMEIDA SANTOS

MULHERES PESCADORAS-MULHERES MANGABEIRAS:


O DESVELAR DAS TERRITORIALIDADES DAS EXTRATIVISTAS EM
INDIAROBA/SE

Tese de Doutorado submetida à aprovação ao


Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Sergipe/UFS, como
requisito para a obtenção do grau de Doutora
em Geografia. Área de Concentração:
Organização e Dinâmica dos Espaços Agrários
e Regionais. Linha de Pesquisa: Dinâmica
Ambiental.

Orientadora: Profª Drª. Rosemeri Melo e Souza.

São Cristóvão - SE
2018
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Santos, Eline Almeida


S237m Mulheres pescadoras-mulheres mangabeiras : o desvelar das
territorialidades das extrativistas em Indiaroba/SE / Eline Almeida
Santos ; orientadora Rosemeri Melo e Souza. – São Cristóvão, SE,
2018.
xvi, 281 f. : il.

Tese (doutorado em Geografia) – Universidade Federal de


Sergipe, 2018.

1. Geografia humana. 2. Territorialidade humana. 3. Recursos


naturais – Indiaroba, SE. 4. Resiliência (Ecologia). 5. Mulheres –
Indiaroba, SE. 6. Pescadoras. I. Souza, Rosemeri Melo e, orient. II.
Título.

CDU 911.3-055.2(813.7)
iii

ELINE ALMEIDA SANTOS

MULHERES PESCADORAS-MULHERES MANGABEIRAS:


O DESVELAR DAS TERRITORIALIDADES DAS EXTRATIVISTAS EM
INDIAROBA/SE

Tese de Doutorado submetida ao Programa de


Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal de Sergipe/UFS, como requisito para a
obtenção do grau de Doutora em Geografia.
Área de Concentração: Organização e
Dinâmica dos Espaços Agrários e Regionais.
Linha de Pesquisa: Dinâmica Ambiental.

Tese de Doutorado apresentada e aprovada em 22 de agosto de 2018.

Cidade Universitária, Professor José Aloísio de Campos,


São Cristóvão/SE, 22 de agosto de 2018.
iv

Dedico

À minha mãe-vovó Luzia e à minha mãe Maria Elza, mulheres que


me ensinaram sobre luta e sobrevivência; que me inspiram por
ultrapassarem as barreiras da “invisibilidade”; por carregarem em
seus corpos o paradoxo da opressão e da revolução, por
simplesmente serem as Marias que conduziram o desenvolvimento
desse país na subjugação.
Às mulheres extrativistas (pescadoras-marisqueiras e catadoras de
mangaba), guardiãs dos saberes ambientais, protagonistas da
conservação, do enfrentamento pela permanência dos elementos que
compõem a identidade do grupo; mulheres que resistem ao desmonte
da atividade extrativista e sobrevivem as privações. Mulheres de luta.
v

AGRADECIMENTOS

O caminho muda, e muda o caminhante.


É um caminho incerto, não um caminho errado
Eu, caminhante, quero trajeto terminado.
Mas, no caminho, mais importa o durante.
A Partida e o Norte
(Estevão Queiroga)

É sobre travessias, mudanças e recomeços que se trata o desafio de adentrar o universo


do outro e tentar uma aproximação do que o constitui e o faz tão singular.
É sobre transformação e superação que se trata investigar uma temática que te leva a
olhar para si e a se enxergar na luta daquelas que compõem os sujeitos da sua busca.
É sobre resiliência que se trata a recuperação das tempestades que desorganizam o
percurso, mas que te permitem descobrir o quanto de força você pode possuir.
E o mais importante: É sobre gratidão que se conduz cada linha, espaço e caracteres
que materializam essa trama denominada tese, aqui disposta em capítulos que representam um
tanto de mim.
Não! Eu nunca conseguiria sozinha. Tolo é aquele que acredita em autossuficiência.
Eu sou dependente. Dependente de uma força que me guiou durante todo o trajeto. Quando eu
pensei que não conseguiria, Ele veio e me sustentou. Disse: Minha filha, não temas, pois eu
estou contigo! Me levantou e possibilitou a minha caminhada. Deus, a ti toda glória e louvor.
Tu és meu melhor amigo e sustento.
Ele me deu uma família, que eu chamo de família Buscapé. Somos muitos, um tanto
desorganizados, mas o que importa é o amor que nos une. Sem eles, eu não seria nada; sei que
me amam e torcem por mim. Às minhas irmãs, aos meus irmãos, sobrinhos e tios, gratidão
pelo que fazem ser quem sou.
Às mulheres da minha vida, minha mãe Maria Elza e a minha mãe-vovó Luzia,
obrigada por me ensinarem do seu jeito sobre luta, perseverança e fé; obrigada por
disponibilizarem o seu melhor em meio a tantas privações e sofrimentos. Vocês são parte de
mim. Mãe, obrigada ainda por fazer o papel de pai quando ele não mais estava entre nós.
Reconheço que não foi uma tarefa fácil.
vi

Aos meus pais, Júlio e José Paulo (meu avô), dedico cada linha, cada lágrima e cada
alegria que integram o processo de amadurecimento acadêmico e pessoal. Sei que aí de cima
estão felizes com mais essa conquista. Sinto muita saudade!
À minha mentora, professora Rosemeri, carinhosamente chamada de Rose, a minha
gratidão eterna. Obrigada por enxergar em mim além do que a fala pudesse expressar.
Obrigada por ser amiga, por ser uma mulher de oração e de fé. Sou grata por me impulsionar
a adentrar no mundo das comunidades extrativistas, por respeitar as minhas limitações e por
me apoiar no momento mais difícil desse caminho, quando a minha saúde não correspondia
aos meus sonhos. Saiba que tenho um grande carinho por ti. Com a senhora aprendi sobre
pesquisa e sobre companheirismo.
À minha madrinha Cleide muita gratidão por me conduzir nas veredas da academia;
por enxergar a beleza em meio ao lamaçal; por me ensinar sobre responsabilidades e sobre se
enxergar enquanto diamante a ser lapidado. Sou muito grata por tê-la em minha vida.
A minha amiga-irmã Joelma, por acreditar em mim; por caminhar comigo mesmo
sendo eu uma pessoa difícil. Obrigada por me acolher no momento de maior fragilidade, por
ser um porto seguro em meio à instabilidade da vida. Serei eternamente grata, minha irmã de
alma.
Ao SFA, Vaninha, Caio e Judson (Guto), por ser abrigo em meio às tempestades.
Agradeço, especialmente, a minha amiga de infância, Vaninha, por me acompanhar durante
tantas décadas e ser ombro amigo diante das inquietudes e fragilidades.
As minhas amigas geógrafas Renata e Gilvânia, gratidão pela amizade que
construímos além dos muros acadêmicos. Obrigada pela torcida e por seguirem comigo nessa
caminhada cheia de obstáculos, porém, construída com muito amor e fé.
Ao GEOPLAN, por me acolher com muito carinho; por me ensinar sobre a arte de
construir a ciência juntos. Agradeço, sobretudo, ao meu amigo Douglas, por praticamente
segurar a minha mão no desvendar cartográfico; por ouvir as minhas dores e sempre tecer
palavras de encorajamento em meio à escuridão que atinge pontos do caminhar investigativo.
A Wandison, Ana e Felippe, pelo grande apoio nos campos, nos mapas e pela amizade
que construímos.
Não poderia deixar de agradecer às gatíssimas Anézia, Alberlene, Cleane e Sindiany,
pela amizade e torcida para que tudo se encaminhasse bem.
A Marília pelas conversas de encorajamento e perseverança no percurso final da tese.
Conseguimos! A Geise, Luana, Heloísa, Sheylla, Michelle, Edilsa, Raquel, Socorro, Patrícia,
Fernando e demais integrantes do Geoplan, sou muito grata pelo apoio nesse processo.
vii

A Paulinha (PRODEMA), mulher de grande coração, que por várias vezes sentou
comigo para a discutirmos sobre indicadores. Obrigada pelo companheirismo!
A Vanessa Costa, Gleise e Adelli, pelas palavras de incentivo e encorajamento.
Obrigada!
Aos meus amigos especiais: Leda, Denise, Mariazinha (in memoriam), Simoni,
Tâmara, Érick e Cícera, obrigada por trazerem alegria para minha vida quando o peso insistia
em me derrubar. Vocês são renovo em mim.
Às comunidades que me acolheram, que me ensinaram sobre vida e ciência. Obrigada
a Josefina (Finha), mulher forte e de luta, que me conduziu no universo das mulheres
extrativistas; a Alícia, que me ensinou sobre rompimento de barreiras; a Avani, que me
ensinou sobre delicadeza em meio à luta; a D. Janete, que me ensinou sobre recomeços; a
Luciana, que me ensinou sobre receptividade; a Joaninha, que me ensinou sobre família e
luta; a Érica, que me ensinou sobre cuidado e força; a Engles, pescador cadeirante, que me
ensinou sobre possibilidades. Obrigada a todos por permitirem que eu me aproximasse um
pouco do que é ser extrativista, da luta por (r)existência.
Às lideranças, técnicos e coordenadores de projetos, por contribuírem pelo
desenvolvimento da pesquisa. Particularmente, a Mirsa, por me auxiliar nas entrevistas na
Casa da Mangaba no período inicial dessa trajetória.
Aqueles que me ensinaram sobre o ensinar e o aprender, aqueles que contribuíram
para o ser professora; aos meus alunos, por serem um desafio diário. Aos meus professores,
por me conduzirem nos primeiros passos dessa profissão que é o chão desse país. Aos
profissionais e colegas da Escola Estadual João Arlindo (Taiçoca de Fora) e da Escola
Municipal Anízio Fontes Torres (Pontal), por me acolherem.
Às professoras Joseli Maria Silva (UEPG) e Sônia de Souza Mendonça Menezes
(UFS), pelas relevantes contribuições quando da qualificação.
À Fapitec, pelo subsídio financeiro no desenvolvimento da pesquisa, sem o qual não
poderia participar de eventos, adquirir livros, realizar os campos, enfim, os instrumentos
necessários para o desencadeamento do projeto.
Aos profissionais do PPGEO, por todo apoio e atenção. Muito obrigada!
Aos que contribuíram para a concretização desse projeto, chamado sonho, meu
agradecimento por toda a vida.
viii

Só tem braço forte quem segura a flor!


(Bispo Dom Helder Câmara)
ix

RESUMO

MULHERES PESCADORAS-MULHERES MANGABEIRAS: O DESVELAR DAS


TERRITORIALIDADES DAS EXTRATIVISTAS EM INDIAROBA/SE

As populações tradicionais de Sergipe enfrentam problemas socioeconômicos, ambientais e


culturais, reflexo da intensa exploração dos recursos naturais, monocultura, especulação
imobiliária, desmatamento de campos nativos e cercamento de terras. Envoltas nesse cenário,
as mulheres extrativistas testemunham o esfacelamento da atividade e do seu modo de vida.
Em Indiaroba, recorte espacial da pesquisa, o extrativismo da mangaba (Hancornia speciosa
Gomes), praticado predominantemente por mulher, e a pesca constituem atividades relevantes
para as famílias, uma vez que se manifestam como principais fontes de renda. O estudo em
tela apresenta como objetivo central analisar a apropriação biogeográfica dos recursos
ambientais a partir do trabalho feminino, destacando os elementos que interferem na
resiliência socioecológica, bem como, o processo de organização das mulheres, as formas de
resistências e representatividade nas decisões em defesa dos direitos e fortalecimento do
grupo social. Território, paisagem e gênero aparecem como categorias norteadoras e
fundantes da investigação, em razão de propiciar a compreensão do espaço a partir das
relações de poder estabelecidas na apropriação dos recursos ambientais na área de estudo. A
abordagem sistêmica e a complexidade entrelaçam a base científica do estudo em evidência,
estando tecida a partir da resiliência das comunidades e dos sistemas socioecológicos com a
aplicação da metodologia de Indicadores de Resiliência em SEPLS (Socio-ecological
Production Landscapes and Seascapes). Os procedimentos metodológicos englobaram
observação, registro fotográfico, entrevistas e oficinas de mapeamento participativo e de
pontuação dos indicadores. A relevância do estudo da espacialidade de gênero numa
perspectiva geográfica está na análise e compreensão da estruturação do trabalho de homens e
mulheres nas atividades de base artesanal; da organização social, política e econômica das
mulheres; das resistências e dos conflitos diante da concepção de que os recursos ambientais
estão se tornando escassos. Além de ressaltar grupos que são excluídos do discurso
geográfico. As pescadoras-catadoras de mangaba são as mais afetadas com as transformações
locais, posto que devido ao processo de degradação do sistema estuário-manguezal, o
desmatamento das áreas de restinga e os cercamentos de antigos portos tiveram o aumento das
distâncias e do tempo para o acesso aos recursos, prejudicando os rendimentos e diminuindo a
produtividade. Além disso, enfrentam as desigualdades assinaladas pela hierarquização de
gênero que se baseia na diferenciação biológica, definindo para as mulheres o espaço privado,
da reprodução e, aos homens, espaço público, da produção. A divisão sexual do trabalho no
extrativismo contribui para que as mulheres não ocupem os espaços de poder (o rio/mar, a
colônia e associações), para a desvalorização financeira do seu trabalho e para que a sua
atuação no setor seja negada. O acesso às áreas de extração tem sido uma das principais
reivindicações desse grupo, uma vez que o não contato com os elementos que forjam a sua
identidade pode levar a expropriação do seu modo de vida. No processo de fazer e desfazer-
se, as extrativistas investigadas, afirmam-se no território como pescadoras-mangabeiras,
fortalecem-se e disputam o poder que lhes é negado.

Palavras-chave: Extrativismo; Gênero; Populações Tradicionais; Territorialidades;


Indicadores de resiliência
x

ABSTRACT

WOMEN FISHERMEN-WOMEN MANGABEIRAS: DISCOVERING THE


TERRITORIALITIES OF EXTRATIVISTS IN INDIAROBA / SE

The traditional populations of Sergipe face socioeconomic, environmental and cultural


problems, reflecting the intense exploration of natural resources, monoculture, real estate
speculation, deforestation of native fields and enclosure of land. Involved in this scenario,
extractivist women testify the collapse of activity and their way of life. In Indiaroba, research
area, mangaba (Hancornia speciosa Gomes) extractivism, practiced predominantly by women,
and fishing are activities that are relevant for families, since they are the main sources of
income. The study on screen presents as a central objective to analyze the biogeographic
appropriation of the environmental resources from the feminine work, highlighting the
elements that interfere in the socioecological resilience, as well as, the process of women’s
organization, the forms of resistance and representativeness in the decisions in rights defense
and strengthening of the social group. Territory, landscape and gender appear as guiding
categories and foundations of research, in order to foster the understanding of space based on
the relations of power established in the appropriation of environmental resources in the area
of study. The systemic approach and the complexity interwine the scientific basis of the study
in evidence, being woven from the resilience of communities and socioecological systems
with the application of the Soil-ecological Production Landscapes and Seascapes (SEPLS)
methodology. The methodological procedures included observation, photographic record,
interviews and participatory mapping workshops and score of the indicators. The relevance of
the study of gender spatiality in a geographic perspective lies in the analysis and
comprehension of the structuring of the work of men and women in craft activities; the social,
political and economic organization of women; resistances and conflicts in the face of the idea
that environmental resources are becoming scarce. Besides highlighting groups that are
excluded from the geographical discourse. The mangaba fishermen are the most affected by
the local transformations, since due to the process of degradation of the estuarine-mangrove
system, deforestation of the restinga areas and the enclosures of former ports have increased
distances and time for the access to resources, undermining incomes and decreasing
productivity. In addition, they face the inequalities marked by gender hierarchy that is based
on biological differentiation, defining for women the private space of reproduction and, for
men, the public space of production. The sexual division of labor in extractivism contributes
so that women do not occupy the spaces of power (the river / sea, the colony and
associations), for the financial devaluation of their work and so that their performance in the
sector is denied. Access to extraction areas has been one of the main demands of this group,
since non-contact with the elements that forge their identity can lead to the expropriation of
their way of life. In the process of making and discarding, the extractivists investigated, affirm
themselves in the territory like fishermen-mangabeiras, they are strengthened and they dispute
the power that is denied to them.

Keywords: Extractivism; Gender; Traditional Populations; Territorialities; Indicators of


resilience
xi

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Áreas, descrição e indicadores de resiliência socioecológica em SEPLS utilizados na


análise de comunidades extrativistas de Indiaroba ................................................................... 52
Figura 2- Quadro referente ao levantamento documental: dados secundários, órgãos e
entidades ................................................................................................................................... 57
Figura 3 - Mosaico da área de estudo ...................................................................................... 60
Figura 4 - Etapas da oficina de avaliação da resiliência em SEPLS ........................................ 62
Figura 5-Mapeamento participativo das atividades extrativistas ............................................. 63
Figura 6 -Mapeamento participativo do extrativismo em Pontal/Indiaroba ............................. 64
Figura 7 – Oficina de Indicadores de resiliência socioecológica da paisagem nos Povoados
Preguiça, Terra Caída e Pontal ................................................................................................. 66
Figura 8 - Etapas do tratamento digital dos dados obtidos no mapeamento participativo ....... 67
Figura 9 - Seção do mapa correspondente à sobreposição de polígonos referentes ao acesso às
áreas de mangabeiras, através da meação (Me) e/ou sítios próprio (SP), associado aos ícones
da mangaba e coco, representando uma área de ocorrência de ambos. .................................... 68
Figura 10 - Pescadora-catadora desenhando os elementos da legenda do mapa social ........... 69
Figura 11 - Percurso metodológico da pesquisa ....................................................................... 72
Figura 12- Diagrama de conceitos que fundamentam os estudos na perspectiva da Geografia
Feminista .................................................................................................................................. 90
Figura 13 - Localização da área de estudo . ......................................................... 102
Figura 14 - Unidades geomorfológicas, cobertura vegetal e usos da terra ............................. 104
Figura 15 - Estátua localizada na sede do município representando a Índia Bela, significado
indígena do nome Indiaroba ................................................................................................... 115
Figura 16 - Cultivo da mandioca em Indiaroba ...................................................................... 118
Figura 17 - Banheiro artesanal construído em área de manguezal na Preguiça de
Baixo/Indiaroba. ..................................................................................................................... 122
Figura 18 - Cronograma de atendimento na Unidade Básica de Saúde do Povoado
Preguiça/Indiaroba .................................................................................................................. 126
Figura 19- Aspectos gerais das comunidades costeiras de Indiaroba ..................................... 127
Figura 20 – Mulheres e criança realizando o beneficiamento do marisco em Pontal. ......... 134
Figura 21 – Extrativistas comercializando doces na área de embarque e desembarque de
turistas em Pontal.................................................................................................................... 136
Figura 22 – Socialização dos saberes no extrativismo desenvolvido no município de Indiaroba
................................................................................................................................................ 146
Figura 23 –Conhecimento ictiológico tradicional dos (as) pescadores (as) de Indiaroba ...... 148
Figura 24 - Calendário anual da pesca artesanal em Indiaroba. ............................................. 150
Figura 25 – Calendário do ciclo da mangabeira em Indiaroba ............................................... 154
Figura 26 - Catadora apresentando a mangaba de inverno, popularmente conhecida como
“mangaba- de- cachorro”. ....................................................................................................... 156
Figura 27– Catadoras em área de extração da mangaba ......................................................... 157
Figura 28 - Pontos de pesca no estuário Piauí-Real/Indiaroba-SE ......................................... 165
Figura 29– Artes de pesca utilizadas pelas marisqueiras e pescadores de Indiaroba. ............ 168
Figura 30 – Atividade aquícola no rio Real ............................................................................ 180
Figura 31 – Rotina diária de uma mulher extrativista ............................................................ 197
Figura 32 – Mulher que se autodenomina pescadora exibindo a pescaria do dia. ................. 199
Figura 33 – Mulheres pescadoras-mulheres mangabeiras/Indiaroba-SE ............................... 203
Figura 34 – Coleta e beneficiamento de moluscos e crustáceos realizados pelas marisqueiras
em Indiaroba: .......................................................................................................................... 207
Figura 35 – Fluxograma do circuito de comercialização dos mariscos em Indiaroba ........... 209
xii

Figura 36 - Mapeamento social da pesca/ Indiaroba-SE ........................................................ 213


Figura 37 - Mulheres participando do II Encontro Inter-Regional das Marisqueiras ............ 215
Figura 38–Beneficiamento da mangaba realizado pela catadora em Pontal .......................... 218
Figura 39 – Comercialização da mangaba realizada pelas catadoras de Indiaroba ................ 219
Figura 40 - Mapeamento social da mangaba/ Indiaroba-SE.................................................. 222
Figura 41– Atividades que ameaçam a continuidade do extrativismo da mangaba em
Indiaroba ................................................................................................................................. 224
Figura 42- Produção dos derivados da mangaba em Indiaroba .............................................. 228
Figura 43– Processo de concessão do TAUS na APA Litoral Sul ........................................ 238
xiii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Rendimento médio no trabalho principal por sexo, razão do rendimento das
mulheres em relação ao dos homens e proporção de mulheres, segundo as áreas gerais de
formação da população de 25 anos ou mais de idade - Brasil - 2010 ....................................... 85
Tabela 2 - Distância das comunidades extrativistas da capital e da sede municipal .............. 101
Tabela 3 - População: Indiaroba (1991-2010) ........................................................................ 116
Tabela 4 - Principais cultivos agrícolas em Indiaroba/SE (2016) .......................................... 117
Tabela 5 - Efetivos da Pecuária, Indiaroba/SE, 2016 ............................................................. 119
Tabela 6 - Síntese sociodemográfica do município de Indiaroba (2010) ............................... 121
Tabela 7 - Síntese socioeconômica das mulheres extrativistas de Indiaroba ......................... 130
Tabela 8 – Preços mínimos e máximos dos principais recursos pesqueiros extraídos nas
comunidades litorâneas em Indiaroba (2015-2016) ............................................................... 171
Tabela 9- Localidades e número de participantes da oficina de avaliação de indicadores de
resiliência socioecológica da paisagem .................................................................................. 176
Tabela 10- Súmula da pontuação de indicadores de resiliência socioecológica em áreas de
pesca e extração de mangaba- Indiaroba/SE .......................................................................... 177
Tabela 11 – Pontuação média dos indicadores de resiliência socioecológica por área em
Indiaroba -SE .......................................................................................................................... 191
Tabela 12 – Preços mínimos e máximos dos principais recursos pesqueiros extraídos pelas
marisqueiras de Indiaroba (2015-2016) .................................................................................. 209
Tabela 13- Produção anual da mangaba nos municípios do Litoral Sul Sergipano ............... 216
xiv

LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Distribuição do número de participantes da pesquisa ............................................ 59


Quadro 2- Símbolos elaborados nas oficinas de mapeamento participativo ............................ 70
Quadro 3- Mensuração da resiliência por indicador e por área ................................................ 71
Quadro 4 - Síntese dos condicionantes físico-ambientais e usos no município de Indiaroba111
Quadro 5- Principais problemas sociais relatados pelo grupo amostral em comunidades
costeiras de Indiaroba ............................................................................................................. 128
Quadro 6 - Classificação das marés segundo as (os) pescadoras (es) de Indiaroba ............... 145
Quadro 7 – Principais artes de pesca utilizadas pelas (os) pescadoras (es) em Indiaroba:
descrição, pontos de pesca e espécies capturadas................................................................... 166
Quadro 8 - Escala de pontuação dos indicadores de resiliência ............................................. 176
Quadro 9 – Classificação dos acessos as áreas de pesca em Indiaroba/SE ............................ 211
Quadro 10 – Classificação dos acessos as mangabeiras em Indiaroba/SE ............................. 221
Quadro 11- Configuração dos conflitos socioambientais em comunidades pesqueiras
sergipanas: arena, atores em conflito, dinâmica do conflito e problema central .................... 233
xv

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Localidades de origem das extrativistas de Indiaroba ......................................... 131


Gráfico 2 - Proporção de famílias com mulheres responsáveis pela chefia do domicílio no
Brasil, na Zona Rural e em Indiaroba (2000-2010) ................................................................ 132
Gráfico 3 – Proporção de mulheres responsáveis pela chefia do domicílio em comunidades
extrativistas de Indiaroba (2015-2017) ................................................................................... 133
Gráfico 4- Atividades econômicas desenvolvidas pelas extrativistas de Indiaroba ............... 135
Gráfico 5– Renda mensal das extrativistas em Indiaroba ....................................................... 137
Gráfico 6- Panorama da resiliência socioecológica em comunidades extrativistas de Indiaroba
................................................................................................................................................ 178
Gráfico 7–Frequência de citação dos fatores que provocam mudanças na pesca e na extração
de mangaba em Indiaroba/SE ................................................................................................. 179
Gráfico 8 – Quadro geral da resiliência socioecológica em comunidades extrativistas de
Indiaroba-SE ........................................................................................................................... 191
xvi

LISTA DE SIGLAS

ADEMA Administração Estadual do Meio Ambiente


ASCAMAI Associação de Catadoras de Mangaba e Indiaroba
ASPECTO Associação pela Cidadania dos Pescadores e Moradores de Terra Caída
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBD Convenção sobre Diversidade Biológica
CDRU Concessão de Direito Real de Uso
CEPENE Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do
Nordeste
CONFREM Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas
Costeiras e Marinhas
COOPASE Cooperativa de Transporte Alternativo de Sergipe
COOPERTAI Cooperativa dos Taxistas de Indiaroba
COOPERTALSE Cooperativa de Transporte Alternativo de Passageiros do Estado de
Sergipe
COOPMESE Cooperativa de Economia Solidária das Mulheres Extrativistas de
Sergipe
COP Conferência das Partes
DAP Declaração de Aptidão ao Pronaf
DESO Companhia de Saneamento de Sergipe
EBCT Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
EJA Educação de Jovens e Adultos
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMDAGRO Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe
EMEPA Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba
FRUTENE Indústria de Frutas do Nordeste
GPS Global Positioning System
GEOPLAN Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial
IAS Instituto para o Estudo Avançado da Sustentabilidade
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IGES Estratégias Ambientais Globais
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INGC Instituto Nacional de Gestão de Calamidades
IPSI International Partnership for the Satoyama Initiative
MCM/SE Movimento das Catadoras de Mangaba de Sergipe
MMA Ministério do Meio Ambiente
MMS Movimento das Marisqueiras de Sergipe
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização
MOEJ Ministério do Meio ambiente do Japão
MPA Ministério da Pesca e Aquicultura
MPF/SE Ministério Público Federal de Sergipe
MPP Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONG Organização não governamental
xvii

PAA Programa de Aquisição de Alimentos


PEAC Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PETROBRAS Petróleo Brasileiro S.A
PLANAFE Plano Nacional para Fortalecimento das Comunidades Extrativistas e
Ribeirinhas
PMPDP Projeto de Monitoramento de Desembarque Pesqueiro
PNPCT Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
PRO-GRC Projeto Institucionalização de Gestão de Risco de Calamidades em
Moçambique
PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
RESEX Reserva Extrativista
SDPA Seguro Desemprego do Pescador Artesanal
SEMARH/SE Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Sergipe
SEPLAG Secretaria de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão
SEPLS Socio-ecological Production Landscapes and Seascapes
SFA Superintendência Federal da Agricultura
SIG Sistemas de Informações Geográficas
SIRGAS Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas
SisRGP Sistema Informatizado do Registro Geral da Atividade Pesqueira
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
SPU Secretária do Patrimônio da União
SRH Secretaria de Recursos Hídricos de Sergipe
SSE Sistemas Socioecológicos
SULGIPE Companhia Sul Sergipana de Eletricidade
TAUS Termo de Autorização de Uso Sustentável
UFS Universidade Federal de Sergipe
UNU Universidade das Nações Unidas
UTM Universal Transversa de Mercator
xviii

SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................................................IX
ABSTRACT ............................................................................................................................. X
LISTA DE FIGURAS .............................................................................................................XI
LISTA DE TABELAS .........................................................................................................XIII
LISTA DE QUADROS ........................................................................................................ XIV
LISTA DE GRÁFICOS........................................................................................................ XV
LISTA DE SIGLAS ............................................................................................................. XVI
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 21
População tradicional, extrativismo e trabalho feminino no município de Indiaroba:
problematização e relevância do estudo ................................................................................... 23
Objetivos ................................................................................................................................... 28
Objetivo geral ........................................................................................................................... 28
Objetivos específicos ................................................................................................................ 28
1 TRAMAS DO CONHECIMENTO: DESVELANDO CONCEITOS E CAMINHOS
DA PESQUISA ....................................................................................................................... 31
1.1 Paisagem: um conceito polissêmico e complexo .......................................................... 32
1.2 Território, territorialidades e identidade territorial: entrelaçando conceitos dinâmicos 38
1.3 Percursos metodológicos na análise geográfica do trabalho feminino em comunidades
extrativistas ............................................................................................................................... 47
1.3.1 Abordagem sistêmica e complexidade na análise dos estudos espaciais de gênero ..... 49
1.3.2 Itinerários de pesquisa .................................................................................................. 55
2 GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE: INTERLOCUÇÕES TEÓRICAS
ACERCA DO FEMININO NA ANÁLISE GEOGRÁFICA .............................................. 74
2.1 Mulher, natureza e cultura: a construção da subordinação feminina ............................ 75
2.2 Gênero e apropriação do espaço: o entrelaçar entre exclusão e complementaridade .... 81
2.3 Geografia Feminista e Gênero na discussão de novos paradigmas ............................... 86
2.4 Gênero e meio ambiente: participação social na conservação dos recursos ambientais 91

3 AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS NO CONTEXTO DA PAISAGEM


COSTEIRA ............................................................................................................................. 97
3.1 Recorte espacial e condicionantes físico-ambientais da área de estudo ...................... 101
3.2 Nos caminhos das águas: processo histórico de ocupação, usos e transformações
socioespaciais em comunidades extrativistas de Indiaroba .................................................... 112
3.2.1 Dinâmica demográfica e socioeconômica do município de Indiaroba ....................... 114
Elaboração: SANTOS, E. A., 2018. ....................................................................................... 128
xix

3.2.2 Perfil socioeconômico das mulheres extrativistas em comunidades costeiras ........... 129
4 ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA
SOCIOECOLÓGICA EM COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA ... 140
4.1 Conhecimento ecológico tradicional nas práticas extrativistas em Indiaroba ............. 140
4.1.1 Entre Luas e Marés: desvendando os saberes relacionados a pesca artesanal ............ 143
4.1.2 Os saberes das mulheres mangabeiras nas áreas de restinga ...................................... 152
4.2 Cartografia participativa como estratégia de mapeamento dos fenômenos sociais em
comunidades extrativistas de Indiaroba .................................................................................. 159
4.2.1 O mapa da pesca artesanal em Indiaroba .................................................................... 161
4.3 Indicadores de resiliência socioecológica nos territórios da pesca e da mangaba...... 171
4.3.1 Análise dos indicadores de resiliência socioecológica ............................................... 175
5 TERRITORIALIDADES FEMININAS: APROPRIAÇÃO E USOS DO ESPAÇO
EM COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA/SE.................................... 194
5.1 Trabalho de mulher/ Trabalho de homem: silenciamento da espacialidade feminina em
comunidades extrativistas de Indiaroba.................................................................................. 194
5.2 “Da restinga ao estuário”: territorialidades das mulheres extrativistas em Indiaroba . 204
5.2.1 O mapeamento da pesca feminina em Indiaroba ........................................................ 205
5.2.2 O mapeamento da mangaba em Indiaroba .................................................................. 215
5.3 Terra e água: arena dos conflitos na apropriação biogeográfica dos recursos ............ 230

CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 242


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 248
APÊNDICES ......................................................................................................................... 264
Apêndice A-Entrevista Semiestruturada ................................................................................ 265
Apêndice B-Roteiro de Entrevista .......................................................................................... 270
Apêndice C- Termo de consentimento livre e esclarecido ..................................................... 273
Apêndice D-Ofício para coleta de dados ................................................................................ 274
Apêndice E-Questionário da oficina de avaliação de indicadores de resiliência na produção de
paisagens continentais e marinhas (SEPLS) ........................................................................... 275

ANEXOS................................................................................................................................ 280
ANEXO A-Portaria de instituição do TAUS ......................................................................... 281
INTRODUÇÃO

©Eline Santos
Porto do Papagaio/Pontal

Porto do Papagaio-Pontal

A ciência, a arte, a literatura enredam e expressam as diversas formas de


interação do homem com a natureza. Olhar atentamente os ciclos da
natureza se constitui numa estratégia que permite a construção de sentidos,
que reforçados por comparações, descrições e classificações, compõem um
repertório eficiente, prático, matizado e atualizado, capaz de regenerar e
gerar condições para recriar e religar os fios entre natureza e cultura
(SILVA; GALENO, p. 246, 2008).
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 21

INTRODUÇÃO

O estudo acerca de gênero e espaço corresponde a um campo de discussão que tem


recebido limitada atenção na geografia brasileira (MOTTA-MAUÉS, 1999; MONTYSUMA,
2008; SILVA, 2009; SILVA; SILVA, 2011). Esse quadro é corroborado pelos esparsos
trabalhos submetidos em periódicos e/ou em simpósios multidisciplinares em que estas
discussões são periféricas ou deslocadas (ORNAT, 2008).
A análise de gênero numa perspectiva geográfica aparece como um dos caminhos para
o entendimento da configuração do espaço geográfico por meio das relações de poder e da
experiência vivenciada nele. Além disso, contribui para

a desconstrução do discurso científico que sustenta as teias do saber/poder


reinante em nossa sociedade, mediante a construção de visibilidades de
grupos sociais e fenômenos que foram negados e repudiados pela
perspectiva da modernidade colonial [...] (SILVA, 2009, p.13) .

A abordagem de espaço adotada neste estudo corresponde aquela apresentada por


Massey (2013, p.29) em que este é reconhecido como o “produto de inter-relações”; como
esfera da possibilidade da “existência da multiplicidade” e como estando em construção, logo,
aberto e inacabado.
Destarte, o espaço é analisado levando em consideração as transformações promovidas
por grupos extrativistas tradicionais, cujo modo de vida está assentado em práticas que
envolvem a utilização de instrumentos rudimentares e a ligação simbiótica com o ambiente,
relação caracterizada também pela construção de saberes que são esboçados no cotidiano. A
ênfase é dada ao trabalho feminino, por este constituir um campo de escassas reflexões
acadêmicas e por contribuir para a leitura de um espaço relacional formado pelo cruzamento
das trajetórias dos grupos investigados.
Assim, o trabalho feminino é evidenciado a partir do cotidiano de mulheres
extrativistas, delineado pela singularidade dos indivíduos que transformam o espaço por
intermédio da sua vivência. O cotidiano conforma-se como “espaço de mudança, de
resistência ao processo de dominação” (COSTA; BRUSCHIN, p.51, 1992).
Para o entendimento das questões da mulher e gênero a partir da sua espacialidade,
torna-se necessário a análise de um espaço paradoxal, que traz em seu bojo a negação da
mulher (“invisibilidade”) enquanto sujeito neste espaço. Ao mesmo tempo faz com que ela,
ao se reproduzir, adote estratégias do cotidiano, que são políticas, por conseguinte, de poder e
que possibilitam a sua condição de existência. Desse modo, a análise das relações de gênero
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 22

por meio da sua espacialidade permitiu o entendimento da maneira como a mulher reafirma-
se na sua relação com o ambiente, com os seus pares e como apropria-se da natureza.
Essas proposições remetem à discussão do território, enquanto diferentes maneiras que
a sociedade se utiliza para se apropriar e transformar a natureza (SPOSITO, 2004) e enquanto
conjunto de nossas experiências ou relações de domínio e apropriação no/com/através do
espaço (HAESBAERT, 2007).
Na relação da mulher com o ambiente por meio do desenvolvimento da atividade
extrativista é que se arquiteta a luta pelo poder e pela manutenção da atividade. Nesse
encadeamento, há a afirmação da sua identidade, da sua história de vida, pelo ser e pelo
existir, constituindo as territorialidades femininas, que são marcadas pelas interações
espaciais entre os grupos sociais e os agentes externos que promovem a mudança, e pelo
processo de constituição do território.
Outro ponto importante no estudo do gênero e espaço na perspectiva da análise
integrada das relações entre os grupos extrativistas e o meio é a compreensão da paisagem,
visto que esta:
não abrange somente o visível, mas também a construção cultural e
econômica de um espaço geográfico. Nela contêm o território, sua
organização espacial e seu funcionamento, e se reproduz nos elementos do
geossistema (ROSOLÉM; ARCHELA, 2010, p.7).

Paisagem, território e gênero possibilitam o entendimento das transformações


ocorridas no espaço, bem como os elementos do ambiente que estruturam o trabalho das
mulheres extrativistas em Indiaroba, área de estudo.
É importante salientar que a pesquisa sobre as mulheres extrativistas surgiu do
envolvimento da pesquisadora com o universo analisado. Essa teia relacional passou a ser
construída durante sua vivência como professora da rede municipal de Indiaroba, lecionando
na comunidade Pontal, também denominada de Paraíso, pelos habitantes locais. Instigada
pelos relatos dos alunos e pelo contato com os demais habitantes a pesquisadora ansiou
decifrar aquela realidade tão dinâmica e desafiadora, posto que diversos grupos (pescadoras,
pescadores, empresários, políticos e turistas) constituem o corpo social local e transformam o
espaço de acordo com seus interesses, modificações que têm afetado, principalmente, o
trabalho das extrativistas e, consequentemente, seu bem-estar.
Mulheres pescadoras-mulheres mangabeiras, expressões que abarcam o título da tese,
correspondem ao entrelaçar das atividades que delineiam o tecido social da localidade. São
termos que surgiram na caminhada investigativa das falas das interlocutoras e que
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 23

representam a simbiose entre mulher e meio, uma característica de comunidades tradicionais.


Pesca e mangaba, mangaba e pesca são pontos enlaçados de uma mesma trama social que
define o ser “tradicional.” Logo, não há como fragmentar em categorias aquilo que só tem
sentido e significado na sua totalidade/integralidade.

População tradicional, extrativismo e trabalho feminino no município de Indiaroba:


problematização e relevância do estudo

De acordo com Vianna (2008), as relações entre ser humano e natureza são sempre
socialmente determinadas e as intervenções na natureza são de acordo com a representação
que cada sociedade tem dela. Isso remete à discussão de comunidades tradiconais e áreas
protegidas que abarcam o objeto de estudo da pesquisa em tela.
Na década de 1960 iniciaram-se os debates acerca da manutenção biodiversidade1 para
a conservação. Contudo, é nos anos de 1980 que “a questão da biodiversidade aparece
nitidamente na Estratégia Mundial para a Conservação, da UICN-União Internacional para a
Conservação da Natureza”, cujo objetivo era a preservação da biodiversidade biológica
(DIEGUES, 1999, p. 12).
A ideia de manutenção da biodiversidade esteve atrelada ao conceito de conservação
da natureza que refletiu numa preocupação sistemática, resultando na criação de áreas naturais
protegidas de forma integral (VIANNA, 2008).
A área protegida integral tinha como princípio conservador fundante a expulsão do ser
humano do seu interior, em razão desse ser considerado depredador. Era preciso o seu
afastamento para a manutenção do potencial ecológico da área. Tal delineamento gerou
conflitos, pois as populações locais tiveram o acesso bloqueado aos recursos (VIANNA,
2008).
A solução encontrada para minimizar os conflitos entre os habitantes das áreas
protegidas e os gestores públicos foi classificar as populações locais como tradicionais,
categoria que possibilitou a permanência desses grupos nas áreas protegidas (VIANNA, 2008;
ALMEIDA, 2000). Porém, como definir quem é tradicional?
Diegues (1999) evidencia dificuldades na conceituação de população tradicional; no
entanto, apresenta que as comunidades tradicionais são constituídas por

1
“Biodiversidade não é um conceito simplesmente biológico, relativo à diversidade genética de indivíduos, de
espécies, e de ecossistemas, mas é também o resultado de práticas, muitas vezes milenares, das comunidades
tradicionais que domesticam espécies, mantendo e, em alguns casos, aumentando a diversidade local”
(DIEGUES, 1999, p. 9).
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 24

grupos humanos culturalmente diferenciados que historicamente reproduzem


seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base em modos de
cooperação social e formas específicas de relações com a natureza,
caracterizados tradicionalmente pelo manejo sustentado do meio ambiente.
Essa noção se refere tanto a povos indígenas quanto a segmentos da
população nacional que desenvolveram modos particulares de existência,
adaptados a nichos ecológicos específicos (DIEGUES, 1999, p. 22).

Nas comunidades tradicionais, os indivíduos possuem uma forte ligação com o meio.
Suas práticas são influenciadas pela dinâmica da natureza, em que os saberes construídos no
lidar diário dos recursos ambientais correspondem a forma como manipulam a fauna e a flora,
e na ligação com o sobrenatural, expressada nos mitos e nas crenças presentes no grupo.
No que tange ao sistema de manejo dos recursos naturais, Diegues (1999) destaca que,
nas comunidades tradicionais, são marcados pelo respeito aos ciclos naturais e pela sua
explotação dentro da capacidade de recuperação das espécies de animais e plantas utilizadas.
Estes povos não visam diretamente o lucro, mas a reprodução cultural e social do grupo,
desenvolvendo-se no modo da pequena produção mercantil.
Vianna (2008) tece uma crítica a respeito da conceituação de “tradicional,” posto que a
busca de critérios para a sua definição não contou com a participação das populações locais.
A autora considera que a construção dessa categoria foi inicialmente exógena.
Além das dificuldades no que tange à conceituação, existem ambiguidades quanto à
ideia estanque de tradicional. Duarte (2005, p. 52) aponta questionamentos sobre a qualidade
de “tradicionais”, posto que tal prerrogativa traz a “expectativa de se manterem onde estão”
como se fossem “quase obrigados a perpetuarem-se como uma sociedade isolada, num
contexto onde há muitas pressões de um mundo que se afigura como exterior.”
As assertivas apresentadas atestam os diversos posicionamentos a respeito das
populações tradicionais, importantes para o entendimento crítico de como é forjada a relação
dessas populações com a natureza, uma relação histórica e social. Todavia, neste estudo são
adotadas as conceituações apresentadas por Diegues (1999), já mencionadas, e por Almeida
(2000), em que as populações caracterizam-se como grupos que habitam a algum tempo numa
determinada região e que estão entrando no processo de desenvolvimento com impacto
mínimo, visando melhorias de qualidade de vida.
Em Sergipe (PEREIRA; MOTA, 2006), ainda existe uma biodiversidade mantida
devido às práticas de manejos desenvolvidas por populações tradicionais (pescadores,
marisqueiras, catadoras de mangaba, quilombolas etc.) principalmente nas zonas litorâneas,
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 25

áreas de remanescentes de restinga, várzeas, matas e manguezais. Nestas zonas, é possível


encontrar populações ligadas às atividades voltadas ao extrativismo animal e vegetal que
garantem a sobrevivência de um número significativo de famílias, dependentes diretos dos
recursos naturais locais, inclusive em áreas de vegetação protegida por lei, a exemplo dos
manguezais.
A gestão dos recursos naturais em comunidades tradicionais ocorre de forma coletiva,
uma vez que se trata de bens comuns. A posse é adquirida pelo uso consuetudinário do
ambiente; no entanto, as alterações provocadas por ações antrópicas nesses ambientes têm
ocasionado a redução dos recursos e gerado conflitos, que interferem no desenvolvimento das
atividades extrativistas nas comunidades tradicionais, situadas na zona litorânea brasileira.
Isso também contribui para que a população local desempenhe outras atividades (artesanato,
serviços de caseiro, pedreiros etc.) com o objetivo de complementar a renda familiar.
Com base no exposto, as populações tradicionais de Sergipe enfrentam problemas
socioeconômicos, ambientais e culturais, reflexos da intensa exploração dos recursos naturais,
plantio da cana-de-açúcar, eucalipto e coco; além da especulação imobiliária, turismo,
desmatamento de campos nativos e cercamento de terras.
O quadro apresentado acarreta em ameaça ao trabalho das mulheres catadoras de
mangaba e pescadoras dos municípios litorâneos sergipanos, dentres estes o campo da
pesquisa, uma vez que a pressão exercida pelos proprietários de terras, principalmente das
áreas de mangabeiras, poderá contribuir para a perda da sua principal fonte de renda.
Em relação aos usos dos recursos naturais, ao desenvolvimento da atividade
extrativista, Homma (1990) a partir dos seus estudos sobre a dinâmica do extrativismo vegetal
na Amazônia enfatiza que é inevitável a sua extinção. O autor atesta que o extrativismo evolui
em três fases distintas: expansão, estagnação e declínio. Dentre as causas endógenas que
levam ao desaparecimento dessa atividade estão: (i) aquelas inerentes à extração do recurso
em si, dado o desequilíbrio na taxa de regeneração; (ii) o processo de domesticação; e (iii) o
desenvolvimento de substitutos industriais, dada a incapacidade do setor extrativo em atender
à demanda crescente. O estudo aponta também variáveis exógenas ao processo extrativo: a
expansão da fronteira agrícola e o crescimento populacional que, por requererem maior
demanda de terras, destroem a base extrativa, independentemente de sua rentabilidade.
Alicerçado nas ideias de Homma (1990) quanto às causas endógenas, são observados
em Sergipe a intensiva exploração dos recursos e encaminhamentos técnicos para o
desenvolvimento de pomares comerciais - domesticação da espécie. Acerca desta, instituições
de pesquisa agrícola, como a Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 26

(Emepa), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Empresa de


Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (EMDAGRO) vêm realizando estudos com
objetivo de verificar o comportamento da mangabeira e fomentar plantios comerciais, devido
ao seu potencial econômico (o volume ofertado não corresponde à demanda).
Mota, Schmitz e Silva Júnior (2008) defendem o modelo de exploração pelas
comunidades tradicionais como uma estratégia de conservação da biodiversidade e de modos
de vida mais sustentáveis. Eles ressaltam que

“do ponto de vista da sustentabilidade dos agroecossistemas, o modelo de


exploração pelas comunidades tradicionais não deve ser visto como única
solução para o desenvolvimento agropecuário de uma nação ou região [...],
mas como uma estratégia que pode ser a mais adequada quando
desenvolvida em determinados territórios” (MOTA; SCHMITZ; SILVA
JUNIOR, 2008, p. 140).

Logo, a participação dos povos tradicionais contribui para a permanência da vegetação


de restinga, dos manguezais e, para a continuidade da cultura e economia de subsistência.
No estudo sobre a apropriação biogeográfica de recursos ambientais, é evidenciada a
exploração dos recursos animais (pesqueiros) e dos recursos vegetais típicos da restinga e
tabuleiros sergipanos- especificamente a mangaba (Hancornia speciosa Gomes) - pelo fato de
serem os elementos que englobam as atividades extrativistas desenvolvidas pelas mulheres no
litoral.

As comunidades tradicionais responsáveis pela conservação dos


remanescentes de mangabeira no litoral nordestino são caracterizadas como
tipicamente extrativistas, tendo como atividades primordiais a pesca, à cata
da mangaba e de outras frutas nativas e naturalizadas (cambuí, murici, caju,
araçá, manga), moluscos (sururu, ostra, massunim, unha-de-velho e outros
mariscos) e crustáceos (siri, caranguejo, aratu, guaiamum, camarão) e o
artesanato de palha das palmeiras licuri e piaçava [...] (MOTA, 2007, p.18 ).

A pesquisa foi desenvolvida levando em consideração a convergência entre os


aspectos materiais do trabalho feminino e os recursos ambientais em Indiaroba, enfatizando as
territorialidades, as formas de apropriação e o manejo respaldado em práticas culturais.
Na maior parte dos grupos que praticam o extrativismo, a organização da atividade é
delineada pela divisão sexual do trabalho, que representa “a construção social de um espaço
dito como inerente à mulher, cujos traços determinam toda posição desigual da sociedade”
(CRUZ, 2005, p.40). Assim, a divisão do trabalho explicita as relações de gênero.
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 27

O gênero corresponde aos papéis desempenhados por homens e mulheres na


sociedade, isto é, a um mecanismo que naturaliza a subordinação do feminino ao masculino.
A relevância do estudo de gênero, no município de Indiaroba, está em possibilitar a
análise e compreensão da estruturação do trabalho de homens e mulheres nas atividades de
base artesanal, da organização social, política e econômica das mulheres, das resistências e
dos conflitos diante da concepção de que os recursos ambientais têm se tornado escassos,
entre outros.
Outrossim, a pesquisa sobre a apropriação dos recursos ambientais através do trabalho
feminino é importante, pois analisa a atuação/organização de grupos que se encontram à
margem das discussões acadêmicas, o que poderá contribuir para que políticas de incentivo às
atividades tradicionais sejam elaboradas; para que haja a equidade entre homens e mulheres;
para o reconhecimento do papel da mulher na manutenção do grupo, e destacar a importância
dos saberes tradicionais para a elaboração de políticas públicas voltadas para o manejo do
ambiente.
No âmbito pessoal, proprorcionou um desvendar de mim mesma, que na qualidade de
mulher negra mergulhava em histórias de outras mulheres negras; marcadas pela dureza das
relações e pelas privações de uma vida digna, no sentido de falta de acessos, mas que eram
encaradas com a firmeza que caracteriza o modo de ser tradicional. Mergulhar no universo
extrativista permitiu um encontro com a resistência e com a resiliência arquitetadas no
cotidiano das extrativistas.
A escolha para que o estudo fosse desenvolvido em Indiaroba deve-se a fato de na sua
porção costeira existir o desenvolvimento de atividades tradicionais (pesca e extração de
mangaba) que contribuem como garantia de alimentos e consumo para os sujeitos locais.
Além disso, é um espaço em transformação com efeitos sobre o modo de vida das populações
que praticam essas atividades.
Na pesquisa, é defendida a tese de que a estrutura socioespacial na qual as mulheres
extrativistas estão inseridas revela papéis hierárquicos que contribuem para diferenciadas
formas de apropriação dos recursos ambientais, constituindo-se em territorialidades femininas
promotoras da resistência no tocante à permanência das atividades tradicionais, no
fortalecimento da identidade de gênero e, consequentemente, na reprodução do grupo social.
Como visto, o extrativismo ou economia extrativa corresponde a “uma maneira de
produzir bens na qual os recursos naturais úteis são retirados diretamente da sua área de
ocorrência natural” (DRUMMOND, 1996, p. 2). As populações que têm nessa atividade sua
fonte de sobrevivência, nos últimos anos, testemunham a dilapidação dos recursos naturais e
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 28

consequente ameaça de extinção do extrativismo devido a impactos negativos provocados


pela intensa exploração do recurso e desmatamento das áreas nativas.
Diante do exposto, algumas questões foram formuladas a fim de contribuir para o
desenvolvimento da investigação e compreensão da temática analisada. São elas:
a) Como o gênero se configura na apropriação dos recursos ambientais?
b) Quais são as transformações socioespaciais presentes na área de estudo e como
estas interferem no desenvolvimento do trabalho dos grupos locais? De que maneira os
indicadores irão auxiliar na avaliação desse panorama?
c) Como as mulheres organizam-se socialmente para a defesa dos seus direitos e
fortalecimento do grupo?
Paralelo aos questionamentos, foram traçados os objetivos que delimitaram o campo
de investigação acerca da espacialidade de gênero no extrativismo.

Objetivos

Objetivo geral

Analisar a apropriação biogeográfica dos recursos ambientais a partir do trabalho


feminino em Indiaroba, destacando os elementos que interferem na resiliência socioecológica,
bem como o processo de organização das mulheres, as formas de resistências e
representatividade nas decisões em defesa dos direitos e fortalecimento do grupo social.

Objetivos específicos

 Compreender o gênero na organização do processo produtivo, político e social dos


territórios de populações tradicionais;
 Examinar, através de indicadores de resiliência socioecológica, as transformações
socioespaciais na área de estudo e suas implicações no trabalho extrativista
desenvolvido pelos grupos locais;
 Identificar e interpretar os mecanismos de apropriação territorial desencadeados pelas
extrativistas que engendram resistências e a manutenção da reprodução do grupo.

A discussão em destaque está estruturada da seguinte maneira: introdução com


indagações sobre os estudos espaciais de gênero e a delimitação do problema de pesquisa,
SANTOS, E. A., 2018 INTRODUÇÃO 29

apresentando argumentos pertinentes sobre a categoria população tradicional; as


transformações ocasionadas por ações antrópicas e seus reflexos no trabalho de grupos
extrativistas, especificamente das mulheres extrativistas; além da relevância da temática para
a ampliação do debate em torno dos grupos em situação de vulnerabilidade social e os
objetivos que balizaram o desenvolvimento da pesquisa.
O capítulo 1 abrange os aspectos teóricos relacionados à paisagem e território numa
perspectiva de uma análise de integração dos elementos físicos e culturais que constituem o
espaço geográfico, buscando a compreensão da complexidade existente na relação natureza e
cultura. Por conseguinte, são apresentados os caminhos trilhados na análise sistêmica e da
complexidade do objeto de estudo.
O capítulo 2 apresenta os elementos que contribuíram para a construção da
subordinação feminina, cuja posição na sociedade (cultural) é definida com base nas
características biológicas (natural); definição que classifica espaços masculinos e femininos,
expressando as desigualdades entre os gêneros. Traceja a inserção da geografia nos
delineamentos de gênero, um movimento que parte das lutas sociais e ocupa o discurso
acadêmico; explicita sobre a vinculação complexa existente entre a mulher e o ambiente no
qual está inserida, uma relação de unidade em que a parte contém o todo, marcada por
transformações que ameaçam o espaço de existência de grupos, devido à exploração intensiva
em prol de atender uma lógica de mercado.
No capítulo 3 é apresentado um esboço das comunidades analisadas, desde os aspectos
físico-ambientais ao contexto histórico de ocupação com as transformações socioespaciais a
partir dos usos diversos; além do perfil da mulheres extrativistas, cujo intuito foi entender a
situação socioeconômica deste grupo.
O mapeamento dos saberes, pontos de pesca, apetrechos e a aplicação da metodologia
de indicadores de resiliência socioecológica em SEPLS foram debatidos no capítulo 4,
possibilitando o entendimento dos elementos que afetam o poder de recuperação da paisagem
e, consequentemente, a qualidade de vida dos habitantes locais.
O capítulo 5 explicita as territorialidades das extrativistas, em que se enfatiza a
hierarquização dos espaços com base na diferenciação sexual, os conflitos decorrentes dos
múltiplos interesses que desenham os usos do território, assim como as estratégias femininas
de manutenção da atividade que denotam relações de pertencimento, configuram lutas e
resistências, um caminho provável para o seu protagonismo. Por fim, tem-se as conclusões em
que foram sublinhados os principais pontos que delinearam a discussão sobre a espacialidade
de gênero na apropriação dos recursos ambientais.
CAPÍTULO 1
TRAMAS DO CONHECIMENTO:
DESVELANDO CONCEITOS E CAMINHOS DA PESQUISA

©Eline Santos

Pescadores destramando a rede ao chegar da pescaria/Preguiça de Baixo

Pescadores destramando a rede ao chegar da pescaria/Preguiça de Baixo

Pescadores destramando a rede ao chegar da pescaria/Preguiça de Baixo

Pescadores destramando a rede ao chegar da pescaria/Preguiça de Baixo

[...] a necessidade de uma nova lógica só faz sentido se for concebida a luz
de um novo paradigma científico, preocupado com a incorporação de
múltiplos saberes em condições de igualdade-ainda que marcados pela
diferença- e cimentado em uma atitude holística frente à presença do homem
no ambiente (SOUZA, p.194, 2007).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 31

1 TRAMAS DO CONHECIMENTO: DESVELANDO CONCEITOS E CAMINHOS


DA PESQUISA

Na busca por desvendar a realidade, caminhos são trilhados, construídos e


modificados ao longo do processo de investigação, posto que a realidade é dinâmica e
complexa, não cabendo apenas num caminhar.
Assim é construída a ciência, numa jornada inquietante que entrecruza os problemas e
as verdades, que não são estanques e nem únicas. Tal disposição forma uma trama que
possibilita novos conhecimentos, passos em direção de uma nova ciência sempre em
construção como a realidade investigada.
Nesta seção, são apresentados os aspectos conceituais de paisagem e território,
categorias geográficas que permitiram uma leitura integrada das comunidades tradicionais de
Indiaroba; além disso, as abordagens que sustentaram toda a análise do objeto de estudo e os
procedimentos adotados na investigação.
O diálogo entre paisagem e território na análise ambiental corresponde às tentativas de
trilhar caminhos que desembocam na busca por uma renovação teórico-metodológica da
ciência na contemporaneidade. Ele parte de uma crítica à fragmentação, característica da
ciência moderna, ao esquartejamento da realidade que é apreendida em seções cuja junção
não abrange a totalidade. Dessa maneira, paisagem e território, numa análise conjunta,
possibilita a apreensão da realidade de forma integradora, em que os elementos biofísicos
apresentam-se inter-relacionados aos antropossociais. Além do mais, confere um diálogo
atrelado aos estudos ambientais, delineados na ciência geográfica desde os anos 1960, sendo
acirrados nos anos 1990 com as questões referentes à sustentabilidade e desenvolvimento
local.
As categorias em destaque expressam-se como potencializadoras da gestão do meio
ambiente, pois a sua análise permite a apropriação de elementos que contribuem para a
elaboração de instrumentos de planejamento e gestão do território, relevantes para a qualidade
de vida.
Destarte, a abordagem ambiental na Geografia hoje prenuncia um caminho complexo,
marcado por vias e direções múltiplas; expressa a necessidade de novas formas de tratamento
do meio ambiente, ou melhor, do desenvolvimento de metodologias que levem em
consideração a dinâmica da paisagem em interação com relações sociais de produção; além
disso, expressa a relevância da articulação da geografia com as demais áreas do conhecimento
para a real compreensão da problemática e tomada de decisões pertinentes ao assunto.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 32

Nesta leitura, a paisagem não está limitada ao visível, à estética, mas como aquela que
efetiva os elementos que humanizam o território, atribuindo a ele as dimensões subjetivas que
configuram a territorialidade como as marcas impressas na paisagem (FERREIRA;
PIMENTEL; BARROS, 2016).
A perspectiva de análise da paisagem em interface com o território na abordagem
ambiental possibilita o entendimento da atuação da estrutura econômica sobre a estrutura
física, modelando a paisagem atual, e também a compreensão da materialização do território
através da apropriação e uso dos recursos, das relações de poder estabelecidas no processo de
configuração espacial, além do mais evidencia um campo de estudo em construção, que
apresenta lacunas a serem minimizadas ao passo do aprimoramento do debate ambiental.
Com base em tais premissas, foram delineadas as seções seguintes, cujo intuito é
apresentar as noções que arquitetaram a análise acerca das relações espaciais de gênero e sua
conformação com a temática ambiental, bem como evidenciar a estrutura conceitual e
filosófica que fundamentou a discussão sobre a configuração do espaço extrativista a partir da
transformação da paisagem e da constituição dos territórios mediante as relações desiguais de
gênero.

1.1 Paisagem: um conceito polissêmico e complexo

A paisagem deve ser analisada além da aparência, dado que resulta “da combinação
dinâmica de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre
os outros” a transforma num “conjunto único e indissociável em evolução” (BERTRAND,
2004, p. 141). Destaque para o ponto em que a paisagem não é uma junção de elementos, mas
a combinação que decorre da interação entre eles. Ademais, esta paisagem não é apenas
natural, mas é integrada, de modo que a ação humana também é levada em consideração e
estudá-la “é antes de tudo apresentar um problema de método” (idem, 2004, p. 141).
Esse é o desafio que os geógrafos enfrentam acerca do estudo da paisagem, uma vez
que envolve um problema de ordem epistemológica e de carência metodológica, como
enfatiza Bertrand (2004) em seu artigo Paisagem e Geografia Física global, ao esboçar um
itinerário para a análise da paisagem fundamentado em alguns princípios, a saber: taxonomia,
dinâmica, tipologia e cartografia das paisagens. Ele considera a paisagem importante para a
Geografia, mas que ainda é caracterizado como um termo impreciso e cômodo, em virtude de
cada pesquisador utilizá-lo conforme a sua orientação teórico-metodológica, perspectiva de
análise e abordagem.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 33

A temática da paisagem na Geografia reúne ao longo do processo histórico diversas


interpretações e conteúdos. Vitte (2007b) esclarece que isso demonstra a complexificação do
conceito em função da forma como foi tratado pelas correntes na ciência geográfica. O autor
aponta para o importante fato de que a discussão da categoria paisagem remete ao processo de
institucionalização da Geografia como ciência, elegendo a superfície da Terra em seus
aspectos físicos e humanos como campo de estudo.
A ideia de paisagem está presente desde os primórdios, fazendo parte da memória dos
grupos ao observar o seu meio, representando por intermédio da pintura a diversidade cultural
existente. Para Maximiano (2004), as expressões desta memória e da observação podem ser
encontradas nas artes e nas ciências dessas culturas que retratavam elementos particulares
(montanhas, rios, animais etc.). Essas pinturas datam de um período entre 30 mil e 10 mil
anos a.C e configuram-se como os registros mais antigos que se conhece da observação
humana da paisagem. Entretanto, é por volta do século XV, no Renascimento, momento em
que o homem começa a distanciar-se da natureza e a elaborar técnicas para a sua apropriação
(SCHIER, 2003; VITTE, 2007b), que se desenvolve o conceito moderno de paisagem
(landschaft) com uma conotação espacial.
O momento reflete o processo de dessacralização da natureza e a emergência do
discurso científico para as explicações dos fenômenos naturais, consequentemente, para o
desenvolvimento do conceito de paisagem na ciência geográfica.

[...] o aparecimento da paisagem foi acompanhado de uma revolução


científica e técnica que libertou a natureza do concurso divino tornando-a
objeto de conhecimento e abrindo caminho à sua manipulação e
transformação com diversos fins. Ao adquirir-se o conhecimento da forma
da terra e a possibilidade da sua medição rigorosa por meio dos métodos de
triangulação, estava aberto o caminho para a exploração e domínio de todo o
planeta [...] (SALGUEIRO, 2001).

Ainda sobre a variação no conceito de paisagem, Guerra e Marçal (2006) sinalizam


que decorre da sua etimologia e origem, o que acarreta uma variedade de significados
conforme as escolas relacionadas à Geografia Física. Deste modo, nas línguas românticas a
palavra origina do latim pagus (país) com as derivações de paisage (espanhol), paysage
(francês) e paissaggio (italiano). As línguas germânicas relacionam paisagem a land,
originando landschaft (alemão), landscape (inglês) e landschap (holandês). Percebe-se que o
termo paisagem, dos primórdios até os dias atuais, passou por variações linguísticas, mas é no
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 34

século XIX que adquire um caráter científico, abrangendo o significado de território


(dimensão espacial) e o caráter visual.
Humboldt foi o responsável por esse novo direcionamento a respeito da paisagem.
Através do estudo da fisionomia e aspecto da vegetação, fez referência à paisagem que passou
a ocupar lugar proeminente na Geografia, constituída como disciplina científica na Alemanha,
no período supracitado (SALGUEIRO, 2001; SCHIER, 2003). No período, o termo
landschaft era utilizado para designar, cientificamente, a paisagem que expressava tanto uma
porção limitada da superfície da Terra, que possuía um ou mais elementos que lhe davam
unidade, como a aparência da Terra conforme era percebida pelo observador (SALGUEIRO,
2001). Nessa perspectiva, ressalta-se o desenvolvimento da abordagem descritiva e
morfológica atrelada a paisagem na fisionomia e funcionalidade da natureza por Humboldt.
Durante o século XIX outros geógrafos procuraram desenvolver a noção de landschaft
na Geografia. Eles aproximaram-se da ideia positivista de Humboldt, em que a paisagem
aparece como conjunto de relações de fatos naturais (geossistemas naturais); no entanto
negavam o seu elemento libertador e estético. Destaque para Carl Ritter, que embora não
tivesse a paisagem como seu principal objeto de estudo, dedicou-se às descrições e análises
regionais. Do mesmo modo, Friedrich Ratzel com sua abordagem antropogênica da paisagem,
demonstrou que ela resulta do distanciamento do homem do seu meio. É nesse período que se
utiliza pela primeira vez o termo geografia cultural. Contemporâneo a Ratzel, Paul Vidal de
La Blache considerava o conceito de “pays” ligado a relação homem com o seu espaço físico
(SCHIER, 2003).
As contribuições dos geógrafos do século XIX e início do século XX permitiram o
avanço dos estudos da paisagem, aparecendo como um conceito integrador que expressava a
nova visão totalizadora da natureza com a sociedade, estendendo para as distinções entre
paisagens naturais e paisagens culturais e os delineamentos entre a geografia física e a
geografia humana.
A morforlogia da paisagem de Carl Sauer apresenta a demarcação de uma geografia
física e cultural, estudo clássico publicado em 1925, no qual a paisagem é considerada como
um conjunto de formas físicas e culturais associadas ou interdependentes, cujo o elemento
tempo é posto como fator para compreensão das suas mudanças. Nessa vertente, a Geografia
está relacionada à conexão entre os fenômenos que compõem uma dada área e a ação humana
que se mostra como principal elemento de transformação da paisagem. O autor relaciona as
alterações das feições físicas às necessidades humanas.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 35

As ações do homem se expressam por si mesmas na paisagem cultural. Pode


haver uma sucessão dessas paisagens com uma sucessão de culturas. Elas se
derivam em cada caso da paisagem natural, com o homem expressando seu
lugar na natureza como agente distinto de modificação. No sentindo
universal, [...], a geografia torna-se, então, aquela parte do último capítulo ou
o capítulo humano na história da Terra que diz respeito à diferenciação da
paisagem pelo homem (SAUER, 2004, p. 43).

Sauer tratou a paisagem à luz do método morfológico, com a sua aplicação tanto nos
aspectos naturais quanto nos humanos. Ao analisar a paisagem cultural, não conseguiu sair do
seu caráter físico-material, pelo fato de estar sob forte influência do positivismo descritivo
(SCHIER, 2003).
Na segunda metade do século XX, a paisagem vai ser examinada na Geografia sob o
prisma sistêmico, fundamentado pelos princípios da Teoria Geral dos Sistemas (TGS),
proposta e formulada por Ludwig von Bertalanffy nas décadas de 1930 e 1940. Esse novo
caminho permitiu avanços nos estudos de paisagem e influenciou diversas áreas voltadas para
o meio ambiente. Nessa abordagem, todos os elementos fazem parte da natureza, sendo os
aspectos fisionômicos deixados de lado e as trocas de matérias e energia dentro do sistema
(complexo físico-químico e biótico) colocadas em evidência. Os sistemas naturais serão
compreendidos através da sua estrutura e funcionamento (GUERRA; MARÇAL, 2006).
A escola soviética destaca-se nas contribuições de ordem epistemológica acerca da
visão sistêmica de paisagem que é pensada como um todo, com a identificação dos seus
elementos internos, estado, funcionalidade, relação com o meio e por fim, como objeto para
intervenções e pesquisas científicas. Maximiano (2004, p. 88) menciona que “a necessidade
de operacionalizar o conceito de paisagem com fins de gestão territorial levou os geógrafos
russos a desenvolverem o conceito de geossistema”. Ora, eram necessários estudos de
classificação das unidades que estruturam a paisagem para a compreensão da sua organização
e elaboração dos planos que representaram a possibilidade de transformação e seu domínio
num período marcado pela expansão das interferências sobre o meio, resultado das políticas
de gestão do mundo socialista.
Victor Sotchava mostrou-se como um dos principais nomes da escola soviética nas
pesquisas geossistêmicas. Instigado pelos fundamentos da TGS formulou os geossistemas,
“classes hierarquizadas do meio natural” (MAXIMIANO, p. 88, 2004). Como salienta
Rodriguez e Silva (2002), ele utilizou toda a teoria sobre paisagens (Landschaft) elaborada
pela escola russa e formulou a Teoria Geral dos Geossistemas, em que o conceito de paisagem
é considerado sinônimo de geossistema, formada por atributos sistêmicos fundamentais:
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 36

estrutura, funcionamento, dinâmica, evolução e informação. Essa abordagem permitiu, pela


primeira vez, aos estudos da paisagema a análise espacial (própria da Geografia Física)
articulando-se com a análise funcional (própria da Ecológica Biológica). Apesar de os
geossistemas serem fenômenos naturais, os fatores socioeconômicos devem ser levados em
consideração, visto que influenciam na sua dinâmica.
O modelo elaborado por Sotchava recebeu críticas que apresentaram imprecisões
quanto à classificação da paisagem, pois utilizava escalas grandes que dificultavam a ligação
com a escala socioeconômica. “A questão da escala também é importante na pesquisa
geográfica de paisagem, pois permite a hierarquização de classes de paisagem.”
(MAXIMIANO, 2004, p. 88, grifo do autor).
Os franceses Bertrand e Tricart também contribuíram para as investigações sobre a
paisagem baseadas na visão sistêmica, embora com métodos diferentes. Bertrand apresentou o
geossistema como categoria espacial cuja estrutura e dinâmica é resultado da interação entre o
potencial ecológico, a exploração biológica e a ação antrópica. Na sua abordagem, o estudo da
paisagem deve ter uma visão de uma Geografia Física Global. Baseou-se nas escalas espaço-
temporais de Tricart, classificando a paisagem em seis níveis: a zona, o domínio e a região
natural (níveis superiores); o geossistema, o geofácies e o geótopo (unidades inferiores). Já
Tricart propôs uma metodologia de delimitação e análise de unidades territoriais, baseada na
intensidade, frequência e interação dos processos evolutivos do ambiente, a qual denominou
ecodinâmica. Nela, as unidades são classificadas em três estágios que representam o nível de
degradação e de conservação: meios estáveis, meios intergrades e meios fortemente instáveis
(GUERRA; MARÇAL, 2006; FERREIRA, 2010).
No Brasil, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro é considerado um dos grandes
propagadores das concepções geossistêmicas, pelo fato de ter contato com teóricos russos e
franceses (NEVES; SAMPAIO, 2010). Além dele, pode-se destacar Aziz Nacib Ab'Saber
com contribuições acerca da metodologia e instrumental nas pesquisas geomorfológicas no
país. Para Ab’Saber, a paisagem resulta da relação entre os processos passados e atuais, sendo
que os processos passados foram responsáveis pela compartimentação regional e os processos
atuais respondem pela dinâmica atual da paisagem (VITTE, 2007b).
Assim, a formulação do conceito de paisagem na geografia brasileira foi influenciada
pelos teóricos da escola francesa. Neste percurso, a paisagem foi se configurando como
método de pesquisa ou como uma abordagem para análise geográfica do espaço. Sabe-se que
embora seja um conceito importante na Geografia, ainda não está de todo acabado, havendo
imprecisões quanto a seu conteúdo, como abordado na discussão. Contudo, existem pontos
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 37

que são comuns aos conceitos: a inclusão da existência humana, o aspecto visual (resultado
dos eventos naturais e sociais) e a questão da escala que permite hierarquizar as classes de
paisagem (MAXIMIANO, 2004)
Nos anos 1970, devido à oposição ao positivismo e ao neopositivismo, a paisagem foi
isolada, não ocupando espaço na Geografia. Em vista disso, na ruptura entre a geografia física
e geografia humana que ocorreu no período, a paisagem foi relegada a uma posição
secundária (FERREIRA; PIMENTEL; BARROS, 2016; CORRÊA; ROSENDAHL, 2004).
Todavia, na contemporaneidade ressurgiu com facetas fundadas em outras matrizes
epistemológicas, apresentando várias dimensões: morfológica, funcional, histórica, espacial e
simbólica.
Na avaliação da paisagem sob a ótica cultural, ela está intimamente ligada à cultura,
correspondendo a um território visto e sentido, portanto subjetivo e elaborado pela mente
(SALGUEIRO, 2001), visão que formata as novas vertentes da paisagem a serem exploradas
na ciência geográfica, ou seja, a adesão da abordagem cultural fundada numa análise
simbólica de paisagem, em que a cultura aparece como ponto que envolve o homem e o meio.
Cosgrove (2004, p. 99) considera que,

[...] a paisagem está intimamente ligada a uma nova maneira de ver o mundo
como uma criação racionalmente ordenada, designada e harmoniosa, cuja a
estrutura e organismo são acessíveis a mente humana, assim como ao olho e
agem como guias para os seres humanos em suas ações de alterar e
aperfeiçoar o meio ambiente.

A ideia de paisagem cultural na geografia está associada às marcas deixadas pelo


homem, que traduzem as formas de apropriação e os usos dos elementos que a constituem,
que refletem as suas representações em relação ao que o cerca. Elas simbolizam a dimensão
socioecológica da paisagem e correspondem aos espaços geográficos que as sociedades
transformam para produzir, habitar e sonhar (RODRIGUEZ; SILVA, 2002).
Na década de 1980 surge um novo desafio no tocante à investigação acerca da
paisagem, pois era preciso entendê-la sob o ponto de vista ambiental, que engloba uma análise
integrada e complexa. Nessa lógica, a paisagem deve ser analisada de forma articulada aos
diferentes níveis de interação entre a sociedade e a natureza.
Com base nos pressupostos, salienta-se que a análise da paisagem neste estudo ocorreu
mediante o entendimento de como a base natural em determinado espaço de tempo se
comporta diante das modificações da sociedade, quando da apropriação, ocupação e usos
diversos. Pretendeu-se decodificar a paisagem geográfica além do seu estudo morfológico, ou
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 38

seja, como objeto geográfico que está em toda a parte, conforme destacaou Cosgrove (2004).
A paisagem aparece, assim, como caminho para a leitura da organização espacial, da forma
como os grupos se relacionam com o meio e entre si, produzindo o território e
consequentemente, o espaço geográfico. Nessa perspectiva, a paisagem apresentou-se como
cenas dinâmicas que possibilitam a intepretação das relações de poder estabelecidas e que
produzem o território.
Paisagem e território surgem como elementos de interpretação da realidade geográfica,
como elos para uma análise integrada de comunidades que têm no extrativismo a sua fonte de
existência e de luta, permitindo uma aproximação da totalidade espacial.

1.2 Território, territorialidades e identidade territorial: entrelaçando conceitos


dinâmicos

Assim como a paisagem, o território consiste numa das categorias de análise da


ciência geográfica e nos últimos anos tornou-se um conceito em evidência nas ciências que
buscam o entendimento da produção do espaço (HAESBAERT, 2004a; SAQUET; SPOSITO,
2015; TERRA, 2009). Por conta disso, críticas são tecidas quanto ao uso exacerbado do
conceito na atualidade. Alguns teóricos discorrem que no Brasil o conceito tornou-se uma
“coqueluche” com características de um modismo e que isso traz malefícios que podem
resultar numa “hipertrofia da capacidade explicativa do conceito” (SOUZA, 2015, P. 54,
grifo do autor).
Críticas à parte, o conceito de território é importante para apreender os vários ângulos
do espaço geográfico, já que permite o entendimento do espaço geográfico através da relação
entre homem e natureza, definidas através do poder. Logo, caracteriza-se como um conceito
complexo, múltiplo, “substantivado por vários elementos, no nível do pensamento e em
unidade com o mundo da vida” (SAQUET, 2010, p.13).
Por possuir tradição em outras áreas, o territótio apresenta-se com prismas e
interpretações distintas que corroboram em divergências conceituais, apesar de ser central na
Geografia, cuja ênfase é dada a sua materialidade. Na Ciência Política, seu destaque é dado na
análise das relações de poder ligadas à concepção de Estado; na Economia é compreendido
como um fator locacional ou como base da produção; na Antropologia é salientada a sua
dimensão simbólica; na Sociologia é concebido segundo sua intervenção nas relações sociais;
e na Psicologia é incorporado no debate da identidade pessoal (HAESBAERT, 2004a). O
território compreende uma das facetas da realidade e a sua análise estará condicionada ao
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 39

ramo científico e à vertente filosófica, os quais o pesquisador terá como norteadores da


investigação.
O termo território tem origem nas ciências da natureza e tornou-se científico a partir
dos estudos da Etologia. A expressão território vem sendo utilizada nas Ciências Sociais,
sobretudo na Geografia, desde o século XIX e a maioria dos estudos que o emprega foi
realizado na escala do território nacional e/ou do Estado-Nação. O território correspondia à
área sob o domínio de uma nação ou na qual a nação possuía soberania sobre as demais.
Nesse período, é atribuído ao território o sentido político e jurídico, com raízes na formação
dos Estados modernos europeus do Renascimento (TERRA, 2009).
Na contemporaneidade, o território aparece como um conceito proeminente nos
estudos geográficos, como já explicitado. No entanto, sua ênfase e emprego como dimensão
espacial nas Ciências Sociais só passou a ocorrer na década de 1960 à medida que a Geografia
e as demais áreas necessitavam acompanhar as transformações socioespaciais. Nota-se a
ausência de diálogo entre as áreas das Ciências Sociais e da Geografia nas discussões
epistemológicas iniciais do território, que o incorporou no interior das suas múltiplas facetas e
interpretações no final dos anos 1980 (HAESBAERT, 2004; ROCHA, 2008). Verifica-se,
assim, que na exposição da trajetória de território tem-se a apreensão da sistematização e
legitimação da própria Geografia como disciplina escolar acadêmica (TERRA, 2009).
Alicerçado na origem do termo, Haesbaert (2004a; 2004b) assevera que território,
territorium em latim, deriva de terra, que significava no sistema jurídico romano pedaço de
terra apropriado nos limites de uma jurisdição. Enfatiza ainda a proximidade etimológica
entre terra-territorium e térreo-territor (aterrorizar, aquele que aterroriza), o que leva a
concepções atreladas à dominação (jurídico-política) e à apropriação (vivência). Desta forma,
o território traz em seu bojo o poder político do Estado, no sentido mais concreto de
dominação, mas também o poder simbólico vinculado a ideia de apropriação, valorização
simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido.
Por ser um conceito múltiplo, o referido autor agrupa as concepções de território em
três vertentes básicas: i) política, o território é visto como espaço de dominação política;
espaço delimitado e controlado, na maioria das vezes, por meio do poder político do Estado;
ii) cultural ou simbólico-cultural, o território é analisado como espaço de referências
identitárias); iii) econômica, o território como fonte de recursos; como localização econômica.
Posteriormente, acrescenta a naturalista, na qual o território é definido com base nas relações
entre sociedade e natureza (HAESBAERT, 2004a).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 40

Com tais características, o território aparece como um conceito multidimensional,


relacional, já que ocorre a interação entre as dimensões de poder, e que se efetiva em escalas
distintas, componentes que atribuem a este o caráter múltiplo e flexível, em razão de
estabelecer-se como temporário e/ou permanente, modificado ao longo do tempo (ROCHA,
2008).
Território como conceito que possibilita a leitura da dinâmica espacial deve ser
analisado numa perspectiva que considere as dimensões apresentadas, a interação entre o
simbólico e o material, para que assim tenha uma aproximação da realidade posta. De tal
modo, é preciso atentar-se para suas dimensões num sentido de integração e não de primazia
de uma sobre outra, porque isso acarretaria numa análise fragmentada do espaço
(HAESBAERT, 2004; SAQUET; SPOSITO, 2015).
Numa visão diferente, Ratzel, foi pioneiro nas argumentações em torno do conceito na
ciência geográfica e isso foi fundamental para os delineamentos de território na atualidade.
Primeiro grande teórico da Geografia a sistematizar o conceito território, mostrou que este
resultaria da união entre o povo e o solo na organização da sociedade e estruturação do
Estado, em outros termos, a união entre Estado e solo ocorreria a partir da sociedade. Ele
considerava que “o Estado não podia existir sem um solo” (RATZEL, 1982, p. 93),
igualmente o desenvolvimento do povo não ocorreria se não estivesse ligado ao solo. Para
este autor, o território representaria a força, a fonte de vida do Estado. É salutar acentuar que
Ratzel fez menção a um território calcado em proposições de um período referente ao
surgimento do Estado através dos clãs e a expansão do solo. Neste sentido, o Estado aparece
como o responsável pela defesa do solo e da defesa do homem pelo seu espaço de poder.
Em Ratzel tem-se a concepção clássica de território, relacionada ao domínio sobre
uma área, ou seja, o elo entre o natural e o político. Para ele, “era um instrumento de
dominação de um determinado povo sob outros, ampliando sua área de influência econômica
e cultural” (ROCHA, 2008, p. 137). Suas teorizações acerca do território contribuíram para o
surgimento da Geografia Política (Geografia do Estado), em que era analisado conforme uma
visão naturalizante e determinista e a concepção de poder estava atrelada ao Estado.
Todavia, Souza (2015, p. 59) discorda quanto ao uso do termo território em Ratzel, já
que este conceito “pouco ou nada tem do status de uma categoria científica plenamente
individualizada”. Ele acrescenta que o que existe são alusões ao solo (Boden), ou mesmo
Territorium num sentido que “não dá margem a uma autêntica emancipação conceitual”.
Ainda sobre o panorama histórico de território, com a escola possibilista francesa e no
período da Nova Geografia ou Geografia teorético-quantitativa e da Geografia Cultural, este
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 41

conceito foi levado ao ostracismo, em que paisagem e organização espacial tornaram-se


centrais nos estudos geográficos. Somente na época da Geografia Crítica, fundamentada no
materialismo histórico e dialético, é que o conceito emerge retrabalhado, sendo seu novo
significado atrelado ao uso que a sociedade faz do espaço mediante o trabalho social. Nesse
período, o território que ressurge nada tem a ver com o conteúdo geopolítico associado à
Estado-Nação de Ratzel; o termo estaria relacionado à globalização, num “processo de
ampliação da interdependência das relações sociais e econômicas em escala internacional”
(TERRA, 2009, p. 23).
A partir do exposto, verifica-se que território nos últimos anos aufere sentidos
diferentes, que abarcam questões relacionadas desde a parte física até aquelas referentes à
subjetividade, de nível cultural.
A fim de sistematizar a evolução conceitual de território na Geografia no século XX, a
partir de obras de autores brasileiros e europeus, Saquet (2010) identificou e apontou quatro
tendências e/ou perspectivas de abordagem deste: entre os anos de 1950-1970 tem-se a
eminentemente econômica, impregnada do materialismo histórico e dialético, na qual o
território é concebido mediante relações entre produção e forças produtivas; geopolítica e,
política e cultural, simbólico-identitária com ênfase nas representações sociais; a última nos
anos de 1990, voltada para a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento local. Nesse
processo, ocorreu a reelaboração da geografia brasileira e os estudos de território de matriz
biológica ou com base na atuação do Estado-Nação transcorreram para uma abordagem
relacional-processual, com o reconhecimento da apropriação e dominação na configuração
espacial, na relação espaço-poder manifestada num movimento histórico e multiescalar.
Com base em tais proposições, o território pode ser decodificado sob diferentes
abordagens e perspectivas que devem ser contextualizadas no espaço e no tempo, as quais
revelam uma produção em torno do desenvolvimento do conceito por diversos autores e em
diferentes óticas na atualidade.
Em Claude Raffestin (1993), o território é entendido a partir da apropriação do espaço.
Nessa análise, o espaço geográfico é percebido como substrato, matéria-prima preexistente ao
território. Isto posto, o espaço se tornará território por meio da ação que um ator projeta
através do trabalho, marcada por relações de poder. O território é um espaço político,
produzido e organizado pelo ator com base nos seus objetivos e interesses, demonstrando
nesse processo a relação que a sociedade mantém com a natureza.
Para o referido autor, o limite de um território é marcado pelas ações que o grupo
mantém com uma porção do espaço; pelo poder manifestado numa determinada área; desse
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 42

modo, assim como o território, este é revelado em escalas distintas. A escala do território
delimita a escala do poder; porém, existem os poderes que interferem em todas as escalas (o
Estado-nação, por exemplo) e aqueles que estão limitados em escalas específicas, como os
grupos tradicionais. Portanto, têm-se relações de poder em diferentes escalas que corroboram
com a produção de múltiplos territórios, cada um com suas territorialidades e dimensão
própria, sendo apreendidos e vivenciados pelos atores sociais (TERRA, 2009).
Com base nas proposições, o poder molda o território; ele integra as relações tecidas
na trama territorial, instituindo-se como elemento fundamental para o seu entendimento, em
razão deste só existir a partir das relações de poder.
Raffestin (1993), inspirado nas discussões de Foucault acerca do poder, formula uma
abordagem relacional, em que este é analisado segundo as práticas ou relações sociais, já que
resulta delas. Nesta perspectiva, o poder é multidimensional e abarca desde o poder estatal até
os micropoderes, presentes nas práticas cotidianas, em todo lugar; por isso, é inútil procurá-lo
na origem de um ponto central, isto é, num centro único de soberania, já que é o alicerce
móvel das relações de força que, por sua desigualdade, desencadeiam estados de poder locais
e instáveis.
De fato, “o poder visa o controle e a dominação sobre homens e as coisas”, e o
território é a cena do poder, lugar de todas as relações, ou seja, o espaço político e o campo de
ação do poder (RAFFESTIN, 1993, p. 64).
Destarte, as formulações de Raffestin acerca de poder vêm romper com a ideia clássica
do Estado como único dotado de tal componente, o que leva a perceber a existência de outras
formas de organizações dotadas de poder político, pois todo o conteúdo da relação é político
(SAQUET, 2009). Com base nisso, o território carrega a complexidade das relações de poder,
o qual se estende por todas as esferas da sociedade, sendo rizomático e multifacetado.
Outro estudioso que compartilha da ideia de território mediante as relações de poder é
Robert Sack, apesar de seu conceito principal ser o de espaço geográfico (SAQUET, 2010).
Para ele o território significa uma área dominada e controlada; nasce das estratégias de
controle por um grupo de pessoas que tenta afetar, influenciar o comportamento do outro,
incluindo o controle de elementos não humanos dentro dessa porção do espaço.
O território em Sack é dinâmico, uma vez que pode existir num determinado momento
e em outro não, a depender do exercício de controle; assim como a territorialidade que se
desenvolve num tempo limitado. Tempo e espaço são fundamentais para o entendimento das
transformações do território.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 43

Neste processo, a territorialidade manifesta-se como forma espacial do poder, ou


melhor, expressão primária do poder social e as relações humanas espaciais resultam deste
poder ao ser manifestado quando do controle e influência de uma área. Por conseguinte, a
territorialidade está imbricada nas ações de um indivíduo ou grupo ao afetar, influenciar ou
controlar pessoas, fenômenos e relações, delimitando e afirmando o controle sobre o território
(SACK, 1986). “A territorialidade está intimamente relacionada a como as pessoas usam a
terra, como organizam o espaço e como dão significados ao lugar” (idem, 1986, p. 2). Em
síntese, a territorialidade é uma estratégia geográfica de controle de pessoas ou coisas pelo
controle de área; é o poder manifestado pelos indivíduos ao controlar uma área.
Algo importante que o autor destaca é que os “territórios são construídos socialmente,
seus efeitos dependem de quem está controlando quem e para quais propósitos” (SAQUET;
SOUZA, 2009, p.52). Desse modo, o território tanto pode ser usado para agregar como para
excluir e a territorialidade não precisa ser uma área defendida, já que os indivíduos que
exercem o controle podem ou não estar no território. Todavia, objetos (cercas, muros etc.)
podem ser usados como símbolos para o controle da área e a territorialidade estabelece-se
neste processo.
Em Sack (1986), a territorialidade apresenta três facetas importantes para a sua
definição e compreensão: envolve uma forma de classificação por área com a limitação do
contato a objetos e pessoas, com o controle do acesso sobre a área e as coisas dentro dela ou
as coisas de fora dela por restringi-las de dentro; e contém uma forma de comunicação, a qual
informa sobre as restrições daquela área. Isto posto, a territorialidade figura como um
panorama das relações espaciais humanas e da execução do poder sobre o espaço.
De igual modo a Sack, Raffestin considera territorialidade como basicamente humana
(Rocha, 2008), uma vez que é analisada a partir da multidimensionalidade do vivido territorial
pelos membros do grupo social. A territorialidade na perspectiva de Raffestin (1993) é
traduzida nas vivências marcadas pelas relações de poder, as quais modificam a natureza, o
homem e as formas de interação social. Ela corresponde a um conjunto de relações que se
origina num sistema tridimensional formado pela sociedade-espaço-tempo, caracterizando-se
como dinâmica, visto que ocorrem suscetíveis variações temporais dos elementos que a
constituem.
Numa abordagem mais recente, Haesbaert (2007) apresenta a territorialidade como
algo abstrato, não no sentido de uma abstração analítica, mas como imagem ou símbolo de um
território e que pode-se inserir eficazmente como uma estratégia político-cultural, ainda que o
território ao qual se refira não esteja materialmente manifestado. Dessa maneira, a
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 44

territorialidade manifesta-se independentemente da efetivação do território, por revelar-se


tanto no sentido simbólico como material. Isto posto, a territorialidade não pode ser reduzida
à dimensão simbólica do território, conforme enfatiza o autor ao tecer crítica a estudiosos que
tratam a territorialidade tão somente como esfera cultural do território. Neste sentido, o autor
apresenta uma visão múltipla de territorialidade, na qual o material e o imaterial são postos
como dimensões da análise das relações vividas pelos indivíduos em diferentes escalas
espaço-temporal.
Saquet também formula a territorialidade como sendo múltipla, pois abarca as relações
diárias que os indivíduos desenvolvem entre si nas mais diferentes escalas que compõem o
seu espaço de vivência. Elas expressam o poder e contêm aspectos subjetivos e biológicos,
isto é, revelam a complexidade social existente na interação destes indivíduos com o meio e
com os outros.

A territorialidade é o acontecer de todas as atividades cotidianas, seja no


espaço de trabalho, do lazer, da igreja, da família, da escola etc., resultado e
determinante do processo de produção de cada território, de cada lugar; é
múltipla, e por isso, os territórios também o são, revelando a complexidade
social e, ao mesmo tempo, as relações de dominação de indivíduos ou
grupos sociais com uma parcela do espaço geográfico, outros indivíduos,
objetos, relações (SAQUET, 2010, p. 129).

A territorialidade é concebida como as estratégias que interferem na organização


político-social dos indivíduos, as quais são fundamentais nos processos de luta,
principalmente de grupos que têm nos espaços de uso comum a sua fonte de sobrevivência e a
manutenção da sua identidade. A partir desse viés, as territorialidades das mulheres
extrativistas de Indiaroba foram desveladas, mediante a leitura da organização do grupo
quanto à apropriação e ao uso comum dos recursos, das dificuldades para a manutenção da
atividade e devido aos múltiplos interesses dos atores que constituem o cenário local.
Assim, as territorialidades demonstram a variedade de atores envolvidos em
determinados territórios, as ações distintas de apropriação do espaço e de utilização dos
recursos naturais (SILVA, 2007) que podem resultar em conflitos, bem como na promoção de
trocas que venham a fortalecer as identidades forjadas no encontro com o “outro”.
A identidade é uma construção histórica e relacional, pois é configurada tanto em
relação ao passado, à memória e à imaginação quanto em relação ao presente e ao entorno
espacial que se vivencia. Dessa maneira, a historicidade e a espacialidade configuram a
identidade do sujeito que é sempre produzida “na relação com aquele que é estabelecido como
o seu “outro” (HAESBAERT, 2007, p. 36).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 45

O processo de “identificar-se com” revela a diferença como marca da identidade, pois


não há como identificar-se sem a existência daquilo que o contrasta, que o distingue. Por isso,
a diferença é sustentada pela exclusão e estabelecida pela marcação simbólica, na qual é dado
sentido às práticas e às relações sociais, definindo quem é excluído e quem é incluído
(SILVA; SILVA, 2011).
Na pesca, em específico, a marcação simbólica é estabelecida pelos códigos de
conduta, pelo uso consuetudinário do espaço, definindo a partir desses elementos quem é de
dentro e quem é de fora, classificando e controlando o acesso.
Outrossim, a identidade é dinâmica, uma vez que é reconstruída histórica e
coletivamente pelos sujeitos locais ao interagir entre si e com o meio ambiente, de forma a
potencializar ações e os recursos para o desenvolvimento local, como enfatiza Saquet (2010).
Com base nesse pressuposto, nas comunidades extrativistas investigadas os processos
identitários são produzidos na apropriação simbólica e material do território. O território
desvela as formas de apropriação coletiva e familiar da terra e dos recursos naturais que
garantem a reprodução física, social e cultural dessas comunidades. Nesse âmbito, o território
é produto e condição social para a constituição da identidade local e a identidade só pode ser
compreendida num contexto relacional específico (CRUZ, 2007).
Segundo Haesbaert (2007), as identidades forjadas na relação com o território
(simbólico ou material) são instituídas como identidades territoriais, como é o caso das (os)
extrativistas de Indiaroba que têm nas tessituras das atividades desenvolvidas no espaço os
referenciais simbólicos que engendram as suas identidades e suas lutas. Isto posto, toda
identidade territorial é uma identidade social definida fundamentalmente através do território,
em outras palavras, na constituição da identidade territorial o espaço aparece como elemento
central de identificação e ação política. Porém, nem toda identidade social é uma identidade
territorial, no sentido da centralidade adquirida pelo referente espacial em estratégias de
apropriação cultural e política dos grupos sociais.
A identidade territorial é apreendida como um processo dinâmico que vai se
construindo na sociedade entre os indivíduos e que se desenvolve em função de característica
materiais e imateriais do território, e das relações que a população estabelece com ele. Dessa
maneira, a identidade territorial apresenta um caráter dinâmico e mutável no tempo e no
espaço de forma a regular as relações com o território. Ela revela-se e revela-nos o que liga e
une uma determinada comunidade com o espaço onde está inserida (MAZZA; JACINTO,
2015).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 46

Assim, a identidade é fonte de significados culturais que são materializados na prática


cotidiana, envolvendo relações afetivas e de pertencimento que fundam o agir coletivo dos
sujeitos que constroem o território.
Ao retomar às conceituações de território, na tentativa de realçar a sua multiplicidade,
Haesbaert (2004a; 2004b) recomenda que este seja investigado através da funcionalidade e do
simbolismo presentes na sua produção. Para o cautor, o território “é construído no jogo entre
material e imaterial, funcional” (HAESBAERT, 2004b, p. 38). A dimensão funcional,
difundida na maior parte das abordagens, estaria relacionada ao seu aspecto material, em que
o território abrange os processos de controle e surge como recurso, abrigo físico, fonte de
recursos ou meio de produção. Já o simbólico, que ganhou notoriedade nos últimos anos,
envolve os processos de apropriação simbólica que contribuem para a reprodução social do
grupo.
Ao sugerir tais delineamentos, Haesbaert (2004a) tenta superar a dicotomia existente
entre materialismo e idealismo evidenciando e propondo um enfoque do território numa
perspectiva integradora, geográfica que “vê a territorialização como um processo de domínio
(político-econômico) e/ou apropriação (simbólico-cultural) do espaço pelos grupos humanos”
(idem, 2004a, p. 16).
Na proposta deste autor, o território é entendido através da concepção de espaço como
um híbrido, concebido por meio

da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das


relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem
mais estritamente cultural. Híbrido entre sociedade e natureza, entre política,
economia e cultura, e entre materialidade e idealidade, numa complexa
interação tempo-espaço (HAESBAERT, 2004a, p. 79).

Na abordagem integradora de Haesbaert, o território surge com a ideia de processo,


em que é produto do movimento de territorialização e desterritorialização do espaço,
característico da modernização e da globalização. Na sua análise sobre os movimentos do
território no espaço, o autor tece uma crítica ao discurso da desterritorialização, que resultaria
no desaparecimento dos territórios. Ele defende a tese de que existe uma nova forma de
territorialização, chamada multiterritorialidade, a qual corresponderia à articulação simultânea
de múltiplos territórios, em que o movimento de destruição destes levaria a sua reconstrução
em novas bases. Com isso, o autor apresenta uma significativa contribuição acerca das
concepções de território, permitindo o entendimento da construção das novas territorialidades
quando do processo dialético de destruição de territórios e construção deles.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 47

Em Marcos Saquet (2009, 2010 e 2015), o território aparece como produto de forças
econômicas, políticas e culturais; sua análise apresenta-se como um percurso a ser desenhado
na elaboração de projetos de desenvolvimento local. Na sua apreciação evidencia a relação
espaço-tempo, em que a história dos lugares manifesta-se como elemento fundamental para a
compreensão das transformações espaciais e da diferenciação entre eles; porquanto cada
espaço possui o seu tempo e cada tempo o seu espaço. Nessa linha teórica, Saquet elabora
uma abordagem (i) material do território, centrada na relação espaço-tempo.
Segundo Saquet (2010), o território inscreve-se como campo de forças que envolvem
as relações sociais (econômicas-políticas-culturais) e é produzido espaço-temporalmente pelo
exercício do poder por determinado grupo social. Ele apresenta a dinamicidade como
característica, uma vez que pode ser temporário ou permanente e se efetivar em diferentes
escalas, envolvendo a dialética entre o natural e o social presente no homem. Em síntese, o
território revela-se como “um espaço de organização e luta, de vivência da cidadania e do
caráter participativo da gestão do diferente e do desigual” (idem, 2010, p. 129).
Foi a partir das abordagens que marcaram a Geografia brasileira dos anos de 1990 que
se interpretou o território no espaço extrativista em Indiaroba. Logo, o território nesta
investigação foi decifrado segundo os pressupostos que consideram a sua multiplicidade, a
interferência das ações objetivas e subjetivas na sua produção. Buscou-se apreender as
territorialidades femininas baseadas na visão integradora de território, na qual este aparece
como uma das facetas do espaço que permite a aproximação das questões referentes às
diferenciações espaciais e das desigualdades presentes na escala analisada.
Destarte, território aqui aparece como expressão da luta social, da organização dos
grupos quanto a sua reprodução social, num espaço marcado por transformações de ordem
econômica que interferem nas dimensões natural, política e cultural, desencadeando conflitos
no uso do espaço. Portanto, foram enfatizadas as dinâmicas política e cultural, simbólico-
identitária presentes no espaço extrativista.

1.3 Percursos metodológicos na análise geográfica do trabalho feminino em


comunidades extrativistas

A pesquisa engloba caminhos trilhados que se fundiram no desvelamento da realidade


que está em transformação, sendo ela dinâmica, integrada e complexa. Pesquisar é ao mesmo
tempo um debruçar sobre o objeto e sobre si, posto que a neutralidade científica já não mais
comporta o pesquisador. Mergulhado na trama tecida por meio das trocas entre os indivíduos
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 48

da realidade analisada, o pesquisador é impactado e impactante no cenário de investigação,


como demonstra Demo (2006), ao afirmar que pesquisar é condição essencial do descobrir e
do criar; é também dialogar, no sentido específico de produzir conhecimento do outro para si
e de si para o outro.
Nos estudos sobre gênero e espaço com ênfase no trabalho de mulheres extrativistas,
caminhos traçados em princípios clássicos não mais abarcam as suas realidades, as quais são
marcadas pela omissão nos discursos políticos e acadêmicos, dado que estes são embasados
nos moldes de uma ciência eurocêntrica e patriarcal. Ao evidenciar a invisibilidade feminina
nos discursos geográficos, Silva, Ornat e Chimin Junior (2011) apontam a construção da
própria ciência sob a ótica masculina e fruto do processo de colonialidade como responsável
por tal quadro e como um entrave para a criação de novas perspectivas acerca da ciência
geográfica. No entanto, é preciso desconstruir as amarras mecânico-cartesianas e construir um
caminhar desenhado na fluidez das etapas de investigação; caminhos entrelaçados no
cotidiano de mulheres e homens que têm na atividade extrativista a garantia da soberania
alimentar e da reprodução do grupo, consequentemente, da manutenção da biodiversidade
local.
Nesta seção, será apresentado o esboço da investigação acerca da apropriação
biogeográfica dos recursos ambientais por mulheres extrativistas de Indiaroba, ou seja, das
suas territorialidades; análise que esteve fundamentada pelos princípios sistêmicos e da
complexidade em que o entendimento da organização espacial partiu de um estudo integrado
da realidade investigada.
Manosso (2008) valida que os estudos integrados da paisagem contemplam as
dinâmicas socioeconômicas sobre um plano de atributos e elementos físicos que são de
funcionalidades próprias no espaço e no tempo. Por conseguinte, possibilitam a compreensão
da relação dos atributos físicos com as atividades econômicas e os processos históricos de
ocupação.
Território e paisagem aparecem no estudo em questão como categorias geográficas
norteadoras e fundantes da investigação, em razão de propiciar a compreensão da organização
do espaço a partir das relações de poder estabelecidas na apropriação dos recursos ambientais
na área investigada, além de proporcionar o entendimento das transformações a partir da luta
pelo controle do território, pelo estabelecimento das territorialidades tecidas no
desenvolvimento da atividade extrativista.
Com referência a gênero e trabalho, apresentam-se como categorias que
subsidiam/direcionam a apreensão das transformações e organização do espaço geográfico
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 49

através da ação de homens e mulheres no extrativismo, as representações em torno da mulher


no tocante à concepção de invisibilidade do seu trabalho e condição de subordinação no
grupo, que legitimam injustiças sociais.

1.3.1 Abordagem sistêmica e complexidade na análise dos estudos espaciais de gênero

Como um mapa a ser completado que se esboça os sintomas de uma ciência nova.
Esta proposição foi apresentada por Silva e Galeno (2008) em sua obra Geografia- ciência do
complexus: ensaios transdisciplinares, a qual sintetiza as discussões acerca de uma nova forma
de percepção da realidade; ou seja, a busca de uma nova lógica que responda às necessidades
não mais encontradas no antigo modelo científico.
O modelo cartesiano ou mecanicista não conseguia explicar a dinâmica da sociedade
que se apresenta complexa, organizando-se constantemente como um sistema com grandes
números de variáveis, no qual as certezas apregoadas anteriormente por este modelo passaram
a ser redefinidas, imprevisíveis e fora de controle (SILVA; GALENO, 2008). Neste sentido,
os pressupostos teórico-metodológicos cartesianos, fundamentados na concepção de que a
partir da análise das partes compreende-se o funcionamento do todo, não alcançava a
explicação da realidade na sua totalidade.
A busca por um caminho que respondesse a novos questionamentos, rompendo
barreiras, ultrapassando velhos e inertes paradigmas, tornou-se um desafio para estudiosos
que desejavam ir além do modelo regido pela concepção mecânica do Universo linear e
sincrônico (VITTE, 2007a). Nesse contexto, na década de 1930 ressurgiu com os biólogos o
pensamento integrado e sistêmico numa visão de relação, contexto e dinâmica. Nesse período,
ocorreu a primeira formulação teórica de sistemas preconizada Ludwig Von Bertalanffy e R.
Defay, com aplicações na biologia e na termodinâmica (TROPPMAIR; GALINA, 2006;
LIMBERG, 2006).
A Teoria Geral do Sistema, desenvolvida por Bertalanffy nos anos de 1930,
(RODRIGUEZ; SILVA, 2013) expandiu-se em várias direções, configurando como um novo
modo de pensar a ciência.
Na Geografia, a abordagem sistêmica tornou relevante “o direcionamento para a
sistematização e integração do meio ambiente com seus elementos, conexões e processos
como um potencial a ser utilizado pelo homem” (TROPPMAIR; GALINA, 2006, p. 80).
A partir das leituras de Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2010), é possível afirmar que a
concepção sistêmica consiste numa abordagem em que a diversidade da realidade estudada
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 50

pode ser considerada uma unidade (sistema) regulada por categorias sistêmicas como
estrutura, elemento, meio, relações etc. Os estudiosos ressaltam que o sistema consiste no
conjunto de elementos que possuem relação mútua, formando uma unidade e integridade. Ele
muda constantemente, devido ao metabolismo de suas partes inter-relacionadas num todo
integral.
Na Geografia, o desenvolvimento de pesquisas apoiadas na abordagem sistêmica tem
adotado o estudo de geossistema. Este termo foi criado pelo russo Sotchava, na década de
1960, que o conceituou como formações naturais, experimentando, sob certa forma, o impacto
dos ambientes social, econômico e tecnogênico. São fenômenos naturais cuja estrutura e
peculiaridades espaciais podem ser afetadas por fatores sociais e econômicos (SOTCHAVA,
1977). Dessa maneira, o geossistema trata do caráter territorial e espacial do sistema.
Troppmair e Galina (2006, p.81) destacam que Sotchava, ao criar o termo geossistema,
o deixou muito vago e flexível; por isso, é utilizado e empregado como conteúdo,
metodologia, escala, enfim, com enfoques diferentes. Eles apresentam o “geossistema como
um sistema natural, complexo e integrado, no qaul há circulação de energia e matéria e onde
ocorre exploração biológica, inclusive aquela praticada pelo homem”. Eles chamam atenção
para a interferência que a ação antrópica exerce sobre o sistema, afirmando que esta afeta
apenas algumas de suas características, que são perceptíveis somente em microescala e não
com tamanha intensidade a ponto de transformar totalmente as características do geossistema
e fadá-lo ao desaparecimento.
Na presente pesquisa, o enfoque sistêmico e a complexidade engendraram a base
científica para a análise da paisagem. A partir da aplicação da metodologia de Indicadores de
Resiliência em Produção Socioecológica de Paisagens Continentais e Marinhas (Socio-
ecological Production Landscapes and Seascapes –SEPLS), foi possível entender as
transformações da paisagem no município de Indiaroba, as interações entre as condições
naturais e a produção social numa análise histórico-natural. Desse modo, numa perspectiva
integrada da paisagem, a organização espacial da área de estudo foi decodificada, com
destaque para os elementos do ambiente que estruturam o trabalho feminino.
Os Indicadores de Resiliência em SEPLS 2 consistem num conjunto de 20 indicadores
projetados para capturar diferentes aspectos dos sistemas ecológicos, agrícolas, culturais e
socioeconômicos. Eles são quanti-qualitativos, cuja mensuração é baseada em observações,

2
As informações referentes à metodologia de Indicadores de resiliência em SEPLS foram retiradas do manual
para aplicação de Indicadores de Resiliência em Produção Socioecológica de Paisagens Continentais e Marinhas
elaborado em 2014 pela UNU-IAS, Biodiversidade Internacional, Instituto para Estratégias Ambientais Globais
(IGES) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 51

contagens, percepções e experiências das próprias comunidades locais. Além disso,


contribuem para o senso de propriedade de uma comunidade sobre o planejamento,
implementação, monitoramento e avaliação de sua produção e práticas de gestão de recursos.
A metodologia de Indicadores de Resiliência em SEPLS foi estabelecida através da
colaboração conjunta entre o Ministério do Meio Ambiente do Japão (MOEJ) e a
Universidade das Nações Unidas - Instituto para o Estudo Avançado da Sustentabilidade
(UNU-IAS), integrando o conjunto de atividades da Parceria Internacional para a Iniciativa
Satoyama (IPSI)3, que foi reconhecida em 2010 durante a 10ª reunião da Conferência das
Partes (COP) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD).
Na metodologia explicitada são trabalhados um conjunto de 20 indicadores agrupados
em 05 áreas: diversidade da paisagem continental/ marinha e proteção dos ecossistemas,
biodiversidade (incluindo a agrícola), conhecimento e inovação, governo e equidade social;
modos de vida e bem-estar. As áreas conglomeram elementos relevantes para o entendimento
das condições locais do ponto de vista das comunidades e para o aprofundamento da
compreensão de resiliência, mediante os resultados da aplicação da metodologia. Nas
comunidades, que compõem o recorte espacial do presente estudo, ocorreu a adaptação da
metodologia com o uso de 15 indicadores do conjunto retratado, posto que optou-se por
selecionar aqueles que atendessem às especificidades da realidade em evidência (Figura 1).
A avaliação da resiliência da paisagem ocorreu em três fases: planejamento, oficina e
acompanhamento. A fase de planejamento consistiu na organização da oficina com a seleção
das pessoas que seriam inquiridas, carga horária e informações sobre as comunidades
envolvidas. A oficina (workshop) correspondeu ao mapeamento participativo e à pontuação
dos indicadores (numa escala que varia do 1 a 5, correspondendo aos níveis resiliência muito
baixo a muito alto), isto é, a avaliação da resiliência pelas partes interessadas. A última fase, o
acompanhamento, não foi atendida neste projeto, pois corresponde à elaboração de um plano
de ação pela comunidade e gestores a partir dos resultados obtidos na oficina, o que demanda
tempo e recursos que não comportam o presente estudo.

3
A Iniciativa Satoyama é um esforço abrangente para espalhar a consciência de que a proteção da biodiversidade
implica promover relações harmoniosas entre ser humano e natureza de forma a fortalecer a resiliência
socioecológica em paisagens. É uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente do Japão, a Universidade das
Nações Unidas (UNU), o secretariado da Convenção da Diversidade Biológica (CBD) e o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 52

Figura 1- Áreas, descrição e indicadores de resiliência socioecológica em SEPLS utilizados na análise de comunidades extrativistas de Indiaroba

Fonte: UNU-IAS, Bioversity International, IGES e do PNUD (2014); Elaboração: SANTOS, E. A., 2018.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 53

A proposta de análise da paisagem por intermédio da aplicação da metodologia dos


indicadores de resiliência adentrou a leitura dos sistemas socioecológicos (SSE), os quais são
sistemas complexos adaptativos por apresentarem a capacidade de amoldar-se a novas
condições que lhes são impostas pelo ambiente e por estarem além da capacidade descritiva
da ciência nos moldes reducionistas da concepção positivista (ANDRADE, 2011).
A teoria da resiliência aplicada aos SSE representou uma tentativa de compreensão do
sistema como um todo e a possibilidade de discussão para novas metodologias, ferramentas
para a análise da realidade baseada nas incertezas. Ela integra um movimento de mudança
paradigmática na ciência que visa superar as limitações das análises fragmentadas da
realidade, engloba desde uma visão de estabilidade e equilíbrio a uma de incertezas e pontos
de limiar (BUSCHBACHER, 2014).
Nesse movimento, a ciência é pensada no viés da complexidade (SILVA; GALENO,
2008, p. 20), que é construída quando os quatro pilares da certeza começam a se dissolver,
conforme sintetiza Morin: Ordem (universo regido por leis deterministas-Newton), Princípio
da Separabilidade (decomposição de qualquer fenômeno em elementos simples como
condição de analisá-lo), Princípio da Redução (restrição dos elementos da base do
conhecimento aos domínios físicos e biológicos, não enfatizando a compreensão do conjunto,
da mudança e da diversidade) e Lógica Indutiva-dedutiva-identitária (tudo que não passa pelo
crivo da razão é expurgado da ciência).
Edgar Morin, um dos principais estudiosos dedicado ao desvendar da complexo,
revela em sua obra Introdução ao pensamento complexo que sempre foi confrontado com a
complexidade, porém, somente no final dos anos de 1960 teve um encontro com esta
abordagem através da teoria da informação, cibernética, da teoria dos sistemas, do conceito de
auto-organização.
Para Morin (2011, p. 13),
a complexidade é num primeiro olhar um tecido (complexus: o que é tecido
junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca
o paradoxo do uno e do múltiplo. No segundo momento, a complexidade é
efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, determinações
[...] que constituem nosso mundo fenomênico. [...] se apresenta com traços
inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da ambiguidade,
da incerteza [...].

A complexidade compreende um caminho construído no caminhar, um desafio diante


das incertezas presentes no percurso. Parte do princípio da totalidade, em que todos os
elementos que compõem o sistema estão interconectados. Ademais, no pensar complexo, a
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 54

desordem está ligada à ordem, que por sua vez é relativa ao sistema e a sua dinâmica no
espaço-tempo (VITTE, 2007a).
Destarte, a complexidade está comprometida com a estratégia de pensar, em que cada
cientista tem como desafio escolher e arquitetar os caminhos e instrumentos para abordar o
problema a ser compreendido, isto é, os princípios gerais que possibilitem dialogar com a
incerteza, a imprevisibilidade e a causalidade múltipla que fundamentam o pensamento
complexo (SILVA; GALENO, 2008).
Os autores asseveram ainda que nessa abordagem há a introdução do sujeito no
conhecimento, do observador na realidade, da religação entre ciência, arte, filosofia e
espiritualidade, assim como vida e ideias, ciência e política, saber e fazer. A abordagem
complexa apresenta um pensamento aberto e em construção, como um tecido de elementos
heterogêneos integrados.
Limberger (2006) ratifica que na Geografia o conceito de complexidade aparece de
forma mais consubstanciada a partir da década de 1960, principalmente nos trabalhos que
abordam a necessidade da compreensão da organização espacial. A autora acrescenta, ainda,
que a

Geografia, vista como uma ciência de síntese, por tratar da conjugação de


vários elementos para poder compreender a organização do espaço, tem na
abordagem sistêmica e na teoria da complexidade um arcabouço teórico e
metodológico para a otimização dos seus estudos, pois a partir delas busca
explicar os processos naturais e humanos que dinamizam os geossistemas
(LIMBERG, 2006, p.105).

Nessa perspectiva, por meio da abordagem sistêmica e da complexidade, é que se


esboçou a análise da apropriação dos recursos naturais nas comunidades extrativistas, com
foco nas relações de gênero que configuram a organização do espaço em tela.
O emprego da proposta metodológica de indicadores e da análise do trabalho
feminino, numa perspectiva de gênero, serviu de base para o entendimento dos fatores e
elementos que compõem a teia de relações nas comunidades estudadas, da realidade posta em
evidência. Além disso, foi utilizada no intuito de entender as transformações socioespaciais
ocorridas na esfera local, as formas de apropriação, os reflexos para o fortalecimento da
resiliência socioecológica e as interferências na organização social das extrativistas, numa
tentativa de análise integrada das relações sociedade-natureza, das territorialidades marcadas
pelas desigualdades de gênero.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 55

1.3.2 Itinerários de pesquisa

Os itinerários de pesquisa correspondem aos passos necessários no caminhar científico


para a interpretação da complexidade que constitui o objeto de estudo, isto é, da realidade
analisada. Baseado nisso, a presente pesquisa contemplou algumas etapas:

a) Pesquisa bibliográfica

Etapa desenvolvida durante todo o percurso investigativo que envolveu o


levantamento bibliográfico sobre gênero (BEAUVOIR, 1970; SCOTT, 1989; PATEMAN,
1993; PERROT, 2005, SILVA, 2009, 2010, 2011), paisagem (RODRIGUEZ; SILVA, 2002;
BERTRAND, 2004; COSGROVE, 2004; SAUER, 2004; VITTE, 2007b), território e
territorialidades (SACK, 1986, HAESBAERT, 2004, 2007; SAQUET, 2009, 2010, 2015;
SOUZA, 2015), trabalho feminino (ROSSINI, 2012; ALENCAR, 1993; TORNQUIST et al.,
2009; PINSKY; PEDRO, 2013), resiliência (HOLLING, 1973; FOLKE, 2006;
BUSCHBACHER, 2014), dentre outros conceitos que foram fundamentais para o
entendimento da organização social em Indiaroba, dos saberes construídos na relação com o
meio, das territorialidades das mulheres que desenvolvem a pesca e a extração da mangaba
marcadas pela tônica de gênero.
Em vista disso, para a fundamentação teórica acerca da temática foram realizados
leituras e fichamentos de textos cedidos pela orientadora da pesquisa, assim como de livros,
periódicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado, anais de eventos e pesquisas em
sites de órgãos oficiais (EMBRAPA, Ministério do Meio Ambiente-MMA, Biblioteca Central
da UFS, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -CAPES, Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE etc.), das catadoras de mangaba, de organizações
como a Resilience Alliance, a International Partnership for the Satoyama Initiative (IPSI) e
outros.
Logo, as referências utilizadas tornaram-se relevantes para o estreitamento entre teoria
e prática, pois forneceram subsídios na análise da complexa rede de relações que configuram
a temática em tela.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 56

b) Levantamento documental

O levantamento dos dados secundários foi desenvolvido a partir de pesquisas em sites


de órgãos oficiais (IBGE, Prefeitura Municipal de Indiaroba, antigo Ministério da Pesca e
Aquicultura-MPA etc.) e visitas a entidades e órgãos públicos (EMBRAPA, Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, Administração
Estadual do Meio Ambiente-ADEMA4e Secretaria Municipal de Saúde) com o intuito de
obter informações a respeito dos aspectos socioeconômicos das pescadoras, dos pescadores,
das catadoras, produção extrativista (mangaba e pesca), aquicultura, empreendimentos
imobiliários e dos programas de governo implementados na localidade (Figura 2).
O levantamento de instrumentos legais acerca da organização da atividade pesqueira
no Brasil, dos direitos e deveres dos pescadores, das garantias das catadoras para a
continuidade da sua existência enquanto grupo tradicional, também fez parte desta etapa.
Desta maneira, foram avaliados dispositivos legais pertinentes, tais como: Lei nº 11.959/2009
(Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca), Lei nº
10.779/2003 (regulamenta a concessão do benefício de seguro-desemprego, durante o período
de defeso, ao pescador), Decreto nº 8.424/2015 (regulamenta a Lei 10.779/2003 para dispor
sobre a concessão do benefício de seguro-desemprego durante o período de defeso), Decreto
nº 8.425/2015 (apresenta os critérios para inscrição no Registro Geral da Atividade Pesqueira
e para a concessão de autorização, permissão ou licença para o exercício da atividade
pesqueira), Decreto nº 8.967/2017 (altera o Decreto nº 8.425/2015 e o Decreto nº 8.424/2015),
assim como outros instrumentos fundamentais para a discussão.
As notícias em sites de órgãos oficiais referentes aos grupos pesquisados na escala
local e nacional também fizeram parte do escopo.
O levantamento documental foi importante para a identificação de dados e dispositivos
legais que fundamentam o extrativismo no país como para evidenciar as dificuldades de
acesso a dados sobre esse ramo da economia brasileira, principalmente quando se caminha
numa ótica de gênero em que estas são acirradas. Este quadro acarreta perdas significativas
para as comunidades que têm a atividade como fonte de sobrevivência, pois não acessam
políticas públicas que venham atender as suas particularidades.

4
Nesse órgão seriam coletados dados referentes à fiscalização quanto as atividades que afetam a pesca e a
extração da mangaba; licenças e quantitativo de empreendimentos aquícolas e imobiliários no município de
Indiaroba, porém, a solicitação para o levantamento de dados mediante ofício (Apêndice D) não foi atendida.
Ponto que demonstra as dificuldades na obtenção de informações oficiais relacionadas ao extrativismo, às
atividades que afetam esta atividade e gestão ambiental no Brasil.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 57

Figura 2- Quadro referente ao levantamento documental: dados secundários, órgãos e entidades

Elaboração: SANTOS, E. A. (2018).


58
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO

c) Definição da amostra

Definiu-se como universo da pesquisa 04 povoados do município de Indiaroba (Terra


Caída, Convento, Pontal, Preguiça -de Cima e de Baixo).
A seleção da amostragem ocorreu a partir da aplicação da técnica “bola de neve”
(snowball) em que consistiu, na primeira etapa, da seleção de algumas pessoas que atenderam
a pré-requisitos estabelecidos, tais como: ter a pesca e/ ou a mangaba como principais fontes
de renda, atuar como liderança nas comunidades, integrar algum departamento na
Administração Pública relacionado à temática. Essas pessoas tornaram-se informantes que
possibilitaram a identificação de outras pessoas incluídas na amostra. No caso da pesquisa em
tela, a técnica empregada versou sobre a construção de uma rede de contatos por intermédio
da indicação dos primeiros entrevistados.
Para a compreensão das relações de gênero no espaço extrativista, o grupo amostral foi
composto por 69 sujeitos distribuídos conforme os vínculos com a pesca e a mangaba. Desse
modo, compuseram o grupo analisado mulheres e homens integrados à atividade, gestores,
membros de instituições e lideranças envolvidas com as questões alusivas à manutenção da
atividade, conservação ambiental e políticas públicas (Quadro 1).

d) Levantamento cartográfico:

Para o manuseio dos elementos cartográficos acerca das características geoambientais


(geologia, geomorfologia, pedologia, climatologia, vegetação e uso e ocupação do solo) da
área de estudo, empregaram-se dados provenientes do Atlas Digital da Secretaria de Recursos
Hídricos de Sergipe-SRH (SERGIPE, 2014); além da utilização de ortofotocartas com
resolução espacial de 60 cm, na escala de 1:10.000/2003, disponibilizadas em mídia digital
pela Secretaria de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão (SEPLAG).
As ortofotocartas foram georreferenciadas com auxílio do programa Global Mapper
11, para assim constituírem o mosaico do município de Indiaroba, delimitado a partir do Atlas
da SRH (Figura 3). O mosaico consistiu na superposição das seguintes fotografias aéreas:
643-723, 643-728, 643-733, 649-719, 649-723, 649-728, 649-732, 650-737, 650-719, 656-
723, 656-728, 656-732, 656-737, 663-723, 663-728, 663-732, 670-723, 670-728 e 670-732. A
sua utilização possibilitou o desenvolvimento da cartografia social, que consistiu no
mapeamento do uso da terra e das demandas das comunidades, elaborado com a participação
dos indivíduos envolvidos no extrativismo.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 59

Quadro 1- Distribuição do número de participantes da pesquisa

Categorias Localidade/Setor Quantidade

Convento 03
Marisqueira- Terra Caída -
Catadora de mangaba Preguiça 03
Pontal 13
Convento 02
Terra Caída 09
Marisqueira
Preguiça 05
Pontal 02
Convento 01
Terra Caída -
Catadora
Preguiça -
Pontal 01
Convento -
Pescador
Terra Caída 03
Preguiça 03
Pontal 08
Convento -
Pescador - Catador de Terra Caída -
mangaba Preguiça 02
Pontal 01
Liderança comunitária Terra Caída 02
(participantes de associações
Preguiça 01
de moradores, de pescadores,
coordenadores de projetos) Pontal 02
Z-4 01
Presidente de colônia
Z-11 01
Projeto de Monitoramento de 01
Institucional Desembarque Pesqueiro (PMPDP)
UFS 01
Superintendência Federal de
Agricultura (SFA) / 01
Setor de Pesca
Secretaria de Desenvolvimento 01
Econômico/
Gestores e técnicos
Departamento de Agricultura
Secretaria de Desenvolvimento 01
Econômico/
Departamento de Pesca
IBAMA 01
Total - 69
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).
Elaboração: SANTOS, E. A., 2018.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 60

Figura 3 - Mosaico da área de estudo

Fonte: Ortofotos/SEPLAN (2003); Atlas da SRH (2014).


Elaboração: SANTOS, E. A.; GOIS, D. V. (2018).

Desse modo, as correlações espaciais foram realizadas utilizando-se técnicas de


geoprocessamento em Sistemas de Informações Geográficas (SIG), através do software
ArcGIS 10.2.1, e a sobreposição de pontos coletados no campo (áreas de coletas da mangaba,
tipo de acessos, pontos de pesca), mediante o uso de receptor de sinais de satélites do sistema
Global Positioning System (GPS) OruxMaps.

e) Pesquisa de Campo

O trabalho de campo permite que o pesquisador possa confrontar a teoria apreendida


na academia com a prática vivenciada no desenvolvimento da pesquisa. Para a compreensão
da realidade investigada, foram empreendidas 19 incursões a campo, marcadas por
participações na Audiência Pública sobre o Mapa da Mangaba, na Oficina sobre a Saúde das
Pescadoras promovida pelo PEAC5 (Programa de Educação Ambiental com Comunidades

5
O PEAC é uma medida de mitigação exigida pelo licenciamento ambiental federal para exploração de petróleo
e gás offshore na bacia Sergipe/Alagoas conduzido pelo IBAMA e executado pela UFS. Em Sergipe, o PEAC
abrange hoje 10 municípios litorâneos: Brejo Grande, Pacatuba, Pirambu, Barra dos Coqueiros, São Cristóvão,
Aracaju, Itaporanga D’ Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba. Disponível em:
<http://programapeac.com.br/sobre-o-peacabrangencia-do-peac//>. Acesso em: em: marc. 2018.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 61

Costeiras-Bacia Sergipe e Alagoas), no II Encontro Inter-regional das Mulheres Marisqueiras


de Sergipe, na reunião organizada pelo MMA acerca da demarcação das áreas de uso comum,
por conversas informais com a coordenadora do projeto da mangaba submetido ao edital da
PETROBRAS e a participantes do projeto piloto sobre ostreicultura; bem como entrevistas
aos envolvidos diretamente com o extrativismo no estado e na localidade.
O período de campo estendeu-se de fevereiro de 2015 a novembro de 2017 e abrangeu
02 fases: (1ª) observação sistemática e diagnóstico com aplicação de entrevistas
semiestruturadas a 58 interlocutores e (2ª) aplicação da metodologia de indicadores de
resiliência da paisagem com a participação de 18 sujeitos. Cabe salientar que os integrantes
do grupo amostral assinaram o termo de consentimento livre esclarecido (Apêndice C),
autorizando a divulgação dos dados em atividades científicas.

 1ª fase: Observação sistemática e diagnóstico da atividade extrativista

Essa fase englobou o reconhecimento da área de estudo e o diagnóstico da atividade


extrativista mediante a observação estruturada (através da jornada de convívio com a
elaboração de roteiros e anotações em diários de campo), conversas informais (com lideranças
e pescadoras-es) e aplicação de entrevistas semiestruturadas- a pescadoras-catadoras,
pescadores-catadores, (Apêndice A), lideranças, representantes de instituição federal, gestores
e pessoas ligadas a projetos da pesca e da mangaba (Apêndice B)- cujo intuito foi a obtenção
de informações acerca da dinâmica das comunidades, dos condicionantes ambientais, do uso e
ocupação do solo, dos conflitos existentes na relação de gênero, do calendário das atividades,
dos saberes ecológicos, da organização política das extrativistas (participação em entidades
como associações, colônias, ONGs) e dos investimentos governamentais para a valorização
do extrativismo e do trabalho feminino.
Para esta e demais fases foram realizados registros com a utilização de câmera
fotográfica digital e gravador (mp4). Destaca-se que, durante a jornada de convívio, algumas
extrativistas estiveram de posse de câmera fotográfica digital e celulares, realizando registros
do seu cotidiano, da sua percepção quanto ao espaço vivido, elementos importantes para a
análise das territorialidades destas mulheres.
Salienta-se que serão apresentados neste trabalho trechos dos relatos dos sujeitos de
pesquisa, cujo intuito é referendar a discussão. Para resguardar a sua identificação, serão
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 62

utilizadas as siglas M (marisqueira), MC (marisqueira-catadora), P (pescador), PC (pescador-


catador) e L (liderança), que aparecerão acompanhadas de numeração referente à ordem de
entrevistas durante a pesquisa de campo. Logo, a primeira marisqueira a conceder entrevista
será indicada pela sigla M-01, tal qual o primeiro pescador (P-01) e assim sucessivamente.

 2ª fase: Aplicação da metodologia de Indicadores de resiliência em SEPLS

Os dados coletados na fase de diagnóstico foram sistematizados e organizados a fim


da elaboração do roteiro para a oficina de avaliação da resiliência com a pontuação dos
indicadores. Participaram da oficina homens e mulheres que desenvolvem o extrativismo, ou
seja, representantes de 03 comunidades (Terra Caída, Pontal e Preguiça). A oficina esteve
dividida em três partes, representadas na figura 4.

Figura 4 - Etapas da oficina de avaliação da resiliência em SEPLS

Fonte: UNU-IAS, Bioversity International, IGES e do PNUD (2014).


Elaboração: SANTOS, E. A., 2018.

Durante a realização da oficina, houve uma pessoa responsável pelo registro das
intervenções dos participantes (o relator) e uma facilitadora que conduziu todo o processo.
Por conseguinte, a primeira seção da oficina compreendeu a explanação acerca dos princípios
da cartografia com a apresentação da linguagem cartográfica, do que compreende o
mapeamento participativo e sua importância para a gestão ambiental democrática. Destaca-se
que o mapeamento social do extrativismo na localidade esteve embasado sob os fundamentos
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 63

da cartografia social, que contemplou a caminhada transversal, o etnomapeamento da pesca e


o mapeamento participativo no período da oficina.
A cartografia social corresponde a um ramo da cartografia que possibilita a leitura
integrada da paisagem e dos territórios em disputas, a análise das transformações
socioespaciais que ocorrem mediante os jogos de interesses dos múltiplos grupos envolvidos,
e contribui para o diagnóstico da localidade a fim de construir um plano de ação, cujo
desenho, elaborado pelos atores locais, represente as suas reivindicações.
Como base no exposto, a caminhada transversal (Figura 5A) foi desenvolvida com a
colaboração de 06 pescadoras-catadoras (adolescentes e adultas) e 02 crianças que
acompanharam sua mãe durante o percurso. No trajeto, elas apontaram a forma de coleta, as
áreas, os cuidados no manejo do recurso e os perigos enfrentados para o desenvolvimento da
atividade. Ao longo do caminho, foram encontradas pescadoras (es) que se dirigiam ao Porto
do Papagaio, ponto final do mapeamento e área de grande fluxo de pessoas.

Figura 5-Mapeamento participativo das atividades extrativistas

5A 5B

A) 2A
Caminhada transversal em Pontal B)2A
Etnomapeamento da pesca em Indiaroba/SE
Fonte: Trabalho de campo (2016-2017).
2A 2A

2A De acordo com Verdejo (2010, p.36), a caminhada


2A transversal, também denominada
de travessia, corresponde a uma caminhada linear, que “permite obter informação sobre os
2A 2A
diversos componentes dos recursos naturais, a vida econômica, as moradias, as características
2A 2A
de solos, etc.”. No percurso, são anotados os aspectos pontuados pelos participantes em cada
2Adas diferentes zonas que se cruzam.
uma 2A

2A Em relação ao etnomapeamento da pesca


2A (Figura 5B), realizado no rio Real,
participaram 01 pescadora-catadora e 01 pescador, que indicaram os pontos de extração, os
problemas ambientais, os conflitos desencadeados na exploração do recurso e saberes
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 64

apreendidos na experiência. Tanto na caminhada transversal, quanto no etnomapeamento os


pontos foram marcados através de receptor de GPS OruxMaps, para compor posteriormente o
banco de dados acerca da organização da atividade extrativista na localidade.
É salutar evidenciar que a caminhada transversal e o etnomapeamento permitiram a
validação das informações coletadas na oficina de mapeamento e a obtenção de novos dados a
serem acrescentados no mapa pela pesquisadora.
Retomando ao ponto da oficina de indicadores de resiliência em SEPLS, os
interlocutores executaram o mapeamento participativo com a demarcação dos seus territórios
de vida, após a introdução com a apresentação dos elementos fundamentais da metodologia
(Figura 6A e 6B).Utilizou-se como material canetas permanentes coloridas e plástico
transparente, que foram dispostos sob o mapa do município impresso no tamanho A0 (84,1 x
118,9 cm), cuja base cartográfica foi elaborada mediante o manuseio do software ArcGIS
10.2.16, das ortofotocartas/2003 e dos dados do Atlas da SRH/2014.

Figura 6 -Mapeamento participativo do extrativismo em Pontal/Indiaroba

6A

2A

2A

2A

2A

2A
6B
2A
2A
2A
A e B- Pescadoras (es)-Catadoras delimitando as áreas de coleta
Fonte: Trabalho de campo ( 2016-2017).
2A

6
Software que compõe as linhas de soluções dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG). 2A

2A

2A
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 65

Para o mapeamento, foi selecionado entre os participantes um desenhista e a


facilitadora conduziu o processo de posse de um roteiro que abrangeu conteúdos referentes a
infraestrutura local, áreas de trabalho, formas de acesso, artes, espécies e técnicas empregadas
na captura dos recursos, manifestações culturais, problemas socioambientais entre outros
pontos relevantes para o entendimento do cenário analisado.
Torna-se relevante esclarecer que, para a realização do mapeamento participativo foi
utilizado o Toolkit for the indicators of resilience in socio-ecological production landscapes
and seascapes (SEPLS), material base para a aplicação da oficina de indicadores de
resiliência, mas também outros complementares como o Manual de mapeamento da
vulnerabilidade das comunidades de Moçambique, que compõe o projeto financiado pela
Munich Re Foundation (Munique –Alemanha) e implementado pelo Instituto Nacional de
Gestão de Calamidades (INGC) e pelo Projeto Institucionalização de Gestão de Risco de
Calamidades em Moçambique (PRO-GRC); e o Mapa do extrativismo da mangaba em
Sergipe-Ameaças e demandas, publicado em 2009 pela Embrapa Tabuleiros Costeiros.
As oficinas ocorreram em 03 turnos, em dias e horários diferentes, de acordo com a
disponibilidade das (dos) extrativistas e foram realizadas nas residências dos interlocutores e
no centro comunitário da Preguiça. Participaram do processo 08 pescadoras-catadoras e 04
pescadores. No início do mapeamento, eles apresentaram um estranhamento; porém, com a
identificação de algumas referências espaciais como estradas e rios, conseguiram
desempenhar satisfatoriamente o desafio proposto, demonstrando entusiasmo com a
realização da atividade. Além da demarcação, os interlocutores desenharam ícones referentes
aos principais pontos apresentados (Figura 7 e Quadro 2).
O passo seguinte foi a pontuação dos indicadores que transcorreu com a leitura do
questionário (Apêndice E) pela facilitadora. Os questionamentos apresentados atendiam aos
15 indicadores selecionados no estudo, correspondentes às 05 áreas empregadas para a
compreensão da resiliência nas comunidades investigadas. Os sujeitos participantes
atribuíram a pontuação de acordo com a sua concepção acerca do indicador indagado e
apresentaram posicionamentos a respeito das demandas e potencialidades inerentes às
questões apontadas pela facilitadora.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 66

Figura 7 – Oficina de Indicadores de resiliência socioecológica da paisagem nos


Povoados Preguiça, Terra Caída e Pontal

7A 7B

2A 2A

2A 2A

2A 2A

2A 2A

2A 2A

2A
7C 2A
7D

2A
A) e B) Introdução da oficina e integrantes2A 2A
do mapeamento participativo e da avaliação dos indicadores
2A de
resiliência da paisagem no povoado Preguiça; C) e D) Participantes da oficina em Terra Caída e em Pontal.
Fonte: Trabalho de campo (2016-2017). 2A 2A

2A 2A

Todos os estágios da oficina 2A


foram registrados por câmera digital, gravador
2A de voz

e/ou anotações realizadas pelo relator.2A 2A

2A 2A
f) Tratamento dos dados: ordenamento, tabulação e análise das informações
2A 2A

Os dados colhidos através do levantamento documental e de campo foram


sistematizados de maneira a possibilitar a construção de gráficos, tabelas, quadros,
fluxogramas, mapas temáticos, para uma melhor compreensão e caracterização da
comunidade estudada a partir de uma análise crítica e reflexiva.
Para elaboração dos mapas foram utilizadas técnicas de geoprocessamento em SIG,
através do software ArcGIS 10.2.1, com a produção de bancos de dados geográficos realizado
em projeção cartográfica Universal Transversa de Mercator (UTM), Datum SIRGAS 2000
(Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas), zona 24 Sul. Deste modo, o
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 67

tratamento cartográfico ocorreu através da análise das ortofotocartas, do atlas da SRH e das
informações obtidas no trabalho de campo.
Com base nisso, torna-se relevante detalhar o percurso seguido na confecção dos
mapas temáticos, resultantes das oficinas de indicadores de resiliência em SEPLS, tendo em
vista que esses foram baseados na forma como as populações interpretam a sua realidade, nos
princípios da cartografia democrática, que valoriza o olhar de que vivem o território.
Sublinha-se que as toponímias utilizadas nesses mapas são aquelas indicadas pelas (os)
extrativistas no mapeamento.
O passo inicial do tratamento cartográfico englobou o georreferenciamento no ArcGIS
10.2.1 das fotografias dos desenhos referentes às áreas de uso confeccionados pelas (os)
extrativistas. O georreferenciamento realizou-se pela marcação de pontos de controle no mapa
base (Figura 8A, B e C).

Figura 8 - Etapas do tratamento digital dos dados obtidos no mapeamento participativo

8A 8B

2A 2A

2A 2A

2A 2A

2A 2A

2A 2A

8C
2A 8D
2A
A e B) Fotografias dos desenhos elaborados sobre 2A o mapa base; C) Georreferenciamento da fotografia
2A e D)
2A 2A
Vetorização das feições desenhadas pelas (os) extrativistas.
Fonte: Ortofotocartas/SEPLAN ( 2003); Atlas da SRH (2014); Trabalho de campo (2016-2017).
2A 2A

2A o passo seguinte foi a vetorização das classes


Com as fotografias georreferenciadas, 2A de

usos, identificadas pelas (os) pescadoras2A(es), expressas em formas de polígonos, linha


2A e
pontos, com a geração de dados no formato shapefile (shp). Deste modo, os polígonos
2A 2A

2A 2A

2A 2A
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 68

significam áreas de extração, rios principais e atividades restritivas. As linhas aparecem


representando as rodovias, caminhos e alguns tributários dos rios principais. Os pontos estão
relacionados à infraestrutura local e formas organizativas. Paralelo a isso, foram elaboradas
planilhas com os dados referentes às particularidades dos fenômenos mapeados (tipo de
acesso, estratégias, nomenclaturas, organização, espécies extraídas etc.) e à importação dos
pontos coletados no etnomapeamento e na caminhada transversal (Figura 8D).
No que tange à sobreposição de algumas camadas da vetorização, no ArcGIS 10.2.1
em seu módulo ArcToolBox, foi utilizada a ferramenta Analysis Tools- Overlay -Symmetrical
Difference, para aplicar a diferença simétrica entre as classes sobrepostas. Outrossim, a fim de
evitar sobreposições de polígonos e facilitar a legilibilidade do mapa, esses foram substituídos
pelos ícones desenhados pelas (os) extrativistas no momento da oficina, realçando as
informações disponibilizadas pelos interlocutores (Figura 9). Salienta-se que, essa etapa teve
como inspiração a pesquisa de Chaves (2011),.que realizou o mapeamento participativo da
pesca artesanal na Baía de Guanabara.

Figura 9 - Seção do mapa correspondente à sobreposição de


polígonos referentes ao acesso às áreas de mangabeiras, através da
meação (Me) e/ou sítios próprio (SP), associado aos ícones da
mangaba e coco, representando uma área de ocorrência de ambos.

Fonte: Ortofotocartas/SEPLAN (2003); Atlas da SRH (2014); Trabalho de campo


(2016-2017).

Os ícones que compuseram a legenda dos mapas temáticos e a capa deste trabalho de
tese reportam-se às principais atividades desenvolvidas pelas populações analisadas e os
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 69

elementos que constituem as suas vivências. Eles foram confeccionados através do programa
Corel Draw com a vetorização automática dos desenhos manuais obtidos nas oficinas (Figura
10 e Quadro 2). Após a vetorização, eles foram exportados no formato bitmap (bmp) e desta
maneira inseridos no ArcGIS 10.2.1.

Figura 10 - Pescadora-catadora desenhando os elementos da


legenda do mapa social

Fonte: Trabalho de campo (2016-2017).

A validação do mapa pela comunidade ocorreu a partir da análise do material


apresentado e da apresentação de alguns questionamentos por parte da pesquisadora referentes
a dúvidas acerca da realidade estudada. Após esta etapa, os dados reavaliados foram
trabalhados para a efetuação das correções e acréscimos apresentados pelas comunidades.
Após o tratamento digital, com a transcrição dos dados coletados em campo para o
mapa, ocorreu o retorno às comunidades para que pudessem validar e revisar as informações
obtidas.
No que concerne aos indicadores, após a pontuação efetuada individualmente pelos
participantes das oficinas, os dados foram tabulados e calculados através de média aritmética
simples, corroborado por estudos desenvolvidos acerca de indicadores de resiliência no
âmbito nacional e internacional, como a metodologia proposta no manual elaborado pela
UNU-IAS, Bioversity International, IGES e UNDP (2014), Suassuna (2014) e Formiga
Júnior, Cândido e Amaral (2015).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 70

Quadro 2- Símbolos elaborados nas oficinas de mapeamento participativo

Desenhos das (os) extrativistas Ícones gerados no Corel Draw Significado

Aratu

Camarão

Caranguejo

Cocoicultura

Plantio de eucalipto

Mangabeira

Manguezal

Marisqueira

Peixe

Pesca com rede

Porto

Siri

Fonte: Trabalho de campo (2016-2017).


Elaboração: SANTOS, E. A., 2018.

Neste sentido, a média do indicador foi resultante da soma da pontuação individual


dos participantes de cada comunidade, dividida pelo número de elementos somados (número
de participantes). O mesmo ocorreu para o cálculo da resiliência por área, mas para isso foram
realizados os seguintes passos: 1) Obtenção da média geral do indicador a partir da soma das
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 71

médias do indicador por comunidade, dividindo o resultado pelo número de comunidades


participantes; 2) Após a obtenção da média geral do indicador, foi realizada a operação para a
obtenção da pontuação por área que consistiu na soma das médias gerais dos indicadores
correspondentes a cada área e dividido pelo número de indicadores dessa área, como pode ser
identificado no quadro 3. Todos os resultados foram organizados em gráficos radares,
elaborados no software Microsoft Office Excel, que possibilitaram a comparação dos
indicadores, representados em eixos que partiam do mesmo ponto. Eles foram sistematizados
tendo como parâmetro os níveis de resiliência que variam de 1 a 5.

Quadro 3- Mensuração da resiliência por indicador e por área

Cálculo da resiliência por Cálculo da resiliência por Níveis de resiliência


indicador área

Min = P1 + P2... Pn / n 1) Cáculo da média geral do 1- resiliência muito baixa


indicador
Lê-se: Mgi = MC1 + Mc2 +Mcn / nc 2- resiliência baixa

Min: média do indicador n Lê-se: 3- resiliência média


Pn: pontuação individual do
indicador Mgi: média geral do indicador 4- resiliência alta
n: número de participantes de Mcn: média do indicador por
cada comunidade comunidade 5- resiliência muito alta
nc: número de comunidades

2)Cálculo por área


Ma= Mgi1+ Mgi2 ... Mgin /nia

Lê-se:
Ma: média por área
Mgin: média geral do indicador
n
nia: número de indicador por
área

Elaboração: SANTOS, E. A. (2018).

Os caminhos propostos para o entendimento das relações espaciais de gênero no


desenvolvimento da atividade extrativista apresentam-se de forma resumida na figura 11.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 1-TRAMAS DO CONHECIMENTO 72

Figura 11 - Percurso metodológico da pesquisa

Elaboração: SANTOS, E. A. ( 2018).


SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA
SOCIOECOLÓGICA EM COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

CAPÍTULO 2
GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE: INTERLOCUÇÕES
TEÓRICAS ACERCA DO FEMININO NA ANÁLISE AMBIENTAL

© Eline Santos

Pescadoras-catadoras de mangaba entre o mangue e a restinga em Pontal

[...] Apenas quando assumimos uma postura de que o discurso científico é


uma construção social e desenvolvemos uma atitude crítica sobre os modos
de se “fazer a geografia”, duvidando da consagração das “verdades”
estabelecidas pela versão hegemônica difundida na historiografia do
pensamento geográfico, é que compreendemos as razões das ausências de
determinados sujeitos como agentes produtores do discurso científico
geográfico (SILVA, 2009).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 74

2 GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE: INTERLOCUÇÕES TEÓRICAS


ACERCA DO FEMININO NA ANÁLISE GEOGRÁFICA

Ao propor uma discussão sobre o espaço como palco no qual a vida é tecida e como
lugar comum em que as dinâmicas socioespaciais são tramadas, demarca-se um campo de
análise em que a escala aparece como elemento norteador para o seu entendimento, nos
estudos de gênero e geografia. A escala aparece como uma lente em que grupos poderão ser
evidenciados ou negligenciados. O local aparece como nível escalar que aproxima/permite a
apreensão das desigualdades e resistências existentes no espaço.
Com base no exposto e corroborando com as ideias de Silva e Galeno (2008, p. 13),
“aguçar a escuta para compreender e lidar com a diversidade de ruídos que desordenam ou
redimensionam os padrões já consagrados de conceber o mundo é uma atitude intelectual
importante e inadiável.” É preciso romper com os velhos paradigmas em que a realidade é
analisada de forma linear, objetiva e neutra, os quais produzem verdades traduzidas em
discurso hegemônico, verdadeira face do poder, da exclusão e da interdição.
A realidade não mais pode ser desvendada pelo velho paradigma (cartesiano), marcado
pelas certezas, ideias fixas e imutáveis, um campo fechado protegido por normas atemporais.
Torna-se necessário buscar caminhos que conduzam o desvelar dessa realidade, caracterizada
pela complexidade dos sujeitos que se apresentam de formas múltiplas, em tempos e lugares
distintos.
Na busca por decifrar o real, por meio dos códigos presentes na relação entre os
sujeitos- meio e sujeitos-sujeitos, numa tentativa de caminhar segundo o novo movimento
epistemológico, estruturamos o debate desta seção a partir das seguintes indagações: Por que
gênero surge como categoria nos estudos geográficos? Qual sua contribuição para os estudos
feministas com foco na análise ambiental?
O que se pretende é discutir gênero como categoria de análise das transformações
socioespaciais, com ênfase na relação entre os sujeitos e o meio ambiente.
Na discussão da espacialidade de gênero, a notoriedade será dada ao feminino, por
constituir um campo de escassas reflexões acadêmicas na geografia brasileira e por contribuir
para a leitura de um espaço relacional formado pelo cruzamento das trajetórias dos grupos.
Para a compreensão das questões da mulher e gênero a partir da sua espacialidade
torna-se necessário a análise de um espaço paradoxal que traz em seu bojo a sua negação
(“invisibilidade”) como sujeito nesse espaço e ao mesmo tempo faz com que ao se reproduzir
adote estratégias do cotidiano, que são políticas, portanto, de poder e que possibilitam a sua
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 75

condição de existência. Desse modo, a análise das relações de gênero por meio da sua
espacialidade permitirá o entendimento da maneira como a mulher reafirma-se na sua relação
com o ambiente e como se apropria da natureza.
A reconstituição dos caminhos que desencadearam a construção da subordinação
feminina (BEAUVOIR, 1970; ORTNER, 1979; BOURDIEU, 1989,1999; GARCIA, 2012) e
a sua organização como movimento que luta pela igualdade de direitos (DEL PRIORE, 2013;
TIMOTEO, 2013) serão pontos apresentados na primeira seção deste capítulo. O patriarcado
(PATEMAN, 1993; CRUZ, 2005) comoo marca do contrato original de construção da
sociedade civil que determina espaços masculinos, espaços femininos, isto é, a divisão sexual
do trabalho revelada nas formas de apropriação do espaço, constitui-se tópico de análise da
segunda seção. Os delineamentos da Geografia Feminista (MONK; GARCÍA-RAMON,
1987; SILVA, 1998; ORNAT, 2008; SILVA, 2009; ROSSINI, 2012) em que gênero se
apresenta como elemento analítico para a compreensão da organização socioespacial, bem
como as críticas relativas às estruturas acadêmicas (SPIVAK, 2010; LUGONES, 2008;
SILVA; SILVA, 2011), caracterizadas tradicionalmente por uma perspectiva patriarcal,
comporão a terceira seção. A vinculação complexa existente entre a mulher e o ambiente (DI
CIOMMO, 2003; ANGELIN, 2006) no qual está inserida será explicitada na quarta seção.
Questionar o discurso hegemônico que constrói verdades reguladoras do
comportamento social é também uma pretensão desse trabalho. A desconstrução de verdades
absolutas, a relação entre poder e conhecimento, no que tange ao controle social por meio das
instituições, são concepções que permeiam a discussão feminista na atualidade e apresentam-
se relevantes à medida que instigam múltiplos sentidos do fazer científico e da análise da
sociedade.
Assim, “o papel dos (as) pesquisadores (as) e dos (as) professores (as) é fazer
perguntas consideradas inconvenientes por sociedades que tendem ao pensamento único e,
através delas, romper hegemonias e propor novas alternativas.” (SILVA; SILVA, 2011,
p.164)

2.1 Mulher, natureza e cultura: a construção da subordinação feminina

Na busca por compreender a construção da subordinação feminina, recorremos à


história numa tentativa de reconstituir os caminhos que levaram a essa idealização, uma vez
que “o modo mais eficiente para descontruir algo que parece evidente, sempre dado, imutável
é demonstrar como esse algo se produziu, como foi construído” (STREY; CABEDA;
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 76

PRENH, 2004, p.14). Desse modo, a análise será subsidiada mediante a leitura da natureza e
cultura como uma produção da atividade humana, histórica.
Garcia (2012), através dos estudos das antropólogas feministas, apresenta que foi
durante a Idade de Bronze que ocorreu a revolução do patriarcado, caracterizada pela
transformação dos arranjos sociais, nos quais o homem passou a estabelecer vínculos
permanentes com a mulher e com a prole em troca da monogamia e disponibilidade sexual.
“Com o patriarcado, o pai reivindica sua descendência e a mulher surge como aquela que
apenas carrega e alimenta a semente” (BEAUVOIR, 1970, p. 29). Baseado em tal
prerrogativa, o poder feminino e a autonomia da mulher, percebida no período da pré-
agricultura, é sucumbido, tese tutelada pelos defensores da teoria do patriarcado que destacam
a invenção do casamento como o início do processo da subordinação feminina.
Essa formulação vai muito além das relações que os indivíduos estabelecem entre si,
uma vez que retrata um processo de mudança da interação do homem com a natureza, o que
refletiu na configuração dos grupos que constituem a sociedade contemporânea.
O processo de domesticação com o armazenamento de grãos, a produção de
excedentes e a produção do pensamento simbólico representaram o início da mudança na
organização dos povos. A agricultura mudou a paisagem, produzindo uma rápida destruição
do ambiente natural e alicerçando a divisão de trabalho, elementos que representaram o início
da dominação do homem sobre a natureza e sobre a mulher, conforme assertivas de Garcia
(2012).
A autora afirma, ainda, que o casamento, as alianças, a proibição do incesto, a divisão
sexual do trabalho sancionaram a passagem da natureza para a cultura, consagrando o
processo de afastamento do homem dela e o delineamento das relações entre homens e
mulheres nos grupos aos quais pertenciam.
A mulher, assim como a natureza, deve ser dominada e intensamente explorada,
elementos que corroboraram com os preceitos de uma sociedade delineada nos moldes
androcêntricos, que contribuíram para a identificação das mulheres como seres menores,
excluída do mundo do pensamento, do conhecimento, que atribui aos homens todo o poder
sobre elas, sobre os filhos, perpetuando a legitimação da inferioridade da posição social destas
(STREY; CABEDA; PREHN, 2004).
Ortner (1979) aponta a tese dos deterministas biológicos acerca da desvalorização
feminina, que denotavam a superioridade masculina à genética. Porém, esta tese foi refutada,
pelo fato de certos dados e diferenças somente adquirirem significados de superior/inferior
dentro da estrutura de sistemas de valores culturalmente definidos. O que a autora evidencia é
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 77

que a cultura representa a capacidade ou os hábitos adquiridos pelos indivíduos como


membros de uma sociedade, envolvendo o código de símbolos partilhados por estes. Portanto,
o modo de perceber o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes
comportamentos sociais e até mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma
herança cultural (LARAIA, 1986). Dessa maneira, o entendimento da desvalorização da
mulher, do seu status secundário depende de uma análise da cultura, visto que as
classificações pertinentes às mulheres variam de cultura a cultura.
Diante da constatação de um pensamento cultural acerca da inferioridade feminina
(oposição natureza/cultura), é possível afirmar que existe a universalização da subordinação
feminina/dominação masculina?
Para Bourdieu (1989; 1999) a resposta é sim, pois a ordem social funciona como uma
máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina (violência simbólica), que é
imposta e vivenciada de modo insensível e invisível as suas próprias vítimas, exercida pelas
vias puramente simbólicas da comunicação, do conhecimento, do desconhecimento e do
sentimento. A dominação masculina está fundamentada numa visão androcêntrica que destina
as atividades produtivas aos homens e as reprodutivas às mulheres. A sociodicéia masculina
legitima a dominação inscrevendo-a em uma natureza biológica que é por sua vez uma
construção social naturalizada.
Embora concordando com a perspectiva teórica apresentada por Bourdieu (1999), que
vincula a opressão das mulheres à naturalização da dominação masculina (violência
simbólica), Araújo e Mattioli (2004) discordam da tendência universalizante da subordinação.
Para elas, a dominação não pode ser analisada de forma única e as relações estabelecidas de
forma idêntica. É preciso ir além da dominação masculina, enfatizando a construção social
das diferenças de gênero, desconstruindo as concepções binárias que associam poder e
dominação ao masculino e obediência e submissão ao feminino, visto que nas relações de
gênero não se pode admitir um poder masculino absoluto, porque as mulheres também detêm
parcelas de poder, apesar de nem sempre suficientes para sustar a dominação e a violência que
sofrem.
A dominação masculina reflete a violência simbólica que se manifesta de forma não
perceptível pelas vítimas, como já enfatizado. Porém, as feministas criticam a afirmação de
que as mulheres são cúmplices dessa dominação, por considerarem que estas são capazes de
subverter a ordem estabelecida; salientam que conceder não é consentir. Elas fundamentam-se
nas ideias de Foucault (1996) sobre a ordem discursiva que estrutura a sociedade e hierarquiza
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 78

o poder. Para Foucault, os sujeitos respondem de maneiras diferenciadas e com isso vivem
numa tensão discursiva e constituem dobras de subjetivação que promovem as resistências.
Garcia (2012) concorda que a vinculação entre mulher e natureza, homem e cultura,
explica a dominação masculina, seja ela universal ou não. Todavia, destaca que a relação
entre natureza/cultura é uma estrutura que varia interculturalmente e que por isso não se pode
atestar que sempre seja construída como relação de dominação ou superioridade sobre a
natureza. Cada cultura tem o seu próprio modo de perceber e dar sentido a natureza, por isso,
a subordinação feminina baseada na oposição natureza/cultura não ser considerada universal,
o único caminho para entender as relações entre os sexos.
Garcia (2012) anuncia, também, a diferença de gênero como outra estrutura, como a
oposição natureza/cultura. Ela enfatiza que as relações de gênero situam-se na franja
fronteiriça entre a natureza e a cultura: no corpo. Este é constituído a partir de simbologias
sociais, sendo assim, produto de um trabalho social de construção, em que sua estrutura e
movimento carregam elementos do que é construído anteriormente a sua existência.
Desse modo, tudo começa pelo corpo e a função de procriação, característica
específica das mulheres, como pontua Ortner (1979), ao retratar a subordinação feminina
(natureza/cultura) por meio de atribuições sociais relacionadas às diferenças biológicas entre
mulheres e homens. A autora revela que a fisiologia tem importância na análise
mulher/natureza e homem/cultura, em razão do corpo da mulher e suas funções parecerem
colocá-la mais próxima à natureza em contraste à fisiologia masculina que o libera para
assumir os esquemas da cultura. Nesta perspectiva, o corpo feminino coloca-a em papéis
sociais que são considerados inferiores aos dos homens no processo cultural. Estes papéis
tradicionais femininos impostos por seu corpo lhe dão uma estrutura psíquica diferente que é
vista mais ligada à natureza.
A autora salienta, ainda, que todas essas formulações revelam o motivo de a atividade
masculina ser considerada superior às atividades femininas, visto que o corpo da mulher
parece destiná-la à reprodução da vida (seres humanos, perecível, natureza), em contraste com
homem que externamente cria objetos duradouros, transcendentes (tecnologias, cultura).
Além disso, devido a sua condição fisiológica, a mulher tem sua mobilidade limitada, sendo
condenada ao confinamento no ambiente doméstico e obrigada a viver em contextos sociais
vistos como mais próximos à natureza (criação dos filhos). A emotividade e irracionalidade
também são formulações utilizadas para corroborar a superioridade masculina, já que ele é
considerado objetivo, distante e individualista, por isto, racional.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 79

Os atributos femininos aparecem diante da própria mulher como elementos suficientes


para que esta aceite a sua condição de submissão, como se esta pertencesse à ordem “natural”
de funcionamento do sistema social. Aquelas que subvertiam a ordem eram consideradas
perigosas, constituíam-se nas criminosas natas, nas prostitutas, nas loucas e deveriam ser
afastadas do convívio social (DEL PRIORE, 2013).
O corpo da mulher, segundo Beauvoir (1970), é um dos elementos essenciais da
situação que ela ocupa nesse mundo, mas não é ele que basta para a definir. Ou seja, os dados
biológicos não justificam a desvalorização feminina em detrimento da superioridade
masculina, pois essas diferenças adquirem significados dentro de uma estrutura de sistemas de
valores culturalmente estabelecidos.
Desse modo, pode-se afirmar que o corpo exerce um poder sobre os indivíduos na
sociedade; poder que é supervalorizado quando referente a subjugação feminina.
As formulações apresentadas sobre a condição fisiológica da mulher e os espaços
destinados a sua atuação remetem às discussões acerca das esferas do público e do privado na
perspectiva das relações entre os sexos. Com base nisso, ao homem é designado o espaço
público, cujo centro é a política; já a mulher, pela sua própria natureza é destinada ao espaço
privado, cujo coração é formado pelo doméstico e a casa (PERROT, 2005).
A sexualização do espaço é marcada pela “sexualização” de gênero e corroborada pelo
discurso biológico que concede à mulher a vocação natural do cuidado familiar e ao homem a
atribuição pública, participando da tomada de decisões de poder. Isso significa que a mulher
está fadada à reprodução e o homem à produção.

O gênero doravante torna-se sexo. Homens e mulheres são identificados com


o seu sexo; as mulheres são condenadas ao seu, ancoradas em seus corpos de
mulher chegando a ser por eles presas cativas. [...] Esta naturalização das
mulheres, presas a seus corpos, à sua função reprodutora materna e
doméstica, e excluídas da cidadania política em nome desta identidade, traz
uma base biológica ao discurso paralelo e simultâneo da utilidade social
(PERROT, 2005, p. 460).

Diante das colocações de Perrot (2005), constata-se que na sociedade a base biológica
é utilizada como justificativa para as relações desiguais de gênero (social, cultural), em que há
a definição do projeto de vida das mulheres, marcado pela maternidade, família e casa.
Porém, “as relações sociais são construídas e não dadas pela natureza. As diferenças
biológicas não podem ser usadas como justificativas para manter a opressão e, por
conseguinte, a desigualdade” (TELES, 2007, p.57). A dominação é fruto de uma construção
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 80

social que desenha um modelo de sociedade, em que as relações de gênero são hierarquizadas
e baseadas no privilégio do masculino, fazendo as mulheres sentirem-se inferiores e percebê-
la como natural.
A dominação masculina enseja a ordem hierárquica entre homem e mulher, o discurso
hegemônico que destina a mulher “à obscuridade de uma inenarrável reprodução, [...] fora do
tempo, [...] fora do acontecimento, confinadas no silêncio de um mar abissal” (PERROT,
2015, p. 16). Todavia, as mulheres buscaram romper com a ordem discursiva que tenta
aprisioná-la no espaço privado, do silêncio, da subordinação. Passaram a recursar tal destino e
a denunciar as injustiças provenientes dessa construção sexista.
No contexto das ideias iluministas, das ideias da Revolução Francesa e Americana
surge o feminismo, um movimento de mulheres (emancipadas da burguesia, da aristocracia e,
posteriormente, operárias) que passaram a lutar, num primeiro momento, em torno da
demanda por direitos sociais e políticos. Esse movimento, no seu alvorecer, mobilizou
mulheres de muitos países da Europa, dos Estados Unidos e, posteriormente, de alguns países
da América Latina, tendo seu age na luta sufragista (TIMOTEO, 2013).
“Como corrente intelectual, o feminismo, em suas várias vertentes, combina a
militância pela igualdade de gênero com a investigação relativa às causas e aos mecanismos
de reprodução da dominação masculina (MIGUEL; BIROLI, 2014, p.17). “É um movimento
que age em ondas; é intermitente, sincopado, mas ressurge, porque se baseia em organizações
não estáveis capazes de capitalizá-lo” (PERROT, 2015, p.155).
O feminismo traz a questão do privado para o espaço público, para que sejam
debatidas novas ações, condutas e concepções sejam estabelecidas, pois este se configura
como político, ou seja, ato que se constitui como uma redefinição do poder político.
Configura-se, também, como um movimento que age em torno de manifestações públicas,
com a participação de pessoas que lutam por igualdade entre os sexos, por melhores
condições de trabalho, por acesso ao saber, aos direitos civis e políticos, para a autonomia da
mulher.
De acordo com Timoteo (2013), as primeiras manifestações feministas no Brasil,
Chile, Argentina, México, Peru e Costa Rica ocorreram na metade do século XIX, em
especial através da imprensa feminista, principal veículo de divulgação dos ideais.
O movimento feminista pode ser caracterizado por

[...] três momentos, atrelados a diferentes reivindicações das mulheres. A


primeira onda, entre o final do século XIX e meados dos anos de 1920, em
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 81

que as mulheres reivindicavam o reconhecimento da igualdade de direitos


entre homens e mulheres. A segunda onda, no período de 1960 a 1980,
caracterizada pela luta pela igualdade de direitos nas transformações dos
costumes e das ações cotidianas ligadas a liberdade sexual e a discriminação
de gênero. A terceira onda emergiu nos anos 1990, como uma crítica da
segunda onda e reivindicava a contemplação das diferenças femininas até
então centradas na perspectiva universalizante da mulher branca (SILVA,
2009, p.27).

A partir do momento em que as mulheres reuniram-se para discutir questões referentes


a sua condição, iniciaram a descoberta de si, de suas potencialidades e o processo de
visibilidade social. Elas tornaram-se visíveis, porque passaram a ocupar espaços proibidos;
esferas, até então, inconcebíveis para sua posição de subordinação no grupo social.
Organizaram-se e reivindicaram sua condição de sujeito histórico. Porém, o desafio é
colossal, pois as desigualdades persistem, sendo bem evidenciado quando da análise da
divisão sexual do trabalho, ponto a ser delineado no próximo tópico.

2.2 Gênero e apropriação do espaço: o entrelaçar entre exclusão e


complementaridade

A sombra de um projeto educacional que ressaltava a superioridade masculina e a


preparação da mulher para o casamento, a introjeção de valores misóginos por parte das
próprias mulheres parecia normal (DEL PRIORE, 2013). Assim, era criada a concepção de
espaços para homens e espaços para mulheres. Cabe salientar que a Igreja e a família tinham
um papel relevante neste processo. Claro que outros mecanismos de coerção contribuíram
para a construção da idealização da fragilidade feminina, do seu projeto de vida restrito a
maternidade e, consequentemente, ao ambiente doméstico (privado), como já esboçado ao
longo da discussão.
Tais prerrogativas tornam-se relevantes para o entendimento da construção de uma
divisão sexual do espaço, reforçada pelos discursos que tendem a formular verdades que
constituem a mulher como aquela que deve exercer atividades mais condizentes com a sua
“natureza”, proposição que leva à desvalorização do trabalho feminino. Tais verdades, de
acordo com Foucault (1996), que são elaboradas em relações de poder e desconstruídas numa
perpétua guerra.
Pinsky e Pedro (2013) apresentam que o trabalho feminino é um termo polissêmico,
sendo confundido com as funções domésticas, os cuidados com a família e a casa, por alguns,
e como aquele que envolve as atividades realizadas no próprio domicílio e no mercado de
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 82

trabalho. Ao pensar no trabalho feminino, Tornquist et al. (2009) versam que nas sociedades
pré-industriais toda a família organizava as atividades. Porém, com a industrialização ocorreu
a separação da produção de bens do âmbito familiar e, assim, uma mudança nos papéis
femininos e masculinos. Elas retratam, ainda, que a sociedade industrial separou a mulher e
sua família da esfera produtiva, tornando-a mera dona de casa.
A industrialização provocou um acréscimo do número de mulheres no mercado,
reforçado pelas novas demandas da sociedade industrial: diminuição do poder de compra e
arrocho salarial. Diante deste novo panorama, as mulheres passaram a reivindicar a solução de
novas questões (creches para os filhos, educação de qualidade, saúde, entre outros) e debater
pontos referentes a seu espaço na sociedade.
Destarte, nos anos de 1970, marcados pela consolidação da indústria e pela
reestruturação do movimento das mulheres, uma grande massa de trabalhadores de diferentes
setores se mobilizou em torno de melhores condições salariais e de trabalho.
Os estudos feministas, neste período, foram influenciados pelo marxismo e pela noção
de patriarcado (SILVA, 2009, p. 33), no qual o homem exerce poder sexual e econômico
sobre a mulher e seu corpo.
O patriarcado é identificado como sistema sexual de poder, como a organização
hierárquica masculina da sociedade, que se perpetua através do matrimônio, da família e da
divisão sexual do trabalho (CRUZ, 2005, p. 40). Ele é fraternal, contratual e estrutura a
sociedade civil capitalista (PATEMAN, 1993, 45). Esboça a mulher como aquela que deve
ficar no espaço privado e o homem no espaço público, da política e do trabalho, corroborando
para definição de espaços caracterizados pela desigualdade que perpetuam a subordinação
feminina.
Scott (1989) expressa crítica em relação ao conceito de patriarcado pelo fato de
reforçar a concepção de que a dominação do homem sobre a mulher ocorre mediante a
reprodução e o controle da sexualidade. Para a autora, tal proposição configura-se como uma
armadilha patriarcal, pois acaba naturalizando a posição da mulher, a essencializa e a
aprisiona naquilo que rebela.
A divisão sexual do trabalho é o retrato da construção social das desigualdades entre o
feminino e o masculino. Ora, para a sua compreensão torna-se obrigatório o estudo de gênero.
Na década de 1980, surgem os estudos sobre gênero, como uma nova abordagem para
a análise das relações sociais, visto que não bastava apenas estudar as mulheres, era preciso
conhecer a totalidade da questão. Sublinha-se que no Brasil o uso de gênero se tornou visível
apenas nos anos 1990.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 83

Em Scott (1989, p. 71), gênero é utilizado para designar as relações sociais entre os
sexos; é uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado, podendo ser uma maneira de
indicar as “construções sociais”. A autora busca uma forma de sistematizar uma teoria do
gênero e defende que este seja empreendido como categoria de análise transversal e relacional
na articulação de uma ruptura de paradigmas.
Os estudos de gênero com base em Scott devem se ater as representações de
masculinidade/feminilidade nas ações políticas e a organização social que é influenciada pelas
concepções e distribuição de poder.
Os estudos de gênero permitem analisar a reprodução das desigualdades hierárquicas,
oriundas das diferenças entre os sexos e construídas social e culturalmente (SILVA; SILVA,
2011). Buscam uma nova perspectiva de reunificar aquilo que foi separado por dualismos:
corpo/alma, matéria/espírito, partícula/onda, homem/mulher, a fim de comprovar a integração
e interdependência do universo como um todo (CRUZ, 2005). Enfim,

[...] mostram o quanto o poder masculino tem subordinado a população


feminina de modo geral e também indicam como se desenvolve essas
relações sociais. [...] Conclui-se que a desigualdade não é fruto do acaso ou
da natureza humana. Pelo contrário, a desigualdade social foi criada,
inventada e construída pela própria sociedade para atender a interesse de
determinados grupos (TELES, 2007, p. 37).

Gênero é uma categoria oriunda dos estudos da mulher e tornou-se um instrumento de


análise das incursões provocadas pelas instâncias sociais: Estado, Escola, Família e Igreja.
Para Teles (2007), remeter-se a gênero não se traduz em feminismo, porque este tem como
função questionar os paradigmas que determinam a supremacia masculina em detrimento da
autonomia e da emancipação das mulheres; já aquele é relacional, não se tratando apenas das
mulheres, mas incluindo as relações entre as próprias mulheres, entre os próprios homens,
assim como as relações entre mulheres e homens. Por isso, não se pode confundir o termo
gênero com mulher.

A categoria analítica gênero constitui um instrumento de análise adequado


para o estudo das desigualdades das mulheres por se entender que o conceito
de gênero desconstrói a arqueologia de significados a partir de vários
espaços em que ele se constrói: a família, o mercado de trabalho, as
instituições e a subjetividade. [...] o estudo de gênero substitui os estudos da
mulher (CRUZ, 2005, p. 45).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 84

A análise de gênero envolve desde relações cotidianas do espaço privado até relações
mais amplas, como o capital, o trabalho, o Estado e as religiões. “O gênero influencia as
formas como as pessoas experienciam o mundo, interagem com outros e quais as
oportunidades ou privilégios são abertos ou fechados para elas” (SILVA, 2010, p. 5).
As mulheres e homens desempenham papéis diferenciados na sociedade e estes variam
de acordo com a localidade e aspectos culturais. Neles, os homens são vinculados ao setor
produtivo (cultura), enquanto a mulher às atividades de reprodução, reforçando os vínculos
biológicos que criam significados simbólicos de proximidade da natureza (ROCHA, 2010). A
mulher é percebida como a natureza passiva (SILVA, 2009), ao contrário do homem, que é
visto como o que domina a natureza através da razão e do trabalho, produzindo o espaço.
Diante desses pressupostos, retomamos a divisão sexual do trabalho, categoria
analítica que “procura explicitar as relações sociais de gênero e a divisão sexual presentes nas
relações de trabalho” (CRUZ, 2005). A divisão sexual do trabalho permitirá, através da
perspectiva de gênero, a compreensão das diferenciações existentes entre homens e mulheres
no espaço público e privado, no seio da sociedade. Ela leva a pensar o acesso das mulheres ao
mercado de trabalho, cujas ocupações são carregadas de preconceitos e dificuldades.
Ao investigar as profissões femininas na atualidade, percebe-se que o quadro, no que
tange às áreas ocupadas, não mudou muito, pois ainda há uma maior ocupação nas áreas
consideradas de aptidão feminina, tais como: Magistério, Enfermagem, Farmácia e
Odontologia. É evidente que as mulheres têm ocupado espaços em que há o predomínio
masculino, mas os números são insignificantes quando comparados às profissões, as quais
foram tradicionalmente destinadas aquelas de “natureza feminina”.
Com base nos dados do IBGE (2010), explicitados no fascículo Estatísticas de Gênero
(2014), as mulheres apresentam um nível de instrução superior ao dos homens; no entanto, os
resultados no mercado não as favorecem, já que as áreas que elas ocupam em maior
proporção Educação (83%) e Humanidades e Artes (74, 2%) são justamente aquelas que
registram menores rendimentos médios mensais (R$1.810,50 e R$2.223,90, respectivamente).
Destacam-se ainda que os rendimentos femininos não se igualam aos rendimentos masculinos
em nenhuma das áreas (Tabela 1). Isso reflete as desigualdades/discriminações de gênero,
combatidas pelas feministas desde o século XX, mas que ainda persistem na sociedade
contemporânea, bem como, o crescimento da inserção das mulheres no universo do trabalho
fora de casa, sem que isso provocasse maiores mudanças nas relações de gênero
(TORNQUIST et al., 2009).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 85

Tabela 1- Rendimento médio no trabalho principal por sexo, razão do rendimento das
mulheres em relação ao dos homens e proporção de mulheres, segundo as áreas gerais de
formação da população de 25 anos ou mais de idade - Brasil - 20107
Áreas gerais de Razão
Rendimento médio no
formação da do
trabalho principal (R$) (1)
população de 25 anos rendimento
ou mais de idade das Total Proporção
Sexo
mulheres de de
em relação pessoas mulheres
Total ao dos
Homens Mulheres
homens
(1)
Educação 1 810,5 2 340,7 1 687,4 72,1 2 429 763 83,0
Humanidades e arte 2 223, 9 2 629, 9 2 064,3 78,5 894 700 74,2
Ciências sociais, 3 912, 1 4 650,9 3 081, 4 66,3 4 495 191 49,4
negócios e direito
Ciências, matemática e 3 038,6 3 578,2 2 339,6 65,4 859 659 47,0
computação
Engenharia, produção 5 565,1 5 985,6 3 976,1 66,4 859 659 21,9
e construção
Agricultura e 4 310,6 4 756,2 2 972,0 62,5 202 232 27,4
veterinária
Saúde e bem estar 3 774,3 5 341,7 2 972,2 55,6 1 441 648 68,1
social
Serviços 3 067,0 4 078,0 2 171,2 53,2 217 755 54,8
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.
(1) Pessoas ocupadas na semana de referência, excluindo as pessoas sem declaração de rendimento e pessoas
com rendimento nulo.

No tocante aos rendimentos, na zona rural a disparidade é acentuada, porque a razão


entre o rendimento médio das mulheres ocupadas em relação ao dos homens ocupados no
meio rural é de 72,7%. Além disso, 34,1% das mulheres com 16 anos ou mais que não
possuem rendimento estão no meio rural (IBGE, 2010). Isso pode ser explicado pelo fato de
as mulheres desempenharem atividades não remuneradas, de ajuda a algum membro da
família, além do trabalho doméstico, não contabilizado, ou seja, ignorado nas estatísticas por
não ter valor de mercado e ser considerado reprodutivo, secundário.
Para Tornquist et al (2009), ocorreram transformações na sociedade quanto as
questões do trabalho feminino; todavia a divisão sexual do trabalho permanece ainda a
mesma, continua existindo trabalho de homem e trabalho de mulher. A novidade é que as
mulheres saíram para o mundo público; porém, elas continuam acumulando o trabalho

7
Retirado do fascículo Estatísticas de Gênero: Uma análise dos resultados do Censo Demográfico 2010,
elaborado pelo IBGE.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 86

reprodutivo e o produtivo, este seguindo princípios da hierarquização de que trabalho de


homem vale mais do que trabalho de mulher (TORNQUIST et al, 2009, p. 175).
Destarte, as mulheres desenvolvem uma dupla jornada de trabalho, acumulando mais
horas trabalhadas do que os homens; ainda enfrentam a invisibilidade do trabalho
desenvolvido no âmbito doméstico, sendo reconhecido perante a família e pela comunidade
como algo inerente as atribuições femininas.
De fato, a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no mundo de trabalho
ainda aparece como uma meta a ser atingida, assim pontua Silva e Silva (2011). Elas
acrescentam que é preciso eliminar os guetos ocupacionais oriundos da discriminação sexual
e buscar equilíbrio na repartição das tarefas domésticas para que possa existir a equidade de
gênero.
De forma inteligente, as mulheres conseguiram adentrar espaços tradicionalmente
masculinos e instaurar suas demandas. Pelas brechas da dominação, elas consolidaram suas
lutas e provocaram algumas mudanças necessárias para a garantia dos seus direitos. Mas, as
demandas não cessaram e, por isso, torna-se relevante continuar questionando para que
antigas ideias não voltem a se instaurar.
Desse modo, faz-se necessário conhecer o cenário em que a invisibilidade do trabalho
feminino (reprodutivo e produtivo) tenta se instituir para combater as desigualdades, valorizar
o que está esquecido e escondido socialmente.
A análise de gênero permite realizar o mapeamento das desigualdades existentes entre
os sexos na sociedade. Torna-se um instrumento de combate à concepção de superioridade de
uns grupos em detrimento de outros, acentuada pela divisão sexual do trabalho; além do
combate à violência simbólica e/ou física provocada pela hierarquização entre homens e
mulheres.

2.3 Geografia Feminista e Gênero na discussão de novos paradigmas

A Geografia é uma ciência cuja dinâmica socioespacial integra o campo de


investigação. Para a compreensão dessa dinâmica é necessário buscar caminhos que levem a
evolução do conhecimento científico e se aproxime da realidade investigada.
A década de 1970 marca os questionamentos a respeito da invisibilidade feminina nos
discursos geográficos a partir de um movimento composto, inicialmente, por mulheres
brancas de universidades europeias e norte-americanas (SILVA; ORNAT; CHIMIN JUNIOR,
2011), correspondendo a busca de novas perspectivas com a finalidade de subverter a ordem
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 87

discursiva da ciência geográfica consolidada nos conceitos e métodos, frutos do processo de


colonialidade e racionalidade moderna oriundos de um saber produzido sob a ótica masculina
(LUGONES, 2008; SILVA; SILVA, 2011).
Imersos num “caldeirão de luta” das pautas do movimento feminista, geógrafas (os)
dos Estados Unidos e da Inglaterra passaram a produzir os primeiros trabalhos com
perspectiva feminista. Isso ocorreu em meados da década de 1970 e os enfoques dos estudos
eram assinalados pelas críticas a geografia “que daba por supuesto que la experiencia
masculina equivalia a la experiencia humana en general, y la descripcion empírica de la
geografia de las mujeres para demostrar cuan distinta era de la de los hombres” (MONK;
GARCÍA-RAMON, 1987, p.148).
Com base nisso, ao realizar uma comparação entre ciência geográfica e a condição
feminina no período, é possível identificar que são construídas a partir do ser masculino,
homem branco e europeu. Por este ângulo, a geografia esteve estruturada nos moldes
eurocêntricos e patriarcais,.
A busca de novas epistemologias e a evolução dos paradigmas científicos
corresponderam à tônica que caracterizou o período, aspectos que fundamentaram o
movimento de renovação da ciência geográfica, sublinhado pelo questionamento da
neutralidade da sociedade e assim, o reconhecimento da sua heterogeneidade. Esta indica que
“la producción y el consumo del espacio se explicará más a través de factores socioculturales
que económicos. Estos factores determinan las relaciones de género, las relaciones de trabajo
entre hombres y mujeres y la utilización diferencial del espacio” (SILVA, 2007, p.111).
No Brasil, o ano de 1977 sela o início dos estudos feministas, cuja pioneira foi a
geógrafa Rosa Ester Rossini, ao analisar a condição da mulher no campo, com destaque para o
trabalho feminino, objetivando a visibilidade da mulher no debate científico.
Influenciados pelos estudos feministas da Espanha, Inglaterra e Estados Unidos, os
geógrafos brasileiros no período supracitado ainda não tinham incorporado gênero como
categoria e nem como corrente de pensamento. Tal feito ocorrera nos anos de 1980, quando
foi introduzida de forma tímida a discussão de gênero no campo geográfico brasileiro. Rossini
(2012), em entrevista publicada na Revista Observatorium sobre o papel da mulher na
construção da Geografia brasileira, frisou dois eventos relevantes para o desenvolvimento da
temática: a realização do primeiro evento de Geografia em Callegari (Itália) e a publicação do
primeiro livro sobre Geografia e Gênero.
Na década de 1990 a Geografia de Gênero/Feminista passou a ser pensada, construída
e aplicada pelos geógrafos humanistas. O gênero enquanto categoria introduziu o debate pós-
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 88

moderno na Geografia, difundido pela criticidade à ciência moderna no que tange a rejeição
das verdades absolutas sobre o mundo, num período de florescimento de uma cultura
contestatória e favorável às mobilizações sociais.
Ao investigar sobre a introdução de gênero no campo científico geográfico brasileiro e
internacional, é perceptível a acentuada influência dos movimentos sociais que caracterizaram
o período, principalmente do movimento feminista, que questionava as desigualdades
configuradas pela diferenciação sexual. Gênero na perspectiva geográfica surge como uma
categoria de denúncia, pois evidencia que o poder é manifestado de forma diferenciada,
contribuindo para múltiplos modos de apropriação do/no espaço. Isto posto, “[...] o espaço
não é neutro do ponto de vista do gênero; torna-se necessário incorporar as diferenças sociais
entre mulheres e homens e as diferenças territoriais nas relações de gênero” (SILVA, 1998, p.
108).
Segundo Spitalere (2013), a introdução de gênero enquanto categoria dos estudos
geográficos ocorreu na década de 1970 a partir das discussões da Sociologia, sobretudo na
Europa e nos Estados Unidos. Neste momento, a “Geografia Feminista” foi fundada como um
subcampo da Nova Geografia Cultural.
A Geografia Feminista surgiu no contexto da segunda onda do movimento feminista e,
desde então, são organizados cursos nos programas de Geografia de universidades de vários
países, como nos Estados Unidos, Inglaterra, Índia, Canadá, Jamaica, Suíça, Índia, Nova
Zelândia, e um conjunto de publicações bem conhecidas dos geógrafos humanos. Entretanto,
a aceitação desse subcampo tem sido marcada por muita discussão e tensão, posto que a
Geografia ainda é escrita sob o viés masculino (ORNAT, 2008).

[...] La geografia feminista reconoce la importancia de dos esferas de la vida,


la esfera de la producción economica, a veces descrita como la esfera de la
acción pública, y la esfera de la reproducción de la sociedad concebida en
ocasiones como la esfera privada o doméstica para estudiar las formas en
que ambas esferas se interrelacionan. Su preocupación por la esfera
doméstica distingue a la geografia feminista frente a otros enfoques
geogrificos que confinan su atención al ámbito publico. Por último, debido a
insuficiencias de los materiales y los métodos del pasado, la geografia
feminista busca fuentes de información y métodos de anilisis que revelen las
experiencias de las mujeres y su visión del mundo (MONK: GARCÍA-
RAMON, 1987, p.149).

Existem dissonâncias a respeito da Geografia Feminista e Geografia de Gênero,


porque são consideradas subcampos distintos de análise do espaço geográfico. Silva (1998)
apresenta a primeira como aquela que busca uma transformação não só da Geografia, mas
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 89

também da forma como vivemos e trabalhamos e a segunda corresponderia a que trata o


gênero como uma dimensão da vida social que deve ser incorporada nas estruturas existentes.
Consideramos não entrar nesse campo de discussão e pensar a Geografia de forma múltipla,
buscando o entendimento de como as desigualdades de gênero repercutem na organização
socioespacial. Além disso, o gênero enquanto categoria descortina a idealização de um espaço
neutro e homogêneo, consoante assertiva anterior.
As indagações levantadas remetem às concepções de gênero sob a perspectiva de
Scott, em que revela-se como instrumento político com a finalidade de aniquilar as
desigualdades decorrentes da diferenciação sexual. Scott (1989, p. 21) define gênero como
“elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos”
e como “uma forma primeira de significar as relações de poder”. Com tais características,
gênero é identificado como categoria histórica e relacional que permite a compreensão da
estrutura de poder na qual a sociedade é construída.
A autora supracitada recorre à história para apresentar respostas sobre como as
construções histórico-culturais afetam a organização social, ao quadro em que a mulher se
encontra na sociedade atual. Ela defende gênero enquanto categoria transversal e não
meramente de descrição.
A narrativa em torno da geografia feminista pode ser sintetizada no diagrama
representado na figura 12, que explicita os principais conceitos aplicados na análise da
produção do espaço geográfico na perspectiva relacional. São conceitos que alicerçam o
movimento crítico em relação à cultura ocidental patriarcal e androcêntrica, assim como a
ciência e a epistemologia, sistematizando um caminhar configurado por novos enfoques
teóricos e metodológicos.
Sobre a crítica à ciência moderna, convém versar sobre os teóricos descoloniais por
intencionarem uma ciência e filosofia, além dos referenciais eurocêntricos, dado que buscam
romper com a violência epistêmica que constitui o sujeito colonial como o Outro. Revelam
que isso é possível, desde que considerem os saberes dos sujeitos subalternos dos territórios
coloniais (SPIVAK, 2010). Logo, os teóricos descoloniais propõem uma epistemologia da
colonialidade (LUGONES, 2008), ou seja, um caminho para a construção do conhecimento
científico e engajamento político.
Spivak (2010) assevera que a tarefa do intelectual pós-colonial deve ser criar espaços
que possibilitem o sujeito subalterno falar e ser ouvido. Nessa concepção, geógrafas
feministas (MONK: GARCÍA-RAMON, 1987; SILVA, 2007; SILVA, 2009) arquitetam uma
geografia além da influência anglófona. Elas tecem críticas sobre a validação do pensamento
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 90

do Sul a partir do eurocentrismo, bem como a ciência posta como neutra, mas que possui um
posicionamento político que exclui o Outro, não europeu, subalterno.

Figura 12- Diagrama de conceitos que fundamentam os estudos na perspectiva da Geografia


Feminista

Fonte: Beauvoir (1970), Bourdieu (1989;1999), Foucault (1996), Pateman (1993), Scott (1989).
Elaboração: SANTOS, E. A., 2018.

Assim, a Geografia Feminista sob o viés da colonialidade, remete à formulação de um


conhecimento pautado nas peculiaridades locais e na multiplicidade dos sujeitos. Mostra que
não é possível entender a realidade por meio de modelos gerais, universais, já que os sujeitos
são plurais, tal como a sua realidade.
Nestes meandros, foi tecida uma crítica ao uso de mulher como categoria unitária, cuja
visão essencialista refletia todas as mulheres (RODÓ-DE-ZÁRATE, 2014), cenário que levou
a pensar o gênero “como parte de sistema de diferenças, no qual as distinções entre
feminilidade e masculinidade se entrelaçam com distinções raciais, de nacionalidade,
sexualidade, classe social, idade” (PISCITELLI, 2009, p. 140, grifo da autora), assim como a
produção das desigualdades sociais e as resistências.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 91

Como base em tais prerrogativas, a metodologia feminista passou a ser direcionada à


diversidade, em que raça, nacionalidade, classe social, idade colocaram-se como estruturas
dominantes das relações de poder (ORNAT, 2008). O olhar sobre a pluralidade dos sujeitos
testificou um caminhar baseado nas especificidades, nas diferenças e nas demandas de grupos
marginalizados, a exemplo das mulheres negras que não estavam sendo contempladas na
pauta de luta do movimento feminista.
As feministas negras enfatizavam que o contexto social da mulher negra era diferente
daquele da mulher branca; por conseguinte, a pauta de luta teria que ser distinta. Elas
denunciavam a discriminação vivenciada dentro do feminismo, apresentando, desse modo,
como principal pauta de reivindicação o combate ao racismo; da mesma maneira que
questionavam o sujeito do feminismo branco, de classe média, heteronormativo (RODÓ-DE-
ZÁRATE, 2013) e argumentavam que a experiência da mulher negra era moldada no
entrecruzamento do racismo, exploração de classe, patriarcado, homofobia, e que uma
perspectiva que considerava apenas um eixo de poder avançaria numa análise incompleta da
injustiça social que caracterizava a vida das mulheres afro-americanas (COLLINS, 2017).
Assim, as feministas negras apontavam em direção à tentativa de rompimento das
categorias homogêneas (a exemplo de mulher), tal como buscavam evidenciar as formas de
opressão, o entrelaçamento de distintas maneiras de diferenciações sociais e desigualdades.
Foi a partir desses questionamentos e do aprofundamento teórico do feminismo negro
que se esboçaram novas perspectivas acerca da complexidade dos sujeitos e da sua realidade.
Na tentativa de abordar o desafios contemporâneos atrelados à ciência geográfica, será
discutido na próxima seção a relação de gênero e meio ambiente, com foco no papel que a
mulher desempenha para a conservação da biodiversidade.

2.4 Gênero e meio ambiente: participação social na conservação dos recursos


ambientais

Nos últimos anos, assistimos a um cenário ambiental alarmante, marcado por


catástrofes naturais, poluição, perda da biodiversidade e dos saberes das populações que
dependem, exclusivamente, dos recursos naturais. Testemunhamos, desta maneira, a
configuração da crise ambiental que traz efeitos nocivos para o meio ambiente e para a
qualidade de vida dos indivíduos.
As mulheres são as mais afetadas pela degradação ambiental, assim salientam
Tornquist et al (2009), pelo fato de, por exemplo, nas áreas rurais contribuir para o aumento
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 92

das distâncias e do tempo para ter acesso aos recursos, prejudicando os rendimentos e
diminuindo a produtividade.
A degradação ambiental emerge do crescimento e da globalização da economia. Esta
escassez generalizada manifesta-se não só na degradação das bases de sustentabilidade
ecológica do processo econômico, mas como uma crise de civilização que questiona a
racionalidade do sistema social, os valores, os modos de produção e os conhecimentos que o
sustentam (LEFF, 2001, p. 56).
A crise ambiental reflete a lógica que fundamentou a exploração intensiva da natureza,
resultante de um modelo de crescimento econômico caracterizado pela incorporação de
tecnologias no processo produtivo, mas que em nada contribuiu para a libertação do homem e
o uso sustentado da natureza. Ao contrário, promoveu a subordinação humana e o possível
esgotamento dos recursos naturais.
Na década de 1960, o debate acerca da questão ambiental passou a ser intensificado no
cenário mundial, sendo, por exemplo, fundado o Clube de Roma, grupo de especialistas que
se reuniram para discutir a crise atual e futura da humanidade (DIAS, 1994).
No plano político, emergiram movimentos sociais, dentre os quais o ecológico. A
crítica não é, exclusivamente, sobre o modo de produção, mas, fundamentalmente, sobre o
modo de vida. No Brasil, o movimento ecológico surge na década de 1970, num contexto
histórico caracterizado pela ditadura militar (GONÇALVES, 2006).
Nas décadas seguintes houve uma grande necessidade da participação da sociedade
civil nas discussões sobre a gestão do meio ambiente. Assim, nas conferências da
Organização das Nações Unidas (ONU), em 1990, reconheceu-se a importância
(PASQUARELLI; ROSSINI; CALIÓ, 2008) da perspectiva de gênero na questão ambiental e
salientou-se a necessidade da participação das mulheres nos níveis local e global.
O ecofeminismo surgiu como um movimento social, um discurso teórico que definia o
movimento das mulheres na preservação e conservação da natureza. Termo apresentado por
Françoise d’Eauboune, no livro Le féminisme ou la mort, publicado em 1974 (GARCIA,
2012), ele entrecruza os ativismos ambientais e feministas e configura-se como

[...] uma das mais radicais correntes do movimento ambientalista porque se


propõe a desestabilizar as bases sobre a civilização que separa
natureza/cultura e hierarquiza os sexos. [...] Trata-se de um enlace filosófico
com orientações práticas que examina e critica a desvalorização histórica e
mutualmente articulada da mulher e da natureza (GARCIA, 2012, p 74-75).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 93

O ecofeminismo ressalta que a subordinação feminina está embasada nos princípios


que fundamentaram a exploração da natureza. Enfatiza que a dominação das mulheres tem
profunda ligação com o capitalismo patriarcal, que representa a mulher e a natureza como
elementos inferiores que devem ser intensamente explorados. Na relação mulher/natureza
tem-se a revelação da dominação, do modelo esquartejador de sociedade. Isso remete a
concepção de dualismo, forma de construir a diferença em termos de uma lógica hierárquica,
e que parece estar no centro das dificuldades que envolvem as tentativas de reverter os valores
atribuídos ao feminino e à natureza, tendo como seu efeito a naturalização da dominação (DI
CIOMMO, 2003). “Para as ecofeministas, a destruição da natureza deve ser atribuída ao
androcentrismo mais do que ao antropocentrismo” (GARCIA, 2012, p 95).
Em vista disso, as feministas advertem que a lógica do capital não tem sido condizente
com a perspectiva ecológica de sustentabilidade do planeta.
Angelin (2006) explica que o ecofeminismo pode ser dividido em três tendências:
a) Ecofeminismo clássico- caracterizado pela denúncia da naturalização da mulher
como um dos mecanismos de legitimação do patriarcado;
b) Ecofeminismo espiritualista do Terceiro Mundo- originado nos países do sul, tendo
a influência dos princípios religiosos de Ghandi, na Ásia, e da Teologia da Libertação, na
América Latina. Afirma que o desenvolvimento da sociedade gera um processo de violência
contra a mulher e o meio ambiente, cujas raízes estão nos moldes patriarcais de dominação.
Atribui ao princípio da cosmologia a tendência protetora das mulheres para com a natureza;
c) Ecofeminismo construtivista- defende que a profunda ligação da maioria das
mulheres com a natureza não está associada as características do sexo feminino, sendo
originada de suas responsabilidades de gênero na economia familiar, criadas por meio da
divisão sexual do trabalho. Defende que é preciso criar novas práticas na relação de gênero e
natureza.
O ecofeminismo recebeu uma enxurrada de críticas e foi rotulado como corrente
essencialista, por tomar como principal ponto a conexão da mulher/natureza, por apresentar
uma visão mais focada na natureza do que na mulher, posto que as relações de gênero são
forjadas na condição social da mulher e não na suposta essência feminina; e por enfatizar o
efeito das construções ideológicas nas relações de gênero e nas formas de ação em relação ao
meio ambiente (GARCIA, 2012). Sendo assim, além das questões ideológicas, é preciso
analisar as formas materiais de apropriação dos recursos naturais para entender a relação de
homens e mulheres com o meio. É preciso destacar que os grupos possuem diferenças
culturais, de etnia, de classe, de idade e de gênero.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 94

Gênero apresenta-se como um conceito relevante para se pensar uma nova relação dos
indivíduos com a natureza, para um plano de sustentabilidade alçado numa maior participação
dos projetos ambientais das mulheres, na participação social. Um plano que apresente também
como objetivo a ser alcançado a educação voltada para o ambiente e a introdução da questão
ambiental nas diversas esferas da sociedade, visto que os problemas aí produzidos atingem a
todos, não tendo como ficar inerte ao processo.
Castro e Abramovay (2005, p.38) evidenciam que a abordagem sobre gênero está
centrada na vivência e na incorporação de ações de homens e mulheres nas políticas e
programas, para apontar diferenças e semelhanças e realizar propostas concretas de como
garantir uma participação mais efetiva, quer na modelagem, quer nos frutos de um
desenvolvimento que se deseja sustentável.

A sustentabilidade articulada com a perspectiva de gênero poderá servir de


balizamento para instaurar uma conduta menos predatória para com o meio.
A perspectiva relacional poderá constituir-se na base da interatividade entre
homens e mulheres, e entre estes com a natureza, as instituições e a
sociedade de modo geral. [...] As relações de gênero, como episteme
ordenadora de condições de igualdade entre homens e mulheres na
sociedade, se ocupa da formulação de marcos regulatórios de conduta,
pautando políticas e programas voltados para restaurar o convívio saudável
dos humanos com o ambiente natural (TORNQUIST et al., 2009, p. 353,
grifo dos autores).

A sustentabilidade, nesta perspectiva, contribui para pensar formas conservação da


biodiversidade, para que assim possa alcançar o equilíbrio ecológico e cultural, resultando na
manutenção dos ecossistemas e na qualidade de vida da população. Contribui, também, para
pensar projetos e programas voltados para a redução da desigualdade de gênero e para a
mudança no relacionamento entre o homem e a natureza, que deixaria de vê-la como
externalidade e passaria a um relacionamento interativo.
Angelin (2006) apresenta que para os filósofos adeptos à ecologia profunda, se os
homens estivessem mais próximos às tarefas domésticas e de reprodução, haveria um ganho
na proteção ambiental, pois eles teriam uma percepção real da unidade e da interdependência
dos seres humanos com o meio ambiente. Destaca que as mulheres já fazem isso, porque a
elas foi deixada a tarefa do cuidado e da manutenção da vida.

Não é demasiado afirmar que as mulheres têm uma relação menos destrutiva
com o meio ambiente do que os homens. [...] A forma pela qual as mulheres
se relacionam com o ambiente natural mostra como elas têm como ponto de
referência as suas próprias vidas. Ou seja, papéis que elas desempenham na
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 2 - GÊNERO, ESPAÇO E MEIO AMBIENTE 95

reprodução social, cultural e biológica. E este desempenho de papéis tem


estreita conexão com o conceito de equilíbrio que envolve a relação mulher-
terra, terra-vida, homem-mulher e homem-natureza (TORNQUIST et al.,
2009, p. 350)

Ao longo da história, as mulheres têm lutado pelo bem-estar da família e, por


conseguinte, pelo cuidado do meio em que vivem. Os motins de alimentos é um exemplo
disso, nos quais as mulheres do século XIX ocupavam o espaço público para exigir o preço
justo e garantir o pão que alimentava os seus filhos. Apesar das representações em torno da
mulher (condição de subordinação, invisibilidade no setor produtivo, a baixa remuneração,
entre outros), esta tem lutado pela equidade social, por saneamento básico, por um ambiente
sustentável.

Envolvidas com a sobrevivência da família, convertem-se em verdadeiras


gestoras da configuração social: reunindo a família, as vizinhas,
estabelecendo relações de solidariedade mútua, coletivizando carências e
necessidades, elas têm estado presentes nas lutas por moradias, pelos
serviços básicos, pela melhoria do meio ambiente (PASQUARELLI,
ROSSINI, CALIÓ, 2008, p.79).

As mulheres possuem um papel fundamental na reestruturação da relação entre os


indivíduos com a natureza e para que essa relação seja harmoniosa, torna-se necessário a sua
participação nos espaços de poder e decisão.
96
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

CAPÍTULO 3
AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS NO CONTEXTO DA
PAISAGEM COSTEIRA

©Eline Santos

População extrativista de Indiaroba

O rio deságua no mar


Já tanta coisa aprendi
Mas o que é mais meu cantar
É isso que eu canto aqui [...]
O rio só chega no mar
Depois de andar pelo chão
O rio da minha terra
Deságua em meu coração [...]
Onde eu nasci passa um rio
(Caetano Veloso)
97
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

3 AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS NO CONTEXTO DA PAISAGEM


COSTEIRA

A zona costeira brasileira, estabelecida como patrimônio nacional no artigo 225 da


Constituição Federal, corresponde à unidade territorial que se estende na sua porção territorial
por mais de 8.500 Km, incorporando 17 estados e mais de 400 municípios8.
Para efeitos do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei 7.661/1988) 9, a zona
costeira compreende o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo os
recursos renováveis ou não e abrangendo as faixas terrestre e marítima. Esta estende-se por 12
milhas a partir da linha de base e integra a totalidade do mar territorial, ao passo que a faixa
territorial aparece como o espaço compreendido pelos limites dos municípios que sofrem
influência direta dos fenômenos costeiros.
No processo de expansão mercantil, a zona costeira testemunhou os primeiros núcleos
de povoamento, já que os colonizadores adentravam as novas terras por via marítima e fluvial.
Ao longo do seu percurso, vários assentamentos foram organizados, o que repercutiu no
Brasil um modelo de ocupação de bacia de drenagem, estruturado por uma rede de circulação
na qual todos os fluxos de colonização partiam de centros de difusão situados na costa. Tal
fato ressoou num padrão de povoamento descontínuo com zonas de adensamentos e núcleos
pontuais de assentamentos entremeados por vastas porções não ocupadas (MORAES, 2007);
situação bem característica do padrão de ocupação do litoral sergipano atual, onde as sedes
municipais e as áreas próximas apresentam uma concentração populacional intercalada de
pontos com baixo agrupamento humano.
Assim, a zona costeira abriga uma variedade de quadros naturais, atividades e usos
que lhes são próprios. Desse modo, a sua localização desponta como um fator relevante
quanto aos usos que lhes são inerentes, pois a coloca numa situação geográfica ímpar, ou
melhor, como área estratégica para a circulação de trânsito das produções e de distribuição do
mundo na contemporaneidade.
Pelo fato de os terrenos próximos ao mar serem escassos, a zona costeira possui
também um caráter diferencial que reflete na valorização desse espaço a preços elevados
como num mercado de terras estruturado e consolidado. Do mesmo modo, constitui-se como
maior reserva de recursos naturais do planeta, por abrigar uma variedade de ecossistemas que

8
Disponível em: <http://www.mma.gov.br/gestao-territorial/gerenciamento-costeiro/zona-costeira-e-seus-
m%C3%BAltiplos-usos/caracteristicas-da-zona-costeira.html>. Acesso em: 02 mai 2018.
9
Lei que dispõe sobre regras de uso e ocupação da zona costeira e estabelece critérios de gestão da orla
marítima, e dá outras providências.
98
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

inclui manguezais, restingas, estuários, campos de dunas, recifes de corais, costões rochosos,
baías, brejos e falésias, bem como populações que dependem diretamente da sua riqueza
ecológica, a exemplo das (os) pescadoras (es) artesanais e das catadoras de mangaba.

A riqueza biológica dos ecossistemas costeiros faz com que essas áreas
sejam grandes “berçários” naturais, tanto para as espécies características
desse ambiente, quanto para outros animais que migram para as áreas
costeiras durante, pelo menos, uma fase do ciclo de vida (SOUZA, 2007, p.
119).

Ademais, a zona costeira comporta outras atividades humanas e formas de ocupação


do solo, como a exploração mineral, navegação, comércio, turismo, núcleos urbanos e
industriais. Em conformidade com Moraes (2007), a zona costeira circunscreve como uma
área dotada de especificidades e de vantagens locacionais, um espaço finito e relativamente
escasso.
A zona costeira sergipana corresponde uma faixa de pequena extensão de
aproximadamente 163 km, compartimentada em três porções de litoral: litoral norte (Brejo
Grande, Pacatuba, Ilha das Flores e Pirambu, Nossa Senhora do Socorro, Laranjeiras,
Riachuelo, Maruim, Santo Amaro das Brotas, Rosário do Catete, General Maynard,
Carmópolis, Japaratuba, Japoatã, Neópolis e Santana do São Francisco); centro (Aracaju) e
sul (São Cristóvão, Itaporanga D’Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba).
O litoral sul, zona na qual situa-se o recorte espacial de estudo, possui uma área de
2.480 km2 e apresenta, em termos de ocupação, um povoamento diferenciado da capital, com
áreas menos povoadas e isoladas da sede do município, como já mencionado na discussão
acima.

[...] a maior porção da zona costeira sergipana ainda se encontra em áreas


não materialmente incorporadas ao padrão de povoamento nitidamente
urbano [...]. [...]. Nesse sentindo, é possível falar de padrões diferenciados de
ocupação do litoral sergipano, desde aquele tradicionalmente rurais e
relativamente isolados com dificuldades de acessos, [...], até espaços mais
urbanizados (VILAR; ARAÚJO, 2010, p. 55-56).

O isolamento do litoral sergipano passou a ser interrompido quando dos investimentos


em infraestrutura com a instalação de equipamentos, a construção e pavimentação de trechos
rodoviários, entre outras ações que foram intensificadas nos anos de 1990, com a implantação
do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR), um programa que
tem como objetivo o planejamento do turismo no Brasil através da organização das
99
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

intervenções públicas com a elaboração de planos em áreas turísticas prioritárias, de forma


que o turismo possa se consolidar como atividade impulsionadora do desenvolvimento
regional.

Os anos 90 foram marcados pela diversificação das atividades econômicas


nos ecossistemas costeiros com destaque para o turismo (loteamentos,
hotéis-fazenda, pousadas, pesque-e-pague, casas de veraneio etc.) e a
expansão da carcinicultura com a redução das áreas de uso comum dos
recursos por pessoas que se conhecem ou não (MOTA et al., 2009, p. 08).

As diferenciadas formas de ocupação, a construção de infraestrutura, a introdução de


novas atividades e a valorização do litoral com sua apropriação material como espaço de lazer
e de atividades imobiliárias associadas à segunda residência contribuíram para romper o seu
isolamento com a intensificação dos impactos socioambientais e dos conflitos por não
levarem em consideração as especificidades locais.
O Estado tem um papel relevante na intensificação do povoamento e da valorização
dos espaços costeiros, com incentivos à infraestrutura viária, turismo, industrialização e
urbanização. Ele apresenta-se de forma ambígua, através da legislação (MORAES, 2007)
quando cria limitações ou induz os usos do solo, através do planejamento, direcionando as
tendências presentes para padrões sustentáveis de uso ou estimulando a devastação; e pela
gestão, buscando mediar ou intervir nos conflitos de uso existentes. Ainda aparece como o
maior agente impactante da zona costeira, uma vez que suas ações devem ser consideradas
nos planos e projetos.
Devido à ausência de um planejamento integrado, o litoral sul sergipano, área de
fragilidade ambiental com dunas, lagoas e manguezais, tem passado por transformações
ambientais e sociais que afetam as populações tradicionais que sobrevivem da exploração
direta dos recursos naturais existentes. Tal situação, é divergente com as determinações que
regem as áreas protegidas, uma vez que parte dos municípios do litoral sul estão inseridos na
Área de Proteção Ambiental (APA) Litoral Sul (Figura 13).
A APA Litoral Sul, criada em 1993, corresponde à área compreendida entre a foz do
Rio Vaza Barris e a desembocadura do Rio Real, com cerca de 55,5 km de costa e largura
variável de 10 a 12 km, do litoral para o interior; abrange quatro municípios do litoral sul:
Itaporanga D’Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba. Ela condiz com a categoria
de Unidade de Conservação de Uso Sustentável ou de Uso Direto e Consultivo em que as
atividades devem ser desenvolvidas de modo saudável, compatibilizando a conservação da
natureza com o uso sustentável dos recursos naturais.
100
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

Em 2005, pescadores da Colônia Z-4 (Estância) em conjunto com a ONG Água é


Vida, iniciaram o processo de luta pela Reserva Extrativista (RESEX) Litoral Sul, ao
enviarem solicitação ao IBAMA para sua instauração (ARAÚJO, 2014). No ano de 2009, as
catadoras de mangaba inserem-se na ação, tendo o acesso aos recursos naturais como um dos
pontos de reivindicação.
De acordo com a Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza (SNUC) a Reserva Extrativista

é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja


subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura
de subsistência e na criação de animais de pequeno porte e tem como
objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações e
assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade (BRASIL,
2000).

O SNUC salienta ainda que a reserva extrativista é de domínio público, com uso
concedido às populações extrativistas tradicionais, já que as áreas particulares incluídas em
seus limites devem ser desapropriadas de acordo com o que dispõe a lei (BRASIL, 2000).
As reservas extrativistas surgem como um meio capaz de possibilitar a continuidade
do extrativismo, posto que contribuem para a permanência da população local e para a
biodiversidade. Drummond (1996) sugere que para que tal fato aconteça torna-se
imprescindível o manejo sustentável do ambiente, combinando atividades de mercado e de
subsistência, conhecimento folk e científico e as reservas extrativistas devem estar sujeitas a
auditorias governamentais e independentes.
A RESEX Litoral Sul ainda está em discussão e muitos são os entraves que
impossibilitam a sua concretização, a exemplo da desapropriação de terras, que gera conflitos
entre os proprietários e o poder público.
Com base no exposto, este capítulo caracteriza o recorte espacial da pesquisa a partir
dos aspectos físicos e sociais que integram as singularidades do município e das localidades,
enfatizando o processo histórico de ocupação, os usos do solo e as mudanças decorrentes das
ações dos atores envolvidos.
101
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

3.1 Recorte espacial e condicionantes físico-ambientais da área de estudo

O recorte espacial do estudo corresponde a quatro comunidades extrativistas de


Indiaroba, a saber: Terra Caída, Convento, Preguiça (de Cima e de Baixo) e Pontal (Figura
13).
A escolha dessas comunidades ocorreu devido à relação de dependência com os
elementos da natureza, sobretudo a terra e a água, pois o extrativismo da mangaba e a pesca
constituem-se como fontes primárias de renda, visto que mais de 80% da população depende
dessas atividades para a sobrevivência; outrossim, por englobar as particularidades do
trabalho feminino na extração da mangaba e no desenvolvimento da pesca, bem como o
envolvimento das extrativistas na luta pela manutenção da atividade frente as transformações
provocadas pela lógica atual de mercado, organizando a primeira associação das catadoras de
mangaba registrada do estado, a ASCAMAI (Associação de Catadoras de Mangaba e
Indiaroba).
Indiaroba localiza-se na região Nordeste, na microrregião de Estância, no extremo sul
sergipano, entre a latitude 11º31’10” S e a longitude 37º30’37” W. Dista 100 km da capital
Aracaju, quando o acesso ocorre pelas rodovias BR 235, BR 101 e SE 318 e 82 km com
acesso pela SE 100. Limita-se ao norte com os municípios de Santa Luzia do Itanhy e
Estância, a oeste com Umbaúba e Cristinápolis, a leste e ao sul com o estado da Bahia,
estando separados pelo rio Real (Figura 13).
No tocante à localização das comunidades extrativistas investigadas, estas encontram-
se na porção leste do município com distâncias da capital que variam entre 103 km e 82 km
(distâncias mensuradas a partir do povoado Pontal, que aparece como ponto mais longínquo, e
Terra Caída, ponto mais próximo da capital, quando o acesso é estabelecido pela BR-101 e
pela SE-100, respectivamente), conforme especificações na tabela 2.

Tabela 2 - Distância das comunidades extrativistas da capital e da sede municipal


Distância da
Distância da capital Sede municipal
Localidades (km)1 (km)*
BR-101 SE-100 SE-100
Pontal 103 98 16
Terra Caída 102 82 16
Preguiça 96 92 10
Convento 95 90 08
Fonte: Google Maps, 2018.
Nota: (1)Distância aproximada a partir da ferramenta do Google Maps.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 102

Figura 13 - Localização da área de estudo .


103
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

Segundo as informações da tabela 2, Pontal (16 km) e Terra Caída (16 km) mostram-
se como as localidades mais afastadas da sede municipal quando comparadas a Convento (8
km) e Preguiça (10 km), porém isso não interfere na relação estabelecida entre os habitantes
destas localidades e a Sede municipal, já que possuem uma intensa interdependência com este
espaço e com o município vizinho (Estância), principalmente no que concerne a atendimentos
relacionados à educação, à saúde, ao comércio e aos serviços em órgãos públicos ( ponto a ser
explorado na seção 3.2).
O clima de Indiaroba é “do tipo megatérmico úmido e subúmido, com temperatura
média no ano de 27,7º C, precipitação média anual de 1.561,7 mm e período chuvoso nos
meses de fevereiro a agosto” (BOMFIM, COSTA; BENVENUTI, 2002, p. 4), elementos
relevantes para o desenvolvimento da agricultura no município.
Quanto aos aspectos meteorológicos, a área de estudo recebe interferências da Zona de
Convergência Intertropical, das massas de ar Tropical Atlântica e Equatorial, além dos
sistemas Frente Polar Atlântica e Correntes Perturbadoras de Leste que são responsáveis pela
regularidade das precipitações no mês de maio (FRANÇA; CRUZ, 2007).
O contexto geológico está configurado pelos sedimentos cenozoicos, pelas unidades
mesozoicas da Bacia de Sergipe, domínio neo a mesoproterozoico da faixa de Dobramento
Sergipano e pelo Embasamento Gnáissico do Arqueano/Paleoproterozoico. Entre os
sedimentos, predominam areias finas e grossas com níveis argilosos a conglomeráticos do
Grupo Barreiras e ainda sedimentos mais recentes associados a depósitos de pântanos e
mangues, depósito flúvio-lagunares e terraços marinhos (BOMFIM; COSTA; BENVENUTI,
2002, p. 4).
O relevo do município está representado pelas unidades geomorfológicas: planície
costeira, contendo a planície fluviomarinha, os terraços fluviomarinho e marinho e as
superfícies de rios, com a presença de relevos dissecados em colinas e interflúvios tabulares
(Figura 14 e Quadro 4).
A planície costeira compreende “superfícies relativamente planas, baixas,
posicionadas rentes ao mar e cuja formação é resultado do aporte de sedimentos marinhos e
fluviais (TORRES; MARQUES NETO, MENEZES, 2012, p. 232).
SA N T O S , E . A . , 20 1 8 C A P Í T U L O 3 - A S C O M U N I D A D E S E X T R A T I V I S T A S D E IN D I A R O B A 10 4

Fi g u r a 1 4 - U n i d a d e s g e o m o r f ol ó g i c a s , c o b er t ur a v e g et al e u s o s d a t err a
105
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

Em Sergipe, a zona costeira, que vai do rio São Francisco (ao norte) ao complexo
estuarino Piauí-Real (ao sul), apresenta uma diversidade de quadros naturais e usos que
demonstram a sua importância ecológica, socioeconômica e cultural, além da necessidade de
planejamento devido a sua fragilidade ambiental. Segundo França e Cruz (2007), a planície
que integra a zona costeira sergipana segue o modelo clássico das costas que avançam em
direção ao oceano, resultado de processos ocorridos durante o Quaternário.
No município de Indiaroba, a planície costeira recebe influência direta do complexo
estuarino Piauí-Real, sistema ambiental “definido em função do nível médio de penetração
das marés” (FRANÇA; CRUZ, 200, p. 74) e que comumente preserva sequências de
depósitos holocênicos com informações de clima passado, mudanças do nível do mar, do
continente e ambientais (MEIRELES, 2012).
Ao adentrar a planície costeira são encontrados os terraços marinhos pleistocênicos e
holocênicos, derivados de episódios transgressivos quaternários que ocorreram ao longo da
costa sergipana.
O terraço marinho pleistocênico é identificado na base da Formação Barreiras, na
porção interna da planície costeira; já o terraço marinho holocênico forma a margem
oceânica, interrompendo-se nas desembocaduras dos rios que drenam a planície costeira
(FRANÇA; CRUZ, 2007; COSTA, 2011).
Nos terraços marinhos presentes na área de estudo, há predominância dos
Espodossolos, solos profundos a muito profundos com textura arenosa, fertilidade natural
muito baixa, drenagem moderada a imperfeita, presença de camada de impedimento e risco
elevado de contaminação do lençol freático e de alagamento (EMBRAPA, 2014). Esse tipo de
solo predomina nos terraços marinhos presentes no Povoado Pontal, o qual se destaca na
extração da mangaba, fruto típico de ambiente de restinga. Nota-se ainda a sua ocorrência na
faixa entre a planície fluviomarinha e o terraço fluviomarinho, com maior evidência neste
ambiente se comparado ao primeiro.
O terraço fluviomarinho e a planície fluviomarinha também compõem os domínios
ambientais da unidade paisagística planície costeira do município de Indiaroba. São feições
morfológicas modeladas por processos fluviais e marinhos, em que a primeira resulta de
erosão fluvial e marinha e a segunda da deposição de sedimentos fluviomarinhos sob
influência da maré e do continente. Observa-se nos ambientes aludidos, mormente na planície
fluviomarinha, a ocorrência dos Gleissolos, conhecidos como solos indiscriminados de
mangues.
106
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

Os Gleissolos são caracterizados como solos mal ou muito mal drenados e


desenvolvidos a partir de sedimentos colúvio-aluvionares sob hidromorfismo permanente ou
sazonal; ocorrem em relevo plano no ambiente de várzea e de baixada (EMBRAPA, 2014).
Nesses tipos de solos desenvolve-se o manguezal localizado nas margens dos cursos d’água e
onde é praticada a extração de animais (peixes, crustáceos e moluscos); de grande importância
econômica, por constituir-se fonte de rendimentos e de proteínas para as comunidades
pesqueiras de Indiaroba. Além da pesca artesanal praticada nessa porção, a aquicultura e a
monocultura também integram as atividades econômicas desenvolvidas, principalmente nos
povoados Pontal e Terra Caída, localidades onde são identificados em maiores proporções.
“As superfícies de rios, terminologia inserida pelo SIRHSE (Sistema de Informações
sobre Recursos Hídricos de Sergipe) são relevos peculiares que margeiam rios” (ARAÚJO,
2014). Neles, são encontradas formações terciárias modeladas nos sedimentos do Grupo
Barreiras, os tabuleiros costeiros, as quais são formas aplainadas ou com suaves ondulações
eventualmente aguçadas com cristas que denunciam a presença de rochas mais resistentes da
bacia sedimentar pertencentes à Bacia dos rios Piauí/Real. Os interflúvios tabulares são
separados entre si por vales fluviais mais estreitos, prevalecendo os largos, de fundo plano nas
proximidades do litoral, contendo geralmente planícies aluviais (SANTOS; ARAÚJO, 2012).
O solo que predomina na unidade superfícies de rios, maiormente no tabuleiro costeiro
presente no município, são os Argissolos, que caracterizam-se como solos minerais bem
desenvolvidos e drenados, profundos a muito profundos, que apresentam acúmulo de argila
em subsuperfície e mostram uma boa capacidade de armazenamento de água e efluentes
(EMBRAPA, 2014), elementos que propiciam o cultivo de cana-de-açúcar e eucalipto, tal
qual o desenvolvimento de pastagens com a criação de rebanhos bovinos, suínos, equinos e
ovinos. Nesse tipo de solo, também há ocorrência de floresta ombrófila densa, reduzida
devido à prática da agricultura na localidade.
Apesar de ter apresentado algumas formações vegetais quando da referência a
pedologia e a geomorfologia, é válido salientar a sua configuração no recorte espacial
analisado. Posto isto, ao longo dos cursos fluviais que margeiam as comunidades extrativistas
são identificadas formações florestais associadas à Mata Atlântica, a exemplo da esplendorosa
vegetação de mangue que compõe o ecossistema manguezal.
Os manguezais são formações florestais configuradas em solo lamoso, com baixo teor
de oxigênio e alta salinidade. Eles estão localizados na faixa de transição entre o ambiente
marinho e terrestre, na faixa entre maré.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 107

[...]. Ocupando as planícies de maré, os manguezais são florestas tropicais


pluviais densas sempre-verdes que se caracterizam por forte influência das
marés. [...]. Diariamente, esses terrenos são alagados pela maré alta, ficando
descobertos na maré baixa. Esse sobe e desce das águas ocorre duas vezes
em 24 horas. A preamar (ou maré alta) delimita a largura da faixa de
manguezal. Próximo ao seu limite com a terra firme, em terrenos só cobertos
pelas marés mais altas, a vegetação torna-se mais baixa, ali predominando
arbustos e algumas plantas herbáceas (COUTINHO, 2016, p. 58, grifo do
autor).

Coutinho (2016) salienta ainda que no Brasil o manguezal ocupa uma faixa
descontínua que vai do estado de Santa Catarina ao Amapá, numa área de aproximadamente
12000 km2. Apresenta níveis de conservação interrompidos por trechos depredados, em
virtude da urbanização, carcinicultura, infraestrutura governamental, poluição por efluentes
domésticos e industriais etc.
No artigo Manguezais do Nordeste, Lacerda, Maia, Monteiro et al. (2006, p. 29)
destacam que o principal processo responsável pela expansão do manguezal no Nordeste está
relacionado à grande amplitude das marés e ao suave gradiente de altitude das bacias costeiras
dos rios que tornam os seus estuários sensíveis a variações do nível do mar e a mudanças no
fluxo fluvial. Assim, há o aumento da intrusão salina no continente e a expansão dos
manguezais rio acima, colonizando áreas ocupadas por vegetação terrestre ou de água doce.
Esse processo pode ser acelerado pelo depósito de sedimentos finos trazidos pela maré,
oriundos da erosão de depósitos de praias.
Para as comunidades ribeirinhas, o manguezal constitui fonte de rendimentos e lazer;
além disso, possui uma rica fauna (peixes, crustáceos e moluscos) que compõe a dieta
alimentar dessas populações. Em termos ambientais, ele é de grande importância, uma vez
que atua na bioestabilização do relevo, contribuindo para uma melhor proteção da paisagem
costeira, seja na fixação de solos instáveis, diminuindo a erosão das margens dos canais; na
proteção contra inundações, diminuindo a força das mesmas e o avanço das marés; bem como
depósito de sedimentos; além de ser considerado berçário e refúgio para diversas espécies de
animais (ALVES, 2006).
Em vista disso, duas espécies de mangue foram destacadas pelas interlocutoras da área
de estudo, quanto à composição da cobertura vegetal do complexo estuarino Piauí-Real:
Rhizophora mangle L e Laguncularia racemosa (L.) C.F. Gaertn, popularmente conhecidas
como mangue-vermelho e mangue-branco (também denominado de mangue-manso),
respectivamente.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 108

De acordo com Coutinho (2016), a Rhizophora mangle corresponde à espécie que


cresce na faixa bem à frente do mar; ela desenvolve seus órgãos aéreos (rizóforos), que
ascendem obliquamente em direção ao chão. Ao encontrar o solo lamacento e instável, tais
órgãos produzem raízes que nele se fixam, servindo de escoras para a planta. A Laguncularia
racemosa - espécie que apresenta pneumatóforos que crescem verticalmente para fora do solo
encharcado, obtendo o oxigênio para a respiração- desenvolve-se numa porção mais interna
da faixa de vegetação.
Os campos de várzea também integram o mosaico paisagístico das localidades em
questão. Eles são “constituídos por vegetação de baixo porte, periodicamente inundáveis,
situados nas baixadas que margeiam os rios e nas topografias planas próximas ao oceano”
(SILVA, 2012, p.177). Sua relevância ecológica ocorre por acompanharem os canais e
funcionarem como dissipadores de água, controlando o fluxo hidrológico e servindo para
reabastecer o lençol freático; além disso, são áreas muito utilizadas para cultivos agrícolas,
devido aos solos tenderem a ser mais férteis (idem, 2012). Esse tipo de vegetação foi
referenciado pelas pescadoras da Preguiça, ao afirmarem a presença da espécie junco
(Eleocharis sp.), numa área denominada de Brejo do Sucuruiu, local de água doce onde se
pratica a pesca do caranguejo-do-mato, também denominado de guaiamum (Cardisoma
guanhumi).
A vegetação de restinga corresponde a outro tipo de formação vegetal encontrada na
área da pesquisa. Ela apresenta relevância ecológica, socioeconômica e cultural para as
comunidades extrativistas que desenvolvem a coleta da mangaba, fruto típico destes
ambientes.
Segundo Coutinho (2016), com exceção do litoral norte (de São Luís do Maranhão ao
Amapá), as restingas distribuem-se por quase todo litoral, numa faixa descontínua de 5000
km de extensão.
O emprego correto do termo restinga tem gerado expressivas discussões, uma vez que
mantém sinonímia com os cordões litorâneos em função da similaridade genética. Desse
modo, Rizzini (1979), ao ser referenciado por Torres, Marques Neto e Menezes (2012, p.
231), mostra que o termo restinga pode ser empregado em três sentidos:

1) Para designar todas as formações vegetais que cobrem as areias


holocênicas depositadas nas faixas litorâneas.
2) Para designar a paisagem formada pelo areal justamarítimo com sua
vegetação global.
3) Para indicar a vegetação lenhosa e densa da parte interna da faixa de
sedimentação holocênica.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 109

Nota-se que em todas as designações há uma intrínseca relação da geomorfologia com


a cobertura vegetal. Por conseguinte, neste estudo a vegetação de restinga esteve relacionada à
formação vegetal presente na faixa de sedimentação arenosa paralela ao litoral, ou seja, nos
depósitos arenosos da baixada litorânea.
Coutinho (2016) afirma que a zonação da vegetação de restinga inicia a partir da linha
da maré mais alta, com espécies altamente tolerantes à salinidade do solo e da maresia.
Restinga a dentro, a vegetação vai se adensando e surgem as espécies lenhosas. Na porção
mais interiorana, ocupando depósitos mais antigos, é encontrada a floresta.
Destarte, a vegetação de restinga é uma formação pouco densa, com árvores de caules
finos e tortuosos em torno de 10 a 12 m. Na área de estudo, destaca-se no extrato arbóreo o
cajueiro (Anacardium occidentale L.), o araçá (Psidium cattleyanum), o murici (Byrsonima
basiloba) e a mangabeira (Hancornia speciosa Gomes). Nessa porção, é comum o cultivo de
coco (Cocos nucifera), “espécie exótica proveniente do litoral oeste do Pacífico”
(COUTINHO, 2016, p. 58).
Semelhante ao manguezal, a vegetação de restinga está devastada em virtude da
ocupação e dos usos desordenados do litoral (pontos que serão especificados ao longo da
discussão acerca das transformações socioespaciais e dos conflitos socioambientais nas
comunidades investigadas).
A floresta ombrófila densa (ou floresta pluvial tropical) aparece em manchas menores;
ela é composta por árvores sempre-verdes que formam um dossel de mais de 20 m de altura e
rica em espécies vegetais. Da mesma maneira que ocorreu o manguezal e a restinga, o uso
agrícola intenso (destaque para o cultivo de cana-de-açúcar) e a ocupação desordenada
devastaram quase por completo essa formação vegetal.
Logo, no recorte espacial analisado é encontrada uma diversidade de paisagem e
ecossistemas, formando um mosaico de comunidades florísticas imbricado nas unidades
geomorfológicas planície costeira e superfícies de rios (Quadro 4).
Em relação à hidrografia, o município está inserido nas bacias hidrográficas do rio
Piauí e Real10. A primeira possui uma área geográfica de 4.175 km² (considerando a área
fronteiriça da Bahia), equivalentes a 19% do território estadual e abrange 15 municípios,
sendo Indiaroba um dos que está parcialmente inserido na bacia.

10
As informações referentes às bacias hidrográficas do rio Piauí e do Real foram retiradas da página do Comitê
de Bacias Hidrográficas, Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (SEMARH).
Disponível em: http://www.semarh.se.gov.br/comitesbacias/modules/tinyd0/index.php?id=20. Acesso em: 20
out. 2015.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 110

O rio Piauí, curso d’água principal, nasce na serra dos Palmares, no estado da Bahia
(fronteira com Sergipe), entre os municípios de Riachão do Dantas e Simão Dias. Esse rio
corta o estado de Sergipe numa extensão de 150 km e encontra-se com o rio Real, no estuário
de Mangue Seco antes de desembocar no Oceano Atlântico. Ele apresenta como principais
afluentes os rios Boqueirão, Arauá, Guararema e Indiaroba, na margem direita; na margem
esquerda, os rios Jacaré, Urubu, Piauitinga e Fundo. No alto e médio curso apresenta canais
intermitentes, reflexo das variações de pluviosidade. Já no baixo curso, os canais são perenes
devido às chuvas abundantes e às rochas de natureza permeável (FRANÇA; CRUZ, 2007).
No rio Piauí são desenvolvidas várias atividades como pesca, turismo, consumo
humano, irrigação, lavouras permanentes, lavouras temporárias etc. Os usos desordenados
(pesca predatória, resíduos sólidos, desmatamento, uso de agrotóxicos) têm gerado impactos,
resultando em pontos de assoreamento e degradação ao longo deste rio (Figura 14).
Relativo à bacia do rio Real, a área de abrangência é de 2.568 km 2, que corresponde a
11,6% do estado. O rio Real (curso d’água principal) nasce em Cícero Dantas (BA) e percorre
até sua foz oito municípios do estado de Sergipe (Poço Verde, Tobias Barreto, Riachão do
Dantas, Cristinápolis, Itabaianinha, Tomar do Geru, Umbaúba e Indiaroba); exibe como
principais afluentes na margem esquerda os riachos Mocambo e Caripau e os rios Jabiberi e
Itamirim.
O rio Real é de regime intermitente da nascente até o município de Tomar do Geru e
Rio Real, tornando-se perene nas proximidades de Cristinápolis (SANTOS; ARAÚJO, 2012).
A carência de recursos hídricos superficiais na bacia, relacionada ao fator climático, à
estrutura geológica e à cobertura vegetal condicionam a intermitência dos cursos d’água. Na
região estuarina, os rios conseguem manter-se perenes (FRANÇA; CRUS, 2007). Assim
como o rio Piauí, várias atividades são desenvolvidas no rio Real, a exemplo do
abastecimento urbano e rural, bem como a pesca, intensamente praticada no município de
Indiaroba.
Ao longo desses cursos d’águas são constatados remanescentes de comunidades
quilombolas e de pescadores que encontraram na exploração dos ecossistemas associados à
Mata Atlântica (manguezais, restinga, dunas e praias) e no cultivo agrícola os elementos
essenciais para a subsistência e para o modo de vida construído nessa relação.
11 1
S A N T O S , E . A., 20 1 8 C A P Í T U L O 3 - A S C O M U N I D A D E S E X T R A TI V IS T A S D E IN D I A R O B A

Q u a d r o 4 - Sí n t e s e d o s c o n d i ci o n a n t es fís ic o - a m bi e n t ais e u s o s n o m u n i cí pi o d e I n d iar o b a

Unidades de paisagem Características físicas Cobertura vegetal Uso e ocupação

Formada pela deposição de


sedimentos fluviomarinhos; sofre Extrativismo da mangaba e pesca
influência das oscilações das marés e Predomínio de mangue e vegetação artesanal; cocoicultura; caça
Planície fluviomarinha do continente. de restinga; além de trechos com a (cutia, tatu, paca etc.);
Presença dos Gleissolos e trechos ocorrência de campos de várzea. infraestrutura habitacional e
com Espodossolos na transição entre carcinicultura.
o terraço fluviomarinho.
Planície Costeira

Extrativismo da mangaba;
Acumulação fluviomarinha plana, presença de frutíferas;
Predomínio de restinga e mangue.
levemente inclinada e modelada por cocoicultura e cultivo de
Presença de pastagem e campos de
Terraço fluviomarinho processos erosivos ou por eucalipto, cemitério, infraestrutura
várzea na fronteira com a unidade
neotectônica. habitacional, e turística; portos de
de paisagem superfícies de rios.
Presença marcante dos Espodossolos. pesca; aquicultura (carcinicultura
e ostreicultura).
Relevo plano na região litorânea,
constituído por areais, baixo poder de Extrativismo da mangaba,
armazenamento de água e nutrientes. Predomínio de restinga e presença cocoicultura, carcinicultura,
Terraço marinho
Destaque para o Espodossolos e de mangues. cemitério e infraestrutura
trechos com os Gleissolos próximos habitacional.
a planície fluviomarinha.
Superfícies

Relevo aplainado com suaves Predomínio de pastagem e


Relevos dissecados em Cultivos agrícolas para
de rios

ondulações (colinas). fragmentos de floresta ombrófila,


colinas e interflúvios subsistência; plantação de
Os Argissolos predominam nesta assim como campos de várzeas em
tabulares eucalipto e carcinicultura.
unidade geomorfológica. pequenos trechos desta unidade.

F o n t e: At la s d a S R H ( 2 0 1 4 ); Tr a b a lh o d e c a m p o ( 2 0 1 5 - 2 0 1 7); Ela b or a ç ã o: S A N T O S , E. A., 2 0 1 8.


112
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

3.2 Nos caminhos das águas: processo histórico de ocupação, usos e transformações
socioespaciais em comunidades extrativistas de Indiaroba

Prenhe de significados, a água é um elemento da vida que a encompassa e a


evoca sob múltiplos aspectos, materiais e imaginários. Se, por um lado, é
condição básica e vital para a reprodução, dependendo dela o organismo
humano; por outro, a água se inscreve no domínio do simbólico, enfeixando
várias imagens e significados. Isso se manifesta quer nos ritos, nos
cerimoniais sagrados e mitológicos, quer nas práticas agrícolas, no cultivo
das plantas e das flores, na fecundação da terra (e da alma) (DIEGUES,
2000, p. 15).

A água mostra-se como elo entre o material e o simbólico, pois está presente nos ritos
e nas produções humanas, a exemplo da socioeconômica, eclodindo como condição
fundamental para o desenvolvimento das populações. Ao observar o percurso que realiza,
percebe-se o quanto de vida ela conduz, o quanto de história compõe e o quanto de luta
espelha. Os caminhos das águas mostram as riquezas naturais e culturais de um grupo, suas
potencialidades e suas demandas. Permitem um mergulho nos interstícios que configuram a
dinâmica local. É através destes caminhos dos rios Piauí e Real que será apresentada a história
de formação do território sergipano, neste caso específico, do município de Indiaroba.
As terras que compõem o município de Indiaroba foram alvo de disputas de jurisdição
entre os capitães-mores de Santa Luzia do Rio Real (Província de Sergipe) e de Abadia
(Província da Bahia). Elas iniciaram a partir de um equívoco geográfico, no momento da
criação, pelo ouvidor de Sergipe da Vila de Abadia nos anos de 1728. Ele alegava que as
províncias de Sergipe e da Bahia eram separadas pelo rio Saguim e não pelo Rio Real da
Praia. Somente em 1843, através do Decreto do Imperador nº 323, é que a parte da freguesia
além do Rio Real passou a pertencer à Província de Sergipe (FERREIRA, 1959). Desse
modo, o rio Real tornou-se linha divisória entre as províncias, como pode ser identificado em
trecho do hino municipal com autoria de letra e música de Raimunda Andrelina:

[...] Disputaram os dois fortes Caciques,


Capitães-mores: José de Oliveira Campos
E Manoel Francisco da Cruz e Lima,
Pela posse da Vila do Espírito Santo,
Se seria de Sergipe ou da Bahia.
Foi decidido através Decreto-Lei
Sendo, pois, a divisa o Rio Real da Praia.
Ganhou a posse Sergipe Del-Rey! [...].

A ocupação estrangeira das terras que compõem o município de Indiaroba ocorreu no


período da colonização, quando os portugueses vislumbraram tomar posse das terras
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 113

indígenas e escravizá-los, ligar por terra a Capitania da Bahia a de Pernambuco, expulsar os


franceses, criar gado e plantar cana-de- açúcar.
Os primeiros brancos a explorarem a região foram os franceses, que a adentraram
através do rio Real. Neste período, estabeleceram relações comerciais com os indígenas
locais. Porém, o povoamento iniciou com a chegada de padres jesuítas vindos de Santa Luzia
pelo rio Saguim. Nesta porção, mais tarde denominada Hospício (hoje designada de Distrito
Convento), foi estabelecida na época pelos jesuítas uma hospedaria e a capela Nossa Senhora
do Carmo.
Com a instalação dos jesuítas, caminhos foram abertos para as incursões dos
exploradores portugueses que se estabeleceram na área com o intuito de criar gado e plantar
cana-de-açúcar, aspectos que refletiram na economia e formação da população do município
na atualidade.
O primeiro nome do município de Indiaroba foi Feira da Ilha, devido ao comércio
formado na localidade por comerciantes de Abadia. Desmembrado de Santa Luzia em 1846,
foi elevado à categoria de vila através da Lei Provincial nº 162 e recebeu a denominação de
Espírito Santo do Rio Real.
No ano de 1870, a Sede da vila e da freguesia, que se localizava às margens do rio
Real, foi transferida para o povoado Santo Antônio do Campinho (na atualidade, Povoado
Preguiça de Cima). Supõe-se que a mudança ocorreu devido à posição geográfica do povoado,
localizado numa porção elevada do território (CINFORM, 2002).
Em 1943, mediante o Decreto Lei estadual nº 377, o município passa a ser
denominado Indiaroba, nome de um rio existente na localidade. A mudança ocorreu pelo fato
de já existir o estado com o nome Espírito Santo (EMDAGRO, 2008).
No que se refere às comunidades que compõem o recorte espacial do estudo, por
intermédio da história oral, é possível a reconstituição de fatos da sua ocupação. Esta ocorreu
de forma sistemática no século XIX, quando pescadores e suas famílias instalaram-se a fim de
explorar os recursos ambientais locais e desenvolver atividades agrícolas. Porém, existem
registros históricos que corroboram para o início da ocupação no processo de colonização
quando Convento se tornou o primeiro distrito oficial de Indiaroba a partir da ação dos
jesuítas com a construção de um hospício11 e de um convento, conforme relato anterior.
O povoado Terra Caída, cujo nome oficial é Praia de São José, pode ter surgido a
partir do estabelecimento de pequenos portos que foram instalados nos rios e estuários

11
Hospício no sentido de hospedagem, hospedaria.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 114

sergipanos para darem suporte às atividades comerciais, principalmente as que envolviam o


pau-brasil (SANTOS, 2015).
A respeito da origem do nome Terra Caída há algumas versões, uma delas é a de que
existia uma rivalidade entre os pescadores do Cajueirinho (pequena vila de pescadores de
onde se originou o povoado) e do Coqueiro. Em tom de menosprezo, os pescadores do
Coqueiro apelidaram a vila de terra caída. A outra versão está relacionada à geografia, por
situar-se em terras de baixa altitude, as pessoas diziam que as terras iam caindo. Por fim, tem-
se a versão religiosa, que retrata a época em que a igreja governava, na qual um padre ao
realizar uma missa ficou chateado pelo número reduzido de pessoas e rogou uma praga
dizendo que estas terras iriam continuar sempre caídas (DANTAS, 2010).
O povoado Preguiça, dividido em Preguiça de Baixo e Preguiça de Cima, teve o início
da ocupação por volta nos anos de 1800 (DANTAS, 2010). Já o povoado Pontal, que
apresenta uma população negra expressiva, teve seu arruamento por volta do ano de 1830,
quando Gonçalo Papagaio adquiriu uma propriedade de terra e fixou residência. Com o
transcorrer dos anos outras famílias chegaram e contribuíram para a ocupação do povoado.
Um ponto a ressaltar está relacionado à presença marcante da população negra na
porção litorânea do estado, consequentemente na área de estudo. De acordo com Almeida
(1984), citado por Mota et al. (2011, p. 107),

[...] populações negras advindas do trabalho na cana-de-açúcar e nas grandes


propriedades absenteítas, em decorrência das sucessivas crises enfrentadas
pelo setor agrícola ou pela abolição, ocuparam áreas de restinga e tabuleiros
pouco requisitadas pela agricultura na condição de posseiros. Ali, numa
relação intensa com os recursos naturais, desenvolveram alternativas que
foram essenciais para sobreviverem a partir das possibilidades e dos
constrangimentos ambientais e sociais.

Destarte, essa população ocupou áreas marginais ao interesse da colônia, que


atualmente aparecem com alta valorização imobiliária e envolve múltiplos interesses, o que
tem ocasionado embates entre os atores existentes.

3.2.1 Dinâmica demográfica e socioeconômica do município de Indiaroba

Com uma área de 314 km, Indiaroba, ou melhor, Índia Bela como é denominada pelos
indiarobenses (Figura 15), está dividida em 33 comunidades (EMDAGRO, 2010) e apresenta
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 115

uma população de 15.831 habitantes,12 cuja densidade demográfica é de 50,49 hab./km2, com
maior concentração na zona rural, posto que 64,72% dos habitantes vivem no campo e
35,28% na cidade, de acordo com as informações do IBGE (2010) expostos na Tabela 3. Tais
dados perduram no período analisado (1991-2010) e são legitimados pelo maior parcelamento
da terra e da presença de cultivos, característicos do sul sergipano (FRANÇA; CRUZ, 2007).

Figura 15 - Estátua localizada na sede do município representando a


Índia Bela, significado indígena do nome Indiaroba

Fonte: Trabalho de campo (2017).

Os sujeitos que compuseram o grupo amostral da pesquisa residem na zona rural do


município e estão distribuídos (com base em informações da Secretaria Municipal de Saúde,
2017) da seguinte forma: 379 habitantes em Convento, 710 em Preguiça, 738 em Terra Caída
e 989 em Pontal.
Os dados da tabela 3 revelam também que entre os anos de 1991 a 2010 ocorreu um
crescimento populacional de 36,39%. Apesar do maior número de pessoas no campo, no
recorte temporal analisado a população urbana teve uma marca superior com o aumento de
42,36%, quando comparada a do campo, que foi de 33,34%. Uma explicação que pode ser
formulada para a situação em tela é a ampliação dos serviços no período, como a reforma e

12
Serão aqui trabalhados os documentos dos anos de 1991 a 2010 por referirem-se aos anos em que foram
realizados os censos demográficos no país, possibilitando uma análise ancorada num maior número de
informações.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 116

construção de casas populares, construção da rodoviária, ampliação das escolas da rede


municipal e do hospital de Indiaroba, criação de escola de Ensino Médio e calçamento de
ruas; além disso, foram empreendidas ações estatais voltadas para o desenvolvimento do
turismo na localidade com a criação de eixos estruturantes de ocupação a áreas isoladas do
Litoral Sul (ponto que será esboçado no transcorrer da discussão).

Tabela 3 - População: Indiaroba (1991-2010)


Anos Total Urbana % Rural %
1991 11.607 3.923 33,80 7.684 66,20
2000 13.152 4.681 35,59 8.471 64,41
2010 15.831 5.585 35,28 10.246 64,72
20171 17.810 - - - -

Fonte: IBGE, Censos Demográficos (1991-2010).


Nota: (1) População estimada

A maior concentração de pessoas na zona rural também pode ser atestada pela
relevância das atividades agropecuárias na economia, já que corresponde à segunda maior
contribuição ao PIB (Produto Interno Bruto) do município. Com base nos dados do IBGE, em
2015 a agropecuária totalizou a preços correntes R$ 31.890.860,00, que equivale a 20,97 %
do valor total do PIB municipal (R$ 152.102.310,00), ao passo que a indústria adicionou
R$ 6.684.680,00 (4,4% do PIB); a arrecadação com impostos somou R$ 5.665.480,00
(3,72%) e os serviços (administração, defesa, educação e saúde públicas e seguridade social),
setor com maior contribuição, agregou R$107.861.290,00 (70,91% do PIB).
Em relação às lavouras permanentes, há o destaque para o cultivo de coco-da-baía
(14850ft) e laranja (22040t), nos moldes do agronegócio, assim como a tangerina (1496t) e o
maracujá (900t). Quanto às lavouras temporárias, no município sobrelevam-se a mandioca
(320t), o milho (72t), o feijão (34t) e o abacaxi (375ft), culturas de subsistência plantadas em
áreas de assentamentos e colônias agrícolas (Tabela 4).
A Tabela 4 demonstra que a laranja é o principal produto agrícola de Indiaroba, pois
corresponde à maior produção dentre os cultivos permanentes e uma participação de R$
10.756.000,00 na economia municipal. O fato de ter sido um produto beneficiado na década
de 1980 com a chegada da Indústria de Frutas do Nordeste (FRUTENE), sediada em Estância
e voltada à exportação, contribuiu para o incremento da produção em Indiaroba (SANTOS;
VILAR, 2016).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 117

Tabela 4 - Principais cultivos agrícolas em Indiaroba/SE (2016)


Lavoura Permanente Lavoura Temporária
Valor da Valor da
Área Área
Quantidade produção Quantidade produção
Cultivo colhida Cultivo colhida
(ft e t)1 (mil (ft e t)1 (mil
(ha)2 (ha)2
reais) reais)
Laranja 22.040 2.448 10.635 Mandioca 320 20 224
Coco 14.850 2.850 10.756 Milho 72 60 51
Tangerina 1.496 68 1.646 Abacaxi 375 15 450
Maracujá 900 90 1.125 Feijão 34 80 125
Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal (2016).
Notas:
(1)
Frutos e toneladas
(2)
Hectares

Outro produto proeminente é o coco-da-baía, que ocupa a maior área, a segunda maior
quantidade de frutos colhidos e de valor de produção. Em Indiaroba, assim como no estado, a
árvore desenvolve-se em todo o litoral, por possuir as condições ambientais favoráveis ao seu
crescimento como abundância hídrica, temperatura média anual acima de 22ºC, solos
profundos, permeáveis e arejados (Quadro 4). Um ponto a ser realçado é que mesmo com uma
contribuição elevada, constata-se um declínio na quantidade colhida (de 18.360 ft em 2010 e
14.850 ft em 2016), causado por pragas e doenças e/ou em decorrência da especulação
imobiliária, com a construção de loteamentos, condomínios fechados e segundas residências.
Esses aspectos são verificados nas comunidades investigadas, onde os coqueiros compõem a
paisagem local e a extração do seu fruto realizada, maiormente, por homens, integrando as
atividades desenvolvidas pelas famílias dessa porção do território.
No que se refere à lavoura temporária, a mandioca aparece na posição de maior
colheita (320t), mesmo ocupando uma das menores áreas (a maior área é utilizada no cultivo
do feijão que ocupa 80 ha) e não correspondendo à maior parcela no valor da produção, sendo
este ocupado pelo abacaxi (RS 450.000,00). Como certifica França e Cruz (2007), a
mandioca, o feijão e o milho em Sergipe são cultivados em pequenas propriedades através do
trabalho familiar, com destino à subsistência e ao abastecimento do mercado interno (Figura
14 e 16 A e 16B)
De acordo com o censo agropecuário 2006, as lavouras (permanentes e temporárias)
correspondiam a uma área de 5.612 ha, ocupando um espaço maior que as matas, que era de
2.785 ha e menor em relação às pastagens, que na época equivaliam a 10.437 ha. Observa-se
que, seguindo o cenário estadual, as pastagens ocupam a maior parcela de terra (40,89%) de
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 118

uma área de 20.939 ha, reflexo de um modelo de ocupação que privilegiou a instalação de
fazendas de gado em porções do território sergipano (Quadro 4 e Figura 14)

Figura 16 - Cultivo da mandioca em Indiaroba

16A 16B

2Ae aos coqueiros em Convento. B) Cultivo de mandioca


A) Cultivo de mandioca associado às mangabeiras 2A nos
quintais em Terra Caída para subsistência.
Fonte: Trabalho de campo (2017). 2A 2A

2A ser constatada uma variedade de rebanhos2A


Nesse contexto, em Indiaroba pode com
destaque para os bovinos, ovinos, suínos2A
e equinos, além da avicultura de galináceo que,
2A de
acordo com França e Cruz (2007), no estado
2A
vem sendo fortalecida nos últimos anos para o
2A
abastecimento de feiras e supermercados dos centros urbanos (Tabela 5). Os rebanhos bovinos
2A 2A
são aqueles que possuem maior efetivo, por apresentar 11. 350 cabeças no ano de 2016. No
2A
município, os rebanhos são criados, em maior parte, de forma extensiva e são destinados2A
tanto
para a subsistência quanto para fins comerciais. Há um predomínio da pecuária de corte,
associada à lavoura de milho e de cultivos de subsistência; existe também a pecuária leiteira
praticada nas pequenas propriedades e que atende ao mercado local (SANTOS; VILAR,
2016).
O extrativismo da castanha de caju (1t) e da mangaba (35t) também compõe a
estrutura econômica municipal, conforme dados do IBGE (2016). Como é possível
evidenciar, a mangaba mostra-se como recurso vegetal mais expressivo tanto para os
rendimentos quanto para a reprodução social das famílias que integram a porção litorânea do
município, sobretudo para as comunidades Pontal e Preguiça. Ademais, as áreas de
mangabeiras estão sujeitas a transformações, devido à reestruturação econômica que o
município está atravessando com a inserção de novas atividades como o turismo, a
carcinicultura e a silvicultura (com a ocupação de 57 ha de cultivo de eucalipto no ano de
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 119

2016, de acordo com o IBGE) que afetam diretamente a restinga e o manguezal, espaços de
trabalho e vida dessas populações tradicionais, principalmente das mulheres extrativistas.

Tabela 5 - Efetivos da Pecuária, Indiaroba/SE, 2016


Quantidade
Rebanhos
(cabeças)
Bovino 11.350
Galináceo 99.600
Ovino 1.423
Suíno 441
Fonte: IBGE, Produção da Pecuária em Indiaroba/SE (2016).

Assim como o extrativismo e a agricultura de subsistência, a pesca agrega as


atividades tradicionais desenvolvidas em Indiaroba, contribuindo no ano de 2014 com a
parcela estimada de R$ 196.832,36 para a economia municipal (ARAÚJO, 2016). A pesca
desenvolvida no município é do tipo artesanal, praticada notadamente no estuário dos rios
Real/Piauí. Além disso, é realizada em mar aberto, com a utilização de embarcações de médio
porte, compostas por motor, que permitem o acesso à plataforma continental, de onde são
extraídas espécies de peixes maiores.
Um outro ponto importante a ressaltar refere-se às transformações ocorridas no
município, notadamente na década de 1990, nas quais o Estado ocupa uma notória posição
com a injeção de financiamentos a eixos estruturantes de ocupação do espaço, provenientes
do PRODETUR, a exemplo da revitalização da rodovia SE-100, da construção de atracadouro
em Terra Caída, do trecho da rodovia Convento-Pontal e da ponte Gilberto Amado, que liga
o povoado Porto do Cavalo (Estância) ao povoado Terra Caída (Indiaroba).
Na construção da ponte foram investidos R$ 124 milhões13 com recursos provenientes
do Ministério do Turismo e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e contrapartidas do governo do estado. A implantação de tais infraestruturas tem
como finalidade interligar Sergipe a Bahia, reduzindo as distâncias entre Aracaju e Salvador,
além de beneficiar empreendimentos turísticos, hoteleiros e imobiliários já existentes e abrir
possibilidades para surgimento de novos.
Para Vilar e Araújo (2010, p. 59) “o papel do Estado acentua a função indutora do
povoamento, processo bastante visível em alguns pontos do litoral de Sergipe. Obviamente, a

13
Notícia intitulada “Dilma Rousseff inaugura a maior ponte sobre rio do Nordeste em SE” e disponível em
http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2013/01/dilma-rousseff-inaugura-maior-ponte-sobre-rio-do-nordeste-em-
se.html. Acesso: out de 2017.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 120

ação do Estado emerge como um dos elementos centrais de definição do valor de uma
localidade”. Assim, o Estado desempenha um papel central no povoamento, na valorização de
terras e nas transformações da paisagem costeira sergipana ao incentivar e implementar novas
atividades e usos quase sempre sem levar em consideração a carga de suporte do ambiente.
Com base nos dados do censo (2010), observa-se que entre o ano de 2000 e 2010 o
número de domicílios de uso ocasional em Indiaroba aumentou de 332 para 714 (um
crescimento de 115%), reflexo sobretudo das intervenções estaduais através dos projetos de
urbanização turística que têm possibilitado alguns efeitos negativos como o aumento da
especulação imobiliária, das segundas residências, dos condomínios, dos loteamentos de
terras, elevando uma estrutura fundiária concentrada que interfere na realização das atividades
tradicionais e acirram os conflitos locais; do mesmo modo, o aumento dos preços no comércio
local, do consumo e tráfico de drogas.
Como aspectos positivos nota-se, de forma ainda incipiente, a renda gerada com as
atividades desenvolvidas nos restaurantes, pousadas, estacionamentos e comércio de
artesanato que surgem para atender a demanda crescente de turistas, em especial nos
povoados Pontal e Terra Caída. Neste, por intermédio da Associação pela Cidadania dos
Pescadores e Moradores de Terra Caída (ASPECTO), foram empreendidas ações de fomento
ao turismo de base comunitária com estímulo ao turista a se hospedar na casa dos
comunitários e a degustarem os pratos da culinária local, além da oferta de cursos de
artesanato para a população interessada. Já Pontal, por estar localizado na divisa com a Bahia,
tornou-se o melhor acesso para os turistas que desejam chegar a Mangue Seco (BA). A
travessia ocorre pelo Rio Real mediante embarcações que transportam turistas, moradores
locais do Mangue Seco e do Coqueiro (BA).
Com a finalidade de melhorar o atendimento ao turista, o governo do estado está
elaborando um projeto14 de melhoria da infraestrutura do povoado Pontal, com a construção
de uma orla contendo quiosques, atracadouro e um local para o artesanato das mangabeiras, a
partir de subsídios do PRODETUR.
Na análise do turismo, na porção costeira do município de Indiaroba, é mister
compreender não apenas os benefícios que promove em termos econômicos, mas também a
desestruturação que ocasiona nos ambientes naturais e nos modos de vida tradicionais ou
tradicionalmente estabelecidos.

14
Em matéria intitulada “Secretaria de Turismo discute projeto de orla com a comunidade do Pontal de
Indiaroba”. Disponível em: http://agencia.se.gov.br/noticias/turismo/secretaria-de-turismo-discute-projeto-de-
orla-com-a-comunidade-do-pontal-de-indiaroba. Acesso: out de 2017.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 121

Os serviços básicos (água encanada, banheiros por domicílio, serviço de coleta de


resíduo doméstico e o fornecimento de energia elétrica) e o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) constituem outros aspectos importantes para o entendimento da organização
socioespacial atual de Indiaroba, em particular das comunidades extrativistas em evidência
(Tabela 6).

Tabela 6 - Síntese sociodemográfica do município de Indiaroba (2010)

Áreas Indicadores Quantitativo

% População em domicílios com banheiro e água encanada 52,93


Serviços básicos

% de pessoas em domicílios com abastecimento de água e


esgotamento sanitário inadequados 36,83

% da população em domicílios com coleta de lixo 98,85


% de população em domicílios com energia elétrica 97,17
IDHM 0,580
desenvolvimento
Índice de

humano

Esperança de vida ao nascer 71,31


Renda per capita 220,89
% de pessoas de 18 anos ou mais sem fundamental completo e em 58,08
ocupação informal
concentração
Índice de

de renda

0,532
Índice de Gini

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil-PNUD (2010).

O abastecimento de água é realizado pela Companhia de Saneamento de Sergipe


(DESO). A sede possui escoamento pluvial e esgotamento sanitário feito em fossas sépticas e
comuns. Porém, o acesso ainda é insuficiente, posto que apenas 52,93% dos domicílios
possuem água encanada e banheiro; já 36,83% dos indiarobenses residem em domicílios com
abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequados (Tabela 6).
Sobre o abastecimento de água no recorte espacial investigado, 93,9% dos inquiridos
responderam que as suas residências possuem água encanada, posto que 6,1% utilizam água
de poço e/ou fornecida pelos vizinhos. Na comunidade Preguiça, o abastecimento ocorre de
modo diferenciado, por meio do bombeamento da água armazenada num reservatório, ponto
do antigo chafariz. Nesta comunidade, as pessoas organizaram-se em associação e com apoio
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 122

da prefeitura conseguiram distribuir a água para as residências mediante canalização. Para a


administração e manutenção alusiva ao abastecimento, os moradores pagam uma determinada
quantia. Já na comunidade Convento, foi relatado pelas inquiridas sobre o valor exorbitante
cobrado pelo consumo da água, o que leva as famílias a adotarem estratégias a fim de
racionalizar o uso, como realizar algumas tarefas domésticas no rio Sapateiro.
Em relação aos efluentes domésticos, assim como na sede, na área de estudo também
são lançados em força séptica. Todavia, foi percebido que existem domicílios em que o
banheiro é construído de modo artesanal, ou seja, realizam a abertura de um orifício na terra
onde os dejetos são lançados (Figura 17). Além disso, há aqueles domicílios que não possuem
banheiros e cujo material fisiológico é disponibilizado no ambiente sem tratamento. Já a água
proveniente das atividades domésticas é reaproveitada para regar as plantas ou simplesmente
despejar no quintal e/ou diretamente no rio, panorama que configura a zona costeira sergipana
e coloca em risco o seu equilíbrio, devido à possibilidade de extinção de alguns ecossistemas
presentes nessa porção, a exemplo dos manguezais.

Figura 17 - Banheiro artesanal construído em área de manguezal na


Preguiça de Baixo/Indiaroba.

Banheiro

Fonte: Trabalho de campo (2017).

A cobertura de coleta dos resíduos sólidos atende a 98,85% dos domicílios no


município. No recorte espacial de estudo, eles são coletados duas vezes por semana,
transportados em caminhões “e depositados em lixeira a céu aberto” (BOMFIM; COSTA;
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 123

BENVENUTI, 2002, p.4). É comum nas localidades a prática de queimada dos resíduos
sólidos, bem como o seu descarte nos quintais, nas áreas de mangabeiras e em terrenos
baldios. Foi observado que algumas áreas não são atendidas quanto à coleta dos resíduos,
devido a dificuldades no acesso, como pode ser identificado na fala de M46 ao ser indagada
sobre o serviço de coleta. Alguns interlocutores do povoado Preguiça informaram que há
períodos em que a coleta não ocorre regularmente

“Rapaz, existe! Mas, só chega até lá em cima. Aí, eu mesmo queimo e


enterro. Não chego a pegar daqui pra levar pro carro que só chega lá em
cima, na mangueira. ” (M-46, 33 anos, Preguiça de Baixo, 2016)

A deficiência no atendimento dos serviços de saneamento básico interfere na


qualidade de vida da população do município, com a elevação dos riscos à saúde, à proteção
dos mananciais (alteração no ciclo da água) e à preservação ambiental (extinção de espécies
da flora e fauna, comprometimento da pesca etc.). À vista disso, torna-se urgente a adoção de
políticas públicas efetivas voltadas para a manutenção e ampliação da infraestrutura de
saneamento básico na zona rural de Indiaroba, principalmente na porção costeira devido a sua
fragilidade ambiental.
Em 2017, a câmara municipal de Indiaroba sancionou o Plano Municipal de
Saneamento Básico15, instrumento de gestão instituído pela Política Nacional de Saneamento
Básico (Lei nº 11. 445/2007), cujo objetivo é integrar as ações, programas e projetos dos
serviços públicos municipais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza
urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem urbana e manejo de águas pluviais, para o
horizonte de 20 anos. Esse pode ser considerado um passo inicial na resolução dos problemas
relacionados ao esgotamento sanitário no município, desde que seja de fato efetivado.
Acerca da infraestrutura de serviços, o município dispõe de energia elétrica (tabela 06)
fornecida pela Companhia Sul Sergipana de Eletricidade (SULGIPE), serviço telefônico,
agência postal da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), biblioteca, estádio de
futebol, centro de convenções e transporte rodoviário interurbano. Nas quatro comunidades
que compõem o cenário investigado, são encontrados pequenos estabelecimentos comerciais
que atendem às necessidades primárias dos seus habitantes; porém, produtos especializados e
em quantidade maior são encontrados no comércio estabelecido na sede de Indiaroba e em

15
De acordo com am matéria “Plano de Saneamento Básico é aprovado em Indiaroba” disponibilizada no portal
Cidade da Infonet (http://www.infonet.com.br/noticias/cidade/ler.asp?id=197664) e acessada em dezembro de
2017.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 124

Estância. O transporte rodoviário de passageiros é efetivado pelas seguintes empresas de


transportes alternativos: Cooperativa de Transporte Alternativo de Passageiros do Estado de
Sergipe (COOPERTALSE), Cooperativa de Transporte Alternativo de Sergipe (COOPASE) e
Cooperativa dos Taxistas de Indiaroba (COOPERTAI).
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) tem sido adotado como
uma maneira de retratar as condições de vida da população e como balizador na elaboração de
políticas públicas voltadas para a saúde, educação e renda, apesar das críticas pelo fato de ser
uma média que encobre as desigualdades internas do país.
De acordo com os dados do PNUD (2010), o IDHM de Indiaroba é 0,580, situando-se
numa faixa de desenvolvimento humano baixo (IDHM entre 0,500 e 0,599). A educação
aparece como a dimensão que apresenta maior fragilidade, com índice de 0,475, seguido da
renda (0,533) e da longevidade (0,773). Esse quadro é constatado na área de estudo entre os
sujeitos da pesquisa, porquanto 22,4% dos interlocutores são analfabetos, 55,1%
cursam/cursaram o Ensino Fundamental (deste grupo 92,6% concentram-se na categoria
Ensino Fundamental incompleto), 20,4% o Ensino Médio e apenas 2,1% estão cursando o
Ensino Superior.
Observa-se no grupo o afunilamento no que diz respeito ao fluxo escolar, o que pode
ser explicitado pela evasão escolar em virtude da entrada no universo laboral para
complementar a renda familiar; da ausência ou insuficiência de oferta educacional no período
de idade escolar; da exclusão dessa população a educação formal, por não levar em
consideração as particularidades locais quando da elaboração do calendário escolar, consoante
relato de M-20 ao ser indagada sobre os motivos que a levaram a abandonar a escola.

“Ah! Porque meu pai morreu e meus irmãos “me botaram na enxada” para
trabalhar na roça. ” (M-20, 53 anos, Terra Caída, 2016)

No município, existem 21 escolas que oferecem o ensino pré-escolar, 22 de ensino


fundamental e apenas 01 de ensino médio (IBGE, 2012). Desse conjunto, 04 escolas sob a
gestão municipal estão localizadas no recorte espacial estudado e nelas são ofertadas
matrículas à educação infantil e ao ensino fundamental. O ensino médio é disponibilizado na
sede do município e para o deslocamento a prefeitura viabiliza o transporte. Os moradores que
desejam aprofundar o conhecimento com cursos técnicos e/ou universitários deslocam-se para
Estância e Aracaju.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 125

Mesmo com o desenvolvimento de programas voltados para o aumento das matrículas


e diminuição da evasão escolar (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil-PETI, Mais
Educação, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego-PRONATEC,
Projovem Campo, entre outros), verifica-se a carência de investimentos na inclusão da
população adulta que compõe o quadro do analfabetismo no campo. Isso reflete na baixa
renda auferida por essa população, pois a baixa escolaridade está relacionada à concentração
de renda e à concentração fundiária, elementos verificados na Tabela 6, em que a renda per
capita no município é de R$ 200,89 e 58,08% das pessoas de 18 ou mais anos que não
possuem o ensino fundamental acabam desenvolvendo atividades informais. Dessa maneira,
a desigual distribuição de renda (índice Gini no município é de 0,532) gera desigualdades
sociais que impossibilitam o acesso aos serviços elementares à dignidade humana,
interferindo nas condições de saúde dessa população.
No quesito saúde, os indiarobenses contam com acesso a especialidades básicas, como
clínico geral e odontologia em 15 estabelecimentos presentes no município (IBGE, 2009). Os
casos de maior gravidade são encaminhados para os municípios de Estância e Aracaju.
A precariedade no acesso aos serviços de saúde configura uma das principais
reclamações apontada pelos inquiridos. Eles elencaram vários motivos que justificam a
necessidade de melhoria nos serviços ofertados, a saber: falta de profissionais, de ambulância
(para o deslocamento, principalmente, dos casos emergenciais), de medicamentos, entre
outros. No povoado Preguiça, por um período, os atendimentos aconteceram num imóvel
alugado e sem estrutura. De igual modo em Pontal, onde por um determinado tempo as
consultas e demais atividades de saúde ocorreram no centro comunitário do povoado, como
assevera MC-02 ao ser inquirida sobre os problemas na localidade.

“Social, com relação à saúde, questão de médico. Essas coisas aqui, eu


acho, particularmente muito fraco, sabe [...]. Porque assim, a gente tem um
posto de saúde. [...]. Assim, por semana tem médico uma vez. Só que na
maioria das vezes falta, entendeu! Não tem a questão do próprio lugar
mesmo para atender a comunidade. Já tem muito tempo que entrou numa
reforma, já tem dois anos e num tá liberado ainda. É num lugar exposto.
[...] É um problema muito grande na comunidade, eu acho. Porque envolve
todo mundo. Quer queira, quer não, envolve todo mundo. ” (MC-02, 30
anos, Pontal, 2015)

Em Convento, as inquiridas retrataram que para a inoculação de medicamentos


precisam dirigir-se ao posto de saúde da Preguiça, pois as consultas somente são realizadas
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 126

quinzenalmente e em Terra Caída a situação é mais crítica, pois acontecem uma vez a cada
mês (Figura 18).

Figura 18 - Cronograma de atendimento na Unidade Básica de Saúde do Povoado


Preguiça/Indiaroba

Fonte: Trabalho de campo (2017).

A partir dos relatos, fica evidente a urgência na execução de estratégias que organizem
a estrutura da saúde no município, pois a ineficiência nos serviços de saúde, assim como no
saneamento básico, afeta a qualidade e a expectativa de vida da população local.
Enfim, as informações apresentadas integralizam o panorama geral do município e das
comunidades foco da análise (Figura 19), sendo que os principais problemas elencados pelos
sujeitos da pesquisa estão agregados no quadro 5, constituindo aspectos pertinentes no
entendimento das transformações locais e interferências nos condicionantes físico-ambientais.
As especificidades relativas ao extrativismo e ao trabalho feminino serão esboçadas ao longo
da discussão.
12 7
S A N T O S , E . A., 20 1 8 C A PÍ T U L O 3 - AS C O M U N I D A D E S E X T R A TI V IS T A S D E IN D I A R O B A

Fi g u r a 1 9 - A s p e ct o s g er ai s d a s c o m u n i d a d e s c o st eir a s d e I n di ar o b a

F o n t e: Tr a b a lh o d e ca m p o ( 2 0 1 5 - 2 0 1 7 ).
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 128

Quadro 5- Principais problemas sociais relatados pelo grupo amostral em comunidades


costeiras de Indiaroba
Localidades
Serviços
Terra
Pontal Convento Preguiça
Caída
Infraestrutura
 Inexistência de esgotamento sanitário X X
 Vias sem calçamento, contribuindo para os X X X
alagamentos no período chuvoso
 Moradias irregulares X

 Necessidade de ampliação da cobertura da X

coleta de resíduos sólidos


 Estrutura precária da orla, porto e dos X X X

restaurantes
 Iluminação precária das vias X

Educação
 Falta de profissionais X X
 Necessidade de projetos para o X
desenvolvimento das crianças
X
 Atraso no pagamento dos professores
 Número de escolas insuficiente para atender X X

a demanda das comunidades


Saúde
 Ineficiência na oferta de serviços devido à X X X X
falta de profissionais no setor (médicos,
odontólogos e atendentes), de ambulância e
de medicamentos
 Número de estabelecimento de saúde e a X X X
frequência dos profissionais aos postos não
atende à demanda
Segurança
 Aumento da violência e do uso de X X
substâncias ilícitas
 Falta de policiamento X X X

Emprego
 Poucas alternativas de trabalho X X
 Desemprego X

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).


Elaboração: SANTOS, E. A., 2018.
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3 - AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA 129

3.2.2 Perfil socioeconômico das mulheres extrativistas em comunidades costeiras

Para compreender a situação da mulher que desenvolve o extrativismo em Indiaroba é


essencial apresentar um esboço dos fatores sociais e econômicos que conformam o panorama
ao qual está inserida. Esse perfil (Tabela 7) foi traçado mediante análise das interlocuções de
36 mulheres que desempenham a pesca, a extração de mangaba e/ou participam como
articuladoras frente às questões que afetam a atividade extrativista na área de estudo,
conforme explicitação do item 1.3.2.
A idade das inquiridas variou de 25 a 61 anos, sendo a faixa etária com maior
participação a de 41-50 anos (41,7%), seguida da estrutura etária de 31-40 anos (30,5%) e a
de menor participação aquela entre as idades de 21-30 anos (11,1%) e de 61-70 anos (2,8%).
Observa-se que as mulheres com mais de 30 anos foram responsáveis por 75% das
entrevistas. Foi igualmente verificado entre os pescadores profissionais na escala nacional que
53,83% possuíam idade entre 31 a 50 anos, como aponta o Boletim do Registro Geral da
Atividade Pesqueira (MPA, 2012).
Cabral, Stadler e Tavares (2009), ao analisarem o perfil psicossocial das pescadoras
pernambucanas, verificaram o quadro abordado. Para os autores, a situação pode demonstrar
um alerta para o fato de as mulheres jovens não mais recorrerem com frequência à pesca
como meio de sobrevivência ou devido à degradação ambiental que tem levado ao abandono
da atividade tendo em vista a diminuição do pescado, impossibilitando a garantia de renda.
Mota et al. (2008; 2014), ao analisar o trabalho das catadoras de mangaba do Norte e
do Nordeste -Sergipe, em particular, apresentam outras hipóteses a respeito do menor número
de jovens no extrativismo; uma delas é a rejeição do jovem em participar dos trabalhos dos
pais, o que repercute na tradição da atividade, ocorrendo a ruptura nas ocupações de pais e
filhos. A outra refere-se às iniciativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e dos
programas de políticas públicas (o Programa Bolsa Família e o Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil - PETI) implementados nessas comunidades, que têm restringido o trabalho
de alguns membros, o que acarreta a diminuição de crianças e jovens nas atividades. No
entanto, os autores apontam a importância de aprofundar a questão, por ser um assunto que
necessita de investigação por afetar o padrão tradicional de socialização para o trabalho no
extrativismo e talvez a permanência dessa atividade.
130
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

Tabela 7 - Síntese socioeconômica das mulheres extrativistas de Indiaroba

Frequência relativa
Localidades
Pontal Convento Preguiça
Terra Caída

(%)
Variável
(n=09)
(n=13) (n=06) (n=08)
Mulheres (n=36)
Frequência absoluta
21-30 01 01 01 01 11,1
31-40 04 02 01 04 30,5
Faixa etária 41-50 07 04 03 01 41,7
51-60 01 02 - 02 13,9
61-70 - - 01 - 2,8
Indiaroba 07 03 05 04 52,8
Estância 01 01 - 04 16,7
Naturalidade SantaLuzia - 02 - - 5,5
Bahia 04 02 - - 16,7
Outros 01 01 01 - 8,3
Solteira 02 - 02 01 13,9
Casada 04 01 - 03 22,2
Estado Civil UniãoEstável 06 07 04 04 58,3
Divorciada - 01 - - 2,8
Viúva 01 - - - 2,8
Sim 09 06 05 05 69,4
Chefe de família Não 04 03 01 02 27,8
Nãorespondeu - - - 01 2,8
01-03 03 04 04 03 38,9
04-06 08 04 01 04 47,2
Composição familiar 07-09 01 - - - 2,8
Acimade09 01 01 01 01 11,1
Analfabeta 02 02 02 - 16,7
EnsinoFundamental incompleto 07 04 03 04 50,0
Ensino fundamental completo 01 01 - - 5,5
Escolaridade EnsinoMédio incompleto - - 01 02 8,3
EnsinoMédio completo 02 02 - 02 16,7
EnsinoSuperior Incompleto 01 - - - 2,8
Exclusivamente apesca 02 06 - 05 36,1
Exclusivamente amangaba - - 01 - 2,8
Atividades econômicas desenvolvidas Pescaemangaba 08 - 03 02 36,1
Pescaeoutras - 03 01 - 11,1
Pesca,mangabaeoutros 03 - 01 01 13,9
100,00 -300,00 02 01 02 03 22,2
Renda
301,00-600,00 1 07 03 04 04 50,0
601,00 - 937,00 02 04 - 01 19,5
1000-1200,00 02 01 - - 8,3
Situação do domicílio
Própria 13 06 05 08 88,9
Alugada - 03 01 - 11,1
Tipo de construção
Alvenaria 12 09 06 06 91,7
Taipa 01 - - 02 8,3

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).


Notas: (1) Valor do salário mínimo em 2017.
131
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

As menores frequências na faixa etária entre 61-70 (2,8%) são explicadas pelo fato de
a atividade de pesca e extração de mangaba demandarem um esforço físico considerável, o
que impossibilita a participação efetiva deste grupo.
As extrativistas, em sua maioria, nasceram em Indiaroba (52,8%), nos povoados onde
residem; no entanto, existe uma outra parcela (47,2%), em menor proporção (Gráfico 1),
composta por mulheres que são originárias de outros municípios sergipanos (Estância, Santa
Luzia, Itabaianinha, Lagarto e Malhada dos Bois) e baianos (Salvador, Jandaíra e Aporá). Nos
relatos, elas afirmaram que há décadas vivem no município e que vieram acompanhando os
pais ou cônjuges.

Gráfico 1 - Localidades de origem das extrativistas de Indiaroba

Fonte: Trabalho de Campo (2015-2017).

Quanto ao estado civil, 80,5 % das inquiridas possuem união estável (58,3%) e são
casadas (22,2%), dado que 13,9% estão solteiras e em menor número, com taxas equivalentes
têm-se as divorciadas (2,8%) e viúvas (2,8%).
Algo que despertou atenção, principalmente na fase de elaboração do perfil
socioeconômico da mulher extrativista, foram as representações existentes no grupo, que
exibem a mulher através da lente do seu consorte. Essa mulher passa a não ter nome, pois é
reconhecida na comunidade como “a mulher de”; sua individualidade é insuficiente para
determinar a força que possui; é preciso ter uma companhia masculina para corroborar a sua
fala. Isso foi muito expressivo durante a fase de reconhecimento da área e dos sujeitos
envolvidos no extrativismo. Contudo, existem as “Marias” que não pertencem a outrem e que
132
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

enfrentam as adversidades sozinhas, apresentando uma força capaz de subverter tais


normatizações. É evidente que este cenário configura relações desiguais de gênero que serão
explicitadas na análise das territorialidades femininas no capítulo 5.
No Brasil, consoante os dados do IBGE, ocorreu um crescimento de domicílios
monoparentais em que a chefia da família ficou sob a responsabilidade feminina. Isto posto,
no ano 2000 as famílias chefiadas por mulheres eram de 22,2% e em 2010 ascenderam para
37,3%. Na área rural, o número dobrou nestes 10 anos, passando de 10,9% em 2000 para
24,8% em 2010. De modo semelhante ocorreu em Indiaroba, que apresentava em 2000 uma
proporção de 23,3% de famílias sob a reponsabilidade das mulheres e em 2010 alargou para
47,4% (Gráfico 2). Constata-se que 86,4% deste grupo é constituído por mulheres pretas ou
pardas, incumbidas de manter e proteger a casa e a família. São famílias monoparentais, cuja
predominância é de mulheres pobres sem cônjuge e com filhos, o que remete à necessidade de
um recorte interseccional quando da elaboração de políticas públicas relacionadas à temática,
levando em consideração dimensões como gênero, classe, raça/etnia e idade.

Gráfico 2 - Proporção de famílias com mulheres responsáveis pela chefia do domicílio no


Brasil, na Zona Rural e em Indiaroba (2000-2010)

Fonte: Sistemas Nacional de Indicadores de Gênero-SNIG-Censo 2010/IBGE (2014).

Entre as mulheres, sujeitos da investigação, 69,4% declararam ser chefes de família


(Tabela 7), apesar de quando indagadas a respeito por vezes silenciarem/questionarem como
numa atitude de renúncia, revelando as posições tradicionais no que tange ao poder de decisão
no núcleo familiar (espaço privado). Para Costa e Marra (2013), o termo chefia remete a
valores machistas em que o homem ocupa uma posição de comando na família, detendo o
133
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

poder de decisão que ressoa no espaço público. Do total apresentado, 19,4% das famílias em
análise são monoparentais femininas formadas por mães solteiras ou divorciadas ou viúvas
que vivem junto aos filhos. Há aquelas que não se consideram chefes de famílias (27,8%),
mesmo que, em alguns casos, provenha de igual modo ou com a maior parcela do rendimento
familiar, como manifesta M-21 ao ser indagada sobre a chefia da família. Apenas 2,8% não
responderam ao questionamento (Gráfico 3).

“Não. É ele mesmo, né?! Sempre tem algum homem, né?! Porque, a gente
não vai fazer uma coisa sem combinar com ele. É nós dois, porque quando
um quer concorda com o outro. Se ele não quiser, eu não quero. Aí, cabe um
concordar com os outros ali. ” (M-21,49 anos, Terra Caída, 2016)

A narrativa de M-21 revela um sistema de representações e atribuições que torna a


mulher um ser submisso à supremacia masculina (COSTA; BRUSCHINI, 1992); ou seja, às
relações patriarcais, nas quais a diferença sexual serve de base à opressão e à subordinação
feminina; para relações diferenciadas de poder entre homens e mulheres (PISCITELLI, 2009).

Gráfico 3 – Proporção de mulheres responsáveis pela chefia do domicílio em comunidades


extrativistas de Indiaroba (2015-2017)

Fonte: Trabalho de Campo (2015-2017).

As famílias das extrativistas são numerosas, uma média de 05 filhos por grupo
familiar. Assim, a composição das famílias oscilou entre o número mínimo e máximo de 01 a
16 filhos, respectivamente. As maiores taxas variaram em torno de 04 a 06 filhos (47,2%) e de
01 a 03 filhos (38,9%). Já a menor taxa foi de 2,8% correspondendo à família com 07 a 09
134
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

filhos. Como a unidade de produção é a família, os filhos participam de algumas etapas da


atividade extrativista. No caso da pesca feminina e da extração de mangaba, as meninas são as
que mais colaboram auxiliando a mãe no beneficiamento dos recursos coletados e nas tarefas
domésticas (Figura 20).

Figura 20 – Mulheres e criança realizando o beneficiamento do


marisco em Pontal.

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).

O grau de instrução das extrativistas é baixo, uma vez que 66,7% não concluíram o
Ensino Fundamental (grupo composto pelas mulheres que não sabem ler, que assinam apenas
o nome e que não finalizaram o Ensino Fundamental). Todavia, percebe-se entre as mais
jovens um fluxo mais contínuo de estudos, no qual 16,7% concluíram o Ensino Médio e 2,8%
estão cursando o Ensino Superior. A escala local reflete uma lógica análoga ao cenário
nacional, em particular da pesca artesanal, que apresenta uma taxa de 85,4% (MPA, 2012) de
pescadores com Ensino Fundamental incompleto.
As mulheres, que compõem o grupo majoritário, informaram que aprenderam assinar
o nome a partir de programas e projetos voltados para a Educação de Jovens e Adultos (EJA),
como o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), Brasil Alfabetizado e o Mova
Brasil. Entretanto, mesmo com a existência dos programas mencionados, os investimentos na
área precisam ser ampliados para contemplar o grande contingente de adultos que, devido à
inserção precoce nas atividades laborais, não conseguiram seguir o fluxo de estudos. Cabe
135
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

salientar que o baixo grau de instrução reflete diretamente na renda das famílias, na
organização e gestão do setor e, consequentemente, na qualidade de vida dessa população.

“Eu estudei. Teve um tempo que estudei o Mobral e um tempo desse aí eu


estudei [...] o Mova Brasil. [...]. Eu só aprendi mesmo a assinar meu nome.
Passou pouco tempo. ” (M-29,57 anos, Terra Caída, 2017)

As extrativistas de Indiaroba realizam atividades correlacionadas para a constituição


dos rendimentos utilizados no aprisionamento da família, como assevera Diegues (2002), ao
enfatizar que o extrativismo inclui uma gama de atividades em associação. A pesca e a coleta
da mangaba apareceram como as principais atividades econômicas executadas pelas mulheres,
somando um total de 72,2% da participação (Tabela 7). Dentre este montante, a pesca aparece
como atividade exclusiva de 36,1% das mulheres inquiridas. Todavia, por causa das
transformações locais com interferências na oferta de recursos e com o surgimento de serviços
relacionados ao turismo, 25% afirmaram desenvolver o extrativismo vegetal e animal
associado ao trabalho de caseira, diarista, cabeleireira, vendedora de alimentos nas residências
e no local de embarque e desembarque de turistas (verificado em Pontal), assim como a
agricultura (Figura 21). Apenas 2,8% afirmaram obter a renda familiar exclusivamente do
extrativismo da mangaba (Gráfico 4).

Gráfico 4- Atividades econômicas desenvolvidas pelas extrativistas de Indiaroba

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).

No grupo analisado, verifica-se que a pesca tem importância econômica primária, já


que é desenvolvida de maneira exclusiva por um percentual maior de mulheres, o que diverge
136
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

de pesquisas anteriores que apresentaram a extração de mangaba como responsável por 60%
dos rendimentos anuais gerados (MOTA, 2007). No entanto, se evidencia que ambas
atividades aparecem como fundamentais para a composição econômica da unidade familiar,
por conseguinte para a subsistência desse grupo.

Figura 21 – Extrativistas comercializando doces na área de embarque


e desembarque de turistas em Pontal.

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).

A renda média mensal (Gráfico 5), adquirida por essas mulheres a partir da
comercialização dos produtos extraídos, é de R$ 492,09, oscilando entre R$ 150,00 e
1200,00, rendas mínima e máxima declaradas. A maioria (50%) afirmou auferir um ganho
mensal em torno de R$ 301,00 a R$ 600,00, o que pode ser considerado uma baixa renda por
não permitir os requisitos imprescindíveis à subsistência; em outras palavras, para
alimentação, moradia, saúde, educação e cidadania. Existe ainda uma parcela expressiva das
mulheres (22,2%) que obtêm o rendimento de R$ 100,00 a R$ 300,00, situação que as
colocam numa posição de extrema pobreza, já que a renda domiciliar per capita é inferior a
R$85,0016. Apenas 19,5% conseguem ganho mensal de até um salário mínimo e 8,3% acima
desse patamar, na faixa de R$ 1000,00 a R$1200,00. A partir dos relatos, foi observado que
elas complementam o orçamento doméstico mediante repasses do Programa Bolsa Família

16
Valor que corresponde à linha de pobreza extrema definida pelo Programa Brasil sem Miséria
137
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

e/ou do recebimento do acesso ao seguro-desemprego (seguro-defeso) e/ou com a


aposentadoria de algum membro da família, no caso mãe ou cônjuge.
Os dados demonstram que aproximadamente 89% das interlocutoras não adquirem
rendimentos equivalentes ao salário mínimo com o seu labor, caracterizando a precariedade e
desvalorização do seu trabalho, assim como as dificuldades que enfrentam de acessos aos
serviços públicos essenciais e à melhoria das condições de vida.
Conquanto 88,9% dessas mulheres possuírem residência própria e 91% construída
com material de alvenaria, algumas residem em domicílios alugados (11,1%) ou elaborados
com taipa (8,3%). Foram identificados domicílios construídos em áreas inadequadas, sem
banheiro e com a utilização de palha de coqueiro; além disso, nem todos os domicílios
construídos em alvenaria possuíam revestimento nas paredes e no chão.

Gráfico 5– Renda mensal das extrativistas em Indiaroba

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).

Destarte, o perfil socioeconômico das extrativistas demonstra as condições insalubres


sob as quais estão submetidas. Ele é marcado pela injustiça social, visto que diariamente essas
mulheres enfrentam a omissão da sua realidade nos dados oficiais, a falta de atenção dos
governantes quanto as suas demandas, a progressiva diminuição dos recursos extraídos, o
excesso de trabalho e o baixo rendimento. No entanto, sabe-se que os seus enfrentamentos
precisam ser analisados através de uma perspectiva interseccional, pois as desigualdades
vivenciadas são marcadas, sobretudo, pelo gênero, classe, raça e idade.
138
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 3- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

As extrativistas (catadoras, marisqueiras e agricultoras) são mulheres, em sua maioria


negras e que possuem um rico conhecimento a respeito da dinâmica ambiental da paisagem
costeira de Indiaroba; mulheres que partilham uma história em comum que resulta no seu
autorreconhecimento, nas formas de manejo dos recursos ambientais e na garantia dos
elementos essenciais à sobrevivência dos seus dependentes (MOTA et al., 2011).
CAPÍTULO 4
ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA
SOCIOECOLÓGICA EM COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE
INDIAROBA

©Eline Santos

Mapeamento participativo em Terra Caida

No Rio e no Mar: Pescadores na luta!


© Eline Santos

Nos açudes e nas barragens: Pescando liberdade!


Hidro-negócio: Resistir!
Cercas nas águas: Derrubar!
(Campanha pelo território pesqueiro-MPP)
140
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

4 ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA


SOCIOECOLÓGICA EM COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA

Adentrar uma comunidade significa mergulhar em suas particularidades, utilizar a


lente que revela o cotidiano configurado através da organização socioespacial, das lutas, da
exploração, da subalternidade e da resistência. Assim, a comunidade aparece como o locus de
referência, território compartilhado por famílias, pessoas próximas e redes de vizinhança. Ela
eclode também como locus das disputas discursivas, o campo de forças em que os atores
locais entram em embate devido a interesses diversos, os quais correspondem a ações
degradantes, em alguns casos, o que leva a modificações do quadro socioambiental local.
Analisar esse panorama foi possível a partir de ferramentas que desafiaram a
pesquisadora a sair da sua zona de conforto, a trabalhar com as lacunas e incertezas acerca das
ações femininas em atividades extrativistas, com os meios e as técnicas descobertas num
caminho construído no percurso.
Desse modo, a seção foi esboçada na tentativa de apresentar e debater a configuração
do espaço costeiro a partir dos resultados do mapeamento participativo, uma ferramenta de
ação fundamentada nos princípios de cartografia social (ACSELRAD, 2008; 2014;
MEIRELES, 2014; GORAYEB, A.; MEIRELES, 2014) que possibilita a gestão territorial
participativa, mediante a construção de produtos cartográficos que levam em consideração o
conhecimento dos sujeitos envolvidos. Além disso, serve como um dos instrumentos para o
diagnóstico da resiliência socioecológica de paisagens terrestres e marinhas (ANDRADE,
2011; BUSCHBACHER, 2014; OSCAR JÚNIOR, 2015), que consiste num dos caminhos
trilhados para pensar a sustentabilidade ambiental local, consequentemente, a qualidade de
vida daqueles envoltos no processo.
O percurso adotado corresponde a uma tentativa de obter respostas acerca das
transformações socioespaciais presentes na área de estudo e como estas interferem no
desenvolvimento do trabalho dos grupos locais. Desse modo, os instrumentos utilizados
possibilitaram uma leitura das comunidades nos moldes da gestão participativa, caminho para
a sustentabilidade.

4.1 Conhecimento ecológico tradicional nas práticas extrativistas em Indiaroba

As populações tradicionais apresentam um saber e um saber-fazer construído nas


práticas que marcam o seu cotidiano, isto é, na relação que desenvolvem com o ambiente e
141
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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entre os membros do grupo cultural ao qual pertencem; saberes que também estão interligados
nas crenças e no conhecimento estruturado através da experiência que tais povos adquirem ao
se apropriar da natureza. Nesse processo, tramas são tecidas e configuram a inter-relação entre
o material e o simbólico, expressada na forma como eles percebem, concebem e classificam
os recursos naturais, nos elementos que permeiam o imaginário dessas populações.
Os saberes e o saber-fazer abarcam o conhecimento ecológico tradicional (CET),
também denominado de etnoconhecimento, conhecimento tradicional local e saber tradicional
(DIEGUES; ARRUDA, 2000; DIEGUES; VIANA, 2004; SOUZA, 2007; SILVA;
ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2010; MOTA et al., 2011) dos povos dos ecossistemas. Este
conhecimento é local, coletivo e transmitido de geração a geração a partir da língua. À vista
disso, a oralidade e a memória compreendem recursos importantes para a vida dos grupos
tradicionais.
O CET é engendrado através de duas dimensões: a espacial e a temporal. A expressão
espacial do CET é revelada pela bagagem cultural que os indivíduos carregam, que a
depender da escala, projeta-se da coletividade a que ele pertence: a unidade familiar, a
comunidade rural, o território e o grupo étnico ou cultural. É válido destacar que dentro da
família esse conhecimento é marcado pela divisão de gênero e idade, já que cada membro
realiza atividades específicas, o que atribui particularidades a este conhecimento (SILVA;
ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2010), ponto percebido entre as populações tradicionais que
desenvolvem o extrativismo vegetal e animal em Indiaroba, tendo em vista que homens e
mulheres apresentam tarefas diferenciadas no grupo social, acumulando um saber particular
referente a essa atividade econômica.
Relativo ao eixo tempo (histórico), o CET é sintetizado na experiência acumulada e na
transmissão através das gerações de determinado grupo, na experiência socialmente
compartilhada pelos membros de uma mesma geração e, na experiência pessoal e particular
do próprio produtor e da sua família adquirida na repetição do ciclo reprodutivo (SILVA;
ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2010).
O CET desvela que as populações tradicionais possuem uma simbiose com os
ecossistemas, de tal modo a existir uma interligação orgânica entre o mundo natural, o
sobrenatural e a organização social. Para esses grupos não existe uma divisão rígida entre o
natural e o social, mas um continuum entre ambos. Assim, esse conhecimento só poderá ser
interpretado dentro do contexto cultural ao qual foi constituído (DIEGUES; ARRUDA, 2000;
DIEGUES; VIANA, 2004).
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SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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Os aspectos apresentados acerca do CET conformam a realidade das (dos) extrativistas


que praticam a pesca e a coleta da mangaba, sujeitos do estudo em questão; eles integram o
corpo social que transforma a paisagem costeira local mediante práticas imbuídas de saberes
emanados na exploração da vegetação de restinga, do manguezal, do estuário e do mar, na
elaboração dos apetrechos utilizados na captura dos animais e na coleta dos vegetais, na
classificação das espécies, na relação entre os integrantes do grupo social e nos significados
que atribuem aos elementos que compõem a atividade e que desenham o seu modo de vida.
Destaca-se a relevância desse conhecimento para a conservação da biodiversidade, cuja
dependência marca a continuidade da reprodução social desses povos.
Outro ponto a se destacar referente ao CET é que este não envolve apenas os saberes
construídos na apropriação dos recursos naturais, mas todos os elos que determinam a
atividade extrativista, como a organização social, traduzida no beneficiamento, na
manutenção dos petrechos e na comercialização desses recursos, tópico que carece de
interpretação por parte do Legislativo ao elaborar leis excludentes, ancoradas numa visão
fragmentada dos povos tradicionais, principalmente quando envolve o recorte de gênero na
pesca, item a ser delineado nas próximas seções.
O CET é um dos enfoques da etnociência, que parte da linguística e abarca vários
ramos (a etnoecologia17, etnoictiologia18, etnobiologia19 etc.) fundamentados no conhecimento
das populações sobre os processos naturais, tentando desvendar a lógica contida no
conhecimento humano acerca do mundo natural, nas taxonomias e nas classificações
totalizadoras (DIEGUES; ARRUDA, 2000).
A etnociência apareceu em evidência nas décadas de 1970 e 1980 quando da crise
ecológica do planeta esculpida no modelo de sociedade industrial que fracassou no manejo
adequado da natureza (SILVA; ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2010). Nesse período,
pesquisadores indianos, africanos e latinos constataram que as áreas manejadas por povos
tradicionais apresentavam a conservação da sua biodiversidade, componente promissor para
repensar o modelo de política conservacionista baseado em áreas protegidas sem a presença
humana (DIEGUES; VIANA, 2004). Sob esse ponto de vista, os estudiosos mostram que a

17
Campo de pesquisa transdisciplinar que aglutina diversas formas de compreensão sobre o mundo natural,
denominada experiência tradicional (MARQUES, 2001; SILVA; ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2010).
18
Estuda o conhecimento que os pescadores possuem sobre as espécies marinhas, determinando as relações
taxonômicas entre os peixes, as técnicas de manejo tradicional e a organização tradicional da pesca (COSTA
NETO, 2001; VASCONCELLOS, DIEGUES e SALES, 2004).
19
Pesquisa acerca do conhecimento que as populações possuem acerca dos recursos naturais e ecossistemas dos
quais são dependentes para as suas atividades comerciais ou de subsistência (BEGOSSI, 2004). Estuda o “papel
da natureza no sistema de crenças e da adaptação do homem a determinados ambientes, enfatizando as categorias
e conceitos cognitivos utilizados pelos povos em estudo” (DIEGUES; VIANA, 2004, p. 19).
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SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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presença desses povos manejando os ecossistemas por muito tempo sem provocar sua
depredação vem contribuindo para a sua conservação e evidencia a formulação de um
patrimônio relacional constituído pelo substrato da vida material e pelos laços comunais que
propiciam a base da sustentabilidade do modo de vida dessas comunidades (SOUZA, 2007;
MOTA et al., 2011).
Com base nos pressupostos, o CET foi utilizado como um dos caminhos para o
entendimento do quadro geral do extrativismo no município em estudo. Com a utilização de
ferramentas como mapeamento participativo e aplicação de oficinas de indicadores de
resiliência da paisagem socioecológica, elementos relacionados às potencialidades e às
demandas das populações tradicionais foram identificados e analisados, assim como os fatores
que contribuem para as transformações da paisagem costeira local, a situação da mulher
extrativista no setor e na comunidade e a organização política do grupo frente à luta pela
manutenção do seu modo de existir.
Como o setor extrativista é carente de informações sistematizadas, sobretudo no
tocante ao recorte de gênero, o que resulta em entraves, o CET aparece como possibilidade
para a elaboração de diretrizes que colaborem para a conservação do patrimônio ambiental e
cultural das comunidades tradicionais, ao fornecer dados referentes ao ciclo reprodutivo das
espécies, das formas de manejo e dos problemas socioambientais gerados a partir dos usos do
ambiente costeiro, como um instrumento que visa uma participação ativa e democrática
dessas populações e como caminho para a sustentabilidade.

4.1.1 Entre Luas e Marés: desvendando os saberes relacionados a pesca artesanal

A pesca artesanal consiste numa atividade fundada numa intrínseca relação dos sujeitos
com a natureza. Os saberes ecológicos permeiam toda a organização dela, de maneira que as
práticas se entrecruzam com o sistema de crenças e fundam o sentido/ modo de ser do grupo
pesqueiro.
Na pesca artesanal, o ritmo da natureza determina a dinâmica da atividade, ou seja, a
movimentação periódica das águas, ocasionada pelos efeitos da combinação do movimento de
rotação da Terra e das forças gravitacionais da Lua e do Sol, interferindo na jornada diária de
trabalho, no trajeto a ser percorrido para os pontos de pesca, nas estratégias adotadas e nas
espécies a serem capturadas.
Nas falas das (os) interlocutoras (es), a maré e a Lua aparecem como componentes
relevantes para o desenvolvimento da pesca em Indiaroba, o que pode ser identificado nos
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SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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trechos selecionados e enfatizados por Maldonado (1986) e Ramalho (2006), ao afirmarem


que o tempo do pescador é medido pelos ciclos da natureza, pelo decorrer dos dias e noites no
ambiente marítimo e pelo comportamento das espécies; além disso, a compreensão do
intercâmbio maré e circulação dos pescados define as técnicas usadas nas capturas dos
produtos aquáticos na pesca artesanal.

“Tem maré que é pela Lua e tem maré que não é pela Lua. A maré de escuro
agora não é pela Lua. Agora quando a Lua é lua nova, aí às vezes a Lua
quando tá saindo a maré tá vazando. Às vezes, quando a Lua se põe a maré
tá enchendo. Têm esses negócio assim, né!” (M-29, 57 anos, Terra Caída,
2017)

“Depende da maré [...]! Tem maré que tá boa [...] a gente vai três, quatro
dias e quando a maré não tá boa a gente vai um dia, dois.”
(MC-33, 38 anos, Convento, 2016)

Ainda referente à interferência da Lua no movimento periódico das águas, a mudança


do ciclo lunar ocorre a cada oito dias e a maré muda a cada seis horas; desta maneira, durante
o dia ela varia quatro vezes. Baseado nisso, as mulheres e homens envolvidos na pesca
classificam a maré de três formas: pela intensidade da luz nas pescarias noturnas (maré de
escuro e maré de lua), pelo horário em que ocorre (maré cedo e maré tarde) e pelo ciclo lunar
(maré grande, maré morta, maré vazante, maré enchente e maré de lançamento). Essas
classificações também foram verificadas entre os pescadores do litoral norte da Bahia
(COSTA NETO, 2001), de Mém de Sá (ARAGÃO, 2011) e da Taiçoca de Fora (SANTOS,
2012), sendo sintetizadas no quadro 6 com fundamento nas narrativas dos sujeitos da
pesquisa.
Em relação à socialização da pesca, no município de Indiaroba a iniciação de mulheres
e homens na atividade a partir dos ensinamentos da mãe foi percebida nos relatos dos
inquiridos. No caso dos homens, a mãe apresenta-lhes as primeiras lições e quando maiores
passam a acompanhar o pai nas pescarias (Figura 22A e 22B). Eles informaram ainda que
aprenderam observando vizinhos, parentes e amigos no desenvolvimento da atividade.
Os aspectos apresentados foram ressaltados por Diegues (2007), ao afirmar que a
aquisição do conhecimento na pesca ocorre quando os mais velhos tentam passar para os mais
jovens alguns valores como a responsabilidade, o conhecimento das várias artes de pesca, a
preparação e entralhe da rede. Os saberes fundam-se no aprendizado das atividades no setor
através da observação do que o outro faz e, geralmente, não envolvem palavras, são
resultantes de práticas cognitivas e culturais que englobam uma trama de relações, definindo e
estruturando a atividade.
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SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

Quadro 6 - Classificação das marés segundo as (os) pescadoras (es) de Indiaroba

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017); Costa Neto (2001).


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SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

Figura 22 – Socialização dos saberes no extrativismo desenvolvido no município de Indiaroba

22A 22B
A) Meninos e meninas junto a avó realizando o B) Crianças, meninas adolescentes e mulheres
beneficiamento do marisco em Terra Caída realizando a extração da mangaba em Pontal. 2A
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017). 2A

2A 2A
“A minha mãe [...] uma marisqueira também. Depois que eu cresci [...]que
eu via ela indo [...]2Aaí eu tinha curiosidade [...] comecei a ir mais ela, 2A
aí [...]
aí até hoje. ” (M-38, 26 anos, Preguiça de Cima, 2016)
2A 2A
“[...]. Quando eu comecei a pescar, eu comecei a pescar mais meu pai. Ele
ia pescar, aí eu ia mais ele, né? A gente vai aprendendo, vai desenvolvendo
os poucos, né! Que nem criança como começa andar, né? A gente vai vendo
e a gente vai desenvolvendo. Sempre pescava mais ele. Aí, aprendi com ele.”
(PC-45, 49 anos, Preguiça de Baixo, 2016).

“O rapaz foi quem me ensinou, eu tava com 17 anos, fechar a camboa. A


camboa era de esteira. Aí, tocava assim como tá estes postes aqui, né?
Desenrolava as esteira. Aí, quando chegava terminava, intercalava uma na
outra assim. Aí, continuava e fechava.” (P-43, 78 anos, Preguiça de Baixo,
2016).

Nos relatos, fica evidente que os pescadores artesanais de Indiaroba compõem um


grupo culturalmente diferenciado, cujo modo de vida está sedimentado num modelo de
cooperação social (DIEGUES; ARRUDA, 2000) em que os saberes são compartilhados entre
os membros que possuem relações específicas com a natureza, o que leva a um manejo
sustentado do ambiente.
Percebe-se ainda que no seio do grupo tradicional estudado permeiam estórias que
integram o imaginário local. Entes mágicos como caipora, lobisomem e assombrações fazem
parte do cotidiano desses povos e correspondem a um sistema de representação, mitos e
símbolos pertencentes ao folclore brasileiro e que acredita-se que foram criados como uma
maneira de estimular a proteção dos ecossistemas manejados por essas populações,
contribuindo para os códigos de conduta característicos dos povos tradicionais.
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SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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Entre as marisqueiras e catadoras de mangaba, circula-se a lenda da caipora, que faz


com que a pessoa fique perdida no manguezal. Para que se possa sair desse encantamento, é
preciso tirar as roupas e colocá-las aos avessos para assim reconhecer o ponto em que estão
localizadas. No caso das catadoras de mangaba, frisam a existência de várias entidades
fantásticas que fazem com algumas tenham até medo de ir para as áreas de coleta em
determinado período.

“Minha filha por aqui aparece tanta coisa. Tanta assombração que a gente
tem até medo de ir pras mangaba.” (MC-50, 40 anos, Caminhada
transversal, Pontal, 2016)

Logo, esses entes mágicos podem castigar ou até mesmo contribuir para uma produção
exitosa no período da extração. Para isso, é preciso desenvolver atitudes sustentáveis de
proteção à natureza, à biodiversidade. Tais estórias foram referidas por Diegues e Arruda
(2000), ao abordarem a contribuição dos povos dos ecossistemas à conservação da
biodiversidade brasileira, e por Aragão (2011), ao destacar que na pesca artesanal de Mem de
Sá forças sobrenaturais compõem os elementos simbólicos que interferem na produção
pesqueira, sendo os pescadores ambiciosos castigados.
Outro ponto a ser destacado nos relatos das (os) extrativistas está relacionado às
capturas dos peixes. Os pescadores artesanais não extraem as espécies ao acaso, como foi dito
ao longo do capítulo, eles possuem saberes específicos que os levam a identificar, classificar,
entender o comportamento das espécies para a utilização de apetrechos, de métodos e do
período adequado para a pesca. Deste modo, buscam as espécies em locais específicos,
reconhecendo a sua posição no rio/estuário em três níveis na coluna d’água (veia d’água ou
boaidos, meia água e fundo) dos principais rios explorados (Piauí, Real e Fundo), conforme
modelo esquemático, baseado em Costa Neto (2001), elaborado por L-01 de Terra Caída
(Figura 23A e 23B).
Com base na distribuição vertical das espécies, os peixes de veia d’água ou boiados
são aqueles encontrados na porção acima da coluna d’água. Dentre as principais espécies
destacam-se a sardinha (Harengula clupeola), o xaréu (Caranx hippos), que é um peixe
canibal e ataca as outras espécies, a solteira (Oligoplites saurus), a sororoca (Scomberomorus
brasiliensis) e a tainha (Mugil gaimardianus), segundo os relatos dos pescadores, é
semelhante à azeiteira e à saúna.
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SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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“É tudo uma família só. É tudo peixe de escama, tudo parece uns com os
outros” (P-13, 80 anos, Pontal, 2016).

No nível intermediário da coluna d’água (meia água) são encontrados os peixes


pescada (Cynoscion microlepidotus), sauara (Genyatremus luteus), salvagem (Cynoscion
acoupa), corvina (Micropogonias furnieri), barbudo (Polydactylus virginicus), vermelha
(Etelis oculatus) e pampo (Trachinotus carolinus). Nessa porção também podem ser
encontrados o camarão e o siri que migram entre as zonas.

Figura 23 –Conhecimento ictiológico tradicional dos (as) pescadores (as) de Indiaroba

A2 A3
A1
(A1)

(A2)

(A3)
23B

2A

2A

2A

2A
A1 Veia d’água

A2 Meia d’água

A3 Fundo

23A 23C

A) e B) Zonação vertical de trechos dos principais rios explorados pelos pescadores de Indiaroba; C) Peixes de
2Acapturados por M-44 no rio Real nas proximidades do povoado Preguiça de Baixo. 2A
fundo
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017); Adaptado de COSTA NETO (2001).
2A 2A

2A L-01(33 anos, Terra Caída, 2017) enfatiza que o pampo é encontrado, principalmente
2A
quando tem comidia no período do inverno. “A comidia é uns crustaceozinhos que têm umas
2A 2A
algas. Então, é peixe de passagem [pampo]. Não é peixe constante. [...] é mais no inverno. ”
149
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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No fundo são encontradas as espécies de maior importância econômica e assumem um


caráter relativo, referindo-se em muitos casos a substrato (COSTA NETO, 2001). Nessa zona
são encontradas espécies que se alimentam de lodo, lama e/ ou que se enterram, vivem em
orifícios e rochas. Os peixes de fundo citados pelos pescadores são: carapeba (Eugerres
brasilianus), arraia (Dasyatis guttata), corongo (Cynoponticus savana, Figura 23C ), robalo
(Centropomus spp.) e mero (Epinephelus itajara). Também foram apontados alguns
crustáceos como o siri (Callinectes exasperatus) e o camarão (Macrobrachium acanthurus;
Xiphopenaeus kroyeri), bem como a ostra (Crassostrea brasiliana e Crassostrea
rhizophorae), pertencente a um banco reprodutor localizado numa profundidade de 3 a 4m.
A posição que as espécies ocupam interfere no método de captura e nos apetrechos a
serem utilizados (especificados no item 4.2). Os pescadores informaram que existem espécies
que mudam de nível ao longo do dia. Nesse caso, são peixes que nadam por toda a coluna
d’água, sendo alguns deles a tainha (nada da superfície ao fundo), o robalo e a sororoca.

“[...] a azeiteira, a saúna e a sardinha são os peixes mais boeiros que a


gente encontra no rio. É! A sororoca também é um peixe que gosta muito de
ficar na veia d’água durante a noite. Mas, no dia ela é peixe de meia água.
Essas são as espécies que você encontra mais facilmente boiando. ”
(L-01, 33 anos, Terra Caída, 2017)

“É tanto que a noite o robalo vai pra costa, pro seco que onde tão as
espécies pequenas (tainha, pequena sardinha, peixe miúdo). Ele é mais
pescado à noite com rede grossa em cima das croas. De dia ele fica
caceando no fundo. É difícil de pegar. Mas, à noite maré grande, à noite
encontra ele. ” (L-01, 33 anos, Terra Caída, 2017)

De fato, o conhecimento que os pescadores possuem acerca da distribuição vertical e


do comportamento das espécies, das marés, dos ventos, da dinâmica costeira local faz com
que identifiquem períodos propícios de captura dos recursos pesqueiros. Baseado em tal
premissa, foi elaborado o calendário anual da pesca que revela as épocas de captura e a
principais espécies extraídas dos rios que compõem o complexo estuarino Piauí-Real (Figura
24). Devido à diversidade de animais capturados, prevaleceu aqueles que têm maior
relevância econômica para as comunidades. Assim, a seleção das espécies que compõem o
calendário pesqueiro em Indiaroba ocorreu através da análise da frequência de citações destas
pelas marisqueiras e pescadores inquiridos.
15 0
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

Figura 24 - Calendário anual da pesca artesanal em Indiaroba.

+ Alta produtividade no período


- Baixa produtividade no período

F o n t e: Tr a b a lh o d e ca m p o ( 2 0 1 5 - 2 0 1 7 ). A d a pt a d o d e C o st a N et o ( 2 0 0 1 ).
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SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

O tempo das pescarias em Indiaroba é dividido em dois períodos: verão (seco) e


inverno (chuvoso). Conforme citado por Marques (1991), esse tempo é diferente da forma
como as sociedades urbano-industriais o fazem, sendo organizado com base em outros
critérios, de tal maneira que “inverno” e “verão” pode não significar exatamente as estações
do ciclo anual oficial, mas períodos relacionados à chuva e à estiagem.
Assim, dentre os peixes capturados no verão, destaca-se a tainha, espécie mais citada
entre os entrevistados. O robalo, a carapeba, a sardinha, o bagre e a arraia são extraídos
durante todo ano, com frequência maior de captura no mês de novembro para as duas
primeiras espécies. Já a curimã, a pescada, a azeiteira e a saúna são as espécies mais retiradas
no inverno, segundo relato dos inquiridos.

A curimã é mais encontrada no inverno, porque com as águas doce, o rio


Estância, rio de água doce, [...] despeja suas águas no rio de água salgada
a salinidade baixa, aí elas fogem das cabeceiras pra [...] próximo da barra
que é para se reproduzir, que é pra desovar. Aí, é no tempo que encontra
elas. (L-01, 33 anos, Terra Caída, 2017)

No que se refere aos crustáceos, o siri foi o que apareceu com maior frequência nas
falas dos sujeitos da pesquisa; ele é extraído durante todo o ano, com uma redução no período
da quaresma20. Da mesma maneira ocorre com o aratu e alguns moluscos como o massunim e
o sururu. Os interlocutores explicam que isso acontece por conta da chegada do inverno com a
diminuição da salinidade e o aumento da turbidez da água. Já a ostra e o sarnambi são
explorados durante todo o ano, configurando-se, respectivamente, as espécies de maior e
menor frequência nas narrativas das populações costeiras investigadas.

“O tempo todo tem aratu. Só que tem um tempo que ele se esconde na fonte.
Na quaresma mesmo [...] fica muito ruim de pegar. No inverno, ele fica ruim
de pegar [...] agora no verão aparece aratu de todo canto. ” (MC-33, 38
anos, Convento, 2016)

O camarão e o caranguejo são capturados durante todo o ano, exceto nos meses
correspondentes ao defeso, que condiz à paralisação temporária da pesca para a preservação
da espécie, tendo como objetivo a reprodução e/ou recrutamento, consoante o inciso XIX do
art. 2º da Lei nº 11.959/2009.

20
Período de quarenta dias que antecede a Páscoa, sendo celebrado por algumas igrejas cristãs, dentre as quais a
igreja católica.
152
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA
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[...] ele [camarão] tem dois paradeiros no ano que é o de desova. Seria em
[...] novembro e maio. São o tempo de desova dele, que é que tem o defeso.
(L-01, 33 anos, Terra Caída, 2017)

“O caranguejo tem o tempo da andada. [...] é um tempo de reprodução dele,


que é proibido. O IBAMA empata muito. ” (L-01, 33 anos, Terra Caída,
2017)

O calendário está fundamentado na experiência dos sujeitos que desenvolvem a pesca


artesanal e surge como uma importante ferramenta para a verificação dos estoques pesqueiros
da área que abrange as comunidades estudadas, para assim pensar formas de manejo que
visem a garantia da manutenção desses estoques com respeito a sua capacidade de
recuperação, evitando a sobrepesca e atendendo as especificações do art. 7º21, incisos I e III da
Lei 11.959/2009.
Além do exposto, o conhecimento das marisqueiras e pescadores a respeito do
ambiente permite que identifiquem possíveis variações nos ecossistemas manejados, o que
pode ser um indicador para a avaliação dos fenômenos e para que medidas sejam pleiteadas a
fim de minimizar as implicações sobre a pesca. Nota-se, também, ao analisar as narrativas dos
povos tradicionais e os escritos acadêmicos, que há uma convergência significativa entre a
experiência e a literatura científica, o que de fato permite reforçar a valorização do CET
dessas populações na elaboração de programas de gestão ambiental no município para que
tenha maiores chances de sustentabilidade.

4.1.2 Os saberes das mulheres mangabeiras nas áreas de restinga

Ao longo da discussão acerca do CET foi explicitado que os recursos naturais são
manejados segundo as necessidades das populações tradicionais, o que as levam a cunhar
práticas que retratam a sua relação com a natureza e perfazem um conhecimento construído
na exploração de múltiplos habitats (floresta, estuários, mangues e áreas transformadas para
fins agrícolas), como sugerem Diegues e Arruda (2000). Esses fatores configuram a realidade
das populações costeiras de Indiaroba que, além da apropriação dos recursos pesqueiros,
exploram a vegetação de restinga com a prática do extrativismo da mangaba.
No extrativismo da mangaba é identificada a participação expressiva de mulheres, o
que pode caracterizá-lo como uma atividade feminina. Ademais, é uma atividade de base

21
De acordo com o art. 7º da Lei 11.959/2009, o desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira dar-se-á
mediante: I) a gestão do acesso e uso dos recursos pesqueiros, e III) a participação social.
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produtiva familiar, delineada em relações de parentesco e cuja prática tem colaborado


positivamente para a composição da renda das famílias locais e para a conservação dos
ecossistemas manejados.
Mota et al. (2011) atestam a relevância do CET das catadoras para a conservação da
biodiversidade, ao destacar que é a partir desse conhecimento e de suas práticas construídas
na relação direta com os diferentes recursos que essas mulheres historicamente cuidaram de
um dado território, conservando-o e interferindo minimamente na sua transformação.
Assim como na pesca, no extrativismo da mangaba os saberes são transmitidos de
geração em geração através da oralidade, da observação, da relação com os membros do
grupo e do contato com o recurso natural.

“Ah! Isso foi uma coisa de geração, né! Minha vó que catava que eu via.
Meu pai, também, até hoje cata. E aí fui aprendendo com eles. ” (MC-02, 30
anos, Pontal, 2015)

“ D. I [mãe]. Ah! Desde o ventre dela. [...]. Ela foi quem começou a catar
mangaba e passou pra nós, né?! (MC-05, 46 anos, Pontal, 2015)

“A muié daqui mesmo quando eu cheguei, as amiga. A base de uns trinta


ano. ” (C-32, 61 anos, Convento, 2016)

Os relatos evidenciam o papel fundamental que as mulheres desempenham na


reprodução social do grupo ao cumprir as primeiras cerimônias de apresentação das atividades
que instituem o seu modo de vida. É sabido que os homens também participam no processo
de socialização; porém, transmitem os saberes relacionados às práticas que desenvolvem na
comunidade, o que sob a ótica de gênero reforça representações associadas a pesado e leve,
público e privado (MOTA; SANTOS, 2008), quer dizer, a hierarquização do masculino acerca
do feminino.
No tocante às características botânicas e geográficas da mangabeira, verifica-se que é
uma árvore nativa do Brasil, de médio porte (2 a 10 metros de altura), copa irregular, tronco
tortuoso, rugoso e áspero. Ela produz flores de coloração branca, frutos do tipo baga com
exocarpo amarelo contendo manchas ou estrias avermelhadas e possui um látex conhecido
como “leite de mangaba” (SILVA JÚNIOR, 2003; LIMA; SCARIOT, 2010). Ocorre
naturalmente em locais de vegetação aberta associado ao bioma caatinga e cerrado, sendo
também encontrada nos tabuleiros costeiros e baixada litorânea nordestina.
No Nordeste, desenvolve-se em solos de baixa fertilidade natural, ácidos, profundos e
de textura arenosa, em áreas com temperatura média anual entre 24 e 26ºC, pluviosidade entre
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750 e 1.600 mm anuais, e consegue tolerar períodos de déficit hídrico, conforme assertivas de
Silva Júnior (2003).
Palavra de origem tupi-guarani, mangaba significa coisa boa de comer. É um fruto
saboroso e nutritivo, podendo ser consumido in natura e processado sob a forma de polpa,
sorvete, licor, geleia, bolo, biscoito e doce. Possui uma boa aceitação comercial no Nordeste e
é utilizada principalmente na fabricação de polpas, sorvetes e sucos (MOTA et al., 2011).
A floração e frutificação da mangabeira diferem de um ano para o outro, entre as
plantas de locais diferentes ou de um mesmo local (LIMA.; SCARIOT, 2010). Entretanto, em
Indiaroba a produção está concentrada em dois períodos: safra de verão, que corresponde aos
meses de dezembro a abril, e a safra de inverno, que se estende de maio a junho,
esquematizados na figura 25.

Figura 25 – Calendário do ciclo da mangabeira em Indiaroba

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017); adaptado de Mota et al. (2011).


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“[...]. Ela começa agora em dezembro e vai até o mês de junho aí torna a
parar de novo. Pega no verão e no inverno [...]. ”
(C-32, 61 anos, Convento, 2016)

“Começa em dezembro até a quaresma [a colheita da mangabeira]. ”


(MC-33, 38 anos, Convento, 2016)

“Aí, vê no tempo da chuva aí para. Ela [mangabeira] não gosta de chuva.


[...] Do tempo da quaresma que elas gosta, que é tempo bem quente, né! Aí,
vem tempo de chuva (março, abril, maio, junho) aí elas caem mais, cai a
folha, ficam feia. Aí, quando chega em agosto de novo aí elas torna a folhar
de novo. (MC-49, 54 anos, Preguiça de Baixo, 2017).

A associação das fases da planta ao calendário católico (e.g, a quaresma como período
de transição entre o tempo quente e o tempo chuvoso, marcando o fim da safra de verão) e a
referência de inverno/verão a tempo chuvoso e seco, de modo igual à pesca, foram pontos
expressivos verificados nas narrativas das catadoras.
O período de maior coleta corresponde aos meses do verão, em que é extraída a
mangaba de verão, considerada de qualidade superior por apresentar uma coloração
amarelada e pintas vermelhas, e por ser mais doce e sem manchas, sendo preferida para a
comercialização. No outono-inverno, por causa da elevação da umidade e da pluviosidade, a
mangaba apresenta manchas mais escuras que interferem na coloração dos sucos, sorvetes e
polpas. Nesse período, tem-se a “mangaba- de-cachorro”, fruto que apresenta um dos lados
apodrecidos e com sabor amargo, como relata MC-10 do povoado Pontal e C-32 do povoado
Convento ao diferenciar o fruto no verão e no inverno (Figura 26):

“[...] no mês de junho a gente para, porque no mês de junho sempre é


aquelas mangabinhas que a gente chama de mangaba-de-cachorro. É umas
mangabas vermelhada. Aí mangaba-de-cachorro dá assim: de um lado tá
bom e o outro ruim. Aí chama mangaba-de-cachorro. [...] que do outro tá
aquele ladinho feio, duro e com gosto diferente. O lado que tá são tá
bonzinho, gosto normal de mangaba. ”(MC-10, 35 anos, Pontal, 2015).

“[...] agora a mangaba é uma, no inverno a mangaba é outa. É feia, é


pintada, não é doce. Agora essa do verão é a mangaba que faz fazer a
pessoa chupar ela que é docinha amarelinha, mas no inverno não. ”
(C-32, 61 anos, Convento, 2016)
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Figura 26 - Catadora apresentando a mangaba de inverno, popularmente conhecida como


“mangaba- de- cachorro”.

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).

Para a retirada do fruto, utilizam o gancho confeccionado com uma vara e arame na
extremidade, como explica MC-02 (Figura 27 A). Às vezes sobem nas árvores ou solicitam ao
filho menor que o faça para que os galhos não sejam quebrados. Este é responsável também
por recolher as mangabas do chão, por ser mais habilidoso e obter uma maior quantidade de
frutos, contribuindo dessa maneira para aumentar a renda familiar.

É o gancho, [...] o tradicional, a vara, né! O pau que a gente tira no próprio
mato, mesmo. [...]. Mas, os paus mais usados é o pau de cabatana. A
cabatana que é uma madeira que é reta. Raramente, ela entorta. Então, aí,
como tem que ter uma vara reta, fina, né! [...]. Aí, bota um ferrinho. Um
ferro entortado, né?! Assim, estilo gancho, mesmo. Amarra. Aqui a gente
usa assim. Têm comunidades que o gancho é feito do próprio pau, porque
tem pau que nasce já assim, né?!” (MC-02, 30 anos, Pontal, 2015)

Em relação ao reconhecimento dos frutos propícios à colheita, as catadoras


classificam-nos com base na maturação em dois tipos: frutos “de caída” ou de queda, que são
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os maduros e colhidos do solo, e “de vez”, que correspondem aqueles que não completaram a
fase de maturação e são colhidos com o gancho ou quando as extrativistas sobem na árvore.

Figura 27– Catadoras em área de extração da mangaba

27B

2A

2A
27A
2A

2A
27C

2A

2A

2A

27D 2A
27E

A) Catadoras com o gancho utilizado na coleta da mangaba. B) e C) Marcas na mangabeira deixadas após
a retirada do látex. D) e E) Catadora explicando as 2Afinalidades da casca e da folha da mangabeira
2A na
medicina popular.
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017). 2A
2A

as assertivas de Ramalho (2004), que2Areitera


Os trechos acima citados coadunam com2A
a constituição dos saberes locais na interligação
2A das práticas subjetivas e objetivas
2A que

moldam a vida das populações tradicionais e revelam particularidades sociais. O autor


acrescenta que o saber local representa o patrimônio de uma população e inscreve-se como
expressão simbólica e material de um determinado grupo social, a partir do seu jeito de ser,
estar e ver o mundo, no qual se encontra inserido (ibid, p.1).
Ainda acerca do manejo das mangabeiras, as catadoras informaram medidas que são
fundamentais para uma safra mais produtiva e para a permanência da atividade, apesar de
ressaltarem que a planta não necessita de muitos cuidados. Os principais cuidados citados
foram: identificar os frutos propícios para colheita, manusear os galhos de forma que não os
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quebrem, não derrubar as flores; ter cuidado ao tirar o látex, denominado popularmente como
“leite da mangaba”; respeitar o ciclo natural da planta, limpar as áreas próximas as raízes das
mangabeiras, retirando as ervas daninhas; não queimar as árvores e nem cortá-las.

Cuidado na hora de tirar pra não quebrar os galhos, na hora de tirar pra
ver qual é a mangaba que tá “de vez”, qual é ainda não tá boa de tirar, né!
(MC-02, 30 anos, Pontal, 2015)
“Isso aí é o que eu não sei responder, porque nois não faz nada com ela.
Pode fazer na limpeza [...]. A gente planta a mandioca. Planta até perto
dela. Aí, aquele adubo espaia assim pra ela. Aí, ela carrega mais. A limpeza
é da gente limpar o pé dela, o plantio, limpar o terreno. Adubar e plantar. ”
(C-32, 61 anos, Convento, 2016)

“A gente dá um tainho na mangabeira [para a retirada do “leite de


mangabeira”]. Não pode aprofundar muito para num acidentar a
mangabeira. Pega um facão dá um tainho se não ela morre. ”
(MC-06, 49 anos, Caminhada transversal, Pontal, 2016)

Além do fruto, as comunidades investigadas utilizam outras partes da mangabeira em


práticas voltadas para a cura de determinadas enfermidades, isto é, para serem aplicadas na
medicina popular. Segundo as inquiridas, o “leite da mangabeira” quando diluído em água é
indicado para gastrite, úlceras, pancadas e inflamações; a folha seca é utilizada em forma de
chá no combate a cólica menstrual, artrose, osteoporose e diabetes; a casca possui propriedade
adstringente e a madeira é utilizada como lenha (Figura 27B, C e D).

“Essa folha seca, assim que cai no chão, o pessoal pede muito pra fazer chá.
Minha fia, serve pra tanta coisa. [...] as folhas serve pra essas doenças que
dá nas pernas: ostoporose, astrose. É! Diabete. Até diabete!”
(MC-06, 49 anos, Caminhada transversal, Pontal, 2016)

“Serve pra qualquer tipo de doença. Até o câncer, selve!” [Sobre o leite da
mangaba]. (MC-50, 40 anos, Caminhada transversal, Pontal, 2016)

No transcorrer da discussão sobre os CET, observa-se que eles representam a intensa


relação que as (os) extrativistas estabelecem com o ambiente, correspondendo ao elo material
e simbólico que se delineia na relação população tradicional e natureza, o continuum,
destacado no início da discussão. Deste modo, para a existência dos saberes locais torna-se
essencial o contato direto com o que funda a identidade territorial e cultural desses povos, ou
seja, a vivência nos espaços de extração e o manuseio dos recursos naturais locais, pois “a
destruição do hábitat natural da comunidade será secundada pelo seu desaparecimento como
sistema cultural e vice-versa, pois um sem o outro é insustentável” (DIEGUES, 2000, p. 172).
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4.2 Cartografia participativa como estratégia de mapeamento dos fenômenos sociais


em comunidades extrativistas de Indiaroba

A ideia de cartografia está relacionada à necessidade que o homem possui de criar


formas múltiplas de interpretar a sua realidade, bem como a de dominar o espaço. Nos anos
de 1970-80, a representação do espaço esteve sob o domínio do Estado; empresários e grandes
capitalistas que tinham como finalidade o mapeamento das riquezas para sua exploração e
consequente obtenção de lucro. O mapeamento estava organizado de forma a atender os
interesses públicos e privados, sendo produzidos por técnicos especializados. No entanto,
surge um outro tipo de ator interessado na representação do espaço, sujeitos dependentes
destes territórios para manutenção da sua condição de existência, que passaram a se
instrumentalizar, buscando ecoar a sua voz nos espaços de tomada de decisão.
As primeiras experiências de mapeamento participativo ocorreram em 1970, quando
grupos indígenas foram convidados por entidades ambientalistas a participar da elaboração da
sua cartografia. No entanto, somente nos anos de 1990 é que essa proposta é disseminada em
todo o mundo, criando redes de mapeamento participativo (ACSELRAD, 2008; 2014).
Tal mapeamento caracteriza um momento histórico em que o conhecimento ambiental
e espacial, as vivências das populações locais são levadas em consideração na produção de
uma cartografia da fala, em que grupos invisibilizados, a exemplo das marisqueiras,
pescadores e das catadoras de mangaba, passaram a apresentar a sua pauta reivindicatória e
suas potencialidades através da representação dos seus territórios vividos.
De acordo com Gorayeb e Meireles (2014), no Brasil o conceito de cartografia social
surgiu com o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, no início da década de 1990,
coordenado pelo professor Alfredo Wagner. Depois se estendeu para as demais regiões
brasileiras, com destaque para área rural. Do período de 1992 a 2012, com base em Acselrad
(2013), foram identificadas no Brasil 284 experiências de cartografia social/mapeamento
participativo, a maior parte delas diz respeito a lutas por reconhecimento territorial (42%) e
projetos etnoecológicos ou de manejo ambiental (38%) protagonizadas por grupos étnicos
(44%) e extrativistas (20%).
Acselrad (2013) esclarece que a cartografia social consiste na apropriação das técnicas
e modos de representação cartográficos modernos por grupos marginalizados historicamente
das tomadas de decisão. Ele enfatiza ainda que a cartografia social evidencia as disputas
epistemológicas por meio das quais esses grupos reivindicam formas singulares de conceber e
representar o território através de técnicas convencionais da cartografia em sua ação política.
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A cartografia social confere um caminho trilhado a partir do olhar de quem conhece o


território, aliando as técnicas convencionais da cartografia com os elementos que têm
significado para o grupo social. Essas perspectivas revelam uma representação espacial que
vai além dos aspectos físicos, mas que abarca as relações construídas entre os atores e com o
meio, suas memórias e a autonomia comunitária. O grupo social passa a conhecer e
representar de forma sistemática a dinâmica local, sendo transformado no processo. A
cartografia que até então servia para a sua espoliação, passa a ser instrumento de luta por
demarcação de terra e pelo reconhecimento da sua identidade, dos seus territórios.
Como explicita Gorayeb e Meireles (2014), a ocupação do território sob o prisma da
cartografia social é algo gerador de raízes e identidade. Desse modo, o grupo deve ser
compreendido a partir do seu território, posto que a identidade sociocultural das pessoas está,
invariavelmente, ligada aos atributos da paisagem. O território das comunidades tradicionais
caracteriza-se por sua ligação ao campo simbólico e não simplesmente por relações de poder,
propriedade ou controle político da hegemonia econômica circundante. Os seus territórios de
vida são o ponto de partida para o mapeamento coletivo e, sendo assim, representá-los
significa retratar a história, o pertencimento à terra, os rituais, as vivências, as lutas, as
práticas: a sua imagem coletiva.
No entanto, a cartografia social possui limitações, dado que desvela entraves ao
representar o conhecimento tradicional de forma holística, devendo haver um esforço por se
compreender e incorporar as múltiplas formas desses grupos se definirem e figurarem o
próprio ambiente (ACSELRAD, 2013).
Além da dificuldade apresentada, é importante esclarecer que no mapeamento social a
ideia de dinamicidade do mapa é uma característica fundamental para o entendimento das
transformações que ocorrem nas comunidades representadas, pois como ressalta Gorayeb
(2014), o mapa não é algo fechado, mas um processo que está em construção permanente,
assim como a realidade.
Na construção do mapa social, é importante atentar-se para quem irá mapear. Acselrad
(2013) sublinha que muitas vezes são atores externos (ONGs, entidades ambientalistas,
antropólogos) que convidam as populações para participar da elaboração de seus mapas.
Porém, a forma como a participação ocorre tem sido questionada pelos próprios sujeitos, que
interrogam se devem participar de mapeamentos conduzidos por terceiros e reivindicam sua
autonomia, pois cada vez mais entendem que devem conduzir o processo de mapeamento de
seus territórios.
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Outro aspecto a ser destacado na discussão é o fato de que o mapeamento, na maior


parte, acontece em contextos de conflitos, lutas territoriais e ambientais, questões que levam a
comunidade no processo de cartografar a desenvolver maior capacidade de mobilização, não
só sobre suas áreas, mas também sobre os atores em disputas (ACSELRAD, 2013).
Assim, para que o mapa social possa ser tecido, é fundamental a participação efetiva e
incondicional da população envolvida. Nesse aspecto, é importante ressaltar que as
metodologias utilizadas durante os trabalhos de cartografia social devem conter métodos
participativos de transferência de tecnologia e do conhecimento científico (GORAYEB;
MEIRELES, 2014).
Nesse sentido, através de ferramentas participativas descritas no item 1.3.2 foi
realizado o mapeamento social da pesca e da mangaba22 com a representação de elementos
que compõem o cotidiano e os territórios de vida dos povos investigados.
Na cartografia social, o cotidiano de uma comunidade é apresentado com a visão de
quem vive aquela realidade. Ela aparece como um caminho epistemológico que alia
conhecimento científico e conhecimento local, de maneira a abranger desde os aspectos
naturais aos culturais daquela localidade, a expor os processos de territorialização e identidade
do grupo (GORAYEB; MEIRELES, 2014), a levar a reflexão comunitária acerca dos
problemas territoriais e de gestão dos recursos naturais (MILAGRES, 2011) para impulsionar
a transformação social.

4.2.1 O mapa da pesca artesanal em Indiaroba

A Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, que regulamenta a atividade pesqueira,


define pesca como toda operação, ação ou ato tendente a extrair, colher, apanhar, apreender
ou capturar recursos pesqueiros. Já a atividade pesqueira, indicada no artigo 4 o desta mesma
lei, compreende todos os trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca, os
reparos realizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca
artesanal.
Com base nos conceitos apresentados, entende-se que a pesca abrange uma complexa
cadeia produtiva, não se referindo apenas ao ato de extrair o produto das águas costeiras,
ribeirinhas e lacustres, mas as instâncias de produzir peixes, crustáceos, moluscos, de
transformar/beneficiar e de distribuir/trocar/comercializar. Por essa razão, a pesca “deve ser

22
Para a categorização dos acessos a mangabeira adotou-se a classificação da EMBRAPA (2009).
162
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analisada como um fenômeno social e cultural total que mobiliza energias humanas e animais,
simbologias e estratégias, mitos e lendas”, como sugere Diegues (2004, p. 245).
A pesca artesanal corresponde àquela praticada por um “pescador profissional, de
forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou
mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno
porte” (BRASIL, 2009). Todavia, o conceito de pesca artesanal aqui adotado baseia-se em
Diegues (2005), em que esta é traduzida como atividade desenvolvida por um (a) pescador (a)
cujo modo de vida é fundamentado principalmente na pesca, que aparece como elemento de
organização social da família e da comunidade. Nela, os envolvidos podem exercer atividades
complementares como o extrativismo, o artesanato e a pequena agricultura. A família,
geralmente, é a unidade de produção, incluindo conhecidos e parentes na tripulação. Ademais,
a produção em parte é para a subsistência e em parte para a comercialização.
Em razão de atingir mais de 50% da produção, a pesca artesanal é responsável por
grande parte do quantitativo nacional. Dessa parcela, as regiões mais expressivas do setor são
Norte e Nordeste, pois representam de 75% a 85% do total de capturas, números que indicam
seu peso econômico e social com a participação de milhares de famílias dependentes dessa
atividade para a sua reprodução social (PROST; SILVA, 2016).
Mesmo apresentando-se como esfera significante para soberania alimentar e para
geração de renda de 1.041.96723 pescadores, a pesca artesanal experimenta um processo de
crise que reflete as limitações quanto ao planejamento e à gestão dos espaços pesqueiros; essa
tensão “tem acelerado sua precarização, apesar do processo de lutas de seus trabalhadores e da
reivindicação junto ao Estado por políticas públicas de trabalho e estímulo ao
desenvolvimento do setor” (PROST; SILVA, 2016, p. 40).
No ano de 2016, estavam cadastrados no Sistema Informatizado do Registro Geral da
Atividade Pesqueira (SisRGP) mais de 31.000 pescadores sergipanos; destes, 64% eram
mulheres e 36% homens. Constata-se a presença marcante das mulheres no setor, mas que
ainda não reflete em garantias no exercício da atividade, em razão de apresentarem demandas
em torno da efetivação dos seus direitos.
Em Indiaroba, a pesca emprega mais de 5% da população, o que corresponde a 941
pescadores registrados, conforme dados do Sistema do Registro Geral da Atividade Pesqueira
(SisRGP, 2016). Assim, como na esfera regional e estadual, as mulheres representam o maior
percentual de registro no município, com a participação de 61,99% do total.

23
Total de pescadores artesanais, segundo dados do Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP, 2012).
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Em relação ao acesso à carteira de pescador (a), os (as) inquiridos (as) estão registrados
(as) nas colônias Z-3 (Santa Luzia Itanhy), Z-4 (Estância) e Z-11 (Indiaroba). A colônia Z-4
apresenta o maior número de pescadores (as) cadastrados (as) com 46,1% dos sujeitos
investigados. No campo, foi observado que 20,5% das (os) entrevistadas (os) não possuíam a
carteira de pescador (a), mesmo desenvolvendo a atividade há anos. Verificou-se que a média
de tempo de serviço dos que desenvolvem a pesca nas localidades estudadas é de 30,1 anos,
variando entre 11 anos (menor tempo de serviço) e 61 anos (maior tempo de serviço); no
entanto, não conseguem ter acesso ao registro. Outro ponto identificado no campo refere-se à
interrupção prolongada no cadastramento inicial dos pescadores, posto que já são três anos
desde o último, o que tem levando ao desenvolvimento da atividade de forma irregular.

“Hoje ainda tá pior, porque o que acontece, nós temos três anos, faz agora
que existiu o registro inicial. Se tiver um pescador, vinte pescador, qualquer
um que precise de uma carteira não tem onde tirar que a SEAP não emite.
[...] Há três anos que vem fazendo malandragem com o que é do
pescador.”(presidente da colônia Z-4, 69 anos, Estância, 2017)

Sobre a expressividade da pesca artesanal estuarina e marinha em Sergipe, dados


revelam que no ano de 2014 gerou, aproximadamente, 50 milhões de reais para a receita
estadual, indicando uma participação significativa na constituição da renda e de alimentos das
populações locais. Deste montante, Indiaroba contribuiu com R$ 1.949.371,99, apresentando
a pesca estuarina a maior parcela da produção (ARAÚJO et al., 2016).
A partir dos dados apresentados, o estudo foi direcionado para a análise da pesca
estuarina, por ser mais frequente entre os pescadores. Identifica-se no valor total da produção
referida as espécies extraídas no mangue, cuja discussão será delineada no próximo capítulo,
por ser um espaço explorado predominantemente pelas mulheres.
As pescarias estuarinas desenvolvidas em Sergipe regularmente são diárias, com raras
exceções para aqueles que realizam viagens de até dois dias (CEPENE, 2007). Em grupo ou
individualmente, para chegar aos pontos de pesca, os pescadores utilizam embarcações
simples, do tipo canoa (barco) propelida a remo ou a motor de rabeta, e/ou utilizam
motocicletas, carroças e/ou caminham até as áreas de embarque/desembarque pesqueiro que
eles denominam de portos (Figura 28). Nota-se que, devido aos problemas ambientais, os
pescadores, sobretudo as marisqueiras, estão se deslocando para áreas mais distantes do seu
local de residência, chegando em alguns casos a percorrerem mais de três horas até o ponto de
pesca.
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Ramalho (2006) afirma que as mudanças nas rotas e nos melhores lugares de pescaria
provocadas pelos fatores externos à pesca (aterro de mangues, crescente e desordenada
urbanização, poluição industrial, carcinicultura etc.) exigem dos pescadores (re)leituras de sua
ação na construção de um novo ordenamento das suas territorialidades, levando-os a buscar
estratégias para sua sobrevivência. Nessa situação, os sujeitos do estudo praticam a atividade
em vários pontos dos rios e manguezais localizados na região, em municípios vizinhos
(Estância e Santa Luzia do Itanhy) e além fronteira, no estado da Bahia (Figura 28).
Nas pescarias, utilizam uma multiplicidade de apetrechos definidos conforme a maré e a
espécie a ser capturada. Nos depoimentos dos pescadores, as principais artes de pesca
utilizadas na captura dos peixes são as redes confeccionadas de náilon de diferentes malhas
(caceia, arraieira, camaroeira, taineira), a tarrafa, a rede de calão, as armadilhas (camboa,
cerco e curral) e anzol (linha de mão e grozeira). Para a extração dos crustáceos, são usadas
redes e técnicas manuais, tais como: rede fina (camaroeira), rede de calão, linha com vara,
braceamento, tapamento, redinha, cochicho, jereré e fisga. Os moluscos são capturados com a
realização de técnicas manuais com o auxílio de gadanho, facão, colher e “dedo de pau”,
sintetizados no quadro 7.
O quadro 7 exibe um conjunto de técnicas e práticas marcadas pela criatividade,
liberdade e resistência, características da arte de pescar e de ser pescador, como aponta
Ramalho (2004), ao afirmar que a capacidade criativa, o refinamento da técnica e toda etapa
produtiva do trabalho do pescador permitem a manifestação de uma arte que funda o ser
pescador. Para o referido autor, pescador é aquele que domina os meios de produção da pesca,
quer dizer, controla a arte de pescar (Figura 29).
As artes de pesca utilizadas na captura de peixes e crustáceos foram, igualmente,
identificadas entre os pescadores do litoral norte da Bahia (COSTA NETO, 2001), da Ilha
Mém de Sá em Itaporanga d’Ajuda (ARAGÃO, 2011) e da Taiçoca de Fora, na Grande
Aracaju (SANTOS, 2012). Nessas localidades, a tarrafa é a mais difundida e de maior número
entre os pescadores, diferente das comunidades de Indiaroba em que a rede é apontada com
maior frequência (44,7%, n=38) nos depoimentos dos sujeitos da pesquisa. No que tange aos
apetrechos utilizados na coleta dos crustáceos e moluscos, também foram percebidos nas
comunidades citadas; porém, a fisga utilizada na captura do siri somente foi verificada em
Itaporanga d’Ajuda.
16 5
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

Figura 28 - Pontos de pesca no estuário Piauí-Real/Indiaroba-SE


16 6
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

Quadro 7 – Principais artes de pesca utilizadas pelas (os) pescadoras (es) em Indiaroba: descrição, pontos de pesca e espécies capturadas
Pontos de pesca24/
Arte de pesca Descrição
Espécies capturadas
Funciona de forma passiva, devido às espécies ficarem retidas na sua malha. Ela pode ficar à deriva da Pontos: 2, 3, 10, 12, 13, 17, 20,
Rede de emalhar embarcação quando a pescaria é de superfície ou ser fixa quando ocorre na meia água e no fundo. As 25 e 38.
(rede de espera redes são de forma retangular e “ficam suspensas na coluna d’água com a parte inferior tocando o Espécies-alvo: tainha, bagre,
ou rede caceia) assoalho, devido à presença de chumbada e a parte superior boiando, graças a boia de isopor” robalo, sardinha, arraia e
(COSTA NETO, 2001, p. 40). camarão.
Pontos: 3, 10, 20, 26, e 38.
Rede confeccionada com náilon de diferentes números que possui chumbo em suas bordas e ao ser Espécies alvos: tainha,
Tarrafa
lançada apresenta um formado de círculo. Ela é muito utilizada na margens de estuários e mar. carapeba, bagre, robalo, curimã
e camarão.
Rede de Calão Rede de arrasto de forma retangular que apresenta um calão de madeira cada extremidade, utilizado Pontos: 2, 4, 10, 14, 15, 18 e 25
ou redinha por dois indivíduos para arrastá-la. Espécies alvos: camarão e siri
Armadilha que utiliza rede de náilon ou esteira de palha piaçava, canabrava (poucas pessoas utilizam
Pontos: 19, 20, 21 e 35
hoje) e vara para cercar o mangue durante a maré morta. As estacas são inseridas no substrato e nelas
Camboa Espécies-alvos: robalo, tainha,
as redes são amarradas. No período em que a maré está na preamar, os camboeiros levantam a rede e
azeiteira, bagre e carapeba
todos os animais que entraram no mangue ficam presos.
Realizado, geralmente, com 3 pescadores e formado com o emprego de rede de náilon com calão e
operado com o uso de embarcação. No processo, um pescador salta segurando o calão e os outros Pontos: 20 e 25
Cerco operando o barco cercam a croa. Existem pescadores que batem na água com o remo ou correntes para Espécies-alvos: tainha, saúna e
espantar os peixes. Em seguida, as espécies reunidas são lançadas na embarcação. Esse procedimento curimã
de bater é considerado predatório.
Armadilha fixa construída dentro dos rios com esteira de 4 a 5 m tecida de timborana e fixada no
substrato. O curral é uma arte antiga, desenvolvida pelos pescadores mais experientes, formado pela Ponto: 19
espia (parede que serve de guia aos peixes) e a boca da entrada (abertura que dificulta o retorno do Espécies-alvos:
Curral
peixe). Tainha, bagre, saúna, pescada e
“O curral é engano na maré. A gente faz aquele desengano pra enganar o peixe. O peixe passa, mas sardinha
não sai. Vê o buraco, a barrazinha de passar, mas não tem como sair.”(P-13, 80 anos, Pontal, 2016).
Pontos: 03 e 20
Engloba os aparelhos de pesca composto por linha, anzol e isca. Quando uma linha está composta por
Espécies-alvos:
Anzol vários anzóis, é chamada de grozeira (espinhel de fundo). Geralmente, são usados para capturas de
Bagre, pescada, xaréu, corvina,
peixes de fundo.
robalo e arraia
Continua
24 P o n t o s e s p a c i a l i z a d o s n a f i g u r a 2 8 .
167
SANTOS, E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

Continuação

Pontos de pesca/
Arte de pesca Descrição Espécies capturadas

Arte manual Corresponde ao tipo de coleta denominada na comunidade de “cochicho”.


(coleta do “Cochicho pega com a mão [...]. Na croa de lama, a gente é andando por dentro d’água e pegando Pontos: 17 e 20
camarão) eles de mão”. (M-12, 48 anos, Pontal).
São utilizadas na comunidade 03 técnicas para a captura do caranguejo: braceamento, tapamento e
redinha. O braceamento ocorre quando o catador introduz o braço na galeria para a retirada do
caranguejo; é considerada a técnica mais antiga. Já o tapamento consiste em tampar com os pés as
Arte manual Pontos: 04, 14, 15, 18, 20, 21 e
galerias a fim de expulsar o caranguejo e capturá-lo. A redinha é confeccionada com fios de nylon
(coleta do 34
brancos desfiados que são amarrados nas duas extremidades.
caranguejo)
“Você tapa ele pra ele subir pra pegar oxigênio, Aí, quando ele [catador] tapa, ele [caranguejo] tá
logo ali próximo. Aí, pega. É que às vezes o buraco é fundo não dá pra o cara tirar no braço. Aí, você
tapa ele. Como sufocar.” (L-01, 33 anos, Terra Caída, 2017)
Arte manual Pontos: 2, 10, 11, 14, 15, 17, 19,
Coletado com o uso de aparelho rudimentar confeccionado com vara, linha e isca.
(coleta do aratu) 20 e 21
Arte manual
Extraído com um instrumento que eles denominam de gadanho; é semelhante a um garfo recurvado Pontos: 2, 10, 11, 14, 15, 17, 19,
(coleta do
que é usado para revolver o solo e coletar o molusco. 20 e 21
massunim)
Arte manual
Retirada das gaiteiras do mangue por meio de faca, martelo ou facão Pontos: 14, 17, 18, 29 e 30
(coleta da ostra)
Extraído com a utilização de vários instrumentos rudimentares: fisga (ou gancho), covo, jereré, facão,
linha com vara e sirizeira.
Arte manual
“É um pau grande [sobre a fisga]. Agora tem um gancho. Aí, você vê o siri andando. Você anda por Pontos: 04, 10, 14, 15 e 30
(coleta do siri)
cima das gaiteira na maré cheia. [...] Aí, você prende a boca dele no gancho. Aí, ali você vai pega
ele.” (M-29, 57 anos, Terra Caída, 2017)
Arte manual Consiste na retirada do molusco utilizando a inserção do dedo no solo lamoso, com a colher ou a partir
(coleta do da confecção do “dedo de pau”. Existe também o “falso” sururu ou sururu de croa que é extraído a Pontos: 14 e 25
sururu) partir do mergulho.
F o n t e: Tr a b a lh o d e ca m p o ( 2 0 1 5 - 2 0 1 7 ).
168
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

A leitura do quadro 7 possibilita ainda o entendimento da dinamicidade do CET, pois


é moldado pelas transformações da sociedade, já que está atrelado às necessidades dos
povos que o detêm. Observa-se a incorporação de novas práticas e tecnologias aos saberes
locais que podem impactar negativamente a reprodução social do grupo e interferir na
manutenção da biodiversidade, caso sejam realizadas de forma a desrespeitar as normas de
regulamentação da atividade pesqueira. Maldonado (1986) denominou esse processo de
atualização da pesca artesanal, caracterizado pelas inovações com a inserção de materiais
sintéticos para a confecção de redes e linhas de pesca, e pela utilização de motores nos
barcos.

Figura 29– Artes de pesca utilizadas pelas marisqueiras e pescadores de Indiaro ba.

29A 29B 29C

2A 2A 2A
2A 2A 2A

2A 2A 2A
2A 2A 2A

29D 29E 29F

A) Tarrafa B) Grozeira C) Fisga e balde empregados na extração de siri e massunim, respectivamente


D) Covos E) Pescadores tecendo rede F) Curral de pesca no Rio Real
2A 2A 2A
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017)

2A 2A 2A
A introdução da rede de náilon é citada por alguns pescadores de Indiaroba como um
2A 2A 2A
marcador de mudanças no espaço da pesca, interferindo na conservação dos estoques
2A
pesqueiros, pois existem 2A 2A
situações em que o uso indiscriminado, a exemplo do emprego de
malhas em tamanhos inferiores ao que é exigido pela legislação, tem causado a predação dos
169
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

recursos através da sobrepesca. Além disso, ocorre o desenvolvimento de técnicas


predatórias como a redinha usada na captura do caranguejo que não permite a seleção por
tamanho e sexo; as pescarias do tipo de bater, realizada com o atrito do remo na água ou de
correntes em rochas presentes no rio para que o peixe emalhe na rede e o tamanho excessivo
das camboas (chegam até 3000m), conforme os relatos dos inquiridos.

“É porque modificou, né! Na minha época, eu era rapaz novo, pegava


mais de anzol, o bagre. [...]. Depois que apareceu a rede de náilon, aí
modificou as pescaria. [...]. É proibido! Mas, nêgo!Rapaz, essa rede é
proibida. Não! Se fosse proibida a fábrica não fabricava esse tipo de rede.
Também o comércio não botava pra vender a gente [sobre a captura de
peixes pequenos]. ” (P-13, 80 anos, Pontal, 2016)

“Captura de espécies abaixo das especificações regulares, peixe pequeno,


caranguejo também pequeno, [...] fêmeas, né! Interrompe o ciclo de
crescimento dessas espécies. Aí capturam, por exemplo, com mallha fora
da regulamentação legal. [...] O tipo de pescaria chamada bate-bate
[sobre as principais infrações cometidas pelos pescadores]. (Representante
do IBAMA, 63 anos, Aracaju, 2017)

[...]. Mas, a que cresceu hoje é a pesca de bater [...]. Tem a ilhazinha.
Chega na ponta daquela ilha, ele passa uma rede de um lado a outro.
[...]ele fica entre a ilha com o remo batendo. Quando bate na água cria um
impacto: o som. O peixe que tiver corre todo pra fora e malha na rede ou
usa uma corrente [...]. [...]. Quando aquela corrente bate numa pedra
embaixo emite um som e não tem peixe que guente. [...]. Aquele peixe que
não malhou não volta mais pra ali. Acaba com os pesqueiros.”
(Representante do Departamento de Pesca de Indiaroba, 39 anos,
Indiaroba, 2017)

Ao dizer que “se fosse proibida a fábrica não fabricava esse tipo de rede e também o
comércio não botava pra vender a gente”, P-13 desnuda uma questão importante na
discussão acerca da lógica de mercado que caracteriza a sociedade contemporânea e o falso
consenso da defesa do meio ambiente, retratado por Prost (2009) ao evidenciar que a
incidência da culpa aos problemas ambientais recai sobre os consumidores finais, quando
existe um sistema de produção que intensifica a dilapidação da natureza e arrasa o modo de
vida dessas populações que a enxerga como uma unidade, não como um amontoado de
recursos a serem explorados. Logo, as populações tradicionais são as mais afetadas por
vivenciarem a erosão do seu patrimônio natural e cultural com a inserção de um modelo
econômico que visa a explotação dos recursos.
Outro ponto revelado refere-se à necessidade que esses povos têm de se reinventarem
em meio as mudanças e continuarem reproduzindo enquanto grupo social, como esclarece
Ramalho (2006):
170
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

“A tradição é recriada e redefinida pelos pescadores na busca para se


inserir as novas condições encontradas, na ação de utilizar novos insumos,
nas formulações de alternativas e em suas escolhas, que transparecem nas
estratégias de reprodução social e que são a base da continuidade da pesca
artesanal [...]” (RAMALHO, 2006, p.125).

O beneficiamento do pescado abarca uma outra etapa desse cenário marcado pela
tradição e reinvenção do modo de vida atrelado à dinâmica da natureza e aos fatores
externos à atividade. Ele corresponde à etapa posterior a captura, na qual os recursos
pesqueiros são tratados para a comercialização. Neste momento, serão apenas enfatizados os
procedimentos relativos aos produtos capturados pelos homens, pois os delineamentos sobre
as atividades femininas serão analisados, notadamente, no próximo capítulo com a
apresentação do mapa social da pesca e da mangaba.
Entre os pescadores entrevistados predomina a captura de peixes, camarão e
caranguejo. O beneficiamento do peixe ocorre de forma simples, quando chega na residência
o pescador com o apoio da família (esposa, filhos, pai, irmão e/ou mãe) ou de algum amigo
lava o peixe e separa em bolsas de 1 Kg para ser armazenado na geladeira. Há aqueles que
colocam em vasilhas plásticas e armazenam ou repassam de imediato para o atravessador. Já
o camarão é lavado, salgado e acondicionado no freezer. O caranguejo não é
beneficiamento, sendo comercializado agrupado em “cordas” compostas por seis unidades.
A divisão dos recursos desembarcados ocorre semelhante ao que Maldonado (1986)
retratou entre os pescadores de Ponta do Mato (PB), podendo ser de forma igualitária, em
que a renda proveniente da venda dos pescados é dividida igualmente entre os membros do
rol de pesca; e a desapartada (nas comunidades eles falam em divisão de três partes), em que
60% é do dono da rede (30% referente a rede e 30% a participação na pescaria), 30% para o
pescador que participou da pescaria e os 10% restantes são voltados para o custeio de
insumos, no caso a gasolina. Há os pescadores que não dividem, por realizarem a pescaria
com a família e a renda ser destinada ao pagamento das despesas domésticas.
Anterior à comercialização, o pescador e a marisqueira retiram uma parcela do que
foi extraído para o consumo familiar e assim realizar a venda. Os preços são variados e
traduzem a condição de dependência, à qual estes sujeitos estão submetidos (Tabela 8). Por
não existir uma política voltada ao fortalecimento da cadeia produtiva da pesca local e uma
organização política efetiva que garanta o preço do produto, eles tornam-se vulneráveis e os
cambistas (atravessadores) fortalecidos. A comercialização dos pescados ocorre em sua
maioria na comunidade ou são repassados para os cambistas (atravessadores). É realizada,
171
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

ainda, nas feiras de outros municípios como Itabaianinha, Umbaúba e Aracaju. Em geral, o
pagamento é à vista e a frequência de comercialização é de 1 a 3 vezes na semana.

Tabela 8 – Preços mínimos e máximos dos principais recursos pesqueiros extraídos nas
comunidades litorâneas em Indiaroba (2015-2016)

Preços (mínimo e máximo)


Recursos Pesqueiros

Tainha R$ 10,00 - R$ 15,00


Robalo R$ 10,00 - R$ 25,00
Carapeba R$ 7,00 - R$ 20,00
Sardinha R$ 2,50 - R$ 7,00
Bagre R$ 2,50 - R$ 5,00
Peixes Arraia R$ 9,00
Curimã R$ 12,00
Pescada R$ 6,00 - R$ 10,00
Azeiteira R$ 25,00-R$ 30,00
Sauna R$ 10,0
Crustáceos Camarão R$ 15,00-R$ 25,00
Caranguejo R$ 4,50 - R$ 8,00 (corda)
Fonte: Trabalho de campo (2015-2016).

O quadro apresentado caracteriza a situação de extrema fragilidade que as mulheres e


os homens da pesca estão susceptíveis cotidianamente. Ele revela uma dependência as
determinações do mercado local ao estabelecer as espécies a serem capturadas para o
atendimento da demanda devido não ter o suporte adequado para a distribuição dos seus
produtos; aponta o descaso dos gestores públicos ao não realizar uma leitura das suas
singularidades para a elaboração de instrumentos que venham contribuir para a sua
qualidade de vida. Logo, mapear a atividade extrativista de forma participativa consiste na
valorização do conhecimento local e na representação democrática do espaço, possibilitando
que as populações construam sua própria cartografia e tenham um conhecimento global
sobre o seu território para pensar em processos de mudanças com a defesa dos seus direitos
para a melhoria da condição de vida e para a proteção do seu patrimônio socioeconômico e
cultural.

4.3 Indicadores de resiliência socioecológica nos territórios da pesca e da mangaba

O modelo de desenvolvimento adotado no país, com investimentos na exploração


intensiva da natureza, tem interferido de forma direta na organização e no modo de vida das
172
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

populações tradicionais, particularmente das pescadoras (es) e catadoras de mangaba, que


abrigam a porção litorânea, espaço de maior concentração populacional, usos e interesses
múltiplos. Estas atividades têm provocado transformações na sustentabilidade da
biodiversidade das paisagens, da qual os povos são altamente dependentes, além do mais,
esse quadro poderá ter como consequência o limiar de transformação do sistema
socioecológico, tornando-o vulnerável às mudanças (FOLKE, 2006).
Os recursos pesqueiros e da extração da mangaba associados às populações que
sobrevivem da sua exploração constituem o SSE, que são sistemas em que há a interligação
entre os processos e componentes socioeconômicos e biofísicos. O conceito do SSE integra
um campo teórico e empírico em que a participação da população na gestão dos recursos é
fundamental para os delineamentos da sustentabilidade. Ele remete à ideia de cadeia em que
as escalas geográficas e temporais, atores sociais, fatores econômicos e condições
ambientais que compõem uma dada região são apreendidos em interação
(BUSCHBACHER, 2014).
O autor supracitado esclarece que o SSE compreende o sistema ecológico que integra
as escalas que vão do recurso explorado (como por exemplo, o aratu, a mangaba etc.) até as
comunidades ou ambientes em que está inserido como o ecossistema, bioma e a biosfera.
Compreende também o sistema social composto pelos atores sociais e suas instituições, os
quais se relacionam com o sistema ecológico, com a sua provisão por meio da extração,
consumo, produção e comercialização dos produtos provenientes do sistema ambiental.
Os SSE, compreendidos por sistemas complexos adaptativos, alternam entre períodos
de ordem e desordem, ou seja, “com possibilidade de múltiplos equilíbrios e mudanças não-
lineares, onde vários caminhos são possíveis e difíceis de prever” (ATHAYDE et al., 2016,
p. 15). Esta visão que tem sido base para o desenvolvimento da resiliência nos SSE foi
propositada no âmbito da Ecologia, nos anos de 1970, quando o ecólogo canadense C. S.
Holling levou a interpretação da resiliência como uma propriedade que modela os ciclos
adaptativos25 ao determinar “a persistência das relações dentro de um sistema e é uma
medida da capacidade desse sistema para absorver mudanças de variáveis de estado e
parâmetros, e ainda persistir” (HOLLING, 1973, p. 17). Neste contexto, a resiliência trata da
capacidade de um sistema de aprender, se auto-organizar e responder a perturbações sem

25
Caracteriza a dinâmica de um sistema complexo sujeito a mudanças. Ele integra quatro fases identificadas
como crescimento ou exploração (r), conservação (K), colapso ou liberação (Ω) e reorganização (α) que
ocorrem de forma lenta iniciada com o estabelecimento do sistema e o seu crescimento gradual (r) com
estabilidade (K) de longa duração; e rápida, acontece com o colapso (Ω) em que os recursos são liberados,
permitindo a reorganização (α) dos ativos acumulados com o estímulo a iniciação de um novo ciclo
(BUSCHBACHER, 2014).
173
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

perder os elementos, estrutura e relações fundamentais que caracterizam seu regime de


existência (ATHAYDE et al., 2016).
Os primeiros estudos de resiliência surgiram nas Ciências Exatas (Física e
Engenharia), a partir do conceito de resiliência de materiais do cientista inglês Thomas
Young (1807). Nessa época, ela correspondia à capacidade de resistência dos materiais ao
choque, às pressões, às forças. Logo, quanto mais resistente o material, mais resiliente era
considerado. Na atualidade, a resiliência corresponde a um campo teórico que vem se
consolidando nas pesquisas de várias áreas do conhecimento, seja na Antropologia,
Geografia, Psicologia Ambiental, entre outras Ciências Sociais e Humanas.
A teoria da resiliência aplicada aos SSE representa a tentativa de gerenciar esses
sistemas através do fortalecimento das suas “capacidades e características que mantêm a
flexibilidade para a sobrevivência, aprendizagem e adaptação durante o processo
imprevisível de mudança” (BUSCHBACHER, 2014, p.12). Ela determina o grau de defesa
ou vulnerabilidade dos sistemas às pressões ambientais externas (ANDRADE, 2011), fator
que possibilita a compreensão da origem e do papel das mudanças nas configurações dos
sistemas.
Sob a perspectiva socioecológica, a resiliência sugere um olhar sobre os atores e as
relações estabelecidas para a identificação dos usos e interesses diversos que provocam
mudanças na paisagem local, fatores que tornam a participação social fundamental para um
projeto de gestão voltada para a sustentabilidade, pois para um manejo sustentável do
ambiente é preciso ter grupos sustentáveis, como atesta Souza (2007, p. 111), ao destacar
que

“Lutar contra a perda da biodiversidade biofísica e cultural das


comunidades litorâneas envolve uma coalisão de elementos capazes de
produzir novas significações de cultura e ambiente as quais, entrelaçadas,
poderão mobilizar capital social existente nas comunidades locais e que
repousa, em grande medida, no uso potencial de suas aptidões e laços
coletivos de pertencimento como dinamizador de novas tramas relacionais
acerca dos usos sustentáveis dos eco-recursos (SOUZA, 2007, p. 111). ”

As comunidades extrativistas, segundo a interpretação da resiliência socioecológica,


devem estar preparadas para lidarem com os distúrbios e tensões provocadas por fontes
externas; além disso, o seu apoio é crucial na redução do estresse e na melhoria do ajuste
entre a pessoa e o meio ambiente. Essa abordagem reconhece a interdependência das
174
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

populações tradicionais com a natureza e a produção dos sistemas caracterizados por alto
grau de complexidade e incerteza (BUSCHBACHER, 2014).
Outra questão a ser levantada é que a análise à luz da resiliência socioecológica
permite a identificação dos atributos que fortalecem as comunidades no enfretamento das
imprevisibilidades e aqueles que conferem vulnerabilidade a mudanças.
Os indicadores de resiliência socioecológica em SEPLS surgem como um conjunto
de ferramentas para a captura dos atributos essenciais que reforçam a resiliência a partir da
compreensão das comunidades locais sobre o estado e as transformações da paisagem.
O termo indicador é originário do latim indicare, que significa descobrir, apontar,
anunciar, estimar (Hammond et al., 1995 apud VAN BELLEN, 2002). A sua aplicação
proporciona a obtenção de informações ou comunicação sobre uma determinada meta a que
se proponha alcançar como, por exemplo, a sustentabilidade da paisagem litorânea.
Para Van Bellen (2002), os indicadores agregam e quantificam informações de
maneira a simplificá-las, evidenciando a sua significância. Destaca que a quantificação deve
ter em vista julgamentos de valor em diferentes níveis e dimensões existentes; outrossim, a
metodologia utilizada deve permitir adaptação a realidade estudada.
A operacionalização do conceito por meio de indicadores é relevante para a
compreensão dos fatores que podem afetar a resiliência dos sistemas socioecológicos; além
de propiciar a identificação das estratégias de conservação desenvolvidas pelas populações
tradicionais investigadas, assim como fornece informações para a tomada de decisão.
Para Souza (2007, p. 45), “os indicadores adequados podem auxiliar no
estabelecimento de agendas mínimas de negociação de conflitos ao facilitar a compreensão
de aspectos complexos do quadro socioambiental de uma área. ”
Segundo Van Bellen (2002), os indicadores têm a necessidade de serem holísticos,
abarcando os aspectos econômicos, políticos, culturais, sociais, ecológicos e outros
envolvidos no tema desenvolvimento sustentável e devem representar as propriedades do
sistema total não apenas elementos e interconexões dos subsistemas. Tais critérios podem
ser identificados no conjunto de indicadores aplicados no recorte espacial de estudo, uma
vez que integram 05 áreas que atendem aos aspectos mencionados.
Em virtude das dificuldades de mensuração da resiliência, por conta da sua
complexidade, os indicadores utilizados aparecem como um caminho possível para a
definição de uma medida geral acerca das suas características, ou seja, para a captura dos
seus atributos essenciais. A escala espacial para sua análise é definida no mapeamento dos
usos e apropriações das populações tradicionais. Nesta pesquisa, ela abrangeu a escala local
175
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

com o olhar investigativo sobre as áreas de pesca e de extração de mangaba da porção


costeira do município de Indiaroba.
Na análise dos indicadores, a participação dos sujeitos de pesquisa foi fundamental,
em razão de contribuírem com observações, percepções e com sua experiência para a leitura
do cenário analisado. As observações locais foram completadas com um conjunto de dados
científicos e estatísticos que ofereceram suporte para uma aproximação daquela realidade
que é tão dinâmica e complexa. Além disso, o presente estudo constitui numa tentativa de
apreensão deste cenário sob um viés novo de se fazer ciência e práxis, estando em fase
exploratória com um longo caminho de redescobertas e apreensões.
No tocante às experiências de investigação utilizando os indicadores de resiliência
socioecológica em SEPLS, são registrados casos em países como a Bolívia, Cuba, Quênia,
Nepal, Uganda, entre outros, que apresentam vulnerabilidades decorrentes das interferências
em suas paisagens. No Brasil, é verificado uma experiência piloto no desenvolvimento de
projetos no âmbito do Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS), Programa
do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF) e do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), cuja área de abrangência correspondeu a municípios do Alto
Vale do Jequitinhonha, semiárido de Minas Gerais. No plano acadêmico, não foram
identificadas experiências com a aplicação dessa metodologia, que pode ser explicado pelo
pouco tempo da sua construção, já que foram reconhecidos no ano de 2010 e testados no ano
de 2012.

4.3.1 Análise dos indicadores de resiliência socioecológica

A aplicação dos indicadores26 ocorreu nos povoados Pontal, Preguiça e Terra Caída,
com a participação de 08 mulheres e 04 homens com idade média de 41,9 anos, que variou
entre 57 anos e 30 anos, idades máxima e mínima, respectivamente (Tabela 9). Eles
atribuíram, de acordo com a realidade vivenciada, uma pontuação aos indicadores na escala
de 1 a 5, representada no quadro 8 através das cores, que classificam os níveis de resiliência
percebidos para cada indicador.

26
Ressalta-se que esta fase da pesquisa não foi desenvolvida em Convento, devido às dificuldades em contatar
pessoas com disponibilidade em participar do processo. Isso pode ser explicado pelo fato de ser a agricultura a
atividade preponderante e/ou pelo estranhamento que, em geral, ocorre no contato inicial numa pesquisa de
cunho participativo, mesmo no caso em questão que utilizou a técnica “bola de neve” para a composição
amostral.
176
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

Tabela 9- Localidades e número de participantes da oficina de avaliação de indicadores de


resiliência socioecológica da paisagem

Gênero Idade
Povoado Total de participantes
M F Média Máxima Mínima

Pontal 05
03 02 41,4 52 30
Preguiça 03
- 03 36,6 44 31
Terra Caída 04
01 03 47,7 57 42
12 04 08 41,9 57 30

Fonte: Trabalho de campo (2017).

Quadro 8 - Escala de pontuação dos indicadores de resiliência


Pontuação
Nível de avaliação
Muito Alta (5)

Alta (4)

Média (3)

Baixa (2)

Muito baixa (1)

Fonte: UNU-IAS; Bioversity International; IGES; PNUD (2014).

Para um detalhamento acerca dos resultados obtidos, optou-se por analisar os 15


indicadores, em suas respectivas áreas, de forma a relacioná-los e ter uma visão global dos
aspectos contributivos para a resiliência e os que tornam o sistema socioecológico local
vulnerável às mudanças, sintetizados na tabela 10 e esquematizados no gráfico 6. Convém
salientar que os dados obtidos na primeira etapa também compõem o mapa da análise.
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Tabela 10- Súmula da pontuação de indicadores de resiliência socioecológica em áreas de pesca e extração de mangaba- Indiaroba/SE
Pontuação média
(Min = P1 + P2... Pn / n)
Indicadores Pontal Preguiça Terra Caída
Áreas
(n=5) (n=3) (n=4)
Diversidade na paisagem 1 Diversidade na paisagem terrestre/ marinha (AD) 3,0 3,0 3,0
terrestre/ marinha e 2 Proteção dos ecossistemas (AP) 1,2 2,0 1,0
proteção dos ecossistemas
(A) 3 Recuperação e regeneração da paisagem terrestre/marinha (AR) 3,0 2,0 3,0
Biodiversidade -incluindo a 4 Diversidade de sistema alimentar local (BD) 3,0 3,0 2,0
biodiversidade agrícola
(B) 5 Gestão sustentável dos recursos comuns (BG) 3,4 2,0 2,0
6 A inovação na agricultura e práticas de conservação (CI) 3,4 1,3 3,0
Conhecimento e inovação
(C) 7 O conhecimento tradicional relacionado à biodiversidade (CC) 3,0 2,0 3,0
8 Conhecimento Feminino (CF) 2,8 1,3 2,0
Direitos em relação à terra / água e gestão de outros recursos naturais
9 2,0 3,0 1,0
Governo e equidade social (DD)
(D)
10 A equidade social - incluindo equidade de gênero (DE) 2,4 2,6 1,0

11 Infraestrutura socioeconômica (EI) 2,8 1,3 1,0


12 Condições ambientais e saúde (EC) 2,2 2,0 1,0
Meios de subsistência e 13 Diversidade de renda (ER) 3,0 2,0 1,0
bem-estar (E)
14 Meios de subsistência baseados em biodiversidade (ES) 2,8 2,0 1,0
15 Mobilidade socioecológica (EM) 3,0 2,0 1,0
Fonte: Trabalh o d e ca m p o ( 2 0 1 6-2 0 1 7).
Ela b or a ç ã o: S A N T O S , E. A., 2 0 1 7.
178
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

Área A- Diversidade da paisagem terrestre/ marinha e proteção dos ecossistemas

Nesta área, foram discutidos indicadores referentes ao mosaico de ecossistemas e


usos identificados na paisagem costeira local, demonstrados no mapeamento participativo,
além dos instrumentos formais e informais de proteção e os aspectos ligados à recuperação e
regeneração da paisagem frente a choques e tensões ambientais.

Gráfico 6- Panorama da resiliência socioecológica em comunidades extrativistas de


Indiaroba

Indicadores de resiliência socioecológica em SELPS


Diversidade na paisagem terrestre/ Direitos em relação à terra / água e
AD-1 DD-9
marinha gestão de outros recursos naturais
A equidade social - incluindo equidade
AP-2 Proteção dos ecossistemas DE-10
de gênero
Recuperação e regeneração da
AR-3 EI-11 Infraestrutura socioeconômica
paisagem terrestre/marinha
Diversidade de sistema alimentar local
BD-4 EC-12 Condições ambientais e saúde
Gestão sustentável dos recursos comuns
BG-5 ER-13 Diversidade de renda
A inovação na agricultura e práticas de Meios de subsistência baseados em
CI-6 ES-14
conservação biodiversidade
O conhecimento tradicional relacionado
CC-7
à biodiversidade EM-15 Mobilidade socioecológica
CF-8 Conhecimento feminino
Fonte: Trabalho de campo (2016-2017).
179
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

A razão para a baixa pontuação ao indicador AP-2, apresentada pelos inquiridos,


refere-se a uma série de mudanças no mangue e na restinga que têm ocasionado a
diminuição do pescado e da mangaba. A respeito da pesca, eles explicitaram que as
principais causas são o aumento do número de pescadores, a carcinicultura, o uso de redes
em tamanho inferior ao permitido, a construção da ponte, o desmatamento, a erosão
marinha, morte do caranguejo e a presença da Petrobras. Já na área de mangaba, eles
afirmaram que isso ocorre por conta do aumento das “cercas”, quebra dos galhos, retirada do
“leite da mangaba”, desmatamento com o cultivo do eucalipto e de coqueiro, loteamentos,
aumento do número de catadoras e diminuição do período de safra.
Das causas apresentadas, o aumento do número de pescadores (11), a carcinicultura
(7), o desmatamento (7) e o aumento das “cercas” (6) apareceram com maiores frequências
de citação entre os entrevistados da 1ª e 2ª fase da pesquisa (Gráfico 7).

Gráfico 7–Frequência de citação dos fatores que provocam mudanças na pesca e na extração
de mangaba em Indiaroba/SE

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).

O aumento do número de pescadores pode ter relação direta com o desemprego.


Neste caso, a pesca “continua sendo um refúgio para aqueles que querem trabalhar pela
primeira vez e não encontram emprego ou são demitidos de empresas” (RAMALHO, 2006,
p. 91).
No que se refere à carcinicultura, estudiosos (PROST, 2009; SANTOS; VILAR;
OLIVEIRA, 2016) discorrem sobre os efeitos negativos que provocam ao ambiente e para
as populações tradicionais por contribuírem para o empobrecimento desses povos e pela
degradação ambiental provocada pela supressão da vegetação, contaminação da água e do
180
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

solo pelo uso de insumos diversos (fungicidas e antibióticos) e pela introdução de espécies
exóticas que acirram a competição e a predação, além da destruição de habitats (PROST,
2009)
Segundo Santos, Vilar e Oliveira (2016), em Indiaroba a carcinicultura é
desenvolvida em 16 propriedades, onde são cultivadas as espécies Litopenaeus vannamei,
conhecida como camarão cinza. Deste total, apenas 06 propriedades possuem licenciamento,
enquanto as demais aguardam as licenças através da ADEMA. Tal situação contribui ainda
mais para os problemas decorrentes desta atividade, em razão da irregularidade que pode
levar ao desenvolvimento de práticas que não atendam às normatizações legais, como foi
citado pelos entrevistados em todas as etapas da pesquisa. Eles relataram o caso da poluição
provocada pelas ações da empresa Lusomar Maricultura Ltda, localizada no município de
Jandaíra (BA), que resultou na supressão da vegetação de mangue, da restinga e na
mortandade de algumas espécies, sobretudo, o caranguejo (Figura 30).

Figura 30 – Atividade aquícola no rio Real

30 A 30 B

30 C

Maricultura São José

A) Bombeamento da água fluvial para o viveiro de camarão. B e C) Viveiros de


camarão da empresa Maricultura São José (a antiga Lusomar Maricultura).
Fonte: Trabalho de campo (2016); Google Eath (2018).
181
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

“Eu digo que é por conta [...] desses viveiro, né! Que [...]essas química,
né! E aí diminui mais o pescado. [...] teve um tempo mesmo que teve uma
mortalidade imensa de caranguejo, de aratu, de tudo [...] por conta dos
viveiro. [Tem muito viveiro aqui, né?] É[...], na Lusomar. Agora [...] que
diminuiu mais. [...]”. (M-12, 48 anos, Pontal, 2016)

“Lá no viveiro que tem na Salina botaram droga no viveiro pra matar
negócio de cargel, certo! E prejudicou o sururu, né? Quem ia catar
chegava lá e via tudo aberto”. (M-51, 49 anos, Oficina de indicadores de
resiliência, Terra Caída, 2017)

Os inquiridos informaram, ainda, que não existe uma fiscalização efetiva por parte
dos órgãos ambientais (IBAMA e ADEMA) para minimizar as ações degradantes. Destacam
que a inspeção só ocorre no período do defeso e assim sentem-se desprotegidos.

“Só faz fiscalização no tempo do defeso, que é pra gente não tá pegando o
pescado. ” (MC-48, 34 anos, Oficina de indicadores de resiliência,
Preguiça de Baixo, 2017).

No caso da extração da mangaba, o desmatamento está relacionado à reestruturação


do litoral sul, com a construção de eixos indutores de ocupação como pontes, e revitalização
de estradas, a carcinicultura, a monocultura etc. Já o aumento do cercamento das terras
ocorreu quando as mulheres passaram se mobilizar enquanto grupo social para conquista de
direitos.
No geral, as (os) extrativistas acreditam que os sistemas socioecológicos podem
recuperar-se, mas que isso dependerá da frequência e tamanho das agressões.

“Se for um choquezinho consegue. Agora se for um choque continuativo, aí


não tem quem guente”. (PC-02, 30 anos, Oficina de indicadores de
resiliência, Pontal, 2017)

Se recupera! Agora demora muito. [...]. Porque ela [a natureza] não se


recupera em aceleração. [...] quer dizer, vai aos poucos se recuperando.
Mas, se nós formos cortando novamente, aí é que demora mais ainda. (M-
30, 42 anos, Oficina de indicadores de resiliência, Terra Caída, 2017)

Os relatos demonstram a necessidade do conhecimento relativo aos estoques dos


variados habitats naturais e das características dos eventos que provocam a sua
transformação, para que ações sustentáveis sejam desenvolvidas, pois a diversidade
biológica é uma propriedade essencial para o equilíbrio da natureza.
182
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

Área B- Biodiversidade (incluindo a biodiversidade agrícola)

Para Diegues e Arruda (2000), a biodiversidade não é só um produto da natureza,


mas também uma construção cultural e social, sendo as espécies vegetais e animais
percebidas de várias maneiras pelas sociedades através do uso, conhecimento, mercadoria
etc. Com base em tais premissas, foram avaliados os indicadores da área B que demostraram
as melhores médias quando comparados aos das demais áreas.
Diversidade de sistema alimentar local (BD-4) e gestão sustentável dos recursos
comuns (BG-5) expressaram pontuações muito próximas, estando entre os níveis de baixa
resiliência (2,0) e média resiliência (3,0). Nesta área, Pontal aparece como a comunidade
com melhor desempenho no tocante aos fatores contributivos à resiliência, uma vez que
apresenta pontuação média no valor de 3,0 nos dois indicadores analisados. De modo
contrário, aparece Terra Caída, com a menor pontuação (2,0) da área, em virtude de terem
limitadas fontes de alimentos e rendimentos, por dependerem exclusivamente da pesca e do
extrativismo vegetal. Essa situação é comum para todas as comunidades, apesar de alguns
desenvolverem a agricultura de subsistência e praticarem a caça a animais silvestres, mas a
maior parte das mercadorias utilizadas para o provimento familiar tem origem externa, o que
pode ser explicado pelo caso das (os) extrativistas não possuírem a propriedade da terra, o
que impossibilita o cultivo de alimentos.

“A gente aqui não produz nada. Até porque não tem. Se a gente hoje a
nossa maior luta é pela questão de território é porque, já diz tudo: não
tem! Não tem onde plantar um arroz, um feijão, uma mandioca pra fazer
farinha. Até as casa de farinha que tinha, hoje não tem mais nenhuma. ”
(MC-02, 30 anos, Oficina de indicadores de resiliência, Pontal, 2017)

No tocante à gestão sustentável dos recursos comuns, é identificado nas comunidades


o desenvolvimento de regras construídas no cotidiano que orientam as práticas locais e que
contribuem para a manutenção da biodiversidade. Uma delas é que todos podem catar
mangaba, mas é preciso atenção durante o processo para não prejudicar a planta e a safra
seguinte. Dessa maneira, a preservação da mangabeira representa a principal prática de
gestão.
Eles têm noção de que a utilização dos recursos deve acontecer com parcimônia para
que não haja o seu esgotamento. Entretanto, essas populações têm passado por processos de
mudanças que interferem na sua relação com o meio, ocasionando a exploração intensiva
dos recursos naturais, o que justifica a baixa pontuação (2,0) deste indicador em Terra Caída
183
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

e na Preguiça. As transformações têm relação direta com o indicador AP-2, devido à


ausência de instrumentos legais que venham a proteger os elementos que caracterizam o
modo de ser do grupo.
As (os) extrativistas expuseram que muitas localidades estão sendo arrasadas com a
construção de empreendimentos imobiliários. Elas trouxeram à discussão a construção do
condomínio clube, empreendimento com mais de 1 milhão de metros quadrados que está
sendo construído na rodovia SE-100, nas proximidades do Povoado Terra Caída. São 711
lotes que variam de 400m2 a 700m2 e 55 mil m2 referentes a atrativos como decks de
contemplação a lagoa, rampa de acesso dos barcos ao rio Coqueiro, sauna, quadra de tênis
etc.

“Aí, no caso do desmatamento pela construção de uma grande obra que


tão fazendo aqui. [...] perto da entrada, do trevo. [...] Ali tá acontecendo
todo o desmatamento. Aquela floresta ali foi toda desmatada. ” (M-30, 42
anos, Oficina de indicadores de resiliência, Terra Caída, 2017)

Para as comunidades, a obra apresenta uma mudança de percurso, pois acreditam que
perderão mais um trecho de área de pesca e de coleta de mangaba, com a proibição do
acesso a antigos caminhos, o que acirrará ainda mais os conflitos existentes, tornando-se um
impeditivo da gestão sustentável dos bens comuns e da resiliência dos sistemas
socioecológicos, pois a situação apresentada nega os seus direitos territoriais.
Desse modo, a exploração intensiva dos recursos, aliada à redução das áreas de
extração traduzem a necessidade de adoção de medidas de cogestão adaptativa que levem à
colaboração entre os diferentes tomadores de decisão desde os usuários locais às
organizações internacionais (FOLKE, 2006), buscando de forma conjunta conhecer e
diagnosticar as potencialidades, fragilidades e tendências do território para a projeção de
cenários futuros alternativos (OSCAR JÚNIOR, 2015). A gestão adaptativa centra na
promoção da aprendizagem através da partilha de conhecimento dos diversos atores
envolvidos para a melhor tomada de decisão, no que se refere ao desenvolvimento de
soluções, o que também conduz a maior disponibilidade para experimentar e correr riscos
(SIMONSEN et al., 2015?).
Na área de estudo, o estímulo à gestão adaptativa participativa possibilitaria o
reconhecimento da propriedade comunitária dos recursos, a valorização do conhecimento
local na compreensão dos sistemas socioecológicos e na tomada de decisões frente às
incertezas e, consequentemente, minimizaria os conflitos e fortaleceria a resiliência.
184
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

C) Conhecimento e inovação

Dado que os sistemas socioecológicos estão sempre em evolução, as populações


reforçam a sua resiliência à medida que investem na experimentação, inovando e
aprendendo dentro das diferentes formas de conhecimentos e faixas, ou seja, revendo os
conhecimentos existentes a fim de possibilitar adaptação a mudanças e aos métodos de
gestão (SIMONSEN et al., 2015?).
A introdução de novas práticas, aliada ao conhecimento local e feminino sobre os
recursos, a biodiversidade e os acontecimentos que moldaram a paisagem podem contribuir
para a conservação, como também para tomada de decisões que venham reforçar a
resiliência.
Na apreciação das pontuações médias referentes aos indicadores desse grupo foi
verificado a sua homogeneidade quando analisados em conjunto. Todavia, no diagnóstico
por comunidade constatou-se que a Preguiça exibiu as menores médias para os três
indicadores do bloco (CI-6, CC-7 E CF-8), oscilando entre o nível muito baixo (1,0) e baixo
(2,0); destaque para Pontal, que mostrou as maiores médias da área, que foram 3,4, 3,0 e 2,8
para a inovação na agricultura e práticas de conservação, conhecimento tradicional e
conhecimento feminino, nesta ordem. Outrossim, ao indicador CF-8 foram atribuídas as
menores pontuações, possivelmente pela existência de espaços interditos à participação
efetiva da mulher, quer dizer, aqueles que envolvem a tomada de decisão.
O fato de o indicador CI-6 ser pontuado com a maior nota em Pontal tem referência
com a organização das mulheres frente às demandas locais, maiormente as da mangaba e da
pesca. Essa organização é refletida na criação da ASCAMAI e de outras organizações
coletivas no estado voltadas as suas pautas de luta, na participação de cursos de capacitação
para produção coletiva de alimentos, cultivo e plantio de mudas para o reflorestamento,
projetos que resultaram na implantação de unidades de beneficiamento do fruto que utiliza
processos de produção tradicional e de tecnologia social, a exemplo do secador solar, uma
estufa construída com madeira, metal, vidro e plástico que proporciona a desidratação de
produtos agroflorestais.
Apesar da mobilização voltada à organização política na luta por melhorias das
condições de trabalho e garantia de direitos, nota-se um número reduzido de mulheres
associadas, o que pode justificar a baixa pontuação nas outras comunidades. Segundo a
tesoureira da ASCAMAI, a dificuldade em inserir as pessoas está na urgência de
rendimentos para o abastecimento doméstico. Ela relata que a baixa participação reflete nas
185
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

ações relativas a coleta e nos baixos rendimentos, pois aquelas mulheres associadas possuem
uma sensibilização quanto ao manuseio cuidadoso da árvore e a importância da união para a
luta do grupo.

“É um trabalho de formiguinha [...] que a gente vai fazendo uns com os


outros até chegar. Então, eu digo é hoje 40% já tem uma conscienciazinha,
né! Mas, ainda precisa trabalhar muito, principalmente para poder inserir
as pessoas na associação” [sobre a extração sustentável]. (MC-02, 30
anos, Pontal, 2015)

No tocante à transmissão de conhecimento, relatam a resistência dos jovens em


participar do extrativismo, possivelmente por conta da introdução de novas práticas
relacionadas ao turismo. Outro fator que contribui para a perda de conhecimento tradicional
é a migração dos jovens para áreas urbanas com a finalidade de trabalhar e/ou estudar. Sobre
as tradições, elas expuseram o desaparecimento de algumas manifestações culturais, devido
às interferências externas. As extrativistas do povoado Preguiça informaram que festas como
a de São João, as brincadeiras de roda e o reisado já não fazem parte do calendário cultural
na localidade. Elas relataram que a escola, de forma esporádica, aborda essas tradições;
apresentam como sugestão o registro das canções para que não caiam no esquecimento. Em
Pontal, enfatizaram que a religiosidade é forte; porém, as manifestações culturais tendem à
depleção.
Como foi enfatizado na discussão sobre os saberes femininos, as mulheres possuem
um papel relevante na socialização da atividade, apresentando-se como as guardiãs dos
saberes locais. No entanto, para as extrativistas o conhecimento ecológico que apresentam
não é reconhecido perante o grupo; declaram que a valorização é percebida em outros
lugares, mas que nas suas comunidades há uma resistência quanto a sua contribuição para
gestão local através da sua percepção dos ecossistemas manejados. Os relatos esclarecem as
desigualdades que permeiam estes espaços, marcadas pelas hierarquizações que levam a
depreciação dos elementos tido como femininos.
Em síntese, os indicadores revelam a necessidade de investimentos em processos de
aprendizagem que valorizem os CET com a introdução de ferramentas que contribuam para
a auto-organização do sistema socioecológico, ou seja, com maior investimento em
educação e cursos de capacitação ocorrerá a promoção da resiliência desse sistema.
186
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

Área D- Governo e equidade social

Desigualdades de gênero, exclusão e marginalização são aspectos que fragilizam a


resiliência socioecológica, haja vista que é preciso ter acesso aos recursos que moldam as
práticas cotidianas e desenham a identidade do grupo social. Ademais, essas populações
devem ter oportunidades de acesso à educação, à informação e à tomada de decisões justas e
equitativas a fim de sanar os conflitos em torno da apropriação dos recursos e estimular a
participação social.
Na análise geral da área D (Tabela 10), percebem-se médias semelhantes entre os
indicadores; entretanto, em Terra Caída eles foram pontuados com os menores valores, ao
passo que a Preguiça apresenta as maiores pontuações, notadamente no indicador Direitos
em relação a terra/água e gestão de outros recursos marinhos (DD-9), que foi pontuado
com média 3,0. A justificativa para tal panorama é o fato de que nesta localidade predomina
entre as extrativistas, participantes da análise, aquelas que possuem sítios próprios, ao
contrário de Pontal e Terra Caída, que apresentam dificuldades no acesso aos recursos, como
já foi explicitado.
O acesso ao território é um dos pontos reivindicatórios dessas populações e o seu
impedimento tem contribuído para acirrar os conflitos e a degradação socioambiental. O
Estado exerce um papel de destaque nesta configuração, pois nega a existência dos sujeitos,
a história dos seus lugares e suas formas de vida ao implementar ações que inviabilizam as
suas práticas e não reconhecem os seus direitos de acesso aos recursos.
Além do acesso aos recursos, é necessária a participação equitativa dos gêneros para
que o gerenciamento destes ocorra de modo adequado, pois o que se vivencia é a opressão
das mulheres com a limitação do acesso aos direitos, poder e controle dos recursos
(GARCIA, 2007). Nesses termos, a equidade implica na oferta de oportunidades e
tratamentos iguais para homens e mulheres, levando em consideração as especificidades
quanto a sexo, gênero, classe, etnia, religião, idade, para que ajustes possam ser realizados a
fim de garantir que todos tenham o mesmo alcance na efetivação dos seus direitos.
O indicador Equidade social, incluindo equidade de gênero (DE-10) foi pontuado
entre os níveis baixo e muito baixo, o que pode ser explicado pelos desmontes que o setor
pesqueiro vem atravessando com a dissolução dos direitos da categoria, com a falta de uma
política que estimule o setor e ampare o (a) pescador (a) em termos de um ordenamento
participativo da atividade. Nos últimos anos, o cenário tem sido favorável à aquicultura, que
187
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

remete a uma produção em larga escala, voltada para o mercado internacional em detrimento
do esfacelamento da pesca de base artesanal.
A análise do indicador sob o viés de gênero demonstra uma diferenciação entre as
marisqueiras-catadoras de mangaba e os pescadores no acesso às oportunidades,
informações e resoluções dos problemas locais. As extrativistas expuseram situações que as
impedem de ampliar a sua produtividade e que limitam as suas iniciativas empreendedoras,
o que corrobora para a subordinação às estruturas estabelecidas.
Os aspectos retratados configuram a situação de desigualdade social à qual estão
expostas. Nela, as interlocutoras não conseguem se posicionar nos espaços representativos;
recebem tratamento diferenciado nas entidades de classe, quando expõem apreciação
contrária a determinadas questões, ou até quando procuram mais informações sobre os seus
direitos, sofrendo sanções por isto. Na esfera doméstica, podem até serem coagidas de forma
violenta a não participarem de ações que levem ao seu protagonismo. É evidente que
existem os casos em que as mulheres são apoiadas pelos cônjuges, mas o que marca o grupo
é a situação apresentada.
O tempo da mulher é fragmentado entre o espaço doméstico e o extrativista, fator
que limita a sua participação nos eventos públicos, culturais, assim como o investimento em
aprendizagem e na ampliação das fontes de renda. Já o tempo do homem é o tempo integral,
em que desenvolve as pescarias e participa das esferas decisórias. As diferenças de gênero
na utilização do tempo marcam as desigualdades presentes no espaço extrativista, pois
restringe as oportunidades dessa mulher.
As extrativistas reclamam da falta de informação, que é um impeditivo na efetivação
de direitos básicos, sobretudo aqueles relacionados aos benefícios previdenciários. Existem
casos de mulheres que não acessam as políticas públicas por não possuírem documentos
pessoais como Certidão de Nascimento e o Registro Geral.
No período de 2007 a 2011, as catadoras de mangaba de Pontal participaram do
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003 pelo Governo Federal como
uma das ações estruturantes do Programa Fome Zero. O PAA vem sendo executado em
parceria com Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) e pela Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab) e tem como finalidade a compra de alimentos
produzidos pela agricultura familiar com destinação às pessoas em situação de insegurança
alimentar e nutricional. Os critérios para a participação ao programa são a afiliação à
cooperativa, a propriedade da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) e a identificação
como catadora pelo mediador local do PAA.
188
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

De acordo com os relatos, as catadoras distribuíam os frutos em hospitais e


maternidade. No início, um grupo de 06 mulheres participaram do Programa, em razão das
demais não se sentirem seguras quanto ao repasse do Governo referente aos frutos
disponibilizados. Porém, no final do programa, mais de 40 mulheres estavam envolvidas.
O PAA, por ser uma estratégia que prevê o pagamento do preço justo do produto,
tem um efeito econômico nas comunidades cadastradas; pode também ter um impacto sobre
o reconhecimento das mulheres entre si e pelos outros, como esclarecem Mota et al. (2014).
Para os autores, o acesso substancial aos recursos financeiros influenciou na autoestima das
catadoras participantes e na ampliação do seu consumo.
As mulheres participaram, também, do projeto “Catadoras de mangaba, gerando
renda e tecendo vida em Sergipe”, que representou, segundo as participantes, o desafio de
rompimento das amarras da subordinação, como explana MC-01:

“Pra mim foi uma realização como mulher, né! [...]. Porque era uma
pessoa, assim, muito da casa. Só fazia o que o marido mandasse, né? E
depois que eu entrei no projeto e no movimento, eu comecei a me juntar as
meninas, eu me soltei, fiquei mais aberta. Hoje ninguém me prende mais
[...]. Não preciso mais dar satisfação. Tenho o meu próprio dinheiro,
pouco, mas tenho. ” (MC-01, 37 anos, Pontal, 2015)

Apesar da projeção das catadoras de mangaba no cenário estadual e nacional através


da sua organização política nos últimos 15 anos, o número de envolvidas das localidades
investigadas na ASCAMAI e no MCM/SE ainda é relativamente pequeno, como foi
abordado no indicador anterior.
Alusivo ao acesso a crédito, apenas 2,7% (n=36) das inquiridas conseguiram
empréstimos, através Programa Agroamigo do Banco do Nordeste, que apresenta como
objetivo melhorar o perfil social e econômico do(a) agricultor(a) familiar.27 Assim como no
PAA, as marisqueiras-pescadoras-catadoras de mangaba devem apresentar a DAP para a
concessão do crédito.
O baixo percentual de adesão ao programa pode ter relação com a falta de
informação, a burocratização no processo de emissão da DAP, a efetivação do crédito, a
dependência aos representantes de classe ou a baixa escolaridade que impedem iniciativas
de rompimento de nós. Enfim, as mulheres apresentam a falta de informação como uma das
barreiras que impedem o seu crescimento enquanto agente de produção local.

27
Disponível em :< https://www.bnb.gov.br/agroamigo>. Acesso em: 14jul. 2017.
189
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Área E- Meios de subsistência e bem-estar

Os indicadores abordados nesta área estão pontualmente relacionados à qualidade de


vida das populações, pois abrangem a disponibilidade e o funcionamento eficiente da
infraestrutura, a comunicação, a saúde, a segurança e a multiplicidade de atividades
desenvolvidas que podem promover o aumento da renda familiar e possibilitar o uso
sustentável dos ecossistemas com a exploração de maneira a respeitar os ciclos biológicos
das espécies.
Neste bloco, foram identificados os indicadores com as menores pontuações no
contexto geral (Tabela 10). Terra Caída aparece em posição preocupante por apresentar a
pontuação média 1,0 para todos os indicadores da área (EI-11, EC-12, ER-13, ES-14 e EM-
15). Na Preguiça, as pontuações também foram baixas, entre 1,3 e 2,0, o que esboça um
cenário crítico para o desenvolvimento da resiliência socioecológica.
Em Pontal, os indicadores diversidade de renda (ER-13) e mobilidade
socioecológica (EM-15) aparecem com as maiores pontuações (3,0 e 3,0), possivelmente
por localizar-se nas proximidades de Mangue Seco, que é um dos pontos turísticos baianos,
o que contribui para a criação de atividades econômicas como transporte de passageiros
(turistas e nativos), serviços de diarista nas residências de veranistas e comércio. A inserção
das mulheres no projeto “Catadoras de mangaba, gerando renda e tecendo vida em Sergipe”,
que oportunizou agregar valor ao fruto com o seu processamento, também pode ser um outro
fator de fortalecimento dos indicadores. De igual modo, há as ações do Projeto Aquinordeste
executado pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), com a
estruturação da unidade experimental de cultivo de ostra, que apresenta como objetivo a
disseminação de novas tecnologias com a diversificação da renda no povoado.
Diferente da carcinicultura, o sistema de cultivo de bivalves em regiões estuarinas e
marinhas é considerado de baixo impacto por necessitar que o ambiente esteja saudável,
tendo em vista que são animais filtradores; ademais, envolve a participação dos pescadores
na sua execução.
Os indicadores EI-11 e EC-12 possuem relação direta, à medida que os problemas
em infraestrutura básica interferem na saúde da população e do ambiente. Na área E, eles
apresentaram as menores pontuações, sendo classificados entre os níveis de resiliência baixo
e muito baixo. Preguiça (1,3 e 2) e Terra Caída (1 e 1) registraram as piores marcas, em
virtude dos alagamentos no período chuvoso e da falta de calçamento que agrava o quadro
de saúde nestes povoados.
190
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

A precariedade nos serviços de saúde leva as participantes a utilizarem o


conhecimento da medicina popular no tratamento de algumas enfermidades, tais como
verminoses, micoses, diarreias e resfriados. A existência de domicílios sem a estrutura
adequada para o bem-estar do indivíduo agrava ainda mais os problemas de saúde dessas
populações.
Na fase de diagnóstico, foi constatada a adesão de algumas mulheres que não
possuíam residências ao programa Minha Casa Minha Vida Rural, que é um direito
assegurado através de portaria interministerial assinada pelo Ministério das Cidades e
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O programa foi criado no âmbito do
programa Minha Casa Minha Vida e tem como propósito subsidiar a construção de casas
para pessoas físicas, os agricultores e trabalhadores rurais.28
Na colônia Z-4, o projeto foi elaborado para a construção de 50 casas, mas a
demanda é de 100 casas. Após a construção, a marisqueira e o pescador terão que pagar 04
parcelas anuais correspondentes a 4% do valor contratado, referente à contrapartida.

“[...]Imediatamente contrata um técnico pra vim fazer, tirar a metragem


daquilo ali, foto com o GPS dos pontos. Tudo certinho pra gente redigir o
projeto. Depois que é feito leva pra cadastrar no Ministério da Cidade
[...]. Depois de construída, o pescador tem, o dono da casa, tem uma
dívida de mil trezentos e poucos reais. Isso aí é a contrapartida que ele
paga em serviço[...], dividido em 4 parcelas [...]. ”(Presidente da colônia
Z-4, 69 anos, Estância, 2017)

As baixas pontuações nos indicadores ER-13, ES-14 e EM-15 em Terra Caída (2,0) e
Preguiça (1,0) devem-se à dependência em relação ao extrativismo e à agricultura, já que
não desenvolvem outras práticas que possibilitem a rotatividade entre as atividades. Ainda
que na primeira comunidade tenham se organizado cursos de artesanato e corte costura, não
houve o encadeamento do projeto com a possível emancipação dos membros. Na segunda,
os participantes apontam a falta de calçamento na estrada de acesso como um entrave ao
desenvolvimento local.
Em síntese, a análise global dos indicadores proporciona a identificação dos pontos
limitantes à resiliência socioecológica dos sistemas tradicionais abordados. Assim, a área E
concentrou as piores médias (1,87) apresentadas no quadro geral da resiliência (Tabela 11 e
Gráfico 8), sendo que deste bloco Terra Caída expressou nível muito baixo (1,0) em todo o
conjunto. A explicação está na precária infraestrutura local (detalhadamente discutida no

28
Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/poder-publico/programas-uniao/habitacao/programa-nacional-
habitacao-rural/Paginas/default.aspx> Acesso em: 20 de jul. 2017.
191
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

item 3.2), que necessita de ampliação com investimentos na área de saneamento básico e na
melhoria dos meios de subsistência.

Tabela 11 – Pontuação média dos indicadores de resiliência socioecológica por área em


Indiaroba -SE
Áreas Pontuação Média
(Ma= Mgi1+ Mgi2 ...Mgin /nia)

Diversidade na paisagem terrestre/ marinha e proteção dos 2,36


ecossistemas (A)

Biodiversidade agrícola (B) 2,57


Conhecimento e inovação (C) 2,42

Governo e equidade social (D) 2


Meios de subsistência e bem-estar (E) 1,87

Fonte: Trabalho de campo (2016-2017).

Gráfico 8 – Quadro geral da resiliência socioecológica em comunidades extrativistas de


Indiaroba-SE

Fonte: Trabalho de campo (2016-2017).

Para a ampliação de infraestrutura local, é fundamental buscar apoio público


municipal e estadual visando melhorar os serviços de abastecimento de água, rede de esgoto,
coleta de resíduos sólidos, de atendimento à saúde, segurança, educação e lazer. Quanto aos
meios de subsistência, é preciso apoiar e fortalecer o caráter múltiplo de uso do território,
192
E. A., 2018 CAPÍTULO 4-ETNOMAPEAMENTO E INDICADORES DE RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA

oportunizando aos membros das comunidades o envolvimento em atividades alternativas


que gerem renda para que não dependam tanto da pesca, quanto da extração da mangaba. A
diversidade das fontes de renda, com base em práticas conservacionistas, melhora a
sustentabilidade dos sistemas socioecológicos com a redução dos impactos sobre os recursos
naturais; além de proporcionar uma maior segurança econômica e financeira para essas
populações.
A área D também acumulou as piores médias (2,0), em razão da negação do direito
de acesso à terra e aos recursos naturais, cruciais para a permanência dos modos de vida dos
povos extrativistas e a preservação dos ecossistemas manejados. Outro fator que contribui
para essa posição é a interdição da mulher nos espaços decisórios e a baixa organização
política associada ao paternalismo que caracteriza as entidades representativas.
Os fatores apresentados quando analisados em conjunto revelam as principais causas
que levaram o indicador AP-2 a apresentar a pior pontuação média do quadro geral da
resiliência, pois as restrições no desenvolvimento da atividade, aliada as desigualdades de
gênero provocam alterações negativas nos sistemas socioecológicos, com reflexos no bem-
estar das famílias locais.
Diante disso, faz-se necessário o estabelecimento de políticas que atendam as
demandas dessas populações, com a coibição da depredação dos ecossistemas, a promoção
da autonomia da mulher e o fortalecimento do seu papel na economia local.
193
SANTOS, E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

CAPÍTULO 5
TERRITORIALIDADES FEMININAS: APROPRIAÇÃO E USOS DO
ESPAÇO EM COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA/SE

©Eline Santos
© Eline Santos

Pescadoras-catadoras de mangaba de Pontal/Indiaroba

Pescadoras-catadoras de mangaba de Pontal/Indiaroba

Sou, sou marisqueira


Rainha do mangue, sou guerreira
Sou, sou marisqueira
Mulher de luta, batalhadeira

Hino das marisqueiras de Sergipe


Letra de Pedro Bomba

“Ser catadora é tudo. Ser mãe, ser mulher, ser independente [...].”
(L-03, 30 anos, Pontal, 2015)
194
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

5 TERRITORIALIDADES FEMININAS: APROPRIAÇÃO E USOS DO ESPAÇO


EM COMUNIDADES EXTRATIVISTAS DE INDIAROBA/SE

Nas comunidades costeiras de Indiaroba, a configuração do espaço é delineada,


principalmente, pela dinâmica em torno do extrativismo. Cotidianamente, percebe-se uma
movimentação em torno das áreas de restinga e do estuário, as quais correspondem às
localidades apropriadas e de onde são retirados recursos naturais relevantes para a
subsistência das famílias residentes.
No espaço extrativista, as relações entre os indivíduos e o meio são tecidas através dos
usos e costumes desenhados no desenvolvimento da atividade. Nesse espaço, que é área
comum, os usos são traçados a partir do estabelecimento de acordos entre o grupo e
explicitam os saberes adquiridos na relação com o ambiente, as técnicas utilizadas e as
simbologias criadas em volta da atividade.
Diegues (2007), ao discutir sobre o uso dos espaços comuns, especificamente o espaço
pesqueiro, ressalta que um sistema de posse é criado na apropriação realizada pelo grupo,
sendo definidos os direitos de acesso aos recursos pesqueiros pertencentes à comunidade. Por
conseguinte, o acesso aos recursos por aqueles que não pertencem à comunidade pode ser
regulamentado, de forma intencional ou não, para a manutenção da reprodução social dos
grupos locais. Assim, o que se pode inferir das assertivas apresentadas por este estudioso é
que na apropriação dos recursos naturais, no espaço extrativista, estão embutidas relações de
poder que definem o território e que decodificam as territorialidades presentes no modo de
agir dos sujeitos em questão.
Neste capítulo, serão discutidas as territorialidades femininas, interpretadas no viés de
gênero, por revelar os papéis hierárquicos que interferem nas diferenciadas formas de
apropriação dos recursos, nos usos e nas relações desiguais que são estabelecidas no processo.
Ademais, serão debatidos os fatores que desencadeiam os conflitos que acirram as disputas
em torno dos recursos naturais e a luta pela permanência no território, base da sua identidade.

5.1 Trabalho de mulher/ Trabalho de homem: silenciamento da espacialidade


feminina em comunidades extrativistas de Indiaroba

Silva e Silva (2014) sublinham que o gênero é uma categoria que atravessa os demais
fatores de influência, uma vez que se refere às diferenças construídas socialmente nas relações
entre homens e mulheres. Para as autoras, a visão acerca de gênero tem que ser desenvolvida
195
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

nas dinâmicas cotidianas das comunidades, as quais são estabelecidas de acordo com uma
divisão de espaços, tarefas e conhecimentos específicos de homens e de mulheres.
A análise do trabalho das mulheres extrativistas sob o viés de gênero permite o
entendimento da condição feminina no extrativismo, ou seja, adentrar um universo marcado
por desigualdades construídas histórica e socialmente, desvelando as tessituras de gênero num
espaço marcado pela divisão sexual do trabalho, em que homens e mulheres possuem papéis
diferenciados e desiguais.
Em Indiaroba, o trabalho no extrativismo tem como unidade produtiva básica a
família, conforme explicitação anterior, e está organizado mediante relações de gênero que
sinalizam o modelo bipolar de organização deste, caracterizado pela divisão sexual do
trabalho, na qual são atribuídos espaços e atividades sociais diferenciados para homens e
mulheres.
A divisão sexual do trabalho aponta a hierarquização dos espaços, com base na
diferenciação sexual, incutindo a lógica de que as características biológicas (naturais) são
responsáveis pela existência de atividades masculinas e femininas (culturais). Assim, por sua
condição biológica, o espaço da mulher é limitado à casa, família e maternidade; compete a
ela o espaço privado, da reprodução. Em situação contrária, há a posição masculina com a
ocupação do espaço público, das decisões. Vale salientar que a diferença do trabalho não tem
relação com a diferença biológica, mas com a divisão sexual do trabalho que coloca a mulher
num lugar de subordinação, de oposição (PISCITELLI, 2009).
Na área de pesquisa, o trabalho está organizado em dois eixos: terra e água. As
mulheres, apesar de desenvolverem atividades nas águas (pesca no rio), desempenham mais
atividades de terra (às margens de rios e no manguezal29, extraindo moluscos e crustáceos; o
extrativismo da mangaba e as tarefas domésticas). Os homens realizam atividades na terra
(colheita de coco e extração do caranguejo); porém, predomina o trabalho na água (no rio e no
mar). Nessa configuração, couberam às mulheres as atividades menos valorizadas pelo grupo,
consideradas de ajuda, complementares e leves, construções que podem ser observadas nas
falas do pescador e do representante do Setor de Pesca da Superintendência Federal da
Agricultura (SFA) quando indagados sobre a pesca feminina, isto é, as diferenças em relação
à masculina e a respeito da quantidade de mulheres que pescam no estado:

“Rapaz, sim, né! Eu acho a diferença da mulher, porque a mulher só pesca


aratu, pega um sirizinho, fácil né?” (P-17, 54 anos, Pontal, 2016)

29
No caso, seria de transição por estar sob influência das marés.
196
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

“Praticamente nenhuma. Você quer uma brincadeira? Um chute? Dos


30.000, 29.000 são mulheres. Agora se os 29.000 pescam? Eu não sei,
porque a maioria é dona de casa. O marido é quem pesca [...]. A maioria
não pesca. [...] Não! Elas pescam, elas pescam, mas, é mais pra consumo,
pra família. Mas, pra vender?Não! Pra comercializar?Não! [...]Elas fazem
também, são filetadeiras. São filetadeiras lá de siri, de sururu. Essas daí não
são. São marisqueiras. (Representante do Setor de Pesca da SFA, 54 anos,
Aracaju, 2017).

Entre algumas mulheres também permeia a ideia de superioridade da pesca masculina


no tocante à feminina, justificada por elas pelo tempo diferenciado que possuem em relação
ao homem:

É porque o homem tem mais pescaria que a mulher, né?! Porque tem tainha,
tem camboa, a do homem, né?! Porque quando a mulher não pode ir,
porque tá naqueles tempos, né?!” (M-31, 48 anos, Convento, 2016)

Nos relatos, é possível perceber que as mulheres possuem um ritmo e um tempo de


trabalho diferenciado, marcados pelas tarefas domésticas e alterações fisiológicas, aspectos
que exprimem uma forma distinta de apropriação da natureza e que criam sistemas de
sentidos relacionados à força física, à complementaridade e ao fazer masculino, que
corroboram com as relações desiguais de gênero, de poder, minando conquistas e não
reconhecendo a contribuição feminina na produção e reprodução, uma vez que desempenham
atividades consideradas “não trabalho”, extensão do espaço privado.
Na tentativa de compreender a jornada diária, as extrativistas foram inquiridas sobre as
atividades desenvolvidas e revelam uma rotina longa e exaustiva, demandando até 18 horas de
trabalho diário durante 06 dias na semana, como pode ser visualizado no esquema elaborado a
partir dos depoimentos destas mulheres (Figura 31).
Destaca-se que é um esquema geral da rotina diária das extrativistas, podendo variar
de acordo com o período do ano (sazonalidade da mangaba) e com a dinâmica da maré. Desse
modo, em determinados dias, a depender da época, elas podem acumular uma jornada tripla
que contribui ao longo dos anos para o desenvolvimento de afecções como as Lesões por
Esforço Repetitivo (LER) e aquelas provenientes das condições insalubres do seu trabalho,
como artrose, pele irritada, câncer de pele, problemas respiratórios, perda das digitais,
rachaduras nos pés, cortes, dores na coluna, dentre outras. Estas informações demonstram o
grau de perigo ao qual essas mulheres estão expostas e a necessidade de organização quanto
ao acesso a serviços básicos de saúde e preparo dos profissionais para o entendimento das
197
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

suas especificidades, quando do processo para o auxílio doença, pois existem relatos de
constrangimentos ao tentar acessar a Previdência Social.

Figura 31 – Rotina diária de uma mulher extrativista

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017); Adaptado de FONSECA, 2014.

Durante as entrevistas, foi percebido que muitas mulheres não computavam nas horas
trabalhadas as tarefas domésticas, posto que percebem como algo “natural” a sua condição
feminina, reflexo da divisão sexual do trabalho, que destina a esfera reprodutiva a mulher e ao
homem a esfera produtiva.
De acordo com Abreu, Hirata e Lombardi (2016), a produção doméstica e as
responsabilidades de cuidado aumentam a carga de tempo e limitam as mulheres para o
trabalho remunerado, conduzindo a um círculo vicioso de pobreza. Tal prerrogativa, explica
uma das razões de as mulheres desenvolverem uma pesca diferenciada da masculina, visto
que são encarregadas da organização do espaço doméstico e do cuidado para com a família.
Ao retomar aos depoimentos sobre o trabalho feminino, outro ponto que pode ser
identificado refere-se aos termos utilizados no universo pesqueiro que estabelecem a divisão/
hierarquização do trabalho nesse espaço: “O marido é quem pesca.[...] São filetadeiras lá de
siri, de sururu. Essas daí não são. São marisqueiras”.
De acordo com Jesus (2015), na configuração das atividades pesqueiras é
desencadeada uma divisão de gênero como norma que estabelece a categoria de pescador para
198
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

nomear a figura masculina e a categoria marisqueira a feminina. Neste processo, a população


compreende que os homens possuem papéis diferentes e que devem ser nominados de forma
diferenciada em relação à mulher. Nesses aspectos, a atividade do homem-pescador é
completa porque ele "é" a comunidade total, pois a identidade masculina constitui a
identidade do grupo (WOORTMANN, 1992). O trabalho da mulher, por outro lado, é o
trabalho invisível, que não aparece, que faz e desfaz (ALENCAR, 1993).
Na realidade, as categorizações apresentadas contribuem para a reprodução e
permanência da hierarquização de gênero na pesca, ou melhor, para que as mulheres não
ocupem os espaços de poder: o rio/mar, a colônia e as associações.
Apesar de a maioria das mulheres se autodefinirem como marisqueiras não significa
afirmar que não se considerem pescadoras e que não desenvolvam a atividade no rio (Figura
32). “Não, eu trabalho igual aos homens. É sim! Jogo tarrafa, jogo rede[...]tudo”. (M-44, 53
anos, Preguiça de Baixo, 2016). Assim como existem homens que também desenvolvem
atividades classificadas como femininas. Isso revela que tanto na pesca quanto no
extrativismo da mangaba, o trabalho é desempenhado por todos que estão inseridos naquele
cenário e que as mulheres ao conquistarem o registro como pescadora caminham ao passo da
construção de uma nova identidade que as levam a pressionar cada vez mais as entidades de
classe, as colônias para se filiarem (NASCIMENTO, 1997), pois não querem ser apenas
mulheres de pescadores. Elas carregam na sua luta a afirmação de que também existe uma
pesca feminina.
Alencar (1993) enfatiza que a participação da mulher na pesca é possível porque ela é
detentora de um saber adquirido na sua prática. Ela faz parte do universo pesqueiro, de uma
totalidade que a permite acompanhar e participar das atividades do grupo. Ela realiza a pesca,
mas precisa superar as distinções estabelecidas pela ótica de gênero que o grupo faz para que
possa se realizar como ser social.
O silenciamento do trabalho feminino no extrativismo em Indiaroba é assinalado pela
hierarquização de gênero, que minimiza o peso econômico dos recursos advindos da
atividade, via trabalho das mulheres, já que 50% destas auferem uma renda entre R$300,00 a
R$ 600,00; embora haja aquelas que são responsáveis pela maior parcela do provimento
familiar, como salientado no item 3.2.
As mulheres extrativistas enfrentam sérias demandas, em razão de vivenciarem a
intersecção de identidade de gênero, classe, raça e idade que tencionam as suas lutas por
espaço de representação.
199
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Figura 32 – Mulher que se autodenomina pescadora exibindo a pescaria


do dia.

32A

32B 32C

A) Pescadora e pescador preparando a rede para a próxima pescaria B) e C) Peixes


capturados no dia.
Fonte: Trabalho de campo, (2015-2017).

Elas são mulheres, em sua maioria negra, com baixa escolaridade, que encaram uma
rotina diária exaustiva, dificuldades de acesso à colônia, à terra, à linha de crédito, aos direitos
previdenciários, à educação e à saúde. Ademais, enfrentam violências sob vários ângulos:
simbólico, que ocorre de forma “suave, insensível e invisível a suas próprias vítimas, que se
exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação, [...] do
desconhecimento, [...] do sentimento” (BOURDIEU, 1999, p. 8); o psicológico, que existe por
causa da violência simbólica, em alguns casos; a violência física que acontece com o
exercício da força sobre as vítimas, dentre outras.
Nas estatísticas oficiais acerca do setor, não há o recorte de gênero, o que reforça a
invisibilidade das pescadoras para o Estado e na elaboração de instrumentos legais, quando
medidas que ameaçam as conquistas dessa categoria são sancionadas, corroborando para a
perpetuação de uma longa história de desvalorização do seu trabalho; sem contar que são as
200
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

mais atingidas pelas transformações locais (por exemplo, o desmatamento), posto que as
mudanças ocorrem de forma direta nos espaços em que atuam com maior frequência. Todo
esse quadro expressa uma violência para com elas e reflete em sua qualidade de vida, pois os
rendimentos adquiridos não suprem as necessidades básicas de suas famílias.
Alencar, Palheta e Sousa (2015) mostram que ao longo dos anos as (os) pescadoras
(es) artesanais vêm sofrendo prejuízos causados por mudanças nas políticas públicas, dentre
as quais citam a invalidação dos registros de pescadores, que prejudica a contagem do tempo
de atividade, afetando o processo de aposentadoria. Acrescentam-se a isso as mudanças dos
órgãos que gerenciam o setor,30 o que causa uma sensação de descaso entre as (os) pescadoras
(es).
Na área de estudo, foi constatado que 28,6% (n=35) das inquiridas não possuem o
registro de pescadoras profissionais, embora vivam exclusivamente da pesca. Dessa maneira,
não conseguem acessar alguns benefícios como a aposentadoria, seguro por acidente, auxílio-
doença, seguro- defeso, entre outros.
O seguro-defeso tem sido uma das principais insatisfações entre as pescadoras e
pescadores da localidade, devido às interrupções no pagamento. Eles apontam que esta
situação decorre da desarticulação dos órgãos responsáveis pela organização da pesca
nacional, em que muitos tiveram os seus registros cancelados ou suspensos.

“Rapaz, o meu desde quando encrencaram o meu documento, eu não recebo


mais nenhum. Tem o quê? Uns sete anos que eu não recebo o seguro”.
(M-21, 49 anos, Terra Caída)

[...] O pescador é a pessoa mais sofrida que tem. Você vê agora tá esse
defeso, por causa de alguns irresponsave, os próprios pescador tá pagando
coisa que não deveria. [...] Daqui pra frente nós só vamos sofrer.
(Presidente da colônia Z-11, 57 anos, Preguiça de Cima, 2016)

O Seguro Desemprego do Pescador Artesanal (SDPA), conhecido como seguro-


defeso, refere-se ao seguro concedido às (aos) pescadoras (es) profissionais durante o período
de paralisação das suas atividades para a preservação da espécie, conforme disposto na Lei nº
10.779/2003.

30
O setor pesqueiro já ficou sob a tutela de vários órgãos desde o período em que os decretos passaram a ser
instrumentos legais para sua regulação, são eles: SUDEPE (Superintendência para o Desenvolvimento da Pesca),
IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), MAPA (Ministério da Pesca e
Aquicultura), MDIC (Ministérios da Agricultura, Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) e
atualmente está vinculada diretamente à Presidência.
201
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Para ter direito ao seguro-defeso, o pescador profissional deve exercer essa atividade
de forma ininterrupta; ter registro ativo há pelo menos um ano no Registro Geral de Pesca
(RGP), na condição de pescador profissional artesanal; ser segurado especial; comercializar a
sua produção à pessoa física ou jurídica, comprovando contribuição previdenciária, nos
últimos 12 meses anteriores ao requerimento do benefício ou desde o último período de
defeso até o início do período atual; não estar em gozo de nenhum benefício de prestação
continuada da assistência social ou previdenciário; não ter vínculo de emprego ou outra
relação de trabalho ou fonte de renda diversa da decorrente da atividade pesqueira.
Nota-se nos relatos um descompasso entre aquilo que o Estado apregoa sobre as
políticas públicas e a realidade. O que existe na verdade é a falta de uma política de incentivo
à pesca artesanal que garanta a reprodução social das comunidades pesqueiras, o que tem
levado à miserabilidade o (a) pescador(a) artesanal. Outrossim, o estilo de desenvolvimento
praticado no Brasil não contempla as necessidades dessa população, por priorizar o ganho
capital a qualquer custo (RAMOS, 2001).
Ao contrário da pesca, o extrativismo da mangaba é associado às mulheres em razão
das representações de gênero que permeiam este segmento. Nestes termos, a extração da
mangaba é considerada inadequada para o homem devido à sazonalidade da safra, ao baixo
rendimento, à ideia de leveza e delicadeza presente no grupo (MOTA et al., 2008).
Outra explicação é que há uma prevalência de mulheres no desenvolvimento da
atividade. Para se ter uma noção do quantitativo, a liderança das catadoras de mangaba em
Pontal informou que mais de 93% dos cadastros na ASCAMAI referem-se às mulheres;
porém, as extrativistas reiteram que nos últimos anos aumentou a presença masculina na
atividade. Segundo elas, é por conta da valorização da mangaba no mercado quando passaram
a se organizar em associação, mas também como forma de proteção, pois enfrentam perigos
na restinga, seja por parte de algum indivíduo mal-intencionado, seja por conta dos conflitos
existentes entre elas e os proprietários de terras.
Quanto à divisão sexual no extrativismo da mangaba, nota-se a presença de crianças
que acompanham as mães quando não estão na escola; elas são importantes para uma maior
coleta, pois são responsáveis por catar os frutos que caem no chão e subir nas árvores, quando
solicitado pela mãe, para que os galhos não sejam quebrados. Os homens participam, mas de
maneira esporádica, conforme relato de catadora:

“Homem vai. Hoje tão indo mais. Hoje, os homens tão mais participativos
nessa prática da mangaba. Até, porque a mangaba tá tendo um valor bem,
202
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

né? Ela agregou bem valor depois desse nosso trabalho, dessa nossa
construção da associação e tal. Aí, os homens, né? Porque homens, sabe
que gosta mais de dinheiro do que mulher. [risos] Não! Não sei, talvez. Mas,
o homem era mais assim mais pra pesca. Mas, hoje em dia a gente vê. Eu
vejo mesmo, muitos homens já passando com as mulheres. E também, devido
a proteção, né? Porque como é em mato, né! Aí, geralmente, quando vai a
mulher só, o homem vai acompanhando. Entendeu? ” (MC-02, 30 anos,
Pontal, 2015)

Segundo Mota et al. (2008), a noção de oposição entre trabalho de homens e mulheres
é superada quando ocorre a sua complementaridade para viabilizar a reprodução social do
grupo familiar, o que de fato é verídico; porém, a divisão sexual do trabalho colabora para a
ocorrência de injustiças sociais manifestadas pelas jornadas longas de trabalho com baixos
rendimentos, que afetam o bem-estar feminino e, consequentemente, da sua família.
Por conseguinte, verifica-se que no desenvolvimento da mariscagem e do extrativismo
da mangaba, as mulheres exercem um papel importante na socialização do grupo (consoante
discussão anterior), interagem, compartilham suas inquietações, constroem normas de uso e
controle do território, sentem-se livres. Já no estuário, apesar de dominarem as técnicas e o
conhecimento local, não conseguem subverter o nexo que o constrói como o “mundo
masculino”, da “força”, da habilidade de lançar a rede, de passar vários dias longe de casa.
Segundo os depoimentos, as mulheres que adentram o rio, geralmente vão acompanhadas do
esposo e/ou dos filhos. Existem aquelas que até conseguem, utilizam a rede (Figura 33),
deslocam-se com o uso de canoa a remo e a motor, ou seja, ocupam os espaços e marcam que
o rio é um bem comum; mas essa não é uma característica marcante nas comunidades
analisadas.
A falta de recursos aliada às dificuldades de acessar os serviços de créditos consiste
em mais uma barreira para que essas mulheres não tenham uma participação mais efetiva na
pesca do rio. Durante o trabalho de campo, foi constatado que elas não possuíam os
instrumentos mais onerosos como o barco (custa aproximadamente R$3.000,00) e a rede, pois
geralmente utilizam os de parentes e vizinhos.

“Agora mesmo eu não tenho não! Uso a dos vizinhos. A canoa que tinha se
esbagaçou. Quando Deus dê a permissão nós compra outro.” (MC-47, 44
anos, Preguiça de Baixo, 2017)

Destarte, a realidade da mulher extrativista é sinalada por dificuldades resultantes da


não transversalidade de gênero nas políticas de Estado, o que reforça as desigualdades, já que
as suas especificidades não são colocadas em questão. É preciso levar em consideração os
203
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

marcadores sociais (gênero, raça, etnia, entre outros) que espelham os sistemas de opressões e
subjugação aos quais ela está submetida; quer dizer, “repensar os modelos de divisão sexual
do trabalho e a distribuição do poder, assim como as diversas formas de presença das
mulheres na pesca que, em vários contextos, não é discreta e nem de apoio” (ALENCAR;
PALHETA; SOUSA, 2015, p.22).

Figura 33 – Mulheres pescadoras-mulheres mangabeiras/Indiaroba-SE

33A 33B

33C 33D
A) Homem e mulher na pesca B) Pescadora na direção da canoa C) Pescadora no mangue D) Pescadoras-
catadoras na restinga
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).

É salutar referendar que nesse processo existem as mulheres que resistem, elaborando
estratégias do cotidiano que possibilitem sua condição de existência, porque assim como a
mangaba, pesca também é lugar de mulher.
204
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

5.2 “Da restinga ao estuário”: territorialidades das mulheres extrativistas em


Indiaroba

Todo dia acordo cedo com o galo a cantar.


Me arrumo bem depressa para não me atrasar.
Pego logo minhas ferramentas.
Ponho na bolsa um pouco de farinha, água e sal para maré levar.
Peço a Deus que me acompanhe e do mal me livrar.
Saio com minhas colegas no barco para o rio atravessar.
Ao chegar a meu destino, pego o pano e amarro na cabeça.
Visto minha roupa de trabalho.
Meu repelente gás para dos mosquitos me livrar.
Não sou doutora, nem advogada, mas passo o dia assentada para meus
alimentos na minha mesa não faltar.
Minha caneta é uma vara, porque não tive oportunidade de estudar.
Assovio, canto e louvo para o aratu pegar.
Chego em casa, mato, cozinho, quebro bem direitinho para osso no catado
não ficar.
Ainda chega o cambista com 15,00 reais em um quilo de catado pagar.
Todo dia é a mesma coisa, mas da vida não tenho o que reclamar.
(MC-47, 44 anos, Preguiça de Baixo, 2017)

Entre a restinga e o estuário, a vida das mulheres pescadoras-catadoras de mangaba vai


sendo tecida em tramas engendradas entre o material e o simbólico, ou seja, nas práticas
cotidianas que exprimem a apropriação e o uso desses espaços, assim como as relações
estabelecidas no processo. Nessa trama relacional, são configuradas as territorialidades, que
podem ser traduzidas nas ações de controle e produção do território, no sentimento de
pertença que elucida as identidades, referenciais assinalados no poema de MC-47. De forma
poética, a extrativista apresenta os espaços aos quais pertence e exerce influência/controle,
desnuda as territorialidades imbricadas na execução da atividade que desempenha.
A territorialidade torna-se, então, um espaço de trabalho, um patrimônio capitalizado
pelas mulheres extrativistas em sua luta cotidiana e com a tecnologia simples que dispõe,
levando-as a crer numa posse por direito costumeiro de uso; a pleitear reconhecimento por
parte de outros segmentos econômicos que buscam os ditos recursos comuns (FURTADO,
2003). Assim, a territorialidade é manifestada na maneira como o grupo se organiza no espaço
de referência; envolve o sentido de pertencimento e o modo de agir dos indivíduos nas várias
escalas do espaço geográfico. Neste sentido, a partir das ferramentas da cartografia social,
discorridas na seção 1.3, as territorialidades femininas foram mapeadas e representadas, tendo
como eixo norteador as práticas cotidianas de mulheres e homens que realizam o extrativismo
em Indiaroba para assim constituir o panorama dos usos, dos conflitos originados na relação
entre os atores e o espaço, quer dizer, a organização da atividade na localidade.
205
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

5.2.1 O mapeamento da pesca feminina em Indiaroba

Ao longo da discussão foi acentuado que as mulheres extrativistas realizam a atividade


em grupo, formado através das relações de amizade e parentesco; elas exploram pontos de
extração (Quadro 7 e Figuras 28 e 36), próximos e/ou distantes da residência, em municípios
vizinhos (SE e BA). Assim como os homens, para chegar aos pontos distantes, as mulheres
utilizam como meio de transporte a canoa, a carroça e o carro. Devido à diminuição dos
recursos explorados, as interlocutoras relataram que há períodos em que atravessam o Rio
Real em direção ao estado baiano, tendo que remar por 5 horas para chegar ao ponto de
coleta.
Os pontos de coleta desvelam as territorialidades moldadas nas “relações diárias
momentâneas que homens e mulheres mantêm entre si, com a natureza interior e com a
natureza inorgânica para sobreviverem biológica e socialmente” (SAQUET, 2010, p.128).
Além disso, eles são reconhecidos em particularidades invisíveis a estranhos, sendo
identificados por aqueles que compartilham um pertencimento em comum e são traduzidos
como formas de apropriação do ambiente que envolvem relações de poder (ARAGÃO, 2011).
Nas áreas de pesca, os principais animais capturados pelas marisqueiras são o aratu, o
massunim, o siri, a ostra e o sururu. Elas adentram estas áreas utilizando roupas simples,
geralmente calça, tênis e casaco (Figura 34 A). Como mencionado no item 4.2, para a captura
das espécies, manipulam apetrechos e desenvolvem técnicas fundadas através dos saberes
tradicionais, elementos percebidos no poema apresentado no início da seção e na fala da
marisqueira de Convento:

“Minha caneta é uma vara, porque não tive oportunidade de estudar.


Assovio, canto e louvo para o aratu pegar” (MC-47, 44 anos, Preguiça de
Baixo, 2017).

“[...] A gente sobe na gaiteira, bota o balde lá no chão e bota linha e pega
umas folhas [...] esbagaça nas mãos [...] sacode e faz lururururu [...]. Aí
quando o aratu tá bom já de pegar, eles vêm tudo, a gente avôa, eles pega
na isca [...]. Quando ele garra na isca a gente joga no balde.” (MC-33, 38
anos, Convento, 2016)

No tocante ao aratu, foi constatada a realização de uma nova modalidade de captura


pelos habitantes locais, que consiste na utilização de atração luminosa com lanterna. “À noite,
a gente coloca a lanterna em cima deles e eles caem. Aí, a gente colocando a lanterna,
pegando e botando dentro do balde com a luva.”(MC-50, 40 anos, Caminhada transversal,
206
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Pontal, 2016). Essa prática foi identificada entre os pescadores de Caravelas (BA) por Santos
et al. (2013), ao analisar os aspectos populacionais do aratu. Os pesquisadores esclarecem que
tal prática constitui-se predatória, pois não há seleção de indivíduos capturados. Nela,
inclusive os juvenis e em ecdise são pescados, o que geralmente não ocorre com a técnica
tradicional que utiliza vara e linha.
O beneficiamento dos recursos pesqueiros ocorre logo que a marisqueira chega a sua
residência e/ ou após a realização das tarefas domésticas. Essa etapa é efetuada
individualmente ou com a ajuda de vizinhos e da família, principalmente as filhas participam
desse momento. O primeiro passo consiste em lavá-los para depois cozinhá-los em fogo de
lenha, utilizando panela ou lata de tinta; após esta etapa, elas retiram o envoltório dos
moluscos ou quebram (descarnam) os crustáceos. No caso do siri, pode ser vendido inteiro ou
catado, com o aproveitamento do peito e da boca; já no aratu,31 no processo de
beneficiamento, são quebrados o peito e as patas. Todo o material tratado é colocado em
bolsas de 1 kg e armazenado na geladeira, como relatam as marisqueiras (Figuras 34 B, C, D
e E):

“O peixe a gente bota no congelador e o sururu a gente cozinha pra


desmiolar, tirar os miolo. O aratu cozinha pra quebrar, a ostra. [E pra
cozinhar como é?] Na lata. Nessa lata de tinta [...].” (M-46, 33 anos,
Preguiça de Baixo, 2016)

“Mata ele [aratu] espremendo. Depois bota pra torrar pra depois quebrar.
[Torra como?] Bota um pouco de água e bota ele no fogo numa panela.”
( M-40, 32 anos, Preguiça de Cima, 2016)

“Venho pra casa, lavo, acendo o fogo de lenha, né! Pra botar pra cozinhar,
pra depois tirar, pra depois é, colocar nas bolsinhas [sobre o
beneficiamento do massumim]. (M-22, 37 anos, Terra Caída, 2016).

A falta de estrutura, a frágil organização em termo de associativismo e a carência de


cursos de capacitação aliada à baixa escolaridade contribuem para que o beneficiamento
ocorra de forma rudimentar, em condições mínimas de higiene, o que pode comprometer a
qualidade do marisco e justificar os baixos valores agregados aos produtos. Não existe um
local específico para realizá-lo; por isso, os moluscos e crustáceos são manipulados em
qualquer ponto, seja no interior e nas portas das residências e/ou nos quintais com a utilização
de bacias, panelas e facas, sem o uso de luvas e toucas.

31
Segundo as marisqueiras, para 1 kg de catado é necessário que sejam quebrados 100 aratus grandes.
207
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Figura 34 – Coleta e beneficiamento de moluscos e crustáceos realizados pelas marisqueiras


em Indiaroba:

34A 34B
A A
aaa aaa
aA aA

34C 34D 34E


A A A do
A) Marisqueira no manguezalaaaextraindo aratu com uso de vara e linha B) e C) Lavagem e cozimento
aaa aaa
massunim D) Marisqueira quebrando o aratu E) Marisqueira exibindo o catado de massunim em bolsa de 1kg.
aA
Fonte: MC-06 (2015); Trabalho de campo, (2015-2017). aA aA

No que se refere à comercialização dos recursos extraídos pelas marisqueiras, ocorre


de maneira desorganizada em razão de não existir infraestrutura que atenda a produção local
com instrumentos que possam ser utilizados para a conservação e meios para transportá-lo a
mercados mais distantes (MALDONADO, 1986). Dessa maneira, elas enfrentam dificuldades
para realizar a venda em feiras e mercados, principalmente em Estância e Indiaroba. Dentre as
dificuldades, pode-se citar que algumas mulheres não conseguem o cadastro na prefeitura e se
aventuram na comercialização; outras possuem o cadastro, mas se deparam com a
concorrência dos atravessadores que ditam os preços, além de ter que dividir a banca por não
existir número suficiente para todas, mesmo pagando a taxa estabelecida pelo uso do espaço.32
Toda essa situação colabora para o fortalecimento do atravessador e fragiliza os rendimentos
dessas mulheres, que preferem entregar a mercadoria a preços mais baixos do que perdê-la,
recebendo um valor injusto pelo seu trabalho.

32
Em Indiaroba, elas pagam R$ 10,00 semanal ao final da feira.
208
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

“[...] eu não tenho freezer. Se colocar no congelador tudo, por exemplo, se


pegar um peixe com 10 Kg, o congelador não cabe. Eu tenho que oferecer
pra poder é [...] não ficar cheio aí.” (M-22, 37 anos, Terra Caída, 2016).

“[...] Hoje ou você vende no mercado de Estância [...] ou você vê outro


lugar pra vender. A dificuldade no mercado qual é? Porque você tem que
seguir preço dos que tá lá, concorrente [...] do atravessador. [...]. Ele vende
mais caro. [...] Lá dentro você consegue vender,[...] mas você passa o dia
todo. Perde seu tempo. [...] Hoje você perde até o horário do carro de vim
pra casa, porque tá mais caro e você não consegue vender. Outra que ele já
tem a freguesia dele e a gente que vai numa semana e na outra semana não
vai, a gente não tem freguesia certa.” (MC-48, 34 anos, Oficina de
indicadores, Preguiça, 2017)

“Eu mesma não tenho banca, me cadastrei, mas não tenho banca. [...]Aí, a
gente vai vender junto com aquela que tenha banca aqui em Indiaroba. [...]
Que ne Estância também não tenho banca e também não sou cadastrada,
mas quando a gente chega a gente tem que vender lá. Se os donos da banca
tiver, não tem como a gente vender ali.” (MC-52, 31 anos, Oficina de
indicadores, Preguiça, 2017)

Além do atravessador e de comercializar em feiras e mercados (de uma a três vezes


por semana), elas repassam os produtos para pessoas da comunidade, turistas (Aracaju),
veranistas e proprietários de restaurantes (Figura 35) a preços que variam a depender do
período; por exemplo, na Semana Santa33 os valores aumentam devido à maior procura
(Tabela 12). O pagamento é realizado, em geral, à vista ou para alguma data definida durante
a semana.
Na análise da rota de comercialização da qual as marisqueiras fazem parte, é
constatado que estas mulheres elaboram estratégias para a manutenção dos seus rendimentos
através das relações que imprimem com outros atores, além do atravessador, pois necessitam
ampliar a rede de compradores para a garantia da venda de seus produtos. Logo, torna-se
urgente pensar formas de melhorar o processamento e que estendam o alcance dos pescados
para que possam ter estabilidade do seu escoamento e um maior valor agregado.
Os rendimentos decorrentes do seu trabalho (pesca e extração de mangaba) são
destinados ao aprovisionamento da família, seja para o pagamento de despesas (energia e
água), alimentação, materiais escolares para os filhos ou até mesmo para o pagamento da
mensalidade da colônia e compra de insumos para o desenvolvimento da atividade,
demonstrando a relevância da participação feminina para a composição do orçamento
doméstico, para a garantia de bem-estar da família. Em consonância com Alencar (1991), o
trabalho da mulher fora do espaço doméstico, “por serem insuficientes os “homens” enquanto

33
No calendário católico corresponde ao período desde o Domingo de Ramos (entrada de Jesus em Jerusalém)
até o Domingo de Páscoa (da Ressurreição).
209
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

trabalhadores”, é imprescindível para a estabilidade do projeto de vida do grupo familiar, ou


melhor, a cooperação entre as partes é fundamental para a sua continuidade (ALENCAR,
1991, p. 146).

Figura 35 – Fluxograma do circuito de comercialização dos mariscos em Indiaroba

Fonte: Trabalho de campo (2015-2017); Adaptado de ARAGÃO (2011).

Tabela 12 – Preços mínimos e máximos dos principais recursos pesqueiros extraídos pelas
marisqueiras de Indiaroba (2015-2016)

Preços (mínimo e máximo)


Recursos Pesqueiros

Massunim R$ 8,00 - R$ 15,00


Ostra R$ 8,00 - R$ 25,00
Sururu R$ 8,00 - R$ 20,00
Moluscos
Sarnambi ou lambreta R$ 10,00 (um cento)

Crustáceos Aratu R$ 18,00-R$30,00 (catado)


Siri R$ 12,00- R$25,00 (catado)
Fonte: Trabalho de campo, 2015-2016.
Organização: SANTOS, E. A (2018).

No transcurso da discussão, foi pontuado que as marisqueiras-catadoras de mangaba


vivenciam um momento de instabilidade do seu modo de vida, em razão das novas
210
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

configurações do litoral brasileiro com a multiplicação dos usos e da exploração dos recursos
naturais que divergem da maneira como se relacionam com a natureza. Em consequência
disso, elas têm os acessos a áreas de coleta alterados com interferências no desenvolvimento
do seu trabalho, que podem contribuir para a perda do CET, da biodiversidade e o fim da
atividade.
No mapeamento dos seus territórios de vida, as (os) extrativistas inquiridas (os)
classificaram os acessos às áreas de pesca da seguinte forma (Figura 36 e Quadro 9):
I) Manguezal
Porção em que predomina a atuação feminina com a captura, sobretudo de moluscos e
crustáceos através de técnicas manuais com a utilização de instrumentos simples, cujo acesso
ocorre em áreas livres, desmatadas, privadas de modo restrito e proibido.
II) Estuário
Porção com o predomínio da atuação masculina, com destaque para a captura de
peixes e utilização de redes de malhas variadas. Nele, o acesso ocorre de forma livre, em
transição e proibido.
III) Porto
Estrutura rudimentar localizada em pontos estratégicos dos rios para o embarque e
desembarque dos recursos pesqueiros capturados pelas marisqueiras e pescadores. Nesses
locais, as canoas ficam aportadas, assim como alguns instrumentos utilizados nas pescarias,
covos e esteiras, por exemplo. O acesso acontece de forma livre, em área privada, permitido e
proibido.
As áreas de acesso livre correspondem às terras públicas com regime de apropriação
comunal, ou seja, condizem aos terrenos presumidamente de marinha e marginais, estuários
em que os recursos naturais são explorados por toda a população orientada por regras
informais fundamentadas no CET. Nessas áreas, as marisqueiras e os pescadores utilizam da
percepção ecossistêmica local para se apropriarem dos recursos pesqueiros, como explicitado
ao longo da discussão em tela. Das áreas mapeadas no manguezal, as extrativistas ressaltaram
a importância do Mangue do Batata, por ser um dos mangues mais disputados tendo em vista
que mulheres de povoados vizinhos (Convento, Saguim e Pontal) e de outros municípios
(Umbaúba, Nossa Senhora do Socorro e Estância) exploram os seus recursos. O rio Piauí e rio
Real aparecem como as principais áreas pesqueiras de livre acesso, por serem fontes de
alimentos, renda e integrarem um modo de saber e fazer marcado pelas nuances da natureza.
211
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Quadro 9 – Classificação dos acessos as áreas de pesca em Indiaroba/SE


Percentual em
Áreas de
Acesso Nomenclatura relação as áreas
pesca
mapeadas (%)
LV1 Prainha
LV2 Mangue da Estiva
LV3 Mangue do Porto
Livre (LV) LV4 Ilha Guarda Sol 17,9
LV5 Mangue do Batata
LV6 Mangue Zé de Lurdes
LV7 Ilha da Sombrinha
Dt1 Viveiro Olinda
Dt2 Viveiro Micaela
Manguezal

Dt3 Viveiro Fariseu


Desmatado (Dt) Dt4 Viveiro Lastro 17,9
Dt5 Viveiro Salina
Dt6 Morãozinho
Dt7 Condomínio club
PRo1 Mangue da ilha
Privado Restrito
PRo2 Mangue do Coqueirinho 7,7
(PRo)
PRo3 Ilha de Santos
PPr1 Pitander
PPr2 Mata Escura
Privado Proibido
PPr3 Maricultura São José (antiga 10,3
(PPr)
PPr4 Lusomar)
Matari
Furadinho
Rio Real
- Rio Piauí
Livre Rio da Prainha 17,9
Estuário

Rio de Dentro
Riacho do Barbosa
Rio do Matari
Em transição - Rio Coqueiro 2,6
Proibido - Rio Pitander
5,1
Trechos do rio Real
L1 Porto do Papagaio
Livre L2 Porto da Preguiça
10,3
L3 Porto Terra Caída
L4 Porto do Viveiro
Porto

P1 Porto 1
Privado P2 Porto 2 7,7
P3 Porto do Gringo
Proibido P1 Porto de Dentro 2,6
Fonte: Trabalho de campo (2016-2017)

Os portos aparecem como um assunto de grande repercussão entre as populações


pesqueiras, devido ao aumento das restrições de acesso com a venda dos terrenos a pessoas
externas à comunidade. Os portos integram a estrutura de suporte da atividade, em virtude de
funcionar como pontos estratégicos para o desenvolvimento das pescarias; regularmente, são
212
SANTOS, E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

construídos as margens dos rios, em porções territoriais pertencentes à União. No entanto,


com a privatização das terras, antigos caminhos que dão acesso a estes pontos têm sido
cercados. Nas comunidades analisadas, as áreas restritas correspondem a 10,3% da área
mapeada, situação que dificulta o desempenho da atividade (Quadro 9).
O quadro apresentado é válido tanto para os portos quanto para trechos do manguezal
e do estuário. Neste caso, as principais extensões territoriais proibidas referem-se àquelas
próximas à Fazenda Pitander e a Maricultura São José, que aparecem nas narrativas dos
sujeitos da pesquisa ao relatarem episódios constrangedores, nos quais foram obrigados
mediante intimidação verbal e armada a retirarem-se da área de extração.
Ao contrário das áreas privadas proibidas, têm-se as áreas privadas de uso restrito, que
se referem àquelas cujos proprietários aparecem esporadicamente, ficando deste modo sob a
responsabilidade de pessoas contratadas das comunidades: os caseiros. Nesse grupo, são
integradas, também, aquelas áreas que a população denomina de abandonadas, por ter o
conhecimento de pertencer a alguém, mas que o dono não aparece; nelas, as relações de
amizade e compadrio são fortalecidas e justificam o acesso. Contudo, são áreas que
representam instabilidade pelo fato de a proibição ser estabelecida em algum momento,
dependendo da disponibilidade do proprietário na manutenção da permanência do acesso.
As áreas desmatadas resultam do processo de reestruturação do litoral com a expansão
urbana, crescimento do turismo e aquicultura, entre outras ações já aqui referendadas. São
ações que divergem do modelo tradicional de uso deste espaço e que contribuem para a
restrição de pontos disponíveis à pesca e, consequentemente, para a insegurança social,
econômica, ambiental e cultural das populações pesqueiras. Em decorrência disso, outras
territorialidades vão sendo formadas, ou seja, pontos em processo de transição com o
acirramento das disputas em torno da apropriação do espaço e das incertezas em relação à
continuidade da atividade na localidade e ao uso dos caminhos existentes, como salientado na
discussão sobre a construção do condomínio club, que abrange trecho do rio Coqueiro,
território de pesca manejado pelas marisqueiras e pescadores do município.
SANTOS,E.A., 2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS 213

Figura 36 - Mapeamento social da pesca/ Indiaroba-SE


214
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

A partir do mapeamento social da pesca, é possível apreender que o manguezal


aparece como o território mais modificado quanto à instalação de novos empreendimentos na
localidade (carcinicultura, loteamentos e condomínios), pois apenas em 17,9% da área
mapeada o acesso ocorre de forma livre, sendo que em 35,9% o uso desenvolve-se de modo
restrito e proibido. Estes aspectos ratificam a ideia defendida no estudo de que as mulheres
são as mais afetadas com as mudanças locais, considerando-se que desempenham o seu
trabalho nesse território (Quadro 9); elas enfrentam as dificuldades de acesso tanto nas áreas
de extração quanto na obtenção dos direitos sociais.
Em síntese, pode-se observar pela exposição retratada que a privatização das terras e a
introdução de atividades baseadas no modelo de produção atual têm contribuído para que as
populações locais percam o controle das áreas e dos recursos, o que pode levar à diluição das
práticas tradicionais e ao desencadeamento de conflitos.
Destarte, o panorama atual da pesca é crítico e por conta dessas questões o Movimento
de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) tem articulado ações para o
fortalecimento da sua identidade, para a manutenção da atividade e, de modo consequente,
para a permanência e regularização do território pesqueiro.
Em 2012, o MPP lançou a Campanha Nacional pela Regularização do Território das
Comunidades Tradicionais Pesqueiras, com o objetivo de construir um instrumento legal de
iniciativa popular que garanta a manutenção e o modo de vida de pescadoras (es).
A defesa da regularização do território pesqueiro traduz a busca pela garantia da vida,
da cultura, do abastecimento do mercado interno e da conservação da biodiversidade
brasileira. As mulheres têm papel de destaque nesse processo, por possuírem um histórico de
luta em torno do bem-estar da família e da reprodução social do grupo. Logo, torna-se
necessária a presença das mulheres nos espaços de poder e decisão, na esfera pública, para
que a pesca não esteja fadada à extinção.
Em Sergipe, as marisqueiras, iniciaram um processo de articulação para formar um
movimento estadual, proposta discutida no II Encontro Inter-Regional das Marisqueiras
(Figura 37), realizado no ano de 2015 em Aracaju. O evento reuniu 85 mulheres da área de
abrangência do PEAC-Bacia Sergipe e Alagoas, que debateram sobre sua luta e a estruturação
do Movimento das Marisqueiras de Sergipe (MMS). Em 2017, foram eleitas as coordenadoras
locais representando as 14 comunidades de abrangência do Projeto Marisqueiras do PEAC.
O MMS representa uma iniciativa relevante para a organização e fortalecimento
sociopolítico das marisqueiras, para sua luta acerca da minimização das desigualdades
presentes do setor e para o fortalecimento da pesca artesanal em Sergipe, através da
215
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

preservação e demarcação dos territórios pesqueiros, da seguridade dos seus direitos com a
melhoria da qualidade de vida, isto é, de acesso aos direitos sociais e a condições dignas de
trabalho.

Figura 37 - Mulheres participando do II Encontro Inter-Regional das Marisqueiras

Fonte: Trabalho de campo, 2015.

A mobilização das mulheres pescadoras-marisqueiras traduz um passo imprescindível


para a conquista da autonomia feminina.

5.2.2 O mapeamento da mangaba em Indiaroba

Em Sergipe, o extrativismo da mangaba, em ordem de importância, é a primeira fonte


de renda para 38,89% das 72 localidades identificadas de catadoras de mangaba no estado.
São 1.776 famílias dedicadas à atividade, que têm nos campos nativos a fonte do seu trabalho,
visto que 90% dos frutos comercializados são provenientes dessas áreas (LIMA; SCARIOT,
2010; RODRIGUES et al., 2017). Logo, o extrativismo da mangaba tem uma importância
social e econômica para essas populações, uma vez que é relevante para a segurança alimentar
desse grupo e responsável por uma parcela expressiva dos seus rendimentos anuais. Apesar da
sua importância socioeconômica e de ser reconhecida como árvore símbolo do estado, pelo
Decreto nº 12.723/ 1992, a mangabeira não tem proteção legal que proíba o corte e que
possibilite o livre acesso das extrativistas às áreas de ocorrência.
A falta de instrumentos legais que venham fortalecer a proteção da vegetação de
restinga resulta no decréscimo da produção estadual. Para se ter uma noção, em 2016 a
produção sergipana foi de 190 t, bem menos expressiva daquela de 2010, com 401 t. Situação
216
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

contrária ocorreu na Paraíba, que num determinado período teve sua produção afetada devido
ao corte da mangabeira para a plantação de cana-de-açúcar, mas que reaparece nas
estatísticas, tornando-se em 2016 o maior produtor nacional do fruto com 246 t (IBGE, 2010-
2016). De acordo com Mota et al. (2011), o aumento da sua produção deve ser atribuído às
áreas de cultivo incentivadas pela EMEPA (Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da
Paraíba) e aos poucos fragmentos naturais preservados.
No tocante à participação municipal no total produzido em Sergipe, os municípios do
litoral sul foram responsáveis por 60,5% da produção no ano de 2016. Do montante
produzido, Indiaroba foi responsável por 18,4%, (35 t), o que evidencia a presença
considerável de indivíduos envolvidos na atividade (Tabela 13). No entanto, esses números
podem não representar a realidade, em virtude de não existir um acompanhamento por partes
dos órgãos responsáveis pelo extrativismo no estado. Desse modo, existe a possibilidade de a
produção ser maior do que a apresentada.

Tabela 13- Produção anual da mangaba nos municípios do Litoral Sul Sergipano
Estado/Município Produção em toneladas (t)
Sergipe 190
Itaporanga D’Ajuda 37
Estância 36
Indiaroba 35
Santa Luzia do Itanhy 7

Fonte: IBGE, Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (2016).

No tocante ao desenvolvimento do extrativismo vegetal nas comunidades analisadas,


Pontal e Preguiça apresentam-se como aquelas em que esta atividade juntamente com a pesca
são fundamentais para a renda familiar. De maneira oposta, aparecem Terra Caída e
Convento, em que a pesca e a agricultura, respectivamente, são de importância primária para a
composição da renda familiar. Em Convento, constatou-se, ainda, que o comércio
intermediário do fruto é significativo para o orçamento doméstico.
Para a realização do extrativismo no município, as mulheres normalmente deslocam-se
até os campos nativos em grupo de três a cinco componentes; as crianças são integrantes
importantes do processo, pois contribuem para agilizar o serviço e para a maior produção. Os
homens, ainda que sejam em menor número, também participam da etapa de colheita; o
motivo, já apresentado, tem relação com o fator proteção, uma vez que a violência aumentou
nas localidades, como ratifica MC-50:
217
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

“Aqui tem tempo que a vagabundagem corre tudo pra cá, porque tem muito
mato, né! Pra o povo se esconder. A gente já levou muita carreira daqui.
Foi!” (MC-50, 40 anos, Caminhada transversal, Pontal, 2016)

As catadoras de mangaba realizam a atividade em vários pontos do município (Figura


40) e, devido à diminuição das áreas livres para a extração, estão deslocando-se para pontos
longínquos que ficam entre 1 h a 5h de distância das suas residências. Para chegar a estes
pontos, assim como na pesca, utilizam como meio de transporte moto, canoa e carroça.
Na área de coleta, cada família é responsável pela quantidade extraída, ficando em
uma árvore por vez, na qual a partir do CET faz a seleção dos frutos adequados. As catadoras
relatam que no período da safra, nas áreas de uso comum, chegam a extrair os frutos de até 30
plantas por dia, com o aumento para 50 plantas no período de entressafra, que corresponde
aos meses do inverno. Já nas áreas particulares, os números são menores entre 4 a 10 árvores
na safra e até 20 na entressafra. Os dados apontam a exploração intensiva nas áreas de uso
comum, tendo em vista o aumento das demandas de mercado relativas ao fruto e à diminuição
das áreas disponíveis para o extrativismo, fatores que contribuem para a eclosão dos conflitos
na localidade, pontos discorridos na próxima seção.
Os frutos colhidos são preparados para o beneficiamento (pós-colheita), que consiste
na lavagem, secagem, separação e armazenamento destes (Figura 38); nesta etapa a catadora
trabalha sozinha ou tem ajuda da família, com a participação esporádica do marido.
A mangaba “de vez” ou mangaba de capote passa pelo processo de “encapotamento”,
que se constitui no seu acondicionamento em caixas ou bacias cobertas com folhas de papel,
amêndoa ou saco plástico, a fim de acelerar o processo de maturação, que ocorre
aproximadamente em 3 dias. Estes frutos frequentemente são vendidos aos atravessadores (do
Povoado Convento e da comunidade), aos proprietários de fábricas de polpa (de Lagarto,
Aracaju e Itabaiana), de pousadas em Mangue Seco, à ASCAMAI, no mercado e em feiras
livres (Estância, Itabaiana, Itabaianinha e Umbaúba); ao passo que o fruto de queda é vendido
a varejo, em feiras livres ou por encomenda, além de ser consumido pela família na
elaboração de doces, sucos e/ou comercializado na forma de geladinho. Nota-se que, junto à
mangaba, as catadoras comercializam nas feiras outros produtos locais como os mariscos,
feijão, manga e jenipapo, cuja finalidade é o complemento da renda familiar (Figura 39).
218
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Figura 38–Beneficiamento da mangaba realizado pela catadora em Pontal

38A 38B
A A
aaa aaa
aA aA

38C 38D
A A
A) Lavagem B) Secagem C) Separação e D) Encapotamento dos frutos.
aaa aaa
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).
aA aA

Há uma diferenciação no valor dos frutos pelo tipo e pela época de colheita. O dos
frutos de queda é mais elevado (R$ 4,00), em razão do sabor ser mais apurado e serem de
melhor qualidade. Em relação à diferenciação do valor de acordo com época de colheita, na
entressafra os preços são mais elevados, por causa da baixa produção. As catadoras relataram
que a caixa com 30 kg no período da safra é vendida por um valor entre R$ 15, 00 e R$ 35,00
e o litro entre R$ 2,00 e R$3,00; na entressafra, os valores são reajustados e a caixa é
comercializada por um preço que varia entre R$ 30,00 e R$ 50,00 e o litro entre R$ 2,50 e
R$6,00 (Figura 39)
As catadoras de mangaba de Sergipe utilizam diferentes estratégias para ingressar nos
circuitos de comercialização, definidas a partir da forma de acesso às áreas de coleta e dos
locais de venda; por conseguinte, ocorreu a ampliação de parcerias de compra e venda de
frutos entre as catadoras de mangaba e os proprietários das áreas de coleta, fazendo com que
estes assumissem um papel importante nestes circuitos. Verificou-se ainda o aumento da
comercialização entre catadoras, principalmente, para as unidades de beneficiamento coletivas
219
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

em que são confeccionados os produtos derivados do fruto (RODRIGUES et al., 2017). No


caso das comunidades investigadas, Pontal foi aquela em que se identificaram relatos de
repasse para a associação, mas de forma incipiente, em virtude do número reduzido de
catadoras participantes.

“ [...] a gente cata pra associação. Mas, nem todo mundo. É tanto que conta
nos dedos o que cedem pra sede, porque [...] pra fora eles ganham mais, né?
Aí, nem todo mundo faz isso”[sobre a venda a associação]. (MC-01, 37
anos, Pontal, 2015)

Figura 39 – Comercialização da mangaba realizada pelas catadoras de Indiaroba

39A
A
aaa
aA

39B 39C
A A
A) Catadoras na feira de Estância B) Frutos armazenados em lata de óleo utilizada como medida do litro
aaa aaa
para a venda a varejo C) Caixa vazada de 30kg usada para as maiores vendas.
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017). a A aA

Apesar do incremento nas vendas, devido aos usos do fruto nos últimos anos (em
forma de sorvete, polpa, picolé etc.), as catadoras enfrentam dificuldades, mormente,
relacionadas ao acesso às áreas de coleta e aos canais de comercialização, posto que
necessitam de melhorias no deslocamento do produto (transporte) e nos locais em que são
comercializados. De modo igual a pesca, a comercialização em mercados mais distantes ou
220
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

até mesmo próximos é dispendioso para a catadora por não existir uma estrutura de suporte ao
acondicionamento, transferência e comercialização dos frutos. Desse modo, para estas
mulheres é mais vantajoso o repasse aos atravessadores, mesmo não recebendo o valor
condizente ao seu trabalho.

“[...] muitos compram no Pontal. Elas compram a carga tudo lá po Pontal a


um rapaz de Japoatã que vende aqui também. Um “J” compra tudo lá po
Pontal. No Pontal é onde têm muitas. Elas compram mangaba no Pontal
como “R,” mesmo que vende em Itabaianinha, vende em Umbaúba [sobre a
venda aos intermediários]. (C-32, 61 anos, Convento, 2016).

Em geral, o pagamento é realizado no ato da entrega, mas existem os casos em que as


catadoras recebem após a venda na feira, ou até mesmo na semana seguinte quando do
recolhimento da próxima encomenda. Os rendimentos obtidos são direcionados as despesas
domésticas.
Com base na classificação de Mota et al. (2011) e Vieira e Rodrigues (2009), as áreas
mapeadas pelas catadoras, relativas aos acessos, foram agrupadas da seguinte forma: áreas
livres (públicas e privadas), áreas privadas (permitida e proibida), áreas desmatadas e através
do sistema de “meia” e de acordo de compra e venda dos frutos (Figura 40 e Quadro 10).
As áreas livres são formadas pelos terrenos públicos e devolutos, onde ocorrem a
maioria dos acessos e representam uma das menores parcelas dos territórios mapeados
(7,7%); nessas áreas, o uso tem sido intensificado em virtude da diminuição daquelas
disponíveis à extração. As catadoras relatam que existem áreas correspondentes aos terrenos
de marinha que estão cercadas, nas quais pessoas se intitulam proprietárias e impedem o
acesso à extração, dificultando ainda mais o desenvolvimento das atividades, tendo em vista
que essas áreas representam um dos menores percentuais mapeados pelas extrativistas (7,7%).

A Prainha [...], mas só que lá não pode. Diz, né? Os donos que tá pegando
que diz que não pode ninguém tirar não. Mas, só que ali nem é dele, nem é
os donos. É propriedade mesmo das catadoras de mangaba ir pra lá catar.
Mas, eles não deixam. (MC-50, 40 anos, Caminhada transversal, Pontal,
2016)

O relato demonstra a urgência na elaboração de instrumentos que possibilitem a


proteção da vegetação e do modo de vida dessa população.
O acesso livre também é realizado em áreas privadas com permissão dos donos e em
sítios abandonados, sem que para isso as catadoras tenham que pagar pelo uso. A única
recomendação é que a extração ocorra de forma cuidadosa para evitar a degradação da
221
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

vegetação. Em Pontal, as catadoras vivem a instabilidade quanto à realização da atividade


numa propriedade particular com essas características, devido à morte da proprietária, que foi
uma distinta incentivadora do extrativismo no local. A preocupação é intensificada, em
virtude da ampliação dos cercamentos das terras; principalmente depois que as mulheres
passaram a se organizar coletivamente frente à garantia dos seus direitos, os donos, com
receio, passaram a adotar essa conduta e até mesmo a cortar as mangabeiras, impossibilitando
o desenvolvimento da extração.

Quadro 10 – Classificação dos acessos as mangabeiras em Indiaroba/SE


Áreas Percentual em
Acesso de Nomenclatura (1) relação as áreas
extração mapeadas (%)
Meação (Me) Me1 Sucuruiu
3,8
Acordo Compra e Venda (CV) CV1 Bocero 3,8
Livre (LD) LD1 Sete Casco
LD2 Prainha 7,7
Dt1 Viveiro Lastro
Dt2 Condomínio club
Dt3 Cultivo de eucalipto
23,1
Desmatado (Dt) Dt4 Viveiro Fariseu
Dt5 Viveiro Olinda
Dt6 Viveiro Salina
SP1 Pontal
Restinga

SP2 Preguiça de Cima


Sítio Próprio 15,4
SP3 Propriedade SM
SP4 Preguiça de Baixo
PPe1 Propriedade SD
PPe2 Propriedade DS
Privado Permitido (PPe) 15,4
PPe3 Propriedade I
PPe4 Propriedade R
PPr1 Pitander
PPr2 Matari
PPr3 Propriedade H
Privada Proibido (PPr) 23,1
PPr4 Micaela
PPr5 Propriedade MC
PPr6 Propriedade P
Privado Abandonado (PPa) PPa1 Propriedade AL
7,7
PPa2 Ilha
Fonte: Trabalho de campo (2016-2017); classificação baseada em Mota et al. (2011) e Vieira; Rodrigues (2009).
Nota: (1) Nas áreas apontadas com o nome do proprietário, foram utilizadas siglas para manter em sigilo a sua
identidade.
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS 222

Figura 40 - Mapeamento social da mangaba/ Indiaroba-SE.


223
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Porque é, já é uma coisa muito grande, crescendo [..]. Como a gente


conseguiu agregar muito valor, valorizou a mangaba através da nossa
organização, da nossa forma de trabalhar. Com ela, então, os donos das
terras, né! As pessoas que dava valor nenhum pela aquela fruta, hoje tá
dando entendeu? Eles não querem mais vender pra gente. Vender! Que
antes a gente podia pegar livremente. Por se dizer donos, eles não querem
repassar pra gente num valor mais baixo. [...] eles botam um caseiro, [...],
mandam que o caseiro cate [...] e vende pra fora e as catadoras ficam no
preju.” (L-03, 30 anos, Pontal, 2015).

Com base no exposto, foram mencionadas as áreas proibidas, onde o acesso às plantas
acontece nas primeiras horas da manhã, de forma oculta. Nelas, as catadoras estão sujeitas às
ameaças e constrangimentos por parte dos proprietários e caseiros, tendo que deixar os frutos
coletados quando surpreendidas.

[...] Não! Nós não temos área livre. Tem uma outra grande área [...] que
também era aberta. É uma área grande também. Aí, hoje é fechada. [Mas,
vocês vão ainda?] Vamos! Porque é fechada, mas tem lugar ainda pra
passar. E mesmo têm outros lugar que é fechado e mesmo assim têm
mulheres que cata. Aí, é onde entra a questão das ameaças, né? Cadeia, não
sei o quê. Pegar, tomar as mangabas. Já teve muitos casos aqui. (MC-02, 30
anos, Pontal, 2015)

As ameaças representam o processo de privatização das terras com o aumento das


“cercas”, dos loteamentos, da monocultura e da carcinicultura, que suscita a segregação dos
nativos para áreas mais interioranas, o desmatamento dos campos nativos com o impedimento
da prática de uma atividade desenvolvida por gerações (Figura 41).
No mapeamento social da mangaba (Figura 40 e Quadro 10), percebe-se que as áreas
proibidas e desmatadas correspondem a 46,2%, isto é, o maior percentual em termos de
acesso à mangabeira apontado pelas catadoras, demonstrando a situação de vulnerabilidade a
que estas mulheres estão expostas.
Em decorrência do quadro agravante em que se encontram, as mulheres elaboram
estratégias como uma maneira de permanecer na atividade; o acesso as áreas de extração
através de acordos de “meia” e compra e venda contempla as novas configurações do
extrativismo na área de estudo.
O extrativismo da mangaba através do sistema de “meia” é caracterizado pela divisão
igualitária dos frutos colhidos ou dos rendimentos obtidos com a sua venda entre o
proprietário da terra ou caseiro e a catadora. No caso do acordo de compra e venda, pode ser
realizado mediante a aquisição do balde a partir de uma quantia de R$ 50,00 ou da safra com
o pagamento de até R$ 400,00 no final da colheita. No mapeamento, apenas dois pontos
224
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

foram demarcados com essas práticas, localizados em Pontal e na Preguiça de Cima,


respectivamente.

[...] Meia, geralmente é nos sítios, né? Quando a gente vai tirar. Tem
alguém que tem um sítio grande. Aí, a gente vai, conversa. Aí, pronto vocês
tiram de meia. Que os donos de sítio, geralmente, não sabem tirar, não
sabem qual é a mangaba certa. Aí, [...]a gente faz um acordo e tira de meia.
Tira duas caixas, é uma nossa e uma do dono. Agora quando compra assim,
compra mesmo. Eles tiram e a gente compra as caixas, normal. (MC-02, 30
anos, Pontal, 2015)

Figura 41– Atividades que ameaçam a continuidade do extrativismo da mangaba em


Indiaroba

41A 41B
A A
aaa aaa
aA aA

Eucalipto

41C
A
A) Propaganda de área loteada em Pontal; B) Cercamento das áreas de extração em Pontal; C) Venda de
aaalotes
e cultivo de eucalipto, em segundo plano, no Povoado Terra Caída. aA
Fonte: Trabalho de campo (2015-2017).
225
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Para Mota et al. (2011), essas novas práticas promovem a desvinculação entre a
catadora e o recurso com a decorrente erosão dos saberes por não existir o contato frequente
com as plantas.
O extrativismo também é praticado em propriedades privadas próprias (sítios
próprios), quando as catadoras têm nos seus terrenos algumas árvores que são exploradas pela
família e/ou por vizinhos, nos moldes de reciprocidade e companheirismo; nessas áreas,
existem as plantas nativas e aquelas cultivadas a partir dos incentivos provenientes da
valorização do fruto no mercado nacional.
O acesso aos recursos é um dos pontos de reivindicação das catadoras e pauta de luta
para a implantação da RESEX Litoral Sul, como pode ser identificado nas falas das
inquiridas:

“[...] a nossa maior luta hoje é pela questão do território [...]. Então, é a
nossa maior luta, a nossa maior preocupação [...].” (MC-02, 30 anos,
Pontal, 2015)

A garantia do território hoje é fundamental. [...] vai melhorar pra gente. A


gente vai, tem um local fixo, a garantia de catar mangaba. ((MC-01, 37
anos, Pontal, 2015)

Nos relatos das catadoras, fica evidente a importância da efetivação da RESEX Litoral
Sul para a definição do território tradicional extrativista e para a continuidade de suas práticas.
Elas lutam por um território no qual possam gerir e fundar o sentido do grupo, perpetuar sua
história; assim, a luta pela RESEX traduz a luta pelo reconhecimento de suas territorialidades,
a busca por novos padrões normativos que possam solucionar suas necessidades,
aproximando as leis e os direitos das práticas sociais cotidianas. Em outras palavras, buscam o
reconhecimento jurídico do seu modo de saber e fazer, da existência de outras manifestações
normativas informais, que conseguem dar conta das formas coletivas da terra e dos recursos
naturais (CRUZ, 2007).
O processo de autorreconhecimento e mobilização política coletiva das mulheres
catadoras de mangaba e produtos do manguezal tem início em 2003, quando uma equipe da
EMBRAPA realiza o mapeamento dos remanescentes de mangabeiras no Norte e Nordeste do
Brasil (MOTA, 2007, 2011; SANTOS, 2007). Nele foi constatada a existência de um novo
tipo de população tradicional, que passou a se organizar, criando em 2007 o Movimento das
Catadoras de Mangaba (MCM) em Sergipe.
O MCM/SE surgiu durante o I Encontro das Catadoras de Mangaba do Estado de
Sergipe (VIEIRA; RODRIGUES, 2009), realizado em Aracaju com a participação das
226
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

catadoras de mangaba, de uma liderança de coco babaçu do Maranhão, pesquisadores e


técnicos da Embrapa e do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária),
que tiveram como objetivo reunir as catadoras de mangaba para entender os aspectos sociais e
ambientais da atividade extrativista, assim como as ameaças recentes ao seu exercício e
organizá-la coletivamente.
Os encontros organizados tanto pela Embrapa quanto pelas catadoras e a formação do
MCM/SE foram relevantes para que estas se reconhecessem catadoras de mangaba e para a
elaboração de cartas com reivindicações acerca de melhores condições de trabalho,
capacitação e acesso à terra, direcionadas ao Ministério Público Federal de Sergipe
(MPF/SE), para que se posicionasse frente as suas demandas.
O MPF/SE convidou algumas instituições (Emdagro, INCRA, ICMBio34, Secretaria
Estadual de Inclusão Social, Universidade Federal de Sergipe, dentre outras) para que
apresentassem propostas em atendimento às demandas das catadoras de mangaba. Diante
disso, as instituições passaram a intervir diretamente nas comunidades, orientando na emissão
das DAP para a participação no PAA, discutindo a pauta das comunidades tradicionais,
reserva extrativista e inserindo-as no projeto Geração de Renda e Segurança Alimentar e
Nutricional.
Ainda no ano de 2007, as catadoras conquistaram o reconhecimento, na esfera
nacional, de população tradicional a partir da Política Nacional de Povos e Comunidades
Tradicionais (PNPCT); esse documento tornou-se relevante para a visibilidade desses povos
nas discussões sobre populações tradicionais.
Destarte, as catadoras de mangaba se organizaram e passaram a reagir, tornando-se
atores visíveis na luta pela manutenção do seu modo de vida e integrantes em importantes
redes nacionais, a exemplo da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais
(CNPT), Comissão Mista Intersetorial do Plano Nacional para Fortalecimento das
Comunidades Extrativistas e Ribeirinhas (PLANAFE) e da Comissão Nacional de
Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (CONFREM).
A participação das catadoras de mangaba nas redes representa importante
oportunidade para o crescimento de uma política afirmativa relacionada às populações
tradicionais em nível nacional (MOTA et al., 2011), isto é, o reconhecimento como
comunidade tradicional através Lei 7.082/2010 e o apoio à mobilização relacionada à garantia
de acesso às áreas que praticam o extrativismo (RODRIGUES et al., 2017).

34
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
227
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

No ano de 2010, o grupo deliberou propostas para compor o projeto “Catadoras de


mangaba, gerando renda e tecendo vida em Sergipe”, submetido ao edital público do
Programa Petrobras de Desenvolvimento & Cidadania, conforme discussão inicial na análise
dos indicadores. Este foi concedido até o primeiro semestre de 2015, sendo realizado pela
ASCAMAI em parceria com a Universidade Federal de Sergipe e com o apoio do MCM.
Com a introdução da comunidade no projeto aludido, as mulheres envolvidas tiveram
a oportunidade de aprimorar formas de beneficiamento dos frutos que eram vendidos com
frequência in natura. Segundo as catadoras, o projeto contribuiu para o compartilhamento do
trabalho coletivo no beneficiamento dos frutos e para a partilha e discussões sobre a
comunidade onde elas vivem, além de possibilitar a valoração do produto a ser
comercializado.
De acordo com a tesoureira da ASCAMAI, inicialmente no projeto estavam
envolvidas cerca de 60 pessoas (mulheres, em número maior, e alguns homens); porém, na
atualidade, nem todas permaneceram, sendo reduzido o número daquelas que trabalham na
produção dos derivados da mangaba. Ela ressalta que isso é devido às catadoras não terem
condições estruturais de esperar para receber o pagamento no final do mês, de terem filhos
pequenos ou devido aos maridos não permitirem que elas viajem.
Na finalização do projeto, foram entregues às comunidades quatro unidades de
beneficiamento e processamento de frutas tropicais, sendo Pontal uma das comunidades
contempladas com a construção da unidade.
Na unidade de beneficiamento, a partir da oficina Noções de Boas Práticas e
Segurança Alimentar e Nutricional, as mulheres tiveram a oportunidade de desenvolverem as
receitas apreendidas dos seus antepassados (Figura 42). Hoje, elas produzem bolos, geleias,
licores, biscoitos, tortas, trufas, bombons, balas, compotas e granola em três linhas de
comercialização: frutos da restinga (alimentos produzidos à base de frutas da restinga
sergipana- mangaba, cambuí, murici, araçá, cambucá), frutos de quintal (alimentos produzidos
à base de frutas dos quintais produtivos das catadoras de mangaba- jaca, manga, caju) e frutos
desidratados (alimentos desidratados com a tecnologia social do secador solar, sem aditivo de
açúcares ou conservantes).
Os produtos elaborados nas unidades de beneficiamento são comercializados nas
comunidades, em eventos locais, nacionais e já foram entregues, por um determinado período,
à prefeitura de Indiaroba para a distribuição nas escolas; estes são percebidos como mais uma
possibilidade de ampliação de renda das catadoras de mangaba.
228
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Figura 42- Produção dos derivados da mangaba em Indiaroba

42A
A
aaa
aA

42B 42C
A A
A) Produtos comercializados pelas catadoras de mangaba de Sergipe; B) Unidade de beneficiamento em
aaa aaa
Pontal; C) Comercialização dos derivados da mangaba na residência da catadora.
aA http://www.catadorasdemangaba.com.br (2015) aA
Fonte: MC-02 (2015); trabalho de campo (2015-2017);

No final de 2014, as catadoras de mangabas conseguiram efetivar o registro da


Cooperativa de Economia Solidária das Mulheres Extrativistas de Sergipe (COOPMESE), o
que representou para as catadoras entrevistadas e pertencentes ao projeto uma nova etapa na
luta pela permanência da atividade, pela valorização do trabalho das mulheres extrativistas
sergipanas e o surgimento de outras oportunidades, uma vez que possibilita a participação em
licitações para o fornecimento dos seus produtos aos setores públicos.
Atualmente, elas se autodenominam catadoras de mangaba e/ou mulheres
mangabeiras, designação política e econômica para aquelas que se mobilizam em prol da sua
reprodução como grupo que desenvolve uma atividade nos moldes das comunidades
tradicionais.

[...] catadoras de mangaba é uma categoria analítica, decorrente da


construção de uma tipologia, a partir da generalização de traços observados
em distintas situações empíricas, [...], quanto ao manejo das plantas,
229
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

analogia entre planta e corpo, os modos de socialização a partir da tradição


oral etc. (MOTA et al., 2011, p. 117).

Dessa maneira, as mulheres pescadoras-marisqueiras-catadoras de mangaba integram


o grupo que tem na relação com o ambiente e entre si os elementos constituintes das suas
identidades, que dão sentido à arte de serem extrativistas.
O modo de ser dessas mulheres é construído pela autonomia, liberdade, saberes,
imprevisibilidade, crenças, amizade, resistência e luta, aspectos que marcam a sua existência
como sujeitos pertencentes a uma cultura que transcende gerações, como certifica M-21 ao
expor o que é ser pescadora e L-03 sobre ser catadora de mangaba, e que traduz toda uma
experiência nas marés da vida:

“É honestidade, [...] é ter liberdade. Eu gosto da pesca, eu gosto de


trabalhar. Eu não gosto de tá dependendo de ninguém, sabe! E me sinto, me
sinto feliz quando tô pelo mundo. Tá entendendo? É assim! [...] Eu gosto!
[...] Eu tô ali, sabe! Um problema se eu tiver, alguma coisa assim, ali
naquela hora sai tudo. Eu esqueço de tudo. Pra mim ali é só a minha
pescaria. Só tô ali só mesmo envolvida nela.”(M-21, 49 anos, Terra Caída,
2016)

“ Ser catadora é tudo. Ser mãe, ser mulher, ser independente. [...]. Hoje
depois dessas conquistas todas que a gente vem tendo, né? É que faz a gente
se sentir gratificada. [...] A questão das lutas, da gente ter tomado coragem
de enfrentar. Af! Foi difícil no início, porque uma coisa é você, é uma
prática que eu aprendi com os meus avós, com os meus pais e que eu tô
fazendo. Outra coisa é você dizer: eu sou catadora de mangaba e vou lutar
pra que essa prática mais tarde continue sendo de geração pra meu filho,
mas que seja uma prática mais confortável, não tenha tantos
questionamentos, tantas lutas, como tá acontecendo hoje, né? Que eles
consigam uma fase, uma etapa melhor com a garantia de território, né?
Garantia de mangabeiras, né? Assim, livres e de bons estados [...].” (L-03,
30 anos, Pontal, 2015).

As mulheres dedicadas ao extrativismo trazem consigo toda uma história de luta e


superação, marcada pela persistência em continuarem a se manter como grupo que tem nesta
atividade o fundamento da sua existência, da sua liberdade, pois esta representa a “autonomia
possível num contexto social de intensa opressão e submissão” (RAMALHO, 2006, p. 97).
O mapeamento dos seus territórios de vida representa, através dos seus desenhos, um
saber construído na sua prática cotidiana, as ameaças ao seu modo de vida, a partir da
sobreposição das territorialidades desencadeadoras dos conflitos, e as suas reações com a
criação e recriação das modalidades de reprodução material, social e simbólica (DIEGUES,
230
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

2001). Ele aparece como um subsídio na formulação de políticas públicas e ordenamento do


território com a valorização do conhecimento dessas comunidades.

5.3 Terra e água: arena dos conflitos na apropriação biogeográfica dos recursos

Terra e água abrigam os elementos que fundam um modo de viver das comunidades
extrativistas de Indiaroba, grupo que tem nas relações estabelecidas nos espaços de uso
comum a continuidade da sua reprodução social e simbólica; por isso, a importância da
utilização desses recursos de forma a respeitar os ciclos naturais, conforme explicitação
anterior.
Destarte, as populações tradicionais vivem um processo de desproteção ambiental e
insegurança que ameaça o seu modo de existência, estando submersas a um modelo
econômico que tenta inviabilizá-las por negar outras formas de ocupação do espaço e de uso
dos recursos naturais que não sejam as que ele promova (LEROY, 2011). Nessa lógica, os
povos tradicionais passaram a ser afetados pelos impactos oriundos de outros modos de
apropriação- a estatal e a privada, que têm na expropriação dessas comunidades o fundamento
para o seu crescimento.
Todo esse panorama dá forma à injustiça ambiental, caracterizada pela desigual
distribuição dos impactos sobre as populações, isto é, pelo arrasamento do seu modo de vida,
com a destruição dos ecossistemas, pela privação de “acesso aos recursos de que dependem
para viver, graças à instalação de grandes projetos de exploração mineral, de geração de
energia, de plantio de monocultivos etc.” (ARANTES; GUEDES, 2010, p. 14).
Ao desconsiderar os diferentes olhares e sentidos dados à natureza pelas comunidades
locais, os governos invisibilizam formas alternativas sustentáveis de gestão (ARANTES;
GUEDES, 2010) e colaboram para o acirramento dos conflitos.
Os conflitos originados em torno da natureza, ou seja, da apropriação dos recursos
naturais, são denominados de conflitos socioambientais, formados nas tensões pelo acesso aos
bens de uso comum e que retratam em seu fundamento os problemas gerados pela finitude, ou
melhor, escassez desses bens; eles expressam a luta entre interesses opostos que disputam o
controle dos recursos naturais e o uso do espaço comum e refletem a oposição entre a lógica
de mercado e a lógica das comunidades tradicionais.
Little (2001) explicita que os conflitos de cunho socioambiental caracterizam-se como
aqueles resultantes dos embates entre os grupos sociais que possuem diferentes modos de vida
e são suscitados quando pelo menos um dos atores sociais participantes do conflito tem sua
231
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

base de sustento e/ou reprodução ameaçada. O autor menciona, também, que o conceito
socioambiental abarca três dimensões: o mundo biofísico, caracterizado pelos ciclos naturais;
o mundo humano, formado pelas relações e estruturas sociais; e a interação entre os dois
mundos que baliza a complexidade da relação sociedade-natureza. Destarte, os conflitos
socioambientais são conflitos sociais que envolvem a natureza e a sociedade; a cisão entre
interesses privados e os interesses coletivos relacionados aos problemas ambientais
(SCOTTO, 1997).
Ainda segundo Little (2001), os conflitos socioambientais podem ser classificados em:
i) conflitos pelo controle dos recursos naturais; ii) conflitos em torno dos impactos ambientais
e sociais gerados pela ação humana e natural; iii) conflitos pelo uso dos conhecimentos
ambientais.
No caso das comunidades extrativistas de Indiaroba, os conflitos são ocasionados
pelas modificações provocadas pelo modo de produção atual, em que o uso e a apropriação
dos espaços comuns passam a ser realizados por agentes econômicos privados (RAMALHO,
2006; RODRIGUES, 2009), englobando a classificação i) e ii) de Little (2001), situação que
tem provocado a restrição dos acessos, a diminuição da oferta de pescado, a dilapidação do
patrimônio natural, entre outros.
Os conflitos estão exclusivamente ligados ao modelo de sociedade existente,
caracterizando-se como diversos, correspondendo aos embates relevantes para a renovação e
unidade da sociedade e fazendo parte da trama social. Como esclarece Mota et al. (2011), eles
desencadeiam um dualismo e leva a um modo de coesão, pois a disputa unifica os adversários
em torno de um objeto comum, mesmo que ocorra a destruição de um dos envolvidos.
Tais conflitos envolvem sujeitos que lutam por seus projetos de vida, os quais
integram grupos que, em regra, são politicamente marginalizados. A visibilidade das
demandas desses grupos, dos conflitos vivenciados por eles, ocorre a partir da capacidade
política dos atores envolvidos em torná-los públicos (VIANNA, 2008). Os conflitos
representam um campo de estudo e de ação política (LITTLE, 2001), já que desvela a crise de
um modelo de sociedade e a luta de grupos tradicionais pelo reconhecimento dos seus
projetos específicos de propriedades.
O estudo desses conflitos torna-se possível a partir da análise dos atores sociais, os
quais constituem peças-chave para sua efetivação e quando se busca a compreensão dos
interesses específicos dos atores participantes. Logo, para que o entendimento do conflito seja
válido e confiável, é preciso entender em quais posições os atores situam-se e quais os
objetivos de cada um (PLATIAU et al., 2005).
232
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Com base nos pressupostos, as (os) extrativistas foram indagadas (os) a respeito do
desencadeamento de conflitos no seu cotidiano e se percebiam as interferências desses
processos no desenvolvimento da sua atividade, uma vez que as transformações ocorridas
nesse ambiente impactam diretamente a dinâmica local dessas comunidades; por isso, a
relevância do debate acerca das questões que acirram os conflitos no cotidiano das pescadoras
para se pensar medidas que venham minimizar tais tensões.
Assim, para a obtenção de dados e informações acerca dos conflitos nas áreas
investigadas, foi fundamental a participação dos envolvidos na atividade extrativista
(marisqueiras-catadoras, pescadores, lideranças comunitárias e gestores), que contribuíram
para a sistematização do quadro dos conflitos socioambientais (Quadro 11) e para a
elaboração do mapeamento social da mangaba e da pesca em Indiaroba (item 5.2)
O quadro 11 apresenta os atores envolvidos nas disputas em torno do controle dos
recursos naturais e os problemas gerados pelas interferências antrópicas no espaço da pesca
artesanal. O referido quadro mostra como as diferenças de perfis entre atores sociais nas
localidades contribuem para o acirramento das disputas no espaço pesqueiro e da mangaba.
Eles são resultantes de jogos de interesses diversos em áreas de potencial ecológico e
econômico relevantes, como é o caso do estuário e do manguezal.
Na arena em que os conflitos são desencadeados, o Estado exerce um papel de
destaque, pois tem sido um dos principais agentes transformadores da zona costeira, com a
inserção de projetos macrovetoriais de desenvolvimento regional de turismo, infraestrutura,
ocasionando impactos sobre as comunidades (PROST; SILVA, 2016).
A expansão urbana tem ocasionado a ocupação de trechos de rios, contribuindo para o
desmatamento do manguezal, das mangabeiras, poluição dos recursos hídricos e segregação
dos pescadores.
Aliado a questão supracitada, ocorre a restrição aos antigos caminhos que dão acesso
às áreas de pesca, gerando a indignação dos pescadores e das pescadoras, principalmente
porque com o aumento do fluxo turístico, com a concentração fundiária e com a construção de
empreendimentos imobiliários, foram proibidos de atracarem em alguns portos (antigos locais
de embarque e desembarque do pescado).
233
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Quadro 11 - Configuração dos conflitos socioambientais em comunidades pesqueiras sergipanas: arena, atores em conflito,
dinâmica do conflito e problema central

Arena Atores em conflito Dinâmica do conflito Problema central

Pescadoras (es)-Catadoras Transformação espacial com investimentos em


Aumento da ocupação com desmatamento da restinga, do
X infraestrutura para o crescimento econômico no litoral e a
manguezal e turismo desordenado.
Governo do estado promoção de novos usos.
Proibição do acesso a antigos pontos de embarques e
Pescadoras (es)-Catadoras
desembarques pesqueiros e proibição de entrada para a Ameaça à continuação da atividade pesqueira e do
realização da coleta da mangaba, com situações de extrativismo da mangaba.
X
constrangimento vivenciadas pelas catadoras e cortes das Formas diversas de violência contra as extrativistas.
Proprietários de terras
mangabeiras.
Ações degradantes durante a colheita, desmatamento devido
Catadoras X Catadoras ao plantio de monoculturas e extração dos frutos pelas Diminuição dos frutos, dos rendimentos e morte de árvores.
catadoras sem-terra em sítios de outras catadoras.
Pescadores A atuação não ocorre de maneira efetiva na defesa dos
Terra-Água

X pescadores e, por isso, eles não são informados dos seus Distanciamento entre os atores e desigualdades de gênero.
Colônias direitos. As mulheres não se sentem representadas.
Pescadores
Competição pelos espaços de pesca.
X Redução do potencial pesqueiro.
Pescadores
Fiscalização do cumprimento das normas referentes aos
Pescadores X IBAMA modos de pesca. Distanciamento entre os atores.

Pescadores Ocupação de áreas costeiras, perigo de lançamento de


X resíduos no rio, restrição de acesso, desmatamento do
Viveiro de camarão/ manguezal e da vegetação de restinga e morte de espécies Ameaça à continuidade do extrativismo.
Maricultura São José (antiga da fauna litorânea.
Lusomar)
Pescadoras (es)-Catadoras Exploração da mão-de obra das (os) extrativistas,
Canais de comercialização deficientes e organização
X sobrepesca e extração intensiva da mangaba.
política enfraquecida.
Atravessadores
Fonte: Trabalho de campo, 2015-2017.
234
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

A partir do momento que ele comprou a fazenda, ele amurou todinha com
poste de cimento e soltou os gados dentro. ” (L-01, 33 anos, mapeamento
participativo, Terra Caída, 2017)

“Esta fazenda por onde a gente passava, tem mais de 30 anos que eu moro
em Terra Caída [...]. A gente passava ninguém nunca proibiu. [...] Só que
agora, que eles vinheiro proibir que a gente não passa.” (M-29, 57 anos,
mapeamento participativo, Terra Caída, 2017)

No tocante aos conflitos desencadeados nas áreas de mangabeiras, Mota et al. (2011)
demonstra que em Sergipe estes podem ser classificados em quatro tipos: i) entre as catadoras
nas áreas de acesso comum, ii) entre as catadoras de diferentes lugares, iii) entre as catadoras
e atores externos (proprietários de terras, empresários de turismo e viveiros) e iv) entre
catadoras e representantes de órgãos governamentais. Porém, nas comunidades em evidência,
a maioria das entrevistadas informou que o conflito mais evidente ocorre na relação entre
proprietários de terras e catadoras, pelo fato de eles não permitirem o acesso à planta, pelo
desmatamento crescente em virtude dos loteamentos, carcinicultura e cultivo de coco e
eucalipto.
Por não existir um instrumento legal que coíba os cortes das mangabeiras, as catadoras
vivenciam uma situação de instabilidade quanto à continuidade da sua prática, desenvolvida
há séculos. O desmatamento dos remanescentes de mangabeiras consiste num dos principais
problemas enfrentados por essas mulheres, pois ameaçam a sua reprodução como grupo que
possui uma relação intrínseca com a natureza.
De acordo com Rodrigues et al. (2017), ocorreu uma redução de 10.456 ha (29,6%)
das áreas de ocorrência natural das mangabeiras mapeadas no estado, entre os anos de 2010 e
2016, sendo que Indiaroba está entre os municípios que sofreram vastas reduções, com
32,18% a menos da sua área natural.
A baixa organização política impede que o confronto seja aberto, sendo tudo feito
rapidamente sem muita informação para os nativos. Ora, o amparo das instituições ambientais
do estado provoca uma reação de apatia pelo caráter da legalidade, como ressalta Mota et al.
(2011), ponto observado em relação à construção do condomínio club, explicitado ao longo da
discussão, em que a população só tomou ciência no processo de execução.
As catadoras recordam que num determinado período todos tinham a liberdade de
catar, que os acordos eram realizados através dos laços de amizades e que não existiam as
“cercas”. Porém, com a valorização da mangaba, em consequência da demanda de mercado,
os proprietários passaram a se interessar e adentrar o circuito de comercialização, mudando as
relações existentes e proibindo a entrada das mulheres nas áreas de ocorrência do fruto, como
235
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

representado no mapeamento social da mangaba; aliás, a venda das terras para pessoas
distantes desse contexto contribui para a situação em questão.

“Antigamente tinha mangaba pra todo mundo, mas hoje não tem mangaba
mais po povo, porque os donos a maior parte venderam e aqueles que
compraram não quer que ninguém cate, então os pessoa vai comprar [...].”
(C-32, 61 anos, Convento, 2016).

Nas incursões a campo, as mulheres relataram situações de constrangimento entre elas


e os caseiros (representantes dos proprietários) ao serem surpreendidas durante a passagem
nas terras ou por coletar sem autorização. Ocorrem de formas diversas, seja a partir da retirada
dos frutos coletados ou por meio de xingamentos, ameaças e através de exposição pública.

[...] Um dia mesmo a gente quando tava fazendo a entrega na quadra das
mangabas. Aí, um disse bem assim que isso não era projeto nosso, isso era
projeto deles, porque eles que eram dono de mangabeira. Então, a gente
tinha que catar pra eles, ser empregadas deles. [...] a gente não tá querendo
invadir, a gente tá querendo dividir, né? Dividir assim: a gente pega a
mangaba, um caixote meu, um caixote seu. É diferente deu chegar lá e você
me chamar de ladrão e eu não vou gostar, né? [...] não é questão que é de
vocês não, que é nosso.” (MC-10, 35 anos, Pontal, 2015).

[...] A maioria dos culpados são os próprios donos dos pés de mangabeiras,
porque se eles conservassem e fizessem tipo dividir de meia com as
catadoras tanto eles ganhava como a gente e não precisava eles cortarem os
pés de mangabeira, são muitos cortes. Vendem os terrenos, cortam pra fazer
casa, pra fazer é [...] plantações. Outras plantações como tá vindo o
eucalipto, né! E outras coisa. E muito só pra cortar mesmo os pés de
mangabeira. Mas, como elas são ousadas, né? Elas são nativas. Aí elas
brotam de novo, nascem de novo e daí eles sempre vão cortando. Mas, elas
nunca desistem, né!?Luta como a gente.” (MC-01, 37 anos, Pontal, 2015)

Ainda sobre os cortes de mangabeiras, as catadoras relataram um dos momentos mais


impressionantes nas tensões entre elas e os proprietários, que se refere ao corte de mangabeira
em uma determinada propriedade, cujo intuito foi intimidá-las para não mais adentrar a área.
Contudo, assim como as mangabeiras, elas continuam resistindo ao cerceamento daqueles que
possuem uma lógica voltada para fora.

“Eu sempre costumo citar esse exemplo, de um rapaz, hoje ele não mora
mais aqui não. [...]. Ele morava aqui e tinha uma grande área de terra aqui.
Desde pequena a gente pegava [...]. Depois, ele cismou, que ninguém
pegava mais. [...] Aí, foi cortou as mangabeiras tudinho. Uma das áreas que
mais cortou mangabeira. Aí, cortou. [...]. Como a mangaba é persistente. Eu
costumo comparar a mangabeira com as catadoras [risos], as mulheres
guerreiras, que lutaram até hoje, que conquistaram muitas coisas. Aí, ela
veio contudo de novo, brotou com pouco tempo, porque quando você planta
236
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

mangaba, ela passa mínimo 5 anos para começar a botar. Quando você
planta, que hoje já se planta, né? Antigamente, que não tinha esse
negócio.[...] Mas, quando você corta, no outro ano ela já tá botando uns
galhos que prefiaram, né? Aí, ele foi e tocou fogo ne tudo depois que tava
botando de novo, que o povo tava pegando de novo. [...] Se você vê a área
grande. [...] Apois! Elas vieram de novo, mais com vontade do que antes
[risos]. Pois, ele não se conformou não, aí cavou. Mandou cavar, pra
arrancar a raiz de tudo. Mas, hoje já tão broteando de novo. Um pedacinho
de raíz que fica, ela prefia. [...] Então, foi um dos lugar, assim, sabe? Que
pra gente que conhece tudo, que trabalha, o valor que é uma mangaba, né?
O poder que um pé de mangaba tem, né, é muito triste. E a gente perdeu
essa grande área por esse tempo todo.” (L-03, 30 anos, Pontal, 2015).

Afirmaram também que existem conflitos entre as catadoras em áreas livres e as que
possuem sítios. Em relação ao primeiro caso, elas informaram que não ocorre com frequência
e quando acontece é devido à falta de cuidado na retirada dos frutos, quando algumas retiram
uma quantidade de fruto maior que as demais, não respeitando o ciclo de biológico dos frutos
e extraindo os frutos verdes. Num determinado período, com a restrição das áreas e a escassez
do fruto, este tipo de prática era constante. Todavia, ressaltam que com as ações de
sensibilização, através da associação, algumas mudanças relacionadas aos cuidados puderam
ser notadas. Elas reconhecem que entre os associados existe tal compreensão, mas que o
trabalho deve ser ampliado para que toda a comunidade esteja envolvida nesta causa, pois a
preservação da mangabeira representa a manutenção da subsistência, da vida.
Em relação ao segundo caso, ocorre quando uma catadora que não possui terra realiza
a cata em sítios de outras catadoras sem permissão, o que causa desavenças entre ambas. Para
as catadoras proprietárias, é preciso existir o diálogo para que o respeito não seja violado; elas
reclamam do pouco cuidado que as demais têm ao retirar o fruto e por extrair o “leite da
mangaba”, o que prejudica o desenvolvimento da safra, segundo depoimentos.

“Rapaz, eu acho que tá faltando mais união, porque assim, se tem união tem
tudo, se não tem união não tem nada, porque eu tiro ali [...] eu tenho que
chegar lá [...] me venda. Ela vai me dar se ela quiser. Eu tenho que ter
respeito a ela. [...] Não é chegar lá e invadir não. Vai chamar o pessoal pra
passar de meia ou pagar o dia.” [sobre a extração do leite de mangaba] [...]
“o pior crime é tirar o leite da mangaba. Tem gente de pegar 5 litros de leite
de mangaba. [...] O que sustenta a mangaba é o leite.” (MC- 47, 44 anos,
Oficina de indicadores de resiliência, Preguiça, 2017)

Nas falas das catadoras, é possível perceber que os conflitos são acirrados na
localidade devido às restrições de acesso cada vez mais recorrentes, à escassez e à retirada
inapropriada dos frutos. Elas enaltecem a sua luta a partir da resistência da planta, como se
ambas fossem um só ser (“Mas, elas nunca desistem, né!? Luta como a gente.”), explicitando
237
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

uma relação de unidade/dependência, destacada por Diegues e Arruda (2000). Elas não
compreendem a mangabeira como pertencente a um único proprietário, já que é nativa e por
isso pertencente a todos (“não é questão que é de vocês não, que é nosso”); não entendem o
fundamento do capital com a privatização dos bens, pois a coletividade permeia a sua
existência e molda a organização social da qual faz parte.
Na luta para barrar o desmonte da atividade extrativista, os pescadores e as
pescadoras-catadoras de mangaba obtiveram mais uma conquista com o mapeamento dos
terrenos de marinha que englobam a APA Litoral Sul. Desse modo, no período de novembro
de 2017 a janeiro de 2018, os pescadores e as pescadoras-catadoras de mangaba dos
municípios pertencentes a essa unidade de conservação foram convocados pelo Ministério do
Meio Ambiente (MMA), com apoio da Secretária do Patrimônio da União (SPU) e da
Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Sergipe (SEMARH/SE), para
mapearem os seus territórios de vida e assim definirem a concessão de direito real de uso das
áreas pertencentes à União. O primeiro passo consistiu na assinatura do Termo de
Autorização de Uso Sustentável (TAUS) sobre área rural da União, instituído pela portaria
publicada no Diário Oficial de 03 de janeiro deste ano (Figura 43 e Anexo A).
De acordo com a Portaria nº 89/2010 da SPU, o TAUS consiste num documento de
caráter transitório e precário, com o intuito de disciplinar a utilização e o aproveitamento dos
imóveis da União em favor das comunidades tradicionais através do uso racional dos recursos
naturais disponíveis na orla marítima e fluvial voltados para subsistência dessas populações.
No caso aqui exposto, o TAUS foi outorgado para as Associações de Catadoras de Mangaba e
Colônias de Pescadores Artesanais Z3 e Z4, representantes das pescadoras-catadoras e
pescadores dos municípios de Indiaroba, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Itaporanga
D’Ajuda.
O TAUS inicia o processo de regularização fundiária, podendo ser convertido
futuramente em Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). As (os) extrativistas consideram
esta ação como positiva; porém, continuam preocupadas com as áreas que abrangem as
mangabeiras por não serem contempladas com este documento, visto que compreendem
apenas as áreas ribeirinhas:
238
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

Figura 43– Processo de concessão do TAUS na APA Litoral Sul

43A 43B
A A
aaa aaa
aA aA

43C
A
A) Reunião na SPU para definição da data de entrega do TAUS, em 2017; B) e C) Momento de entrega do
aaa
TAUS as entidades representativas das (os) extrativista, em 2018.
Fonte: Trabalho de campo (2017); ASCAMAI (2018). aA

“[...] Mas, as áreas de mangaba não entrou nenhuma, [...], só a área da


Prainha que é aquela ilha que a gente marcou [refere-se ao mapeamento
participativo realizado nesta pesquisa]. Só! Mas, a demais áreas de
mangabeira, de terra, de território não entra no processo de TAUS.”
(L-03, 30 anos, Pontal, 2015)

A liderança das catadoras informou que após a assinatura do TAUS a situação


continua igual, pois nenhuma ação concreta foi realizada para a liberação das áreas de livre
acesso, às quais as (os) extrativistas têm direito:

“[...] Eles fizeram a demarcação dessas áreas, entregaram o processo de


TAUS, mas não houve nada na prática. Assim de retirada de cerca, sabe! Na
prática não houve nada ainda. O que a gente tem em mãos é só a
documentação. As cercas continuam dentro do mangue, ou seja, na prática
não funciona nada. Por isso, a gente vai criar esse conselho pra que as
coisas comecem a funcionar na prática .” (L-03, 30 anos, Pontal, 2018)
239
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

No que diz respeito à atuação das colônias, foi relatado por alguns que o maior
problema refere-se à dependência do pescador, que tem seus direitos negligenciados ao deixar
a cargo dessa entidade toda a resolução. Como foi discutido na seção de indicadores, a
mulheres não se sentem representadas, já que, segundo elas, não são ouvidas e quando
questionam são perseguidas, tratadas com arrogância. Desse modo, veem sua liberdade
corrompida nesde jogo de interesses.

“A associação de pescador [referindo-se a colônia] de Indiaroba, o cara é


ignorante.” (M-29, 57 anos, mapeamento participativo, Terra Caída, 2017)

“É porque o pescador é acostumado a ter tudo na mão. Olhe! Não precisa


você fazer, você está associado a uma colônia. Não precisa. Mas, eles
gostam de tá sendo massacrado. Desde que eu me entendo por gente [pessoa
x] é presidente da colônia de Estância. [pessoa y] já tem 10 anos, quase [...]
de Indiaroba. [...] Então, assim eles se organizarem e procurar meios de
não ficar na dependência dessas pessoas. [...] A colônia de pescadores [...]
é o maior protetor dos pescadores. É ele que devia ser.” (L-01, 33 anos,
mapeamento participativo, Terra Caída, 2017)

Como pode ser visualizada na análise de indicadores, a ampliação de


empreendimentos de carcinicultura aparece como um fator limitante ao desenvolvimento da
pesca afetando, sobretudo, as mulheres e ocasionando o empobrecimento da população por
interferir nos rendimentos, sem contar na exposição aos perigos por elas terem que se deslocar
para pontos mais distantes.
Aliada aos problemas já existentes, a diminuição da quantidade de recursos pesqueiros
tem provocado a competição pelos espaços de pesca, ocorrendo dissensões quanto à
disposição dos apetrechos, tal como a exploração intensiva dos recursos a fim de atender as
demandas de mercado, acarretando a utilização de apetrechos que não atendem às normativas
pesqueiras, situação que acirra os conflitos entre os pescadores e entre estes e os órgãos
fiscalizadores.
A restrição às áreas de extração, a diminuição dos recursos naturais e a frágil
organização política e dos canais de comercialização corroboram para que sejam dependentes
dos atravessadores, que ditam o preço do trabalho dessa população, assim como influenciam
nas suas estratégias de extração, pois devem capturar o recurso de maior valor econômico, no
caso da pesca, e uma maior quantidade de frutos, no que tange à mangaba, para atender às
pressões provenientes do capital, situações que contribuem para o desequilíbrio ambiental.
A ausência de planejamento é perceptível na falta de articulação entre os setores
públicos, que ao invés de minimizarem os conflitos, em alguns momentos têm contribuído
240
SANTOS,E.A.,2018 CAPÍTULO 5-TERRITORIALIDADES FEMININAS

para o seu acirramento. Desse modo, a gestão participativa aparece como uma ferramenta que
contribui para a autonomia dessas populações, por estimular a atuação nos processos
decisórios.
241

CONCLUSÕES
© Eline Santos

© Eline Santos
©

A Catadora e a mangabeira

Vamos catar mangaba


Vamos encapotar
No galho da mangabeira
Onde vou me balançar [...]
Hino das catadoras de mangaba
242
SANTOS,E.A.,2018 CONCLUSÕES

CONCLUSÕES

Terra e água compuseram o cenário principal na análise das tramas que tecem o
cotidiano de mulheres e homens que têm na natureza a fonte da sua (re)existência. Para esses
povos, a natureza é a totalidade da qual eles fazem parte, pois dela é extraído o alimento que
sustenta a sua matéria, a resistência que nutre a sua luta e a liberdade que norteia a sua
capacidade criativa de reinventar-se em meio aos desmontes do seu modo de vida.
O modo de vida dos povos tradicionais está estabelecido numa relação simbiótica com
a natureza, caracterizada pelo rico conhecimento sobre o ambiente e os recursos explorados,
assim como pelas estratégias e apetrechos utilizados no manejo dos recursos. Desse modo, as
(os) pescadoras (es) -catadoras de mangaba constituem-se um grupo tradicional que
desempenha o extrativismo em áreas costeiras de Sergipe.
A introdução de novos usos alheios ao modo de vida dessas comunidades provoca a
espoliação dos ecossistemas manejados por esse grupo, com efeitos negativos sobre a sua
reprodução social, física e cultural, tendo em vista que são inteiramente dependentes da
biodiversidade local. Nesta conjuntura, as mulheres extrativistas são as mais prejudicadas em
decorrência da realização das suas atividades na restinga e no manguezal, que são territórios
vislumbrados pelos empreendedores com o apoio do Estado, através da implantação de
projetos de desenvolvimento regional. Neste caso, o Estado apresenta um papel ambíguo, uma
vez que ao mesmo tempo em que implementa projetos que alteram os ecossistemas costeiros,
elabora instrumentos que regulam a forma de proteção e usos dos mesmos, a exemplo do
sancionamento da APA Litoral Sul.
Entende-se que a APA Litoral Sul consiste num dispositivo legal para a manutenção
da estrutura ambiental da paisagem costeira com a proteção da diversidade biológica
existente; no entanto, a ineficiência de gestão com a introdução de atividades que aceleram as
mudanças, aliada ao desconhecimento da população residente acerca da sua inserção na
unidade de conservação, tem contribuído para a redução da capacidade de suporte dessa
paisagem.
Diante do cenário apresentado, as pesquisas voltadas à temática das mulheres
extrativistas, na perspectiva de gênero, são relevantes em razão de escassos debates no âmbito
acadêmico e nas esferas públicas quando da elaboração de políticas voltadas para suas
singularidades. É preciso desconstruir o discurso hegemônico e evidenciar grupos
“esquecidos” nas discussões acadêmicas e políticas, já que a construção de uma nova ciência
243
SANTOS,E.A.,2018 CONCLUSÕES

não pode estar alheia à realidade, que é dinâmica. É fundamental, pois, acompanhar as
transformações para que a justiça social e a cidadania sejam efetivadas entre os povos.
Com base no exposto, o estudo apresentou como proposta a análise das ações das
pescadoras-marisqueiras-catadoras de mangaba na apropriação dos recursos ambientais em
Indiaroba. O estudo foi delineado numa perspectiva relacional em que o gênero existe a partir
do outro, ou seja, a condição das mulheres no extrativismo foi apreendida na sua relação com
os homens e com outras mulheres. A base teórica que sustentou a discussão esteve
fundamentada na abordagem sistêmica e na complexidade, importantes para o entendimento
da pluralidade dos sujeitos e das mudanças que alteram os sistemas socioecológicos (SSE)
pesca-mangaba.
As abordagens supracitadas possibilitam a aplicação de novas ferramentas para a
compreensão da incerteza, da imprevisibilidade dos sistemas e dos diversos grupos que
alteram a dinâmica dos SSE. Desse modo, na investigação em tela foram aplicadas
ferramentas participativas em que as territorialidades dos sujeitos consistiram num caminho
para apreensão das mudanças locais. A metodologia de indicadores empregada na avaliação
da resiliência socioecológica em SEPLS permitiu apontar os fatores limitantes desta no
sistema pesqueiro e da mangaba, consequentemente na sua sustentabilidade.
Os resultados demonstraram que o quadro geral da resiliência é crítico, posto que
todas as áreas foram classificadas com nível baixo (2,0), sendo que o indicador proteção dos
ecossistemas apresentou o pior desempenho, refletindo a ineficiência dos mecanismos oficiais
de gestão, que na sua efetivação não integram as comunidades locais, não levam em
consideração os seus conhecimentos e não garantem o seu acesso aos recursos naturais.
Apesar da diversidade da paisagem ser apontada como potencialidade nas
comunidades extrativistas investigadas, as limitações apresentadas acima, associadas à
exploração intensiva dos ecossistemas costeiros, podem diminuir o seu potencial de
recuperação e regeneração e afetar o desenvolvimento do extrativismo, o qual aparece como
fonte primária de renda para essas populações.
Destarte, torna-se urgente a adoção de medidas para a reversão do cenário
apresentado, que podem ser instauradas mediante a criação de instrumentos que valorizem a
cultura local, os modos alternativos sustentáveis de organização e produção do espaço, bem
como o fortalecimento das organizações comunitárias coletivas, com a criação de comitês e
conselhos para a gestão participativa dos recursos naturais.
A infraestrutura socioeconômica necessita de ampliação com a oferta de serviços que
melhorem a qualidade de vida da população, considerando que a saúde é um importante
244
SANTOS,E.A.,2018 CONCLUSÕES

propulsor da resiliência. Ademais, faz-se necessária a diversificação das atividades


econômicas, a fim de que não haja a exploração intensiva dos recursos naturais.
Nas oficinas, os participantes apresentaram como sugestões o calçamento de ruas, a
construção de orla, o planejamento e a implementação do ecoturismo, a implantação de uma
fábrica de polpa (para fortalecer a organização local e aproveitar os frutos que são
desperdiçados), a comercialização de peças elaboradas com resíduos provenientes da pesca e
a construção de restaurante para a comercialização dos pratos típicos da região, como
moqueca de folha, doces, cocadas, dentre outros.
Nos relatos, evidenciou-se que a falta de comunicação e de unidade traduzem os
principais motivos pelos quais os projetos não logram êxito. Trabalhar esses dois aspectos
consiste num passo relevante para a transformação da realidade local, uma vez que eles
estruturam e consolidam a organização comunitária com efeitos positivos no cuidado com a
natureza e na cadeia produtiva, através de acesso aos programas governamentais, da
participação em redes e movimentos sociais, da articulação com parceiros estratégicos para
acompanhamento técnico e da ampliação de alternativas de comercialização.
Nesse processo, é mister refletir na questão de gênero, para que espaços democráticos
sejam construídos e para que ocorra a participação equitativa dos sujeitos, bem como para o
estímulo à autonomia feminina.
Ainda sobre a participação social e seu reflexo sobre o meio, as interlocutoras
realçaram que existe uma narrativa e um comportamento diferenciado entre aquelas que
integram a associação das catadoras de mangaba, pois estas desenvolvem ações voltadas para
o trabalho em equipe e respeito ao ciclo biológico da vegetação. É importante salientar que
entre os nativos permeiam normas culturais que orientam o grupo quanto ao uso do espaço;
porém, existem aqueles que as infringem e com isso geram conflitos.
Os conflitos de cunho socioambiental, característicos das disputas entre grupos de
interesses antagônicos pelo controle dos recursos naturais e pelo uso do solo, exprimem a
realidade das (os) extrativistas em destaque. Eles foram identificados a partir do mapeamento
participativo das territorialidades forjadas no espaço da pesca e da extração de mangaba.
O mapeamento participativo tem como fundamento os princípios da cartografia social,
na qual os sujeitos exercitam o poder da fala e as suas vivências são valorizadas no
entendimento da organização socioespacial das atividades produtivas. Outrossim, oferece a
elaboração de instrumentos de planejamento e gestão democrática do espaço, proporcionando
a permanência de grupos e a conservação da biodiversidade local.
245
SANTOS,E.A.,2018 CONCLUSÕES

Sobre os conflitos, é evidente a luta pelo território, ou seja, pelo acesso aos elementos
que instituem o modo de ser e pertencer do grupo que forjam a sua identidade. No caso em
questão, a luta é pela existência. As principais causas dos conflitos são as restrições do acesso
às áreas de pesca e de extração de mangaba com a implantação de cercas e a diminuição das
áreas de uso comum, em decorrência do desmatamento gerado pela plantação de eucalipto e
coco, instalação de viveiros de camarão, construção de condomínios e expansão das segundas
residências. No extrativismo da mangaba, os cercamentos aumentaram devido à mobilização
das mulheres na defesa da manutenção das atividades e em virtude da valorização da mangaba
no mercado nacional. Os proprietários de terras, receosos com as discussões da RESEX
Litoral Sul, passaram a adotar atitudes opressoras com ameaças e constrangimentos a essas
mulheres.
A RESEX Litoral Sul aparece nesse cenário como possibilidade de uso sustentável do
território e como reconhecimento dos direitos de propriedade comum das populações
tradicionais. No entanto, na atualidade é um plano que não se desenvolve, pois abrange
interesses políticos divergentes aos desses povos.
As territorialidades desvelam que a apropriação dos recursos ambientais em Indiaroba
ocorre em tempos e modos distintos, marcadas por relações de gênero em que o espaço é
hierarquicamente definido como masculino e feminino. Nessa demarcação, o trabalho
feminino é desvalorizado e suas espacialidades negadas, assim como suas demandas por
acesso à colônia, linha de crédito, aos direitos previdenciários, à saúde, à educação e à
moradia.
Na tentativa de romper com as demarcações de gênero que dificultam seu
protagonismo, as mulheres extrativistas têm se organizado em associações, movimentos e
cooperativa, com a formação de espaços coletivos de debate que venham a impulsionar as
cadeias produtivas, promover a sua autonomia, fortalecer a sua luta e o seu papel como
guardiãs da biodiversidade.
Nas articulações empreendidas, as mulheres conquistaram a visibilidade e o
reconhecimento de populações tradicionais nas esferas estadual e federal, ratificado por
dispositivos legais; a integração de redes nacionais voltadas para a defesa do território
tradicional; além de orientações na produção coletiva de processamento de alimentos e acesso
ao PAA, importante para a elevação do preço mínimo do fruto e para a autoestima feminina.
No entanto, enfrentam desafios em termos de proibição do corte das mangabeiras, do
envolvimento de um maior número de participantes nas suas organizações (inclusive dos
246
SANTOS,E.A.,2018 CONCLUSÕES

jovens), do livre acesso, da violência enfrentada no espaço de extração e no espaço


doméstico; enfim, da ameaça de expropriação do seu modo de vida.
Destarte, as mulheres pescadoras-mangabeiras elaboram estratégias para a
permanência na atividade, tais como: a socialização dos saberes; os cuidados na extração para
não degradar o mangue e a mangabeira; a solidariedade marcada pelo auxílio à marisqueira-
catadora na venda dos seus produtos, quando não pode se deslocar até o ponto de
comercialização ou na divisão das despesas relacionadas a combustível; aluguel da banca na
feira, quando não possui o cadastro; e acesso as áreas de coleta, através da compra do fruto
e/ou pelo sistema de “meia”.
No processo do fazer e se desfazer, as extrativistas investigadas afirmam-se no
território como pescadoras-mangabeiras, fortalecem-se e disputam o poder que lhes é negado.
São mulheres que, mesmo subjugadas, resistem; agem na contramão da dominação. Assim,
pensar o trabalho feminino a partir do gênero suscitou entender a sua interferência na
organização do trabalho e na condição da mulher no grupo; compreender o seu papel na
reprodução social, corroborando com a tese de que as territorialidades femininas no espaço
extrativista marcam a permanência do modo de ser desses povos e fortalecem a identidade de
gênero. Além disso, permitiu-se considerar formas de atender as suas demandas e perceber
que são sujeitos plurais que “jazem” na encruzilhada de múltiplas estruturas de poder.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

© Eline Santos

Mangaba, fruto típico da restinga sergipana

“O conhecimento de hoje pode ser negado amanhã, o que faz da


ciência um processo em constante criação e não uma verdade
absoluta. A ciência dá soluções na medida em que levanta novos
problemas. Assim, a ciência está muito mais próxima de nossa
ignorância do que de nossas certezas. (GOLDENBERG, 2004, p.103)
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APÊNDICES

© Eline Santos
©

Porto- Indiaroba/SE
© Eline Santos

Dizer “eu” não é fácil para as mulheres a quem toda uma educação
inculcou a conveniência do esquecimento de si mesma (PERROT, 2005,
p.42)
© Eline Santos
265
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

Apêndice A-Entrevista Semiestruturada


(Pescador (a) e catadora)
O presente instrumento integra o projeto de pesquisa intitulado Mulheres Pescadoras-
Mulheres Mangabeiras: o desvelar das territorialidades das extrativistas de Indiaroba/SE,
cujo objetivo é analisar a apropriação biogeográfica dos recursos ambientais a partir do
trabalho feminino.

A- DADOS PESSOAIS
1) Nome: 2) Apelido:
3) Idade: 4) Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
5) Naturalidade: 6) Estado civil:
7) Chefe de família: ( ) Sim ( ) Não 8) Número de filhos:
9) Escolaridade: ( ) analfabeto ( ) fundamental_______ ( ) médio______ ( )
outro____________
10) Local de moradia/Município:

B- PERFIL DA COMUNIDADE
11) A sua moradia é:
( ) própria ( ) alugada ( ) cedida ( ) outro______________
12) O (A) Sr/ Sr. ª mora numa casa de:
( ) alvenaria ( ) taipa ( ) material de coqueiro ( ) outros: ____________________
13) Quantidade de pessoas residindo? ________________
14) A água que chega a sua residência é:
( ) encanada ( ) cisternas ( ) rio ( ) outros: _____________________________
15) Existe coleta de lixo regularmente na comunidade?
( ) Sim. Quantas vezes por semana? ______________________
( ) Não. O que faz com os resíduos? _____________________________________________
16) Na comunidade em qual local os resíduos domésticos são lançados?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
17) Quais são os principais problemas enfrentados pela comunidade na atualidade?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
18) Quais atividades o/a Sr(ª) desenvolve?
( ) extrativista da mangaba ( ) pesca ( ) caseiro ( ) artesanato ( ) comércio
( ) Outra _____________________
Obs.: Caso desenvolva mais de uma atividade, informar como está dividido o trabalho ao
longo da semana/mês.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
19) Qual é o seu ganho mensal? _______________________
20) O/ A Sr(ª) tem acesso a políticas sociais? Quais?
( ) Bolsa Família ( ) Aposentadoria ( ) Defeso ( ) Pronaf Agroamigo ( )
Outra____________

C- ESPACIALIDADE/ ORGANIZAÇÃO SOCIAL DO EXTRATIVISMO DA


MANGABA
266
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

 Coleta

21) Como ocorre a catação da mangaba? Quais instrumentos utilizados? Qual é o período de
catação?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
22) Quais são as localidades em que são realizadas a catação da mangaba? Tempo/Distância?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
23) Como a Sr(ª) chega até o local de coleta?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
24) Como é a forma de acesso as mangabeiras?
( ) Acesso livre ( ) Acesso restrito em áreas privadas ( ) Sítios próprios
( ) Arrendamento ( ) Outro________________________
25) Quantas plantas são exploradas por dia no período da safra?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
26) Quem cata a mangaba?
( ) Mulheres
( ) Criança
( )Mulheres e crianças
( ) Homens
( ) Homens, mulheres e crianças
27) A catação da mangaba é feita individualmente ou em grupo? Por quê?
___________________________________________________________________________
28) Quais são os cuidados que devem ter ao catar as mangabas?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
29) Quem lhe ensinou a catar mangaba? Há quanto tempo o/a Sr (ª) cata mangaba?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
30) Existe conflito (disputa/briga) entre as catadoras? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
31) Existe conflito (disputa/briga) entre as catadoras e os proprietários de terras? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

32) Como este conflitos (disputas/brigas) interferem no trabalho das catadoras?


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
33) O/A Sr(ª) percebe alguma mudança nas mangabeiras nos últimos anos? O que? Como isso
afetará a atividade no fututo?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

 Beneficiamento (pós-colheita)

34) O que faz após a colheita da mangaba?


267
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
35) Como armazena o fruto?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
36) Quem participa dessa etapa?
___________________________________________________________________________
37) O produto coletado fica inteiramente em suas mãos ou a Srª divide com alguém? Como é
que ocorre?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
 Comercialização
38) Sobre o consumo e venda:
a) Parte consumida?______________________________________________________
b) Parte vendida?________________________________________________________
c)Para quem é vendida? Localidades?
( ) Mercado_______ ( ) Atravessador________ ( ) Comunidade ________ ( )
Cooperativa______ ( ) Proprietário de fábrica de polpa________ ( ) Outros________
Obs: para saber se o produto é vendido para outros municípios e estados brasileiros.
d) Preço do quilo:_____________________________
e) Quantas vezes na semana a/o Sr(ª) vende mangaba?___________________________
f) Como é a forma de pagamento?____________________________________________
g) O que o/a Sr(ªa) faz com a renda proveniente da mangaba?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

Observação: somente para aqueles que desenvolvem a pesca.

D- ESPACIALIDADE/ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE PESQUEIRA

 Coleta
39) Como a maré/lua influencia na pesca?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
40) Quais são os principais animais pescados?

Peixes:_________________________________________________________________
__________________
Período de coleta/época do ano de cada espécie? ____________________________
Apetrechos e técnicas utilizadas? ___________________________________
___________________________________________________________________________
Quantidade semanal pescada?
___________________________________________________________________
Crustáceos:_____________________________________________________________
Período de coleta/época do ano de cada espécie?
________________________________________________________
Apetrechos e técnicas utilizadas?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
268
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

Quantidade semanal pescada?


___________________________________________________________________________
Moluscos:______________________________________________________________
___________________
Período de coleta/ época do ano de cada espécie? ___________________________________
Apetrechos e técnicas utilizadas? ________________________________________________
___________________________________________________________________________
Quantidade semanal pescada?
__________________________________________________________________________
41) Quais são as localidades em que são realizadas a pesca? Tempo/Distância?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
42) Como a Sr(ª) chega até os pontos de pesca?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
43) Possui os instrumentos de trabalho necessários? Caso não possua, por quê?
___________________________________________________________________________

44) Quem lhe ensinou a pescar? Como foi? Há quanto tempo o/a Sr (ª) pesca?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
45) Existe conflitos (disputa/brigas) na utilização dos pontos de pescas? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
46) Existe(m) diferença (s) na pesca realizada pela mulher e pelo homem? Qual (is)? Por que?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

47) O (A) Sr (ª) percebeu alguma (s) mudança (s) no rio/mangue nos últimos anos? Qual(is)?
Como isso afetará a pesca no futuro?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

 Beneficiamento
48) Como é realizado o tratamento dos pescados?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
49) Como são armazenados os pescados?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
50) Quem participa dessa etapa? _________________________________________________
51) O produto coletado fica inteiramente em suas mãos ou a Sr(ª) divide com alguém? Como
é que ocorre?
 Comercialização
51) Sobre o consumo e venda:
a) Parte consumida?_________________________________________________________
b) Parte vendida?_____________________________________________________________
c) Para quem é vendida? Localidades?
( ) Mercado_______ ( ) Atravessador________ ( ) Comunidade ________ ( )
Cooperativa______ ( ) Proprietário de fábrica de polpa________ ( ) Outros________
269
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

Obs: para saber se o produto é vendido para outros municípios e estados brasileiros.
d) Preço do quilo:_____________________________
e) Quantas vezes na semana a/o Sr(ª) vende os pescados?___________________________
f) Como é a forma de pagamento?____________________________________________
g) O que o/a Sr(ªa) faz com a renda proveniente da pesca?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

E-ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DAS (OS) EXTRATIVISTAS

52) O(A) Sr(ª) possui registro da pesca ou da agricultura familiar? Como foi o processo de
registro?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
53) Participa de alguma colônia/associação e/ou cooperativa pertence? Qual? Como é sua
participação nessas entidades?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
54) O (A) Sr(ª) recebe o seguro-defeso? De quê? Qual é o período?
___________________________________________________________________________
54) Participou de algum projeto relacionado a pesca/mangaba? Qual?
___________________________________________________________________________
55) O (A) Sr(ª) já ouviu falar em RESEX? Sabe o que é? Quais mudanças provocaria na
comunidade com a implantação da mesma?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
56) Ser catador (a) pescador e/ou (a) de mangaba é...
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
270
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

Apêndice B-Roteiro de Entrevista


(Gestores e líderes comunitários)
O presente instrumento integra o projeto de pesquisa intitulado Mulheres Pescadoras-
Mulheres Mangabeiras: o desvelar das territorialidades das extrativistas de Indiaroba/SE
cujo objetivo é é analisar a apropriação biogeográfica dos recursos ambientais a partir do
trabalho feminino.

A- DADOS PESSOAIS
1) Nome: 2) Apelido:
3) Idade: 4) Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
5) Naturalidade: 6) Estado civil:
7) Chefe de família: ( ) Sim ( ) Não 8) Número de filhos:
9) Escolaridade: ( ) analfabeto ( ) fundamental_______ ( ) médio______ ( )
outro____________
10) Local de moradia/Município: 11) Órgão/entidade a que
pertence:____________
12) Função:___________

B- CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE EXTRATIVISTA EM


SERGIPE/INDIAROBA

 Normas que regulamentam a atividade (pesca e mangaba)


________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
 Tipos e embarcações de pesca que predominam em Indiaroba/Sergipe
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________

 Número de associados (pesca e mangaba)


Pesca

Número de mulheres__________________________ (quantas fazem parte do corpo


diretivo? / quais funções?)
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Número de homens_________________________

Mangaba

Número de mulheres__________________________ (quantas fazem parte do corpo


diretivo? / quais funções?)
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Número de homens_________________________

 Procedimento para o cadastro na colônia, associação e RGP/Principais problemas no


cadastro
271
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

C- ESTRUTURAÇÃO/GESTÃO DA ATIVIDADE EXTRATIVISTA

-Como está organizada e parcerias estabelecidas nas seguintes esferas

 Município
-Relação da colônia/associação/ órgão público com as/os extrativistas
 Estado
- Relação com as colônias/associações/ as (os) extrativistas

 Federal
- Relação com as colônias/associações/ as (os) extrativistas

 Infraestrutura
-Coleta/Calendário da atividade extrativista/Acesso as áreas
-Beneficiamento
-Comercialização/Distribuição-caracterização e compra das (os) extrativistas
(mangaba)

 Educação

 Defeso
-Funcionamento___________________________________________________________
-Principais problemas para o recebimento_______________________________________

 Cooperativa
-Aspectos gerais
-Consequências da domesticação da mangaba para as catadoras

 Conflitos

 Dificuldades e conquistas do grupo a partir da organização

D- PRODUÇÃO DA ATIVIDADE EXTRATIVISTA

 Produção pesqueira
-Quantidade extraída no estuário___________
-Quantidade extraída no manguezal_______

 Produção da mangaba
in natura_______________
Processada_____________

 Como ocorre a coleta de dados sobre a produção?



272
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

E-POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE

 PAA
Quem participou?
-Período de funcionamento
-Requisitos

 PRONAF Agroamigo
- Quem participou?
-Período de funcionamento
-Requisitos

 RESEX
-Encaminhamentos

 Projetos para o desenvolvimento da atividade pesqueira e da mangaba no município


(Federal, estadual, municipal, privado) na atualidade
-Destacar projetos que fortaleçam o trabalho feminino

F-IDENTIDADE CULTURAL
Ser pescador(a)/catador(a) é...
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
273
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

Apêndice C- Termo de consentimento livre e esclarecido

Eu, _______________________________________, abaixo assinado, declaro está ciente dos


objetivos e da importância da minha participação para o desenvolvimento da pesquisa
intitulada Mulheres Pescadoras-Mulheres Mangabeiras: o desvelar das territorialidades das
extrativistas de Indiaroba/SE, desenvolvida por Eline Almeida Santos, matrícula
201411005957, orientada pela Profª Drª Rosemeri Melo e Souza. Concordo que os resultados
sejam apresentados em eventos científicos, porém, de forma que não seja possível identificar
as minhas respostas.

____________________________________________
Assinatura
274
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

Apêndice D-Ofício para coleta de dados

São Cristóvão, 24 de agosto de 2017.


Ofício s/n
Ilmo. Sr.
Francisco Assis Dantas
Diretor-Presidente da ADEMA
São Cristóvão/SE
Assunto: Autorização para coleta de dados

Senhor Diretor-Presidente,

Eu, Eline Almeida Santos, matriculada no curso de Pós-Graduação em Geografia da


Universidade Federal de Sergipe-UFS, sob a orientação da professor Dra. Rosemeri Melo e
Souza, venho solicitar a V. Sa. a autorização para coleta de dados nessa instituição, referentes
a aquicultura e empreendimentos imobiliários no município de Indiaraba/SE.
Informamos que os dados coletados serão relevantes para o desenvolvimento da
pesquisa de doutorado intitulada: “Mulheres mangabeiras-Mulheres pescadoras: o desvelar
das territorialidades das extrativistas em Indiaroba/SE”, que tem como finalidade é analisar
a apropriação biogeográfica dos recursos ambientais a partir do trabalho feminino.
A coleta de dados ocorrerá mediante a utilização de entrevista, cujo roteiro segue
anexo para maiores esclarecimentos. Igualmente, assumo o compromisso de utilizar os dados
obtidos somente para fins científicos, bem como de disponibilizar os resultados obtidos para
esta instituição.
Agradecemos antecipadamente e esperamos contar com a sua colaboração.
Atenciosamente,
_______________________________________
Eline Almeida Santos

Eu, Rosemeri Melo e Souza, responsabilizo-me pelo trabalho científico de Eline


Almeida Santos.
____________________________________________
Profª. Dra Rosemeri Melo e Souza
Departamento de Engenharia Ambiental-DEAM/PPGEO/PRODEMA/PPGECIA/UFS
275
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

Apêndice E-Questionário da oficina de avaliação de indicadores de resiliência na


produção de paisagens continentais e marinhas (SEPLS)

QUESTIONÁRIO Nº______
Latitude:_______________
Longitude:______________
A- DADOS PESSOAIS

A.1) Nome: A.2) Apelido:


A.3) Idade: A. 4) Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
A.5) Naturalidade: A.6) Estado civil:
A.7) Chefe de família: ( ) Sim ( ) Não A.8) Número de filhos:
A.9) Escolaridade: ( ) analfabeto ( ) fundamental_______ ( ) médio______
( ) outro____________
A.10) Local de moradia/Município:

B- DIVERSIDADE NA PAISAGEM TERRESTRE/ MARINHA E PROTEÇÃO DOS


ECOSSISTEMAS
1- Diversidade na paisagem terrestre /marinha
Em Indiaroba existe uma diversidade de ecossistemas terrestres e marinhos (colinas, florestas,
campos, lagos, rios, lagoas, estuários e florestas de mangue) e muitos usos da terra
(agricultura, hortas, campos cultivados, pomares, pastagens, aquicultura, canais de irrigação e
poços de água)?
(5) Muito alta (Há um grande número de ecossistemas naturais e usos da terra)
(4) Alta
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (Existe apenas um pequeno número de ecossistemas e usos da terra)

2 - Proteção dos ecossistemas


No município existe a proteção de algum desses ecossistemas por sua importância ecológica
ou cultural por parte da comunidade e/ou dos gestores (municipal, estadual e federal)?
(5) Muito alta (Os principais recursos ambientais estão sob alguma forma de proteção)
(4) Alta
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (Não existem áreas sob proteção)

-Quais são os ecossistemas protegidos e qual é a forma de proteção?


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3 - Recuperação e regeneração da paisagem terrestre /marinha
Para você a paisagem tem a capacidade de se recuperar e regenerar das agressões (estresses e
choques) provocadas no ambiente?
(5) Muito alta (Nenhum dano significativo à paisagem/ muito alta a capacidade de
recuperação e regeneração)
(4) Alta
(3) Média
276
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

(2) Baixa
(1) Muito baixo (Danos irreversíveis ao funcionamento da paisagem/muito baixa a capacidade
de recuperação e regeneração)

Ocorreu algum evento nos últimos tempos que tenha provocado alteração no ambiente?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

C- BIODIVERSIDADE AGRÍCOLA
4- Diversidade de sistema alimentar local
A comunidade consome uma diversidade de alimentos produzidos localmente (legumes,
frutas, leite, produtos lácteos, animais selvagens, peixes etc.?
(5) Muito alta (Diversidade de alimentos é muito alta e os alimentos são amplamente
consumidos)
(4) Alto
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (Há muito pouco ou nenhum alimento de origem local)

5 - Gestão sustentável dos recursos comuns


No município, os recursos comuns (mangaba e pesca) são utilizados de forma sustentável
(sem comprometer o seu uso pelas gerações futuras)?
(5) Muito alta (os recursos comuns são gerenciados de forma sustentável)
(4) Alta
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (os recursos comuns são intensamente explorados ou esgotados)

- Qual é o estado de exploração dos recursos comuns (mangaba e pescas)?


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

D- CONHECIMENTO E INOVAÇÃO
6- A inovação na agricultura e práticas de conservação
Os membros da comunidade melhoram, desenvolvem e adotam novas práticas para a
conservação do ambiente?

(5) Muito alta (A comunidade é receptiva à mudança e ajusta suas práticas)


(4) Alto
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (A comunidade não é receptiva à mudança e faz poucas inovações)

7 - O conhecimento tradicional relacionado à biodiversidade


O conhecimento local (os saberes da pesca e da mangaba) e as tradições culturais (danças,
lendas, culinária, manifestações religiosas etc.) são transmitidos pelos idosos e pais aos jovens
da comunidade?
(5) Muito alto (O conhecimento local e as tradições culturais são transmitidos aos jovens)
277
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

(4) Alto
(3) Médio
(2) Baixo
(1) Muito baixo (Conhecimento local e tradições culturais perdidas)

8 - Conhecimento Feminino
O conhecimento, as experiências e as habilidades das mulheres são reconhecidos em casa e na
comunidade como centrais para as práticas que fortalecem a resiliência da paisagem?
(5) Muito alto (O conhecimento das mulheres, suas experiências e habilidades são
reconhecidos e respeitados em todos os níveis)
(4) Alto
(3) Médio
(2) Baixo
(1) Muito baixo (o conhecimento das mulheres, suas experiências e habilidades não são
reconhecidos e respeitados)

E- GOVERNO E EQUIDADE SOCIAL


9- Direitos em relação à terra / água e gestão de outros recursos naturais
A comunidade tem autonomia/direitos reconhecidos de acesso as terras, água e demais
recursos naturais?
(5) Muito alto (Os direitos são plenamente reconhecidos e não contestados/A Comunidade
tem acesso as terras, recursos e autonomia na sua gestão.)
(4) Alto
(3) Médio
(2) Baixo
(1) Muito baixo (Direitos não são reconhecidos e fortemente contestados/A Comunidade não
tem nem acesso nem decisão poder sobre terras e recursos tradicionais)

-Esses direitos dão segurança em termos de acesso e uso dos recursos?


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

10- A equidade social (incluindo equidade de gênero)


O acesso as oportunidades, recursos e tomada de decisão é equitativo (igualitário) para todos
os membros da comunidade, incluindo as mulheres, em casa, nos níveis comunitários e da
paisagem?
(5) Muito alta (As mulheres estão envolvidas na tomada de decisões e têm o mesmo acesso
aos recursos e oportunidades que os homens)
(4) Alta
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (As mulheres não estão envolvidas na tomada de decisões e não têm acesso
aos recursos e as oportunidades)

-A tomada de decisões é justa e equitativa para todos os membros da comunidade,


incluindo mulheres, em todos os níveis?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
278
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

F- MEIOS DE SUBSISTÊNCIA E BEM-ESTAR


11- Infraestrutura socioeconômica
A infraestrutura socioeconômica (escolas, hospitais, estradas e transporte; água potável;
mercados; eletricidade e infraestrutura de comunicação) é adequada às necessidades da
comunidade?
(5) Muito alta (A infraestrutura socioeconômica satisfaz todas as necessidades da
comunidade)
(4) Alta
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixo (A infraestrutura socioeconômica não atende às necessidades da
comunidade))

-Esses direitos dão segurança em termos de acesso e uso dos recursos?


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

12- Condições ambientais e saúde


Qual é a situação geral da saúde da população local, considerando também as condições
ambientais?
(5) Muito alta (situação sanitária e as condições ambientais são boas)
(4) Alta
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (A saúde e as condições ambientais são ruins)

- Quais são os principais riscos? Que tipos de medicamentos são utilizados? (Isto é,
métodos de cura tradicionais, medicina moderna)?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
13- Diversidade de renda
Na comunidade as famílias estão envolvidas em atividades sustentáveis de geração de renda?
(5) Muito alta (As famílias estão envolvidas numa variedade de atividades sustentáveis e
geradoras de renda)
(4) Alta
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (As famílias não têm atividades econômicas alternativas)

- Que atividades geram renda na paisagem terrestre e/ ou na paisagem marinha?


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
14- Meios de subsistência baseados em biodiversidade
A comunidade desenvolve uso inovador da biodiversidade local (artesanato, ecoturismo,
processamento de alimentos etc.) para seu sustento?
(5) Muito alto (Os meios de subsistência estão sendo melhorados pelo uso inovador da
biodiversidade local)
279
SANTOS, E. A., 2018 APÊNDICES

(4) Alto
(3) Médio
(2) Baixo
(1) Muito baixo (As melhorias dos meios de subsistência não estão relacionadas com a
biodiversidade local)

15- Mobilidade socioecológica


As famílias desenvolvem diferentes atividades além da pesca e da mangaba quando
necessário?
(5) Muito alta (Há oportunidades suficientes para a mobilidade)
(4) Alta
(3) Média
(2) Baixa
(1) Muito baixa (Não há oportunidades de mobilidade)

- Existem regras e regulamentos para desenvolver essas atividades de forma produtiva e


eficaz?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
ANEXOS

© Eline Santos

Povoado Convento/Indiaroba-SE

Buscar um caminho que responda a novos questionamentos significa


romper barreiras, ultrapassar velhos e inertes paradigmas (VITTE,
2007a, p.129)
281
SANTOS, E. A., 2018 ANEXOS

ANEXO A-Portaria de instituição do TAUS

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