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Pinheirinho: os limites da democracia burguesa

A vitória eleitoral das forças progressistas nas últimas três eleições presidenciais não
significou o fim da luta de classes, dada por muitos como conceito ultrapassado.O uso
do Estado com seu aparato repressivo, jurídico e político em defesa da propriedade
privada e contra a organização coletiva da comunidade Pinheirinho é um fortíssimo
indício dos limites da democracia burguesa.
Por Odair Rodrigues*

O “Estado” aqui referido não é apenas a unidade federativa de São Paulo,


governada pelos tucanos, mas a instituição como um todo em seu aspecto econômico e
político-ideológico nas esferas municipal, estadual e federal, mesmo existindo grandes
nuanças entre elas.
No episódio do Pinheirinho, a organização repressiva do Estado tem nas tropas
da PM a sua ponta do iceberg. Porém, mais profundas são suas bases durante os oito
anos de existência daquela comunidade deliberadamente abandonada pelo poder público
que lhe negou o acesso à saúde, educação, segurança e à justiça.
Após a violentíssima atuação da PM paulista, digna do exército invasor na Faixa
de Gaza, a imprensa burguesa imediatamente apresentou os fundamentos jurídicos da
ação, respaldando o Estado na defesa da propriedade privada do conhecido Naji Nahas,
réu de vários processos envolvendo evasão de divisas, sonegação de impostos, fraude
financeira que somam milhões em prejuízo para o erário.
O governador tucano de São Paulo, o prefeito tucano de São José dos Campos, a
PM, a guarda municipal e os tribunais asseguraram a legalidade da diáspora da
população pobre da comunidade do Pinheirinho.
Essa relação entre o Estado e indivíduos como Naji Nahas, Daniel Dantas,
Verônica Serra, Verônica Dantas Rodenburg, Ricardo Sérgio de Oliveira, e outros
elencados no livro “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr, são
estabelecidas pela lógica do capitalismo, segundo Marx e Engels:
“Os burgueses não permitem ao Estado que este se imiscua em seus interesses
privados e apenas lhes conferem o poder necessário para sua própria segurança e para a
salvaguarda da concorrência, uma vez que, de modo geral, os burgueses apenas atuam
como cidadãos do Estado na medida em que sua situação privada assim o ordena”1

1
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich – A ideologia alemã – BACKES, Marcelo (org. e trad.) Ed
Civilização Brasileira, RJ, 2007, p 401.
Partindo dessa premissa, não é a falta de “republicanismo” a principal causa
desse quase incesto entre o público e privado nos marcos da democracia burguesa onde
o direito individual à grande propriedade privada se sobrepõe, juridicamente, ao direito
individual à pequena propriedade ou à propriedade coletiva.
Para que não haja dúvidas, basta observar a quantas anda a reforma agrária, a
grilagem e invasão de imóveis públicos2 por grandes empresas de variadas áreas de
atuação, os assassinatos de lideranças do campo e dos povos indígenas.
Desfeitos os motivos para decepção ou surpresa com o judiciário devemos
prestar atenção no dinamismo da realidade política, mesmo com o grande esforço de
uma quase onipresente mídia burguesa a afirmar que nada muda.
O aumento da violência tucana contra os movimentos organizados e os excluídos
da cidadania consumidora é uma reação às conquistas sociais e à aproximação do debate
eleitoral em meio ao agravamento das contradições nos países centrais do
neoliberalismo.
Ou seja, há risco aos pilares da concentração do capital sob o Estado democrático
burguês. A história demonstra que onde os movimentos sociais sucumbiram, pela força
ou pela fraude, a burguesia optou tirar o caráter “democrático” do Estado burguês.
“Os desertos se encontram de várias formas Seja no espírito no solo ou na mente
através de ideias tortas”3
O que houve na comunidade do Pinheirinho não pode ser deixado no esquecimento,
deve ser apurado e o imóvel não deve beneficiar, ao menos desta vez, a quem prejudica
a maioria. Inda que haja outras feridas abertas em Eldorado de Carajás, Unaí, Carandiru,
USP, Araguaia, Lapa, etc.
A atuação direta em organizações sindicais, estudantis, artísticas, partidárias e
movimentos populares, aliada ao rompimento do silêncio imposto pelas empresas que
vendem notícias abrem grandes possibilidades para alteração do caráter do Estado.
A direita, representada principalmente pelo PSDB, sabe disso e acuados não hesitam em
usar todos os seus recursos.
O que pode mudar essa situação é a correlação de forças pendendo para os
movimentos sociais, o que exige resistir às “ideias tortas” do tecnocratismo alardeado
como alternativa à política, ou à desilusão contemplativa de quem esperava alcançar o
socialismo por osmose eleitoral.

2
http://www.viomundo.com.br/denuncias/altamiro-borges-grileiro-da-cutrale-e-laranjas-da-midia.html
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=6&id_noticia=126745
3
Pedra e Bala (ou Os Sertões) – Cordel do fogo Encantado
*Odair Rodriguese é militante do PCdoB, linguista, professor e fotógrafo. Publicado em
Correio do Brasil no dia 29/01/2012.

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