Você está na página 1de 10

A

HISTÓRIA DA TIPOGRAFIA - 03 RIM


I M PNTE/VERSEOL!
FRE E PAP
(Sem ilustrações, por enquanto) ECON
OMIZ

Extraído de: Clair, Kate. Manual de tipografia. Porto Alegre, Bookman, 2009.

Tipografia e Imprensa na Renascença


A economia que mudava e a estabilidade política que emergia no
final da Idade Média fomentaram o crescimento das cidades. A
crescente complexidade da organização social estimulava o desenvol-
vimento das. guildas de artesãos e das redes de comércio de troca.
Foram fundadas universidades nas cidades burguesas, e estudantes
foram atraídos para esses centros de conhecimento, arte e cultura.
Com isso, estava montado o cenário para a Renascença, durante a
qual o ressurgimento do interesse pelo pensamento antigo grego e
romano levou ao movimento filosófico conhecido como humanismo.
Na Europa, durante a Renascença, desenvolveu-se a impressão
com tipos móveis e reutilizáveis, um evento considerado épico no
curso do desenvolvimento humano. Uma comparação moderna é o
desenvolvimento e a ampla distribuição do computador pessoal, que
trouxe mudanças similares na rapidez e disseminação da informação.
O Homem de Vitruvio - Leonardo Da Vinci

A Renascença
Descrita como o "renascer do conhecimento", a Renascença durou aproximada-
mente dois séculos, desde a metade dos anos 1400 até o final dos anos 1600. O renas-
cimento incluiu uma fascinação pelos artefatos, pela arquitetura e pelos idiomas das
antigas Grécia e Roma. A escrita, a música, o teatro, a filosofia, a medicina e as leis das
antigas culturas foram elevadas à altura de ideais, contrastando com o conhecimento
baseado no divino que predominava na Idade Média. Muitas obras clássicas antigas se
tornaram disponíveis por meio da impressão, como livros que se tornaram mais co-
muns e de menor custo.

O início da imprensa
O aperfeiçoamento da prensa de imprimir, a inovação do tipo móvel (letras indivi-
duais, reutilizáveis, fundidas em metal ou gravadas em madeira) e a fabricação de maio-
res quantidades de papel a baixo custo permitiu o aumento da produção de livros.
Desde os tempos em que a tradição oral dominava na interação humana até o desen-
volvimento dos sistemas formais de escrita, nunca tinha havido um salto tão grande
na comunicação como o que se seguiu ao desenvolvimento da tecnologia de imprimir
de Gutenberg. Esse processo era de custo muito menor do que as anteriores edições
copiadas à mão, permitindo a disseminação mais ampla da palavra escrita. A grande
disponibilidade de livros encorajou uma maior alfabetização entre as pessoas comuns,
uma vez que a reprodução em massa de textos permitia que um número maior de
senhores de terra e de mercadores, assim como os membros das guildas, tivesse acesso
aos livros e pudessem possuí-Ios; os livros não eram mais uma exclusividade da no-
breza.
É creditado a Johann. Gutenberg o desenvolvimento do tipo móvel e reutilizável.
Certamente há muito de lenda no envolvimento de Gutenberg com o aperfeiçoamen-
to do processo de impressão e na solução de uma série de problemas e desafios afins.
Alguns historiadores argumentam que Laurens Coster da Holanda desenvolveu a arte
de imprimir um pouco antes ou ao mesmo tempo em que Gutenberg; outros dizem
01
que Coster meramente roubou alguns dos experimentos de Gutenberg na incursão
que fez em busca da imprensa. Outros ainda propõem que sabemos muito pouco dos
detalhes reais da vida de Gutenberg para creditá-Io com a invenção da imprensa. Essa
controvérsia continua um assunto em discussão ainda não resolvido pelos historiado-
res.

Gutenberg: artesão do metal


A versão geralmente aceita da história da imprensa é que Gutenberg, um compe-
tente artesão e fundidor de metais, estava trabalhando no desenvolvimento de uma
técnica de imprimir textos para livros desde 1438. Ele juntou-se ao ourives Johann
Fust, que concordou em assumir o custo dos experimentos que Gutenberg realizava
desde que depois tivesse o dinheiro de volta.
Gutenberg adaptou uma prensa que originalmente era usada para esmagar uvas na
fabricação de vinho. Desenvolveu um método de fundir tipos de metal em peças úni-
cas que variavam na largura, porém mantinham uma altura constante. Desenvolveu
uma rama (ou caixilho de paginação, uma moldura retangular de ferro onde as páginas
ou colunas eram compostas) para prender os tipos em suas posições no leito da prensa
de impressão. Finalmente, formulou tintas com a consistência certa para serem usadas
com os tipos fundidos em chumbo e aperfeiçoou técnicas de registro (o alinhamento
preciso de tipos e imagens), para impressões acuradas e limpas, bem como para man-
ter as margens da página impressa sem manchas de tinta. Resumindo, Gutenberg
solucionou os detalhes que tornaram a impressão um processo de reprodução viável.

Tipos móveis e reutilizáveis


A brilhante inovação de Gutenberg era a produção de caracteres individualizados e
reutilizáveis em vez de fundir a página inteira em uma única peça sólida. O processo de
impressão requeria que Gutenberg fundisse cada peça de tipo na exata espessura para
o entintamento e na exata altura, de forma que eles ficassem todos alinhados em uma
linha de base, mas também encontrar um meio de fundir diferentes larguras para aco-
modar diferentes espaços horizontais de letras - desde uma letra i em caixa-baixa até
uma M em caixa-alta. Gutenberg aperfeiçoou o processo com um molde de precisão
engenhosamente simples. Primeiro foi cortado um punção de ferro endurecido com a
letra na extremidade. A seguir, o punção era martelado em uma pequena placa-matriz
de bronze, com uma profundidade precisa para criar um molde negativo, no qual era
fundido o caractere final em uma liga de chumbo.
O molde de precisão, composto por duas peças de metal em formato de L, podia
ser aberto e fechado para acomodar letras de larguras que variavam, enquanto manti-
nham constantes as medidas de altura e profundidade. A marca da letra impressa em
negativo na placa de bronze, conhecida como matriz de bronze era colocada no topo
do molde. Uma mistura de chumbo, antimônio e estanho era derramada no molde de
precisão. O molde era fechado com rapidez e girado no ar por meio de uma corda para
forçar o metal derretido para dentro das pequenas partes da letra e para evitar que
fossem formadas bolhas de ar dentro do metal derretido. Bolhas de ar resultariam em
uma letra imperfeita ou que se deformaria sob o peso da prensa, tornando-a inútil.
Depois que esfriava, o molde de precisão era aberto para a remoção da letra fundi-
da. Cada letra fundida era polida, e todos os fiapos de metal eram limados. Era um
processo trabalhoso, porém as letras podiam ser usadas muitas vezes. No final das
contas, era mais rápido fundir as letras individuais do que copiar uma única página à
mão. Gutenberg e seus trabalhadores (artesãos de metal contratados, acostumados a
trabalhar em detalhes minuciosos) fundiram mais de 15.000 caracteres de chumbo
para a sua primeira Bíblia (conhecida como a Bíblia de 42 Linhas devido ao número de
linhas de texto compostas em cada página).

Imitação de um livro copiado à mão


A meta final de Gutenberg era criar uma página que se parecesse o mais possível

02
com um manuscrito que tivesse sido copiado à mão por um escriba. Como não havia
outra forma de escrever ou desenhar letras disponível para Gutenberg na época, era
lógico que ele copiasse o padrão existente. Gutenberg fundiu quase 270 pares de ca-
racteres na forma de ligaturas ou de kernings, cada par em um único punção. Uma vez
que a largura da composição (o espaço ao redor de uma letra e da própria letra) é uma
parte inerente de cada peça de chumbo fundido, os caracteres que parecessem muito
afastados entre si foram submetidos a kerning, que se referia à prática de preencher na
linha de base a parte da letra que deveria ajustar-se à base do caractere adjacente. (Ho-
je, o termo kerning refere-se ao ajustamento do espaço entre letras dentro de uma
única palavra, com o objetivo de melhorar a legibilidade.)

A primeira tinta de impressão


A tinta oriental, que era fluida, ensopava o tipo de madeira e depois de passar para
o papel produzia um contorno borrado nos caracteres e nas imagens, um efeito que
não funcionava para o processo de impressão de Gutenberg. Presume-se que ele to-
mou emprestadas as idéias da formulação de tintas a partir das tintas à base de óleo
que haviam aparecido no início dos anos 1430. A tinta que Gutenberg desenvolveu
tinha bastante viscosidade para prender-se na superfície não porosa das letras de metal
e mesmo assim podia ser transferida para o papel sob pressão. Se a tinta fosse muito
líquida, ela se espalharia tanto pelas áreas de fundo como na superfície do tipo, sujan-
do tudo. A mistura final consistiu de óleo de linhaça fervido misturado com chumbo e
cobre para criar uma cor negra de grande riqueza.

Composição da página
Era necessário que o tipo estivesse bem preso em sua posição na prensa durante a
pressão aplicada na platina (mesa de impressão), para a transferência da tinta para uma
folha de papel, pergaminho ou vellum. As letras individuais eram compostas em li-
nhas, e essas linhas eram organizadas de forma apropriada e fixadas em uma rama
(caixilho de impressão, uma moldura pesada de metal ou ferro fundido colocada em
uma mesa de impressão com a finalidade de estabilizar os tipos de chumbo compostos
manualmente na impressão tipográfica), usando cunhas (guarnições descartáveis) e
guarnições (espaçadores de madeira e metal para manter os tipos em posição) para
fazer as provas. Gutenberg usava uma máscara de papel estendida sobre o perímetro
do cofre ou leito de impressão para evitar que qualquer excesso de tinta manchasse a
margem limpa da página.

Impressão da Bíblia de 42 linhas


A Bíblia de Gutenberg era uma obra em dois volumes, medindo cerca de 30,5 cm
por 40,5 cm de altura, com um total de 1.282 páginas. A maioria dos exemplares foi
impressa em papel de trapos e aproximadamente um quarto da tiragem foi impressa
em vellum. Das 180 cópias originais estimadas, sabe-se que existem hoje apenas 48
delas.
Os eruditos acreditam que Gutenberg imprimiu sua Bíblia de 42 Linhas entre 1450
e 1456 em Mogúncia (Mainz), na Alemanha. Uma página da Bíblia continha 400 a 500
peças de tipos. Um estoque de 15.000 a 20.000 peças de tipos foram fundidas para
imprimir uma página enquanto outra estava sendo composta. Era tirada uma prova de
cada página para revisão, portanto os erros saíam corrigidos em todos os exemplares
do livro, possibilitando um produto consistente, diferente das versões copiadas à mão,
que tinham vários erros diferentes em cada edição.
Esse processo para produzir um livro teve um custo monetário bastante alto.
Johann Fust, que tinha ajudado a financiar Gutenberg, executou a hipoteca do em-
préstimo em novembro de 1455 e expulsou-o da oficina de impressão quando o pro-
cesso estava sendo refinado. Esse ato tirou de Gutenberg os direitos sobre as vendas
dos livros, que tinham consumido cinco anos de trabalho em sua vida e que agora
estava a poucos meses de sua finalização.

03
Peter Schoffer, assistente de Gutenberg, tornou-se sócio de Fust para dirigir a
oficina. Juntos, Schoffer e Fust finalizaram a impressão de aproximadamente 180
Bíblias e fizeram uma fortuna quando as Bíblias foram assinadas e vendidas no mês de
agosto seguinte.

A produção de livros em linha de montagem


Muitos historiadores consideram a oficina de Gutenberg como um dos primeiros
exemplos da produção em linha de montagem. Diferente dos artesãos anteriores, que
lidavam com um projeto do início ao fim, cada pessoa na oficina de Gutenberg traba-
lhava em uma única fase do processo: composição, impressão ou encadernação.
Tanto as novidades como a tecnologia espalharam-se rapidamente. Na região da
Alemanha onde Gutenberg atuava, rapidamente estabeleceram-se outras oficinas.
Muitos acreditam que Gutenberg montou outra impressora seguindo-se à execução
por Fust da hipoteca de sua primeira oficina, embora os registros indicam que, destitu-
ído, ele assumiu como artesão do arcebispado de Mogúncia em 1465. Gutenberg mor-
reu três anos depois, em relativa pobreza.
Vários dos primeiros livros impressos foram vendidos pelo mesmo preço que um
escriba teria sido pago para copiá-Ios à mão, mesmo que os livros tivessem menor
custo de produção, pois a maioria das pessoas não podia perceber a diferença entre
eles. Quando as pessoas se tornaram mais perspicazes, os livros impressos foram
considerados inferiores aos seus similares manuscritos. Algumas guildas de copistas
conseguiram que os livros impressos fossem considerados ilegais em suas áreas de
atuação porque temiam que seus membros ficassem sem trabalho. Ao contrário, mui-
tos escribas começaram a planejar livros para as oficinas de composição impressa,
produzindo protótipos feitos à mão, o que aumentou a procura por seu trabalho.

As primeiras faces de tipos


As primeiras faces de tipos eram modificações dos alfabetos feitos à mão pelos
escribas. Gradativamente, os livros foram se distanciando do modelo manuscrito, e os
alfabetos começaram a ser feitos usando como modelo o estilo de Littera Antiqua.
Alguns tipos foram desenhados especificamente para os livros impressos - com dese-
nhos de letras menores, porém mais legíveis. Com isso os livros ficaram mais compac-
tos e requeriam menos materiais, o que os tornava mais acessíveis.
Muitas das faces de tipos eram variações de formas de letras históricas, como as
unciais e as carolíngias. Isto marcava o início do design tipográfico, estabelecendo a
tipografia como uma arte a ser estudada e praticada, separada da arte da caligrafia.

A expansão da imprensa: Jenson na Itália


À medida que a atividade da imprensa foi se espalhando até a Itália, os comprado-
res de livros começaram a preferir os caracteres tipográficos produzidos lá, em vez do
gótico Textura. Eles favoreciam o estilo romano, tal como o Littera Antiqua, e gosta-
vam da textura mais aberta e da forma mais arredondada da Rotunda. Em 1458, o
gravador francês Nicolas Jenson foi enviado da casa da moeda de Tours, onde ele fazia
cunhagens, para Mogúncia, pelo Rei Carlos VII. Ele voltou com as informações sobre
a nova arte de imprimir.
Devido à instabilidade da monarquia na França, Jenson estabeleceu-se na Itália e
não mais retomou ao seu país de origem.
Jenson desenvolveu os primeiros caracteres tipográficos romanos puros, caracte-
rizados pelo contraste da haste mais espessa com traços extremamente finos; as serifas
eram bruscas e solidamente ligadas, com uma ênfase oblíqua. O alinhamento de base
das letras individuais era mais acurado nos tipos de Jenson do que em qualquer outra
fonte impressa da época. As letras capitais eram mais curtas na altura do que os traços
ascendentes, assim elas não se destacavam de forma significativa. O “e” em caixa-
baixa tinha uma barra cruzada enviesada muito característica. Este estilo tipográfico
ficou conhecido como Old Style ou Estilo Antigo; no entanto, depois que Jenson

04
deixou a Alemanha, versões de seu tipo ficaram conhecidas como Cloister Old Style.
O Estilo Antigo transmite um sentimento suave e orgânico, com as serifas parecendo
brotarem da haste da letra. As serifas, muitas vezes levemente arredondadas, são cor-
tadas de forma precisa, com generosos suportes ou ligações (brackets a área transicio-
nal reta ou curva entre o traço da letra e a serifa).

A imprensa na Inglaterra
O primeiro livro impresso na Inglaterra foi criado por William Caxton, um rico
mercador de seda que se tornou impressor. Depois de estudar a impressão e trabalhar
por vários anos na cidade de Bruges, em Flandres, Caxton montou sua oficina na
Inglaterra por volta de 1478. O primeiro livro impresso em idioma inglês foi compos-
to em um caractere tipográfico angular e cheio de floreios chamado Bastardo. Popular
na França por aquela época, era considerado uma fusão da Rotunda com a Gótica
Textura.
O estilo gótico de tipos foi mais amplamente aceito na Inglaterra do que na França
e na Itália, e sua popularidade permaneceu lá por muito mais tempo.
Eventualmente, a realeza limitou a indústria da impressão às cidades de Londres,
Oxford e Cambridge, exigindo que todos os manuscritos fossem submetidos a uma
censura e que fosse obtida uma permissão para impressão.

A reforma religiosa
Em 1517, Martinho Lutero afixou suas 95 teses na porta da Igreja de Wittenberg,
na Alemanha, clamando pela reforma do catolicismo. Depois que se recusou a renegar
suas idéias, Lutero foi excomungado e seus trabalhos tornaram-se os fundamentos da
Reforma Protestante. Outros reformadores desligaram-se da Igreja tanto na França
como na Suíça. Quando Henrique VIII quis divorciar-se de sua esposa, como não
podia fazê-Io dentro da Igreja Católica, desligou-se dela, formando a Igreja da
Inglaterra em 1534. A Reforma acendeu grande convulsão social na Europa, o que
resultou em várias guerras. Países diferentes não mais estavam ligados por uma força
unificadora.
No Concílio de Trento de 1545, o movimento da Contra-Reforma clamou por
mudanças dentro da Igreja. Nascidas de uma reação contra o protestantismo que
crescia, essas mudanças incluíam a centralização da Igreja Católica, instituindo um
catecismo para os fiéis, reforçando a autoridade do Papa e dos Bispos e geralmente
intensificando a perseguição dos hereges e dos impressores que publicavam materiais
para a Reforma Protestante. Em face à implacável perseguição religiosa, muitos gru-
pos religiosos mudaram-se para áreas mais hospitaleiras ou partiram, como os
Puritanos, para se instalarem em uma nova terra onde pudessem ter a liberdade de
culto que desejavam.

O pináculo da Renascença
Os anos 1500 marcaram o ápice da Renascença na Europa. Além do interesse
renovado pela cultura antiga grega e romana, pela estética e pela filosofia, a expansão
dos livros aumentou o alfabetismo, mesmo entre as classes mais baixas. Escrever não
estava mais limitado a uns poucos escribas, era um exercício aprendido e praticado de
forma muito mais ampla.
Um dos textos mais populares e amplamente disponível era o Livro de Horas. Esse
livro medieval evoluiu do ciclo de orações monásticas que dividia o dia em oito seg-
mentos de "horas": Matinas, Laudas, Prima, Tércia, Sexta, Nonas, Completas e
Vésperas. No início do século XV, o livro tinha se desenvolvido em uma série de tama-
nhos portáteis para ser usado em devoções privadas, em complemento ao culto comu-
nal. À medida que crescia a popularidade, desenvolvia um sistema eficiente de produ-
ção e comércio desses livros para atender à demanda. Uma próspera economia desen-
volveu-se ao redor da produção dos Livros de Horas. Entre os hoje existentes estão
alguns dos mais belos exemplos da arte medieval.

05
Os impressores dos anos 1500 passaram a enfrentar o problema da censura de suas
obras pelo Estado e pela Igreja. As idéias expressas em textos clássicos gregos e roma-
nos eram muitas vezes contrárias àquelas afirmadas pelo clero ou pela realeza.
Eventualmente a filosofia humanística (que colocava o homem, em vez de Deus, no
centro do universo) ganhava aceitação na Europa, apesar dos esforços para evitar a
sua expansão.

Entrelaçamento de casas impressoras: a família Estienne e Simon de Colines


Henri Estienne foi o fundador de uma família de impressores parisienses e geno-
veses dos séculos XVI e XVII. Por volta de 1502, na época de sua morte, ele era um
impressor bem estabelecido em Paris com o crédito de mais de 300 belos textos pro-
duzidos. Seu chefe de tipografia, Simon de Colines, assumiu o seu negócio e eventual-
mente casou-se com sua viúva.
Tal como Estienne, Colines tornou-se um libraire juré, um impressor escolhido
para a Universidade de Paris. Ele imprimiu textos usados no estudo das artes liberais,
teologia e medicina, a Bíblia, Livros de Horas e edições de literatura clássica e contem-
porânea. Produziu mais de 750 edições ao longo de 36 anos.
Anos mais tarde, Robert Estienne, filho de Henri, assumiu a oficina de impressão
de seu pai, quando Simon de Colines mudou-se para umas poucas ruas acima e come-
çou seu próprio negócio. Robert, considerado um grande erudito, mudou a ênfase do
negócio para a impressão de edições de trabalhos de autores clássicos, dicionários e
léxicos, bem como para edições críticas da Bíblia. A marca de uma oliveira usada pela
oficina de Robert era design de Geofroy Tory, que, acredita-se tenha sido um revisor
de Henri, o pai de Robert. Algumas das fontes mais populares de Estienne foram
designs de Claude Garamond, que mais tarde teria o seu nome imortalizado em uma
fonte muito bem conhecida. Mesmo que os estudiosos aceitem que Simon de Colines
e Robert Estienne tenham seguido carreiras separadas, há evidência de que isso não
aconteceu. Muitos autores e textos encontrados em mais de 500 edições produzidas
por Robert Estienne são idênticos aos de Colines.
Um humanista que abraçou a causa da Reforma, Robert sustentou contínuos ata-
ques dos notáveis professores da Universidade de Paris que se seguiram na impressão
de uma série do Novo Testamento da Bíblia. Perdendo a proteção do rei, mudou-se
para Gênova em 1550. Lá ele continuou a produzir trabalhos históricos de grande
significação até sua morte.
Em 1551, Charles Estienne, um dos irmãos de Robert, substituiu-o na direção da
oficina de impressão da família em Paris. Charles tinha se formado em medicina, assim
a ênfase dos trabalhos impressos pela oficina voltou-se para a medicina e para a agri-
cultura. Suas edições mais famosas incluem as primeiras enciclopédias que aparece-
ram na França.
Eventualmente, Henri Estienne segundo, filho de Robert, herdou a impressora
montada por Robert, com a condição expressa de que não a mudasse de Gênova.
Considerado como o maior estudioso da família, o jovem Henri publicou edições de
obras em grego e latim, bem como escreveu valiosos tratados no idioma francês. No
entanto, as edições que publicou não se igualaram às obras de seu pai em beleza e arte
tipográfica.
Apesar de várias dificuldades sociais e pessoais, a família Estienne continuou a
manter um lugar proeminente na indústria da impressão ao longo do século XVII.

Aldus Manutius como publicador


No início dos anos 1490, na época das viagens de Cristóvão Colombo para a
América, o estudioso e professor italiano Aldus Manutius visualizou livros impressos
de baixo custo como meio de tornar disponíveis a estudantes antigos manuscritos,
bem como um meio de fazer dinheiro. Aos 40 anos de idade, Aldus juntou-se a um
patrocinador financeiro e um impressor, começando a imprimir livros de referência.
Seu empreendimento comercial mudou a conceituação dos livros. O livro pesado e

06
grande não estava mais limitado ao púlpito no qual os mestres liam em voz alta para os
discípulos. Ele imprimiu livros menores, facilmente portáteis, para que as pessoas
pudessem ler individualmente para si mesmas.
O design dos livros de Manutius tomou uma estética mais moderna. Em 1495 foi
encomendado a Francesco Griffo o desenvolvimento de um caractere tipográfico
romano caligráfico. Este tipo incorporava vários pesos de traços finos e hastes com
serifas delicadas. O tipo desenhado por Griffo parecia mais uniforme na forma, no
tamanho, no peso e na proporção do que os caracteres de Jenson e era mais legível em
tamanhos muito menores.
Antes de mais nada, Manutius era um homem de negócios e estava continuamente
experimentando idéias de produzir livros com custo menor, que proporcionassem
maior margem de lucros. O layout moderno de seus livros foi estabelecido pelo uso de
um design mais aberto e claro, sem as margens amplas que antes eram dominantes.
Esta era uma medida econômica - sem margens, diminuía o tempo de compor a pági-
na, resultando em produção mais rápida e menor custo. O tipo menor permitia que
Manutius comprimisse mais informação dentro de menor espaço, utilizando menos
material, reduzindo assim o custo de produção por exemplar.
Influenciado pela Papal Chancery, uma letra manuscrita cursiva, Aldus Manutius
trabalhou com Francesco Griffo para desenvolver o primeiro tipo itálico em 1506.
Originalmente, o tipo itálico era compreendido somente para os livros como um ca-
ractere tipográfico de caixa-baixa, e tinha apenas o apoio das letras capitais romanas
(passou-se um quarto de século antes que aparecessem as letras capitais itálicas).
Manutius descobriu que os caracteres itálicos eram bem mais estreitos que os caracte-
res romanos e passou a compor livros inteiros com a versão itálica para economizar
espaço, outra vez procurando manter o custo da produção de livros a mais baixa passí-
vel.
Um dos trabalhos mais famosos de Manutius, Hypnerotomachia Poliphili, era uma
obra-prima da tipografia usando letras romanas cortadas com clareza, ricamente orna-
mentada com xilogravuras decorativas. Albrecht Dürer foi cantratado para ilustrar o
texto, estabelecendo uma ponte entre as tradições tipográficas góticas e humanísticas.
Manutius era um editor e revisor exigente, seus livros estabeleceram o padrão de
precisão na ortografia e na sintaxe. Suas traduções acuradas e bem sucedidas eram
disponíveis tanto para os eruditos como para os estudantes. Ele criou um livro de alta
qualidade com conteúdo consistente e produção a preço acessível e com isso seu tra-
balha tornou-se muito conhecido. O esfarço e o pensamento avançado de Manutius
ajudaram Veneza a tornar-se um centro de imprensa que exportava muitos livros pe-
quenos e acessíveis.

A letra como arte


Nos anos 1500, durante a Renascença européia, o design de livros e o design de
tipos evoluíram como uma área formal de estudo. Os pintores e escultores eram de-
pendentes dos patracinadores ricos, e eles procuravam ampliar sua prática desenvol-
vendo diferentes habilidades para atender aos desejos de seus patrões. Assim, muitos
artistas tornaram-se excelentes desenhistas de letras e calígrafos. O desenho de letras
era considerado uma arte tão importante quanto desenhar ou escrever poesia. Os
artistas muitas vezes trabalhavam em mídias diferentes, criando xilogravuras para
impressão, além de pinturas, desenhos e esculturas. O tipo era visto como uma forma
adicional de expressão artística, e os artistas não achavam-se separadas das artes gráfi-
cas e das práticas do design gráfico como acontece hoje.
Artistas renomados da Renascença sentiam que as proporções da letra perfeita
eram tão previsíveis como as do corpo humano. Na sua De Divina Proportione de
1509, Leonardo da Vinci analisou a construção da forma das letras usando elementos
geométricos. Ele também comparou as proporções das letras ao corpo humano.
Em 1525 Albrecht Dürer escreveu um ensaio intitulado "Sobre a Forma Correta
das Letras" como parte de um tratado sobre geometria aplicada. Dürer construiu

07
letras inscrevendo-as em um quadrado de tamanho específico, construindo o caracte-
re tipográfico a partir dos elementos do quadrado e dos arcos de círculos. O texto
apresenta instruções completas e designs alternativos para cada letra. Mesmo que
mais conhecido por suas impressionantes ilustrações em xilogravura, ele deu com esse
ensaio uma significativa contribuição para o campo da tipografia.

Geofroy Tory estabelece a fabricação de livros como uma arte


O parisiense Geofroy Tory, impressor, tipógrafo e autor, estudou na Itália e era um
conhecido professor antes de ir trabalhar como editor de Henri Estienne. Depois da
morte de Henri Estienne, Tory regressou à Itália para estudar desenho e gravura e
trabalhar como encadernador de livros. Ele ficou famoso por suas intrincadas e belís-
simas iniciais, contornos, ilustrações e designs de marcas para impressores.
O Livro de Horas de Tory apareceu em 1525 e era significativo que o tipo utilizado
não era modelado pelos estilos de letras desenhadas manualmente. Seu trabalho aju-
dou a estabelecer a prática do design de livros como uma forma de arte na França, e
seu trabalho de alta qualidade proporcionou-lhe um encontro com o Rei Francisco I.
Um dos escritos mais significativos de Tory foi Champfleury, datado de 1529, no
qual ele delineia e elabora a teoria que está por trás de suas letras capitais romanas.
Com exceção dos trabalhos de Albrecht Dürer, a maioria dos tratados nas décadas
anteriores sobre o design dos caracteres tipográficos tinha sido no idioma italiano.
Tory acreditava que uma das tendências de sua época era o desejo da elite em es-
conder o conhecimento do resto da população. Reconhecendo e compreendendo o
conhecimento como poder, suas preocupações revelavam um novo entendimento
social.
Geofroy Tory ficou conhecido por introduzir nos textos impressos franceses os
acentos, o apóstrofo e a cedilha.

França oferece uma nova moda na tipografia: Garamond


O mais notável feito de Claude Garamond foi o desenvolvimento de um caractere
tipográfico romano completamente diferente das formas caligráficas de sua época.
Assim como as formas anteriores de escrever tiveram influência e evoluíram a partir
dos instrumentos e materiais utilizados, Garamond percebeu o fato que a palavra
impressa dependia de um substrato de metal. Suas letras deixaram de imitar as formas
tradicionais das letras feitas manualmente e tomaram a direção das formas refinadas,
acuradas e consistentes que o metal possibilitava. Suas letras romanas foram apresen-
tadas em Paris por volta de 1530.
Garamond não era impressor, mas tendo crescido na oficina impressora da famí-
lia, conhecia bem os processos. Ele estabeleceu um negócio exclusivamente para fun-
dir letras e vendê-Ias para oficinas de impressão. Garamond foi o primeiro talhador de
punções e fundidor de tipos com dedicação exclusiva, separando a fundição dos tipos
da oficina de impressão. Ele estudou com Antoine Augereau, um contemporâneo de
Simon de Colines.
Garamond talhou um caractere tipográfico, baseada no desenho da Aldus
Romana, que traz o seu nome e é considerado um dos mais belos na história da tipo-
grafia. Este tipo em Estilo Antigo, ampla e prontamente aceito, foi usado quase que
exclusivamente na Europa por 200 anos. Com a combinação simples e cuidadosa das
letras em formas clássicas e legíveis, o tipo proporcionava um espaçamento entre
palavras mais apertado que resultava em uma tonalidade visual mais uniforme quando
impresso. Garamond compreendeu que há mais letras em caixa-baixa do que em cai-
xa-alta em uma página e assim deu especial atenção ao design das letras minúsculas. As
Ietras em caixa-baixa de Garamond são tão belas como as de caixa-alta, e foi ele quem
começou a tendência de usar letras em caixa-baixa nos títulos dos livros, onde previa-
mente somente eram usadas as letras capitais.
A ampla aceitação do trabalho de Garamond tem o crédito de ter distanciado a
França do estilo de letra negra, e seu estilo monopolizou as indústrias da impressão na

08
França e na Itália até o fim dos anos 1700. Variações dos tipos de Garamond, funda-
mentadas nas mesmas formas básicas, ainda são populares nos nossos dias.

Prevalência dos tipos itálicos e script


Robert Granjon, um dos aprendizes de Claude Garamond, é o autor de dez faces
de tipos fora do comum. Uma dessas era uma companheira do tipo Garamond
Romano, incorporando graciosas descendentes e pequenos ganchos na extremidade
dos traços, em vez de serifas. O k em caixa-baixa tinha uma volta, substituindo o traço
diagonal superior. Os novos tipos itálicos tinham uma clara alusão às suas origens
caligráficas, porém eram claramente desenhadas para a página impressa, com cuida-
dosa atenção dada às vantagens e limitações do meio.
Em 1577, Granjon talhou uma face de tipo que pretendia simular a escrita comum
de todo o dia, feita à mão, em vez da letra manual formal. Civilité, o seu tipo mais famo-
so, baseado no estilo popular de escrita manual de sua época, é considerado o primeiro
tipo em estilo cursivo. Esse tipo ligava as letras em caixa-baixa e levou ao desenvolvi-
mento da classe especializada de faces script.

A escrita manual como símbolo de status


Durante a Renascença, documentos escritos à mão de forma elaborada com letras
em estilo caprichoso eram gravados em placas de cobre para serem impressos, um
sucesso instantâneo. A caligrafia complicada com floreios e caracóis, os traços em
contrastes finos e espessos e as letras ligadas entre si eram considerados como sinal de
status. Muitas pessoas eram empregadas como mestres calígrafos nesse período, mas,
excepcionalmente, a Civilité de Granjon foi um dos poucos tipos de letras fundidos
em chumbo. Como as tendências na escrita mudaram completamente nessa época,
com a explosão da experimentação e o rápido desenvolvimento de novos tipos de
letras, Civilité foi considerada um tanto ilegível e desvaneceu-se sua popularidade.
Nos anos 1600, as gravuras em placas de cobre foram usadas para recriar o traba-
lho dos pergaminhos em rolo dos antigos mestres da escrita porque essa técnica re-
produzia as linhas extremamente finas da escrita então em moda. As ilustrações em
gravuras de metal eram mais refinadas que as feitas em xilogravura, uma vez que o
meio podia reproduzir os detalhes em linhas finas, e as áreas sombreadas eram feitas
com tracejados cruzados, criando a ilusão de profundidade.
Ao passo que o tipo em chumbo era relativamente durável e podia ser reutilizado,
as placas de cobre gravadas eram inscritas com uma mensagem curta e, depois de
duzentas ou mais impressões produzidas, a placa tinha que ser reparada ou polida para
ser gravada mais uma vez. Ambas as mídias tinham o seu lugar na indústria da impres-
são.

Inovações na imprensa
Os materiais impressos durante a Renascença refletiam a sensibilidade artística da
época. As margens escuras que preenchiam cada pedacinho de espaço, populares na
Idade Média, tinham desaparecido. O trabalho de impressão refinado, com um alto
grau de precisão, consistência e clareza era comum entre os melhores impressores da
época.
A maioria dos livros publicados durante esse período era de natureza religiosa,
ainda que no final do século XVII muitos fossem seculares. As contribuições incluí-
ram o design de famílias de tipos em Estilo Antigo, capitais pequenas, tipos itálicos,
marcas de impressores, tipos em registro na página impressa, impressão a duas cores,
cólofons e tipos móveis. Os contribuidores mais notáveis para as inovações do perío-
do incluem Gutenberg, Coster, Jenson, Manutius, Garamond e Granjon.
As estimativas sugerem que o número de livros expandiu-se dobrando em 180
vezes, com aproximadamente 50 mil conservados em mosteiros e bibliotecas da
Europa em 1450, porém passando de nove milhões em 1500. Mais de 35.000 edições
diferentes foram impressas nos primeiros 50 anos que se seguiram à invenção da im-

09
prensa. Essa explosão cresceu para incluir não somente livros, mas também publica-
ções de vida mais efêmera, cartazes e folhetos.
Por volta de 1500, existiam estabelecimentos de impressão em 140 cidades do
continente europeu. Vários historiadores argumentam que sem a tecnologia da im-
prensa, as revoluções políticas (americana e francesa) que se sucederam nos séculos
seguintes não teriam sido possíveis. A imprensa proporcionou a disseminação das
idéias a grandes distâncias sem requerer grandes assembléias de povo. As idéias sobre
os direitos humanos foram difundidas, e a linguagem foi padronizada na Europa. A
imprensa levou à democratização da informação à medida que os livros foram produ-
zidos de forma mais acessível, permitindo que as classes mais baixas tivessem igual
acesso à informação que previamente era reservada para os ricos.

10

Você também pode gostar