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P A R T E

I
INTRODUÇÃO, TÉCNICA
E LITERATURA
1
Introdução

Considerando tudo o que já aconteceu desde o surgimento da psicanálise,


certamente poucos psicoterapeutas de orientação dinâmica permitiriam se de-
leitar com a seguinte fantasia:

É desenvolvido um método de psicoterapia baseado inteiramente em princípios


psicodinâmicos; aplicável a uma alta proporção de pacientes não-psicóticos; os efei-
tos terapêuticos aparecem dentro das primeiras sessões; toda a neurose desaparece,
de modo que o término chega, sem dificuldades, às vezes dentro de 15 a 40 sessões,
ou de 70 com pacientes mais difíceis; no término não se encontra nenhum sinal dos
transtornos originais; as entrevistas de follow-up a longo prazo demonstram que
essa posição é mantida; além disso, certos fenômenos adversos que atormentam a
psicoterapia dinâmica tradicional e a psicanálise – como a regressão, a transferência
extremamente sexualizada ou dependente, as atuações e outras dificuldades que
surgem em decorrência do término do tratamento – não se tornam um problema.
Finalmente, é possível treinar outros terapeutas na técnica, trazendo a esperança de
uma maior eficiência da clínica terapêutica e da redução das listas de espera.

A passagem anterior foi adaptada de um artigo escrito há mais de 25 anos,


baseado na observação do trabalho de Habib Davanloo (ver Malan, 1980).
Este livro trata das evidências que comprovam que a fantasia mencionada foi
realizada.
O método de terapia foi denominado por Davanloo Psicoterapia dinâmica
intensiva breve (PDIB) – embora, às vezes, sua duração avance para além do
período usualmente reconhecido de 40 sessões. Este livro baseia-se na terapia
de sete pacientes tratados por Patricia Coughlin Della Selva (PCDS), um de
seus autores. Ela foi treinada por Davanloo, porém modificou a técnica origi-
nal para adaptá-la à própria personalidade.
A necessidade de concisão requereu que o material de três pacientes fosse
resumido, dividindo o grupo de sete pacientes em quatro casos detalhados (O
12 Malan & Della Selva

Homem Dividido, O Homem de Negócios de Sangue-Frio, A Boa Moça com


Colite Ulcerativa e a Mulher com Dissociação) e três “resumidos” (A Noiva
Relutante, A Artista Masoquista e a Diretora com Auto-Repugnância). Contu-
do, foi o último grupo que proveu evidências mais marcantes, algumas das
quais são apresentadas a seguir, sendo o restante do material encontrado na
Parte III, na Discussão Geral. Na verdade, pouco foi perdido, já que todos esses
três pacientes foram descritos em outro local, conforme indicação.
Na entrevista de follow-up (com uma possível exceção: A Mulher com
Dissociação, Capítulo 7) todos transtornos originais desses pacientes não só
desapareceram, como também foram substituídos pelo que se chama “saúde
mental positiva”, que é a definição empírica de “resolução total”.
A fim de proporcionar ao leitor um antegosto da qualidade dessas terapias
e de seus resultados, serão aqui descritas passagens dos três casos resumidos.

A Noiva Relutante
(idade 36, 16 sessões, follow-up em 8 anos)
A descoberta do compromisso e da verdadeira felicidade
Esta mulher gravemente perturbada (descrita em Coughin Della Selva, 1996,
p. 96ff, sob o título de “A Mulher com Dores de Cabeça”) entrava em estados
semelhantes aos de ausência e ficava literalmente paralisada de medo diante
do simples pensamento de se casar. Além disso, ela sofria (1) de uma depres-
são que durara toda a sua vida, com fortes impulsos suicidas; e (2) de dores de
cabeça, pelo menos uma vez por semana, tão severas que a levavam a repeti-
das hospitalizações desde os 8 anos até o presente.
No passado, ela fora exposta a abusos físicos e sexuais sucessivos por seu
pai, dos quais sua mãe, inválida, jamais fora capaz de protegê-la.
Os critérios para a resolução de seus problemas, formulados por dois avali-
adores cegos com relação aos eventos da terapia, incluíam: “Desaparecimento
de todos os sintomas” e “Ter uma relação amorosa, satisfatória e comprometi-
da com um homem capaz de reciprocidade. Ser capaz de receber e dar amor e
ternura sem reservas”.
Os principais temas na terapia eram: raiva homicida de seu pai, seguida de
amor; ódio a um ex-namorado; raiva e amor de sua mãe; e dor pelo que perde-
ra na infância.
Na entrevista de follow-up, 8 anos após o término, ela afirmou: “Não tenho
mais nenhum destes sintomas – isso para mim é uma lembrança distante”.
Em relação às dificuldades quanto a assumir um compromisso, relatou o
seguinte:

Algo extraordinário aconteceu. Uma vez que entrei nos corredores da igreja, não
olhei mais para trás. Foi como se cruzasse uma ponte da minha vida passada para
a nova. Eu o vi parado no altar, e de repente um sentimento de paz e felicidade
tomou conta de mim. Agora estou feliz como nunca imaginei ser possível. Eu sim-
plesmente adoro estar casada. Tenho a família que sempre desejei e nunca tive.
Psicoterapia Dinâmica Intensiva Breve 13

Meu marido também sente isso. Construímos uma relação de ternura e confiança.
A paixão surgiu a partir daí.

A Artista Masoquista
(idade 39, separada, 32 sessões, follow-up em 4 anos).
A descoberta da proximidade sexual
A paciente (descrita em Coughlin Della Selva, 1996, p. 161) queixava-se de
depressão, ansiedade e culpa que foram precipitadas pela separação de seu
marido abusivo.
Ela nunca fora capaz de atingir o orgasmo com um homem e conseguia isto
apenas por meio de fantasias infantis, de quando tinha 6 anos, em que era
estuprada e torturada.
Os critérios para a verdadeira resolução de seus problemas – formulados,
como antes, por dois avaliadores cegos aos eventos da terapia – incluíam:
“Encontrar um homem que a respeitasse e a amasse, com quem pudesse ter
uma relação mutuamente satisfatória” e “Desaparecimento de suas fantasias
sexuais masoquistas, com a capacidade de obter prazer em uma relação sexual
amorosa”.
Os temas predominantes em sua terapia consistiam na raiva de seu pai por
ter sexualizado a relação com ela, ódio e pesar pelo abuso físico e falta de
cuidado por parte de sua mãe e luto pela morte desta.
Na entrevista de follow-up de 4 anos, ela estava se relacionando com um
novo companheiro, que a tratava com carinho, tendo suas fantasias masoquis-
tas desaparecido completamente. Ela fez os seguintes comentários a respeito
de sua relação sexual: “Eu adoro o seu corpo e ele se delicia com o meu. É um
sentimento de êxtase por esse outro ser. Acho que o diferente de antes é que
sinto desejo por ele, como pessoa, que é expresso física e sexualmente”.

A Diretora com Auto-Repugnância


(idade 29, 58 sessões, follow-up após 5 anos)
A descoberta do contentamento
Para esta mulher casada (descrita em Coughlin Della Selva, 1992), todo o
prazer na vida fora destruído por um estado de auto-repugnância e autopunição.
Ela tinha medo de ter filhos.
Sua mãe, que claramente desejava poder ter se livrado dela, a negligencia-
va séria e intencionalmente. A paciente perdera, na puberdade, a relação de
afeto que tinha com seu pai.
Os critérios para sua cura incluíam: “Desaparecimento do ódio de si e das
autopunições, com um aumento importante da capacidade de obter prazer
com a vida. Gostaríamos de vê-la entrar na maternidade com confiança em si
e poder desfrutar dos seus filhos”.
Os principais temas da terapia eram a raiva de ambos os pais e a identifica-
ção com o ódio que sua mãe tinha por ela.
Na entrevista de follow-up de 5 anos, ela relatou o seguinte incidente:
14 Malan & Della Selva

Ela e sua irmã de 5 anos estavam assistindo a um vídeo no qual uma menina fora
abandonada e privada da presença da mãe após sua morte. A paciente disse: “Ela
me olhou como se fosse me engolir com os olhos e me manter dentro dela. Ela
disse: ‘Eu vou amar você quando você estiver morta’. Uau! Ela tem somente 5 anos!
O que eu poderia dizer? Bem, eu disse – e embora não saiba bem o que isto signi-
fica – ‘Eu amarei você, mesmo depois que eu morrer’. Então ela desandou a chorar.
Eu simplesmente a abracei. Este foi um momento de profundo contentamento,
para além dos limites do universo e das palavras”.

Este momento inesquecível foi vivido por uma mulher que, antes da tera-
pia, não sentia nada além de repugnância de si.

Esperamos que as passagens apresentadas falem por si mesmas.


Uma vez como cientistas, pode-se questionar: o que a ciência tem a ver com
conceitos como proximidade emocional, felicidade ou contentamento? Nossa
resposta é que, se a ciência da psicoterapia não pode lidar com esses conceitos,
então só poderá se preocupar com superficialidades e irrelevâncias. Se real-
mente os utilizamos, então tudo o que precisamos é que as evidências nas
quais estes se baseiam sejam integralmente publicadas.

OS OBJETIVOS DESTE LIVRO


Os objetivos principais deste trabalho são: descrever com exemplos como
esses resultados terapêuticos extraordinários podem ser alcançados; ajudar a
instruir o leitor sobre como fazer isso; revisar a literatura confirmando a eficá-
cia da psicoterapia dinâmica por meio de ensaios controlados randomizados;
e demonstrar de que modo cada elemento da técnica é sustentado por evidên-
cias objetivas, incluindo aquelas oriundas da neurobiologia.
Isto não é tudo. Será mostrado como essas terapias indiscutivelmente con-
firmam, segundo evidências detalhadas extraídas de entrevistas registradas
em vídeos, muitos dos conceitos e princípios da psicoterapia dinâmica. Além
disso, tentamos introduzir o máximo de ciência possível nos estudos dessas
terapias – nem demais nem de menos. As entrevistas iniciais ou “psicoterapias
exploratórias” conduzidas por PCDS são rotineiramente tão profundas que
avaliadores cegos aos eventos da terapia são capazes de fazer formulações
precisas sobre os problemas dos pacientes e suas origens e estabelecer critérios
indicativos da verdadeira “resolução” das neuroses dos mesmos. Tais critérios
são correlacionados aos resultados das entrevistas de follow-up, transforman-
do avaliações com alto potencial subjetivo em mais objetivo.
Também será explorada a possibilidade da predição dos principais temas a
serem tratados em psicoterapia, passíveis de conduzirem a efeitos terapêuticos,
tentando, assim, converter cada terapia em um experimento científico.
Psicoterapia Dinâmica Intensiva Breve 15

A RELEVÂNCIA DA PESQUISA EM
PSICOTERAPIA PARA A HISTÓRIA
São geralmente aceitos, até o momento, três tipos fundamentais de fontes
de evidências da eficácia da psicoterapia: ensaios controlados randomizados
(RCTs), estudos de processos e estudos de pacientes individuais.
Os RCTs foram sempre considerados como o padrão-ouro da pesquisa em
psicoterapia, embora apresentem sérias limitações. A principal delas é a confian-
ça nas médias, juntamente com critérios de resultados “objetivos”, que nada
revelam sobre a qualidade real dos resultados terapêuticos ou sobre a distri-
buição da pontuação dos resultados em séries experimentais e controladas.
Vamos supor, por exemplo, que em vez de as médias serem essencialmente
iguais em duas amostras, os “melhores” resultados encontrem-se agrupados a
uma delas. Especialistas em saúde mental necessitam dos dados de indivíduos,
e não de grupos, e estão particularmente interessados em saber como (e se) as
melhoras ocorrem durante uma série de intervenções terapêuticas. Além dis-
so, os profissionais precisam saber quais intervenções específicas provocarão
efeitos terapêuticos. Para tais propósitos, são requeridos pesquisas de processos
e estudos terapêuticos de casos únicos (estudos N=1).
Durante muitos anos, houve um tema recorrente na literatura – insuficien-
temente explorado e com muito pouca influência – que consistia na frustração
em relação às RCTs devido à sua questionável relevância na prática clínica,
acompanhada da correspondente defesa de estudos N=1. Esse fato remete
aos anos de 1960, quando isso foi expresso até mesmo por alguns pesquisado-
res de ponta, que devotaram suas vidas aos estudos de RCT “padrão-ouro”,
representados por Carl Rogers, Allen Bergin e Arnold Lazarus (ver Bergin e
Strupp, 1972, e uma revisão por Malan, 1973). Curiosamente, tal situação se
repetiu exatamente da mesma forma nos anos de 1990. Segue-se uma ilustra-
ção peculiar, escolhida entre outras tantas: Safran e Muran (1994), ao reiterar
as críticas de Bergin e Strup sobre as RCTs escreveram: “Há uma necessidade
relevante de se intensificarem as análises de casos isolados para que se possa
produzir informação clínica útil”.
De 2000 pra cá, essa perspectiva vem se estabelecendo gradualmente por si
mesma. É representada pelo National Institute of Mental Health, dos Estados
Unidos (NIMH), que “reformulou quase todos os editais de financiamento para
refletir a mudança de prioridade dos ensaios clínicos em contextos controla-
dos, em larga escala, para as pesquisas projetadas para estudar um amplo
número de pacientes variados em contextos do mundo real [...]”(Foxhall, 2000).
Os mais recentes defensores dessa tendência são Ingram e Mulick (2005),
que, em uma carta ao editor da APA Monitor on Psychology, afirmam que no
mínimo duas outras metodologias “merecem ser incluídas como parte do pilar
da validação científica”, além das RCTAs. Uma delas é a pesquisa qualitativa
envolvendo o estudo de pequenos grupos de pacientes, enquanto a outra con-
siste em “métodos de projetos de estudo de caso único na prática clínica, por
16 Malan & Della Selva

meio dos quais o tratamento adequado é empiricamente validado para cada


cliente específico, e não para grupos de pacientes que compartilham de um
mesmo rótulo de diagnóstico”. Isso é ao mesmo tempo estimulante e
desanimador. É estimulante que tal idéia esteja sendo expressa; mas é
desanimador que, em vez de ser universalmente aceita e praticada, essa mes-
ma idéia ainda precise ser expressa. De forma praticamente independente, iden-
tificamos tal necessidade, e o livro que se apresenta é uma resposta a ela.
Respondemos também ao que Lazarus defendeu em sua entrevista com Bergin
e Strupp (1972) – ou seja, o estudo “da dupla paciente-terapeuta em toda a
sua complexidade”.
Um tema importante que permeia esses estudos é o seguinte: algumas ve-
zes, pode-se demonstrar a efetividade de um método de psicoterapia, para
além de todas as dúvidas razoáveis, sem o uso de séries de controle. Isso se
aplica às seguintes circunstâncias:

• Em pacientes que sofreram sintomas debilitantes e outros transtornos


graves (ex.: padrões de comportamento autodestrutivos, relações hu-
manas totalmente insatisfatórias), durante muitos anos, freqüentemente
desde a infância.
• Em pacientes que não apresentam melhora após anos de terapia anteri-
or, dinâmica ou não.
• Em pacientes que são submetidos à PDIB e começam a apresentar me-
lhoras significativas nas primeiras semanas, demonstrando, no térmi-
no, uma cura completa. Nenhuma reincidência ocorre durante o perío-
do de follow-up por muitos anos, mesmo quando o paciente é submeti-
do a um estresse grave (ex.: ver A Boa Moça com Colite Ulcerativa,
Capítulo 6).
• Registros cuidadosos, extraídos de vídeos, demonstram que as melho-
ras ocorrem imediatamente após certos tipos de eventos em terapia,
particularmente a desrepressão de sentimentos de pesar e raiva relacio-
nados a pessoas da primeira infância do paciente.
• Esses sentimentos são vivenciados com tanta intensidade, que não dei-
xam dúvida a respeito de sua importância.
• A associação entre os transtornos do paciente e os sentimentos reprimi-
dos pode ser claramente inferida.

Sob tais circunstâncias, até mesmo o mais determinado cético acharia difí-
cil sustentar que as melhoras se devem à “remissão espontânea”, que, por
coincidência, ocorreria justamente durante o período em que o paciente esta-
va sendo tratado com psicoterapia dinâmica.
Todas essas condições foram preenchidas pelas sete terapias apresentadas
neste livro.
Psicoterapia Dinâmica Intensiva Breve 17

A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS DA PDIB


Finalmente, deve-se destacar que uma das ênfases principais deste livro é o
exame extremamente detalhado dos resultados, a partir do enfoque da
psicoterapia dinâmica – esta Cinderela das variáveis psicoterápicas, tão inade-
quadamente estudada na literatura.

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