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A NATUREZA JURÍDICA DO ARTIGO 28, DA LEI 11.

343/2006

Emilly Caroline Costa da Silva Tedesco¹


Luana Carolina Rohde²
Milena Thaís Kerkhoff Utzig³
Pâmela Muriel Bolfe4

RESUMO: A lei 11.343/2006, conhecida como nova lei de drogas em detrimento da lei
6.368/1976, trouxe nova roupagem à política criminal brasileira. Ao trazer algumas
peculiaridades, tem-se como um dos pontos mais controvertidos o disposto no artigo 28,
quanto à singularidade da sua natureza jurídica. Esse estudo, portanto, tem por objetivo
analisar a natureza jurídica do art. 28, da lei 11.343/2006, haja vista as divergências
doutrinárias existentes, as quais levaram as discussões à Suprema Corte por meio do Recurso
Extraordinário 635.659/SP. O tema foi abordado de forma dialética, cujo objetivo foi a
contraposição das visões doutrinárias a fim de se obter uma conclusão a respeito do assunto
haja vista a realidade observada na sociedade brasileira. Como resultado dessa verificação,
tem-se o posicionamento majoritário que preconiza o art. 28, da lei 11.343/06, como crime
que foi “despenalizado”. Entretanto, a análise do tema não se faz simples.

Palavras-chave: Despenalização do art. 28, Lei 11.343/06; Descriminalização; Recurso


Extraordinário 635.659/SP.

1. INTRODUÇÃO

O panorama legislativo brasileiro modifica-se de forma gradual de acordo com as


demandas sociais imbricadas, as quais impulsionam o legislador a fazer as reformas e
substituições necessárias na legislação já existente. Entretanto, não é sempre que a técnica
legislativa se mostra clara ou tem seus objetivos explícitos, ocasionando amplos debates entre
os aplicadores do direito a esse respeito.
Não obstante, a lei nº 11.343/2006 é palco de debates por parte da doutrina,
principalmente quanto ao disposto no art. 28, não se tendo um posicionamento firmado
quanto a natureza desse ilícito penal. Nesse espeque, não se compreende de forma plena se o
objetivo do legislador foi descriminalizar a conduta em questão, despenalizá-la, ou até mesmo
se o que foi previsto nesse dispositivo seria inconstitucional.
Diante do exposto, este estudo encontra-se dividido da seguinte forma: na segunda
seção vislumbra-se breves considerações sobre a lei 11.343/2006; na terceira, há a abordagem
do artigo 28 sob o ponto de vista da despenalização; na quarta seção, a abordagem remete-se à
possível descriminalização da conduta do art. 28, da referida lei; e, por último, na quinta
seção, tem-se o julgamento do Recurso Extraordinário nº 635.659/SP, pelo STJ, cuja
argumentação central corrobora pela inconstitucionalidade do art. 28, da lei 11.343/2006.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE


2006

A lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, surge em um contexto ambíguo ao que diz


respeito a política criminal de drogas em nosso país. Tendo de um lado, uma tendência
¹ Aluna do 4º ano do Curso de Direito, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, emillytedesco@outlook.com.
² Aluna do 4º ano do Curso de Direito, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, luanacarolina_rohde@hotmail.com.
³ Aluna do 4º ano do Curso de Direito, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, milena.utzig@yahoo.com.br.
4
Aluna do 4º ano do Curso de Direito, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, pamelamurielbolfe@gmail.com.
fortemente criminalizante, e, de outro, aponta para a presença de discursos contra-
hegemônicos que buscam discutir políticas sociais sobre o uso de drogas.
É em face do expressivo aumento do consumo de drogas no país que ocorreram
profundas discussões em torno do assunto, o que levou a reformulação na política de combate
e prevenção das drogas com o surgimento da Lei nº 11.343 de 2006.
A nova Lei de Drogas trata como objeto da conduta criminosa apenas a droga em si,
nas leis anteriores eram tratadas por substâncias entorpecentes ou capazes de determinar
dependência física ou psíquica, e deveria especificar em lei quais eram essas drogas,
atualmente, trata-se de lei penal em branco, onde complementa o seu texto com outras leis
previstas no ordenamento.
Um dos dispositivos de maior impacto modificativo se refere ao novo tratamento penal
dado ao usuário de drogas, que atualmente encontra-se tipificado no art. 28 da nova Lei.
A grande discussão do artigo 28 da Lei de Drogas se deu com a forma mais branda de
punir usuários de drogas. Os crimes são caracterizados por utilizar como punição a pena de
detenção ou reclusão, de acordo com o artigo primeiro da Lei de introdução do Código Penal,
diferentemente do artigo 28 da Lei de Drogas que não utiliza nenhuma dessas formas para
punir o usuário de drogas, abancando então uma discussão acerca da sua natureza jurídica.
Nasce, com isso, uma grande celeuma: tendo em vista que o art. 28 não mais continha
pena privativa de liberdade, é possível afirmar que houve a descriminalização da conduta de
portar drogas para consumo pessoal? Qual a natureza jurídica do art. 28?
Para Cleber Masson (apud, Mello, 2017) o debate ultrapassa conjecturas meramente
doutrinárias, uma vez que veicula implicações práticas. Visto que, aferindo os arts. 2º e 107
do Código Penal, sabe-se que uma abolitio criminis configura causa de extinção de
punibilidade, operando a cessação da execução e dos efeitos penais da sentença condenatória,
inclusive os secundários, como a reincidência e maus antecedentes.
Em suma, três correntes surgiram a partir dessa discussão. A primeira delas, cujo
maior expoente é o professor Luís Flávio Gomes, afirma que houve uma “descriminalização
formal” da conduta de portar drogas para consumo pessoal, de modo que o art. 28
representaria uma “infração penal sui generis”, já que não se encaixaria no conceito de crime
nem na definição de contravenção penal. Em outras palavras, a inovação trazida pela Lei de
Drogas de 2006 “retira o caráter criminoso do fato mas não retira do campo do direito penal”
(apud Mello, 2014).
A segunda corrente, minoritária em comparação às demais, aproveita muito da tese
anterior, mas vai além: defende ter havido uma “descriminalização substancial”, ou seja,
houve um verdadeiro abolitio criminis, de modo que o art. 28 sequer faria parte do Direito
Penal, da mesma forma que não integraria o Direito Administrativo, passando a pertencer ao
Direito judicial sancionador, “seja quando a sanção alternativa é fixada em transação penal,
seja quando imposta em sentença final, no procedimento sumaríssimo da lei dos juizados”
(apud Mello, 2014).
Por fim, a terceira posição, que é majoritária, assevera que o art. 28 ostenta status de
crime, tendo ocorrido apenas uma “despenalização”, a qual pode ser caracterizada da seguinte
forma: significa adotar processos ou medidas substitutivas ou alternativas, de natureza penal
ou processual, que visam, sem rejeitar o caráter criminoso da conduta, dificultar, evitar ou
restringir a aplicação da pena de prisão ou sua execução ou, pelo menos, sua redução.

2.2 DESPENALIZAÇÃO DO ART. 28, DA LEI 11.343/2006

O art. 28 da Lei nº 11.343/06 pune quem adquirir, guardar, tiver em depósito,


transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar. As penas consistem em advertência sobre
os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo.
Nota-se, portanto, que a posse de drogas para uso pessoal não resulta em nenhuma
espécie de privação de liberdade, o que, desde a entrada em vigor da Lei nº 11.343/06, motiva
discussões acerca da natureza jurídica da infração, isto é, se ainda permanece a natureza de
infração penal ou se houve a descriminalização.
No julgamento do RE 430.105/RJ, o STF reputou que a posse de drogas para consumo
próprio mantém a natureza criminosa, diferindo das demais figuras delituosas apenas quanto
às consequências, já que não se aplica pena privativa de liberdade. Ocorrência, pois, de
despenalização, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade:

POSSE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL: (ART. 28 DA L. 11.343/06 –


NOVA LEI DE DROGAS): NATUREZA JURÍDICA DE CRIME – 1. O art. 1º da
LICP – que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está
diante de um crime ou de uma contravenção – não obsta a que Lei ordinária
superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para
determinado crime – como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 – pena diversa
da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções
constitucionais passíveis de adoção pela Lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e
XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto
desapreço do legislador pelo “rigor técnico”, que o teria levado inadvertidamente a
incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado
“Dos Crimes e das Penas”, só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo
III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão “reincidência“, também não se pode
emprestar um sentido “popular”, especialmente porque, em linha de princípio,
somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a regra geral
do C. Penal (C. Penal, art. 12). 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao
processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os
crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de
aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e
5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes
do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de “despenalização”,
entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7.
Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio
criminis (C. Penal, art. 107). II. Prescrição: Consumação, à vista do art. 30 da L.
11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa
interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado.

O tribunal, contudo, julga atualmente o recurso extraordinário nº 635.659, no qual se


discute a constitucionalidade do art. 28. Para Gilmar Mendes, as sanções descritas no
dispositivo passam a ter caráter exclusivamente administrativo, pois a punição criminal
“estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos, bem como
gera uma punição desproporcional ao usuário, violando o direito à personalidade”. Os
ministros Roberto Barroso e Edson Fachin também consideraram inconstitucional a
criminalização, mas limitaram seus votos à maconha, a que se referem os fatos tratados no
recurso.
O STJ tem seguido o mesmo entendimento firmado pelo STF no RE 430.105, isto é,
considera que a conduta de posse de droga para uso pessoal mantém a natureza criminosa,
apesar da despenalização promovida pela Lei nº 11.343/06.
Reinaldo Daniel Moreira (apud Maluly, 2014) lembra que o Deputado Paulo Pimenta,
relator do Projeto de Lei que deu origem ao diploma em apreço, claramente não deu a
entender que o intuito da lei era a descriminalização do uso. Conclui o doutrinador:
Trata-se, de fato, o artigo 28 da Lei nº 11.343, de previsão singular no ordenamento
secundário da descrição típica de penas distintas das privativas de liberdade e, de
multa, medida de caráter nitidamente despenalizador. Contudo, ao que parece,
este fator, por si só, não pode conduzir ao entendimento de que a conduta ali
prevista fora descriminalizada” (cf. Algumas considerações acerca da pretensa
descriminalização do uso de entorpecentes pela Lei nº 11.343/2006, Boletim do
IBCCrim nº 169, dezembro de 2006, apud Maluly, 2014).

Dessa forma, não importando o argumento que se adote, a manutenção da


classificação de crime ou adoção de uma terceira classificação pelo denominado sistema
tripartido, a punição da conduta prevista no artigo 28 da Lei nº 11.343/06 somente com penas
alternativas não retira o seu caráter criminoso, devendo-se falar, em verdade, na ocorrência de
uma despenalização, em virtude do abrandamento das penas.

2.3 DESCRIMINALIZAÇÃO DO ART. 28, DA LEI 11.343/2006

Em contrapartida ao entendimento daqueles que defendem a despenalização do art. 28


da Lei 11.343/06, encontra-se parcela da doutrina que afirma que, na verdade, houve a
descriminalização do art. 28 da Lei nº 11.343/06, posto que sua nova redação, não mais prevê
pena restritiva de liberdade e multa, o que ocorria com sua versão anterior, dada pela
revogada Lei nº 6.368/76.
Assim, observa-se a relevante diferença entre os dois artigos, sendo o primeiro
pertencente à revogada lei de drogas (Lei nº 6.368/76) e o segundo, atual redação dada pela
Lei nº 11.343/06:
Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50
(cinquenta) dias-multa. (BRASIL, 1976)

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,
para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia,
cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de
substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. (...)
(BRASIL, 2006)

Como se percebe, a nova redação da tipificação penal somente pune o infrator por meio
de penas alternativas, aplicando-se assim, advertência sobre os efeitos das drogas, prestação
de serviços à comunidade, ou ainda, medida educativa de comparecimento a programa ou
curso educativo.
Desta forma, em consequência à redação mais branda dada pela Lei 11.343/06 ao antigo
tipo penal, parte da doutrina passou a sustentar o entendimento de que houve uma
descriminalização “formal” da conduta, mesmo que a posse de droga para consumo pessoal
não tenha sido legalizada.
Tal posicionamento é liderado pelo jurista Luiz Flávio Gomes e fundamentado pelo
disposto no art.1º da Lei de Introdução ao Código Penal, o qual define crime utilizando como
critério o tipo de pena atribuída ao fato.

Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de


reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente
com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina,
isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou
cumulativamente. (BRASIL, 1941)

Quanto ao conceito do que seria descriminalização, Gomes (2016), afirma que


descriminalizar é retirar de algumas condutas o seu caráter de criminosas, e em
consequência, o fato descrito na lei penal deixa de ser crime (deixa de ser infração penal).
Acrescenta ainda, que a descriminalização pode ser dividida em duas espécies, sendo
classificada como: a) "Descriminalização Penal", que "retira o caráter de ilícito penal da
conduta, mas não a legaliza", e b) "Descriminalização Plena ou Total", a qual "afasta o
caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente". (GOMES, 2006, p.108).
Do conceito apresentado pelo jurista, conclui-se que o mesmo entende haver uma
descriminalização penal sobre o tipo descrito no art.28 da Lei de Drogas, vez que apesar de
retirar o caráter de ilicitude da pena da conduta, não a legaliza.
Concluindo, tem-se que o jurista entende:

Ora, se legalmente (no Brasil) “crime” é a infração penal punida com


reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa),
não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova Lei) deixou
de ser ‘crime’ porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação
de serviços a comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não
conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás justamente por isso, tampouco esta
conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de
prisão simples ou multa). Em outras palavras: na nova Lei de drogas, no art.28,
descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a
etiqueta de “infração penal” porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem
pena de prisão não se pode admitir a existência de infração “penal” no nosso país.
(...) A posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui
generis. (GOMES, 2006, p. 109).

Outrossim, com base nos apontamentos do jurista Luiz Flávio Gomes, infere-se que
ocorreu a descriminalização do art. 28, da lei 11.343/06, pois a conduta descrita não possui
como punição o status de pena ou mesmo contravenção penal, ainda, que não tenha sido
legalizada pelo legislador pátrio.

2.4 O RECURSO EXTRAORDINÁRIO 635.659/SP

Além das controvérsias acima citadas, outro assunto muito questionado é acerca da
inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas, situação fática que enquanto não for
devidamente resolvida implica em insegurança ao nosso ordenamento jurídico. Um
posicionamento que vem se fortalecendo, o qual é defendido por inúmeros juristas, sustenta
que houve a violação de princípios constitucionais, sendo os principais a dignidade da pessoa
humana, a intimidade e a isonomia. Nesse âmbito, argumentam que,
É hora de olhar para o tal art. 28: “Quem adquirir, guardar, tiver em
depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido
às seguintes penas (...)”. Transbordando a ação para terceiros, não há mais falar em
“consumo pessoal”. Para a conformação típica, presume-se o isolamento dos efeitos
da conduta no próprio agente. Todo o cenário contemplado no art. 28 pressupõe a não
irradiação do fato para além da murada da vida privada, ambiente este que está
protegido pelo inc. X do art. 5.º da CR, e, por isso, não pode ser objeto de
criminalização. (GARCIA, s/d)
O que falta para finalizar as divergências acerca da inconstitucionalidade é o
Julgamento do Recurso Extraordinário 635.659/SP, o qual foi interposto contra a prisão de
Francisco Benedito de Souza, no ano de 2011, acusado de portar três gramas de maconha em
sua marmita, sendo condenado pelo crime de posse de drogas previsto no art. 28 da Lei de
Drogas. A sua defesa sustentou que tal criminalização viola o artigo 5º, X, da Constituição
Federal de 1988, segundo o qual “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação”.
Em contrapartida, houve a resposta do Ministério Público, o qual sustentou que o bem
protegido pelo dispositivo é a saúde pública, pois a conduta do indivíduo que traz consigo
drogas para uso próprio, contribui para a proliferação do vício na sociedade (RODRIGUES,
2016). Nessa linha, os adeptos de tal posicionamento justificam que a simples posse de
entorpecentes coloca em perigo a saúde pública, tendo em vista o risco de difusão da droga,
ademais, serve de fomento para o tráfico de drogas (COUTO; SILVA, 2015).
O julgamento do Recurso iniciou somente no ano de 2015 pelo Supremo Tribunal
Federal, e foi votado pelos ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Roberto Barroso, sendo
que os três votos deliberaram pela inconstitucionalidade do art. artigo 28 da Lei nº 11.343/06,
porém cada voto com suas peculiaridades. O ministrou relator Gilmar Mendes pediu a
descriminalização de todas as drogas e sustentou em seu voto que:

É possível assentar que a criminalização do usuário restringe, em grau


máximo, porém desnecessariamente, a garantia da intimidade, da vida privada e da
autodeterminação, ao reprimir condutas que denotam, quando muito, autolesão, em
detrimento de opções regulatórias de menor gravidade. Nesse contexto, resta
evidenciada, também sob essa perspectiva, a inconstitucionalidade da norma
impugnada, por violação ao princípio da proporcionalidade (MENDES, 2015).

No que tange ao Ministro Edson Fachin, este optou por restringir seus votos apenas ao
uso de maconha, pois esta era a droga portada pelo réu que originou e impulsionou o recurso
em tela.

Assim sendo, em virtude da complexidade inerente ao problema jurídico


que está sob a análise do Supremo Tribunal Federal no presente recurso
extraordinário, propõe-se estrita observância às balizas fáticas e jurídicas do caso
concreto para a atuação da Corte em seara tão sensível: a definição sobre a
constitucionalidade, ou não, da criminalização do porte unicamente de maconha
para uso próprio em face de direitos fundamentais como a liberdade, autonomia e
privacidade.

E já em sua parte final, é importante destacar as seguintes deliberações do Ministro:

Diante do exposto, voto pelo provimento parcial do recurso nos seguintes


termos, para: (i) Declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343, sem
redução de texto, específica para situação que, tal como se deu no caso concreto,
apresente conduta que descrita no tipo legal tiver exclusivamente como objeto
material a droga aqui em pauta; (ii) Manter, nos termos da atual legislação e
regulamento, a proibição inclusive do uso e do porte para consumo pessoal de todas
as demais drogas ilícitas (FACHIN, 2015).

Por fim, o Ministro Roberto Barroso, votou de forma semelhante à Fachin, contudo,
segundo Miguel de Almeida Rodrigues (2016), ele foi um pouco mais ousado, pois
considerou ser importante a criação de critérios que diferenciem o consumo pessoal do
tráfico, e definiu, de acordo com a legislação portuguesa, as quantidades mínimas que
definem se a destinação da droga é para uso pessoas (25 gramas de maconha e 6 plantas
fêmeas).
O processo, porém, está suspenso devido o pedido de vista feito pelo ministro Teori
Zavascki, que lamentavelmente faleceu em janeiro de 2017. Agora só resta aguardar o voto do
novo Ministro Alexandre de Moraes para que a situação seja finalmente concluída.

3. CONCLUSÕES
O presente artigo buscou analisar a natureza jurídica do artigo 28, da atual lei de
drogas, verificando se esse dispositivo tem caráter de despenalização, descriminalização ou
em última instância, se este é o caso de um dispositivo inconstitucional.
Concretiza-se a importância da reflexão dessa temática, visto que não há consenso
doutrinário a respeito desse tipo penal, que permanece com sua natureza jurídica obscura até
os dias de hoje, passados dez anos da publicação da lei 11.343/2006. Fato que levou ao STF o
Recurso Extraordinário nº 635.659/SP, que - a par das reflexões sobre a despenalização ou
descriminalização – revela que o posicionamento dos Ministros pendem para o a lado de
declarar inconstitucional o art. 28, da lei de drogas.
Nesta senda, o Recurso Extraordinário nº 635.659/SP ainda precisa ser votado pelo
Ministro Alexandre de Moraes, para que haja a finalização de seu julgamento. Entretanto,
apesar de a corrente majoritária estabelecer que o art. 28 tem natureza de despenalização,
pode-se inferir, de imediato, que o julgamento desse recurso extraordinário será decisivo para
o aclaramento sobre a natureza jurídica do art. 28, da lei 11.343/2006, determinando a sua
permanência ou possível exclusão da legislação penal, caso seja julgado pela sua
inconstitucionalidade.

REFERÊNCIAS

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