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ARTIGO ARTICLE
no Brasil: estratégias e desafios para a promoção
da intersetorialidade no âmbito federal de governo
Luciene Burlandy 1
Abstract This article analyzes institutional strate- Resumo Este artigo analisa estratégias institucio-
gies of the Brazilian federal government that aim at nais do governo federal brasileiro destinadas à pro-
promoting intersectorality in the field of Food and mover a intersetorialidade no campo da Segurança
Nutrition Security (FNS), based on bibliographic Alimentar e Nutricional (SAN), com base em revi-
review and document analysis. It is assumed that, são bibliográfica e análise documental. Pressupõe que,
although formal institutionality in this government embora a institucionalidade formal neste nível de
level is not enough to promote intersectorality, it is governo não seja suficiente para promover a interse-
important in process induction. It follows that the torialidade, ela é importante para induzir o proces-
combination of different institutional mechanisms so. Conclui-se que a conjugação de diferentes meca-
favors intersectorality, such as: the existence and lo- nismos institucionais favorece a intersetorialidade,
cation of councils integrated by government sectors tais como: a existência e localização de conselhos in-
and civil society in the presidency; political support tegrados por setores de governo e sociedade civil na
by the presidency and inclusion of the issue as being presidência da república; o apoio político da presi-
strategic in the governmental agenda; assembly of dência e inclusão do tema como estratégico na agen-
institutional spaces that articulate the highest gov- da governamental; conjugação de espaços institucio-
ernment spheres and that integrate technical levels; nais que articulem os primeiros escalões de governo e
programs that integrate food production, commer- que aproximem os níveis técnicos; programas que
cialization, and consumption. Challenges concern integrem produção, comercialização e consumo de
interrelation with economic policy and the construc- alimentos. Os desafios referem-se à articulação com
tion of budget agreed among sectors, integrated to a política econômica e construção de um orçamento
policy management and monitoring. pactuado entre os setores, que seja integrado à gestão
Key words Food and nutrition security, Intersecto- e ao monitoramento da política.
rality Palavras-chave Segurança alimentar e nutricional,
Intersetorialidade
1
Centro de Ciências
Médicas, Faculdade de
Nutrição, Universidade
Federal Fluminense. Rua
São Paulo 30/4º andar,
Centro. 24015-110
Niterói Rio de Janeiro RJ.
burlandy@uol.com.br
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Burlandy L
da por uma secretaria executiva (SE) e um conse- passado aos municípios e expansão da clientela
lho, também composto por diferentes ministérios atendida pelo programa. Como desafios, desta-
e organizações sociais. Seu principal objetivo era o cam-se a baixa interferência na alocação de recur-
combate à pobreza a partir da convergência de sos, principalmente em relação ao plano plurianu-
programas setoriais para os municípios e famílias al e ao orçamento 2004, limites em fomentar a in-
mais pobres, visando a sua integração e sinergia tersetorialidade, dada a baixa participação dos pri-
no território. A temática da SAN foi pautada na meiros escalões dos ministérios e em construir um
agenda do conselho através de “rodadas de inter- sistema de monitoramento integrado41, 42.
locução” com a sociedade civil conduzidas por um Um avanço expressivo foi a promulgação da
comitê de SAN integrado por técnicos de governo, Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricio-
mas não instituído formalmente34, 35. nal (2006) que instituiu o já citado SISAN, integra-
Estudos sobre a CS indicaram aprimoramen- do por conselhos e conferências que congregam
to na focalização de programas específicos a partir órgãos e entidades de diferentes setores em todos
de negociações feitas caso a caso com cada minis- os níveis de governo. Além disto, a lei instituiu uma
tério, especialmente na primeira gestão do gover- câmara interministerial composta pelos ministros
no federal (até 1998)36. A SE do CS conduziu este de Estado e secretarias federais, sob coordenação
processo e o conselho investiu em programas não da Casa Civil, que tem como função formular a
governamentais considerados inovadores, a par- política e o plano nacional de SAN. A câmara po-
tir de parcerias com organizações sociais locais. tencializa a participação dos primeiros escalões de
Havia, portanto, dois movimentos convivendo, um governo e os compromete em torno da constru-
que visava potencializar os programas governa- ção de uma agenda própria de negociação (consi-
mentais através da coordenação e outro, os recur- derando as dificuldades prévias de participação sis-
sos societários das comunidades locais. Na segun- temática dos mais altos escalões no CONSEA). No
da gestão da CS, o último objetivo assumiu cen- entanto, pode enfrentar alguns desafios para pro-
tralidade e a consolidação da estrutura governa- mover a intersetorialidade por ter sido vinculada
mental da CS no nível local foi frágil, dificultando ao Ministério do Desenvolvimento Social e Com-
o planejamento territorial integrado 9,37. bate à fome e não à Casa Civil da presidência da
Documentos internos do INAN/MS deste pe- República, como o CONSEA3, 43, 44.
ríodo reiteram a necessidade de articulação do ór- O relatório da III Conferência Nacional de SAN45
gão com diversos setores de governo presentes no reconhece os avanços da incorporação da política
conselho do CS que apresentavam interfaces mais de SAN na agenda pública no país e sua contribui-
estreitas com as ações do MS38. ção para a integração de ações na direção da inter-
Também no âmbito deste ministério, é impor- setorialidade. Neste sentido, alguns programas se
tante mencionar a Comissão Intersetorial de Ali- destacam, como o Programa de Aquisição de Ali-
mentação e Nutrição (CIAN) do Conselho Nacio- mentos da Agricultura Familiar – PAA (2003) – re-
nal de Saúde (CNS), estabelecida pela Lei 8.080 de conhecido como inovador por constituir-se simul-
19 de setembro de 1990, que se destaca como espa- taneamente em instrumento de política agrícola e
ço potencial para o diálogo da saúde com outros de acesso à alimentação adequada e saudável46. O
setores. Composta por representantes de diferen- PAA é coordenado por um grupo gestor composto
tes ministérios, sociedade civil e setor privado lu- por diferentes ministérios e conjuga instrumentos
crativo (que incluiu no contexto em pauta um re- de apoio à produção e à comercialização, utilizan-
presentante da CS), a CIAN subsidia o CNS no do preços de referência diferenciados para a pro-
acompanhamento da PNAN que tem como uma dução familiar, simplificando os procedimentos
de suas diretrizes a intersetorialidade24, 27. para a aquisição governamental dos seus produtos
Em 2003 (governo Lula), o CONSEA foi reins- e destinando-os a determinados segmentos popu-
tituído como órgão de assessoramento ao Presi- lacionais43,47. A experiência do PAA remonta às ini-
dente da República composto em 1/3 por setores ciativas já presentes no PRONAN que incidem si-
de governo e 2/3 pela sociedade civil39,40. Documen- multaneamente em múltiplas dimensões da cadeia
tos avaliativos atribuem ao CONSEA alguns mé- agroalimentar e que favorecem uma aproximação
ritos como a formulação do Plano de Safra da Agri- entre produção e consumo de alimentos e uma óti-
cultura Familiar, que articulou ministérios e orga- ca mais integrada de ação pública.
nizações sociais numa proposta negociada; a reali- De igual modo, o atual projeto de Lei da Ali-
zação da II e da III Conferência Nacional de SAN; mentação Escolar (PL 2877/2008), em tramitação
modificações no Programa Nacional de Alimenta- no Congresso Nacional, estabelece que, do total
ção Escolar, incluindo ampliação do per capita re- dos recursos financeiros repassados pelo FNDE,
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nistros da área social comumente estão distantes falta de consenso, o CONSEA tem como prática
das arenas decisórias que definem políticas relaci- evidenciar todas as posições existentes42, 45.
onadas a temas cruciais da economia (negociação Permanecem alguns desafios, como a constru-
da dívida externa, ajustes econômicos, etc.)10. ção de um sistema de monitoramento integrado e
Conselhos deste tipo também dão maior visi- a articulação entre orçamento e gestão, evidencia-
bilidade aos conflitos e posições divergentes tanto dos pelas dificuldades de intervenção no processo
ao interior do próprio governo quanto com a so- orçamentário. Além disto, embora a intersetoria-
ciedade civil. Esta dinâmica é importante para a lidade possa avançar no plano mais formal, no
construção de pactos nacionais mais amplos; no cotidiano de trabalho outras dificuldades se colo-
entanto, ela complexifica o processo decisório. A cam para a ação integrada, tais como as diferenças
adesão dos setores de governo pode diferenciar-se de valores, idéias, a redistribuição de recursos fi-
dependendo do quanto cada um vislumbra gan- nanceiros, humanos e políticos, tempo, disposi-
hos concretos. ção para reordenar processos de trabalho, dentre
No caso do CONSEA, alguns fatores favore- outros. Por outro lado, quando os setores vislum-
cem esta adesão: o fato do governo assumir a SAN bram ganhos na troca de recursos, a aproximação
como objetivo estratégico faz com que o CONSEA é favorecida.
não represente uma ameaça no sentido de canalizar Para além do governo federal, outros desafios
para si os possíveis louros políticos das ações; os se colocam para a promoção da intersetorialidade
setores fortalecem sua capacidade de interferência nos estados e municípios. Portanto, são fundamen-
no processo decisório, pois o CONSEA amplia o tais no âmbito do SISAN os mecanismos de diálo-
escopo do debate sobre decisões que tradicional- go entre níveis de governo, a exemplo das comis-
mente são tomadas nos gabinetes de ministros e sões intergestoras que existem no SUS.
secretários, com baixo poder de influência dos téc- Por fim, face ao cenário árido que marcou a
nicos. Ao ampliar o poder de vocalização de de- fragmentada institucionalidade estatal no país, os
mandas setoriais, o conselho pode favorecer a ade- avanços apontados são promissores, mesmo que
são, o diálogo entre eles e destes com a presidência seja longo o caminho a ser percorrido em direção a
da república, aprimorando programas setoriais. Na um planejamento que integre o orçamento e a ges-
tão pública dos diferentes setores governamentais.
Agradecimentos
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