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Algo estava muito errado. Nobambo sabia: ele havia percebera as mudanças em
si próprio e nos outros sobreviventes, inclusive em Akama. O restante do
acampamento também sabia. Os companheiros pareciam se dirigir a ele cada vez
menos, inclusive o Rolc. E, noutro dia, quando Nobambo havia retornado ao
acampamento com alguns peixes pequenos, disseram-lhe que já tinham o
bastante e que ele próprio deveria comê-los... como se o mal que afetava ele e os
outros, qualquer que fosse, pudesse ser transmitido pela comida manipulada por
ele.
Nobambo estava enojado. Tudo que fez pela raça não significara nada? Ele
passou a gastar horas e horas no alto das montanhas, contemplando quietamente,
forçando a mente a se concentrar, tentando desesperadamente conseguir o que
permanecia inatingível: acessar a Luz. Era como se uma porta lhe tivesse sido
fechada, como se a parte da mente dele que era capaz de contactá-la tão
facilmente não mais funcionasse ou, pior ainda, não existisse mais.
Até atividades simples como essas faziam a cabeça dele doer. Ultimamente,
estava ficando cada vez mais difícil articular os pensamentos. Os braços
continuaram a inchar, um inchaço que não ia embora, e os cascos começaram a
se estilhaçar. De fato, pedaços deles haviam caído e não tornaram a crescer. E,
enquanto isso, os pesadelos... os pesadelos persistiam.
“Bom”, pensou Nobambo. “Espero que os orcs passem por aquilo e apareçam no
inferno.”
O combalido draenei se ergueu e, lenta e deliberadamente, tomou o caminho de
volta ao acampamento, grato por poder apoiar-se no martelo, o qual havia se
tornado tão pesado ao longo das últimas semanas que era preciso carregá-lo de
cabeça para baixo, usando-o, sobretudo, como bengala.
Horas depois, Nobambo chegou ao destino e decidiu falar com Rolc. Juntos, eles
poderiam convocar uma reunião para tratar da questão da intolerância crescente
exibida por...
Nobambo parou na entrada da caverna de Rolc. Korin estava lá, deitada sobre um
cobertor. Estava tão transformada que já não se parecia como uma draenaia, mas
como um arremedo da raça. Ela estava adoecida e esquálida. Seus olhos estavam
amarelados, e seus antebraços estavam muitíssimo inchados. Os cascos estavam
destruídos a ponto de não restar nada além de duas protuberâncias ósseas, e a
cauda não passava de um cotoco diminuto. Apesar da aparência frágil, ela se
debatia nos braços de Rolc.
Rolc a segurava com firmeza. Rapidamente, Nobambo inclinou-se para perto dela.
– Não sejas tola! – Nobambo olhou para Rolc. – Não podes curá-la?
Uma vez lá fora, Rolc olhou fixamente para Nobambo. – Fiz tudo que eu sabia. É
como se o corpo dela, assim como sua vontade, tivessem sido degradados.
– Deve haver algo que possa... Alguma forma de... – Nobambo lutava para
comunicar seus pensamentos adequadamente. – Temos de fazer alguma coisa! –
afirmou, finalmente.
Rolc ficou em silêncio por um momento. – Estou preocupado com eles e contigo.
Temos recebido relatórios a respeito de sobreviventes de Shattrath em outros
acampamentos que estão passando pela mesma situação. Seja lá o que isso for,
não está respondendo a qualquer tipo de tratamento e não está melhorando. O
nosso povo teme que, se providências não forem tomadas, estaremos todos
perdidos.
– O que estás dizendo? O que aconteceu?
– É só conversa – Rolc suspirou – por enquanto. Tentei ser a voz da razão, mas
nem mesmo eu sou capaz de defende-te e os demais por muito tempo. E, com
toda franqueza, nem sei se eu deveria.
No final das contas, Rolc havia sido escolhido pelo acampamento como porta-voz:
– Isso não é fácil para mim, tampouco para qualquer outro aqui... – Apontou para
a assembleia estoica atrás de si. – Mas conversamos com representantes dos
outros acampamentos e, juntos, chegamos a uma decisão. Acreditamos que será
melhor para todos os envolvidos se os... afligidos... se juntarem, mas... separados
dos demais, que estão saudáveis.
– Não temos como ajudar-vos! – exclamou Rolc. – Não sabemos se essa doença
é contagiosa, e a capacidade física reduzida, as faculdades mentais debilitadas
são um risco que não podemos assumir. Somos muito poucos para nos
permitirmos correr riscos!
– Ficará aqui, sob meus cuidados, até acordar – respondeu Rolc – se ele acordar.
– Quanta gentileza a tua – Nobambo resmungou, sarcástico.
– Dei tudo de mim em Shattrath! Eu estava preparado para morrer para que tu,
para que todos pudessem viver!
– Acho que, se a Luz abandonou-te, ela o fez com razão. Quem somos nós para
questionar a Luz? – Rolc olhou para trás em busca de apoio dos demais. Alguns
desviaram o olhar, mas muitos não. – Qualquer que seja o caso, acho que é hora
de aceitares tua nova posição na ordem das coisas. Acho que é hora de levar o
bem-estar dos demais em consideração...
– E acho que está na hora de parares de tentar ser algo que não és.
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“Foi um erro vir aqui. Nada mudou. Você ainda é krokul? Você permanece
degradado.”
Não. Eles iriam ouvir. Ele os faria ouvir. Havia, afinal de contas, a epifania.
Nobambo desviou os olhos do grupo para a fonte no centro da pequena praça.
Daquela água, ele pediu clareza.
De início, ao tentar falar, a voz de Nobambo soou pequena e rouca, distante até
mesmo para os seus próprios ouvidos. O degradado limpou a garganta e
recomeçou, com mais potência:
Nobambo virou de costas para ir embora e olhou dentro dos olhos plácidos do
profeta, o líder dos draeneis, Velen.
***************
Quando ele e os demais foram exilados para o novo acampamento dos krokul,
como eles finalmente começaram a ser chamados, Nobambo estava frustrado e
deprimido. Foi ao ponto mais distante possível na única direção que lhe foi
permitida. Sempre quisera investigar os picos na fronteira do Pântano Zíngaro,
mas na base dessas montanhas ficavam os acampamentos dos que não foram
“afetados”, uma região agora proibida para a “espécie” dele.
E assim, ele se aventurou em meio ao calor escaldante até os picos muito acima
dos desertos mais desolados de Draenor; desertos que um dia foram clareiras
verdejantes, antes da política de ódio e genocídio dos orcs; desertos criados por
bruxos e suas magias perversas.
Ao menos os orcs eram um problema menor nessa época. Alguns grupos errantes
ainda patrulhavam, e eles ainda matavam draeneis assim que os avistavam.
Contudo, os selvagens de pele verde estavam em menor número. Muitos deles
partiram através do portal havia anos e não voltaram.
“Basta”, pensou Nobambo. “Pare de enrolar. Faça o que você veio fazer”.
O krokul procrastinava porque parte dele sabia que esta vez não seria diferente
das outras. Mas, ainda assim, ele o faria, assim como ele havia feito todo dia ao
longo das últimas semanas... porque, de alguma forma, uma parte dele ainda tinha
esperança.
Nada.
“Insista.”
“Nobambo.”
O krokul quase saltou para fora da própria pele, seus olhos arregalando-se
enquanto ele se apoiava com a mão. Olhou em volta e, então, mirou o céu.
“Encontrei você!”
– Ah, sim! Um novo membro chegou ao acampamento hoje. Disse que os orcs
estavam... se reagrupando. Preparando-se para alguma coisa. Eles estão sendo
comandados por um novo... como eles chamam? Aqueles que fazem magia
negra?
– Bruxo?
– Sim, acho que era isso. Korin se levantou e deu um passo à frente, parando a
poucos centímetros da beirada do penhasco. Ficou em silêncio por um longo
momento.
Não longe dali, a figura atrás das pedras partiu tão silenciosamente quanto
chegara.
Os olhos de Korin estavam distantes, e da mesma forma soava a voz rouca, como
se ela não estivesse inteiramente presente. – O que você acha que aconteceria se
eu desse mais alguns passos?
– Sim, o meu corpo cairia. Mas, por vezes, acho que espírito... voaria? Não, não é
essa a palavra. Qual é a palavra?... Subir e subir, como se eu estivesse voando?
– Flutuar?
Enquanto saía da caverna, ele notou que os demais estavam reunidos, olhando
para cima, protegendo os olhos. Ele saiu debaixo de um cogumelo gigante, ergueu
os olhos e também foi forçado a protegê-los, boquiaberto.