Você está na página 1de 5

11/06/2020 Teses jurídicas em ADI: proposta para expansão do efeito vinculante?

- JOTA Info

SUPRA

Teses jurídicas em ADI: proposta para expansão do


efeito vinculante?
Expansão das ‘teses’ no controle concentrado pode acabar sendo um instrumento de insegurança e
incerteza

JULIA WAND-DEL-REY CANI

11/06/2020 07:44
Atualizado em 11/06/2020 às 10:07

Processos do STF. Crédito: Carlos Humberto/SCO/STF

PARCERIA DE CONTEÚDO
https://www.jota.info/stf/supra/teses-juridicas-em-adi-proposta-para-expansao-do-efeito-vinculante-11062020 1/5
11/06/2020
C CO Ú O
Teses jurídicas em ADI: proposta para expansão do efeito vinculante? - JOTA Info

Pesquisadores de variadas expertises se unem para, com independência, conciliar a agenda


acadêmica com a velocidade da imprensa no debate da conjuntura política nacional.

Na ADI 2167, o governo de Roraima questionou emenda à constituição estadual que


estabelece submissão prévia à Assembleia Legislativa de indicados pelo Executivo a
cargos na estrutura do estado. O Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou
inconstitucional essa exigência de submissão prévia.

Que efeitos essa decisão produziria sobre emenda aprovada pelo Poder Legislativo
de outro estado, com teor semelhante àquela editada em Roraima, e anulada pelo
STF?

Nenhum. A decisão vale para todos jurisdicionados do estado de Roraima, que


editou a regra inconstitucional. Contudo, se o estado do Piauí aprovasse um
dispositivo semelhante, ele permaneceria válido mesmo com a decisão na ADI 2167,
por dois motivos.

Primeiro, em ações diretas, é apenas o dispositivo do acórdão que tem poder


vinculante. Nessa parte do acórdão, o Supremo declara, por exemplo, a
inconstitucionalidade de uma lei ou emenda estadual. Não há menção a
fundamentos determinantes daquela conclusão ou explicação do caminho decisório
percorrido pelo tribunal para chegar àquele consenso.

Segundo, porque, nos termos da legislação e da constituição, as decisões de nitivas


de mérito nas ADIs têm e cácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública. Ou seja, não vinculam
o Legislativo, em qualquer nível da federação.

https://www.jota.info/stf/supra/teses-juridicas-em-adi-proposta-para-expansao-do-efeito-vinculante-11062020 2/5
11/06/2020 Teses jurídicas em ADI: proposta para expansão do efeito vinculante? - JOTA Info

Ministros e ministras têm discutido se e como o Supremo poderia alterar esse


arranjo.

Ao julgar inconstitucionais dispositivos da Emenda 7/1999 à Constituição de


Roraima, os ministros – apesar de já terem editado teses nestas ações no passado
– divergiram sobre a possibilidade de editar uma tese jurídica a partir de decisão em
ação direta de constitucionalidade. Consideraram, por um lado, o dever de clareza
com a sociedade, bem como com demais tribunais que aplicarão a decisão no
futuro, que se materializaria na explicitação da tese de julgamento da posição
majoritária do Supremo. Por outro, consideraram não haver previsão normativa para
edição de tese jurídica nos processos do controle concentrado de
constitucionalidade.

Por isso, antes de nalizar o julgamento da ADI 2167, sugeriram debater a questão
em sessão administrativa em que o tribunal poderia, inclusive, pensar em alteração
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) contemplando previsão
expressa de tese jurídica para ações concentradas. Embora os ministros tenham até
mesmo debatido o conteúdo possível de uma tese nesse julgamento, adiar a
proclamação nal do resultado foi a saída encontrada para – nas palavras do
https://www.jota.info/stf/supra/teses-juridicas-em-adi-proposta-para-expansao-do-efeito-vinculante-11062020 3/5
11/06/2020 Teses jurídicas em ADI: proposta para expansão do efeito vinculante? - JOTA Info

ministro Ricardo Lewandowski – promover uma “maturação mais profunda” da


questão.

As teses jurídicas são mecanismos decisórios normalmente associados ao controle


concreto de constitucionalidade, especialmente os recursos extraordinários com
repercussão geral. Sua função mais óbvia é tornar claro o que foi decidido pelo
tribunal. Nos debates do julgamento da ADI 2167, porém, outra função parece ter
sido atribuída às teses jurídicas. No caso de ADIs, as teses passariam a ter o poder
de expandir a parte vinculante do julgado para além do dispositivo – uma expansão
não exatamente de clareza, mas do próprio alcance da decisão.

Para o ministro Barroso,

“Sempre que exista efeito vinculante, é preciso que


haja uma tese. (…) questionada a matéria, o Poder
Judiciário tem o dever de decidir na linha do nosso
precedente vinculante”.

Caso o regimento seja efetivamente alterado para prever a criação de tese jurídica
em ADI, o conteúdo da tese jurídica, certamente mais amplo que a declaração pura
de inconstitucionalidade de uma determinada norma, poderia ser vinculante até
mesmo para os legislativos de outros estados.

Sobre o problema da base legal especí ca para edição de tese, o ministro Roberto
Barroso defendeu haver previsão implícita no art. 988 do Código de Processo Civil
(CPC). Além de prever possibilidade de reclamação para garantir observância de
súmula vinculante e de decisão do Supremo em controle concentrado, consta que
ela seria cabível inclusive quando houver aplicação indevida da tese jurídica ou sua
não aplicação. Se o Supremo adotar a prática de editar tese jurídica em ações
diretas, impediria que outros tribunais interpretassem e de nirem o conteúdo de
decisões do STF. Disso pode decorrer maior segurança quanto à determinação do
que foi decido. Nada garante, contudo, que a decisão será explicitada na tese da
melhor forma possível, nem que, na formulação da tese, não haja uma expansão
injusti cada ou arriscada do objeto da ação.

Na verdade, problemas desse tipo já têm aparecido na formulação de teses em


Repercussão Geral. Podem, por exemplo, apresentar abstração excessiva, gerando
descolamento das especi cidades do caso a ponto de não permitirem identi car
adequadamente o que, de fato, foi decidido.

https://www.jota.info/stf/supra/teses-juridicas-em-adi-proposta-para-expansao-do-efeito-vinculante-11062020 4/5
11/06/2020 Teses jurídicas em ADI: proposta para expansão do efeito vinculante? - JOTA Info

Em caso recente, o STF editou a seguinte tese de repercussão geral no RE 855178:

“Os entes da federação (…) são solidariamente


responsáveis nas demandas prestacionais na área da
saúde, (…) compete à autoridade judicial direcionar o
cumprimento conforme as regras de repartição de
competências e determinar o ressarcimento a quem
suportou o ônus nanceiro”.

Essa tese permite que um juiz estadual determine a inclusão da União na relação
processual caso ela seja legalmente responsável pelo nanciamento de certa
prestação na área da saúde? Se a resposta for positiva, na prática, a
responsabilidade dos entes federativos nem sempre será solidária como a tese nos
leva a entender.

Esse é só um exemplo de como o mecanismo da “tese” pode não entregar o que


promete, em termos de promoção de segurança jurídica. Com relação à função de
vinculação para além do dispositivo da ADI, a tese comportaria inclusão de
fundamentos determinantes?

A fazer valer mudanças em seu regimento interno nesse sentido, o Supremo estaria
admitindo a transcendência dos motivos determinantes. Os ministros precisariam,
então, chegar a um consenso quanto aos fundamentos determinantes da decisão.
Nem sempre é fácil de nir o que foi decidido. Como esperar que consigam de nir
quais fundamentos vinculariam? Sem uma resposta boa a essa pergunta, a
expansão das “teses” no controle concentrado pode acabar sendo um instrumento
de insegurança e incerteza, em vez de clareza e previsibilidade.

JULIA WAND-DEL-REY CANI – Doutoranda em Direito do Estado pela USP

https://www.jota.info/stf/supra/teses-juridicas-em-adi-proposta-para-expansao-do-efeito-vinculante-11062020 5/5

Você também pode gostar