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I
INTRODUÇÃO, TÉCNICA
E LITERATURA
1
Introdução
A Noiva Relutante
(idade 36, 16 sessões, follow-up em 8 anos)
A descoberta do compromisso e da verdadeira felicidade
Esta mulher gravemente perturbada (descrita em Coughin Della Selva, 1996,
p. 96ff, sob o título de “A Mulher com Dores de Cabeça”) entrava em estados
semelhantes aos de ausência e ficava literalmente paralisada de medo diante
do simples pensamento de se casar. Além disso, ela sofria (1) de uma depres-
são que durara toda a sua vida, com fortes impulsos suicidas; e (2) de dores de
cabeça, pelo menos uma vez por semana, tão severas que a levavam a repeti-
das hospitalizações desde os 8 anos até o presente.
No passado, ela fora exposta a abusos físicos e sexuais sucessivos por seu
pai, dos quais sua mãe, inválida, jamais fora capaz de protegê-la.
Os critérios para a resolução de seus problemas, formulados por dois avali-
adores cegos com relação aos eventos da terapia, incluíam: “Desaparecimento
de todos os sintomas” e “Ter uma relação amorosa, satisfatória e comprometi-
da com um homem capaz de reciprocidade. Ser capaz de receber e dar amor e
ternura sem reservas”.
Os principais temas na terapia eram: raiva homicida de seu pai, seguida de
amor; ódio a um ex-namorado; raiva e amor de sua mãe; e dor pelo que perde-
ra na infância.
Na entrevista de follow-up, 8 anos após o término, ela afirmou: “Não tenho
mais nenhum destes sintomas – isso para mim é uma lembrança distante”.
Em relação às dificuldades quanto a assumir um compromisso, relatou o
seguinte:
Algo extraordinário aconteceu. Uma vez que entrei nos corredores da igreja, não
olhei mais para trás. Foi como se cruzasse uma ponte da minha vida passada para
a nova. Eu o vi parado no altar, e de repente um sentimento de paz e felicidade
tomou conta de mim. Agora estou feliz como nunca imaginei ser possível. Eu sim-
plesmente adoro estar casada. Tenho a família que sempre desejei e nunca tive.
Psicoterapia Dinâmica Intensiva Breve 13
Meu marido também sente isso. Construímos uma relação de ternura e confiança.
A paixão surgiu a partir daí.
A Artista Masoquista
(idade 39, separada, 32 sessões, follow-up em 4 anos).
A descoberta da proximidade sexual
A paciente (descrita em Coughlin Della Selva, 1996, p. 161) queixava-se de
depressão, ansiedade e culpa que foram precipitadas pela separação de seu
marido abusivo.
Ela nunca fora capaz de atingir o orgasmo com um homem e conseguia isto
apenas por meio de fantasias infantis, de quando tinha 6 anos, em que era
estuprada e torturada.
Os critérios para a verdadeira resolução de seus problemas – formulados,
como antes, por dois avaliadores cegos aos eventos da terapia – incluíam:
“Encontrar um homem que a respeitasse e a amasse, com quem pudesse ter
uma relação mutuamente satisfatória” e “Desaparecimento de suas fantasias
sexuais masoquistas, com a capacidade de obter prazer em uma relação sexual
amorosa”.
Os temas predominantes em sua terapia consistiam na raiva de seu pai por
ter sexualizado a relação com ela, ódio e pesar pelo abuso físico e falta de
cuidado por parte de sua mãe e luto pela morte desta.
Na entrevista de follow-up de 4 anos, ela estava se relacionando com um
novo companheiro, que a tratava com carinho, tendo suas fantasias masoquis-
tas desaparecido completamente. Ela fez os seguintes comentários a respeito
de sua relação sexual: “Eu adoro o seu corpo e ele se delicia com o meu. É um
sentimento de êxtase por esse outro ser. Acho que o diferente de antes é que
sinto desejo por ele, como pessoa, que é expresso física e sexualmente”.
Ela e sua irmã de 5 anos estavam assistindo a um vídeo no qual uma menina fora
abandonada e privada da presença da mãe após sua morte. A paciente disse: “Ela
me olhou como se fosse me engolir com os olhos e me manter dentro dela. Ela
disse: ‘Eu vou amar você quando você estiver morta’. Uau! Ela tem somente 5 anos!
O que eu poderia dizer? Bem, eu disse – e embora não saiba bem o que isto signi-
fica – ‘Eu amarei você, mesmo depois que eu morrer’. Então ela desandou a chorar.
Eu simplesmente a abracei. Este foi um momento de profundo contentamento,
para além dos limites do universo e das palavras”.
Este momento inesquecível foi vivido por uma mulher que, antes da tera-
pia, não sentia nada além de repugnância de si.
A RELEVÂNCIA DA PESQUISA EM
PSICOTERAPIA PARA A HISTÓRIA
São geralmente aceitos, até o momento, três tipos fundamentais de fontes
de evidências da eficácia da psicoterapia: ensaios controlados randomizados
(RCTs), estudos de processos e estudos de pacientes individuais.
Os RCTs foram sempre considerados como o padrão-ouro da pesquisa em
psicoterapia, embora apresentem sérias limitações. A principal delas é a confian-
ça nas médias, juntamente com critérios de resultados “objetivos”, que nada
revelam sobre a qualidade real dos resultados terapêuticos ou sobre a distri-
buição da pontuação dos resultados em séries experimentais e controladas.
Vamos supor, por exemplo, que em vez de as médias serem essencialmente
iguais em duas amostras, os “melhores” resultados encontrem-se agrupados a
uma delas. Especialistas em saúde mental necessitam dos dados de indivíduos,
e não de grupos, e estão particularmente interessados em saber como (e se) as
melhoras ocorrem durante uma série de intervenções terapêuticas. Além dis-
so, os profissionais precisam saber quais intervenções específicas provocarão
efeitos terapêuticos. Para tais propósitos, são requeridos pesquisas de processos
e estudos terapêuticos de casos únicos (estudos N=1).
Durante muitos anos, houve um tema recorrente na literatura – insuficien-
temente explorado e com muito pouca influência – que consistia na frustração
em relação às RCTs devido à sua questionável relevância na prática clínica,
acompanhada da correspondente defesa de estudos N=1. Esse fato remete
aos anos de 1960, quando isso foi expresso até mesmo por alguns pesquisado-
res de ponta, que devotaram suas vidas aos estudos de RCT “padrão-ouro”,
representados por Carl Rogers, Allen Bergin e Arnold Lazarus (ver Bergin e
Strupp, 1972, e uma revisão por Malan, 1973). Curiosamente, tal situação se
repetiu exatamente da mesma forma nos anos de 1990. Segue-se uma ilustra-
ção peculiar, escolhida entre outras tantas: Safran e Muran (1994), ao reiterar
as críticas de Bergin e Strup sobre as RCTs escreveram: “Há uma necessidade
relevante de se intensificarem as análises de casos isolados para que se possa
produzir informação clínica útil”.
De 2000 pra cá, essa perspectiva vem se estabelecendo gradualmente por si
mesma. É representada pelo National Institute of Mental Health, dos Estados
Unidos (NIMH), que “reformulou quase todos os editais de financiamento para
refletir a mudança de prioridade dos ensaios clínicos em contextos controla-
dos, em larga escala, para as pesquisas projetadas para estudar um amplo
número de pacientes variados em contextos do mundo real [...]”(Foxhall, 2000).
Os mais recentes defensores dessa tendência são Ingram e Mulick (2005),
que, em uma carta ao editor da APA Monitor on Psychology, afirmam que no
mínimo duas outras metodologias “merecem ser incluídas como parte do pilar
da validação científica”, além das RCTAs. Uma delas é a pesquisa qualitativa
envolvendo o estudo de pequenos grupos de pacientes, enquanto a outra con-
siste em “métodos de projetos de estudo de caso único na prática clínica, por
16 Malan & Della Selva
Sob tais circunstâncias, até mesmo o mais determinado cético acharia difí-
cil sustentar que as melhoras se devem à “remissão espontânea”, que, por
coincidência, ocorreria justamente durante o período em que o paciente esta-
va sendo tratado com psicoterapia dinâmica.
Todas essas condições foram preenchidas pelas sete terapias apresentadas
neste livro.
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