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Extraído de: Clair, Kate. Manual de tipografia. Porto Alegre, Bookman, 2009.
A Renascença
Descrita como o "renascer do conhecimento", a Renascença durou aproximada-
mente dois séculos, desde a metade dos anos 1400 até o final dos anos 1600. O renas-
cimento incluiu uma fascinação pelos artefatos, pela arquitetura e pelos idiomas das
antigas Grécia e Roma. A escrita, a música, o teatro, a filosofia, a medicina e as leis das
antigas culturas foram elevadas à altura de ideais, contrastando com o conhecimento
baseado no divino que predominava na Idade Média. Muitas obras clássicas antigas se
tornaram disponíveis por meio da impressão, como livros que se tornaram mais co-
muns e de menor custo.
O início da imprensa
O aperfeiçoamento da prensa de imprimir, a inovação do tipo móvel (letras indivi-
duais, reutilizáveis, fundidas em metal ou gravadas em madeira) e a fabricação de maio-
res quantidades de papel a baixo custo permitiu o aumento da produção de livros.
Desde os tempos em que a tradição oral dominava na interação humana até o desen-
volvimento dos sistemas formais de escrita, nunca tinha havido um salto tão grande
na comunicação como o que se seguiu ao desenvolvimento da tecnologia de imprimir
de Gutenberg. Esse processo era de custo muito menor do que as anteriores edições
copiadas à mão, permitindo a disseminação mais ampla da palavra escrita. A grande
disponibilidade de livros encorajou uma maior alfabetização entre as pessoas comuns,
uma vez que a reprodução em massa de textos permitia que um número maior de
senhores de terra e de mercadores, assim como os membros das guildas, tivesse acesso
aos livros e pudessem possuí-Ios; os livros não eram mais uma exclusividade da no-
breza.
É creditado a Johann. Gutenberg o desenvolvimento do tipo móvel e reutilizável.
Certamente há muito de lenda no envolvimento de Gutenberg com o aperfeiçoamen-
to do processo de impressão e na solução de uma série de problemas e desafios afins.
Alguns historiadores argumentam que Laurens Coster da Holanda desenvolveu a arte
de imprimir um pouco antes ou ao mesmo tempo em que Gutenberg; outros dizem
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que Coster meramente roubou alguns dos experimentos de Gutenberg na incursão
que fez em busca da imprensa. Outros ainda propõem que sabemos muito pouco dos
detalhes reais da vida de Gutenberg para creditá-Io com a invenção da imprensa. Essa
controvérsia continua um assunto em discussão ainda não resolvido pelos historiado-
res.
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com um manuscrito que tivesse sido copiado à mão por um escriba. Como não havia
outra forma de escrever ou desenhar letras disponível para Gutenberg na época, era
lógico que ele copiasse o padrão existente. Gutenberg fundiu quase 270 pares de ca-
racteres na forma de ligaturas ou de kernings, cada par em um único punção. Uma vez
que a largura da composição (o espaço ao redor de uma letra e da própria letra) é uma
parte inerente de cada peça de chumbo fundido, os caracteres que parecessem muito
afastados entre si foram submetidos a kerning, que se referia à prática de preencher na
linha de base a parte da letra que deveria ajustar-se à base do caractere adjacente. (Ho-
je, o termo kerning refere-se ao ajustamento do espaço entre letras dentro de uma
única palavra, com o objetivo de melhorar a legibilidade.)
Composição da página
Era necessário que o tipo estivesse bem preso em sua posição na prensa durante a
pressão aplicada na platina (mesa de impressão), para a transferência da tinta para uma
folha de papel, pergaminho ou vellum. As letras individuais eram compostas em li-
nhas, e essas linhas eram organizadas de forma apropriada e fixadas em uma rama
(caixilho de impressão, uma moldura pesada de metal ou ferro fundido colocada em
uma mesa de impressão com a finalidade de estabilizar os tipos de chumbo compostos
manualmente na impressão tipográfica), usando cunhas (guarnições descartáveis) e
guarnições (espaçadores de madeira e metal para manter os tipos em posição) para
fazer as provas. Gutenberg usava uma máscara de papel estendida sobre o perímetro
do cofre ou leito de impressão para evitar que qualquer excesso de tinta manchasse a
margem limpa da página.
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Peter Schoffer, assistente de Gutenberg, tornou-se sócio de Fust para dirigir a
oficina. Juntos, Schoffer e Fust finalizaram a impressão de aproximadamente 180
Bíblias e fizeram uma fortuna quando as Bíblias foram assinadas e vendidas no mês de
agosto seguinte.
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deixou a Alemanha, versões de seu tipo ficaram conhecidas como Cloister Old Style.
O Estilo Antigo transmite um sentimento suave e orgânico, com as serifas parecendo
brotarem da haste da letra. As serifas, muitas vezes levemente arredondadas, são cor-
tadas de forma precisa, com generosos suportes ou ligações (brackets a área transicio-
nal reta ou curva entre o traço da letra e a serifa).
A imprensa na Inglaterra
O primeiro livro impresso na Inglaterra foi criado por William Caxton, um rico
mercador de seda que se tornou impressor. Depois de estudar a impressão e trabalhar
por vários anos na cidade de Bruges, em Flandres, Caxton montou sua oficina na
Inglaterra por volta de 1478. O primeiro livro impresso em idioma inglês foi compos-
to em um caractere tipográfico angular e cheio de floreios chamado Bastardo. Popular
na França por aquela época, era considerado uma fusão da Rotunda com a Gótica
Textura.
O estilo gótico de tipos foi mais amplamente aceito na Inglaterra do que na França
e na Itália, e sua popularidade permaneceu lá por muito mais tempo.
Eventualmente, a realeza limitou a indústria da impressão às cidades de Londres,
Oxford e Cambridge, exigindo que todos os manuscritos fossem submetidos a uma
censura e que fosse obtida uma permissão para impressão.
A reforma religiosa
Em 1517, Martinho Lutero afixou suas 95 teses na porta da Igreja de Wittenberg,
na Alemanha, clamando pela reforma do catolicismo. Depois que se recusou a renegar
suas idéias, Lutero foi excomungado e seus trabalhos tornaram-se os fundamentos da
Reforma Protestante. Outros reformadores desligaram-se da Igreja tanto na França
como na Suíça. Quando Henrique VIII quis divorciar-se de sua esposa, como não
podia fazê-Io dentro da Igreja Católica, desligou-se dela, formando a Igreja da
Inglaterra em 1534. A Reforma acendeu grande convulsão social na Europa, o que
resultou em várias guerras. Países diferentes não mais estavam ligados por uma força
unificadora.
No Concílio de Trento de 1545, o movimento da Contra-Reforma clamou por
mudanças dentro da Igreja. Nascidas de uma reação contra o protestantismo que
crescia, essas mudanças incluíam a centralização da Igreja Católica, instituindo um
catecismo para os fiéis, reforçando a autoridade do Papa e dos Bispos e geralmente
intensificando a perseguição dos hereges e dos impressores que publicavam materiais
para a Reforma Protestante. Em face à implacável perseguição religiosa, muitos gru-
pos religiosos mudaram-se para áreas mais hospitaleiras ou partiram, como os
Puritanos, para se instalarem em uma nova terra onde pudessem ter a liberdade de
culto que desejavam.
O pináculo da Renascença
Os anos 1500 marcaram o ápice da Renascença na Europa. Além do interesse
renovado pela cultura antiga grega e romana, pela estética e pela filosofia, a expansão
dos livros aumentou o alfabetismo, mesmo entre as classes mais baixas. Escrever não
estava mais limitado a uns poucos escribas, era um exercício aprendido e praticado de
forma muito mais ampla.
Um dos textos mais populares e amplamente disponível era o Livro de Horas. Esse
livro medieval evoluiu do ciclo de orações monásticas que dividia o dia em oito seg-
mentos de "horas": Matinas, Laudas, Prima, Tércia, Sexta, Nonas, Completas e
Vésperas. No início do século XV, o livro tinha se desenvolvido em uma série de tama-
nhos portáteis para ser usado em devoções privadas, em complemento ao culto comu-
nal. À medida que crescia a popularidade, desenvolvia um sistema eficiente de produ-
ção e comércio desses livros para atender à demanda. Uma próspera economia desen-
volveu-se ao redor da produção dos Livros de Horas. Entre os hoje existentes estão
alguns dos mais belos exemplos da arte medieval.
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Os impressores dos anos 1500 passaram a enfrentar o problema da censura de suas
obras pelo Estado e pela Igreja. As idéias expressas em textos clássicos gregos e roma-
nos eram muitas vezes contrárias àquelas afirmadas pelo clero ou pela realeza.
Eventualmente a filosofia humanística (que colocava o homem, em vez de Deus, no
centro do universo) ganhava aceitação na Europa, apesar dos esforços para evitar a
sua expansão.
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grande não estava mais limitado ao púlpito no qual os mestres liam em voz alta para os
discípulos. Ele imprimiu livros menores, facilmente portáteis, para que as pessoas
pudessem ler individualmente para si mesmas.
O design dos livros de Manutius tomou uma estética mais moderna. Em 1495 foi
encomendado a Francesco Griffo o desenvolvimento de um caractere tipográfico
romano caligráfico. Este tipo incorporava vários pesos de traços finos e hastes com
serifas delicadas. O tipo desenhado por Griffo parecia mais uniforme na forma, no
tamanho, no peso e na proporção do que os caracteres de Jenson e era mais legível em
tamanhos muito menores.
Antes de mais nada, Manutius era um homem de negócios e estava continuamente
experimentando idéias de produzir livros com custo menor, que proporcionassem
maior margem de lucros. O layout moderno de seus livros foi estabelecido pelo uso de
um design mais aberto e claro, sem as margens amplas que antes eram dominantes.
Esta era uma medida econômica - sem margens, diminuía o tempo de compor a pági-
na, resultando em produção mais rápida e menor custo. O tipo menor permitia que
Manutius comprimisse mais informação dentro de menor espaço, utilizando menos
material, reduzindo assim o custo de produção por exemplar.
Influenciado pela Papal Chancery, uma letra manuscrita cursiva, Aldus Manutius
trabalhou com Francesco Griffo para desenvolver o primeiro tipo itálico em 1506.
Originalmente, o tipo itálico era compreendido somente para os livros como um ca-
ractere tipográfico de caixa-baixa, e tinha apenas o apoio das letras capitais romanas
(passou-se um quarto de século antes que aparecessem as letras capitais itálicas).
Manutius descobriu que os caracteres itálicos eram bem mais estreitos que os caracte-
res romanos e passou a compor livros inteiros com a versão itálica para economizar
espaço, outra vez procurando manter o custo da produção de livros a mais baixa passí-
vel.
Um dos trabalhos mais famosos de Manutius, Hypnerotomachia Poliphili, era uma
obra-prima da tipografia usando letras romanas cortadas com clareza, ricamente orna-
mentada com xilogravuras decorativas. Albrecht Dürer foi cantratado para ilustrar o
texto, estabelecendo uma ponte entre as tradições tipográficas góticas e humanísticas.
Manutius era um editor e revisor exigente, seus livros estabeleceram o padrão de
precisão na ortografia e na sintaxe. Suas traduções acuradas e bem sucedidas eram
disponíveis tanto para os eruditos como para os estudantes. Ele criou um livro de alta
qualidade com conteúdo consistente e produção a preço acessível e com isso seu tra-
balha tornou-se muito conhecido. O esfarço e o pensamento avançado de Manutius
ajudaram Veneza a tornar-se um centro de imprensa que exportava muitos livros pe-
quenos e acessíveis.
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letras inscrevendo-as em um quadrado de tamanho específico, construindo o caracte-
re tipográfico a partir dos elementos do quadrado e dos arcos de círculos. O texto
apresenta instruções completas e designs alternativos para cada letra. Mesmo que
mais conhecido por suas impressionantes ilustrações em xilogravura, ele deu com esse
ensaio uma significativa contribuição para o campo da tipografia.
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França e na Itália até o fim dos anos 1700. Variações dos tipos de Garamond, funda-
mentadas nas mesmas formas básicas, ainda são populares nos nossos dias.
Inovações na imprensa
Os materiais impressos durante a Renascença refletiam a sensibilidade artística da
época. As margens escuras que preenchiam cada pedacinho de espaço, populares na
Idade Média, tinham desaparecido. O trabalho de impressão refinado, com um alto
grau de precisão, consistência e clareza era comum entre os melhores impressores da
época.
A maioria dos livros publicados durante esse período era de natureza religiosa,
ainda que no final do século XVII muitos fossem seculares. As contribuições incluí-
ram o design de famílias de tipos em Estilo Antigo, capitais pequenas, tipos itálicos,
marcas de impressores, tipos em registro na página impressa, impressão a duas cores,
cólofons e tipos móveis. Os contribuidores mais notáveis para as inovações do perío-
do incluem Gutenberg, Coster, Jenson, Manutius, Garamond e Granjon.
As estimativas sugerem que o número de livros expandiu-se dobrando em 180
vezes, com aproximadamente 50 mil conservados em mosteiros e bibliotecas da
Europa em 1450, porém passando de nove milhões em 1500. Mais de 35.000 edições
diferentes foram impressas nos primeiros 50 anos que se seguiram à invenção da im-
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prensa. Essa explosão cresceu para incluir não somente livros, mas também publica-
ções de vida mais efêmera, cartazes e folhetos.
Por volta de 1500, existiam estabelecimentos de impressão em 140 cidades do
continente europeu. Vários historiadores argumentam que sem a tecnologia da im-
prensa, as revoluções políticas (americana e francesa) que se sucederam nos séculos
seguintes não teriam sido possíveis. A imprensa proporcionou a disseminação das
idéias a grandes distâncias sem requerer grandes assembléias de povo. As idéias sobre
os direitos humanos foram difundidas, e a linguagem foi padronizada na Europa. A
imprensa levou à democratização da informação à medida que os livros foram produ-
zidos de forma mais acessível, permitindo que as classes mais baixas tivessem igual
acesso à informação que previamente era reservada para os ricos.
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