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DESCENTRALIZAÇÃO E COORDENAÇÃO FEDERATIVA

NO BRASIL:
LIÇÕES DOS ANOS FHC

Fernando Luiz Abrucio1

O Estado sofreu intensa transformação nas últimas duas décadas em várias partes do
mundo. Entre os aspectos mais importantes desse processo, está a descentralização, pela
enorme abrangência de países atingidos, pelos impactos que causou na organização estatal
e pela mudança que trouxe às relações entre os governos e a sociedade, aumentando a
preocupação com a accountability democrática. Tal importância é destacada pelo estudo de
Elaine Kamarck. Analisando 123 nações, a autora constatou que a descentralização foi a
segunda forma inovadora mais utilizada nos processos de reforma do Estado, aparecendo
em 40% dos casos, e tendo sido ultrapassada apenas pela privatização (KAMARCK, 2000).
O tema da descentralização também ganha destaque especial porque é, entre os
tópicos de reforma do Estado, o que mais questões abarca. Autonomia local, formas de
democracia participativa, racionalização da provisão de serviços, maior liberdade e
responsabilidade dos gestores públicos, desigualdades regionais, entre os principais, são
aspectos que fazem da descentralização um verdadeiro caleidoscópio. Por conta deste
caráter, ela deve intrinsecamente lidar, a um só tempo, com as variáveis do desempenho e
da democratização da gestão pública.
Nos países onde a organização político territorial foi bastante alterada, a
descentralização tornou-se ainda mais relevante. O Brasil está entre estes casos. O processo
descentralizador, aqui, foi não só intenso e avassalador, como também influenciou a
redemocratização do país, o redesenho da rede de proteção social e a reforma do Estado. A
análise dos os caminhos da descentralização, portanto, é um ângulo privilegiado para se
compreender a história brasileira recente.
O objetivo do artigo é estudar a descentralização adotando uma perspectiva
diferenciada da maioria da literatura, que explora tal tema pelo ângulo dos governos
subnacionais e seus atores. Sem negligenciar este prisma, o foco principal concentra-se na

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Doutor em Ciência Política pela USP e professor da PUC (SP) e da FGV (SP).

1
análise do papel do Governo Federal na coordenação federativa ao longo dos dois
mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso. Em termos metodológicos, a
compreensão da singularidade dos anos FHC passa, primeiro, por uma discussão teórica
formulada a partir da experiência internacional e, em segundo lugar e mais importante, pelo
estudo da trajetória do federalismo e das relações intergovernamentais no Brasil, buscando
compreender quais são os legados deste processo histórico. Este referencial permite
entender a especificidade do governo Fernando Henrique e descobrir quais são as lições
deste período.
Para tanto, o trabalho organiza-se da seguinte forma. Na primeira parte, o fenômeno
da descentralização é definido, buscando compreender sua evolução recente e as suas
implicações no processo de reforma do Estado. Na segunda, o objetivo é mostrar que a
descentralização ganha um sentido bastante peculiar num contexto federativo, uma vez que
a coordenação intergovernamental torna-se peça-chave. A partir desta argumentação, o
processo descentralizador brasileiro é compreendido como um eixo derivado da trajetória
do federalismo. Por esta razão, neste ponto do trabalho, traça-se uma breve história da
Federação, desde suas origens até o ocaso do regime militar.
O entendimento do funcionamento do federalismo brasileiro montado na
redemocratização é feito na quarta parte. As características federativas deste período e a
continuidade de seus efeitos são centrais neste artigo. Na quinta seção, o foco se concentra
nas mudanças realizadas na estrutura básica da Federação a partir do Plano Real. Trata-se
de uma "conjuntura crítica", no sentido formulado por Paul Pierson (2000), na qual a
posição relativa dos atores e os seus recursos foram alterados, levando ao redesenho de
parte do arcabouço institucional. Ainda no bojo desta discussão, é traçado um mapa de
várias ações do Governo Federal no terreno da coordenação federativa.
Destaque é dado, a seguir, ao processo de coordenação federativa nas áreas
financeira e administrativa, que ganharam importância nos anos FHC, no bojo de seu
modelo de reforma do Estado. Depois são analisadas as políticas sociais de Saúde,
Educação e Assistência Social, mostrando os avanços e problemas encontrados sob o
prisma das relações intergovernamentais. E, mais adiante, o artigo trata dos dois principais
fracassos da União no período: as políticas urbanas e de desenvolvimento.

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Além de ressaltar as principais características dos caminhos da descentralização na
Era FHC, a conclusão arrola alguns desafios de coordenação federativa que certamente
serão enfrentados pelo próximo presidente .

I- O Fenômeno da Descentralização

Descentralização é uma palavra muito utilizada nos dias que correm, quase sempre
com um sentido positivo. Só que, no mais das vezes, a quantidade de elogios que recebe é
proporcional à sua imprecisão conceitual. Para tornar mais claro o debate, definimos
descentralização como um processo nitidamente político, circunscrito a um Estado
nacional, que resulta da conquista ou transferência efetiva de poder decisório a governos
subnacionais, os quais adquirem autonomia para escolher seus governantes e legisladores
(1), para comandar diretamente sua administração (2), para elaborar uma legislação
referente às competências que lhes cabem (3) e, por fim, para cuidar de sua estrutura
tributária e financeira (4).
Obviamente que há graus diferenciados de autonomia nas diversas experiências
nacionais, sendo que, geralmente, os governos subnacionais têm maior poderio nas
Federações, por razões que veremos mais adiante. Também existe uma diversidade no que
tange a cada um dos quatro aspectos citados acima, com experiências mais voltadas às
liberdades política e jurídica e outras direcionadas mais firmemente a questões tributárias
ou administrativas. De qualquer modo, tem-se aqui uma definição mínima de
descentralização, no mesmo sentido da delimitação minimalista de democracia, e a partir da
qual é possível compreender melhor o fenômeno.
A definição mínima de descentralização é tanto mais necessária por conta desse
termo designar correntemente outros três fenômenos. Um deles envolve o aspecto
administrativo. Trata-se da delegação de funções de órgãos centrais para agências mais
autônomas, o que na verdade é um processo de desconcentração administrativa, ou ainda
então a horizontalização das estruturas organizacionais públicas, com o repasse de maior
responsabilidade da cúpula aos gerentes e funcionários da ponta. Além dessa
caracterização, a descentralização é igualmente utilizada para denominar a transferência de
atribuições do Estado à iniciativa privada - privatização ou concessão de serviços públicos -

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e do governo para a comunidade ou ONGs. Estes três processos não podem ser
simplesmente equiparados à descentralização no seu sentido estrito, embora possam
conviver com ela ou mesmo serem impulsionados por mudanças políticas
descentralizadoras.
Tentar distinguir claramente tais termos não é uma preocupação nomológica, mas
sim uma precaução contra maneiras indevidas de se manejar os conceitos. Exemplo nesta
linha foi o discurso de Margareth Thatcher e de boa parte do receituário neoliberal da
década de 80, que defendia uma descentralização cujo objetivo era mais limitado.
Significava o repasse de funções para governos locais sem garantir a autonomia e o
financiamento, a desconcentração de atribuições da administração central para agências e,
dentro destas, da cúpula para os gerentes, e ainda a privatização de empresas públicas.
Essas ações buscavam diminuir custos e melhorar o desempenho da gestão pública, só que
propositadamente negligenciavam o cerne de qualquer processo descentralizador: a
democratização do Estado2.
Com base nesta discussão conceitual, pode-se dizer que o processo descentralizador,
no seu sentido essencialmente político, é um fenômeno bastante recente, que ganhou maior
impulso, num maior número de países, somente nas últimas décadas do século XX. Decerto
que há um debate intelectual sobre a questão desde o século XIX, em pensadores tão
distintos como Proudhon e Tocqueville, além de pelo menos uma experiência precursora
em larga escala, que foi o modelo norte-americano. A precocidade dos Estados Unidos é
perceptível na tradição de autonomia local e no conjunto complexo de instituições e
mecanismos de relacionamentos entre os níveis de governo, algo ainda poucas vezes
encontrado.
A formação dos modernos Estados nacionais, na verdade, foi um processo de
centralização do poder e de tentativa de construir uma soberania una e indivisível, nos
termos de Jean Bodin. O objetivo maior era estabelecer a ordem mínima hobbesiana,
concentrando poder numa autoridade que desse conta dos perigos da fragmentação local e
da invasão externa. O Governo Central tornou-se o eixo estruturador de toda a política, com
um poderio praticamente inquestionável.

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Sobre a descentralização na era Thatcher, ver B. Guy Peters (1992).

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O fortalecimento do poder nacional não foi abrupto, mas sim, uma construção que
durou séculos. Neste longo processo centralizador, a descentralização do poder era
normalmente vista de modo negativo, com a grande exceção da experiência norte-
americana. Com a consolidação das independências na América e com o novo colonialismo
europeu na África e Ásia, ademais, o poderio do Estado nacional transformou-se em arma
fundamental no jogos geopolítico e econômico, especialmente para os que disputavam
mercados no contexto imperialista, entre o final do século XIX e o começo do XX. Mais
adiante, a crise da ideologia do laissez faire e a formulação do pensamento keynesiano, no
bojo da depressão da década de 30, legitimaram o reforço do papel da intervenção estatal
centralizada.
A expansão do Estado atingiu seu auge depois da Segunda Guerra Mundial. O
aumento da intervenção governamental foi estruturado sob três pilares: o keynesiano,
correspondente ao aspecto econômico, o Welfare State, ligado ao social, e o burocrático
weberiano, modelo administrativo que dava suporte às ações dos outros dois pilares. Todos
os três foram engendrados pelo Governo Central. Nos países desenvolvidos, ademais, esta
engenharia institucional foi construída num contexto de ampliação da democracia no plano
nacional. O fato é que, entre 1950 e 1980, era de grande prosperidade do capitalismo (por
alguns chamada de "anos dourados"), o Estado nacional foi o motor do desenvolvimento e,
em alguns casos, da cidadania.
Paradoxalmente, o avanço e o sucesso da intervenção estatal centralizada e da
nacionalização da política no pós Guerra impulsionaram, mais adiante, o processo de
descentralização. Dito de outro modo, a expansão do Welfare State e da democracia, frutos
do período de grande nacionalização da política, favoreceram a constituição de demandas
descentralizadoras.
No caso dos Welfares, cabe assinalar que eles foram instituídos pelos Governos
Centrais, que agiram com maior ênfase a partir da década de 50. No começo, a
administração centralizada geralmente implantava sozinha as políticas de bem estar social,
contudo, ao longo do tempo, ela aumentou as ações de financiamento e/ou as parcerias com
os governos subnacionais. Em outras palavras, a ampliação da oferta de serviços públicos,
por parte do Poder Nacional, redundou na criação de estruturas administrativas no plano
local. Um exemplo neste sentido é o da experiência norte-americana. Conforme John

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Donahue, houve lá uma maior centralização desde os anos 30, mas as burocracias estaduais
foram se aperfeiçoando para receber e utilizar melhor os grants do Governo Federal,
criados desde o período Roosevelt e ampliados ainda mais pelo governo Lyndon Johnson,
por meio do programa Great Society. Este processo, por si só, gerou mais adiante demandas
pelo repasse integral das funções aos estados (DONAHUE, 1997: 12).
O crescimento e a complexificação da estrutura administrativa do sistema de
proteção social resultou em dilemas de eficiência e democratização. No que se refere ao
primeiro aspecto, quanto mais atividades o Governo Central concentrava em suas mãos,
mais perdia o controle sobre o desempenho e a qualidade das políticas. Um bom exemplo
disso era o programa de merenda escolar do Governo Federal brasileiro. Seu alcance e
recursos elevaram-se deveras ao longo do tempo e, até meados da década de 90, a União
comprava os alimentos, muitas vezes trazia-os até Brasília e depois os distribuía para o
restante do país. Daí resultavam os seguintes problemas: os bens em questão eram
perecíveis e muitos estragavam por conta dessa logística centralizadora; os hábitos
alimentícios regionais eram desprezados; e a compra centralizada normalmente aumentava
os custos. Trocando em miúdos, o excesso de centralização levava à ineficiência.
A centralização excessiva muitas vezes provinha das ações da burocracia nacional e
dos políticos, os quais, ao concentrarem os recursos no nível central, fortaleciam seu poder
decisório (burocratas) ou de chantagem perante as bases locais (líderes políticos
clientelistas). A maior democratização do sistema político tem sido o melhor instrumento
contra esta situação. Tal processo democratizador foi inicialmente construído mais por
processos nacionais do que locais, ao contrário do que supõe visões mais românticas. Até
no caso norte-americano, fundado pelo conceito de self-government e onde de fato a
autonomia republicana dos governos locais prosperou em boa parcela do território, a
nacionalização da política foi fundamental para a democratização do sistema, atacando os
focos de corrupção no Sul e em grandes centros urbanos (como Chicago), além de garantir
os direitos civis dos negros.
Em vários países desenvolvidos, a nacionalização do processo democrático ampliou
espaços de participação que, gradativamente, estabeleceram-se nos níveis locais de
governo. Cabe lembrar que o longo caminho da centralização do poder havia sufocado uma
série de demandas por autogoverno regional, e a democratização do pós Guerra permitiu

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colocar em xeque essa estrutura política, embora a transformação do modelo não tenha
ocorrido de uma hora para outra. O caso italiano reflete bem esse fenômeno, pois, como
mostrou Robert Putnam, entre a promulgação da Constituição, em 1948, e o início da
década de 70, ocorreu uma intricada batalha pela autonomia dos governos locais (cf.
PUTNAM, 1996: 35-38).
O modelo centralizador entrou em crise no começo da década de 80. Para tanto,
contribuíram fatores como a internacionalização econômica, que reduziu parcela
significativa do poder de intervenção estatal no plano nacional, especialmente na área
financeira; a crise fiscal dos Governos Centrais, vinculada à perda de dinamismo
econômico que marcara os "anos dourados"; a defesa de reformas inspiradas por uma
concepção minimalista de Estado, iniciada com as vitórias de Thatcher e Reagan; o
fortalecimento de organizações com modus operandi transnacional, como empresas
multinacionais, ONGs, instituições multilaterais, blocos regionais e até máfias
internacionais; a maior demanda por participação no nível local; e o aumento da integração
econômica entre os capitais e os governos subnacionais, processo chamado por alguns
autores de "glocalization" (WATTS, 1994).
Sobre este processo, ficou famosa a frase de Daniel Bell: “the nation-state is
becoming too small for the big problems of life and too big for the small problems of life”
(BELL, 1988).
Em boa medida, o discurso e a prática descentralizadoras derivaram dessa crise do
modelo centralizador de intervenção estatal. No entanto, vale ressalvar que o balanço dos
últimos vinte anos não revela uma redução significativa do tamanho do Estado ou o
esvaziamento do Governo Central. Houve, sim, mudanças na estrutura centralizada
anterior, com novas formas de provisão e atuação do aparato estatal, só que o resultado
disso está levando a repensar o papel do Poder Nacional, em vez de destrui-lo.
Em resumo, os resultados paradoxais da expansão e complexificação do Welfare
State e da nacionalização da democracia, somados aos fatores recentes que enfraqueceram
o Governo Central, pavimentaram o terreno onde a descentralização foi inicialmente
construída. Mais outras quatro causas influenciaram este processo: a urbanização acelerada,
que tornou os problemas locais e seus governos cada vez mais importantes para um maior
número de pessoas; a irrupção de conflitos étnicos, os quais, quando não levaram à

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secessão, demandaram novas relações do Poder Nacional com os grupos regionais, como na
experiência espanhola; o surgimento das democracias de Terceira Onda
(HUNTINGTON,1994), nas quais houve, por diversas vezes, um imbricamento entre a
democratização e o processo de descentralização; e, por fim, a força do discurso político
descentralizador, cada vez mais aceito e proposto em larga escala, inclusive por instituições
multilaterais, como o Banco Mundial, que o defendem como uma das melhores soluções
aos países menos desenvolvidos.
O contexto atual pode ser classificado como uma era de descentralização, dada a
desconcentração sem precedentes do poder político nacional. Os seus primeiros passos
foram dados nos anos 50, mas o grande impulso se deu na década de 70, com a inclusão de
um número crescente de países, num processo ainda hoje em expansão. Entre os
desenvolvidos, houve grandes mudanças na organização territorial em lugares como a
Bélgica (que passou por um processo de federalização nos últimos trinta anos), a Espanha e
a Itália - ambas criadoras de uma estrutura regional ou quase federal (LARSSON,
NOMDEN & PETITEVILLE, 1999: 400). Em todos estes casos, os governos subnacionais
conquistaram uma forte autonomia. Destaca-se, ainda, a consolidação dos federalismos
alemão, australiano e canadense, cada vez mais preocupados em aperfeiçoar seus
mecanismos intergovernamentais para garantir o princípio da subsidiariedade, segundo o
qual as políticas devem ser conduzidas, o máximo possível, pelas autoridades mais
próximas dos cidadãos. É igualmente relevante a influência do viés federativo no debate
acerca da União Européia. Soma-se a tudo isso, de forma inédita e até inesperada, o repasse
de poder ao plano local em duas das nações mais centralizadas da Europa, a Grã-Bretanha e
a França, como assinala Rudolf Hrbek:
"Recentemente, se vislumbram importantes alterações da estrutura territorial na
Grã-Bretanha. Sob o lema da 'devolução', o governo de Westminster transferiu direitos de
autonomia abrangentes, embora diferentes, para a Escócia e o País de Gales. Vários
observadores consideram essa evolução como início de uma profunda mudança da
organização estatal do Reino Unido, que poderia chegar a um 'Estado de Autonomia' ou
ainda uma construção federativa. (....) Na França, considerada há muito tempo exemplo
clássico de um sistema centralizador, também se iniciou uma política de descentralização a
partir de 1982. Sua expressão mais nítida é a criação de regiões com novas entidades

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territoriais, ao lado dos tradicionais municípios e departamentos. Embora a competência e
os recursos à disposição das regiões pareçam modestos, são nítidas as mudanças no
Estado francês, bem como o fato da descentralização já significar mais do que mera
transferência de atribuições administrativas para um nível mais baixo. As regiões
desenvolvem autoconfiança, procuram tomar posições em relação à capital e ao governo
central e, ocasionalmente, já são consideradas atores respeitados num sistema que se
desenvolve passo a passo" (HRBEK, 2001: 111-112).
Nos Estados Unidos, país com maior tradição federativa do mundo, houve uma
renovação do discurso em prol da descentralização. Do "novo federalismo" de Nixon até o
modelo mais recente do devolution powers, aconteceu um repasse de funções aos estados,
que para alguns significou o retorno às "liberdades originais da Federação". Ademais, a
concepção de que os governos subnacionais são "laboratórios de democracia", isto é,
capazes de criar políticas inovadoras quanto mais contato direto tiverem com os cidadãos,
foi um dos principais eixos da política norte-americana na década de 90 (CONLAN, 1998;
OSBORNE & GAEBLER, 1994).
A descentralização também avançou celeremente em outras partes do globo. Num
estudo citado por Marta Arretche, constatou-se que entre 75 países em desenvolvimento
analisados, 63 tinham realizado reformas descentralizadoras (apud ARRETCHE, 1996: 63).
A América Latina destaca-se neste contexto. Nela, são eleitos atualmente 13 mil governos
locais, contra menos de 3 mil no final dos anos 70 (BANCO MUNDIAL, 1997: 112).
Países como Colômbia, Peru e Venezuela aumentaram, em maior ou menor grau, a
autonomia dos governos locais. Federações mais antigas, porém tolhidas em sua liberdade
por décadas de autoritarismo, como o México e a Argentina, reforçaram o poder de suas
províncias ou estados - no caso mexicano, foi do plano subnacional que, em grande medida,
saiu o processo de democratização recente do país (cf. RODRÍGUEZ & WARD, 1995). E o
Brasil não ficou atrás, pois reconstruiu sua estrutura federativa por meio do reforço do
poder das esferas estaduais e municipais, como mostraremos mais adiante.
O fascínio causado pela descentralização baseia-se não apenas na crise do modelo
centralizador e no surgimento de novas realidades, mas também na força política adquirida
por esse conceito, cujo sinal é quase sempre positivo. Agregando uma ampla e heterogênea

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coalizão de interesses, o discurso descentralizador teria suas principais qualidades
associadas à democratização do Poder público e à melhora do desempenho governamental.
Descentralização e democratização do Estado andam juntas no argumento político
desde pelo menos o livro clássico de Alexis de Tocqueville, A Democracia na América.
Processos históricos mais recentes, como a conquista de governos locais pelos comunistas
italianos, na década de 60, ou o crescimento do municipalismo no Brasil nos anos 80, com
seu viés democratizador sendo perceptível em políticas como o Orçamento Participativo,
são dois entre vários dos exemplos que ajudariam a corroborar esse relacionamento
virtuoso.
O pressuposto que orienta essa concepção é o de que a maior proximidade dos
governos em relação aos cidadãos possibilita o aumento da accountability do sistema
político. De fato, o controle sobre os governantes pode ser facilitado pela descentralização,
já que com ela há maior probabilidade de disseminação das informações, de criação de
canais de debates e mesmo de se instituir mecanismos mais efetivos de fiscalização
governamental, para citar três dos elementos básicos do processo de responsabilização
democrática do Estado (PRZEWORSKI, 1998). Formas de democracia semi-direta também
têm muito mais chances de se realizar no plano local.
O aumento da eficiência e da efetividade é citado igualmente como outra qualidade
intrínseca da descentralização. Isto porque a centralização completa das políticas resultaria,
tecnicamente, em maior irracionalidade administrativa, e, politicamente, na criação de
"superagências" monopolistas que dificilmente seriam controláveis, com efeitos não só para
a accountability democrática, como também para o desempenho da ação estatal.
Inversamente, a descentralização, ao aproximar os formuladores dos implementadores, e,
principalmente, estes dois dos cidadãos, melhoraria o fluxo de informações e a
possibilidade de avaliação da qualidade da gestão pública.
Nesta mesma linha de raciocínio, supõe-se que a uniformização subjacente ao
modelo mais centralizador diminuiria os incentivos à inovação, ao passo que a existência de
múltiplos governos seria um estímulo para a busca de novas soluções administrativas, pois
os governantes locais teriam a necessidade, por conta maior da cobrança da população, e a
possibilidade, por conta da maior autonomia decisória, de encontrar saídas criativas e

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vinculadas às peculiaridades de cada circunscrição política. Esta posição é bastante
difundida no debate norte-americano e vem ganhando adeptos em outros países3.
Muitos defendem que pode haver, sob certas condições, uma relação de mão dupla
entre a democratização e busca da eficiência no plano local, tal qual argumentam Abrucio e
Soares:
"Por um lado, a participação e a cobrança da população obrigam os governantes,
muito mais próximos, a melhorar seu desempenho administrativo. Por outro, as condições
para que os cidadãos atuem [democraticamente] de forma mais eficaz estão ligadas à
qualidade da gestão pública, responsável pela informação e pela adequação dos
instrumentos de controle" (ABRUCIO & SOARES, 2001: 28).
A descentralização, no entanto, não tem qualidades intrínsecas e tampouco está
isenta de aspectos negativos. A força política deste discurso e muitos resultados
satisfatórios que daí se originaram nublam os problemas que se colocam, em muitas
ocasiões, para a implantação de um processo descentralizador. Há cinco questões
fundamentais que devem ser equacionadas em qualquer modelo de descentralização: a
constituição de um sólido pacto nacional, o ataque às desigualdades regionais, a criação de
um ambiente contrário à competição predatória entre os entes governamentais, a montagem
de boas estruturas administrativas no plano subnacional e a democratização dos governos
locais.
A primeira se refere à relação dos governos locais com a nação. Uma fragmentação
excessiva pode levar à guerra civil, à desorganização econômica ou à secessão. É claro que
esta última pode ser até desejável em certas circunstancias, nas quais grupos étnicos foram
sufocados pelo Governo Central e/ou por uma etnia dominante. Não obstante, o
fortalecimento de uma série de nacionalismos desde a segunda metade da década de 80 tem
grandes chances de produzir países com frágeis condições de sobrevivência - e, neste caso,
os vetores da globalização assimétrica na qual vivemos tendem a ser implacáveis,
favorecendo os que mantiveram mais território e população. Talvez tenhamos, na década
que ora se desenvolve ou no mais tardar na próxima, que refletir novamente sobre formas

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Nos EUA, um dos maiores best sellers da década de 90 foi o livro Reinventando o Governo, que
analisa uma série de exemplos de experiências bem sucedidas no plano subnacional, os quais são classificados
como verdadeiros laboratórios de gestão pública (OSBORNE & GAEBLER, 1994). Esta linha argumentativa,
entretanto, é bem mais antiga nas literaturas de Ciência Política e Economia produzida nos Estados Unidos,
bem como no debate político.

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de organização política do espaço que respondam às demandas econômicas e geopolíticas
de centralização, mas acentuando necessariamente o caráter democratizador desse processo.
Supondo que um país resolva seus dilemas básicos de ordem e haja um sentimento
nacional razoavelmente consolidado, é preciso evitar o crescimento das desigualdades entre
as regiões. Algumas experiências recentes de descentralização não foram acompanhadas
pela criação de políticas redistributivas - ou ao menos compensatórias - para as localidades
mais pobres ou carentes de infra-estrutura, o que contribuiu para acentuar as diferença
socioeconômicas. Nestes casos, a descentralização torna-se, na precisa definição de Remy
Prud’Homme, “na mãe da segregação” (PRUD’HOMME, 1995), uma vez que as
disparidades entre as partes prejudicam o desenvolvimento de muitas delas e, ao fim e ao
cabo, do próprio conjunto, pois há uma piora do desempenho econômico global, um
aumento do conflito distributivo e, no extremo, a luta política assume proporções
preocupantes à ordem nacional. Os impactos desse processo negativo são ainda maiores em
grandes nações marcadas pela desigualdade regional, como a Índia, o Brasil e a Rússia.
Para solucionar este problema, faz-se necessária a atuação coordenadora do Governo
Central, sem a qual não é possível uma descentralização efetiva e justa.
O acirramento dos conflitos entre os níveis de governo é outra questão que pode
prejudicar a descentralização. Em razão de o processo desconcentrador de poder ser
normalmente recente, dois fenômenos aparecem com freqüência. Em uma ponta, muitos
Governos Centrais não têm conseguido lidar com a nova realidade e querem evitar a perda
de autoridade e competências, criando incertezas quanto aos passos seguintes do processo
e mesmo em relação à manutenção dos que já foram dados, tal qual ocorreu na Inglaterra
nos tempos de Thatcher; noutra ponta, a ausência de experiência anterior de autogoverno e
o enfraquecimento do Poder Nacional têm gerado, em certos casos, estímulos à
irresponsabilidade fiscal das unidades subnacionais, como na Argentina, ou a uma disputa
tributária predatória, como na guerra fiscal à brasileira4. O fato é que a fragilidade dos
instrumentos de cooperação e coordenação entre as esferas de poder constitui um grande
obstáculo ao sucesso da descentralização.

4
Para uma visão geral do processo de descentralização, tratando sobretudo das resistências a ele e a
manifestação de comportamentos fiscais irresponsáveis por parte dos governos subnacionais, ver BURKI,
PERRY & DILLINGER, 1999.

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É necessário, também, desenvolver as capacidades administrativas e financeiras dos
entes subnacionais para que a descentralização ajude a melhorar o desempenho da gestão
pública. Os possíveis ganhos de eficiência resultantes da desconcentração das atribuições
não são alcançados caso faltem recursos suficientes às administrações locais, ou se estas
deixarem de exercer sua autoridade tributária. O repasse das funções antes centralizadas só
alcança plenamente seus objetivos quando acoplado à existência ou à montagem gradativa
de boas estruturas gerenciais nos níveis inferiores. Obviamente que a grande concentração
de tarefas nas mãos do Governo Central é prejudicial à eficiência, porém, a manutenção de
padrões arcaicos de governança no plano local, além de reduzir a efetividade da ação
estatal, desmoraliza a descentralização, podendo até incentivar propostas demagógicas de
(re)centralização e paternalismo. Logo, a modernização administrativa dos governos
subnacionais é condição sine qua non de um ciclo virtuoso descentralizador.
A relação entre descentralização e democracia não é linear. Ela depende das
condições sociais, econômicas e políticas existentes em determinado país e tempo histórico.
Trata-se, em suma, de uma construção político-institucional. É neste sentido que,
analisando a associação entre democratização e descentralização, Marta Arretche
argumenta:
“A concretização dos ideais democráticos depende menos da escala ou nível de
governo encarregado da gestão das políticas e mais da natureza das instituições que, em
cada nível de governo, devem processar as decisões” (ARRETCHE, 1996: 45).
Em diversos momentos da história, formas oligárquicas predominaram no plano
local. Exemplos: o Brasil da Primeira República, o Sul dos Estados Unidos na primeira
metade do século XX - realidade tão bem descrita por V.O.Key Jr. (1949) -, os governos
subnacionais mexicanos durante o domínio do PRI e, até hoje, a administração das
Províncias mais pobres e suas municipalidades na Argentina. A lista é bem mais extensa,
mas ficamos por aqui. Ora, isto quer dizer que existe uma outra "relação linear", agora entre
descentralização e oligarquia? Esta ilação é tão falsa quanto a primeira. Basta observar a
progressiva democratização de governos subnacionais em várias partes do mundo: em
países federativos (como a Alemanha, os EUA, o Canadá) em Estados Unitários (Itália e
Espanha), além dos grandes avanços ocorridos em nações em desenvolvimento, como o

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Brasil e a Índia. A continuidade desse processo vincula-se à construção de certas condições
institucionais, culturais e socioeconômicas.
Para responder a estas cinco questões, é preciso adotar três pressupostos gerais que
balizam qualquer processo de descentralização:
1) A opção não deve ser centralização ou descentralização. O segredo do sucesso
está no relacionamento entre elas. Num extenso e detalhado trabalho que envolveu o estudo
das relações intergovernamentais de todos os países da OCDE, a então presidente dessa
organização, Alice Rivlin, concluiu que:
“Há tempos ocorrem debates sobre centralização ou descentralização. Nós
precisamos agora estar dispostos a mover em ambas as direções – descentralizando
algumas funções e ao mesmo tempo centralizando outras responsabilidades cruciais na
formulação de políticas. Tais mudanças estão a caminho em todos os países” (OCDE,
1997: 13).
2) A descentralização envolve um projeto nacional e vários processos ou rodadas de
negociação. Em relação ao primeiro aspecto, cabe ressaltar que não basta criticar os
problemas do antigo modelo centralizador; é fundamental estabelecer uma estratégia
nacional que oriente, minimamente, o processo descentralizador (FIORI, 1995). Assim
sendo, as lideranças políticas e administrativas de todo o país precisam ter em mente o
sentido geral da descentralização. No entanto, este projeto geral é rediscutido e repensado
ao longo do tempo. Ademais, a desconcentração de funções ocorre em diversas áreas, às
vezes muito distintas entre si, por conta da peculiaridade de cada política pública. É por
esta razão que concordamos com o argumento de Maria Hermínia Tavares de Almeida: a
descentralização é um processo composto por várias rodadas (ALMEIDA, 2000: 7), muito
embora o histórico específico das políticas afeta seu destino posterior. Qualquer avaliação
da descentralização em um determinado país, portanto, deve analisar o projeto nacional e os
processos descentralizadores, bem como a relação entre eles.
3) A descentralização exige a construção de capacidades político-institucionais tanto
do Poder Central como dos governos subnacionais. Ambos devem ser preparar
especificamente para este processo. O Governo Central deve habilitar-se para o repasse de
funções e para a coordenação das ações mais gerais, atuando em prol do equilíbrio entre as
regiões, fornecendo auxílio técnico e financeiro aos níveis inferiores e avaliando as

14
políticas de cunho nacional. Os entes subnacionais, por sua vez, precisam aprimorar sua
estrutura administrativa e seus mecanismos de accountability democrática. Uma
competência comum é essencial: todas as esferas de poder devem desenvolver instrumentos
e mesmo uma cultura política vinculados às relações intergovernamentais, em particular no
caso do Governo Central, em razão de seu papel necessariamente coordenador.
O caso brasileiro enfrenta todo este universo de questões atinentes à
descentralização. Só que há uma particularidade: o Brasil é uma Federação, característica
que dá um molde especial ao processo descentralizador.

II- Federação e Descentralização: o significado dessa relação

As formas de organização territorial do poder podem ser divididas em quatro tipos:


a Associação de Estados, a Confederação, a Federação e o Estado Unitário. Alguns países
têm adotado características de mais de um modelo, seja porque a era da descentralização
trouxe mais preocupações federativas a nações unitárias, seja porque a temática dos blocos
regionais impulsionou experiências com inspiração confederativa, como a União Européia,
ou que procuram constituir alianças econômicas, como as uniões aduaneiras e áreas de livre
comércio. De qualquer modo, há sim diferenças entre tais categorias, que dizem respeito,
em especial, à maior ou menor concentração/dispersão de poder e soberania entre os entes,
fazendo com que haja organizações territoriais do poder mais centrífugas ou mais
centrípetas. O quadro abaixo configura esta classificação:

QUADRO 1
Quadro 1: Formas Típicas de Organização Político-Territorial do Poder

+ centrífugo + centrípeto

Associação de Confederações Federações Estado


Unitário
Estados

15
Resumidamente, podemos diferenciar cada uma dessas formas de organização
político-territorial do poder5. A Associação de Estados estabelece uma parceria voluntária
entre nações que não perdem sua soberania original e constituem uma cooperação com fins
culturais, políticos e/ou econômicos, sem que isto implique um maior compromisso de
compartilhamento de poder ou centralização decisória. Portanto, são membros que não
abdicam de sua condição de país e, enquanto tais, podem sair dessa organização a qualquer
momento. Ademais, a Associação entre Estados pode ocorrer entre Estados nacionais que
não tenham contiguidade territorial, uma vez que os objetivos podem ser de cooperação
econômica ou de intercâmbio cultural - tal como ocorre no Commonwealth.
A Confederação, por sua vez, é a junção de unidades independentes, que podem ser
Estados nacionais ou não - o início da história dos Estados Unidos representa esta segunda
possibilidade. Busca-se um maior compromisso pelo compartilhamento do poder do que na
Associação entre Estados, mas se evita a criação de um Governo Central. Diferentemente
da Associação entre Estados, a Confederação pressupõe sempre uma contiguidade
territorial.
O que motiva a criação do modelo confederativo é a existência de problemas e
necessidades comuns em uma mesma área territorial. Para tanto, os participantes desse
acordo estabelecem políticas integradas. Contudo, ao contrário da Federação, não é
constituído um Governo Central, embora possa até existir uma estrutura que funcione como
pólo aglutinador da Confederação, porém sem um estatuto de legitimidade por si só. Mais
do que isso, há uma superioridade do arcabouço constitucional de cada um dos membros
sobre o conjunto de regras que orienta essa união. É por esta razão que as principais
decisões válidas para todos os integrantes precisam da aprovação unânime deles ou, então,
certas decisões não são vinculantes a todos os participantes - a questão da moeda comum na
União Européia é tipicamente uma questão confederativa.
O modelo confederativo foi o inicialmente praticado nos Estados Unidos após a
independência, em 1776. Pode-se dizer que hoje a União Européia é o que há de mais
próximo de uma Confederação6. Observando a história das experiências confederativas,

5
Essa conceituação baseia-se em ABRUCIO, 2000.
6
A experiência da União Européia tem características mais próximas da Confederação, porém alguns
de seus membros e ideólogos defendem uma maior federalização de sua estrutura. Propostas como o
fortalecimento do Parlamento Europeu, do Direito Comunitário e do Banco Central Europeu, retirando grande
parcela do poder macroeconômico dos Estados nacionais, caminham numa linha mais federativa. Contudo, a

16
percebe-se uma a baixa capacidade de sobrevivência dessa forma de organização político-
territorial do poder. Nos EUA, durou pouco mais de dez anos, enquanto o caso recente da
Comunidade dos Estados Independentes (CEI), composta pelas partes daquilo que fora a
União Soviética, redundou em maior divisão entre estes povos, levando os analistas a
afirmar que a saída para essa região era manter a Federação Russa e esta fazer Associações
com os demais Estados nacionais (SEROKA, 1994)7.
Como ponto mais centrípeto da escala exposta acima, temos o Estado Unitário, onde
a soberania está toda concentrada no Governo Central e é, por tal motivo, una e indivisível.
O poder dos entes subnacionais deriva da ação voluntária da esfera nacional, que delega
funções e graus de autoridade. Todavia, há variações cada vez maiores na forma como esta
organização territorial se estrutura, sobretudo por conta dos efeitos da era da
descentralização. Países de tradição centralizadora como a França e a Inglaterra, tal qual
mostrado anteriormente, modificaram bastante sua distribuição espacial do poder político
nos últimos vinte anos.
Mesmo com tais mudanças, um aspecto diferencia claramente o Estado unitário das
formas confederativas ou federativas: a distribuição de poder obedece a uma hierarquia e a
uma assimetria entre o Governo Central e as unidades subnacionais. Exemplo: no Reino
Unido, o primeiro-ministro trabalhista, Tony Blair, cumpriu sua promessa de campanha e
criou um Parlamento regional na Escócia. Houve pressões do plano local, mas a decisão
veio do âmbito nacional. Mais importante: a continuidade desse processo de
desconcentração de poder vai depender da aprovação em instâncias do nível central,
sobretudo o Parlamento, o qual é formado exclusivamente por representantes que, embora

capacidade de países pertencentes à essa união de não compartilhar de todas as regras do ordenamento
comum, como o Reino Unido repetidamente tem feito, e a ausência de políticas externa e de segurança para
todo o bloco constituem enormes obstáculos à federalização da União Européia.
7
Três fatores explicam o fracasso do modelo confederativo. O primeiro é a pouca efetividade dos
mecanismos que arbitram os conflitos numa Confederação, dado que o poder vinculante das decisões é mais
tênue. Além disso, o processo decisório é bastante intrincado, já que o poder de veto de apenas um membro é
muito amplo, e o custo desse veto é baixíssimo para o ente individual, ao passo que o preço pela unanimidade
normalmente é bastante alto. E, por fim, o maior problema do modelo confederativo refere-se à proteção
diante de inimigos externos ou mesmo de guerras internas. A União Européia não tem até hoje uma política
de defesa comum e por isso depende dos Estados Unidos – que resguardam suas ações no “biombo” da
OTAN. A importância da questão da segurança pode ser constatada pelo lugar estratégico e pela quantidade
de espaço que ocupou em O Federalista: do segundo ao décimo artigo, parte que dá início e prepara o terreno
para o restante da argumentação. Foi essa fragilidade do modelo confederativo que convenceu figuras
históricas fundamentais para a independência, como George Washington e Benjamin Franklin, a ficarem do
lado dos founding fathers norte-americanos na defesa do ideal federativo na Convenção de 1787.

17
eleitos em distritos, têm um mandato nacional, não vinculado à proteção dos direitos de tal
ou qual região.
É este o limite da descentralização nos Estados unitários: o poderio dos governos
subnacionais é inferior constitucionalmente ao do Governo Nacional. A ausência de
estruturas capazes de defender especificamente os interesses regionais corrobora isto. Não
há porque construir uma engenharia institucional para defender as unidades subnacionais se
elas não são reconhecidas como portadoras de direitos originários que devem ser
defendidos. Em suma, não são soberanas e a soberania nacional é fruto de um contrato
entre todos os indivíduos da nação, e não de um acordo entre entes territoriais8.
O Estado Federal é uma forma inovadora de se lidar com a organização político
territorial do poder, na qual há um compartilhamento matricial da soberania, e não
piramidal, mantendo-se a estrutura nacional (ELAZAR, 1987: 37). Hoje há vinte e duas
nações que adotam formalmente o sistema federativo, afora outras, como a Espanha e a
África do Sul, que embora não tenham constitucionalmente este status, na prática
funcionam cada vez mais enquanto tais (WATTS, 1999: 10). Além destas, muitas outras
nações vêm adotando instrumentos federativos para resolver seus problemas
intergovernamentais. Mesmo tendo um pouco mais de 10% dos países utilizando esse
modelo de organização político territorial, o fato é que a importância geopolítica,
econômica e cultural dos que adotam a forma federal é evidente, em todos os cantos do
mundo, dos EUA à Rússia, da Índia à Alemanha, do Canadá à Nigéria, da Suíça à
Argentina, do México ao Brasil, para ficar nos casos mais relevantes.
O entendimento da especificidade do federalismo passa pela análise de sua natureza,
de seu significado e de sua dinâmica. Primeiramente, toda Federação deriva de uma
situação federalista (BURGESS, 1993). Duas condições conformam este cenário. Uma é a
existência de heterogeneidades que dividem uma determinada nação, de cunho territorial
(grande extensão e/ou enorme diversidade física), étnico, lingüístico, socioeconômico

8
O caso italiano é interessante pois, além de ter aumentado fortemente o poder dos entes locais desde
pelo menos a década de 70, define em sua Constituição promulgada no pós Guerra (1948) uma série de
instâncias de defesa do interesse das unidades subnacionais. Um exemplo disto é o Senado, composto por 315
parlamentares eleitos pelas Regiões – afora os senadores vitalícios, que são designados pelo presidente, e os
ex-presidentes. Outro é a eleição para presidente, na qual participam, além dos membros do Parlamento,
delegados das Regiões do país. Apesar da existência destes mecanismos de representação regional, a
autoridade nacional é reconhecida constitucionalmente como superior, ao passo que os governos

18
(desigualdades regionais), cultural e político (diferenças no processo de formação das elites
dentro de um país e/ou uma forte rivalidade entre elas). Qualquer país federativo foi assim
instituído para dar conta de uma ou mais heterogeneidades. Se um país deste tipo não
constituir uma estrutura federativa, dificilmente a unidade nacional manterá a estabilidade
social ou, no limite, a própria nação corre risco de fragmentação9.
Outra condição federalista é a existência de um discurso e de uma prática defensores
da unidade na diversidade, resguardando a autonomia local, mas procurando formas de
manter a integridade territorial num país marcado por heterogeneidades. Trata-se do
princípio filosófico da Federação, na definição de Burgess:
“O gênio da Federação está em sua infinita capacidade de acomodar a competição
e o conflito em torno de diversidades que têm relevância política dentro de um Estado.
Tolerância, respeito, compromisso, barganha e reconhecimento mútuos são suas palavras-
chave, e ‘união’ combinada com ‘autonomia’ é sua marca autêntica” (BURGESS, 1993:
7).
As coexistência destas duas condições é essencial para se montar um pacto
federativo. Mas, o que é uma Federação? Segundo Daniel Elazar,
"O termo 'federal' é derivado do latim foedus, o qual (...) significa pacto. Em
essência, um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas
conexões internas refletem um tipo especial de divisão de poder entre os parceiros,
baseada no reconhecimento mútuo da integridade de cada um e no esforço de favorecer
uma unidade especial entre eles" (ELAZAR, 1987: 5).
Em outras palavras, a Federação é um pacto entre unidades territoriais que escolhem
estabelecer uma parceria, conformando uma nação, sem que a soberania seja concentrada
num só ente, como no Estado Unitário, ou então em cada uma das partes, como na
Associação entre Estados e mesmo nas Confederações. A especificidade do Estado Federal,

subnacionais, segundo a lei, participam por uma via concorrente e secundária do exercício da atividade
governamental (Cf. SPREAFICO, 1992: 372).
9
Exemplos de heterogeneidade são os mais variados: o Canadá (heterogeneidades lingüísticas), a
Índia (diversidades étnicas, lingüísticas e socioeconômicas), Brasil e Argentina (diferenças econômicas
regionais e entre as elites políticas locais), para ficar em alguns casos. Ademais, todo país grande tem a
questão federalista batendo à sua porta – Estados Unidos, Canadá, Brasil, Índia, Indonésia, Paquistão,
Austrália, Rússia e mesmo a China, que embora não seja (ainda) uma Federação, contém uma diversidade de
situações sociais misturada com a complexidade geográfica, o que cria um ambiente marcado por
heterogeneidades explosivas.

19
em termos de distribuição territorial do poder, é o compartilhamento da soberania entre o
Governo Central - chamado de União ou Governo Federal - e os governos subnacionais.
O princípio da soberania compartilhada deve garantir a autonomia dos governos e a
interdependência entre eles. Trata-se da fórmula classicamente enunciada por Daniel
Elazar: self-rule plus shared rule. Quanto ao primeiro aspecto, é importante ressaltar que os
níveis intermediários e locais detêm a capacidade de autogoverno como em qualquer
processo de descentralização, com grande raio de poder nos terrenos político, legal,
administrativo e financeiro, mas sua força política vai além disso. A peculiaridade da
Federação reside exatamente na existência de direitos originários pertencentes aos
pactuantes subnacionais - sejam estados, províncias, cantões ou até municípios, como no
Brasil. Tais direitos não podem ser arbitrariamente retirados pela União e são, além do
mais, garantidos por uma Constituição escrita, o principal contrato fiador do pacto político-
territorial. Ressalte-se que o Poder Nacional deriva de um acordo entre as partes, ao invés
de constitui-las. Assim, a descentralização em Estados Unitários pode até repassar um
efetivo poder político, mas este processo sempre provém do Centro e não institui direitos de
soberania aos entes subnacionais.
Os governos subnacionais também têm instrumentos políticos para defender seus
interesses e direitos originários, quais sejam, a existência de Cortes constitucionais, que
garantem a integridade contratual do pacto originário; uma Segunda Casa Legislativa
representante dos interesses regionais (Senado ou correlato); a representação
desproporcional dos estados/províncias menos populosos (e muitas vezes mais pobres) na
Câmara baixa; e o grande poder de limitar mudanças na Constituição, criando um processo
decisório mais intrincado, que exige maiorias qualificadas, e em muitos casos se faz
necessária a aprovação dos Legislativos estaduais ou provinciais. E mais: alguns princípios
básicos da Federação não podem ser emendados em hipótese alguma. Sobre este último
ponto, é interessante notar que no Brasil o federalismo é considerado cláusula pétrea (artigo
60, parágrafo 4), isto é, não pode ser objeto de Emenda constitucional, o que igualmente
acontece na Alemanha, uma vez que o artigo 79, alínea 3 da Lei Fundamental torna a
Federação um princípio inatingível e inalterável. Nos EUA, o contrato federativo
representado pela Constituição cria uma estrutura na qual os estados e a União são
"indestrutíveis".

20
Como bem constatou Alfred Stepan, toda Federação restringe o poder da maioria
(demos constraining), consubstanciado na esfera nacional. Porém, o federalismo precisa
igualmente responder à questão da interdependência entre os níveis de governo. A
exacerbação de tendências centrífugas, da competição entre os entes e do repasse de custos
do plano local ao nacional são formas que devem ser atacadas em qualquer experiência
federativa, sob o risco de se enfraquecer a unidade político-territorial ou de torná-la ineficaz
para resolver a "tragédia dos comuns" típica do federalismo, vinculada a problemas de
heterogeneidade. O fato é que a soberania compartilhada só pode ser mantida ao longo do
tempo caso se estabeleça uma relação de equilíbrio entre a autonomia dos pactuantes e
a interdependência entre eles.
A busca da interdependência é uma tarefa que enfrenta pelo menos cinco desafios: o
caráter matricial das Federações, a dupla cidadania presente no federalismo democrático, o
pluralismo intrínseco a essa forma de organização político-territorial do poder, a
necessidade dos checks and balances entre os níveis de governo e o problema da
coordenação federativa.
Em primeiro lugar, a interdependência federativa não pode ser alcançada pela mera
ação impositiva e piramidal de um Governo Central, tal qual num Estado Unitário, pois
uma Federação supõe uma estrutura mais matricial, sustentada por uma soberania
compartilhada - aliás, como dito antes, é por isso que no federalismo há União (ou o
Governo Federal) e não Governo Central. É claro que as esferas superiores de poder
estabelecem relações hierárquicas frente às demais, seja em termos legais, seja por conta do
auxílio e financiamento às outras unidades governamentais. O Governo Federal tem
prerrogativas específicas para manter o equilíbrio federativo, e os governos intermediários
igualmente detêm forte grau de autoridade sobre as instâncias locais ou comunais. Só que a
singularidade do modelo federal está na maior horizontalidade entre os entes, devido aos
direitos originários dos pactuantes subnacionais e à sua capacidade política de proteger-se.
Em poucas palavras, processos de barganha afetam decisivamente as relações verticais num
sistema federal.
Em segundo lugar, a população de uma democracia federativa possui uma dupla
cidadania: a individual e a territorial, cada qual representada por mecanismos políticos
distintos. Vale ressalvar que, citando novamente Stepan, "em uma Federação democrática

21
os cidadãos deve ter identidades políticas duplas, mas complementares" (STEPAN, 1999:
202). Criar uma relação de complementaridade entre os interesses e direitos locais e a
perspectiva nacional é outro desafio que todo Estado Federal deve enfrentar.
As Federações, ademais, são marcadas intrinsecamente pela diversidade e pelo
conflito. A obtenção de padrões de interdependência não pode ser resultado da eliminação
do pluralismo que é subjacente ao modelo federativo. De modo que as parcerias
intergovernamentais não podem ser frutos do domínio de uma instância contra a autonomia
de outra ou das demais. Destacam-se aqui o respeito mútuo e, novamente, o papel da
barganha nas relações entre os níveis de governo.
Desde a invenção do federalismo moderno nos Estados Unidos, esta forma de
organização político-territorial do poder pressupõe a existência de controles mútuos entre
os níveis de governo - trata-se de um dos checks and balances da democracia madisoniana.
O objetivo deste mecanismo é a fiscalização recíproca entre os entes federativos para que
nenhum deles concentre indevidamente poder e, desse modo, acabe com a autonomia dos
demais. Assim sendo, a busca da interdependência numa Federação democrática tem de ser
feita conjuntamente com o controle mútuo.
O desenvolvimento recente dos Estados modernos levou ao crescimento do papel
dos Governos Centrais, especialmente no que se refere à expansão das políticas sociais. No
caso dos sistemas federais, onde vigora uma soberania compartilhada, constituiu-se um
processo negociado e extenso de shared decision making, ou seja, de compartilhamento de
decisões e responsabilidades. A interdependência enfrenta aqui o problema da
coordenação das ações de níveis de governo autônomos, aspecto chave para entender a
produção de políticas públicas numa estrutura federativa contemporânea.
Em seu trabalho sobre os Estados de Bem Estar Social em países unitários e
federativos, Paul Pierson (1995) revela que no federalismo as ações governamentais são
divididas entre unidades políticas autônomas, as quais, porém, têm cada vez mais
interconexão, por conta da nacionalização dos programas e mesmo da fragilidade financeira
ou administrativa de governos locais e/ou regiões. O dilema do shared decision making
surge porque é preciso compartilhar políticas entre entes federativos que, por natureza, só
entram neste esquema conjunto se assim o desejarem. Desse modo, a montagem dos
Welfare States nos países federativos é bem mais complexa, envolvendo jogos de

22
cooperação e competição, acordos, vetos e decisões conjuntas entre os níveis de governo. O
desafio posto por esta questão foi bem resumido por Pierson:
“No federalismo, dada a divisão de poderes entre os entes, as iniciativas políticas
são altamente interdependentes, mas são, de forma freqüente, modestamente coordenadas”
(PIERSON, 1995: 451).
Para garantir a coordenação entre os níveis de governo, as Federações devem,
primeiramente, equilibrar as formas de cooperação e competição existentes. Antes que um
mal entendido se estabeleça, partimos da premissa, já enunciada anteriormente, de que o
federalismo é intrinsecamente conflitivo. Concordamos, neste sentido, com Deil Wright,
segundo o qual o conflito não é um estado patológico de uma estrutura federal; mais do que
isso, o autor ressalta que a cooperação e a competição não são pólos opostos de uma escala,
já que a presença do primeiro não significa a ausência do segundo, e vice-versa (WRIGHT,
1997: 27).
Seguindo esta linha argumentativa, Paul Pierson assim define o funcionamento das
relações intergovernamentais no federalismo:
"Mais do que um simples cabo de guerra, as relações intergovernamentais
requerem uma complexa mistura de competição, cooperação e acomodação" (PIERSON,
1995: 458).
Daí toda Federação ter de combinar formas benignas de cooperação e competição.
No caso da primeira, não se trata de impor formas de participação conjunta, mas de
instaurar mecanismos de parceria que sejam aprovados pelos entes federativos. O modus
operandi cooperativo é fundamental para otimizar a utilização de recursos comuns, como
nas questões ambientais ou problemas de ação coletiva que cobrem mais de uma jurisdição
(caso dos transportes metropolitanos); para auxiliar governos menos capacitados ou mais
pobres a realizarem determinadas tarefas; para integrar melhor o conjunto de políticas
públicas compartilhadas, evitando o jogo de empurra entre os entes - como no episódio da
dengue, quando União, estados e municípios procuravam definir o(s) outro(s) como
culpado(s) em relação a esta questão. Ainda é peça-chave no ataque a comportamentos
financeiros predatórios, que repassam custos de um ente à nação, como também na

23
distribuição de informação sobre as fórmulas administrativas bem sucedidas, incentivando
o associativismo intergovernamental10.
Não se pode esquecer, também, que o modelo cooperativo contribui para elevar a
esperança quanto à simetria entre os entes territoriais, fator fundamental para o equilíbrio
de uma Federação. No entanto, fórmulas cooperativas mal dosadas trazem problemas. Isto
ocorre quando a cooperação confunde-se com a verticalização, resultando mais em
subordinação do que em parceria, como muitas vezes já aconteceu na realidade latino-
americana, de forte tradição centralizadora. É também perigosa a montagem daquilo que
Fritz Scharpf (1988) denomina joint decision trap (armadilha da decisão conjunta), bastante
visível no caso alemão, mas que se repete igualmente em outras experiências. Nesta
estrutura, todas as decisões são o máximo possível compartilhadas e dependem da anuência
de praticamente todos os atores federativos. Sem desmerecer os ganhos de racionalidade
administrativa, tende-se à uniformização das políticas, processo que pode diminuir o
ímpeto inovador dos níveis de governo, enfraquecer os checks and balances
intergovernamentais e dificultar a responsabilização da administração pública.
As Federações requerem determinadas formas de competição entre os níveis de
governo. Primeiro, por conta da importância dos controles mútuos como instrumento contra
a dominância (ou tirania, nos termos de Madison) de um nível de governo sobre os demais.
Além disso, a competição federativa pode favorecer a busca pela inovação e melhor
desempenho das gestões locais, já que os eleitores podem comparar a performance dos
vários governantes, uma das vantagens de se ter uma multiplicidade de governos. A
concorrência e a independência dos níveis de governo, por fim, tendem a evitar os excessos
contidos na "armadilha da decisão conjunta", bem como o paternalismo e o parasitismo
causados por certa dependência em relação às esferas superiores de poder.
Há uma série de problemas advindos de competições desmedidas. O primeiro se
refere ao excesso de concorrência, que afeta a solidariedade entre as partes, ponto fulcral do
equilíbrio federativo. Quanto mais heterogêneo é um país, em termos socioculturais ou

10
Neste aspecto, cabe lembrar a experiência dos EUA. O crescimento da intervenção estatal
impulsionado pela Era Roosevelt aconteceu num momento em que as máquinas locais estavam infestadas de
clientelismo e corrupção e careciam de capacidades institucionais para realizar a contento políticas públicas
mais amplas. Em tal contexto, as associações horizontais entre os níveis de governos tiveram um papel
essencial na transformação do federalismo norte-americano, repassando informações sobre como alguns
governos subnacionais tinham modificado sua antiga estrutura (ZIMMERMAN, 1996).

24
socioeconômicos, mais complicada é a adoção única e exclusiva da visão competitiva do
federalismo. Países como a Índia, o Brasil ou a Rússia devem por sua natureza evitar uma
disputa desregrada entre os entes.
A competição em prol da inovação também pode ter efeitos negativos, mais
particularmente no terreno das políticas sociais, como demonstrou o livro de Paul Peterson
(The Price of Federalism,1995) sobre a experiência recente dos governos estaduais norte-
americanos. O autor percebeu o fortalecimento de uma visão acerca do federalismo: a de
que os cidadãos "votam com os pés"11, ou seja, podem escolher o lugar que otimize melhor
a relação entre carga tributária e políticas públicas. Diante disso, os estados ficaram entre
duas opções: ou forneciam um cardápio amplo de proteção social, tendo como efeito um
Welfare magnets, isto é, mais pessoas, sobretudo as mais pobres, iriam morar nestes
lugares, aumentando os gastos públicos e, em tese, diminuindo a competitividade
econômica daquele lugar; ou, ao contrário, os governadores deveriam constituir uma
estrutura mínima de prestação de serviços públicos e baixar os impostos, reduzindo com
isso a afluência dos mais pobres àquela região e, novamente em tese, elevando a
competitividade econômica e a oferta de emprego do ente federativo que optasse por esta
via – é o que Peterson denomina race to the bottom. Entre o efeito de Welfare magnets e o
race to the bottom, muitos governadores nos EUA estão escolhendo a segunda opção, de
modo que o aumento da competição vem acompanhado da redução de políticas de combate
à desigualdade. Em suma, o modelo competitivo levado ao extremo piora a questão
redistributiva.
O federalismo puramente competitivo vem estimulando, ainda, a guerra fiscal entre
os níveis de governo. Trata-se de um leilão que exige mais e mais isenções às empresas, em
que cada governo subnacional procura oferecer mais do que o outro, geralmente sem se
preocupar com a forma de custear este processo. Ao fim e ao cabo, a resolução financeira
desta questão toma rumos predatórios, seja acumulando dívidas para as próximas gerações,
seja repassando tais custos ao nível federal e, por tabela, à nação como um todo.
A diminuição da solidariedade entre os entes federativos, a menor preocupação com
a eqüidade e a realização de disputas predatórias são defeitos de certos comportamentos

11
Esta visão foi formulada originalmente por Charles Tiebout (1956).

25
competitivos no federalismo. Os laços que unem os pactuantes afrouxam-se, colocando a
autonomia individual - especialmente a dos mais fortes - contra a interdependência.
O desafio é encontrar caminhos que permitam a melhor adequação entre competição
e cooperação, procurando ressaltar seus aspectos positivos em detrimento dos negativos.
Recorrendo mais uma vez à argumentação precisa de Daniel Elazar:
"(...) todo sistema federal, para ser bem sucedido, deve desenvolver um equilíbrio
adequado entre cooperação e competição, e entre o governo central e seus componentes"
(ELAZAR, 1993: 193 – grifo meu).
A coordenação federativa, por fim, depende muito do papel dos níveis superiores de
governo frente à descentralização, especialmente da ação do Governo Federal. Por um lado,
porque em vários países os governos subnacionais têm problemas financeiros e
administrativos que dificultam a desconcentração de atribuições. Por outro, porque a União
e outras instâncias federativas precisam arbitrar conflitos políticos e de jurisdição, além de
incentivar a atuação conjunta e articulada entre os níveis de governo no terreno das
políticas públicas.
Parafraseando o conceito elaborado por Flávio Rezende para analisar reformas
administrativas12, pode-se dizer que a descentralização numa Federação pode padecer de
"falhas seqüenciais". Ou seja, se não houver ações coordenadoras, particularmente da
União mas também dos estados, o processo descentralizador tende a ter piores resultados na
prestação dos serviços públicos. O ponto essencial desta questão é que o Governo Federal
precisa reforçar seu papel coordenador ante estas "falhas seqüenciais", porém não pode
fazê-lo contra os princípios básicos do federalismo, como a autonomia e os direitos
originários dos governos subnacionais, a barganha e o pluralismo associados ao
relacionamento intergovernamental e os controles mútuos. A resposta para este dilema, em
síntese, está na criação de redes federativas, e não de hierarquias centralizadoras.
A partir da definição histórico-conceitual de descentralização e de federalismo,
faremos a seguir a análise do caso brasileiro. Sabendo que não há um modelo único de
relações intergovernamentais, pois as Federações são bastante "elásticas" (ELAZAR, 1987:
11), tentaremos entender a singularidade do Brasil. Mais especificamente, após uma
discussão das trajetórias de nossa estrutura federativa, o objetivo primordial é mostrar como

12
Conforme REZENDE, 2002.

26
o Governo Federal, na Era FHC, lidou com a questão da coordenação entre os níveis de
governo, tendo em conta, principalmente, o tema da descentralização.

III- A trajetória da Federação brasileira: da fundação ao ocaso do regime


militar

"Tivemos União antes de ter estados, tivemos o todo antes das partes"
(Rui Barbosa)

O objetivo desta seção é analisar brevemente a evolução do federalismo brasileiro


até o golpe de 1964, procurando traçar seus caminhos básicos. Para tanto, partimos da
seguinte hipótese: há dois momentos importantes para a estruturação da nossa estrutura
federativa até a recente democratização do país, o da formação inicial (1) e o da criação e
evolução do chamado Estado varguista (2). Cada um destes episódios estabeleceu aspectos
que influenciam os passos das trajetórias posteriores – ou seja, uma relação de path
dependence (PIERSON, 2000).
A questão federativa teve um papel fundamental na formação do Estado brasileiro.
Antes mesmo de o país tornar-se uma Federação, o conflito entre o Poder Central e as elites
regionais tinha sido um dos pontos cruciais na definição dos parâmetros da construção
nacional. Mesmo tendo alcançado um inegável sucesso em sua conquista ultramarina, a
colonização portuguesa não logrou criar uma centralização político-administrativa capaz de
aglutinar e ordenar a ação dos grupos privados instalados ao longo do território brasileiro
(CARVALHO, 1993:54). O poder público era, no mais das vezes, o domínio das
oligarquias locais, poucas vezes atingidas por medidas centralizadoras e autoritárias da
Metrópole, predominando o modus operandi localista. Nascia aqui um dos ingredientes da
situação federalista brasileiro: o sentimento de autonomia. O outro foi o crescimento da
desigualdade entre as regiões do país ao longo da história.
Nossos pais fundadores sabiam da existência de uma situação federalista no Brasil,
mas temiam que ela gerasse desunião – as duas revoltas pernambucanas, em 1817 e 1824,
eram o retrato desta possibilidade. Como remédio, optou-se pela via do Estado Unitário e
monárquico. Esse arranjo institucional foi escolhido pela elite central em razão de seu

27
temor quanto a uma possível repetição aqui da fragmentação territorial ocorrida na América
hispânica. Cabe lembrar que havia quatro vice-reinados na América espanhola, dos quais se
originaram dezessete países. Após as sangrentas lutas do período regencial, conformou-se
um modelo centralizador que vigorou, firmemente, por quase cinqüenta anos13.
O paulatino enfraquecimento de Dom Pedro II, a perda do apoio de importantes
setores políticos desde o final da Guerra do Paraguai e, como pá de cal, a abolição da
escravatura, foram fatores que solaparam as bases políticas do Império. Além destes, a
insatisfação crescente das elites locais com o excesso de centralização teve um peso
histórico muito grande. Os governantes das províncias eram indicados pela cúpula do Poder
central, que normalmente não só escolhia pessoas de outras regiões como estabeleceu uma
alta rotatividade no cargo. Por isso, a luta pelo fim da monarquia respondeu, em grande
medida, mais aos anseios por descentralização de poder do que por uma republicanização
da vida política. Deste modo, a república brasileira não só nasceu colada a um certo ideal
federativo como a ele foi subordinada.
A criação da Federação teve sua inspiração no modelo norte-americano, mas sua
conformação foi bastante diferente. Primeiro porque no momento de constituição do
federalismo brasileiro partiu-se de um Estado Unitário fortemente centralizado para um
modelo descentralizador de poder. A partir desta característica, nossa experiência estaria
mais para o modelo do hold together, em que uma união anterior desconcentra poder, tal
qual a construção federativa da Índia, do que para o do come together, a junção entre partes
antes separadas que distinguiu o protótipo estadunidense, segundo a terminologia utilizada
por Alfred Stepan (1999).
É neste sentido que Rui Barbosa, ao comparar nossa realidade com a norte-
americana, afirmou:
"Não somos uma Federação de povos até ontem separados e reunidos de ontem
para hoje. Pelo contrário, é da União que partimos. Na União nascemos" (apud TORRES,
1961: 22).

13
O longo período centralizador não significou o fim da discussão a respeito de nossa organização
político-territorial do poder. O célebre debate entre Visconde do Uruguai, defensor da centralização política e
da descentralização administrativa, e Tavares Bastos, entusiasta do modelo norte-americano, teve um impacto
enorme, mostrando que a situação federalista ainda se fazia presente (NUNES FERREIRA, 2000).

28
O caso brasileiro, no entanto, também diferencia-se dos modelos de hold together,
os quais buscavam descentralizar poder e concomitantemente fortalecer a unidade nacional,
como também do protótipo norte-americano, porque neste era igualmente essencial a idéia
hamiltoniana de União, isto é, da criação de um nova estrutura que assegurasse a associação
entre as partes. No nascedouro da República Velha, Os líderes locais lutaram pela
Federação para aumentarem seu poderio interno e, sobretudo, para escolher autonomamente
o governador de Estado. Como bem percebeu João Camilo de Oliveira Torres:
"Afinal, federalismo entre nós quer dizer apego ao espírito de autonomia; nos
Estados Unidos, associação de estados para defesa comum. (...) A federação [brasileira]
era o nome, a figura e o rótulo ideológico para esta aspiração concreta e objetiva: a
eleição dos presidentes de província " (TORRES, 1961: 153).
Neste projeto federativo, portanto, só cabia a busca do autogoverno e pouco espaço
sobrava para a interdependência. Isto se agravou por conta da forte assimetria e
hierarquização existente entre os estados, com São Paulo e Minas Gerais detendo um poder
e uma riqueza muitos maiores do que a grande maioria das unidades, o que dificultava o
equilíbrio horizontal na Federação. Além disso, as oligarquias dominavam a política local
na República Velha, enfraquecendo qualquer ideal republicano e democratizador do
sistema político.
O governador de estado tornou-se o centro deste sistema oligárquico, no qual
imperava o unipartidarismo, as eleições irregulares, a fragilidade dos governos locais em
relação à máquina estadual, a ausência de espaço para a oposição, a falta de mecanismos de
fiscalização governamental e uma sociedade basicamente rural e com pouquíssima
autonomia e capacidade para controlar de fato os governantes (LEAL, 1986; LESSA, 1988;
ABRUCIO, 1998). Tratava-se, no Brasil, de um modelo muito distante do republicanismo
proposto pelos founding fathers norte-americanos, de modo que a fundação da Federação
descolou-se aqui do ideal republicano.
O caráter centrífugo (1), o federalismo assimétrico e hierárquico (2) e a
oligarquização do sistema político no plano subnacional, com o respectivo fortalecimento
dos governadores e de suas máquinas estaduais (3), constituem as três características
básicas do modelo federativo brasileiro em seu nascedouro. Esta configuração estruturou
caminhos que influenciaram o desenvolvimento político e econômico posterior. O peso dos

29
“caciques regionais”, a desigualdade regional e a criação de um modelo político refratário à
republicanização nos níveis estadual e municipal são as maiores conseqüências do modo
como a Federação foi fundada no Brasil.
O ideário da Revolução de 30 posicionava-se firmemente contra o modelo da
política dos governadores e do federalismo oligárquico. Suas origens, no tocante à temática
político-territorial, estavam na nacionalização do discurso político desde os anos '1920,
principalmente por parte das Forças Armadas, e na crise da aliança do "café com leite",
com o questionamento do predomínio paulista. A partir destas pressões, o varguismo
anunciava-se como um momento disruptivo e fundador de uma nova ordem federativa
brasileira; em resumo, um verdadeiro momento "maquiaveliano" (POCOCK, 1975).
Entretanto, é preciso ressaltar que as mudanças foram gradativas, não rompendo de
imediato e por completo com as bases iniciais da Federação, além de sua evolução não ter
ocorrido de maneira linear e completamente coerente. Soma-se a isso a necessidade de se
constituir um Estado de compromisso (DRAIBE, 1985), a partir do qual vários grupos
conviveram no condomínio do poder.
O modelo varguista transformou o Estado nacional, em especial as estruturas do
Executivo Federal, no articulador de um projeto de desenvolvimento capitalista industrial,
sob a égide da ideologia do nacional-desenvolvimentismo, e no principal organizador das
demandas sociais, a partir de um tipo de corporativismo (nas relações capital/trabalho) e de
clientelismo (nas relações governantes e governados), os quais serviram como instrumentos
de uma "modernização conservadora". Conformou-se, por esta via, o processo de state and
national building do Brasil moderno. Este modelo estatal perpassou governos e regimes
diferentes. Como bem notou Aspásia Camargo,
“(...) tivemos uma Era de Vargas com Vargas, uma Era de Vargas sem Vargas e,
finalmente, uma Era de Vargas contra Vargas, na medida em que a hostilidade do regime
de 1964 à sua herança populista não os impediu de reeditar estrutura semelhante ao
modelo autoritário que ele havia implantado, com os mesmos objetivos nacional-
desenvolvimentistas” (CAMARGO, 1993: 309).
Como este modelo varguista, alicerce de regimes e períodos distintos e que
sobreviveu algo em torno de cinqüenta anos, afetou e foi afetado pelo federalismo? Há
quatro importantes aspectos que devem ser observados na relação entre o varguismo e o

30
federalismo até o golpe de 64: a) a centralização do poder e a consolidação do Estado
nacional (state and national building); b) a nova dinâmica regional do poder; c) as
mudanças ocorridas no período 46-64; d) os padrões de relações intergovernamentais
verticais e horizontais que foram construídos.
A primeira tendência importante foi a da centralização do poder. Pelo lado
econômico deste projeto, a ação centralizada no Executivo Federal procurou sustentar o
desenvolvimento por instrumentos estatais de fomento e atuação direta no mercado, via
empresas públicas. Pelo lado social, procurou constituir gradativamente uma estrutura de
políticas públicas, na maioria sustentadas e executadas pela União. E, por fim, pelo lado
administrativo, criou bolsões de meritocracia a partir do DASP, os quais, apesar de
conviveram com núcleos cartoriais e clientelistas, foram essenciais na modernização do
país.
Estes três aspectos tiveram relações conflituosas com os governos subnacionais e
suas elites. No que tange à intervenção econômica, a atuação direta do Governo Federal foi
crescendo ao longo do período, mas teve em alguns casos de ser compatibilizada com as
estruturas estaduais, o que gerou uma dificuldade de coordenação federativa que pode ser
resumida na seguinte frase: ou se estabeleceu um modelo fragmentado e sem comunicação
entre as esferas de governo – como no caso do setor elétrico – ou a União, de cima para
baixo e geralmente de forma autoritária, montou um modelo vertical e hierárquico de
atuação no plano subnacional. No aspecto social, as primeiras políticas de Welfare, com
algumas exceções, foram não só financiadas pela União mas normalmente por ela
executadas. Na verdade, a temática social presente no varguismo do período de 30 a 64
esteve mais vinculada ao corporativismo e à sua concepção de cidadania regulada do que a
um padrão orgânico de políticas sociais. Mas é na questão político-administrativa que
houve os maiores problemas. Por um lado, porque certo grau de patrimonialismo
permaneceu no plano federal, e, por outro, pois não houve a modernização da estrutura
administrativa dos estados
Utilizando novamente a perspectiva comparada, é interessante analisar o processo
de centralização e construção do state and national building nas Federações brasileira e
norte-americana. Nos EUA, o chamado modelo rooseveltiano aumentou o poder do
Governo Federal de forma democrática, consultando e negociando com os outros Poderes

31
(SCHLESINGER, 1958). No caso brasileiro, por sua vez, a centralização do poder ocorreu
em pleno autoritarismo do Estado Novo e, com o fim deste, o período 46-64 foi marcado
pela dificuldade de estabelecer padrões mais cooperativos nas relações intergovernamentais
e entre os Poderes. Ainda no que se refere à experiência estadunidense, lá foram criadas
Comissões Nacionais de Reforma das estruturas político-administrativas dos estados, que
num primeiro momento (década de 30) atingiram o Poder Executivo, para mais adiante
serem implementadas modificações no Legislativo (década de 50) e no Judiciário (década
de 70) (BOWMAN & KEARNEY, 1986). No Brasil, ao contrário, o varguismo não
procurou alterar substancialmente o sistema político-administrativo subnacional. Em vez
disso, a redemocratização de 45 foi construída em parte sob as bases da estrutura
oligárquica dos estados e, noutra parte, com a burocracia federal instituída no Estado Novo
assumindo nichos fundamentais do sistema decisório, em detrimento dos partidos
(CAMPELLO DE SOUZA, 1976).
O modelo varguista também trouxe a questão regional à tona. A crítica ao domínio
da matriz do “café com leite”, em especial à hegemonia paulista, foi o que impulsionou a
proposição de medidas para, em tese, aumentar a igualdade numa Federação fundada sob o
signo da hierarquia e assimetria entre os estados e regiões. Duas proposições se destacaram
neste sentido: a elevação da desproporcionalidade de representação na Câmara Federal, em
proveito dos entes mais pobres e estancando o crescimento das cadeiras parlamentares à
disposição principalmente de São Paulo; e a criação de instrumentos que estabeleceram
formas de transferências de recursos inter-regionais. Na década de 50, com a criação da
Sudene, o discurso em prol dessas políticas fortaleceu-se mais ainda (COHN, 1976).
Um balanço dessas medidas destinadas a aumentar a simetria federativa deve
ressaltar dois pontos. O primeiro é o aumento da multipolaridade da Federação durante a
evolução do Estado varguista, de modo que houve um crescimento do número de estados
médios em termos de poder, dando maior equilíbrio ao jogo federativo (ABRUCIO, 1998).
O segundo ponto, contudo, revela que as políticas de compensação regional, bem como a
distorção representativa, não mudaram a extrema concentração do desenvolvimento
capitalista brasileiro na Região Sudeste e mais especificamente em São Paulo. Ao contrário,
o grande salto econômico verificado da década de 50 até o final da de 70 resultou numa das
Federações mais desiguais do mundo.

32
O terceiro aspecto que devemos observar na relação entre o varguismo e o
federalismo são as mudanças ocorridas no período 46-64. A Constituição de 46 restituiu e
ampliou a autonomia e as liberdades dos estados, além de ter dado um raio de poder inédito
aos municípios. Estas modificações não foram realizadas, no entanto, retornando-se ao
padrão da estrutura federativa da Primeira República. A Segunda República inaugurava um
modelo mais equilibrado, já que dava à União a capacidade que lhe faltara no auge da
política dos governadores e, ao mesmo tempo, não reduzia os níveis de governo
subnacionais a meros agentes administrativos, como tinha acontecido no Estado Novo14.
O período 46-64 é marcado pela convivência da nacionalização dos mecanismos de
intervenção estatal com a manutenção da importância da política subnacional para o
sistema de poder. Neste sentido, é certo dizer que houve um processo descentralizador na
passagem do Estado Novo para a Segunda República, mas é errado afirmar que isso se fez
em detrimento do Governo Federal. Isto mostra que a tradicional classificação de sístoles e
diástoles, formulada originalmente por Golbery do Couto e Silva, e segundo a qual o Brasil
viveria ciclos de centralização sucedidos por outros de descentralização e assim por diante,
explica muito pouco as mudanças históricas realizadas na dinâmica intergovernamental do
país. Compartilho aqui da argumentação exposta por Kugelmas & Sola (1999) a respeito do
conceito das sístoles e diástoles:
“A tão sedutora metáfora [das sístoles e diástoles] atribuída ao general Golbery do
Couto e Silva e que tem sua origem no pensamento de Vilfredo Pareto é excessivamente
simplista e pode conduzir a erros. (...) Ficam na sombra alguns aspectos de continuidade
nestes processos que são essenciais para a melhor compreensão da evolução do regime
federativo e da oscilação entre centralização e descentralização. Se há um movimento
pendular, não há simetria neste movimento. Nem o Estado Novo chega a destruir a
estrutura federativa, nem a Constituição de 1946 abala o reforço do governo central e sua
ampliação de atribuições” (KUGELMAS & SOLA: 1999: 64 – grifo meu).
O estudo do impacto do modelo varguista no federalismo completa-se com a análise
das relações intergovernamentais no período. Constata-se primeiramente a criação de uma
Federação mais multipolarizada no plano horizontal, beneficiada pelas políticas regionais e

14
É interessante notar que a literatura comparada sobre federalismo somente classifica o caso
brasileiro como uma Federação a partir da Constituição de 1946, quando são garantidos princípios mais
democráticos de convivência intergovernamental. (Cf. ELAZAR, 1987 e WATTS, 1994).

33
pela desproporcionalidade congressual, apesar de São Paulo ainda concentrar a maior parte
do desenvolvimento econômico. Tal modificação não será acompanhada de uma
transformação radical dos sistemas políticos dos estados menos desenvolvidos, o que criará
um jogo federativo de barganha e autoproteção entre as elites dos lugares mais ricos com a
dos mais pobres. Em suma, a equação resultante da soma da multipolaridade com a não-
republicanização dos sistemas estaduais gerará, por muitas vezes, uma parceria entre o
moderno e o atraso.
As relações entre a União e os estados também ficaram mais equilibradas, o que
levará o Governo Federal a buscar apoios nas elites regionais para a aplicação de seus
projetos nacionais, especialmente naquelas vinculadas aos estados mais pobres. Como
contrapartida, o Executivo Federal tinha de distribuir verbas e cargos, num processo
bastante fragmentado e marcado pela irracionalidade. Em resumo, conviviam o insulamento
burocrático e o clientelismo, só que a capacidade de conjugar as duas coisas, com um
padrão de governabilidade mínimo, foi sendo minada ao longo do tempo (GEDDES, 1994).
O modelo varguista não resolveu, em suma, dois dilemas básicos que marcaram as
relações intergovernamentais: a dificuldade em estabelecer caminhos institucionais capazes
de compatibilizar as demandas das elites regionais com uma visão nacional dos problemas
do país e o descompasso entre a modernização (ainda que incompleta) das estruturas
estatais do Governo Federal e a permanência de padrões patrimonialistas em quase todos os
estados e municípios. Percebe-se, aqui, a força de alguns elementos presentes na fundação
do federalismo, evidenciando que o varguismo foi um corte sim na estrutura federativa da
Primeira República – sobretudo com o crescimento do poder da União –, mas não teve
capacidade de destruir por completo o antigo modelo, convivendo com ele ou o
modificando em parte, conforme o seu sucesso na negociação com as elites regionais.
O golpe de 64 refletiu num primeiro momento dois fenômenos antinômicos no que
se refere ao federalismo: a força dos poderes estaduais e a reação dos militares, principais
“atores nacionais” durante o varguismo, contra a antiga ordem constitucional, que para eles
reforçara demais a descentralização em detrimento do Governo Federal. Em relação ao
primeiro, constata-se que os governadores dos estados mais importantes - São Paulo, Minas
Gerais e Guanabara - foram decisivos no apoio à derrubada de Goulart, na suposição de as
Forças Armadas seriam um "Poder Moderador" temporário até a nova eleição à Presidência

34
da República. Essa ilusão foi dissipada pela paulatina assunção do poder pelos militares,
que foram constituindo um projeto próprio. Um dos expoentes mais fortes do novo regime,
o general Golbery do Couto e Silva, tinha inclusive um diagnóstico claro dos efeitos do
federalismo no período anterior:
"(...) a Constituição de 1946 viria a consagrar os velhos ideais descentralizadores e
autonomistas, com drástico cerceamento do poder executivo em face do legislativo e
redução do poder central da União, o que acabaria, muitos outros fatores contribuindo
largamente, ao mesmo tempo, na quase anomia de 1963-64" (COUTO E SILVA, 1981: 12).
Na verdade, os militares localizavam na Federação a maior fonte de provável
oposição ao regime. Não por acaso a alteração da estrutura federativa era um objetivo
explícito e fundamental da cúpula governante. Buscava-se aumentar a capacidade decisória
do Executivo Federal e evitar a articulação oposicionista da elite civil nos estados,
especialmente a que pertencesse aos quadros dos partidos do período anterior ao golpe de
64. Como bem notou Brasílio Sallum Júnior:
“Dentre os mecanismos que cumpriram o papel de homogeneizar a vontade política
da camada dirigente, a nova forma de Federação, com estados e municípios menos
autônomos em relação à União, desempenhou o papel mais relevante. Muito mais do que o
novo sistema partidário, apesar da atenção muito maior que esse tem recebido da pesquisa
acadêmica” (SALLUM JÚNIOR, 1994: 3).
A ação dos militares para controlar a Federação também foi fruto da consolidação
desse grupo como principal ator nacional, em aliança com a tecnoburocracia federal. O
projeto deles constituiu uma nova combinação entre o varguismo e o autoritarismo. Como
mostrei em outro trabalho:
“O regime autoritário tinha como diretriz básica a maior centralização do poder
político e das decisões econômicas e administrativas na esfera do Governo Federal, e
dentro deste nas mãos do presidente da República. Dessa maneira, o regime militar seguia
o padrão varguista de organização do poder, caracterizado pela hipertrofia do Poder
Executivo Federal e pelo fortalecimento da Presidência da República como o centro
político do sistema, acentuando mais o seu caráter autoritário” (ABRUCIO, 1998: 63).
Este projeto fica claro na estrutura federativa montada pelo regime militar, o
chamado modelo unionista-autoritário (ABRUCIO, 1998). Em linhas gerais, este modelo

35
tinha, no plano político, o objetivo de cercear o poder das elites estaduais mediante a
adoção da eleição indireta para o cargo de governador; no âmbito financeiro, várias
mudanças tributárias implementadas entre 1965 e 1968 redundaram numa forte
centralização da receita; e, por fim, no plano administrativo, procurava-se impor um padrão
uniforme e obrigatório às administrações estaduais em termos de políticas públicas. Em
suma, o modelo unionista-autoritário procurava acabar com os contrapesos advindos da
estrutura federativa.
O modelo de relações intergovernamentais no regime militar ficou marcado,
portanto, por uma concepção autoritária e vertical. Nele, havia espaço para uma
"cooperação" de mão única: os governos subnacionais tinham de obedecer e colaborar com
os planos da União. Para tanto, foram utilizados os convênios, que repassavam recursos e
assistência técnica, e uma série de ações conjuntas entre as estatais federais e estaduais,
pois com o Decreto Lei 200 (1967) descentralizou-se à administração indireta a realização
da maioria dos programas de desenvolvimento e de intervenção no setor de infra-estrutura.
Obviamente, caso estados e municípios se recusassem a participar deste jogo, ficariam sem
o bônus das verbas e do apoio burocrático, e estariam alijados do processo de state building
realizado pelo varguismo em seu período militar. Antonio Carlos Medeiros define
precisamente este federalismo cooperativo à brasileira:
“As relações entre estados e municípios com o governo central eram análogas a de
um cliente com um banqueiro: o último está sempre em uma posição de poder. Parceria
não é um conceito adequado para descrevê-las” (MEDEIROS, 1986: 175).
O efeito desse modelo autoritário e verticalizado de relações intergovernamentais é
ainda mais profundo caso levemos em conta o papel do regime militar nas áreas econômica
e social. Na primeira, especialmente na gestão de Ernesto Geisel, houve um
aprofundamento do nacional-desenvolvimentismo, por intermédio das estratégias de
substituição de importações e de expansão das estatais. Como mostra José Luiz Fiori:
“Até os anos 30, o Brasil dispunha de apenas 14 empresas estatais. Entre 1930 e
1954, na Era Vargas, o Estado gerou 15 novas empresas; nos cinco anos de governo
Kubitschek, 23; com Goulart foram criadas 33; e durante os 20 anos de regime militar,
302” (FIORI, 1995: 58).

36
Além do intervencionismo no terreno econômico, o regime militar instituiu de fato o
moderno Welfare State brasileiro, uma vez que houve uma ampliação enorme das diversas
políticas públicas, que atingiram uma parcela crescente de pessoas (DRAIBE, 1996).
Porém, o nosso incipiente Estado de Bem Estar Social era muito menos universalista do
que o padrão europeu e desenvolveu-se num contexto marcado por restrições democráticas.
Entre as suas principais peculiaridades, destacavam-se o alto grau de centralização
financeira, a concentração das principais decisões na burocracia federal, a implementação
de programas que privilegiaram mais os grupos organizados e a classe média ascendente, a
expansão dos serviços sem uma profunda transformação da estrutura administrativa
subnacional que lhe dava suporte, a falta de mecanismos de participação da sociedade no
controle e discussão da elaboração das políticas governamentais e, por fim, a ausência de
estruturas que dessem conta do problema do shared decision making, isto é, de
instrumentos políticos e burocráticos que fizessem a intermediação entre os níveis de
governo.
O modelo unionista-autoritário, contudo, não acabou com os conflitos
intergovernamentais, havendo constantes negociações, concessões e mudanças de rumo que
ocorreram no período. Um aspecto nodal determinou isso: a cúpula governante nunca pôde
prescindir do apoio da elite civil para permanecer no poder e, para tanto, manteve algumas
eleições para determinados cargos, todas com base no plano subnacional. Os efeitos desta
engenharia política ficaram mais claros em 1974, quando o regime perdeu a disputa ao
Senado em vários estados, a primeira grande derrota desde a formação do sistema
bipartidário. Ao aspecto político somaram-se a crise econômica, o aumento das dissensões
na corporação militar e a pressão cada vez maior dos setores urbanos por políticas públicas,
conformado uma situação que resultou em intensas barganhas federativas.
Uma primeira ação neste sentido foi o II PND. Concebido e implantado pelo
presidente Geisel e sua equipe do Ministério do Planejamento, este projeto efetuou ou
induziu investimentos para desconcentrar o desenvolvimento para além da Região Sudeste,
favorecendo a criação de pólos industriais em estados médios, como Rio Grande do Sul e
Bahia, e tendo grande amplitude no setor de infra-estrutura em várias áreas do país. Em
poucas palavras, buscava-se o apoio das elites de regiões menos desenvolvidas, para

37
contrabalançar o enfraquecimento político do regime nos grandes centros e nas unidades
estaduais mais fortes, especialmente em São Paulo e, em menor medida, no Rio de Janeiro.
Foram elevadas também as transferências federais obrigatórias e voluntárias para
estados e municípios, além de o Governo Federal ter afrouxado os limites de endividamento
e ampliado as linhas de crédito. Mais do que isso, houve um paulatino restabelecimento da
autonomia financeira que os governos subnacionais praticamente haviam perdido. É neste
ponto que o movimento deixa de ser uma mera barganha e transforma-se em recuo ou
mesmo perda de controle dos governos militares sobre o processo. Em 1978, os governos
estaduais recuperaram a capacidade de definir as alíquotas do então ICM, antes decididas
pelo Senado. Dali para diante, o avanço descentralizador continuou em linha ascendente até
sua consolidação na Constituição de 1988.
O caminho mais difícil para os governos subnacionais passava então pela
recuperação da autonomia política e administrativa. O desenrolar do regime militar foi
solapando a legitimidade do poder da cúpula governante, sobretudo com a diminuição do
ímpeto econômico. Isso se fez presente, primeiramente, na divisão interna ao próprio
partido governista, a Arena. Por várias vezes, ocorreu um conflito entre o que poderíamos
chamar de Arena I, vinculada ao Poder Central e/ou aos governadores escolhidos pelo
Planalto, e a Arena II, constituída por boa parte da elite política governista que se sentia
alijada do poder. Quanto mais o Governo Federal enfraquecia-se no plano econômico e/ou
tentava enfiar “goela abaixo” seus candidatos aos cargos estaduais, mais a Arena II se
fortalecia e reagia, inclusive contrariamente aos interesses do regime. Como se vê, o corte
regional afetou profundamente o projeto do militares (ABRUCIO & SAMUELS, 1997).
Mas a autonomia política e administrativa só poderia ser recuperada com o fim das
eleições indiretas a governador, o que ocorreu na eleição de 1982, fato que mudou a
Federação e, ao mesmo tempo, abriu as portas para a transição democrática.

IV - Redemocratização e o Novo Federalismo Brasileiro

As eleições diretas a governador, em 1982, contribuíram significativamente para o


ocaso do regime militar e de seu modelo unionista-autoritário. Mais do que isso, a vitória
da oposição modificou a história política do país, fazendo com que a transição democrática

38
brasileira se iniciasse pelo plano estadual e não por um pleito nacional, tornando nossa
experiência quase única nos processos de Terceira Onda de redemocratização (LINZ &
STEPAN, 1996).
As oposições conquistaram 10 dos então 22 governos estaduais, administrando
estados que representavam 56% das população do país, 75% do PIB e cerca de 75% do
ICM, principal imposto subnacional de então (FERREIRA FILHO, 1983: 181-182). Esse
resultado eleitoral criou aquilo que Juan Linz e Alfred Stepan chamaram de diarquia (LINZ
& STEPAN, 1992: 61-62). Ou seja, havia duas estruturas de poder competindo entre si:
uma era a do Governo Federal, comandada pelos militares, e a outra formada pelos
governadores de estado, principalmente os da oposição, mas não só, porque até os da
situação aproveitaram-se do momento para barganhar e angariar mais recursos e autonomia.
A partir dessa diarquia, os governadores constituíram-se em peças-chave da
redemocratização, atuando em episódios decisivos. Primeiro na campanha das Diretas,
maior movimento de oposição ao regime militar. Neste caso, foi fundamental a ação do
governador paulista, Franco Montoro, somada depois a de outros da oposição. Isto porque o
controle dos recursos dos governos estaduais, dentre os quais estavam o uso de prédios e
transportes públicos e o efetivo da Polícia Militar, garantiram a logística básica para o
sucesso das manifestações (Cf. SALLUM JÚNIOR, 1996: 102; ABRUCIO & SAMUELS,
1997; 155).
Outra influência decisiva dos estados foi na eleição indireta de Tancredo Neves,
então governador de Minas, à Presidência da República. Neste episódio, os governadores
de oposição articularam-se inicialmente entre si e depois com a maioria dos vinculados ao
PDS, a fim de vencer a candidatura oficial de Paulo Maluf. É bom recordar que cada estado
tinha o direito de escolher seis delegados para o Colégio Eleitoral, eleitos pelas
Assembléias Legislativas, todas praticamente controladas pelos governadores. Por isso, o
“voto” dos governadores situacionistas era fundamental, e a articulação de Tancredo
angariou o apoio integral de nove desses doze governadores (DIMENSTEIN et alii, 1985).
A vitória de Tancredo Neves conformou um tipo específico de transição
democrática, que pode ser resumida do seguinte modo;
“(...) a negociação da transição não foi feita só entre os moderados de ambos os
lados, mas também foi articulada e selada por meio de um pacto entre governadores em

39
ascensão no cenário político nacional e elites regionais que sempre tiveram influência no
jogo político federativo – Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães, e Jorge Bornhaunsen
eram exemplos típicos dessas elites. A transição passou muito mais pela dinâmica da
Federação do que por negociações partidárias definidoras do conteúdo e da forma do
governo que se instalaria. Não por acaso o pacto entre a dissidência do PDS – a Frente
Liberal – com a oposição, iniciado efetivamente em uma reunião no Palácio dos Jaburus
entre Aureliano Chaves e Tancredo Neves, foi apelidado de ‘Acordo Mineiro’"(ABRUCIO,
1998: 101).
O papel dos governadores continuou destacado mesmo depois de completada a
passagem do poder aos civis. Isto se deveu basicamente à evolução institucional do sistema
político brasileiro ao longo da redemocratização. O elemento chave, aqui, foi a
coincidência entre os pleitos estaduais majoritários com todas as eleições proporcionais,
nacionais e estaduais, do período que vai de 1982 até 1994, num total de três disputas sob
esta lógica, ao passo que só houve uma eleição presidencial, e esta foi “solteira”. Ademais,
o "caráter fundador" das eleições a governador, que inauguraram um novo período
competitivo, teve efeito sobre a dinâmica seguinte da transição reforçando um
comportamento mais estadualista na classe política – o contrário (comportamento mais
nacional) teria ocorrido se iniciássemos redemocratização escolhendo o presidente ou uma
Assembléia Constituinte.
Essa coincidência eleitoral, somada à legitimidade e ao poder político dos
governadores, fez com que eles fossem decisivos na elaboração da Constituição, exercendo
grande influência sobre importantes regras que definiram o funcionamento do novo regime
democrático e a organização do Estado, especialmente no que diz respeito à
descentralização tributária e isenções fiscais, distribuição de competências e estruturação
do poder político-administrativo no nível estadual.
Os prefeitos também aumentaram o seu poderio na Federação, numa dimensão
inédita em nossa história. Com a ampliação das eleições municipais, aumentando os cargos
do mercado político brasileiro, e por conta do impacto que as bases locais têm no
comportamento da classe política, em especial a do ramo legislativo, os governantes locais
tornaram-se peças-chave do sistema. Aos prefeitos, ademais, juntaram-se vários atores que
começaram a defender um discurso municipalista. Entre estes, destacavam-se acadêmicos,

40
movimentos populares urbanos e, sobretudo, grupos profissionais das diversas áreas de
políticas públicas, tais como saúde, educação, habitação, assistência social e meio
ambiente, para ficar nas principais.
Um novo federalismo estava nascendo no Brasil. Ele foi resultado da união entre
forças descentralizadoras democráticas com grupos regionais tradicionais, que se
aproveitaram do enfraquecimento do Governo Federal num contexto de esgotamento do
modelo varguista e do Estado nacional-desenvolvimentista a ele subjacente. O seu projeto
básico era fortalecer os governos subnacionais e, para uma parte destes atores, democratizar
o plano local. Preocupações com a fragilidade dos instrumentos nacionais de atuação e com
coordenação federativa ficaram em segundo plano.
Dois fenômenos destacam-se neste novo federalismo brasileiro: o estabelecimento
de um amplo processo de descentralização, tanto em termos financeiros e políticos, como
também no que se refere à criação de novas formas de relação entre os governos locais e a
sociedade; e a criação de um modelo predatório e não-cooperativo de relações
intergovernamentais, com predomínio para o componente estadualista. Grupos técnicos e,
em menor medida, políticos alojados no Governo Federal reagiram a este processo,
produzindo também outro componente das relações intergovernamentais nos anos 80' e 90':
a concepção centralizadora tecnocrática, com outra roupagem em relação ao regime militar,
mas com características e defeitos similares.
Comecemos pela formação do federalismo estadualista e predatório, visto que ele
teve um impacto enorme também no outro processo (a descentralização). De 1982 a 1994,
vigorou um federalismo estadualista, não-cooperativo e muitas vezes predatório
(ABRUCIO, 1998). Essa reviravolta na Federação brasileira só pôde se efetivar, em
primeiro lugar, porque a União e a própria Presidência da República entraram numa séria
crise, que perdurou por pelo menos dez anos. A crise abarcava o modelo de financiamento
estatal do desenvolvimento, o equilíbrio das contas públicas nacionais, a burocracia federal,
enfim, os instrumentos de poder do Executivo Federal.
Além do enfraquecimento do pólo nacional, outras quatro características do sistema
político também contribuíram para aumentar o poderio dos estados e seus governadores.
São elas:

41
a) o sistema ultrapresidencial que vigorou – e em grande medida ainda vigora – nos
estados, o qual fortaleceu sobremaneira os governadores no processo decisório e
praticamente eliminou o controle institucional e social sobre o seu poder (ABRUCIO,
1998);
b) a lógica da carreira política brasileira, cuja reprodução se dá pela lealdade às base
locais e pela obtenção de cargos executivos no plano subnacional ou então aqueles no nível
nacional que possam trazer recursos aos “distritos” dos políticos. Em ambos os casos, o
Executivo estadual é peça fundamental, seja no monitoramento das bases para os
deputados, seja para ajudá-los na conquista de fatias estratégicas da administração pública
federal (ABRUCIO & SAMUELS, 1997);
c) os caciques regionais ocuparam ocupado posição destacada de liderança no
Congresso Nacional ao longo da redemocratização, por vezes a despeito dos partidos, por
outras, tornando-se grandes proprietários de parcelas dos condomínios partidários. E para
se chegar a tal “posto”, quase sempre era necessário ter ocupado uma governadoria e
continuar sendo influente na gestão do atual governador – melhor que seja o controlando,
como bem mostra a experiência de maior cacique regional do período, Antonio Carlos
Magalhães.
d) Os governadores possuíam instrumentos financeiros e administrativos que os
fortaleciam no sistema de poder. Os Bancos estaduais, um número considerável de cargos
na administração direta e indireta, o tributo que mais recursos recolhe no país – o ICMS,
que abarca cerca de 30% da arrecadação total – e, até então, um contingente considerável
de empresas estatais em áreas estratégicos, como o setor elétrico.
O fortalecimento dos governos estaduais resultou na configuração de um
federalismo estadualista e predatório. Estadualista porque o pêndulo federativo esteve a
favor das unidades estaduais em termos políticos e financeiros. Este aspecto estava
igualmente presente no comportamento atomizado e individualista dos governadores, cujo
fortalecimento não resultou numa coalizão nacional em torno de um projeto de hegemonia
nacional, mas sim em coalizões pontuais e defensivas para manter o status quo. Assim,
cada “barão” estadual se preocupava apenas com a manutenção do poder que a estrutura
federativa lhe proporcionava.

42
O caráter predatório do federalismo brasileiro resultou do padrão de competição
não-cooperativa que predominava nas relações dos estados com a União e deles entre si.
Desde o final do regime militar, as relações intergovernamentais verticais tinham sido
marcadas pela capacidade dos estados repassarem seus custos e dívidas ao Governo Federal
e, ainda por cima, não se responsabilizarem por este processo, mesmo quando assinavam
contratos federativos. Caso clássico disso foram os Bancos Estaduais. A partir de 1982, as
instituições financeiras estaduais foram utilizadas pelos governadores como instrumento de
atuação política. Foram criadas verdadeiras máquinas de produzir moedas, com efeitos
deletérios para a inflação e para o endividamento global. O principal efeito desta relação
predatória era que, como aponta Sérgio Werlang, "todos os bancos estaduais [tinham]
potencial de transferência do déficit fiscal do Estado para a União, não de direito mas de
fato. Dessa forma, a política macroeconômica do Governo Federal passava a depender dos
Governos Estaduais"15.
Não por acaso as dívidas vinculadas aos Bancos estaduais quadruplicaram no
período que vai de 1983 a 1995. Pior: além de não controlá-los, o Governo Federal
regularmente cobria seus déficits, socorrendo os estados com dinheiro que não seria
recuperado. Exemplos disso foram as ajudas às instituições financeiras subnacionais após
as eleições de 1982, 1986 e 1990. Em todas estas vezes, a União, por meio do Banco
Central, intervinha, cobria seus rombos, saneava suas contas e depois os devolvia para os
governadores, sem nenhum prejuízo aos cofres públicos dos estados - e tudo isso era
repassado, em forma de dívida, para toda a nação.
No plano das relações entre os estados, o aspecto predatório teve lugar na guerra
fiscal, que começou a ganhar força após a Constituição de 1988 e ainda continua vigorosa
nas práticas federativas. O fato é que o estadualismo predatório acabará sendo ele próprio
um dos elementos geradores de sua crise, em 1994, como veremos mais adiante.
Este contexto estadualista tem algo em comum com a descentralização: o intento de
reforçar os governos subnacionais, obtendo-se uma autonomia inédita. A Federação tornou-
se uma cláusula pétrea, e sua extinção ou medidas que alterem profundamente seus
princípios não podem ser objetos de Emenda constitucional (artigo 60, parágrafo 4). Os
estados ganharam maior capacidade de auto-organização e novos instrumentos de atuação

15
Apud BANCO CENTRAL DO BRASIL, 1992: 181.

43
no plano intergovernamental, como as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins),
extensamente utilizadas pelos governadores (WERNECK VIANNA, 1999: 55). A liberdade
dada às Constituintes estaduais também forneceu um terreno fértil para a independência
federativa.
Pela primeira vez na história brasileira e sem paralelo na experiência internacional,
os municípios transformaram-se em entes federativos, constitucionalmente com o mesmo
status jurídico dos estados e da União16. Hely Lopes Meirelles, um dos maiores
especialistas em Direito Administrativo no Brasil, afirma que a nova Constituição deu ao
município a condição de “entidade estatal, político-administrativa, com personalidade
jurídica, governo próprio e competência normativa” (MEIRELLES, 1993: 116). Não
obstante esta autonomia, os governos locais respeitam uma linha hierárquica quanto à sua
capacidade jurídica – a Lei Orgânica, por exemplo, não pode contrariar frontalmente a
Constituição estadual –, e são, no mais das vezes, muito dependentes dos níveis superiores
de governo no que tange às questões políticas, financeiras e administrativas.
A nova autonomia dos governos subnacionais deriva em boa medida das conquistas
tributárias, iniciadas com a Emenda Passos Porto, em 1983, e consolidadas na Constituição
de 1988, o que faz do Brasil o país em desenvolvimento com maior grau de
descentralização fiscal (SOUZA, 1998: 8). Cabe ressaltar que os municípios tiveram a
maior elevação relativa na participação do bolo tributário, apesar de grande parte deles
depender muito dos recursos econômicos e administrativos das demais esferas de governo.
O fato é que os constituintes reverteram a lógica centralizadora do modelo unionista-
autoritário, e mesmo as recentes alterações que beneficiaram a União não modificaram a
essência descentralizadora das finanças públicas brasileiras.
A descentralização foi acompanhada igualmente pela tentativa de se democratizar o
plano local. Embora este processo seja desigual na sua distribuição pelo país e tenha um
longo caminho pela frente, ele redundou numa pressão sobre as antigas estruturas
oligárquicas, conformando um fenômeno sem par em nossa história federativa. Daí
surgiram novos atores, como os conselheiros em políticas públicas e líderes políticos que
não tinham acesso real à competição pelo poder - o crescimento gradativo da esquerda nas
eleições municipais, em particular o PT, demonstra isso. Também surgiram formas

44
inovadoras de gestão, como o Orçamento participativo e a Bolsa Escola, para ficar em dois
casos famosos. Tais exemplos nos remetem às idéias norte-americanas do “Laboratório de
Democracia” e do “Reinventando o Governo”17.
As conquistas da descentralização não apagam os problemas dos governos locais
brasileiros. Em especial, cinco são as questões que colocam obstáculos ao bom desempenho
dos municípios do país: a desigualdade de condições econômicas e administrativas; o
discurso do “municipalismo autárquico”; a metropolitanização acelerada; os resquícios
ainda existentes tanto de uma cultura política como de instituições que dificultam a
accountability democrática e o padrão de relações intergovernamentais.
Desde a fundação da Federação, o Brasil é historicamente marcado por fortes
desigualdades regionais. Em termos comparados, o Brasil está em terceiro lugar na lista dos
países com alto índice de desigualdade regional, numa situação pior do que a da Índia,
protótipo de Federação marcada por disparidades econômicas, e melhor apenas do que,
respectivamente, a Rússia e a China (SHAH, 2000).
É bem verdade que o Brasil vem atacando as desigualdades regionais desde o
período varguista e tais medidas foram ampliadas pela Constituição de 1988, por meio de
transferências tributárias, incentivos fiscais e medidas redistributivas na área social.
Embora tenha havido uma mudança na assimetria federativa existente no momento da
fundação da Federação, estamos bem longe dos ideais que mobilizaram Celso Furtado e
outros homens públicos brasileiros. As duas tabelas a seguir, elaboradas por Clélio
Campolina Diniz (2000), retratam as diferenças inter-regionais sob dois aspectos: o
econômico e o social.

16
Já no seu artigo 1, a Constituição define que “a República Federativa do Brasil, [é] formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (...)”.
17
Entre os diversos livros que tratam da temática da inovação municipal no Brasil, podemos citar os
de SPINK & CLEMENTE, 1997; e o de PAULICS, 2000.

45
Tabela 1 - Brasil: distribuição regional da área geográfica, PIB e população. 1970-
1996
Brasil/Regiões/ Área* PIB População**
Estados 1970 1996 1996
Rondônia 2,8 0,1 0,8 0,8
Acre 1,8 0,1 0,3 0,2
Amazonas 18,4 0,7 1,3 1,4
Roraima 2,7 -- 0,2 0,1
Pará 14,5 1,2 2,3 3,5
Amapá 1,6 0,1 0,2 0,3
Norte 41,8 2,2 5,1 6,3
Maranhão 3,8 0,9 1,5 3,4
Piauí 3,0 0,4 0,5 1,7
Ceará 1,8 1,5 1,8 4,3
Rio Grande do Norte 0,6 0,6 1,0 1,6
Paraíba 0,7 0,7 0,8 2,2
Pernambuco 1,2 3,0 2,3 4,8
Alagoas 0,3 0,7 0,6 1,7
Sergipe 0,5 0,5 0,8 1,0
Bahia 6,6 3,8 4,5 8,2
Nordeste 18,5 12,1 13,5 28,9
Minas Gerais 6,9 8,3 9,8 10,7
Espírito Santo 0,5 1,2 1,7 1,8
Rio de Janeiro 0,5 16,1 11,4 8,7
São Paulo 2,9 39,4 35,1 21,5
Sudeste 10,8 65,0 58,0 42,7
Paraná 2,4 5,5 5,7 5,8
Santa Catarina 1,1 2,8 3,1 3,1
Rio Grande do Sul 3,2 8,7 7,0 6,2
Sul 6,7 17,0 15,8 15,1
Mato Grosso do Sul 4,2 ---- 1,2 1,2
Mato Grosso 10,4 ---- 1,1 1,4
Goiás 7,6 ---- 2,3 3,3
Distrito Federal - 1,0 2,7 1,1
Centro-Oeste 22,2 3,7 7,3 7,0
Brasil 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: CAMPOLINA DINIZ, 2000: 23
* área total = 8.547.403 km2
** população total = 157.079.573 habitantes

46
Tabela 2
Brasil: indicadores de desenvolvimento econômico e social por estados e Regiões.
1970-1996.
Estados/Regiões PIB per capita Expectativa de Taxa de
(US$) vida ao nascer Alfabetização*
1970 1996 (anos) 1970 1996
1970 1996
Rondônia 1.302 6.448 54 67 65 86
Acre 2.025 5.741 53 67 47 70
Amazonas 1.302 5.718 54 68 63 79
Roraima 1.591 6.231 52 66 66 86
Pará 1.736 4.268 54 68 68 79
Amapá 1.157 5.370 55 68 66 85
Tocantins - 1.575 - 67 - 78
Norte 1.302 4.705 54 67 63 79
Maranhão 579 2.158 49 63 41 67
Piauí 434 2.004 49 64 40 66
Ceará 723 2.667 43 65 45 69
Rio Grande do Norte 723 4.083 39 65 46 72
Paraíba 723 2.438 39 63 45 69
Pernambuco 1.157 3.213 41 62 50 74
Alagoas 868 2.496 41 62 39 64
Sergipe 1.013 5.122 45 66 47 75
Bahia 1.013 3.677 49 66 49 76
Nordeste 869 3.085 44 64 46 72
Minas Gerais 1.591 5.968 54 69 66 87
Espírito Santo 1.591 6.251 58 69 67 86
Rio de Janeiro 3.761 8.653 57 67 83 94
São Paulo 4.629 10.536 58 69 81 93
Sudeste 3.472 8.843 57 69 77 91
Paraná 1.736 6.485 58 69 69 88
Santa Catarina 2.025 6.519 61 71 81 93
Rio Grande do Sul 2.749 7.395 65 71 82 93
Sul 2.170 6.865 60 70 77 91
Mato Grosso do Sul - 6.410 - 69 - 88
Mato Grosso 1.447 5.003 58 68 64 88
Goiás 1.157 5.238 55 69 64 87
Distrito Federal 4.051 14.854 54 68 83 94
Centro-Oeste 1.591 7.073 56 69 68 88
Brasil 2.315 6.491 53 68 67 85
Fonte: CAMPOLINA DINIZ, 2000: 25
* pessoas de 15 anos ou mais de idade que podem ler ou escrever

47
A disparidade de condições econômicas é reforçada pela existência de um
contingente enorme de municípios pequenos, com baixa capacidade de sobreviver apenas
com recursos próprios. A média por Região é de 75% dos municípios com até 50 mil
habitantes, ao passo que no universo total há 91% dos poderes locais com este contingente
populacional (RESENDE, 2000; ARRETCHE, 2000: 247). Além do mais, argumenta
Marta Arretche:
“O porte populacional dos municípios tem uma relação direta com sua capacidade
de gasto: nos Estados do Nordeste, a receita corrente própria per capita dos municípios
com população inferior a 50 mil habitantes é inferior a R$ 10,00; nos Estados do Sul, esta
cifra é inferior a R$ 53,00 e, nos Estados do Sudeste, inferior a R$ 77,00” (ARRETCHE,
2000: 247).
A baixa capacidade tributária dos municípios brasileiros é ainda maior sob o ponto
de vista comparado. Segundo estudo realizado por José Roberto Afonso e Érica Araújo
(2000: 48), os governos locais brasileiros estavam em décimo quinto lugar em termos de
base de arrecadação própria num universo de dezenove países. Mas além da fragilidade
financeira, a maior parcela das municipalidades detém uma máquina administrativa
precária - embora o Governo Federal durante os anos FHC tenha atuado para minorar este
problema, como veremos depois. Problemas de capacidade burocrática constituem
elemento que cria uma "falha seqüencial" na descentralização. O sucesso do processo
descentralizador, diante dessa realidade, vai depender muito das ações dos níveis superiores
de governo e do desenho das políticas públicas, os quais devem oferecer auxílio
intergovernamental mas também incentivos para que as próprias gestões locais alterem sua
estrutura. Caso contrário, essa "falha seqüencial" criará uma eterna dependência dos
municípios em relação aos estados e à União.
Somado ao obstáculo financeiro e administrativo, o bom andamento da
descentralização no Brasil foi prejudicado exatamente pelo discurso que a defendia: a
argumentação em prol da municipalização. Por um lado, a postura municipalista foi
essencial para modificarmos o padrão centralista de produção e implementação de políticas
públicas que vigorou ao longo do período varguista, particularmente no regime militar.
Ademais, foi igualmente a partir dela que diversos avanços democratizadores e novas
posturas em relação à gestão pública surgiram no cenário federativo brasileiro. Porém,

48
conformou-se uma ideologia segundo a qual os governos locais poderiam sozinhos resolver
todos os dilemas de ação coletiva colocados às suas populações. Trata-se de um
municipalismo autárquico, como bem definiu certa vez Celso Daniel, ex-prefeito de Santo
André. É interessante reforçar que Celso foi um defensor da bandeira municipalista, além
de um inovador administrativo e um democratizador das relações entre Estado e sociedade,
mas também sabia dos limites do poder local no país.
O municipalismo autárquico incentiva, em primeiro lugar, a "prefeiturização",
tornando os prefeitos atores por excelência do jogo local e intergovernamental. Cada qual
defende seu município como uma unidade legítima e separada das demais, o que é uma
miopia em relação aos problemas comuns em termos micro e macroregionais. Numa
hipótese que constata maior perversidade neste fenômeno, o municipalismo autárquico se
transforma numa plataforma de poder e ascensão a lideranças locais.
O quadro institucional favorece o municipalismo autárquico. Primeiro porque não
há incentivos para que os municípios se consorciem, dado que não existe nenhuma figura
jurídica de direito público que dê segurança política para os governos locais que buscam
criar mecanismos de cooperação. Mesmo assim, em algumas áreas os consórcios
desenvolveram-se mais, como em meio ambiente e na saúde, mas ainda numa proporção
insuficiente para a dinâmica dos problemas intermunicipais. Ao invés de uma visão
cooperativa, predomina um jogo no qual os municípios concorrem entre si pelo dinheiro
público de outros níveis de governo, lutam predatoriamente por investimentos privados e,
ainda, muitas vezes repassam custos a outros entes, como é o caso de muitas prefeituras que
compram ambulâncias para que seus moradores utilizem os hospitais de outros municípios,
sem que seja feita uma cotização para pagar as despesas. Neste aspecto, a questão da
coordenação federativa é chave.
Em segundo lugar, a estrutura tributária baseada em transferências
intergovernamentais, não obstante ser essencial numa Federação desigual, não estabelece
no caso brasileiro, ao contrário de outros países federativos, qualquer tipo de estímulo para
aumentar a arrecadação tributária ou então para compartilhar despesas de forma horizontal.
A distribuição dos recursos tornou-se ainda mais irracional com a multiplicação de
municípios, que ganhou força após a promulgação da Constituição de 1988. O impulso para
isso adveio de quatro fatores: a) o recebimento automático de dinheiro provindo do Fundo

49
de Participação dos Municípios (FPM) para todo distrito que se emancipar; b) a criação de
novos municípios pode servir ao desejo dos governadores de redesenhar o mapa eleitoral
em regiões cuja competição política seja baixa o suficiente para permitir a entrada de um
novo líder - mais uma demonstração da força do estadualismo; c) a ausência de um nível
intermediário entre o governo estadual e o municipal exacerba o conflito entre os líderes
locais por verbas públicas, tornando irracional os resultados regionais das políticas
(ABRUCIO, 2000: 327-328).
A partir destes fatores, houve uma grande multiplicação de municipalidades no
Brasil, como mostra a tabela abaixo:

Tabela 3
A Multiplicação dos Municípios (1988-1997)
1988 1997 1988 1997
Amapá 5 16 Rio Gde do Norte 152 166
Acre 12 22 Alagoas 97 101
Rondônia 19 52 Sergipe 74 75
Roraima 2 15 Paraíba 171 223
Amazonas 60 62 Pernambuco 168 185
Pará 88 143 Bahia 367 415
Tocantins 83 139 Minas Gerais 722 853
Distrito Federal 1 1 Espírito Santo 58 77
Goiás 184 242 Rio de Janeiro 66 91
Mato Grosso 93 126 São Paulo 572 645
Mato G. do Sul 72 77 Paraná 297 399
Piauí 48 221 Santa Catarina 199 293
Maranhão 136 217 Rio Gde do Sul 273 467
Ceará 170 184
Total 1988 = 4.189 Total/1997 = 5.507
Fontes: ABRUCIO, 1998a: 33.

O processo de multiplicação de municípios tornou-se efetivamente predatório


porque beneficiou mais as pequenas municipalidades, onde há menor população e menos
problemas coletivos, levando-se em conta sua magnitude e complexidade. Por tabela, foram
prejudicados os governos locais de médio para grande porte, com maior população e onde a
demanda por recursos públicos é mais necessária e premente. Ao se observar os resultados
da enorme emancipação de distritos pelo pais, conclui-se o seguinte:

50
a) Primeiro, mais da metade dos municípios criados até 2002 tinham até
cinco mil habitantes e mais de 95% tem, no máximo, 20 mil habitantes
(GOMES & MAC DOWELL: 2000). Criou-se um terreno para a fragmentação
do país, ao contrário da tendência internacional. Para dar um exemplo, em 14
dos 15 países da União Européia houve diminuição do número de comunas e
agregação de poderes locais;
b) Os municípios criados têm a menor porcentagem de receita própria
dentro da receita total e são os que têm, disparado, a maior receita per capita
dentro do total (GOMES & MAC DOWELL: 2000).. Assim, a multiplicação de
municípios significou, de um lado, um estímulo a irresponsabilidade fiscal e a
dependência em relação às transferências intergovernamentais e, de outro,
retirou recursos dos maiores para os menores
c) Por fim, a maioria dos municípios criados, além de representarem
uma parcela ínfima da população brasileira, está gastando a maior parte dos
recursos apenas para pagar suas contas mínimas, sendo os que mais gastam com
os três Poderes (GOMES & MAC DOWELL: 2000). Ao invés de significar um
repasse de gastos para a área social, resolvendo melhor os problemas que
estariam sendo prejudicadas pelo município-mãe, o desmembramento
concentrou renda nas mãos da elite política local.

Outro fenômeno que marcou o processo de descentralização foi a intensa


metropolitanização do país. Não só houve um crescimento das áreas metropolitanas, em
número de pessoas e de organizações administrativas, como também os problemas sociais
cresceram gigantescamente nestes lugares. No entanto, a estrutura financeira e político-
jurídica instituída pela Constituição de 1988 não favorece o equacionamento desta questão.
No que se refere ao primeiro aspecto, a opção dos constituintes foi por um sistema de
repartição de rendas intergovernamentais com viés fortemente anti-metropolitano
(REZENDE, 2001). No que tange ao segundo ponto, o fato é que as Regiões
Metropolitanas (RMs) enfraqueceram-se institucionalmente em comparação à dimensão
que tinham no regime militar. Prevaleceu o municipalismo em detrimento das formas

51
compartilhadas de gestão territorial. É dessa concepção que se originou a explosão dos
problemas dos grandes centros urbanos brasileiros, como veremos mais adiante.
A quarta característica da descentralização é a sobrevivência de resquícios culturais
e políticos anti-republicanos no plano local. A despeito dos avanços que houve, que foram
muitos se os enxergarmos por uma perspectiva histórica, diversas municipalidades do país
ainda são governadas sob o registro oligárquico, em oposição ao modo poliárquico que é
fundamental para a combinação entre descentralização e democracia. Escândalos como o
dos precatórios e o da "Máfia dos Fiscais", ambos em São Paulo, mostram que nem as
grandes cidades estão imunes - no caso em questão, o órgão montado para fiscalizar o
Poder público, o Tribunal de Contas do Município (TCM), era totalmente controlado pelo
malufismo, num estilo não muito diferente do vigente na política da República Velha. Ao
estudar como vários municípios vêm sendo governados, Joffre Neto (2001) revelou o
domínio do executivismo ou prefeiturização do Poder público, com os vereadores
almejando ser “miniprefeitos” e não legisladores ou fiscalizadores do Poder público, além
de a população entrevistada afirmar que a Câmara Municipal "fazia parte da Prefeitura" e
desejar que os parlamentares atuassem, prioritariamente, em prol de políticas assistenciais.
Uma outra pesquisa, realizada por Lúcia Avelar e Fernão Dias de Lima (2000), constatou
outra face desse problema: os piores resultados no Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) são encontrados nos municípios pequenos e governados pelo modo político
tradicional - neste quesito, destaca-se o PFL.
É claro que a única maneira de democratizar e republicanizar o poder local é
continuar na trilha da descentralização. Porém, se não houver reformas das instituições
políticas subnacionais, além de uma mudança da postura da sociedade em relação aos
governantes, cria-se uma nova "falha seqüencial" no processo descentralizador.
No plano intergovernamental, não se constituiu uma coordenação capaz de
potencializar a descentralização ao longo da redemocratização. Na relação dos municípios
com os estados, predominava a lógica de cooptação das elites locais, típica do
ultrapresidencialismo estadual. Adicionalmente, as unidades estaduais ficaram, com a
Constituição de 1988, num quadro de indefinição de suas competências e da maneira como
se relacionariam com os outros níveis de governo. Este vazio institucional favoreceu uma
posição "flexível" dos governos estaduais: quando as políticas tinham financiamento da

52
União, eles procuravam participar; caso contrário, eximiam-se de atuar ou repassavam as
atribuições para os governos locais.
O avanço da descentralização encontrou a União numa postura defensiva. Ao perder
recursos tributários na Constituição e se responsabilizar integralmente, num primeiro
momento, pela estabilidade econômica, o Governo Federal procurou transformar a
descentralização num jogo de mero repasse de funções, intitulado à época de “operação
desmonte”. Daí se originam dois problemas. O primeiro é que, dada a desigualdade
federativa, muitas políticas terão de ser necessariamente financiadas, pelo menos em parte,
por recursos federais. Além disso, a coordenação nacional é essencial para induzir, auxiliar
e avaliar a implementação de diversos programas.
Ao contrário do que o ideário centralista defendeu junto à opinião pública, grande
parcela dos encargos foi sim assumida pelos municípios. Só que isso aconteceu de forma
desorganizada na maioria das políticas - a grande exceção foi a área de Saúde. Ademais, a
inflação crônica tornava mais instável o repasse de recursos, dificultando uma assunção
programada das atribuições por parte dos governos locais. Criou-se, em suma, uma situação
de incerteza, de decisões e transferências de verbas em ritmos inconstantes e de ausência de
mecanismos que garantissem a cooperação e a confiança mútua. Neste sentido, argumenta
Maria Hermínia Tavares de Almeida:
“Sendo a descentralização um processo e não um jogo de uma rodada só, a
confiança em sua continuidade é essencial para que os governos subnacionais se
disponham a entrar no jogo. Em outros termos, a descentralização bem sucedida requer
que o centro[em especial numa situação de grande desigualdade, como a da Federação
brasileira] seja capaz de dar incentivos e garantias críveis de continuidade aos
destinatários da transferência” (TAVARES DE ALMEIDA, 2000a: 7).
Aqui se encontra a nova questão resultante do federalismo conformado na
redemocratização: a descentralização depende agora, diversamente do que ocorria regime
centralizador e autoritário, da adesão dos níveis de governo estaduais e municipais. Por
isso, o jogo federativo depende hoje de barganhas, negociações, coalizões e induções das
esferas superiores de poder, como é natural numa Federação democrática. Em suma, seu
sucesso associa-se à coordenação intergovernamental.

53
A falta de uma coordenação do processo descentralizador fez com que ele
dependesse de duas variáveis para ser bem sucedido. A primeira é o desenho específico de
cada política pública. A área em que havia uma estrutura institucional mais adequada à
descentralização era a da Saúde, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), e foi nela em
que houve maior sucesso. No restante das atribuições governamentais, o cenário inicial foi
caótico e sua melhora foi normalmente condicionada à implantação de medidas
coordenadoras no plano geral das políticas, algo que ganhou força em determinados setores
a partir do governo FHC.
A segunda variável relaciona-se à estratégia de indução federativa. Em extensa
análise de quatro áreas de políticas públicas (desenvolvimento urbano, educação,
assistência social e saúde) em seis unidades estaduais, Marta Arretche comprovou que
"devido à debilidade fiscal de uma grande proporção de municípios em cada Estado (...) a
existência e a natureza de estratégias federais e estaduais são um requisito fundamental do
processo de descentralização das políticas sociais" (ARRETCHE, 2000: 247). Por isso, o
sucesso dos programas vincula-se à ação coordenada entre os níveis de governo.
O principal problema da descentralização ao longo da redemocratização foi a
conformação de um federalismo compartimentalizado, em que cada nível de governo
procurava encontrar o seu papel específico e não havia incentivos para o compartilhamento
de tarefas e a atuação consorciada. Daí decorre também um jogo de empurra entre as
esferas de governo. O federalismo compartimentalizado é mais perverso no terreno das
políticas públicas, já que numa Federação, como bem mostrou Paul Pierson, o
entrelaçamento dos níveis de governo é a regra básica na produção e gerenciamento de
programas públicos, especialmente na área social. A experiência internacional caminha
neste sentido.
Problemas vinculados ao estadualismo predatório e à falta de coordenação da
descentralização foram atacados pelo governo Fernando Henrique Cardoso, com sucessos
diferenciados, maiores na primeira questão, mais irregulares, na segunda. Mas antes de
analisar as políticas em si, é preciso compreender as condições que permitiram as
mudanças, bem como as que ainda criam obstáculos para a melhoria da coordenação
federativa.

54
V - A Era do Real: uma "conjuntura crítica" e um "momento maquiaveliano"
no federalismo brasileiro18

A “era do Real” marca o início da crise do federalismo estadualista, embora não


tenha conseguido eliminar todas suas características predatórias – uma delas, a guerra
fiscal, até aumentou de intensidade. Entende-se aqui o Real de uma forma mais ampla do
que um plano de estabilização: o contexto que o proporcionou e os seus diversos resultados
foram fundamentais para fortalecer o Governo Federal e enfraquecer os governos estaduais,
mudando a dinâmica intergovernamental.
Neste sentido, a “era do Real” nasce antes da promulgação do plano de
estabilização. A partir de 1993, e mais especificamente da indicação do ministro Fernando
Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda, o Governo Federal fortaleceu-se em razão
dos seguintes fatores:
a) O primeiro é a mudança no cenário externo. Depois de uma década em que se
combinaram, perversamente, a redução drástica de empréstimos e refinanciamento externos
com uma enorme transferência líquida de recursos para o estrangeiro (SALLUM JÚNIOR,
1999: 25), a partir de 1991 começa a ocorrer uma reversão deste processo. Entre 1992 e
1997, ocorre o auge do fluxo de capitais para a América Latina. De acordo com dados da
Cepal, somente o montante de investimento estrangeiro direto passa de 10 bilhões de
dólares, em 1990, para 68 bilhões de dólares, em 199719. Soma-se a isso a bem sucedida
renegociação da dívida externa realizada em 1993 e chegamos a uma situação
extremamente favorável ao Executivo Federal no plano internacional, antítese do que fora a
década de 80.
b) Um segundo ponto importante foi a melhora das condições das contas públicas
federais. Aqui, verdade seja dita, a “era do Real” recebeu de bandeja algumas conquistas
dos períodos anteriores, como a modernização orçamentária feita no governo Sarney e o
crescimento das reservas cambiais obtido pelo ministro Marcílio Marques Moreira. Além
disso, desde o governo Itamar Franco houve um aumento progressivo da arrecadação
federal. Diretamente, Fernando Henrique Cardoso, então Ministro da Fazenda, atuou de

18
A análise desta seção baseia-se no desenvolvimento do argumento primeiramente defendido em
Abrucio & Ferreira Costa (1998).
19
Gazeta Mercantil, 9 de fevereiro de 2000, página A-20.

55
forma decisiva para a aprovação do Fundo Social de Emergência (FSE), que aumentou os
recursos "livres" da União, constituindo a primeira grande vitória federativa da União no
campo financeiro desde a aprovação da Emenda Passos Porto, em 1983, quando se iniciou
o aprofundamento da descentralização.
Grandes melhoras no plano externo e algumas importantes mudanças para o
equilíbrio interno das contas públicas, eis dois passos importantes para o fortalecimento do
Governo Federal;
c) O impeachment do presidente Collor e a possibilidade da vitória de Lula nas
eleições presidenciais de 1994 levaram a um realinhamento do establishment, em sua
dimensão política, social e econômica. Os principais caciques regionais e os partidos ou
frações partidárias que comandavam, importantes setores empresariais e a maioria dos
meios de comunicação de massas não estavam dispostos a ter de engolir o “sapo barbudo”
nem um novo aventureiro solitário à direita. Havia, então, os primeiros sinais do
fortalecimento do Governo Federal, creditado à atuação de Fernando Henrique, que, aliás,
pouco a pouco se transformava informalmente em “primeiro-ministro” do presidente Itamar
Franco. Com este cacife e sua virtú na montagem da coligação eleitoral, Fernando Henrique
conseguiu formar uma grande aliança, a qual se reforçou com o sucesso do Real.
d) Houve também a consolidação de uma mudança ideológica que há anos estava,
paulatinamente, ganhando força na sociedade brasileira. As pesquisas de opinião em geral e
as feitas junto às elites por Bolívar Lamounier e Amaury de Souza mostraram que um
discurso favorável às reformas do Estado, tomadas de uma maneira genérica, obtiveram
uma aprovação inédita, revertendo o ideário que predominara na década de 80
(LAMOUNIER & SOUZA, 1991; LAMOUNIER & SOUZA, 1995; LAMOUNIER &
SOUZA, 1995 a). Os principais formadores de opinião, a classe média, a mídia e
importantes setores empresariais adotaram a idéia de reformas constitucionais como a
salvação do país, e foi isso que, somado à estabilização monetária, uniu fortemente o
presidente à sociedade no primeiro mandato, dando grande popularidade a Fernando
Henrique;
e) Pela primeira vez desde o início da redemocratização, as eleições presidenciais de
1994 ocorreram concomitantemente ao pleito estadual e à disputa para o Congresso
Nacional. Essa “eleição casada” vinculou os congressistas e o presidente, e mesmo os

56
governadores, ao mesmo manto de legitimidade, ao contrário do que ocorrera antes, quando
a Presidência da República era definida num pleito “solteiro” e os parlamentares elegiam-se
tendo como carro-chefe a eleição à governadoria – o que contava a favor da atuação dos
chefes dos Executivos estaduais junto às bancadas de seus estados. Decorreu, daí, um dos
fatores do fortalecimento da Presidência da República vis à vis aos governos estaduais;
f) Ainda no plano eleitoral, não foi apenas o caráter concomitante da eleição que
favoreceu a União no seu relacionamento com os estados. A eleição de 1994 foi marcada
por uma outra peculiaridade: em unidades estaduais estratégicas da Federação, foram
eleitos governadores fiéis ao presidente e cujas vitórias derivaram do apoio ao Plano Real.
Entre estes destacam-se Marcello Alencar (Rio de Janeiro), Eduardo Azeredo (Minas
Gerais), Antonio Britto (Rio Grande do Sul) e mesmo Mário Covas (São Paulo), embora
este tinha maior independência partidária e calibre político. Apesar de ainda existirem
importantes conflitos e FHC ter tido sempre de negociar com os governos estaduais, estes
últimos atuaram bastante afinados com o Palácio do Planalto, concordância federativa que
não era obtida desde o governo Geisel;
g) Por fim, o fortalecimento do Governo Federal completa-se e se estrutura no
estupendo êxito inicial do Plano Real, que conseguiu se sustentar por mais tempo do que
qualquer outro e, ademais, estabeleceu alguns aspectos estruturais bem sucedidos que
provavelmente acompanharão o próximo governo. Sua legitimidade garantiu a eleição e a
reeleição do presidente Fernando Henrique, bem como um grande apoio de importantes
setores da sociedade, dos governadores e da comunidade internacional. Além da
legitimidade, a arquitetura do Plano Real derrubou o aspecto inercial da inflação e, o que é
mais interessante aos nossos propósitos, praticamente liqüidou os mecanismos que os
estados detinham anteriormente para produzir, autônoma e predatoriamente, recursos
financeiros.
A estabilidade monetária foi garantida não apenas pelo instrumento engenhoso da
URV, mas também graças ao novo cenário externo. Foi esse fator que possibilitou a
utilização da chamada âncora cambial como variável chave no combate à inflação. A
“aposta” no fluxo de capital externo como elemento que, simultaneamente, garantiria os
baixos índices inflacionários e fecharia as contas do balanço de conta corrente, foi a tônica
no primeiro mandato. Pode se dizer que se, por um lado, essa aposta foi perigosa pois criou

57
uma dependência que por fim levaria à desvalorização do Real em janeiro de 1999 e a um
desastre financeiro que acompanhou o segundo mandato, por outro lado, foi também ela
que estabeleceu uma ameaça exógena constante aos congressistas, já que a cada crise
internacional, desde da do México à da Rússia, o presidente os pressionava a aprovar
reformas para garantir a estabilidade do Real.
O êxito inicial do Plano Real teve grande impacto sobre a descentralização. A
drástica redução da inflação tornou mais estáveis as transferências intergovernamentais,
favorecendo à condução do processo descentralizador. Com isso, a União obteve o
instrumento que lhe faltava para poder barganhar a passagem de encargos e funções de uma
forma mais racional e programada para os governos subnacionais. Foi esta situação que
permitiu a formulação de políticas públicas coordenadas como o Fundef, que analisaremos
adiante.
A "era do Real" teve o significado de uma "conjuntura crítica", isto é, de uma
grande mudança na posição relativa dos atores políticos e sociais em relação aos
instrumentos de poder e às preferências (PIERSON, 2000). A esta modificação na situação
dos agentes somou-se a capacidade do presidente Fernando Henrique de montar e manter
por um bom tempo uma coalizão capaz de fazer alterações na antiga estrutura, segundo os
objetivos determinados por FHC. Neste sentido, trata-se, também, de um "momento
maquiaveliano" (POCOCK,1975), no qual a mudança da "fortuna" (condições objetivas, no
sentido marxista) realiza seu potencial na virtù do condutor da mudança, que cria uma nova
ordem institucional20.
Deste modo, houve uma conjunção entre as alterações situacionais e a capacidade
do presidente Fernando Henrique Cardoso de montar sua estrutura de poder, pelo menos em
seu primeiro mandato. Para tanto, FHC soube combinar habilmente os aspectos
majoritários com os consociativos do sistema político brasileiro. Em termos legislativos, ele
definiu o processo constitucional, com apoio de grande parte da sociedade, como a agenda
prioritária do Congresso Nacional, utilizando-se das Medidas Provisórias para suas tarefas
rotineiras de governo ou para impulsionar o andamento de votações importantes, inclusive
constitucionais, que estavam paradas por conta de vetos na própria base governista.

20
Os conceitos de "conjuntura crítica" e "momento maquiaveliano" foi primeiramente utilizado para
o caso brasileiro por Lourdes Sola & Eduardo Kugelmas (2002) e, depois, por Maria Rita Loureiro &
Fernando Luiz Abrucio (2002).

58
Mas foi na montagem do governo que o presidente Fernando Henrique teve seu
maior mérito em lidar com as peculiaridades de nosso sistema político. Ele se aproveitou da
legitimidade das urnas e do sucesso do Real não para impor um mandato bonapartista; ao
invés disso, costurou o apoio de partidos e de lideranças de estados importantes, só que
resguardando um espaço maior de poder para algumas agências insuladas – com destaque
para o Ministério da Fazenda – e para técnicos vinculados diretamente à Presidência da
República – aqui, o instrumento utilizado foi o da influência direta na escolha de
Secretários Executivos, segundo cargo na hierarquia ministerial, os quais fizeram o papel
de controladores da delegação presidencial aos ministros escolhidos segundo as variáveis
partidárias e federativas (LOUREIRO & ABRUCIO, 1999). No presidencialismo de
coalizão brasileiro, o primeiro mandato de FHC foi o mais bem sucedido na montagem
ministerial desde o retorno da democracia.
Ao mesmo tempo em que se fortalecia o Governo Federal, os estados entravam
numa seríssima crise financeira. O estopim disso, sem dúvida alguma, foi o Plano Real. Em
primeiro lugar, porque com o fim da inflação os governos estaduais deixaram de ganhar a
receita provinda do floating, que permitia o adiamento dos pagamentos e o investimento do
dinheiro arrecadado no mercado financeiro, possibilitando assim uma elevação artificial
dos recursos e uma diminuição igualmente artificial de boa parte das despesas dos
governadores. Ao tomarem posse, os novos governadores perceberam a mudança ocorrida
com o fim do floating, como bem resumiu Mário Covas;
“Varia de estado para estado, mas a maioria [dos governadores] se defronta com
este fato: as despesas ainda correm em regime inflacionário e as receitas já atuam em
regime de estabilidade” (PADRÃO & CAETANO, 1997: 23).
O Plano Real produziu outro grande impacto nas finanças estaduais com a elevação
das taxas de juros, que atingiram em cheio as dívidas estaduais, sobretudo no que se refere
aos títulos e dívidas dos Bancos estaduais (SOLA, GARMAN & MARQUES, 1997: 28).
Depois de terem sido o grande instrumento financeiro dos governadores, especialmente na
fase áurea do federalismo estadualista, os Bancos estaduais entraram em verdadeira
bancarrota. Sofreram mais os grandes estados, sendo os casos mais graves o do Banerj e,
principalmente, o do Banespa. Neste último, estava em sua carteira a própria dívida do
Estado de São Paulo, a maior dentre as unidades estaduais.

59
A crise dos Bancos estaduais ocorreu também porque eram essas as instituições
financeiras que mais retiravam seus recursos do jogo inflacionário. Com a elevação de suas
dívidas e por vezes do passivo dos estados que estavam em suas carteiras, o fim da inflação
e a reestruturação do sistema financeiro, aumentando a competitividade, o sistema bancário
dos estados praticamente se inviabilizou. Além do mais, o presidente tinha aliados em
importantes estados, os quais não reagiram fortemente à intervenção do Banco Central
como teriam feito os antigos governadores21.
Contou ainda para a crise financeira dos estados a adoção de medidas tributárias
centralizadoras. Primeiro, aumentando-se a participação das Contribuições Sociais no bolo
de recursos do Governo Federal, as quais não entram na partilha constitucional de recursos,
ficando somente nos cofres do Tesouro Nacional. Além disso, a centralização da receita
esteve presente em outra medida importante, já citada, que foi o Fundo Social de
Emergência (FSE). Sua validade seria provisória, mas foi posteriormente prorrogado e
alterado o seu nome para Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), mostrando que o Executivo
Federal não precisava mais esconder o verdadeiro propósito desta medida.
Mais do que a alocação em si dos recursos, a aprovação do Fundo Social de
Emergência teve uma importância simbólica reveladora: foi a primeira vez que a União
teve uma vitória tributária contra os estados desde o início da redemocratização. Isso abriu
politicamente as portas para outras alterações federativas no plano tributário, como a Lei
Kandir, que mesmo sendo resultado de uma intensa negociação entre o Executivo Federal e
os governadores, atingiu parcela substantiva do principal tributo estadual, o ICMS, naquilo
que incidia sobre parte considerável das exportações. A tabela abaixo mostra as perdas
iniciais dos estados com a Lei Kandir, bastante substantivas, diga-se de passagem..

21
A respeito do colapso dos Bancos estaduais após o Real, ver o minucioso trabalho de GARMAN,
LEITE & MARQUES, 1998.

60
Tabela 4
Perdas dos Estados com a Lei Kandir
Estado %perdas* Estado %perdas
Acre 0,98 Minas Gerais 10,14 (7)
Amazonas 1,55 Espírito Santo 22,01 (3)
Pará 34,84 (1) Rio de Janeiro 3,09
Rondônia 3,30 São Paulo 2,73
Amapá 28,46 (2) Paraná 13,03 (5)
Roraima 0,74 Santa Catarina 5,32 (10)
Tocantins 0,49 Rio Grande do Sul 7,50
Maranhão 15,12 (4) Mato Grosso 10,19 (6)
Piauí 1,12 Mato Grosso do Sul 6,14 (9)
Ceará 3,78 Goiás 4,03
Rio de Gde. Do 4,06 Distrito Federal 0,08
Norte
Paraíba 0,52
Pernambuco 1,87
Alagoas 8,37 (8)
Sergipe 0,72
Bahia 4,44
* Perdas proporcionais em relação à arrecadação total de ICMS
Fonte: MELO, 1998: 22.

O resultado final destas mudanças no plano tributário foi uma nova recentralização
de receitas. Ainda que o Brasil seja um dos países com maior descentralização fiscal em
comparação aos países em desenvolvimento e mesmo perante as Federações mais
consolidadas do mundo, o movimento concentrador foi de fato considerável, por intermédio
da elevação das receitas advindas das Contribuições Sociais e do represamento de parcela
dos recursos para transferência aos governos subnacionais.
Os efeitos e o esgotamento do modelo predatório constituíram-se também em
elementos decisivos para a crise financeira dos estados. Não se pode, portanto, creditar as
causas do desequilíbrios das contas públicas estaduais apenas às ações e ao fortalecimento
do Governo Federal. Os juros, medidas tributárias centralizadoras, o fim da inflação e a
intervenção nos Bancos estaduais, sem dúvida, foram fundamentais; porém, são os próprios
governos estaduais que têm a maior parcela de culpa em sua atual crise.

61
As dívidas estaduais e o descalabro criado pelos Bancos estaduais foram
primeiramente obra das próprias elites estaduais. E a despeito do aperto financeiro e da
elevação dos juros, os governos estaduais continuaram a optar pela obtenção de
empréstimos de curto prazo, mesmo sabendo do maior risco dessas operações, fato
devidamente comprovado pelo Relatório da CPI dos Precatórios. Antes da crise, os
governadores não efetuaram esforços relevantes para aumentar suas receitas. Mesmo
havendo uma elevação da arrecadação dos estados de 36,65 % entre 1993 e 1996, também
houve uma elevação, ainda maior proporcionalmente, das despesas (ABRUCIO &
FERREIRA COSTA, 1998: 78-79).
Outro grave problema dos governos estaduais que ajudou a minar suas contas
públicas foi o do excessivo gasto com pessoal. Esse padrão administrativo foi reforçado
pelos estados ao longo da redemocratização, particularmente com a promulgação das
Constituições estaduais. Caso analisemos mais pormenorizadamente o período mais
recente, concentrando-se na comparação União versus estados, fica ainda mais evidente a
elevação dos gastos dos governos estaduais com funcionalismo. Tomando como base
somente as despesas com o pessoal ativo em relação à receita total, constata-se que do
período 1990-1993 para o de 1994-1995 ocorreu uma pequena redução de 18,8% para
17,7% na União ao passo que, em média, os estados elevaram os seus gastos de 46% para
50,2% (BELTRÃO, ABRUCIO & LOUREIRO, 1998: 11).
A aceleração do aumento dos gastos com servidores públicos derivou, em parte, das
regras estabelecidas pelas Constituições estaduais. Guerzoni Filho (1996) mostrou como
vários estados criaram normas que flagrantemente contrariavam a Constituição Federal no
que se refere à concessão de estabilidade. Na Bahia, Rio Grande do Norte, Maranhão e
Ceará foram estabilizados os empregados das empresas públicas e sociedades de economia
mista; em Santa Catarina, tornaram-se estáveis servidores admitidos em caráter transitório,
enquanto no Piauí todos aqueles admitidos até seis meses antes da promulgação da
Constituição estadual, inclusive a título de prestação de serviços, ganharam estabilidade. É
bem verdade que alguns governos estaduais posteriores conseguiram reverter estes
dispositivos constitucionais, mas o custo deste processo já havia se instalado nos montante
de dívidas dos estados (GUERZONI FILHO, 1996: 55). Outros dois fatores também
contribuíam para esta situação: o crescimento das despesas com os Poderes Legislativo e

62
Judiciário, além do Tribunal de Contas dos estados, e a existência de categorias
privilegiadas que representam um pequeno contingente da burocracia, mas que abocanham
uma parcela enorme da folha salarial.
Mas o fator principal no aumento dos gastos com pessoal advém da Previdência
pública. A elevação das despesas com inativos tem sido crescente em todos os níveis de
governos, mas de uma forma mais preocupante no âmbito estadual. Este diagnóstico
demorou para ser feito tanto pelos governadores como pela União, com efeitos deletérios
para a reforma do Estado planejada pelo governo Fernando Henrique.
Os governadores que tomaram posse em 1995 receberam ainda um passivo
inesperado: o aumento de gastos com a folha de salários ao apagar das luzes dos antigos
governos. Para dar um exemplo recorrente, no Mato Grosso o governador Dante de
Oliveira constatou que a folha de salários do Executivo havia passado de R$ 27
milhões/mês em 1994 para R$48 milhões/mês em 1995, levando o governo estadual a
gastar 80% da receita do governo com funcionalismo (PADRÃO & CAETANO, 1997: 24).
É bom lembrar que esta mudança ocorreu exatamente quando os estados perderam a
capacidade de manipular o floating vigente no período inflacionário, o qual permitia uma
certa margem de manobra aos governadores
Como se vê, é muito grande a importância dos governos estaduais em impulsionar a
sua própria crise. O resultado não foi só a derrocada financeira, mas também uma grande
deterioração dos serviços públicos. As greves das Polícias Militares talvez tenham sido a
sinalização clara de que ou se fazia uma reforma das máquinas públicas estaduais ou se
entraria num caos social.
O modelo estadualista e predatório enfraqueceu-se sobremaneira com a Presidência
de Fernando Henrique Cardoso, estabelecendo-se uma "conjuntura crítica" na Federação
brasileira. Mesmo com a corrosão gradativa da coalizão governista no segundo mandato,
não houve uma reviravolta na Federação e, ao contrário, a adoção de um novo modelo
financeiro ganhou força com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com
apoio considerável dos congressistas, da sociedade e dos governantes locais.
Um balanço dos anos FHC mostra que, em parte, ele conseguiu constituir um
"momento maquiaveliano" no jogo federativo, tendo a virtù para criar uma nova ordem; em
outros aspectos, todavia, isso não foi feito, permanecendo o legado do federalismo

63
desenvolvido durante a redemocratização, e ainda com algumas influências da trajetória
histórica das relações intergovernamentais do país. É por esta ótica que analisaremos a
coordenação federativa no período 1995-2002, procurando entender a especificidade deste
período e suas lições.

VI - A Coordenação Federativa sob FHC: avanços e problemas

O objetivo desta seção é analisar o processo de coordenação federativa nos anos


FHC num plano mais geral e em políticas mais específicas. No caso destas últimas, o
capítulo não tem como finalidade fazer uma avaliação dos resultados dos programas, mas
sim, estudá-los do ponto de vista da descentralização e do papel do Governo Federal nesta
questão.
Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, podemos destacar sete
mecanismos gerais adotados pelo Governo Federal no plano da descentralização. O
primeira deles se refere ao fato de que o Brasil tinha iniciado o processo descentralizador
antes de estabilizar a economia, o que tornou mais difícil a constituição de jogos mais
coordenados e efetivos de divisão de atribuições, sobretudo porque a inconstância da
transferência das verbas constitui um obstáculo numa Federação desigual como a brasileira
(AFONSO, 1996). Ao reduzir a inflação, houve um impacto positivo para a regularização
dos repasses de recursos aos governos subnacionais. Isto permitiu a abertura de uma nova
rodada de negociação para (re)pactuar a descentralização em diversas políticas públicas.
Um segundo mecanismo foi a associação entre a descentralização e os objetivos de
reformulação do Estado. Neste sentido, o Governo Federal procurou, em primeiro lugar,
reduzir todos os focos de criação de déficit público nos governos subnacionais,
especialmente os de cunho predatório - isto é, que repassavam custos para a União. Para
alcançar estas metas fiscais, houve uma atuação conjunta em prol da modernização da
estrutura fazendária em vários estados - com recursos de instituições internacionais - e, no
segundo mandato, a aprovação de uma regra federativa de restrição orçamentária - a Lei de
Responsabilidade Fiscal - e a adoção de medidas de auxílio na área previdenciária.
O modelo de coordenação federativa no campo da reformulação estatal, ademais,
incluiu a proposição de Programas de Demissão Voluntária aos estados, com financiamento

64
federal. Num sentido mais institucional, o Ministério da Administração e Reforma do
Estado (MARE) procurou ativar o Fórum dos Secretários Estaduais de Administração,
realizando reuniões mais constantes e cujo tema de debate era a modernização das
máquinas públicas - isso durou apenas os primeiros quatro anos do período FHC. Por fim,
destaca-se aqui o processo de privatização das empresas estaduais, no qual o BNDES teve
um papel decisivo.
O repasse de recursos condicionado à participação e fiscalização da sociedade local
foi um terceiro mecanismo marcante dos anos FHC. De certo modo, houve uma
continuidade da estratégia já prevista pela Constituição de 1988, particularmente na criação
e ampliação do escopo dos Conselhos de Políticas Públicas. Aprofundou-se esta concepção
com a determinação de que certas transferências só seriam recebidas se existissem os
Conselhos da área em questão. Além disso, o Comunidade Solidária optou pela produção
de programas intrinsecamente vinculados à montagem de parcerias entre o Estado e a
sociedade. O caráter democrático da descentralização, mais do que o aspecto fiscal, foi a
tônica nesta política.
A coordenação de políticas públicas foi muito importante nas áreas de Saúde e
Educação, com o PAB (Piso de Atenção Básica) e o Fundef (Fundo de Manutenção do
Ensino Fundamental), respectivamente. Os mecanismos coordenadores aqui utilizados
passaram pela combinação de repasse de recursos com o cumprimento de metas
preestabelecidas ou a adoção de programas formulados para todo o território nacional.
Trata-se de um modelo indutivo, mas que transfere verbas segundo metas ou políticas-
padrão estipuladas nacionalmente, procurando assim dar um perfil mais programado e
uniforme à descentralização, sem retirar a autonomia dos governos subnacionais em termos
de gestão pública. No caso do Fundef, ocorreu ainda uma redistribuição horizontal de
recursos, experiência inédita na Federação brasileira.
A partir do final do primeiro mandato e início do segundo, foram adotadas políticas
de distribuição de renda direta à população. O primeiro deles foi o PETI (Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil), depois veio o Programa Renda Mínima e, mais adiante o
Programa Bolsa Escola, ao qual se juntaram o Bolsa Alimentação e o Vale Gás. Buscou-se,
com tais medidas, atacar diretamente a pobreza por meio de políticas nacionais, as quais
podem ser realizadas em parceria com outros instrumentos de gestão local, mas com a

65
garantia de uma verba federal padronizada. O pressuposto destas ações é que em problemas
de origem redistributiva, particularmente numa Federação, é necessária a atuação do
Governo Federal para evitar o agravamento das desigualdades.
A este mecanismo redistributivo foi acoplada uma novidade: a tentativa de
coordenar melhor os programas do Governo Federal num só local, com o Projeto Alvorada.
A despeito da importância desta medida, há ainda muita descoordenação e fragmentação no
terreno das políticas sociais, inclusive nas ações de distribuição direta de renda.
A aprovação de leis ou mudanças constitucionais atinentes à temática federativa foi
outro mecanismo bastante utilizado nos anos FHC. Com tais ações, ficou claro que o
objetivo era fazer uma reforma institucional no federalismo brasileiro, mais do que
implementar políticas de governo, embora o padrão de implementação dessas medidas não
seja completamente coerente, além de responder a pressões políticas diferenciadas dentro
do Executivo Federal. Das 34 Emendas Constitucionais aprovadas de 1995 até junho de
2002, 15 delas afetavam diretamente o pacto federativo. Isto ocorreu nos seguintes terrenos:
a) no tributário, com a aprovação duas vezes do Fundo de Estabilização Fiscal
(FEF) e sua renovação posterior pela Desvinculação de Receitas da União (DRU), como
também pelas mudanças nas Contribuições Sociais, especialmente aquelas vinculadas à
criação e prorrogação da CPMF. Foi por meio das Contribuições Sociais que a União
aumentou suas receitas, sem precisar reparti-las com os outros níveis de governo. Também
foram feitas modificações constitucionais que atingiram o IPTU, garantindo sua
progressividade, e no ISS, procurando efetuar aqui uma harmonização tributária entre os
municípios;
b) na organização político-administrativa, com a aprovação da "Emenda Jobim"
(Emenda 15), que tornou mais difícil a criação de municípios, com a aprovação de novos
limites de gastos dos Legislativos locais (Emenda 25) e mesmo com a instituição da
reeleição (Emenda 16). Pouco se comentou acerca do impacto federativo da reeleição, mas
o fato é que ela alterou o mercado político brasileiro e provavelmente terá um grande
impacto sobre os padrões de carreira tradicionais da classe política, que antes passavam
pela utilização dos Legislativos, sobretudo a Assembléia Legislativa, como trampolim para
postos executivos. Como a tendência é aumentar a estabilidade dos grupos políticos que
estão no Executivo, deverá haver uma maior aposta nos cargos legislativos;

66
c) na reforma do Estado, com a abertura à competição e à privatização nas áreas do
gás canalizado e das Telecomunicações, e a reformulação de vários artigos referentes à
Administração Pública (Emenda 19) e à Previdência (Emenda 20), com impacto enorme
sobre a gestão governamental dos estados e municípios. Não por acaso, todas esta medidas
passaram por intensas negociações com prefeitos e, sobretudo, governadores (Cf.
ABRUCIO & FERREIRA COSTA, 1998; MELO, 2002).
d) na área social, com a aprovação do Fundef (Emenda 14), da chamada "PEC da
Saúde" (Emenda 29) e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (Emenda 31), a
qual ajudou a modificar o padrão das políticas de distribuição de renda direta à população,
tal como referido anteriormente. É interessante notar que tais reformulações constitucionais
criam obrigações válidas não só para os próximos presidentes, mas também para os futuros
governantes de estados e municípios.
Além das alterações constitucionais, várias Leis Complementares e ordinárias com
impacto federativo foram aprovadas. Destacam-se a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
e a Lei Kandir, que transformaram regras básicas das finanças públicas. Na verdade, esta
nova legislação reordenou os parâmetros de ação dos entes subnacionais, criando as
condições para que as relações intergovernamentais ganhem um sentido diferente do
constituído na redemocratização, especificamente no que tange à convivência mais
responsável entre os níveis de governo.
A avaliação de políticas descentralizadas também entrou na agenda de coordenação
federativa do governo Fernando Henrique. O Ministério da Educação (MEC) constituiu-se
no principal agente dessa mudança, criando sistemas avaliadores que apresentam
regularmente os resultados alcançados por esta política. O mesmo mecanismo também está
sendo desenvolvido em outros ministérios e órgãos públicos, embora num estágio ainda
preliminar.
Em resumo, o governo FHC usou principalmente sete mecanismos de ação na
ordem federativa: 1) o combate à inflação e a respectiva regularização dos repasses,
permitindo uma negociação mais estável e planejada com os outros entes; 2) a associação
entre os objetivos da reforma do Estado, como o ajuste fiscal e a modernização
administrativa, e a descentralização; 3) condicionou a transferência de recursos à
participação da sociedade na gestão local; 4) criou formas de coordenação nacional das

67
políticas sociais, baseadas na indução dos governos subnacionais a assumirem encargos,
mediante distribuição de verbas, cumprimento de metas e medidas de punição, também
normalmente vinculadas à questão financeira, além de utilizar instrumentos de
redistribuição horizontal no Fundef; 5) adoção de políticas de distribuição de renda direta à
população, partindo do pressuposto de que o problema redistributivo não se resolve apenas
com ações dos governos locais, dependendo do aporte da União; 6) aprovou um conjunto
enorme de leis e Emendas Constitucionais, institucionalizando as mudanças feitas na
Federação, e assim dando-lhes maior força em relação às pressões conjunturais; 7)
estabeleceu instrumentos de avaliação das políticas realizadas no nível descentralizado,
especialmente na área educacional.
Entretanto, o modelo federativo adotado pelo governo Fernando Henrique também
teve problemas gerais de funcionamento. Entre eles, estão a fragmentação de uma mesma
política em vários órgãos e ministérios, como é o caso do Saneamento básico; a
pulverização das políticas de renda, a despeito da ação coordenadora do Projeto Alvorada; a
falta de uma avaliação consistente na maior parte das áreas decentralizadas; a existência de
poucos ou fracos fóruns intergovernamentais, a partir dos quais as políticas nacionais
poderiam ser melhor controladas e legitimadas; a adoção de uma visão tributária perversa
do ponto de vista federativo, seja pela recentralização de recursos, seja pela negligência em
relação à harmonização tributária do ICMS; a deterioração das políticas regionais, levada às
últimas conseqüências com o fim da Sudam e da Sudene; e o fracasso das políticas urbanas,
afetando setores como Habitação, Saneamento, Segurança Pública e Transportes
Metropolitanos.
Pretende-se, a seguir, fazer um breve relato de algumas políticas de coordenação
federativa efetuadas nos anos FHC. O propósito não é avaliar substantivamente tais ações;
o intuito desta parte do trabalho é entender do papel do Governo Federal em tais questões
ou setores.

1) Reforma do Estado: questões financeiras e administrativas

O tema central da agenda federativa de FHC foi a questão financeiro-fiscal. Suas


ações nortearam-se pelos objetivos de acabar com os mecanismos que os governos

68
subnacionais tinham de repassar custos à União, pela criação de condições para que os
estados conseguissem ajustar suas contas, produzindo superávits - estratégia utilizada
sobretudo no segundo mandato - e pelo programa de privatização da empresas estaduais,
pelo qual procuram, ao mesmo tempo, remodelar setores econômicos segundo o modelo de
Estado defendido por Brasília e obter recursos para quitar dívida pública. Além disso, o
segundo período governamental concentrou-se, movido ainda pela ótica econômica, na
questão previdenciária. Em menor medida, houve a preocupação de modernizar a gestão
das governadorias, em especial no período áureo do Fórum dos Secretários Estaduais de
Administração, quando o ministro Bresser Pereira propôs parcerias mais efetivas entre as
esferas de poder.
No plano financeiro-fiscal, o Governo Federal aproveitou a enorme crise que
assolou os governos estaduais e a legitimidade da "era do Real" para, primeiramente,
reestruturar o sistema bancário estadual. O resultado final apontou para o fim das formas de
repasse de custos ao Banco Central, por meio da extinção, privatização e federalização da
grande maioria dos Bancos estaduais. Se, por um lado, este processo pôs fim a um
mecanismo estrutural de produção de déficit, por outro, ele teve um preço para os cofres da
União, causado por dois fatores: pela dificuldade em resolver a situação do Banespa, que
postergou a resolução dos problemas de todo o sistema, e pela necessidade de se criar um
instrumento financeiro de transição, o Proes (Programa de Incentivo à Redução do Setor
Público Estadual na Atividade Bancária), cujo custo final, em valores de março de 2002, foi
de R$ 70 bilhões (MORA, 2000). Não obstante, este modelo permitiu uma mudança crucial
na lógica das relações intergovernamentais.
O Governo Federal, por meio principalmente do BNDES, também atuou fortemente
no programa de privatizações dos estados. O objetivo, como dito acima, era reestruturar a
ação do Estado em áreas estratégicas e obter recursos para quitar dívida pública. No
primeiro mandato de FHC, foram privatizadas 24 empresas estaduais e em mais 13 houve
venda de participação acionária, o que significou a obtenção de 37% dos quase US$ 70
bilhões movimentados por todas as privatizações e concessões realizadas no período,
excluídas as transferências de dívidas (ABRUCIO & FERREIRA COSTA, 1998: 101). Um
balanço de todo o período revela que os estados obtiveram R 38 bilhões de reais com a
venda de suas empresas (MORA, 2002: 51). Segundo Fábio Giambiagi,

69
"O fato é que a venda de empresas estaduais representou uma fonte de ajuste
primário de 0,45 do PIB entre 1995 e 1998 e de 0,3% do PIB adicionais entre 1998 e 2000.
Trata-se de um benefício inequívoco, especialmente quando se leva em conta a situação de
total descalabro em que muitas dessas empresas se encontravam há alguns anos. Sem
dúvida nenhuma, mesmo que em alguns casos isolados possam ter se verificado problemas
- naturais, pois afinal de contas foram vendidas em torno de duas dezenas de empresas -
pode-se dizer que o setor público ficou menos vulnerável e que o país ficou mais eficiente
do que antes desse processo de privatização estadual começar" (GIAMBIAGI, 2000: A-11).
O êxito financeiro e programático alcançado pelo Executivo Federal nas
privatizações nos estados não respondeu a todos os problemas envolvidos neste tema.
Primeiro porque muitos estados usaram parte das receitas obtidas não para o pagamento de
suas dívidas com a União, mas para gastos correntes. É claro que houve um ganho
importante em termos de abatimento de débito, sem no entanto levar a maioria dos estados
à realização de um verdadeiro ajuste estrutural das contas públicas – os que conseguiram
fazê-lo, como o Ceará, Bahia, São Paulo e Maranhão, precisaram fazer cortes e
racionalização dos gastos, bem como aumentar a receita.
Mais do que isso: a política macroeconômica adotada no primeiro mandato de FHC
dificultou qualquer ajuste provindo apenas dos recursos de privatização. Isto porque o
modelo da sobrevalorização cambial e sua aposta no financiamento por poupança externa
vinculou-se a uma alta taxa de juros que, ao fim e ao cabo, elevava ainda mais a dívida
pública, de modo que os recursos obtidos com a venda das empresas (estaduais e federais)
acabavam, em boa medida, indo "para o ralo". Em termos estruturais, os governadores
teriam feito melhor se utilizassem a receita da privatização para capitalização de Fundos de
Pensão do funcionalismo estadual, com efeitos benéficos maiores no curto e longo prazos.
Mas, naquele momento, os governos estaduais e o Governo Federal, no seu papel de
coordenação federativa, não tinham idéia do impacto estrutural dos gastos previdenciários
às contas públicas subnacionais.
Obviamente que as privatizações são fundamentais para diminuir redes clientelistas
estabelecidas entre as empresas estatais, a classe política e as empresas privadas,
constituindo-se assim num aspecto essencial para mudar a gramática política brasileira
(NUNES, 1997). Ademais, sem as empresas estatais, os estados tendem a não fazer

70
determinados gastos que levariam ao aumento de seu déficit. Colocados estes aspectos
positivos à mesa, deve-se ter cuidado para não transformar o programa de privatizações em
uma ação a partir da qual o Estado sai dessas esferas econômicas.
E aqui encontra-se o maior problema do programa de privatizações dos estados sob
a coordenação federativa da União: não se propôs, na grande maioria dos casos, um modelo
regulatório consistente para o dia seguinte da reforma do Estado. Do mesmo modo que o
BNDES prestou adequada assessoria financeira para a venda das empresas estaduais,
também seria necessária a ajuda na criação de agências regulatórias - montadas depois em
alguns estados, e com perfis bastantes diferenciados em termos de funções e qualificação22.
Porém, neste aspecto, pesou mais o lado da primeira onda de reformas voltadas para o
mercado, do que o aspecto essencial da segunda rodada de reformas, de criação de novas
instituições estatais voltadas à regulação econômica (BANCO MUNDIAL, 1997). O
interessante é notar que, mesmo no Governo Federal, a constituição de um marco
regulatório obedeceu mais às peculiaridades políticas de cada setor do que a um plano geral
de ação.
A renegociação das dívidas dos estados, por meio da Lei 9.496/97, foi um passo
importante para disciplinar as relações federativas, rompendo com o antigo modelo
predatório. Em primeiro lugar, o acordo contemplou quase a totalidade das unidades
estaduais, evitando-se assim a existência de free riders. No total, ela refinanciou um
montante de R$ 132 bilhões. Segundo, embora os estados reclamem hoje da porcentagem
da receita líquida que têm de disponibilizar, o fato é que receberam um grande subsídio da
União, a partir do qual houve uma redução substantiva das taxas de juros que vinham
pagando antes. Este novo contrato, ademais, é bem diferente dos efetuados ao longo da
redemocratização, particularmente pela sua capacidade de fazer com que seja de fato
cumprido, incluindo a retenção de transferências federais - o único estado que tentou burlar
esta regra, Minas Gerais (na gestão de Itamar Franco), teve verbas bloqueadas e logo a
seguir regularizou seu pagamento. O último aspecto relevante dessa nova legislação diz
respeito às medidas de ajuste fiscal que ela estabeleceu no compromisso que foi firmado

22
Sobre as Agências Regulatórias estaduais, ver o capítulo escrito por Marcus Melo para este livro.

71
entre as partes da Federação, pontuando uma série de questões que deveriam pautar as
preocupações fiscais e financeiras das governadorias23.
Para equacionar o problema do déficit público e cumprir o contrato de
refinanciamento, três questões estruturais precisam ser resolvidas. A primeira se refere às
despesas com pessoal. No início de 1995, constatou-se um elevado gasto com pessoal nos
estados. À época, das 27 unidades estaduais (contando o Distrito Federal), apenas 6
despendiam menos de 60% da receita líquida com o funcionalismo, sendo que em três delas
(Roraima, Amapá e Tocantins) a maior parte dos servidores ainda era paga pela união, já
que a sua condição de estado é bastante recente. A continuidade deste problema dificultaria
a resolução dos déficits financeiros da Federação.
Por isso, o Governo federal resolver atuar nesta questão, basicamente de duas
maneiras. A primeira, de caráter estrutural e de mais longo prazo, por intermédio da
Reforma Administrativa; e a segunda, vinculada a ações mais imediatas. O auxílio em
algumas áreas técnicas foi importante para melhorar o gerenciamento das folha de
pagamento. No entanto, a medida de maior impacto inicial foram os Planos de Demissão
Voluntária (PDVs). Com financiamento da Caixa Econômica Federal, os PDVs resultaram
na demissão de 100 mil funcionários públicos estaduais, mas tiveram pequeno impacto na
redução de custos, de apenas 4,5% do que se gastava com pessoal ativo - os estados com
maior contingente de servidores, ademais, foram os menos afetados (BELTRÃO,
ABRUCIO & LOUREIRO, 1998).
Foram constatados dois grandes problemas na aplicação dos PDVs. O primeiro é
que os servidores que aderiam a estes programas de dispensas normalmente tinham uma
melhor qualificação profissional, ficando os com menor capacidade gerencial. Além disso,
em muitos estados não havia um mapa preciso do perfil do funcionalismo e, desse modo,
não se sabia exatamente quais eram os gargalos burocráticos. No entanto, faltou aqui uma
ação mais coordenada entre o Governo Federal e as Administrações subnacionais, ao estilo
dos Planos Nacionais de Reforma, realizados nos EUA ao longo do século XX. Isto porque,

23
Conforme mostra o trabalho de Mônica Mora (2002: 22), as questões que os estados deveriam
equacionar para cumprir o contrato de refinanciamento seriam as seguintes: a) dívida em relação à receita
líquida real (RLR); b) resultado primário; c) despesas com funcionalismo público; d) arrecadação de receitas
próprias e) privatização, permissão ou concessão de serviços públicos; f) reforma administrativa e
patrimonial; g) despesas de investimento em relação à RLR.

72
em razão da maior fragilidade das burocracias estaduais, a União teria um papel
coordenador para resolver esta "falha seqüencial".
A falta de uma coordenação federativa levou a um diagnóstico equivocado quanto
aos gastos com pessoal. O governo FHC insistiu, por boa parte do primeiro mandato, em
um argumento: a resolução do problema se daria com a permissão de dispensa de
funcionários quando um nível de governo gastasse mais do que 60% da receita líquida com
folha de pagamento. Foi esta visão que guiou a ação do Governo federal, embora o próprio
ministro da Administração, Bresser Pereira, dissesse, com razão, que a dispensa por
insuficiência de desempenho fosse mais importante estruturalmente para a reforma do
Estado, em contraposição à visão da equipe econômica, enfim vencedora no jogo político.
Há, no entanto, dois problemas neste diagnóstico. O primeiro deles foi depositar a
responsabilidade toda na conta dos Executivos estaduais. Ao não discriminar os gastos
entre os Poderes, a então Lei Camata colocou para o governador uma tarefa que em parte
ele não pode atuar. Isto porque cresciam, cada vez mais, os gastos com pessoal do
Legislativo e, sobretudo, do Judiciário. Mas o maior erro foi outro: não perceber que o
maior problema do excesso de gastos com pessoal provinha do pagamento de inativos.
Novamente, isto não foi detectado porque faltava uma burocracia competente nos estados e
uma ação coordenadora do Governo Federal para corrigir esta "falha seqüencial" da
descentralização. Somente no final de 1997 é que os governos estaduais e a União se deram
conta da magnitude deste problema. Não só os gastos eram altos como acelerava o
crescimento dessa conta. Na tabela abaixo, relacionamos a despesa com inativos dos
estados no ano 1998.

73
Tabela 5 -O Peso dos Inativos e Pensionistas dos
Três Poderes na folha Mensal dos Estados (1998)
Gastos com Quanto representa Comprometimento
Estado inativos e da folha (em %) da receita com o
pensionistas total da folha (em
(em R$ milhões) %)
Alagoas 14** 41 76
Amazonas 18 29 56
Bahia 43 28 54
Ceará 17 18 62
Espírito Santo 23 24 90
Goiás 32 33 73
Maranhão 15 28 58
Mato Grosso 12 22 68
Mato Grosso do Sul 10 36 70
Minas Gerais 163 38 74
Pará 20 25 63
Paraíba 17 33 67
Paraná 77 30 74
Pernambuco 35** 33 71
Piauí 9 16 76
Rio de Janeiro 151 40 84
Rio Grande do 15 29 67
Rio Grande do Sul 110 39 85
Santa Catarina 40 31 51
São Paulo 400 33 61
Sergipe 8 20 64
TOTAL MÉDIA
R$ 1,229 bilhão 30% 69%
1. Os ex-territórios de Rondônia, Roraima, Acre e Amapá, o distrito Federal e o estado do
Tocantins estão fora desta relação por terem números inexpressivos de inativos e
pensionistas.
** Percentual apenas do Executivo
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 01/02/1998.

Além de demorarem a detectar este problema, os governos estaduais e o Governo


Federal não constituíram a resposta adequada a ele, que seria a constituição de Fundos
Previdenciários. A dificuldade maior estaria na capitalização de tais Fundos, o que poderia
ter sido feito com os recursos da privatização. Poucos estados trilharam este caminho - a
exceção digna de nota é a Bahia. Sem este instrumento, a maioria se viu obrigada a

74
aumentar o valor das contribuições dos ativos e, em alguns casos, cobrar também dos
inativos. Não há problema neste caminho, só que ele pode ser insuficiente.
Mesmo tendo adquirido poder no pêndulo federativo no primeiro mandato, a União
não se preparou adequadamente para atuar como agente coordenador no plano
intergovernamental. Deveria haver orientação e capacitação da burocracia federal para
recolher informações dos governos subnacionais ou então, numa via mais pertinente com o
federalismo, precisaria auxiliar os estados e municípios na criação de capacidades
institucionais. Em vez disso, o primeiro governo FHC procurou "vender" uma receita de
reforma do Estado sem estabelecer uma rede entre as burocracias de ambas as esferas de
poder.
Houve neste caso um grande avanço no segundo mandato. O Ministério da
Previdência e Assistência Social assumiu uma importante função coordenadora e atuou
decisivamente na assessoria e indução dos estados e municípios. O resultado é que mais e
mais governos subnacionais estão constituindo Fundos Previdenciários, com cálculos
atuariais mais precisos, só que a tarefa teria sido mais fácil, repito, se o dinheiro da
privatização fosse usado na capitalização deste sistemas. O aprendizado federativo também
foi constatado na definição de gastos com pessoal e nos instrumentos de controle com a
promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em maio de 2000.
Como tal assunto é tratado em outro capítulo deste volume24, faço quatro
comentários breves. O primeiro é que a LRF definiu melhor os mecanismos de restrição
orçamentária, responsabilizando mais claramente todos os Poderes. Adicionalmente, suas
regras estabeleceram instrumentos de enforcement mais efetivos, que dificultam uma
postura contrária à nova regulamentação, por conta das penalidades. E, ainda, o Governo
Federal exerceu um papel coordenador ativo por intermédio do BNDES, que assessorou
governos locais, disseminou as noções básicas da LRF por todo o país e deu incentivos
para a modernização da máquina administrativa dos governos subnacionais, com vistas a
cumprir os requisitos fiscais básicos. Talvez esta tenha sido uma das experiências mais bem
sucedidas de coordenação federativa nos anos FHC. Falta, no entanto, a criação de um
fórum de discussão entre os vários níveis de governo, tal como estabelecido no artigo 67 da
LRF, que estipula a instituição de um Conselho de Gestão Fiscal. O governo FHC não se

24
Ver capítulo 8, escrito por Maria Rita Loureiro e Fernando Luiz Abrucio.

75
mobilizou politicamente para regulamentar tal Conselho, causando prejuízo para a
democratização da Federação. No fundo, prevalece aqui a visão da equipe econômica, que
supõe, seguindo certas versões do federalismo fiscal, que deve haver uma hierarquização
entre os entes governamentais, com o Governo Federal - que neste caso poderia se chamar
Governo Central - comandando linearmente as finanças públicas. Nada mais distante da
soberania compartilhada que marca o federalismo.
A segunda questão estrutural diz respeito às ações em prol da reforma
administrativa estadual. A melhor atuação conjunta foi a modernização das receitas
estaduais. Desta vez, o ângulo financeiro esteve alicerçado em reformas institucionais,
dando um fôlego maior ao ajuste fiscal, pois é o aprimoramento da burocracia que
sedimenta transformações profundas. Não por acaso os estados que tiveram maior êxito
foram os que realizaram as maiores transformações no modus operandi da administração
pública, como no Estado de São Paulo, por meio dos instrumentos de governo eletrônico,
de racionalização da máquina e de gestão voltada ao atendimento do cidadão.
O maior problema neste quesito foi a descontinuidade da política realizada junto ao
Fórum dos Secretários Estaduais de Administração, conduzida pelo então Ministério da
Reforma do Estado (Mare). No primeiro mandato, o ministro Bresser Pereira conseguiu
levar toda a discussão da reforma do Estado, com conceitos vinculados à economia, à
eficiência, à efetividade e à democratização dos serviços públicos para o plano subnacional.
Experiências bem sucedidas e problemas de difícil solução eram compartilhados,
estabelecendo aí um tipo de associativismo intergovernamental. O resultado recorrente foi o
aperfeiçoamento da estrutura de informação dos governos estaduais, e num menor número
de casos, ocorreu a implantação de políticas públicas extremamente inovadoras.
Infelizmente, no segundo período ocorreu um refluxo enorme dessa atividade, com o
Governo Federal abandonando um importante papel de coordenação federativa.
Em termos estruturais, por fim, a melhora das condições fiscais de longo prazo tem
a ver com duas outras variáveis: a realização de reformas institucionais e a construção de
um novo modelo de desenvolvimento. No primeiro aspecto, é importante que sejam
realizadas mudanças no relacionamento entre a sociedade e o Estado e das instituições
políticas subnacionais, especialmente do Tribunal de Contas e do Judiciário, para aumentar

76
a accountability democrática. Além disso, a burocracia dos níveis subnacionais precisa ser
continuamente aperfeiçoada.
A construção de um novo modelo de desenvolvimento que melhore a situação dos
estados depende basicamente de ações nacionais. Por um lado, é preciso atacar as
desigualdades regionais, que impedem a obtenção de resultados satisfatórios em várias
partes do país. Por outro, a guerra fiscal não pode mais continuar, pois ela cria déficits
futuros aos governos estaduais e, efetivamente, não resolve o problema do
desenvolvimento; ao invés disso, acirra o conflito horizontal entre as unidades federativas.
Os governos estaduais têm obtido resultados fiscais positivos seguidos desde 1999 e
a LRF vem sendo um instrumento importante para pressioná-los nesta direção. E mais: dos
4,13% do PIB de superávit primário obtidos até outubro de 2002, 1% ou um quarto deste
esforço advém das unidades subnacionais. Antes que se dê a questão por resolvida, é bom
lembrar o tamanho do rombo: em dezembro de 2002, a dívida dos estados alcançou a cifra
de R$ 250 bilhões25. O que se conseguiu até agora foi às custas de uma redução brutal dos
investimentos, afora vários estados estarem, novamente, caminhando para uma crise
financeira. De modo que a resolução federativa desta questão passa sim pela continuidade
da trilha aberta pela Lei de Responsabilidade Fiscal, com a ativação de um fórum
federativo que a gerencie mais democraticamente, mas também depende de reformas
estruturais - criação ou fortalecimento dos Fundos Previdenciários, modernização das
burocracia estaduais, democratização das instituições políticas subnacionais e novo modelo
de desenvolvimento - para as quais o fiscalismo reinante nos anos FHC deu pouca atenção.

2) Coordenação Federativa na Área Social: alguns exemplos

A área de proteção social é bastante abrangente e difícil de ser mapeada no espaço


deste capítulo. Por esta razão, escolhemos três de suas políticas, analisando como se deu a
relação entre descentralização e coordenação federativa, sem fazer uma avaliação
substantiva dos resultados alcançados.
A Saúde é, sem dúvida alguma, a política pública de maior destaque no quadro
federativo desde a Constituição de 1988. O modelo de descentralização proposto fora

77
construído por muitos anos de lutas contra a centralização dos programas e da gestão dos
recursos, com destaque para a atuação de sanitaristas e profissionais da área médica que
constituíram, junto com lideranças locais e movimentos sociais, aquilo que alguns
denominam de "Partido da Saúde" - ao qual hoje se somam a burocracia setorial e diversos
políticos, muitos com origem na área. Na década de 80, o debate se acirrou, obrigando a
mudanças paulatinas da postura do Ministério da Saúde e na própria legislação, cujo marco
foi a criação do SUDS (Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, em 1987),
“principal instrumento de descentralização operacional, administrativa e financeira dos
programas de saúde entre 1987 e 1989” (MEDICI, 1996: 306).
O SUDS tinha como objetivo a descentralização de recursos físicos, humanos e
financeiros da máquina previdenciária para os estados, a fim de racionalizar a gestão e o
uso dos recursos, e a reestruturação dos órgãos federais responsáveis pela gestão de
serviços de saúde, que deveriam passar a se concentrar no planejamento, na coordenação,
no controle e na avaliação das ações de toda a rede. No entanto, também o SUDS não
demonstrou ser uma política eficaz no processo de descentralização – cuja conclusão
dependia da transferência dos serviços de saúde para os municípios. Os gestores estaduais,
que saíram fortalecidos pelo repasse dos recursos e poder, comandaram o processo
descentralizador segundo uma lógica baseada em interesses político-clientelistas
(ABRUCIO & COSTA, 1999).
A reforma deste setor aprofundou-se com a Constituição de 1988 e o
estabelecimento do Sistema Único de Saúde, o SUS. Seus critérios básicos são a
universalidade, a integralidade e a igualdade de assistência garantidas a todos os brasileiros;
preconizava ainda a descentralização da gestão do sistema e a participação da comunidade.
As Leis Orgânicas da Saúde 8080 e 8142, por sua vez, foram os instrumentos legais mais
importantes para o avanço desse processo descentralizador, uma vez que regulamentavam o
SUS26. Destaca-se, ainda, a criação de vários mecanismos colegiados de gestão,
envolvendo todos os níveis de governo, que têm uma efetividade grande comparada à
presente nas outras políticas públicas. Ademais, seu sentido era fortemente municipalista.

25
Dados retirados de artigo de Ricardo Amaral, intitulado "O novo perfil fiscal dos governadores".
Valor Econômico, 10/12/2002, página A7.
26
A primeira regula os princípios constitucionais correspondentes à saúde; a segunda vincula
descentralização à municipalização e dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as
transferências intergovernamentais.

78
Na década de 90, surgiram também as NOBs (Normas Operativas Básicas), as quais
representaram um esforço de racionalização dos repasses de recursos e dos gastos pelos
estados e municípios, além da criação de instrumentos de fiscalização e avaliação das
políticas de saúde. Elas tentavam definir, com a maior clareza possível, os custos e
benefícios resultantes do cumprimentos ou não das regras e critérios de repasse de recursos
(principalmente no que se refere às condições necessárias e suficientes ao repasse de
recursos financeiros entre União, estados e municípios), prestação de contas e
acompanhamentos das ações de saúde (ABRUCIO & COSTA, 1999). Três foram as NOBs
elaboradas nos anos '90: a 91, a 93 e a 96.
A palavra-chave do modelo instaurado pela NOB-96 é a responsabilização de cada
instância de governo. O desempenho dos papéis que cabem aos gestores concretiza-se
mediante um conjunto de responsabilidades bem detalhadas na NOB-96. A NOB-96 define
como imprescindível a cooperação técnica e financeira dos poderes públicos estadual e
federal, com responsabilidade conjunta na gestão do SUS. Seu objetivo principal é
“promover e consolidar o pleno exercício, por parte do poder público municipal e do
Distrito Federal, da função de gestor da atenção à saúde dos seus munícipes” (MS, 1996;
apud ABRUCIO, 2000). O sistema municipal de saúde – SUS-municipal – é concebido
como um subsistema do SUS e composto pelo conjunto de estabelecimentos, organizados
em rede regionalizada e hierarquizada.
A NOB 96 estabelece que os gestores federal e estadual são os promotores da
harmonização, modernização e integração do SUS. Essa tarefa acontece, especialmente, na
Comissão Intergestores Bipartite (CIB), no âmbito estadual, e na Comissão Intergestores
Tripartite (CIT) no âmbito nacional. A NOB-96 estimula as parcerias entre municípios, mas
não cria incentivos financeiros específicos (ABRUCIO & COSTA, 1999). A NOB-96
também simplifica o processo de responsabilização pela política, reduzindo a duas as
categorias de gestão municipal e estadual: gestão plena da atenção básica e gestão plena do
sistema municipal. Os estados, por sua vez, podem habilitar-se às condições avançada do
sistema estadual e plena do sistema estadual (MS, 1996).
A quase totalidade dos municípios brasileiros encontra-se habilitada segundo uma
das condições de gestão definidas na NOB 96. Entretanto, conforme afirmam Costa, Silva
& Ribeiro (1999:46) em avaliação recente do processo de descentralização do sistema de

79
saúde no Brasil, “ao contrário do que se tem verificado para os municípios, ainda é pouco
significativa a adesão dos estados ao novo papel que lhes foi reservado no SUS”. Segundo
os autores, o processo de habilitação dos estados é retardatário e desigual devido às
“dificuldades dos estados em definirem um papel claro na estrutura do sistema público de
saúde brasileiro, dominada ainda, na década de 90, pelas demandas e orientações localistas”
(idem:. 48).
Foi neste contexto de maior consistência da descentralização que o governo FHC
estabeleceu suas políticas de Saúde. Os problemas iniciais estavam vinculados mais à
regularidade dos repasses e à garantia de fonte seguras e permanentes de recursos. Com a
resolução destes, a partir do fim da inflação e da aprovação da CPMF com recursos
"carimbados" à Saúde, a descentralização se aprofundou ainda mais. Dados de Sol Garson e
Érica Araújo (2001) demonstram o impacto da ação federal nesta política. Entre 1995 e
1999, sem contabilizar as transferências, os gastos dos níveis de governo eram de 58% para
a União, 16% para os estados e 26% aos municípios; após contabilizarmos as
transferências, as cifras mudam substancialmente: 23% para a União, 25% para os estados e
52% aos municípios. Além disso, segundo dados de dezembro de 2001, 99% dos
municípios estavam habilitados a uma das condições de gestão, sendo 89% em gestão Plena
da Atenção Básica, e 10,1% na Gestão Plena do Sistema Municipal (MELO, 2002: 4).
Para o que importa a este trabalho, a descentralização esteve presente em quatro
questões. A primeiro se refere ao fortalecimento dos Conselhos. Apesar de ser bastante
representativo, muitos criticam tanto seu caráter corporativo como sua
"governamentalização", isto é, a força dos representantes de governos em detrimento dos
usuários, especialmente tendo em conta os problemas de organização nos municípios
menores, mais pobres e/ou com baixo capital social. A discussão permanece e, quanto mais
a intervenção na Saúde aproximar-se dos cidadãos, a tendência é a contínua democratização
e o debate sobre melhoras formas de accountability. Os anos FHC permaneceram nesta
trilha aberta pela Constituição de 1988, apostando aqui acertadamente no incrementalismo.
Outro aspecto importante diz respeito ao fortalecimento das atividades
intrinsecamente nacionais. A primeira delas é a organização administrativa do Ministério da
Saúde, que se reforçou com a melhoria dos sistemas de informação, em especial o
DATASUS. Houve também uma reorganização administrativa, com aperfeiçoamento de

80
pessoal e constituição de duas Agências Reguladoras essenciais: a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Cabe
reforçar que a coordenação federativa associa-se claramente à capacidade burocrática do
Governo Federal.
A política de Saúde do governo FHC adotou iniciativas para reforçar as funções
redistributivas do SUS, orientando recursos para as regiões mais pobres e menos populosas
(RIBEIRO & COSTA, 1999). A principal medida neste sentido foi a criação, em dezembro
de 1997, do Piso de Atenção Básica (PAB). Ao mesmo tempo em que procura reduzir as
desigualdades de recursos, o PAB também funciona como incentivo à municipalização,
pois somente os governos locais habilitados podem receber tais recursos.
O PAB é composto de uma parte fixa e outra variável. A primeira destina-se à
atenção básica da saúde e garante a transferência automática, fundo a fundo, de um mínimo
de R$ 10 por habitante/ano para todos os municípios brasileiros. A idéia é reduzir as
desigualdades existentes entre as municipalidades, uma vez que aquelas com maior
“capacidade produtiva” tendiam a receber mais recursos, ao passo que as pequenas, com
rede incipiente ou nenhuma rede de atenção à saúde, pouco recebiam. A parte variável do
PAB é uma das invenções mais frutíferas do federalismo nos anos FHC. Sua distribuição de
recursos só ocorre se os governos locais aderirem aos programas nacionais definidos como
prioritários. Além disso, para receber tais recursos é preciso passar por todo o sistema de
Conselhos, que procura fiscalizar o uso adequado dos recursos públicos.
São seis os programas nacionais incluídos no PAB variável: Saúde da
Família/Agentes Comunitários de Saúde, Saúde Bucal, Assistência Financeira Básica,
Combate às Carências Nutricionais, Combate a Endemias e Vigilância Sanitária. A
característica básica destas políticas é a ênfase na prevenção e não na cura, lema histórico
do movimento sanitarista O município pode aderir a quantos quiser, e recebe os recursos de
acordo com o estipulado em cada programa. Tais ações governamentais, ademais,
envolvem capacitação dos gestores locais e a avaliação dos resultados, seja pelo sistema
federal, seja pelo controle social ligado aos mecanismos de accountability intrínsecos ao
SUS. Os resultados têm sido bastante satisfatórios no que se refere à adesão e,
consequentemente, ao número de pessoas atingidas. No caso do Programa de Agentes

81
Comunitários de Saúde (PACS), por exemplo, houve um aumento de 30% na população
coberta entre 1994 e 1998 (SINGER, 2002: 517).
A quarta medida foi a aprovação da chamada "PEC da Saúde" (Emenda
Constitucional 29), que determinou a elevação gradativa da porcentagem de recursos
destinados a esta área nos três níveis de governo. Com isso, o problema que o governo
Fernando Henrique encontrou no início do seu primeiro mandato de instabilidade nos
gastos com Saúde foi, em boa medida, resolvido. Muitos criticam o modelo da vinculação,
pois ele "engessa" mais o Orçamento e os próprios governantes, que devem subordinar sua
agenda eleitoral vencedora a tais dispositivos constitucionais. Talvez tivéssemos de
combinar melhor as regras intertemporais que orientam a ação dos entes federativos com
mecanismos de negociação contínua de metas e resultados - e neste sentido, o Fundef está
mais adequado ao padrão federalista de políticas públicas, uma vez que tem metas e prazo
para se esgotar, ao mesmo tempo que ultrapassa o período de mais de um governante.
Não foram equacionadas todas as questões federativas ligadas à Saúde. A
coordenação intergovernamental, a despeito da força integradora do SUS e do "Partido da
Saúde", vez ou outra revela sua fragilidade, como ficou bem claro no episódio da dengue,
em que a briga dos governantes era para saber se o mosquito era municipal, estadual ou
federal. A maior lacuna desse sistema é a indefinição do papel das unidades estaduais.
Neste tópico, o Governo Federal precisa criar formas de indução à participação e à
cooperação da mesma maneira que o PAB o fez em relação aos municípios.
O Ministério da Saúde também tentou incentivar a formação de consórcios entre os
municípios, como forma de melhorar a prestação do serviço segundo problemas que são
regionais e/ou porque a maioria dos governos locais não tem condições de resolver todos os
seus problemas nesta área. Documento do Ministério, de 1997, assim defende o modelo dos
consórcios:
“A implantação e a operacionalização de serviços de saúde que contemplem
integralmente as demandas de uma população representam, para a maioria dos
municípios, encargos superiores à sua capacidade financeira. A manutenção de um
hospital, por mais básico que seja, requer equipamentos, um quadro permanente de
profissionais e despesas de custeio que significam gastar, anualmente, o que foi investido
na construção e em equipamentos. A necessidade de melhoria na infra-estrutura, a

82
contratação de recursos humanos especializados e a aquisição de equipamentos, para
oferecer serviços de saúde em todos os níveis de atenção implicam montante significativo
de recursos que, quase sempre, não chegam a ser plenamente utilizados por apenas um
município, gerando aumento de custos operacionais e impossibilitando, por outro lado, o
investimento em ações básicas de promoção e proteção. Assim, a prestação de serviços de
forma regionalizada pelos consórcios evita a sobrecarga do município na construção de
novas unidades, na aquisição de equipamentos de custos elevados e na contratação de
recursos humanos especializados” (ABRUCIO, 2000).
O fato é que a Saúde é uma das áreas com maior número de consórcios. Em 2000,
havia 141 consórcios de saúde, em 13 estados, 1.168 municípios e abrangendo uma
população de 25.362.735 habitantes, segundo estudo da Organização Pan-americana de
Saúde e do Ministério da Saúde. Trata-se de um dado impressionante comparado ao que
acontece nas outras políticas públicas Porém, os mesmos números mostravam que no bloco
das municipalidades que têm entre 10 mil a 20 mil pessoas a porcentagem de consórcios era
de 23,5%, enquanto no estrato que vai de 20 mil a 50 mi, o contingente atingido era de 12,4
%. Além do mais, nenhuma capital tinha consórcio, o que é um absurdo sabendo que as
Regiões Metropolitanas sofrem freqüentemente do problema do "carona" - habitantes da
cidade vizinha que se utilizam dos equipamentos sociais e não pagam nada por isso.
Este retrato revela que é preciso igualmente ter uma política de indução à criação
dos consórcios, na mesma linha do PAB. Só que neste caso há um problema estrutural,
revelado anteriormente: o federalismo compartimentalizado, o municipalismo autárquico e
a fragilidade jurídica deste instrumento dificultam a adesão à essa união intermunicipal.
Na área de educação, duas políticas se destacaram nos anos FHC como formas de
coordenação federativa. A primeira é a criação de um sistema amplo de avaliação dos
Ensinos Fundamental e Médio. Como tais políticas estão majoritariamente nas mãos dos
governos subnacionais, cabendo à União papel suplementar, uma maneira de garantir a
qualidade nacional é avaliar os resultados obtidos e, a partir disso, propor medidas que
possam minorar os problemas. A questão da evasão escolar, por exemplo foi bem resolvida
graças à articulação federativa entre os níveis de governo, baseada na conjunção entre
avaliação e propostas de solução - no caso, envolvendo capacitação e recursos
orçamentários.

83
A política impulsionada pelo governo Fernando Henrique que mais se aproximou de
um modelo de coordenação federativa foi o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Aprovado pelo Congresso
Nacional em 1997, o Fundef obriga os governos a aplicarem 25% dos recursos resultantes
da receita de impostos e transferências na educação, sendo que não menos de 60% deverão
ser destinados ao Ensino Fundamental. Sua implantação, em nível nacional, iniciou-se em
1o de janeiro de 1998.
Dos recursos do Fundef, pelo menos 60% devem ser aplicados na remuneração dos
profissionais do magistério em efetivo exercício de suas atividades no Ensino Fundamental
público - incluem-se aqui professores (inclusive os leigos) e os profissionais que exercem
atividades de suporte pedagógico, tais como direção, administração, planejamento,
inspeção, supervisão e orientação educacional. Ademais, são colocadas metas que balizam
a ação dos gestores locais. Entre elas, podemos citar que os estados, o Distrito Federal e os
municípios devem dispor de um novo Plano de Carreira e Remuneração do Magistério, que
regulamente as condições e o processo de movimentação na carreira, estabelecendo a
evolução funcional (por categorias, níveis, classes), adicionais, incentivos e gratificações
devidos, além dos correspondentes critérios e escalas de evolução de remuneração.
O rateio do Fundef é proporcional ao número de alunos matriculados na respectiva
rede de ensino. Com isso, a distribuição de recursos obedece a um critério mais justo,
vinculado à real assunção de encargos. Ocorre aqui uma melhor adequação entre
transferências e atribuições, algo fundamental numa Federação, especialmente a nossa, em
que a desigualdade e a politização dos critérios foram regularmente empecilhos à
efetividade das políticas.
O objetivo do Governo Federal com o Fundef foi corrigir a má distribuição de
recursos entre as diversas Regiões e dentro dos próprios estados, diminuindo as
desigualdades presentes na rede pública de ensino. Trata-se neste sentido de uma política
vertical e horizontal de redistribuição de recursos, o que a faz única no federalismo
brasileiro.
Para assegurar o seu cumprimento, a lei exige a criação dos Conselhos de
Acompanhamento e Controle Social do Fundef, instituídos em cada esfera de governo, que
têm por atribuição acompanhar e controlar a repartição, a transferência e a aplicação dos

84
recursos do Fundo. O Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do
Fundef deve ser composto de, pelo menos, quatro membros, representando a Secretaria
Municipal de Educação ou órgão equivalente; dos professores e diretores das escolas
públicas de ensino fundamental; dos pais de alunos; e dos servidores das escolas públicas
de ensino fundamental. No caso do município contar com o Conselho Municipal de
Educação, representantes deste órgão também deverão fazer parte do Conselho Municipal
de Acompanhamento e Controle Social do Fundef.
Em comparação à Saúde, na qual o papel do Governo Federal sempre foi muito
forte, a ação da União na Educação foi prejudicada pela forma confusa e movediça de
distribuição de responsabilidades e competências neste setor. De acordo com um dos
responsáveis pela reforma da educação fundamental no Estado de Minas Gerais:
"No caso da educação básica, temos uma torre de Babel protegida sob o conceito
politicamente conveniente de "regime de colaboração". Segundo esse conceito, as três
instâncias podem operar (ou não) redes de ensino; podem financiar (ou não) a educação; e
podem escolher onde desejam (ou não desejam) atuar. Resultado: não existe uma instância
do poder público que seja responsável (e responsabilizável) pela oferta (ou não) de ensino
fundamental. Cada instância faz o que pode e o que quer, supostamente em regime de
colaboração." (OLIVEIRA, 1998).
Nesta "torre de Babel", o Governo Federal cumpria as tarefas mais variadas, em
todos os níveis educacionais, mas não conseguia direcionar a contento seus esforços para o
Ensino Fundamental. Desse modo, seu comprometimento era mais voluntarista ou
discricionário do que fruto de um plano ou sistemática de cooperação federativa na área
educacional. Isto apesar da Constituição definir expressamente a missão da União: esta
deve promover prioritariamente a universalização e a eqüidade no ensino público,
incentivando, financiando e fornecendo assistência técnica a estados e municípios. O
Fundef conseguiu reorganizar com sucesso a ação federal.
Os resultados do Fundef revelam o crescimento tanto do número de alunos
matriculados como da municipalização do Ensino Fundamental, tarefas que não avançavam
satisfatoriamente no período anterior. Em 1996, antes da implantação do Fundo, 63% das
matrículas estavam na rede estadual, enquanto 37% estavam no âmbito municipal. Um ano
depois de iniciado este programa, já houve uma reversão significativa: 51% dos alunos

85
pertenciam ao sistema estadual e 49%, ao municipal. Outro dado revelador da mudança: em
1998 os governos municipais detinham 38,2% das verbas do Fundef e, em 2000, passaram
a reter 43,2% (GARSON & ARAÚJO, 2001: 2-3).
Em resumo, o Fundef foi bem sucedido no que se refere à questão federativa por ter
melhorado a redistribuição de recursos (em termos verticais e horizontais), aumentado a
esperança por simetria entre os níveis de governo, além de impulsionar uma
municipalização mais planejada e a colaboração intergovernamental. Contudo, existem três
dilemas federativos não equacionados. O primeiro é o da fragilidade do controle,
perceptível pelo enorme crescimento das denúncias de corrupção em vários estados. Para
tanto, é necessário estabelecer formas articuladas de fiscalização institucional entre o TCU,
os Tribunais de Contas do plano subnacional, o Conselho vinculado à política e o Poder
Legislativo.
A falta de interligação entre o Fundef e o sistema de mais geral de avaliação escolar,
o SAEB, constitui outro problema federativo, uma vez que, sem uma comunicação
adequada entre estes programas, fica mais difícil para União planejar e supervisionar a
implementação descentralizada do Ensino Fundamental. O Fundef, por fim, não foi
montado sob um aparato institucional capaz de discutir e revisar sua implantação tal qual há
na área de Saúde, onde a rede federativa é mais forte e legitimadora. Em termos
democráticos, é essa rede que permite a continuidade e as alterações da política ao longo do
tempo.
Finalizando a discussão de algumas políticas sociais, destacam-se duas ações na
área de Assistência Social com impactos federativos importantes. A Comunidade Solidária
constituiu-se numa experiência inovadora no que se refere à articulação com a sociedade
local. Criou uma novo modelo de parceria junto à comunidade, às empresas, aos governos
locais e ao Terceiro Setor. Programas como o Universidade Solidária e o Alfabetização
Solidária, o estabelecimento de redes de voluntários, entre outros, aprofundaram uma
característica já prevista na Constituição de 1988 e implantada pelos governos municipais
mais progressistas do país, qual seja, a execução de políticas com participação ativa da
população. Esta concepção visa a atacar o clientelismo local e, embora não acabe com ele,
torna-se uma educação para a cidadania.

86
A distribuição direta de renda à população foi outro movimento central desta área.
Iniciado com o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), passando pelo mal
definido Programa de renda Mínima até chegar ao Bolsa Escola, o governo FHC gastou
sete anos de seu mandato para construir uma forma mais efetiva de atacar a pobreza. Na
verdade, ao longo deste aprendizado, percebeu-se - conscientemente ou não - que
problemas redistributivos numa Federação, como já apontaram Paul Peterson (1995) e Paul
Pierson (1995), só podem ser resolvidos com a intervenção ativa de políticas nacionais. A
maior novidade em termos substantivos é a vinculação da transferência de dinheiro a certos
objetivos, como a manutenção da criança na escola e a redução da evasão escolar, o que,
por sua vez, derivou da transferência de experiências subnacionais ao Governo Federal.
Aconteceu aqui uma das qualidades do modelo competitivo de federalismo: a noção de
governos rivais como uma forma incentivadora da inovação.
A soma de recursos aí direcionada cresceu bastante, graças à aprovação do Fundo
de Combate e Erradicação da Pobreza e o percentual de municípios atingidos é
impressionante: 99,7%. Além disso, a partir de 2001, esta distribuição de renda direta à
população foi coordenada melhor pelo Projeto Alvorada, o qual também estabeleceu uma
focalização melhor de quem seriam os beneficiados, mediante um critério criativo de
utilização do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios. O Programa
Bolsa Escola federal, ademais, estabeleceu mecanismos interessantes para direcionar
melhor o processo de descentralização. Segundo Elaine Lício (2002), foram três estes
mecanismos:
"a) A suspensão dos repasses do FPM no caso de cadastramento fraudulento por
parte do município;
b) a institucionalização do controle social via obrigatoriedade de um Conselho
Municipal, já existente ou criado para este fim, composto por pelo menos 50% de
representantes da sociedade civil, cuja atribuição é acompanhar a implementação do
programa;
c) a vinculação do recebimento do cadastramento das famílias pelo MEC à sua
respectiva aprovação pelo Conselho Municipal" (LÍCIO, 2002: 122).
Apesar da melhora na coordenação e focalização dessas políticas ao final de seu
período governamental, paradoxalmente o presidente Fernando Henrique também permitiu

87
a proliferação de "Bolsas" ou "Vales" por vários Ministérios, de modo que mais programas
dividiram o bolo, muitas vezes com ausência de comunicação entre eles, o que pode levar
ao desperdício e à dificuldade de se avaliar os resultados. É preciso ressaltar que já há
fragmentação demais nas políticas sociais, fato que cria competições predatórias na
implementação e na coordenação do Governo Federal.

3) Retumbantes Fracassos: as políticas urbanas e de desenvolvimento

Várias ações do governo Fernando Henrique poderiam ser criticadas sob o prisma
federativo, mas duas delas precisam ser comentadas por conta do enorme impacto que têm.
A primeira diz respeito às políticas de desenvolvimento, analisadas pelo viés do
federalismo. Por esta via, uma das áreas mais problemáticas é a do ataque às disparidades
regionais. Decerto que alguns avanços foram feitos aqui, como as reformas da infra-
estrutura voltada ao turismo no Nordeste - particularmente nos aeroportos -, as ações de
reformas agrária nas localidades mais pobres, a distribuição dos recursos da previdência
rural, que beneficiam fortemente a população idosa do interior nordestino e, sobretudo, as
ações do Avança Brasil, particularmente no Norte e Centro Oeste. Todavia, a estrutura
institucional federal montada para tratar desse problemas foi bastante débil. O Ministério da
Integração Regional constituiu-se, apenas, num lugar para o fisiologismo político da pior
espécie, afora ter tido uma grande instabilidade no seu comando, com trocas freqüentes,
muitas delas derivadas de algum escândalo.
Triste sina tiveram as instituições de coordenação do desenvolvimento regional, a
Sudam e a Sudene. O presidente Fernando Henrique Cardoso poderá dizer que foi ele quem
desvelou toda uma estrutura profunda, construída por décadas, de corrupção. É óbvio que
esta obra deve ser creditada ao avanço democrático ocorrido nos últimos anos, com intensa
participação da imprensa e das instituições de controle, em particular aqui o Ministério
Público Federal. Mas o fato cabal é que o governo FHC não teve um projeto claro de
desenvolvimento regional. Ao contrário, desmantelou os órgãos incumbidos de tal tarefa,
fragmentou políticas para esta área e não propôs uma alternativa ao modelo anterior. Faltou
um planejamento estratégico para os lugares menos desenvolvidas do país, que foram
atingidos positivamente pelas macropolíticas sociais nos setores previdenciário,

88
educacional, de saúde e assistência social e por medidas ad hoc, porém não se discutiu e
nem foram tomadas medidas para reposicionar as Regiões Nordeste e Norte, em especial,
no campo do desenvolvimento econômico.
Em poucas palavras, as políticas sociais dos anos FHC reduziram desigualdades,
mas não houve a construção de instrumentos para alavancar o desenvolvimento regional,
tornando tais Regiões dependentes dos recursos federais sem que se tenha uma perspectiva
de melhora endógena desses lugares. Cabe relembrar que o federalismo depende, para seu
bom funcionamento, de medidas que aumentem a esperança quanto à simetria entre os
entes. Ações nacionais redistributivas são bem vindas, só que conjuntamente e com maior
prioridade de longo prazo deve-se estabelecer um planejamento estratégico e se construir
instituições capazes de mudar o perfil da economia local. Para isso, é preciso repensar a
Sudam e a Sudene, e não extingui-las, além de definir o que estas Regiões podem fazer para
nutrir seu próprio desenvolvimento.
Os anos FHC não tiveram uma estratégia de desenvolvimento nacional que,
especificamente, organizasse a dinâmica federativa. Isto é, não constituíram formas mais
pactuadas de relacionamento econômico entre os estados, as partir das quais se pudesse ter
maior integração e cooperação na busca dos objetivos. É claro que numa Federação, como
argumentado na segunda parte do capítulo, formas competitivas podem trazer estímulos
para o melhor desempenho das unidades subnacionais, inclusive do ponto de vista
econômico. No entanto, no governo Fernando Henrique prevaleceram jogos federativos
horizontais (interestaduais e intermunicipais) de competição predatória, nos quais o
Governo Federal teve sua responsabilidade, por ausência, anuência ou mesmo com algumas
ações diretas.
O acirramento da guerra fiscal tornou-se uma marca negativa da era FHC em termos
de estratégia de desenvolvimento econômico. Sem dúvida, há fatores que fogem da alçada
da União, como o comportamento estadualista das governadorias e os elementos da crise
financeira dos estados causados pelos próprios, resultantes do uso indiscriminado dos
instrumentos predatórios ao longo da redemocratização, o que os levou a procurar atrair
empresas para angariar empregos e impostos futuros. Nesta mesma linha, inclui-se a
dinâmica dos capitais internacionais, que têm, em várias partes do mundo, atuado para
incentivar um verdadeiro leilão entre os governos - especialmente os subnacionais - com o

89
objetivo de melhorar "o clima de negócios" (sic). Em tal leilão, o aspecto tributário vem
ganhando importância. Para não ficar numa visão reducionista, basta lembrar que nos EUA
também cresceu, nos últimos vinte anos, a batalha interjurisdicional por investimentos.
Entre 1991 e 1995, 56 mil empresas moveram-se de um estado para outro em território
norte-americano, envolvendo algo em torno de 1 milhão de empregos. Mas para que não se
tenha uma percepção benigna desse processo, vale citar a frase do senador Charles Horn, de
Ohio:
"A competição interestadual [nos Estados Unidos] é um jogo de soma-zero sem
nenhuma criação de riqueza" (DONAHUE, 1997: 106).
O jogo predatório da guerra fiscal teve efeitos piores no Brasil porque não havia, até
a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), instrumentos de restrição
orçamentária forte nos governos subnacionais. Assim, possíveis déficits poderiam ser
repassados para o Governo Federal - e parcela da dívida estadual de R$ 250 bilhões adveio
disso - ou então para gerações futuras. Calcula-se que há um passivo de mais de R$ 20
bilhões resultante da disputa fiscal - o que levou alguns governos estaduais a proporem a
constituição de um fundo federal para ressarcir àqueles que deram incentivos fiscais,
medida que chegou a ser aprovada pelo Confaz em maio de 2000 (Valor Econômico, 22 de
maio de 2002: A-3).
Os resultados econômicos da guerra fiscal, ademais, são comprovadamente inócuos.
Isto porque a adoção dessas medidas não tem alterado a redistribuição regional dos recursos
e, como mostrou o estudo de Sérgio Ferreira (2000), do BNDES, dos sete estados que mais
utilizaram os instrumentos de incentivo tributário (Rio Grande do Sul, Ceará, Paraná,
Espírito Santo, Goiás, Bahia, Pernambuco), somente o Ceará teve aumento na sua
participação no PIB nacional entre 1985 e 199827.
Fica a pergunta: como o Governo Federal poderia ter atuado nesta questão?
Primeiro, realizando políticas de desenvolvimento, a partir de decisões que sejam tomadas
em fóruns nacionais, em nome da transparência, da justiça redistributiva e da igualdade
entre os pactuantes. E, em segundo lugar, faltou uma ação mais efetiva em prol da reforma

27
Os resultados dos estados que utilizaram intensamente a guerra fiscal foram os seguintes: Goiás
teve um decréscimo de 2% para 1,9%; no Rio Grande do Sul houve uma queda de 7,9% para 7%; na Bahia,
de 5,1% para 4,1%; em Pernambuco, de 2,5% para 2,3%; no Paraná, de 6,3% para 5,8%; no Espírito Santo, de
1,7% para 1,5%; e, a grande exceção, o Ceará, teve um crescimento de 1,6% para 1,8%. (FERREIRA, 2000:
6).

90
tributária. Sempre se poderá dizer que há muitos interesses em jogo e por isso não é fácil
realizar tal reforma. Porém, os anos FHC foram pródigos na aprovação de medidas no
campo federativo tão difíceis quanto às alterações na estrutura tributária. Mais do que isso,
o custo de não se fazer esta modificação é muito alto para o equilíbrio horizontal entre os
estados e, consequentemente, para toda a Federação. Partindo da hipótese de que a reforma
tributária seja quase impossível de ser realizada, o papel do presidente Fernando Henrique
deveria ter sido o de colocar no debate público este problema e condená-lo. Em vez disso,
concedeu empréstimo do BNDES para a Ford, intercedendo, sem critérios, numa batalha
entre a Bahia e o Rio Grande do Sul, favorecendo o governo baiano em razão da pressão do
grande cacique regional, Antonio Carlos Magalhães. Neste caso, FHC perdeu para o legado
oligárquico e patrimonialista do federalismo brasileiro.
A maior fragilidade dos anos FHC foi a ausência de políticas urbanas. É bem
verdade que desde o governo Sarney elas não são prioritárias e na era Collor houve um
desmantelamento daquilo que havia. Mas o fato é que o Brasil dos anos '90 assistiu a um
processo de metropolitanização dos problemas, com a elevação do desemprego urbano, a
piora no sistema de transporte nas grandes cidades, o crescimento da desigualdade e da
pobreza metropolitanas (fenômeno bem mais complexo do que o vivido no meio rural) e o
aumento da violência nas periferias - não é por acaso o sucesso do filme Cidade de Deus.
Tudo isso ganha esta visibilidade porque 82% da população brasileira vive em áreas
urbanas e um pouco mais de 50% mora nas Regiões Metropolitanas tradicionais, nas recém
instituídas e naquelas áreas em processo acelerado de metropolitanização. Como bem notou
Regina Pacheco:
"As metrópoles brasileiras constituem hoje um dos grandes desafios à
governabilidade do país. Concentrando população, riqueza, demandas sociais, influindo
na formação da opinião pública nacional, conectando-se com cidades globais, as
metrópoles são também um imenso patrimônio coletivo a demandar políticas de
revitalização e revalorização, cujo sucesso depende de novas formas de governo e gestão"
(PACHECO, 1995: 91).
O crescimento dos problemas metropolitanos ocorreu no mesmo momento em que
não há políticas ou instituições capazes de dar conta desta questão. Primeiro em razão do
fortalecimento da concepção autárquica de municipalismo, como descrito anteriormente.

91
Isto é, os governos locais têm poucos incentivos à cooperação e atuam geralmente de forma
individualizada. Só que em áreas metropolitanizadas, em particular, os problemas de ação
coletiva são intermunicipais por natureza, de modo que é necessária a ação conjunta
(ABRUCIO & SOARES, 2001). Infelizmente, não existe ainda esta consciência na maioria
dos atores políticos locais28.
Além disso, a Constituição de 1988 foi movida por uma concepção
descentralizadora municipalista, por um modelo federativo compartimentalizado e por uma
aversão ao centralismo, justificável pelo impacto negativo que teve o "unionismo-
autoritário" desenvolvido pelo regime militar. Quando os problemas não podem ser
resolvidos sozinhos pelo poder local, envolvem mais de um ente governamental e precisam
também da intervenção ativa de uma política nacional, o desenho institucional e a cultura
política federalista predominante não têm respostas adequadas.
O resultado disso fica claro no modelo de Região Metropolitana (RM) que foi
concebido na Constituição de 1988. Na verdade, as RMs foram esvaziadas e sua
conformação legal, transferida para os estados, os quais, conforme trabalho realizado por
Sérgio Azevedo e Virgínia Guia (2000), não priorizaram esta questão no seu desenho
político-administrativo. Sem uma instância metropolitana e/ou formas que levem à
formação de colegiados metropolitanos - com os municípios envolvidos, mais os governos
estadual e federal, além da sociedade civil local -, será muito difícil resolver os dilemas dos
grandes centros urbanos.
Uma ação nacional passaria pela revisão da legislação sobre as Regiões
Metropolitanas, o que depende de revisão constitucional. O Governo Federal não tratou
deste assunto nos anos FHC. Para além da questão mais geral, o fato é que a União não
constituiu políticas adequadas para a grande maioria dos problemas metropolitanos. Isto
fica claro ao observarmos o desenho institucional do Executivo Federal em relação a esta
temática. Primeiro, repassou tal preocupação à Secretária de Políticas Urbanas, fraca
institucionalmente e politicamente, sendo destinada para obter apoios clientelistas no
Congresso Nacional. Soma-se a isso o fato de que a maioria das políticas urbanas se dividia

28
Como apontam Sérgio Azevedo e Virgínia Guia, "a inexistência de uma consciência
metropolitana em boa parte dos municípios que fazem parte dessas regiões. Prevalece , ainda, entre muitos
prefeitos e vereadores uma visão tradicional de cunho essencialmente local, que, muitas vezes, dificulta ou se
opõe à visão regional" (AZEVEDO & GUIA, 2000: 530).

92
por vários Ministérios - só o Saneamento estava presente em sete deles, mais a Secretária
de Políticas Urbanas. A fragmentação excessiva inviabiliza atingir resultados satisfatórias.
É interessante notar que no período Fernando Henrique foi aprovada uma legislação
importante sobre este tema, o Estatuto da Cidade, discutido no Congresso por mais de uma
década. No entanto, afora esta Lei ter uma visão excessivamente municipalista, com os
defeitos provindos desse exagero autárquico, ela não teve impactos significativos na agenda
do Governo Federal, até porque foi aprovada no apagar das luzes do governo FHC (10 de
julho de 2001).
As principais políticas de cunho urbano-metropolitano fracassaram. Poderíamos
citar a Segurança Pública, na qual o Governo Federal descobriu tarde seu papel, reduzido
ao financiamento dos estados, quando deveria atuar em rede na coordenação das Polícias.
No caso do Saneamento, houve um problema regulatório, com a crise das empresas do setor
e a errática (e equivocada) trajetória de privatização, e, em termos de investimento, embora
tenham se elevado no período 1995-1998, não puderem crescer mais no momento seguinte
por conta das restrições do acordo com o FMI. Segundo Marcus Melo, a Caixa Econômica
Federal, principal financiadora de infra-estrutura urbana, não firmou nenhum contrato de
financiamento na área de Saneamento entre 1999 e 2000 (MELO, 2002: 8).
Aí está um dos grandes problemas da atuação federal em políticas urbanas: a crise
dos mecanismos de crédito, fundamentais para alguns destes programas. Em especial, a
área de Habitação foi bastante prejudicada, sobretudo no que tange ao público de baixa
renda, e só não houve um colapso maior porque os governos subnacionais também
investem na construção de moradias populares, embora numa proporção insuficiente para o
tamanho do déficit do setor. Seria preciso, neste caso, resolver o problema estrutural do
financiamento nacional e estabelecer uma rede intergovernamental para potencializar os
gastos das três esferas de governo.
Como a área de desenvolvimento urbano envolve competências e atribuições dos
três níveis de governo, a coordenação federativa teria que passar, como foi feito na Saúde e
com o Fundef, pela elaboração de políticas federais indutoras, a partir das quais os
governos subnacionais fossem incentivados a cooperar e a buscar determinadas metas e
resultados. Além disso, como bem nota Marcus Melo, o sucesso das políticas públicas tem
sido maior conquanto consigam potencializar suas características intersetoriais, como

93
ocorre no Bolsa Escola, por exemplo. Isso é válido para vários setores do desenvolvimento
urbano, em particular o Saneamento, que poderia se articular mais com a Saúde,
fortalecendo os programas desta área (MELO, 2002: 25).
O presidente Fernando Henrique Cardoso percebeu, na passagem de um mandato a
outro, que sua política urbana ia de mal a pior. Por isso cogitou de criar um Ministério
específico e forte para esta área, mas não teve êxito em seu intento. Ainda que longa, vale a
pena citar a descrição de Caco de Paula a respeito deste processo:
"Durante sua campanha pela reeleição, Fernando Henrique Cardoso chegou a
anunciar a criação do Ministério do Desenvolvimento Urbano, uma superpasta que
contaria com R$ 40 bilhões, provenientes do Orçamento da União, de recursos da Caixa
Econômica Federal e que, com acordos com a iniciativa privada, se dedicaria a combater
os grandes déficits das áreas de habitação e saneamento. Saudado tanto por técnicos em
urbanismo como por empresários do setor imobiliário esse 'Ministério da Moradia' - ou
'Ministério da Cidade' - passou a ser visto como uma possibilidade de, finalmente, o
governo enfeixar as políticas de desenvolvimento urbano de forma mais integrada. Como
já acontecera outras vezes, desde os tempos do regime militar, a superpasta foi motivo de
muitos comentários, discussões e disputas entre os políticos aliados do Palácio do
Planalto. Mas na hora em que teve de articular o xadrez ministerial para o seu segundo
mandato, Fernando Henrique Cardoso abandonou a idéia. E o antigo projeto, tentado
desde o fim dos governos militares, de fazer da questão urbana a grande prioridade da
ação federal, novamente, ficou para o futuro" (PAULA, 2002: 419).
A lição fica para o próximo governo: um Ministério das Cidades é prioridade neste
país com grandes problemas metropolitanos, fragilidade e fragmentação nas políticas
urbanas e uma articulação intergovernamental incipiente.

94
VII - Conclusão: Lições e Desafios

Os anos FHC foram marcados por grandes mudanças, orientadas normalmente pelo
eixo da reforma do Estado. Em boa parte de suas ações, o presidente Fernando Henrique
Cardoso poderia adotar como sua a concepção expressa por Aspásia Camargo, citada
abaixo:
“A Federação é a coluna vertebral que pode ou não dar consistência e viabilidade
ao conjunto de reformas econômicas sociais e políticas que o Brasil pretende realizar”
(CAMARGO, 1994: 93).
Neste sentido, um balanço do período Fernando Henrique ressaltaria,
primeiramente, as transformações positivas que conseguiu realizar. A partir da "conjuntura
crítica" conformada sob a "era do Real", o governo FHC foi maquiaveliano ao destruir
praticamente todas os mecanismos predatórios presentes no estadualismo que vigorou na
redemocratização. O fim dos Bancos estaduais e de outras "torneirinhas" dos governadores
- a última foi a dos precatórios, ainda usada durante os primeiros anos FHC -, a
renegociação da dívida dos estados e, sobretudo, a aprovação da Lei de Responsabilidade
Fiscal foram modificações profundas no federalismo. A criação de uma ordem
intergovernamental mais responsável, pelo menos do ponto de vista financeiro, também
esteve presente na aprovação da "Emenda Jobim", que dificultou a proliferação de
municípios, na mudança da legislação acerca do endividamento subnacional, efetivada pelo
Senado e pelo Banco Central, e na modernização da estrutura fazendária na União e nos
estados (além de algumas capitais). O maior ganho é a criação de uma cultura de
responsabilidade fiscal que vai além da própria legislação.
O Governo Federal teve ações bem sucedidas também no campo da coordenação
administrativa. A experiência da parceria MARE/Fórum dos Secretários Estaduais de
Administração foi uma inovação que juntou colaboração vertical com estímulos ao
associativismo intergovernamental. O erro foi ter paralisado este processo, embora ela
tenha germinado um modelo de relacionamento entre os entes que se repetiu no segundo
mandato no campo previdenciário, exatamente aquele em que tinha havido um fracasso
retumbante de coordenação federativa. O BNDES é outra instituição que se destacou muito
no auxílio e indução de políticas públicas para os estados e municípios, além de ter criado

95
uma base de dados excepcional em seu site, com o chamado Banco Federativo. Aliás, a
melhora do tratamento da informação no Executivo Federal ajuda tanto na sua atividade
coordenadora como também na obtenção de dados pelos outras esferas de poder. Aqui, os
Ministérios da Saúde, da Fazenda, da Previdência, da Educação, do Planejamento e a
própria Presidência da República merecem elogios.
Na descentralização de políticas sociais, o governo FHC apresentou alguns
resultados bastante satisfatórios. Alguns vieram de uma prática incremental, ou seja, de
continuar o que já estava no caminho certo, aperfeiçoando certos aspectos, como é o caso
dos Conselhos de Políticas Públicas e do modelo do SUS. Alvissareira foi a aposta num
novo relacionamento entre Estado e sociedade no plano local, algo que estava inscrito na
Constituição, mas que ganhou mais vida em determinadas áreas, entre as quais citaríamos
aquelas associadas ao Comunidade Solidária. Infelizmente, neste tópico, o Governo Federal
fracassou na implementação das Organizações Sociais, que poderiam ter sido um outro
meio de reformular a relação entre os serviços públicos e os cidadãos.
A criação de mecanismos de coordenativa federativa na Saúde, com o PAB, e na
Educação, com o Fundef, foi a maior novidade no campo das relações intergovernamentais.
Em ambos há instrumentos indutores, seja pela via do financiamento seja pelo controle
social, os quais fortaleceram uma descentralização orientada por resultados padronizados
nacionalmente e que não desvirtuam o caráter autônomo dos governos subnacionais. Entre
os dois, o mais sofisticado é o Fundef, uma vez que prevê redistribuição horizontal entre os
entes, a única em nossa Federação; metas quantitativas e qualitativas; e, ademais, ao
estipular um prazo de validade para além do período FHC, consegue responder, ao mesmo
tempo, aos desafios da lógica do Estado - regras mais estáveis para além das intempéries
conjunturais - e da lógica do governo, já que não engessará a gestão de todos os próximos
presidentes, o que obrigaria, a cada mudança democrática de governante, a realização de
reformas constitucionais, defeito estrutural de nosso sistema político.
Políticas nacionais de combate à pobreza mais articuladas com propósitos
intersetoriais, voltadas à emancipação dos cidadãos (renda mais educação) e mais focadas
constituem outro avanço do período. Pena que tenham se consolidado nos dois últimos anos
de governo, algo absurdo para um presidente cujo partido intitula-se social-democrata. Os
programas estratégicos de investimento contidos no PPA também tiveram um efeito

96
importante em algumas Regiões do país, mormente no Centro-Oeste. De resto, há outros
sucessos federativos dispersos em decisões ad hoc ou sem uma maior importância e
visibilidade no conjunto do governo.
Os erros e as insuficiências do governo Fernando Henrique no front federativo
decorrem de questões mais estruturais presentes na trajetória do federalismo brasileiro e de
opções governamentais equivocadas. No que se refere ao primeiro aspecto, a fragilidade
republicana dos níveis subnacionais, presente desde a fundação da Federação, vem se
modificando, mas ainda constitui obstáculo às ações do Governo Federal. Tanto melhor
seria se o presidente FHC e sua coalizão percebessem o quanto a reforma do sistema
político, em especial das instituições responsáveis pela accountability do plano local, é
essencial para o sucesso de qualquer governante que assume o posto nacional. Não se pode
negar, por outro lado, que houve avanços nos costumes políticos, afinal dois dos maiores
caciques regionais brasileiros, ACM e Jáder Barbalho, perderam seus mandatos num
processo inimaginável a alguns anos. Mas voltaram novamente para Brasília, porque o
republicanismo é uma obra ainda em construção nos estados e municípios.
Outros três legados federativos que influenciaram negativamente os anos FHC
advêm da redemocratização. O primeiro é o federalismo compartimentalizado, em que cada
nível de governo é uma "caixinha" separada da outra. A busca pela autonomia
governamental depois do centralismo autoritário explica em parte este processo, mas a
lógica da competição política à brasileira é igualmente um elemento que ressalta essa
divisão estanque do poder. Por vezes, este obstáculo foi ultrapassado, normalmente pela
mudança no desenho das políticas públicas, mas sua superação vai depender da
conscientização da gravidade desse problema por parte da sociedade brasileira. A trajetória
da redemocratização nos legou, também, uma concepção autárquica do municipalismo, que
precisa ser modificada. Aqui, a ação da União e dos estados para incentivar uma visão
consorciada são fundamentais, porém a alteração deste quadro talvez só ocorra com novas
regras, como a refundação do conceito de Região Metropolitana. Por fim, o estadualismo
predatório persistiu na guerra fiscal. Este aspecto é anterior e mais profundo do que o
projeto do presidente Fernando Henrique, mas ele poderia ter ao menos levado mais adiante
a discussão sobre a reforma tributária no Congresso Nacional e na sociedade

97
O governo FHC não avançou em certas áreas federativas por seus próprios
equívocos. Um deles foi a predominância exacerbada do fiscalismo, que prejudicou uma
visão mais acurada do processo de reforma do Estado nos governos estaduais. Além disso,
os comandantes de Brasília erraram em alguns diagnósticos porque não estabeleceram uma
rede federativa mais forte com as Administrações subnacionais - é o velho vício do
insulamento. O exemplo mais gritante, aqui, é o do problema dos inativos nos estados. Se
tivessem detectado mais cedo a fonte verdadeira do desequilíbrio das conta públicas
estaduais, poderiam ter utilizado melhor os recursos de privatização para capitalizar Fundos
de pensão. Como a história é sempre melhor compreendida depois dos fatos, é preciso
elogiar os técnicos do Ministério da Previdência que, no segundo mandato, tentaram
corrigir, com competência, os erros cometidos antes.
A fragmentação das políticas sociais foi outro problema do período FHC. Não
obstante algumas ações coordenadoras ao final do período, como o Projeto Alvorada, o
balanço geral revela um alto grau de dispersão em determinadas áreas, como o Saneamento
Básico. Mas os maiores erros aconteceram nas políticas de desenvolvimento e urbanas. Nas
primeiras, faltou ao país políticas nacionais para aumentar a simetria federativa. Já as ações
para a questão urbano-metropolitana foram as mais mal sucedidas destes oito anos. Ao
próximo governo fica a lição de que a Segurança Pública, o Saneamento, a Habitação, o
Transporte das grandes cidades e certos temas ambientais precisam, urgentemente, de
programas federais devidamente articulados com os outros níveis de governo, como deve
ocorrer numa Federação democrática.
Para concluir, coloco quatro desafios para o próximo governo29. O primeiro é
aprofundar a análise sobre o que ocorreu nos anos FHC, preservando a memória
administrativa do período, que foi bastante rico em inovações de políticas públicas, mas
também aprendendo com os erros, porque eles costumam se repetir mais do que se imagina.
Além disso, seria interessante conhecer mais a experiência de descentralização de outras
Federações, num trabalho de benchmarking, não para copiar, e sim para descobrir caminhos
que possam servir de inspiração.
Um segundo desafio está na articulação maior entre a os funcionários públicos
federais e os subnacionais, em todos os níveis de gerência. Isso facilitaria o processo de

29
Esta parte final, referente aos desafios, é baseada em Abrucio, 2002.

98
coordenação das políticas descentralizadas. Os servidores das carreiras estratégicas da
União, em especial, deveriam ter um estágio de pelo menos três meses em algum município
do Brasil, para conhecer melhor nossa realidade.
O ataque ao modelo compartimentalizado de federalismo é o terceiro desafio. Para
tanto, é preciso incentivar a ações consorciadas no plano local; recriar, com mais
mecanismos de poder, as Regiões Metropolitanas; reconstruir a Sudam e a Sudene, para
atuar sobre o problema do desenvolvimento regional e reforçar a solidariedade federativa;
repensar os fóruns de debates e negociação federativos, como o Confaz e o Conselho de
Gestão Fiscal, e instituir novos instrumentos neste sentido, como uma Agência de Estudos e
Debate Federativo, nos moldes da ACIR norte-americana. É preciso, ademais, encontrar um
maior equilíbrio entre cooperação e competição em nossa Federação, para nos livrarmos
dos legados negativos da trajetória de nosso federalismo.
Por fim, o grande desafio do próximo governo é aumentar a capacidade de
coordenação do Governo Federal ante o processo de descentralização. Medidas para tanto
deverão ser tomadas em cada política específica e, fundamentalmente, precisa ser criada
uma forma de coordenar as ações entre todos os programas que tenham interseção, para
evitar o desperdício ou mesmo a competição predatória por recursos públicos.
Enfrentar estes quatro desafios é lutar contra a visão dicotômica que contrapõe
centralização à descentralização. É descobrir que o Governo Federal tem um papel
essencial no processo descentralizador e não é seu inimigo.

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