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O ensaio tem por objetivo central apresentar os resultados de uma proposta me-
todológica para avaliação da capacidade de gestão democrática em municípios
baianos2. Por capacidade de gestão democrática entende-se a competência das
municipalidades de não apenas garantir a capacidade de descentralização insti-
tucionalizada como, também, afiançar a capacidade de participação e a capacidade de
transparência, princípios fundamentais avalizados pela Constituição Federal de 1988
e ratificados em diversas legislações complementares, em particular as dirigidas para
garantir a qualidade de vida das/nas cidades.
Cabe esclarecer que uma das características centrais de qualquer processo ava-
liativo é a necessidade de se desenhar indicadores, variáveis e subvariáveis factíveis
e que expressem valores que possam ser compartilhados por todos os atores envol-
vidos e permitam alcançar índices que indiquem a avaliação almejada. Deste modo,
o desenvolvimento da proposta avaliativa exigiu um trabalho coletivo envolvendo
técnicos da SEDUR, da FEA-UFBA e consultores especializados. Nesta perspectiva, a
formulação da proposta metodológica que originou este ensaio é fruto de revisões e
debates teóricos e metodológicos sobre gestão democrática de cidades e avaliação
das ações do poder público e da sociedade3.
No que se refere ao debate sobre gestão pública municipal, observa-se que
existem, ainda, muitos conflitos acerca dos caminhos que o Estado deve seguir a fim
de alcançar um maior grau de eficiência para melhorar os resultados dos serviços e/
ou bens disponibilizados à sociedade. Ampliar os conhecimentos sobre as dificulda-
des, desafios e possíveis soluções aplicadas à administração pública (em especial em
âmbito local), em articulação estreita com a sociedade, é tarefa importante para a
consolidação de um novo padrão de gestão democrática para o Brasil. Conhecer esses
obstáculos é, sem dúvida, um passo importante em direção à busca de estratégias
concretas visando à aceleração do ritmo das ações de modernização e democratização
do Estado, em especial dos municípios, os quais têm revelado uma profunda incapa-
cidade de avançar nessa direção.
Os debates sobre os desafios do processo de descentralização institucionaliza-
da permitem afirmar que as municipalidades representam o ponto mais crítico desta
dimensão; isso porque os municípios tiveram, historicamente, um papel marginal
dentro do sistema financeiro e administrativo nacional, expondo, ainda hoje, os gra-
ves obstáculos estruturais para o seu desenvolvimento institucional, administrativo,
econômico, político e social.
*
Doutora em Ciência Política e da Administração pela Universidade de Santiago de Compostela – USC/
ES. Professora Adjunta do Departamento de Finanças Públicas da Escola de Administração da Uni-
versidade Federal da Bahia – EAUFBA, Salvador/BA/Brasil. Endereço: Av. Reitor Miguel Calmon, s/n.
Salvador/BA. CEP:40110-903. E-mail: ematos@ufba.br.
**
Mestre em Análisis y Gestión de la Innovación Tecnológica pela USC/ES. Professor do Instituto
Superior Politécnico “José A. Echevarría” de la Universidad Politécnica de Cuba – CUJAE/CU. E-mail:
chassagnes@gmail.com.
***
Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Professor Titular do
Departamento de Finanças Públicas da EAUFBA, Salvador/BA/Brasil. E-mail: rsouza@ufba.br.
1
As bases para o desenvolvimento deste artigo foram apresentadas no ENANPAD de 2011 e recebeu
o Prêmio de terceiro melhor artigo da área de Administração Pública.
2
O desenvolvimento da proposta contou com a parceria da Secretaria de Desenvolvimento Urbano
do Estado da Bahia (SEDUR) e com o apoio da Fundação Escola de Administração da UFBA- FEA,
responsável pela gestão do Projeto. A metodologia proposta encontra-se em desenvolvimento no que
diz respeito à implementação da etapa complementar do estudo, referente à realização da pesquisa
direta em todos os municípios baianos.
3
Merece destaque a valiosa contribuição dada pelos consultores externos Fernando Cardoso Pedrão
e Celso Favero, pesquisadores com reconhecida competência no tema planejamento urbano e gestão
democrática/participativa, respectivamente.
Acredita-se que tais entraves delineiam duas esferas de desafios que precisam
ser rapidamente superados: a carência estrutural (recursos financeiros, administra-
tivos, humanos, tecnológicos etc.), que tem determinado uma capacidade de gestão
pública deficitária; e a obsolescência das práticas de gestão da maioria dos municípios
brasileiros, que exige esforços de todas as esferas de governo e, também, da socieda-
de, no sentido de possibilitar um processo efetivo de aprendizagem e inovação para o
alcance da modernização administrativa e da inclusão social. Não há dúvida que esse
esforço deve ser permeado pela dinamização dos processos democráticos de gestão,
tendo, pois, como horizonte a ampliação e qualificação dos espaços de diálogo com
a comunidade local.
A importância da avaliação realizada está no reconhecimento de duas neces-
sidades relevantes para a promoção do desenvolvimento social local: (a) pactuar o
compartilhamento de responsabilidades entre a administração pública municipal e
a sociedade civil, em prol da construção de um diagnóstico dos problemas que têm
limitado o desenvolvimento socioterritorial; e (b) desenvolver possibilidades reais e
potenciais para a consolidação de uma cidadania ativa e ampliada, tornando públicas
estratégias e deliberações direcionadas à solução desses entraves e possibilitando,
desse modo, o advento de mecanismos efetivos de controle social no âmbito das
municipalidades baianas.
O ensaio está estruturado em quatro seções. A primeira apresenta os pres-
supostos teóricos orientadores da pesquisa, quando serão discutidas as escolhas
conceituais que fundamentaram as três dimensões de análise centrais do trabalho:
Descentralização, Participação e Transparência. A segunda seção informa sobre os
procedimentos metodológicos, o processo de construção do plano de indicadores e
a definição das variáveis correspondentes. A terceira seção apresenta a análise dos
resultados, explicitando as decisões que conduziram o processo de atribuição de valo-
res numéricos que buscam traduzir, de forma objetiva, os pressupostos da avaliação.
Finaliza-se o trabalho com as considerações finais.
maior pressão dos diversos grupos sociais, cujas demandas crescentes o Estado vê-
-se incapaz de atender, face à crise de financiamento e à insuficiência de um aparato
burocrático pesado e centralizador.
Por tudo isso, refletir sobre capacidade de gestão democrática como modelo/prática
que deve (re)orientar as relações entre os diversos atores sociais interessados nos proble-
mas coletivos/públicos implica pensar sobre uma forma própria de administrar, de modo
que possibilite alcançar os padrões ideais de participação, transparência e democracia.
Nesse sentido, discorrer sobre Gestão Democrática de Cidades impõe abordar
temas que envolvem o direito à cidade. A regulação dos direitos à cidade reflete, por sua
vez, a relevância/atenção que as questões locais têm demandado na contemporaneidade.
Tomando como base as reflexões apontadas por Alessandri (2005), avaliar a
Capacidade de Gestão Democrática em Municípios impõe refletir, de forma crítica, so-
bre o seguinte problema: até que ponto o projeto de “gestão democrática da cidade”
tem contemplado, de fato, a potencialidade da noção de “direito à cidade” no Brasil,
de modo a fundamentar não apenas um pensamento utópico, mas que contribua,
efetivamente, para as mudanças de práticas que consolidem a participação, transpa-
rência e democracia?
Para a autora, responder a essa questão impõe considerar três planos de análise
articulados e integrados entre si: (a) a prática socioespacial, em que emergem os
movimentos sociais; (b) o plano do Estado, que define o planejamento espacial por
meio de políticas públicas; e (c) a análise do conhecimento desses processos, a partir
dos conceitos de cidadania e direito à cidade (ALESSANDRI, 2005).
No que se refere aos movimentos sociais urbanos, como primeiro plano do
atual processo de ‘inovação’ da gestão democrática de cidades, alguns estudos4 têm
destacado que essa dinâmica apresenta diferentes conteúdos, o que revela, portanto,
exigências diferenciadas: enquanto existem demandas que se orientam para o aten-
dimento de questões urgentes (como habitação, emprego, serviços públicos etc.),
algumas se vinculam aos desafios e complexidades da produção da cidade, a partir
do questionamento das políticas públicas e do planejamento que têm comprometido
a qualidade dos bens e serviços oferecidos, aumentando as desigualdades; e outras
focalizam suas críticas na própria existência da propriedade do solo urbano - tema
que implica os embates mais acirrados.
O mais importante, nessa discussão, é constatar que a luta pelo direito à cidade
surge antes como necessidade, isto é, como negação das desigualdades, do que como
decorrência imediata do direito. A questão fundamental a ser considerada aqui, portanto,
é compreender (avaliar) as consequências da generalização da urbanização pautada no
paradigma de desenvolvimento da cidade, considerando as complexidades que funda-
mentam o atual padrão de relações sociais de produção e distribuição do capitalismo.
O déficit habitacional, a precariedade das moradias e o crescimento de mora-
dores de rua nos centros urbanos produziram, ao longo do tempo, uma crise refletida
nos fortes embates observados na sociedade brasileira, nas últimas décadas. É nesse
ambiente que surgem os movimentos urbanos em confronto com o Estado, estimu-
lando o governo a conceber e implementar uma reforma urbana. Esse movimento deu
origem, pois, a uma legislação complexa que conforma o direito à cidade, apoiada
em uma nova base jurídica comprometida com o desenvolvimento urbano, a susten-
tabilidade e a inclusão social.
Conforme destacado por Santin (2003, p. 122), a Constituição de 1988 e o Estatuto
da Cidade (Lei 10.257/2001) define Gestão Democrática de Cidades como o padrão de
gestão que, diante do atual estado de degradação do cenário urbano brasileiro, propõe-
-se a alcançar “como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo
as desigualdades sociais e regionais para, com isso, buscar uma vida digna para todos.
Com base nesses princípios, o Artigo 2º, inciso II do referido Estatuto, reafir-
ma que a gestão democrática municipal deve ser obtida mediante “a participação da
população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desen-
4
Ver Fleury (1999; 2002); Jamur (1997); Costa (1997); Alvarenga (1991).
volvimento urbano” (BRASIL, 2001). No Artigo 43, fica estabelecido que a garantia da
participação da população na gestão municipal dar-se-á mediante debates, audiências,
consultas públicas, iniciativa popular de projetos de lei e de planos, programas e pro-
jetos de desenvolvimento urbano, bem como pela constituição de órgãos colegiados de
política urbana e conferências sobre assuntos de interesse público (urbano), a serem
desenvolvidos nos três entes federativos. Entretanto, cabe destacar que o referido
artigo não é exaustivo, deixando em aberto possibilidades da utilização de qualquer
outro meio de participação que se faça necessário.
Segundo a definição clássica de Marshall (1967), o conceito de cidadania que
fundamentaria a gestão democrática da cidade teria como conteúdo fundamental o
acesso aos direitos civis, políticos e sociais. Entretanto, Carvalho (2004) afirma que
essa tese, ainda que possa servir para uma compreensão do processo histórico da
“cidadania plena”, própria dos países desenvolvidos, não consegue dar conta dos
processos que abrangem sociedades de desenvolvimento econômico e democracia
retardatárias, como é o caso das nações latino-americanas. O que implica concluir que,
ainda que se reconheçam os avanços do processo de institucionalização do “direito à
cidade”, nos anos recentes no Brasil, faz-se necessário observar que a consolidação
dessas expectativas não tem se confirmado, particularmente, nos municípios que
integram regiões menos desenvolvidas do país.
Segundo Carvalho (2004), é possível haver cidadania em determinadas socieda-
des sem que esses direitos estejam plenamente presentes e/ou consolidados. O autor
ressalta que a existência simultânea desses direitos consagraria o que denomina de
“cidadania plena”, apresentado como horizonte ideal para as sociedades ocidentais,
mas como uma meta quase inalcançável pela maioria das sociedades, particularmente
as que ainda têm que enfrentar sérios problemas econômicos, políticos e sociais. No
caso brasileiro, a garantia da vigência plena desses direitos depende da competência
institucional, administrativa e organizacional do Estado (Administração Política), de
modo a permitir que a sociedade se (re)organize politicamente (estimulando a par-
ticipação, transparência e democracia) para diminuir os excessos gerados pelo atual
sistema econômico (capitalismo) e reduzir a desigualdade, garantindo, desse modo,
o bem-estar e justiça social para todos (SANTOS; RIBEIRO, 2005).
Nos termos aqui colocados, a cidadania e o direito à cidade só podem ser reali-
zados dentro da sociedade capitalista respeitando sua expressão lógica; o que implica
afirmar que a potencialidade do que se concebe por cidadania limitar-se-ia à existência
de uma sociedade civil forte, comprometida com o desenvolvimento e preservação do
próprio capitalismo. Nesse sentido, Annick Osmont (2002) defende que o projeto de
gestão democrática da cidade surge no atual contexto como condição da reprodução
do sistema capitalista em sua nova etapa de desenvolvimento. Para o autor, o conceito
de governança, como fundamento da gestão democrática, foi retomado pelo Banco
Mundial, no final dos anos 80 do século passado, com o objetivo de operacionalizar
a construção de um novo padrão de ação que permitisse o ajuste das economias dos
países em desenvolvimento em atendimento aos princípios neoliberais.
Em linhas gerais, a instrumentalização para a concretização e consolidação da
participação política nas cidades implica a superação do modelo capitalista de so-
ciedade, conforme aponta Heller (apud Alessandri, 2005, s.p.), a realização de uma
cidadania plena e ilimitada “se sitúa más allá del horizonte de la sociedad capitalista
y de sus instituciones políticas”.
7
Ver Pinho; Sacramento (2009); Pinho (2008).
8
Ver Santos; Ribeiro (1993; 2004; 2004a); Abruccio (1994).
Ainda que o termo avaliação reflita quase sempre o mesmo significado para a
maioria dos estudos consultados9, isto é, expressão de um juízo de valor de alguma
coisa, observa-se que há uma grande variação e imprecisão em relação a esse conceito.
Essa indefinição decorre, fundamentalmente, do fato de que para que o conceito ganhe
algum sentido (inteligibilidade) necessita vir acompanhado de outros termos que lhe
dê significado, indicando, por exemplo, objeto, sujeitos a serem avaliados, bem como
exige identificar propósitos, objetivos e modos de proceder (GUIMARAES et al., 2004).
Entretanto, é importante destacar que as controvérsias sobre essa questão
situam-se no plano da prática social, isto é, estão relacionadas, diretamente, à forma
como a sistemática de avaliação deve ser conduzida; o que significa pensar sobre a
seleção do foco, métodos, grau de objetividade e instrumentos que permitirão siste-
matizar a avaliação pretendida.
Por outro lado, a literatura consultada revela que o conceito de avaliação ainda
está em processo de evolução, o que implica concluir que sua compreensão muda
de acordo com o contexto e incorpora tanto concepções anteriores como novas pers-
pectivas de análise. Essa dinâmica torna o processo avaliativo mais complexo em
informações e mais sofisticado em termos de propósitos (PESTANA, 2002).
Diante do exposto, convém identificar as tipologias avaliativas que orientaram
os procedimentos metodológicos com vistas a avaliar a capacidade de gestão demo-
crática em municípios baianos com base na síntese apresentada por Draibe (2001),
a saber: (a) a natureza e o tipo de avaliação adotada se aproximam do conceito de
pesquisa interessada (Policy Oriented), que tem por objetivo identificar dificuldades e
obstáculos e recomendar agendas propositivas (correção de rumos e/ou disseminação
de aprendizagens e geração de inovações), com vistas a contribuir para a melhoria
da qualidade e desempenho das políticas; e (b) foco na capacidade de gestão, o que
significa adotar metodologia de avaliação de processo, baseada em instrumentos ava-
liativos que tenham como base de análise a observação das condições, o desenho da
organização e como são desenvolvidas as ações planejadas - o que possibilita detectar
os fatores que têm facilitado ou impedido que a gestão pública (democrática) alcance
seus objetivos e resultados; e (c) esse tipo de avaliação impõe definir premissas/pres-
supostos formulados com base nos objetivos definidos pelos avaliadores e outros atores
interessados envolvidos - o que implica construir acordos com a indicação de proposi-
ções que contribuam, de forma efetiva, para a transformação das práticas avaliadas.
Procedimentos Metodológicos
9
Ver também Figueiredo; Figueiredo (2002), dentre outros.
10
A partir da leitura crítica sobre avaliação da gestão pública municipal (democrática), identificou-se
que este tema tem despertado crescentes e instigantes reflexões acadêmicas e técnicas. O crescimento
desse perfil de pesquisa tem ganhado maior dimensão a partir dos anos zero (século XXI), quando se
assiste a valorização progressiva dos instrumentos de monitoramento e avaliação de políticas públicas
no Brasil, tendo o governo federal como líder desse movimento. Para efeito de ilustração, podem ser
destacadas algumas metodologias que se aproximam do objetivo central deste ensaio, convergindo
na avaliação das seguintes dimensões: capacidade de gestão pública (DOS SANTOS, 1998; ANDRA-
DE, 2002 ; IPEA, 2001; PRODETUR, 2010, dentre outros), gestão participativa ou gestão popular (DE
CARVALHO, 2009; FEDOZZI, 2001; HARVEY, 2005; LAGO, 2004, MARICATO,1994, dentre outros),
accountability e transparência (PINHO; SACRAMENTO, 2009; PINHO, 2008, dentre outros).
DIAGRAMA 1
I1 (IDI) = (V1.1+V1.2+V1.3)/3
Considerações Finais
Referências
ANEXO
I2 (IP) = (V2.1+V2.2+V2.3+V2.4+V2.5+V2.6+V2.7+V2.8+V2.9)/9
I3 (IT) = (V3.1+V3.2+V3.3+V3.4+V3.5)/5