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Prova de Pensamento Político Brasileiro II - 2019.

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Ícaro Fernandes Teixeira
20171530032
● A construção da identidade brasileira: relações classe, raça, nação.
A construção da identidade brasileira perpassou uma constante tentativa em conciliar
diferente culturas e costumes de diferentes povos forçadamente miscigenados a partir do
modelo colonizador de escravidão que tinha por objetivo explorar, aculturar e dominar, como
exposto por Freyre, que define a colonização portuguesa como uma ‘criação local de
riquezas’ em contraponto a ‘extração de riquezas’. Esse processo se deu de forma coercitiva
de seu início aos dias atuais e estabelece hierarquias de raça e classe que estão intimamente
ligadas a esse processo civilizador de construção de uma identidade nacional.
Primeiramente, vale ressaltar o processo de hierarquização social estabelecida nas
relações interpessoais do mundo rural escravocrata que miscigenou os povos de forma
coercitiva e marginalizante, ou seja, refutando a harmonia apreendida por Gilberto Freyre em
sua obra, vale destacar a constante dominação dos corpos e das mentes enquanto
hierarquização e proibição de culturas, seja de ritos, linguagem, fé e costumes, que
estabeleceram uma forte tensão produzindo o sincretismo religioso e sobrevivência de
culturas alimentares e ritualísticas, seja na relação com o trabalho, pela luta de classes
racial-econômica constante no ambiente rural; Estabelecendo assim, o processo de
‘hibridização’ percebido pelo autor, mas que procuro definir como processo de aculturação
do modelo europeu de organização social, com heranças culturais, ou melhor dizendo
resquícios culturais que sobreviveram à coerção, como definido por Moura, nessa identidade
nacional e sociedade pluriétnica, o ideal escolhido foi o superior branco.
A reprodução do sistema era de forma extremamente desigual e favorecia uma classe
descendente de portugueses branco que detinha poder no campo pela dominação tradicional
familiar que se repercutiu na produção do coronelismo. Após a abolição da escravidão, houve
uma valorização do imigrante branco enquanto o negro fora delimitado à marginalidade
urbana sendo taxado de preguiçoso, ocioso e mau caráter, pois quem detinha os meios de
produção ainda era o homem branco, sendo assim restou os subempregos e trabalhos
equivalentes ao período escravocrata.
Sendo assim, essa herança de acultural produziu um olhar etnocêntrico da sociedade
brasileira por indivíduos branco, mulatos e negros segundo Clóvis Moura, pois há uma
necessidade de resguardo em grupo temendo a perda de posição social na sociedade
capitalista calcada no consumo estrutural pelas camadas marginalizadas. Esse camada por sua
vez, é reprimida de forma autoritária, buscando ‘equilíbrio social’ pelo Estado de forma a
conter forças subversivas ao estrato hierárquico sócio-racial, já que majoritariamente esta
camada descende de matrizes africanas, ou seja, há um punitivismo estatal histórico a cultura
negra e indígena, como as famosas lei contra vadiagem e lei contra charlatanismo, assim
como destruição e tomada de espaços de existência e resistência, como território de
quilombos e áreas indígenas, quanto repressões a desertores subversivos dessa ordem a fim
de quebrar esse estrato hierárquico, como criminalização do tráfico de drogas, furto e roubo,
como forma de reação à desigualdade na sociedade capitalista, que de acordo com o autor se
configuram como guetos invisíveis de extermínio negro - como colocado por Guerreiro
Ramos a aculturação se dá pela eugenia, controle de nascimentos e casamentos. Sendo assim,
a partir do discurso liberal da democracia racial, aprisiona negros discriminados e explorados
em sua realidade social meritocrática sem levar em consideração as tensões raciais históricas
e cotidianas da hierarquia racial brasileira.
Ademais, vale ressaltar o projeto de embranquecimento ideológico que deram
sustentação para as políticas de marginalização das populações negras durante o último
século. Sendo assim, Oliveira Viana adepto do darwinismo social, ou seja, análise da
sociedade enquanto sobrevivência das espécies, produz uma obra em que determina a
evolução do povo brasileiro calcada a tradição do pensamento político brasileiro de Euclides
da Cunha, ambos autores determinam a miscigenação como algo problemático para o
desenvolvimento da sociedade brasileira analisando os ‘tipos raciais’, sempre buscando
determinar uma identidade nacional, que diante de uma miscigenação tão complexa seria
muito difícil determinar um caráter físico-psicológico comum a todo brasileiro, considerando
as matrizes negra e indígena ainda que de forma categorizada em sua diversidade, há uma
generalização da raça sob o olhar de culturas ‘exóticas’. Sendo assim, para ele o projeto de
nação viria partindo do projeto de branqueamento da população seja pelo processo de
sobrevivência, seja na integração do Brasil com o mundo ocidental.
Sendo assim, Guerreiro Ramos expõe algumas contradições em entre biológico e
social, ou seja, primeiramente ele coloca algumas teses de branqueamento sociológicas como
teses meramente política a fim de desmistificar o extremo cientificismo da época utilizado
pelos autores, diante disso afirma que o branqueamento da população não é um processo
biológico e sim sócio-político atravessado pelo preconceito e contradição, assim como a
arianização da sociedade é apenas uma expressão de uma auto estima elevada que se baseia
em questões como racismo reverso e preconceitos infundados pelo contexto material social,
ou seja, para o autor, Oliveira Viana possui sua contribuição para sociologia por documentar
o preconceito no Brasil em seu caráter ideológico.
Finalmente, pode-se concluir que as relações de raciais e de classe no Brasil estão
intimamente interligadas e que o processo de colonização e estatização do território a fim de
se estabelecer uma produção econômica capitalista produziu não apenas um traumas
históricos, quanto um processo de marginalização de parte da sociedade, ou seja, segundo
Florestan Fernandes, a história social centrada no eixo econômico de exploração com
imposições políticas institucionais estruturais foi cunhada em contradição e combinação com
os diferentes processos de evolução produtivo capitalista, pode-se afirmar que esse projeto de
nação se encontra marginal comparado-o com o ‘mundo ocidental’; E só será compreendido a
partir do reconhecimento dos sujeitos peculiares e característicos desse sistema, definindo
que a sociedade de classes e a revolução burguesa se articula precariamente a partir desse
histórico, evidenciando assim suas maiores contradições.

● Discussão dos conceitos: patrimonialismo, mandonismo e personalismo.


Os conceitos de patrimonialismo, mandonismo e personalismo são essenciais para a
compreensão da formação do Estado brasileiro assim como as raízes do surgimento dos
processos políticos no território, explicitadas por alguns autores da tradição do pensamento
político brasileiro nos fornecem uma densa denúncia sobre a organização do Estado e seus
fundamentos de dominação de classe, colonização e exploração dos povos, que se
estabelecem enquanto consequências e como no caso do mandonismo ressignificação do
coronelismo extinto, das relações entre Estado e sociedade.
Primeiramente, vale ressaltar a contribuição de Raymundo Faoro, na obra ‘Os donos
do poder’, com sua brilhante análise da formação do Estado português e sua perspectiva
patrimonial e colonizadora de reprodução do modelo no Estado brasileiro. Sendo assim, ele
retoma a história dos conflitos e guerras contra diversos povos e sociedades, que se deu o
produto institucional português, marcado pela independência e conquista; O rei dispunha de
um imenso patrimônio rural com argumentos jurídicos cunhados no direito romano; Havia
reconhecimento da propriedade privada restrita, já que possuía patrimônio mais vasto que o
clero e a nobreza; Utilizava assim de doações de parte dessa riqueza latifundiária para
comprar serviços de nobres proprietários, criando assim um aparato administrativo
burocrático que sustentava a organização institucional. Sendo assim, o poder seria derivado
da riqueza e não da função pública, a organização de funcionário enquanto proprietário
favorecia essa nobreza, que recebia regalias como isenção de tributos.
Diante do surgimento de instituições municipais, os conselhos, a burguesia inicia sua
autonomia política sobre os súditos, que por sua vez eram manipulados pelo rei com base de
sustentação submissa e servil. Nesse jogo de poder, cria-se uma organização institucional em
troca de defesa militar do rei que contrata mercenários para tal serviço, sendo assim esse
vínculo entre contribuição e tesouro nacional, ou seja, a redução da riqueza do rei para
aristocracia a partir da imunidade de pagamento e tributos define o caráter patrimonial do
Estado monárquico português. Sendo assim, essa confusão entre propriedade do monarca ser
público ou privada, gerada pela ausência de determinação normativa anterior, produz uma
certa cultura de apropriação do público pelo privado, ou seja tudo é definido pela autoridade
militar e soberana do rei, enquanto a definição de Estado perpassa a virtualidade desse
senhorio.
O amadurecimento histórico da administração e ministérios voltado para os
investimentos econômicos de crescimento do tesouro Real, cria um aparelhamento estatal
cunhada numa organização político-administrativa e na jurisprudência positivada, para além
da organização corporativa do poder em comunidade, gerando assim um estamento
burocrático, ou seja, criação de identidade e interesse de grupo, e ação política congregada
pautada pelo poderio econômico. Um mesmo grupo, pois, pensa e age conscientemente por
pertencerem ao mesmo núcleo, qualificado, honrado e prestigiado socialmente, aspirando a
privilégios e regalias, a partir de ações políticas para o bem comum do grupo, pautando-se na
desigualdade social através de convenções.
Diante disso, vale ressaltar muitas semelhanças entre o Estado patrimonial
monárquico português com a organização estatal brasileira e seu longo histórico de
privilégios para classes burocrático-administrativas do Estado como deputados, senadores,
juízes, generais e presidentes dos poderes, para além das camadas subjacentes hierárquicas
que trabalham em prol do crescimento e enriquecimento da nação, ‘desenvolvimento’,
equivalente a riqueza do rei, atrelada à sua dinâmica de transferência e disputa de privilégios
no jogo democrático. Por conseguinte, não se pode analisar o estamento burocrático apenas
pelos atores estatais de produção de política legal, mas sim, vale ressaltar a confusão entre
elite política e elite econômica claro no cenário estatal brasileiro, que evidencia a relação
entre organização burocrática e favorecimento de classes econômicas relativamente anônimas
nessa distribuição de privilégios, determinando assim o caráter patrimonial do Estado
brasileiro.
Segundamente, o conceito de mandonismo pode ser compreendido através da análise
do período coronelista brasileiro que possui formação com a mistura de raças e culturas
diferentes exposto por Gilberto Freyre, que propõe uma miscigenação provinda das relações
interpessoais no modelo econômico escravocrata. Diante disso, o modelo familiar formata-se
enquanto modelo colonizador, já que as relações entre os diferentes povos envolvidos,
africanos, europeus e americanos, numa única atividade econômica latifundiária de
mão-de-obra escrava, aconteciam no núcleo rural diante dos conflitos entre casa grande,
senzala e povos nativos.
Por conseguinte, Victor Nunes Leal busca explicar o coronelismo a partir deste fator
colonizador brasileiro, sendo assim de acordo com o autor a estrutura familiar sobreposta ao
modelo institucional representativo da época pouco perpassado pelo estrato social, daria vida
a esse poder privado poderoso no campo, que se sustenta a partir da troca de benefícios entre
chefes locais e o poder público local, já que os coronéis detém a força eleitoral, a partir do
voto de cabresto, força jurídica e política através do auxílio de capangas, empregados e
agregado, que produzem na figura desses coronéis um prestígio político que supera qualquer
formação da época diante da difusão do ensino superior, que de certa forma a elite intelectual
fazia parte desta elite rural enquanto aliados ou parentes diretos.
Ademais, Maria Isaura Queiroz atribui o poder de parentela, que para a autora
representava grande para do poder do coronel na estrutura social do período. Esse poder,
pois, é atribuído à capacidade de agregar famílias, a partir do casamento, laços sanguíneos e
religiosos como apadrinhamento por exemplo. Sendo assim, essa associação em defesa de
interesses comuns produzia um extrato social diversificado, permitindo a pulverização da
influência do coronel de forma coesa em sua região e em contraponto a interesses de outras
parentelas, a partir da simpatia do povo, na forma de relação de troca de voto em negociação
a um favor.
Diante do contexto de industrialização, urbanização e grande crescimento
demográfico, há uma consequente queda e posterior extinção do coronelismo, segundo Isaura
de Queiroz, o fenômeno se reestrutura na sociedade no formato do mandonismo. Partindo
desta complexificação social brasileira há um aperfeiçoamento institucional provindo das
tensões de classe no mundo do trabalho, cada vez mais estratificado, criando novos grupos
sociais como a classe média e as relações de solidariedade que eliminam a necessidade de
negociações cotidianas. Contudo, mandonismo seria perpetuado pela persistência das
parentelas pulverizada por essa nova estrutura social dominada pela classe média, facilitando
negociações e as trocas de favores, criando assim uma nova estrutura política.
Finalmente, vale ressaltar a compreensão de Sérgio Buarque de Holanda sobre a
consequência da família na instituição pública, já que essas relações familiares contribuem
para a percepção dos atores públicos que confundem a gestão pública como um negócio
privado, perpetuado por interesses individuais, lidando com o funcionalismo público pela
afinidade e não pela capacidade. Sendo assim, o personalismo brasileiro produziria o ‘homem
cordial’, produto da civilidade, gentileza e hospitalidade, mas que de acordo com o autor
traduziria apenas a sobreposição do ser frente ao social, atribuindo um constante desejo de
construção de intimidades que se traduziriam em facilidades e benefícios sociais em
diferenciadas escalas. Revela-se assim, uma falta de compromisso com obrigação e um culto
contra o rigor, reproduzido em espaços públicos de cunho personalista e intimista.
Sendo assim, vale ressaltar diante da tradição do pensamento político brasileiro que o
processo de colonização e estruturação institucional advém de um histórico de conflitos entre
diferentes povos e culturas que tentam sobreviver frente a polidez civilizadora europeia
portuguesa. Isso reflete, pois a dificuldade de formulação de um Estado soberano em forma
de nação cultural universal, que se deu a partir da exploração dos recursos naturais e
destruição de sociedades e biomas para a evolução de processos tecnológicos de produção
econômica.
Diante disso, essas três chaves análiticas enquanto características do processo de
opressão do Estado sob essa miscigenação forçada de diferentes povos, impondo o modelo de
organização institucional patrimonial europeu, servem para compreender a devastação do
mundo tradicional diverso, em prol da alienação do povo enquanto nação no mundo do
trabalho moderno, ou seja, o personalismo, o mandonismo e o patrimonialismo, ainda que
não sejam particulares ao território pela dificuldade analítica da própria tradição do
pensamento político brasileiro em fugir da análise enquanto nação, para a análise enquanto
um dos reflexos das formulações estatais mundiais, se definem enquanto identidade nacional
brasileira e se perpetuam de forma a estabelecer a ordem estatal liberal enquanto gatilhos
ideológico. O patrimonialismo, pois daria a constante percepção de corrupção, estimulando a
propagação da liberalismo estatal; O mandonismo, daria o constante sentimento de
necessidade de uma representação pela dominação carismática (democracia representativa),
legal (jurisdição enquanto sanção coercitiva, de cunho corretivo, punitivo e civilizador) ou
tradicional (familiar e religiosa), que irá solucionar os problemas da desigualdade,
desenvolvimento e progresso da sociedade enquanto território ‘subdesenvolvido’,
representada no provérbio popular “​manda quem pode, obedece quem tem juízo”​; E o
personalismo, estabeleceria a hierarquia social de raça, classe e território, dando contribuição
aos valores meritocráticos e organizacionais da vida familiar privada, representada pela
famosa frase trazida por Lustosa, presente no Livro ‘Carnavais, Malandros e Heróis’, de
DaMatta,‘‘você sabe com quem está falando?”.

Bibliografia
FAORO, Raymundo. (1958), Os donos do poder: formação do patronato político
brasileiro. Editora Globo.

LUSTOSA, Frederico (2009). “Relações Estado-Sociedade no Brasil: Representações


para Uso de Reformadores”. Dados, v. 52, n. 1.

VIANA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Vol. 2, cap. IV (“Populações e a


Metodologia Sociológica”), caps. VIII, IX e X (“O problema das reformas políticas e os
estereótipos das elites”, “Organização da democracia e o problema das liberdades
políticas” e “Organização da democracia e o problema do sufrágio”).

FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: características gerais da colonização


portuguesa no Brasil. Cap. 1.

HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. Caps. 4 e 5.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime


representativo no Brasil. “Indicações sobre a estrutura e o processo do ‘coronelismo’” e
“Considerações finais”.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O mandonismo local na vida política brasileira e
outros ensaios. “O coronelismo numa interpretação sociológica”.

RAMOS, Guerreiro. “O problema do negro na sociologia brasileira”.


MOURA, Clóvis. Brasil: raízes do protesto negro. “Introdução”, “Influência da
escravidão na estrutura e comportamento da sociedade brasileira”, “Escravismo,
colonialismo, imperialismo e racismo” e “Ideologia de branqueamento das elites
brasileiras”.

FERNANDES, Florestan. “A Revolução Burguesa no Brasil”

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