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IDENTIDADES
FRAGMENTADAS
INTERAÇÕES, DISCRIMINAÇÕES E CONFLITOS ENTRE TRABALHADORES
DA REFINARIA LANDULFO ALVES MATARIPE - 1990-2006
Coordenação Editorial
Rodrigo Brito
capa
Laís Foratto
288 p. c/ Bibliografia.
ISBN: 978-85-63381-15-6
CDD:
1. Essa pesquisa tinha como objetivo analisar como importantes sindicatos do setor industrial e de
serviços se posicionavam frente à reestruturação produtiva - tendo como período de referência – os
anos entre 1990-1997. O período da bolsa de iniciação científica foi entre 1997-1998 e a pesquisa foi
coordenada pela Profª Drª. Maria da Graça Druck do Departamento de Sociologia-UFBA.
2. Tendo como entidades executoras na Bahia: Universidade Federal da Bahia – UFBA; Departamen-
to Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos – (DIEESE), FUNDAÇÃO SEADE, Se-
cretaria de Trabalho e Ação Social do Estado da Bahia (SETRAS); Superintendência de Estatísticas e
Informações do Estado da Bahia, (SEI); órgão vinculado à Secretaria de Planejamento e Tecnologia
do Estado da Bahia, (SEPLANTEC). Esta Pesquisa Mensal é realizada de forma ininterrupta de mar-
ço de 1996 até os dias atuais na Região Metropolitana de Salvador (RMS).
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3. Admite-se também a grafia Landulpho Alves, entretanto preferimos a norma gráfica atual.
Landulfo Alves foi um engenheiro agrônomo – um dos maiores entusiastas da luta pela desco-
berta de fontes energéticas na Bahia.
4. A primeira vez em que houve contato com essa discussão sobre fragilização dos laços sociais
foi em leitura do livro “A corrosão do caráter” de (SENNETT, 1999). Posteriormente, Bauman
(2004; 2007) retoma a discussão denominando esse processo de liquidez das relações: dois
livros do autor abordam o tema “Amor Líquido e Vidas Líquidas”. Por outro lado, a noção de
deterioração das identidades é uma apropriação de discussão feita por Goffman (1988). Adiante,
na introdução, explicamos a associação entre os conceitos de habitus, identidades deterioradas e
formação de grupos estabelecidos e outsiders.Estes são os conceitos guias no capítulo 4 e 5 desta
obra. Procuramos lidar com a noção de que a teoria que rege o objeto é “filha” dos dados coleta-
dos, por conseguinte, exploramos o potencial interpretativo que o quadro teórico possibilita.
5. Nos documentos da Petrobras, nos boletins sindicais e textos acadêmicos encontramos muitos
termos análogos ao de empregados da Petrobras: petroleiros, empregados diretos, contratados
diretos, funcionários da estatal, trabalhadores da Petrobras e primeirizados. Para o caso dos
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BICUDO; TENÓRIO, 2003; GODINHO, 2003; CARELLI, 2003; SOBRINHO, 2006; LIMA;
2007; DRUCK; FRANCO, 2007; DRUCK; THEBAUD-MONY, 2007; ANTUNES, 2007).
8. Adiante, traçamos um perfil dos segmentos estudados. No decorrer da tese adotamos o termo
segmento como sinônimo de categoria, conjunto, contingente.
9. Desenvolvem suas atividades em paradas de manutenção de refinarias e unidades de produção
com objetivo de realizarem manutenções corretivas e preventivas das plantas industriais.
10. Esta definição foi informada pelos próprios entrevistados para esclarecer sob as condições em
que são contratados por essas empresas. É possível que este termo tenha sido criado à época do
grande sucesso da música “Chupa Toda”, uma lambada da década de 90 e que no fim desta foi
cantada pela cantora baiana Ivete Sangalo.
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11. Tomamos como perspectiva estruturante aquela sugerida por Bourdieu (1989).
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12. Para Bourdieu (1989) o habitus é uma disposição durável da forma de agir, um padrão
utilizado pelos atores sociais para dar respostas às suas demandas. Entretanto, o habitus é uma
prática coletiva que tende a conformar a ação, de caráter processual. No último capítulo de-
senvolvemos análise acerca do habitus e estilos de vida dos segmentos estudados. O objetivo é
revelá-los por intermédio dos comportamentos no lazer, consumo, posse de bens e do universo
cultural do bairro onde vivem.
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Perspectivas da Pesquisa
Em que proporção a forma como o objeto é constituído revela um olhar
sobre o tema? Examinando o referencial teórico, as fontes coletadas e as estra-
tégias metodológicas empregadas.
O movimento resume em analisar como os trabalhadores investigados vi-
venciam e traduzem esse processo de terceirização. Partimos da premissa teó-
rica de que os sujeitos internalizam e interpretam a situação estrutural em que
vivem, ou seja, estão numa “estrutura-estruturante” (BOURDIEU, 1989). Para
tanto, realizamos algumas mediações entre conceitos e dados que auxiliaram na
explicação de uma nova forma histórica de organização e gestão do trabalho na
sociedade capitalista. Além disso, acreditamos que este estudo ofereça explica-
ção com vistas a compreender a intensificação de contingentes de trabalhado-
res, por ora, submetidos a uma expressiva segmentação. Em grande medida, es-
tas realidades resultam de uma mudança estrutural, qual seja: a terceirização.
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Para cumprir este objetivo, esta interpretação dialogou com duas concep-
ções metodológicas interdependentes: uma que privilegia a descrição/análise
mais quantitativa e outra de cunho qualitativo. Do ponto de vista do paradigma
da pesquisa, atentamos para a observação de Bourdieu (1996), de que histórias
e trajetórias de vida não são lineares, pois são fruto de uma complexa rede de
situações concretas, de curvas sinuosas, de dimensões existenciais múltiplas e,
por isso, não têm uma forma acabada.
Como dito anteriormente, o estudo da fragmentação que ocorre atualmente
no interior da classe trabalhadora tem sido feito à luz da discussão sobre a “hi-
fenização13” (Beynon, 2002).
As categorias e conceitos que guiaram a tese, ora apresentada,foram ali-
nhavados a partir de contribuições de autores vinculados a tradições teóricas
e metodológicas distintas. A escolha destes referenciais teóricos obedeceu às
imposições advindas dos dados e fontes coletadas. Por este motivo, habitus,
identidades deterioradas, bem como as dinâmicas de grupos estabelecidos e
outsiders, respectivas contribuições de Bourdieu, Goffman e Elias14 se amal-
gamaram com objetivo de explicar as relações entre segmentos em situações
contratuais distintas.
Esses legados teóricos permitiram construir categorias de análise acerca de
relações baseadas em estigmas, fragilização de laços sociais e deterioração de
interações (GOFFMAN, 1988; ELIAS; SCOTSON, 2000). Ademais, justifica-
mos a articulação das contribuições teóricas destes autores devido ao objeto
de estudo, qual seja, exame de interações sociais permeadas por estratificações,
por um lado, e conflitos subjetivos e laços frágeis, por outro. Neste sentido, a
partir da análise das relações, conflitos e segmentações objetivas/ subjetivas fo-
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Por sua vez, a classe efetiva é composta de sujeitos sociais concretos. Por-
tanto, esta condição expressa uma situação - lugar objetivo ocupado pelos indi-
15. Para aprofundar esse debate sobre jogos de identidade ver: (HALL, 2001).
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víduos e grupos na estrutura das relações sociais de produção, por exemplo, ser
proletário ou ser burguês, mas a condição cultural e a posição social no interior
destas relações precisam ser levadas em conta.
Assim, Bourdieu (1989) enfatiza outras duas dimensões que não são muito
explicitadas nas análises do marxismo estruturalista16: a posição e a condição
de classe. A posição se refere ao lugar ocupado por uma classe na hierarquia
social, e a condição é moldada pelos valores mediados culturalmente na cons-
tituição desta experiência.
O conceito da “estrutura-estruturante” do sociólogo francês também se en-
contra entre essas categorias teóricas da tese. A relação estrutura x indivíduos,
para o autor, é concebida assim:
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17. Bourdieu (2007), apresenta detalhados dados acerca de como operários qualificados, sub-
qualificados ou professores universitários, p. ex., se posicionam em relação aos estilos musicais,
na frequência a museus, exposições, nos gostos filosóficos e literários etc.
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Operacionalização da Pesquisa
A pesquisa aqui apresentada foi balizada a partir da concepção de que todos
os dados são construídos. Para tanto, realizamos entrevistas semi-estrutura-
das, depoimentos em fluxos de conversas informais18, observação participante,
questionário, análise de fontes secundárias, etc.
As informações provenientes de múltiplas fontes (periódicos, bole-
tins, bancos de dados quantitativos e qualitativos, sítios da internet, comu-
nidades do Orkut, entrevistas, fotos aéreas, letras de música, tabelas, rela-
tórios, etc.) contribuíram para revelar e validar dados acerca da estrutura
social do mercado de trabalho e da RLAM, da deterioração das relações
entre os segmentos, no concernente à opinião sobre a reestruturação produ-
tiva, as representações sociais, percepções individuais e coletivas e habitus
dos segmentos. Em suma, tanto no que se refere à segmentação objetiva
quanto à segmentação subjetivamente construída.
Para dar sequência ao estudo, foram analisadas as respostas dos ques-
tionários com sessenta e dois trabalhadores terceirizados e cento e vinte e
três empregados da RLAM. Estes questionários fizeram parte da pesquisa
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19. A equipe - da qual participamos - foi constituída, em sua quase totalidade, por alunos de
graduação e pós-graduação de Ciências Sociais da UFBA, sob a coordenação da Profª. Maria da
Graça Druck – UFBA.
20. Pool´s são os roteiros/percursos de viagem de ônibus feitos pelas empresas. Nestes pool’s são
transportados os trabalhadores entre a casa e o trabalho.
21. Estes questionários foram gentilmente cedidos por um ex-estudante de Sociologia, César Mi-
randa, que pretendeu, num período anterior, realizar um estudo sobre a terceirização na RLAM
na perspectiva dos terceirizados, e, que por desistência, não foi efetivado. Dos 80 questionários
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22. Infelizmente, no caso dos petroleiros, não foi possível a análise dos boletins, pois não existiam do-
cumentação e arquivo preservados no setor sindical que cuida dos Boletins do período 1990 - 2006.
23. <Disponível em: www.aepet.org.br>. Acesso em 20 out. 2006.
24. O acesso aos Relatórios foi dos seguintes anos: 1993, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001,
2002, 2003, 2004, 2005, 2006. Os Relatórios de 1993, 2004,2005 e 2006 foram cedidos
pela Petrobras Holding.
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27. Alguns bairros/comunidades de Salvador foram criados especialmente para moradia de petrolei-
ros: Condomínio Petromar em Stela Maris e STIEP nas imediações do centro financeiro de Salvador.
Stiep é nome de bairro de classe média e sigla do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extra-
ção de Petróleo, localizamos um artigo de (CARVALHO; SOUZA; PEREIRA, 2004). Estes discutem
a segregação sócio-espacial da RMS, apontando em que espaços moram: a elite, os funcionários de
classe média, os operários estáveis, os sub-proletários nesta região. Este foi crucial para a obtenção
dos dados sobre os bairros de trabalhadores da Petrobras e os de terceirizados na RMS.
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29. O SPSS foi utilizado tanto para a base de pesquisa consultada quanto para minhas tabula-
ções. Participamos como coordenador auxiliar da pesquisa de campo deste estudo.
30. Certa vez investigando, como auxiliar de pesquisa, um trabalhador bancário em relação às suas
opiniões acerca do Plano de Demissão Voluntária (PDV) do Banco do Brasil - ocorrido na primeira
metade da década de 90 - acumulamos conhecimentos sobre estratégias de coletas de dados vitoriosas.
Entrevistamos o mesmo bancário para duas pesquisas distintas, uma monografia e uma dissertação
de mestrado, no intervalo de quatro anos (SILVA, 2006). Na segunda vez que fomos ao encontro do
sujeito investigado, este nos confidenciou que a primeira entrevista foi dada sob forte desconfiança de
que fossemos preposto do banco. Na época, o trabalhador investigado estava em litígio jurídico com
a empresa bancária. Assim, no momento de nossa visita era recente esta briga jurídica. Nesta pers-
pectiva, que dados são reais? Os da primeira ou os da segunda entrevista? Os dois em nossa opinião
são reais, pois, revelam, mesmo a posteriori, que os contextos das entrevistas devem ser percebidos e/
ou compreendidos. Em outras situações, eles não poderão ser reconhecidos devido aos estratagemas
utilizados pelos sujeitos investigados para não revelar ou omitir acerca do que realmente pensam.
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tal chamou uma funcionária para conceder a entrevista. A situação de temor foi
muito grande, visto que a mesma tremia muito ao chegar ao lugar da mesma.
Sendo sensível à situação, ele optou por não tomar o depoimento; um segundo
acontecimento se passou com outro assistente de pesquisa, ao entrevistar um
conhecido ex-dirigente sindical, demitido da greve de 1995 e readmitido há
dois anos na empresa. Fica notório no relato e na gravação ouvida pelo autor da
tese, o desconforto do empregado em abordar a terceirização, a RLAM, acerca
dos terceirizados e sobre os comportamentos dos petroleiros frente a este pro-
cesso, demonstrado na voz, nos esquecimentos e silêncios/omissões, a sua in-
segurança. Por conta disso, tornou-se exitosa a estratégia de pesquisa fora dos
ambientes profissionais dos entrevistados. Uma desvantagem desta estratégia,
por outro lado, é a perda de dados ambientais dos locais de trabalho dos cola-
boradores, uma vez que depoimentos em contextos de forte pressão e vigilância
auxiliam na reflexão sobre os dispositivos de poder presentes nestes espaços. A
estratégia poderia contribuir para o entendimento sobre a relação entre gestão
do trabalho e percepção operária. A pesquisa fora do local de trabalho decorreu
da necessidade de coleta de depoimentos mais reflexivos dos trabalhadores.
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capítulo1 |
A PETROBRAS E O MERCADO
DE TRABALHO NA REGIÃO
METROPOLITANA DE SALVADOR
1. A PETROBRAS NO CONTEXTO
DA INDUSTRIALIZAÇÃO BAIANA
Ainda de acordo com o autor acima, instala-se de uma só vez uma atividade pro-
dutiva totalmente estranha à matriz econômica e social da economia baiana – a pro-
dução do petróleo -, uma vez que o estado vivia uma fase terminal da era açucareira.
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No período de 1966 a 1967, Rômulo Almeida participou do planejamento
de políticas de industrialização na Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE) como representante do Ministério da Indústria e Co-
mércio. Propôs um estudo das possibilidades da indústria de base na região
metropolitana baiana. Sugeriu, dentre outras temáticas, uma investigação, den-
tro de uma escala nacional, que deveria apontar outras atividades econômicas
na RMS. Portanto, já existia uma preocupação no que tange à dependência de
atividades econômicas monopolizadoras
Assim, entre meados da década de 60 e 70, verifica-se um incremento do
processo de industrialização da Bahia, mais especificamente na RMS. Esta mu-
dança pôde ser percebida pelo volume de investimentos em projetos industriais,
que tiveram como marco a implantação do Centro Industrial de Aratú (CIA) e
o Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC). Segundo Oliveira (1987),
a Petrobras, nos anos 50 e a implantação do CIA, sob a égide da Superinten-
dência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), nos anos 60, são dois
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dos em cada setor bem como o perfil de emprego, entre 86-93, apontando que
o contingente empregado nas áreas de exploração/produção é maior que 20.000
considerando o quantitativo de 50.000 absolutos, na maior parte do período.
Cabe enfatizar que a Bahia tem cerca de 4% dos empregados da estatal, no
país, durante a maior parte do mesmo intervalo de tempo.
O gráfico 2 expressa a produção de petróleo e gás natural que têm uma
tendência de crescimento no período de 1978-1993. Em um intervalo de 15
anos, a produção oscila de 200.000, em 1978, para 800 mil, em 1993. Nota-
mos que a maior parte do óleo encontrado na terra e no mar é o petróleo, o gás
representando uma parcela menor.
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Para um estado que possui um produto interno e bruto (PIB) de 100 bilhões
caracterizando-se como o sexto no ranking nacional e o primeiro no nordeste fica
evidente a alta concentração de renda da RMS face ao conjunto das regiões do esta-
do, visto que 52,4% da riqueza circulante na Bahia concentram-se na área metropo-
litana. Portanto, a economia baiana é muito focada na região próxima da capital.
Na reportagem são expostos os quatro pilares básicos que explicam a pu-
jança econômica da RMS em relação às outras regiões do Estado. Estes são: o
Pólo Industrial de Camaçari, o Centro Industrial de Aratú, as jazidas e platafor-
mas de petróleo de Candeias, o terminal marítimo de Madre de Deus, a Refi-
naria em São Francisco do Conde, o Pólo Industrial de Lauro de Freitas. Além
disso, merece destaque a indústria de turismo de Salvador e adjacências, bem
como os complexos hoteleiros da orla atlântica de Lauro de Freitas e Camaçari
(A REGIÃO, 2007).
Camaçari, a segunda cidade economicamente mais rica da Bahia, recebeu,
no início da década de 70, do século passado, o primeiro Complexo Petroquí-
mico do país:
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Candeias, além de possuir uma das maiores reservas de petróleo e gás natu-
ral do recôncavo, tem agora o biodiesel que configura uma nova realidade:
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Por sua vez, a cidade de Simões Filho possui um centro industrial criado na
década de 60 e que, depois de uma fase de desindustrialização, se encontra em
recuperação . Deste modo, o município se reergue economicamente.
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Apesar de ter a maior renda per capita do país, a população local vive em
estado de miséria, em total abandono. Enquanto isso, o prefeito Antônio Pas-
coal, o ex-prefeito Osmar Ramos, o ex-secretário de Finanças, Aroldo Gue-
des Pereira e os empresários Jucélio Parente e Eugênio Oliveira são acusados
de desviar R$1,62 milhão dos cofres da prefeitura. Localizado no recôncavo
baiano a 66 km de Salvador, o município é um dos mais ricos do país, com
um Produto Interno Bruto (PIB) de R$9,2 bilhões (IBGE/2004) e renda per
capita de R$315 mil (IBGE/2004) (MP QUER INTERVENÇÃO, 2007).
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Tabela 09 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por posição na ocupação
no trabalho principal, segundo os grupamentos de atividade do trabalho principal. Região Metropolitana de
Salvador, 2005
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Tabela 09 - CONTINUAÇÃO
Transporte,
armazenagem 92 63 - 26 2 0 - -
e comunicação
Administração
79 79 - - - 0 - -
pública
Educação, saú-
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Na sequência deste estudo, centramos, a partir deste momento, foco na análise sobre
precarização social, flexibilização e degradação das condições de trabalho na indústria
da região, explicitamos os dados que associam ramo de atividade industrial e tipo de pro-
teção/formalização do emprego nas indústrias de transformação e da construção civil :
Categoria do emprego
Ano Ramos de atividades TOTAL Com carteira de Outros
trabalho assinada
TOTAL 100,0 77,4 22,6
Ind. de Transformação 15,4 12,6 2,7
1992 Ind. da Construção 10,8 6,8 3,9
Outras atividades industriais 3,8 3,6 0,2
Serviço auxiliares a atividade econômica 6,7 5,8 0,9
TOTAL 100,0 70,9 29,1
Ind. de Transformação 13,9 11,0 2,9
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capítulo 2|
TERCEIRIZAÇÃO E
VULNERABILIDADE SOCIAL
1. TERCEIRIZAÇÃO
No processo de reestruturação produtiva, a terceirização tem sido a princi-
pal estratégia utilizada para o aprofundamento da precarização e flexibilização do
trabalho. Deste modo, procuramos evidenciar, neste capítulo, a associação entre
externalização de atividades e vulnerabilidade social, visto que esta articulação influi
profundamente nas condições de trabalho e vida dos sujeitos investigados. Em um
primeiro instante, apresentamos algumas definições relacionadas à terceirização,
delineadas nas pesquisas empíricas, notadamente na RMS. Em seguida, analisamos
a efetivação desta mudança estrutural no interior da estatal em âmbito nacional.
Partimos da compreensão segundo a qual a terceirização é uma estratégia
adotada pelas empresas para a transferência de mão de obra e custos traba-
lhistas para prestadoras de serviço . As implicações de sua intensificação nas
empresas são concernentes à segmentação, à precarização e ao crescimento da
vulnerabilidade social dos trabalhadores.
Druck e Franco, (2007) enfatizam, por exemplo, que diversas definições
acerca da terceirização são oriundas de algumas áreas de conhecimento tais
como - sociologia, economia, administração.
Segundo as autoras, existem duas linhas investigativas em relação aos es-
tudos sobre terceirização: as análises que se referenciam na tese da “especiali-
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zação flexível” (PIORE E SABEL, 1984) e as que centram sua abordagem nas
políticas de gestão ao apontar para o fortalecimento da flexibilização e precari-
zação das condições de trabalho:
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Druck e Franco (2007) apontam ainda que os principais indícios das meta-
morfoses do trabalho, no que se refere à terceirização, são a flexibilização dos
contratos e a transferência de responsabilidade de gestão e custos trabalhistas
para um terceiro. Em sentido complementar, as empresas terceirizadas repre-
sentam – no que concerne às condições de trabalho –, uma posição periférica,
com maior desqualificação, condições mais precárias, além da subordinação
aos interesses das empresas contratantes.
No que se refere ao ponto de vista dos trabalhadores e dos sindicatos, a
terceirização expressa uma precarização objetiva e subjetiva das condições de
trabalho, desintegração de coletivos de funcionários e fragmentação da repre-
sentação coletiva. Assim, com a segmentação que ocorre entre operários da em-
presa contratante e da empresa contratada, o coletivo de operários se pulveriza
em sindicatos distintos, dificultando a ação sindical.
A terceirização e a qualidade total se configuram como as características
do processo de reestruturação produtiva mais presentes no país. Assiste-se, em
todos os setores de atividade econômica, a adoção de tais práticas, ao passo que
esta mudança estrutural, no caso brasileiro, é amplamente motivada por modi-
ficações organizacionais. Segundo Druck e Borges (2002), a terceirização tem
evidenciado a precarização como principal consequência:
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[...] era quase meia-noite de domingo 11, quando Rinaldo Abreu Fon-
tes foi convocado para a tarefa de limpeza na área de laminação a quente
na Usiminas, a primeira estatal privatizada, em 1991. De repente, sua
mão esquerda foi puxada pela correia transportadora, sugando o braço,
ombro e parte do tórax, teve morte instantânea”. Este rapaz trabalhava
numa terceira e não conhecia minimamente a máquina que estava limpan-
do (TERCEIRIZAÇÃO, 1998, p. 75).
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‘Lula, agora que és magnata petroleiro, que o Brasil tem tanto pe-
tróleo, te proponho que nos juntemos nestes mecanismos de cooperação
com os países que não têm petróleo, com os países que não têm possi-
bilidade de pagar US$ 100 o barril’, disse Chávez, segundo informações
da Agência Brasil. A Petrobras anunciou nesta quinta-feira (8) a desco-
berta de novas reservas de petróleo e gás na Bacia de Santos. Segundo a
estatal, as jazidas, equivalentes às da Venezuela e da Nigéria, colocam o
Brasil entre os dez maiores produtores de petróleo do mundo. O presi-
dente venezuelano citou como exemplo de cooperação seu próprio país,
que fornece petróleo à Argentina em troca de tratores, maquinário e
‘vacas prenhas que produzem muito leite’. Chávez comentou que a des-
coberta de novas jazidas de petróleo permitiriam ao Brasil ingressar na
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Lula, porém,
não teve oportunidade de responder publicamente a Chávez. A sessão foi
encerrada sem que todos os chefes de Estado tivessem oportunidade de
discursar (CHAVEZ, 2007).
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– no caso dos terceirizados – são uma realidade persistente até então. Neste sen-
tido, são utópicas as considerações do código sobre “as mesmas condições sau-
dáveis e seguras no trabalho oferecidas aos seus empregados”. Por outro lado, o
princípio da reserva do direito à gestão de conhecimento e sigilo de informações
do sistema não se concretiza como política da estatal. Bastando, para reforçar
esse argumento, enfatizar o recente extravio de computadores, pen drives e note-
books com informações sigilosas sobre os novos campos de petróleos descobertos
na região de Santos. Portanto, a vulnerabilidade da terceirização na estatal tem
neste recente caso, uma expressão de desconstrução/relativização do princípio 1
do código de ética no que se refere às contratadas e seus empregados.
Investigando o discurso presente sobre trabalho e terceirização nos Balanços
Sociais e Ambientais (BSA), no período 1997-2006 da estatal, percebemos que, a
partir de 2000, os dados sobre trabalhadores terceirizados na estatal começaram a
ser apresentados. Paralela a esta questão, parece evidente que o tipo de equidade
defendida como princípio contra a discriminação no trabalho são os de: gênero,
racial e em relação aos portadores de necessidades especiais da estatal. Existe até
o BSA de 2005, um relativo silêncio no que se refere à visão do documento acerca
dos terceirizados da companhia. Esta omissão é rompida no relatório de 2006:
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O jornal “O Globo” (20 de julho de 2003, p. 37) publicou uma longa ma-
téria de uma série intitulada: “A Terceirização que mata”. Vale a pena observar
algumas informações:
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Ano
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Efetivos Petrobras 4 1 4 12 3 3 3 0
Terceirizados 22 27 14 18 18 11 14 13
Total 26 28 18 30 21 14 17 13
Fonte: FUP e Petrobras
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Fonte: Visão Geral da Petrobras, 2002. In: www.Petrobras.com. br. Acesso 25.10.2007.
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Trabalhadores
Número de empregados por país ou região
Brasil – Petrobras Controladora 47 .955
Norte 1.160
Nordeste 11.978
Centro-Oeste 87
Sul 1.673
Sudeste 33.057
Brasil – subsidiárias (valor total) 7.454
Países da área internacional
Angola 15
Paraguai 116
Uruguai 284
Argentina 5.128
Bolívia 841
Colômbia 274
Nigéria 21
EUA 164
Líbia 14
Total da área internacional 6.857
Total de empregados 62.266
Fonte: Petrobras, 2006, p. 18
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Fonte: Elaboração do Autor com base nos BSA Petrobras (2000, 2001, 2002, 2003, 2004,2005 e 2006).
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Outro ponto que a própria companhia reconhece como frágil nos con-
tratos de terceirização é a baixa qualificação dos trabalhadores terceiros.
Anísio José da Silva Araújo, em sua tese de doutorado em Saúde Pública,
Terceirização e segurança dos trabalhadores em uma refinaria de petróleo,
aponta que os terceirizados também reconhecem a necessidade de uma
melhor qualificação para atuar no setor de petróleo. No entanto, do ponto
de vista pessoal, a falta de tempo, devido às longas jornadas de trabalho
e a falta de recursos para financiar as despesas com a formação, prati-
camente inviabilizam as iniciativas individuais de qualificação. Do lado
das empresas terceiras, a política de contratação da Petrobras pelo menor
preço, assim como a curta duração dos contratos, dois anos em média,
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( Em números absolutos)
Contratados por tipo de serviço
Serviços de Manutenção Industrial de rotina para apoio direto à
operação (inclui serviços de manutenção, inspeção de equipamentos, 28.571
materiais e SMS).
Serviços Complementares de Rotina para apoio à Operação
(inclui serviços de alimentação, hotelaria, segurança patrimonial, 34.360
transportes, TI, manutenção predial e limpeza)
Serviços de Apoio Administração (inclui serviços de apoio
19.130
administrativo de qualquer natureza)
Serviços Técnicos em Paradas de Manutenção Industrial (inclui
2.534
serviços de manutenção em paradas programadas ou não).
Serviços Técnicos de Obras e Montagem ( inclui serviços de
obras e montagens de ampliação e modificação de instalações 155.267
existentes e construção de novas instalações).
Fonte: Petrobras, 2005
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Deste modo, foi publicada no mesmo jornal “Folha Dirigida”, nota oficial no
dia 01.11.2007, um dia depois da reportagem:
Parece que esta nota oficial da estatal sinaliza algo presente no estudo de Sca-
letski (2003) sobre a gestão do trabalho na Petrobras, em uma perspectiva históri-
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Esse conflito estrutural entre as duas lógicas nos remete a supor que
se trata de uma variável explicativa relevante para o estudo dos sujeitos
desse processo no interior da empresa estatal, pois se podemos falar da
natureza ambígua do capital público, nada mais certo do que falar tam-
bém em ambiguidade do trabalho e da gestão do trabalho nas estatais.
Nesse sentido podemos apontar que uma das características comuns ao
trabalhador e aos gestores da empresa estatal, e da Petrobras em parti-
cular, é a existência de uma bifacialidade. Uma face que expõe seus inte-
resses privados – que não os distingue de outros grupos de interesse da
sociedade – e outra que expõe seus interesses públicos - dedicada à defesa
da empresa estatal e monopolista e para a qual reserva o papel de falar em
nome da sociedade (SCALETSKI, 2003, p. 10).
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O Acidente da P-36
No dia 14 de março de 2001, uma quarta-feira, 175 pessoas estavam
embarcadas na P-36. Oitenta delas eram do quadro regular da plataforma
- 38 da Petrobras e 42 de prestadoras de serviço. 95 eram mão de obra
temporária: 7 contratados pela Petrobras e 88 por prestadoras de servi-
ço. Os temporários trabalhavam em obras que ampliariam a capacidade
de produção da P-36 de cerca de 84 mil para 180 mil barris de petróleo
por dia. Nem uma única nuvem plúmbea prenunciava o drama que se
desenrolaria logo depois da meia noite, aos vinte minutos do dia 15 (O
ACIDENTE, 2001) 1.
Em pesquisa feita nos sites dos jornais “Folha de São Paulo” e “O Globo”
localizamos diversas notícias, entre 2000 e 2006, acerca dos impactos da ter-
ceirização na Petrobras. Na “Folha de São Paulo”, especificamente, encontram-
se 84 notícias sobre terceirização e/ou Petrobras nos arquivos das edições ele-
trônicas deste periódico. À época do acidente, a empresa tratou de transmitir à
imprensa as seguintes declarações:
1. Esta reportagem foi uma das mais completas feitas sobre o acidente trágico. Contém um rico de-
talhamento do acidente, a opinião dos familiares dos mortos sobre a causa do acidente, a opinião da
liderança sindical, do presidente da estatal e de colegas de trabalho das vítimas sobre a terceirização.
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2. Segundo o Dieese, (2006, p 12, nota 13): “Em dezembro de 2003, parte da jornada de 2.408
empregados diretos da Petrobras era dedicada à gerência/fiscalização dos contratos com empre-
sas terceiras”.
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Deste modo, foi possível evidenciar, a partir dos dados coletados e discu-
tidos neste capítulo, o perfil dos empregados da estatal e dos terceirizados, a
dualização da força de trabalho no interior da empresa, o caráter formal da
cidadania empresarial, a dinâmica e contradição na imagem da empresa junto à
sociedade assim como os estudos sobre a terceirização em várias partes do país
que se caracteriza como um discurso ambíguo e eivado de “bi-facialidade”.
Pretendemos demonstrar a opinião dos trabalhadores e sindicatos de petro-
leiros sobre o emprego na estatal, apresentando indícios que contribuem para
relativizar os dados referentes à satisfação dos empregados com a empresa,
contrastando-os com os dos aposentados da estatal, conforme os BSA da Pe-
trobras e o gráfico 12 abaixo 3:
Nos BSA são demonstrados dados sobre satisfação do funcionário da esta-
tal com a empresa:
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Obviamente, estes dados possuem um limite, uma vez que são coletados
institucionalmente. De todo modo, é possível relativizá-los a partir dos depoi-
mentos que evidenciam a insatisfação dos empregados com a terceirização
e com a “erosão dos direitos trabalhistas”. Não se conhece todos os detalhes
metodológicos desta pesquisa, mas, mesmo assim, é interessante fazer as se-
guintes questões: é garantido sigilo aos respondentes? É esclarecido aos mes-
mos como serão utilizadas suas respostas às questões? Em que medida a forma
como esses dados são colhidos por superiores hierárquicos não se caracteriza
como assédio institucional? O que se entende por satisfação? Que expectativas
são construídas pelos respondentes em relação à participação na pesquisa ins-
titucional? Em entrevistas com trabalhadores da estatal obtivemos informações
sobre os problemas metodológicos dessas pesquisas institucionais. Em muitos
casos, segundo os entrevistados, são construídas pelos chefes sutis estratégias
para convencer os empregados a participarem das pesquisas, criam-se expecta-
tivas de boas relações interpessoais com superiores hierárquicos, de promoção
funcional bem como o cultivo de uma boa imagem da equipe frente ao chefe.
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Nus porque a Petrobras lhes meteu a mão no bolso. Essa foi a razão
apresentada por oito sindicalistas aposentados da empresa para ficarem pe-
lados ontem, em frente à sede da estatal, num dos pontos mais movimenta-
dos do centro do Rio, em plena hora do almoço. ‘Resolvemos ficar nus para
mostrar a situação de penúria dos aposentados da Petrobras. Estamos can-
sados de não termos nossos direitos respeitados’, disse Emanuel Cancella,
diretor do SINDIPETRO (Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro). De
acordo com o Sindipetro, anualmente, nos acordos coletivos, a Petrobras
propõe reajustes diferenciados para pessoal da ativa e aposentados, desres-
peitando o regulamento do Plano Petros, o fundo de pensão da categoria.
O protesto, realizado sob chuva, atraiu dezenas de curiosos e despertou
gargalhadas. Ninguém foi preso. Por meio de nota, o sindicato acusa a com-
panhia de violar os direitos dos aposentados. “De acordo com o artigo 41
do contrato, o aposentado tem de receber até 90% do salário que receberia
se estivesse na ativa. Os petroleiros pagam por essa cláusula na ativa e con-
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Por este motivo, o conflito foi assim expressado numa charge publicada no
sítio da Federação na internet:
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capítulo 3|
OS TRABALHADORES DO PETRÓLEO:
ESTÁVEIS E TERCEIRIZADOS
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Desta forma, uma das estratégias para desconstruir essa invisibilidade social
foi decorrente de pioneiros estudos sobre a história do sindicato dos petroleiros
na Bahia, pois a formação desta categoria se confunde com a do descobrimento
e produção de petróleo no Brasil, já que ambos foram realizados de maneira
pioneira no estado da Bahia.
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Oliveira Jr. (1996) concorda, com ressalvas, com a tese explicativa de Oli-
veira (1987). Sua principal crítica se refere à ausência de abordagem da relação
entre o populismo e trabalhadores. Em relação à divergência, enfatiza que:
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Por sua vez, Scaletski (2003, p. 10) em estudo sobre a gestão do trabalho na
Petrobras enfatiza que a “bifacialidade” é um traço característico do comporta-
mento destes trabalhadores. Conforme o autor:
Esse conflito estrutural entre as duas lógicas nos remete a supor que se
trata de uma variável explicativa relevante para o estudo dos sujeitos desse
processo no interior da empresa estatal, pois se podemos falar da natureza
ambígua do capital público, nada mais certo do que falar também em am-
biguidade do trabalho e da gestão do trabalho nas estatais. Nesse sentido
podemos apontar que uma das características comuns ao trabalhador e aos
gestores da empresa estatal, e da Petrobras, em particular, é a existência de
uma bifacialidade. Uma face que expõe seus interesses privados – que não
os distingue de outros grupos de interesse da sociedade e outra que expõe
seus interesses públicos – dedicada à defesa da empresa estatal e monopo-
lista e para a qual reserva o papel de falar em nome da sociedade.
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Cabe enfatizar que a atuação política deste segmento está inserida nos mar-
cos do comportamento corporativista.
No começo dos anos 60, os petroleiros influenciam a vida político-institucio-
nal da Bahia com a eleição de dois presidentes de sindicatos do petróleo para a
Assembleia Legislativa Estadual. Porém, no momento em que, na década de 60,
os petroleiros viviam uma fase de melhoria das adversas condições de vida e tra-
balho, instaura-se o período ditatorial. Consequentemente são fechadas as sedes
dos sindicatos de petroleiros em Salvador e seus principais líderes presos.
A terceira geração entra na Fábrica entre os anos 60 e 70, período sob di-
tadura militar, circunstância em que a refinaria será militarizada em sua gestão
do trabalho. Conforme depoimento de um trabalhador da estatal na época:
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Como aborda Oliveira Jr. (1996, p. 195), nesta época, de cada 20 petrolei-
ros, um respondeu a inquérito militar. No período de exceção, as ações coleti-
vas são reprimidas, o temor se faz presente e a delação torna-se prática cotidia-
na. Ocorrem alguns casos de torturas de petroleiros em quartéis. O autor relata
a história de Jair Brito – preso político – que foi abordado por um militar, no
quartel de Amaralina, sendo retirado da cela. Logo se ouve – pelos que conti-
nuaram presos na cela – rajadas de metralhadoras. Deste modo, ficam com a
impressão de que Jair Brito foi fuzilado. Em verdade não foi uma execução, mas
uma tortura psicológica. Foram épocas difíceis e duras para os petroleiros:
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campanas, ficávamos a noite toda dentro do mato. Tenho algumas fotos sobre
essas coisas. O pessoal queria furar a greve, a gente já estava num momento
decisivo, 25 dias, 20 dias de greve. Furar a greve, agora, seria a última instân-
cia, uma derrota total. Formavam-se os grupos de balsa, nós íamos de balsa
a Araçás, Muriacica, todos esses cantos a gente estava correndo, gerando
conflitos, os amigos... era uma situação terrível. ‘Que traição terrível essa!
Você está vendo toda uma estrutura formada, a gente avançando e vocês
dando uma de pelego’. Então foi uma coisa muito ruim.Pela manhã, você
olhava os jornais, até hoje tenho trauma, quando tem aquele jornal da manhã.
Geralmente, a gente ia para ver as notícias da Petrobras, a evolução da greve,
então, sempre tinha aquele modelo de jornalismo. Marcou muito, na vida da
gente. Por isso, por essa necessidade. Foi por direitos de salário, plano Collor,
mudança de regime de turno; uma série de perdas para os profissionais da
área de petróleo. A gente precisava estar atento, para não perder mais do que
já tinha perdido (Petroleiro D, out/2007).
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2. O Sindiquímica
A Associação dos Trabalhadores das Indústrias Petroquímicas, Químicas
e Afins da Bahia, fundada em 15 de abril de 1963, foi organizada para dar
continuidade às atividades do Sindipetro (Sindicato da Indústria do Petró-
leo). Em 1984, por decisão do Congresso dos Trabalhadores, foi criado o
PROQUÍMICOS, associação que passaria a representar os trabalhadores nas
indústrias químicas. Este foi, certamente, um grande marco para a luta dos
trabalhadores que, mesmos divididos oficialmente e burocraticamente pelo
governo e empresários, decidem unificar suas lutas.
Em 1989, chega ao fim o Proquímicos resultando na reunificação destes
trabalhadores no Sindiquímica. Deste modo, todas as lutas e campanhas pas-
sam a ser conjuntas, sendo alguns momentos importantes para as duas bases,
tais como: a greve de 1985, primeira paralisação de um pólo petroquímico no
mundo, elevação dos adicionais de turno para 88,5 %, implantação da quin-
ta turma em 1988, entre outras bandeiras de luta deste sindicato. Ademais,
em 1999, reuniram-se em único sindicato as bases do Stiep, Sindipetro e do
Sindiquímica , constituindo, a partir deste momento, o Sindicato do Ramo
Químico e Petroleiro (SRQP).
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de 2003, quando a empresa decidiu repor com mais velocidade seu efetivo
sob o governo do PT, as contratações cresceram 45,4%. O número de em-
pregados saltou de 34,5 mil em 2002 para 50,2 mil em 2007. No período,
o total de terceirizados subiu 84,5%. Sob esse regime, estavam empregadas
103 mil pessoas em 2002 (Folha de São Paulo, 07 fev. 2008. Disponível em
www.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/. Acesso em 10. fev.2008).
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Nesta situação, o sujeito não deve ficar à vontade, já que a noção de proje-
to de vida fica bastante comprometida. Como pensar a longo prazo? Além disso,
que perspectiva de vida pode ter um indivíduo com 50 anos transformado em um
trabalhador irregular/instável? Sennett (1999) deu grande contribuição acerca
da questão, ao expressar que o estar trabalhando marca no sujeito um caráter re-
conhecido e valorizado socialmente. Por outro lado, a incerteza desta dimensão na
vida (não estar trabalhando) “corrói o seu caráter”. Assim, o autor enfatiza que o
caráter é “moldado a partir de traços pessoais a que damos valor em nós mesmos,
e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem” (Idem, 1999, p.10).
Quanto à escolaridade, foram os seguintes resultados: 72,6% dos entrevista-
dos têm até o ensino médio incompleto, e aproximadamente, 56% só estudaram o
fundamental. Deste modo, os subcontratados têm uma escolaridade/qualificação
menor do que os empregados da estatal. O “saber fazer” aprendido no cotidiano
do trabalho, isto é, a qualificação informal, supera a qualificação formal, já que
mais de 2/3 dos trabalhadores entrevistados não possuem o ensino médio.
A composição por gênero revela que o tipo de trabalho é essencialmente mascu-
lino. Cerca de 90% dos entrevistados são homens e 9,7% não responderam à per-
gunta. As mulheres representam – segundo informações dos dirigentes sindicais
– menos de 2% da categoria, e quando trabalham nestas atividades, por exemplo,
desempenham funções como soldadora de torre e auxiliares de limpeza industrial.
No concernente à questão da quantidade de empreiteiras nas quais traba-
lharam, foi constatado que 53,1% já trabalharam em mais de dez empreiteiras.
Esta informação reforça o pensamento de que os terceiros exercem um trabalho
com alto grau de rotatividade. Por este motivo, a ideia de carreira aqui é então
impossível de ser constituída. Deste modo, ter um trabalho fixo e regular é só
um desejo, posto que somente 8,1% trabalharam em apenas uma empreiteira.
Em relação ao salário que recebem 30,6% ganham de um até três salários
mínimos e 59,7% ganham de mais de três até seis salários mínimos. Se somadas
as duas faixas constata-se que do total dos entrevistados 90,3% ganham, no
máximo, de um a até seis salários mínimos.
Sobre as ocupações dos entrevistados, 17% são ajudantes (práticos, de cal-
deireiro, de mecânico, de montagem e de soldador), seguidos por soldadores,
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Além disso, esse intenso processo de segmentação pode ser percebido nes-
te depoimento:
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Eu acho que não, o pessoal dessa época de 90, naquela greve, na pri-
meira greve de 26 dias ele criou essa cultura lá na assembleia que, todos
nós somos petroleiros, a gente costumava falar os petroleiros diretamente
contratados, os da Petrobras, e os petroleiros indiretamente contratados
que eram os terceirizados, e dizia que todos eram petroleiros porque tra-
balhava no petróleo, mas eu acho que eles na realidade não viam a gente
como petroleiros, assim como os terceirizados também não se sentem pe-
troleiro (sic) (Terceirizado, abr./2003).
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Merece por em relevo que a tese tem uma conotação corporativa, embora
apresente argumento compreensível do ponto de vista político e social. Em en-
trevistas aos diretores do sindicato, percebe-se que estes são a favor dessa tese,
a qual foi aprovada como bandeira de luta do período. O depoimento de um
diretor sindical dos terceirizados expressa esse comportamento:
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Fiz muitos cursos até 2000, quando me convidaram para vir fazer um
trabalho aqui, de três meses. Seria na área de gerenciamento. E, nesses
três meses, já vou fazer quatro anos de retorno, agora como contratada.
Eu acho que muda porque as pessoas são muito vaidosas, não é? E con-
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tratada, às vezes – você sabe que tem todo tipo de pessoa –, não é por
todo mundo, mas o contratado é, assim, discriminado. Mas como o meu
temperamento é tranquilo, não sei se pelo fato de ter vivido muito tempo
aqui e ter angariado uma boa amizade, ser da casa, ter muito conhecimen-
to lá fora – porque eu fiz muito curso, viajei muito – então, eu não sinto
tanto. Mas eu vejo muita reclamação dos outros contratados (Aposentada
Petrobras e Terceirizada, nov./ 2007).
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Eu acho que não, o pessoal dessa época de 90, naquela greve, na pri-
meira greve de 26 dias ele criou essa cultura lá na assembleia que, todos
nós somos petroleiros, a gente costumava falar os petroleiros diretamente
contratados os da Petrobras e os petroleiros indiretamente contratados
que eram os terceirizados, e dizia que todos eram petroleiros porque tra-
balhava no petróleo, mas eu acho que eles na realidade não viam a gente
como petroleiros, assim como os terceirizados também não se sente pe-
troleiro. Se ele acha que os petroleiros são os contratados diretamente
pela Petrobras (Terceirizado, 2005).
Junto aos terceirizados, existe, também, uma busca de distinção que reproduz
o modelo discriminatório dos petroleiros. Desta forma, os terceirizados quase-per-
manentes, que ficam mais de três anos no trabalho e trocam de crachá de tempos
em tempos, também se afastam dos segmentos de terceirizados de paradas, que
ficam, no máximo, três meses no trabalho e dos quarteirizados, que trabalham em
obras, em geral mais duradouras, que uma parada para manutenção da fábrica,
mas, menos duradouras do que o vínculo dos trabalhadores quase-permanentes.
O desemprego foi tratado com menor frequência através dos boletins, já
que nos anos de 1990 e 1991 totalizaram um percentual de 11% e 0%, res-
pectivamente. Em 1992, das 56 notícias selecionadas, apenas, 14% abordavam
a questão. Em 1993, o fenômeno foi abordado em 21% das notícias, decres-
cendo, no ano seguinte, para 15%. Em 1997 das notícias divulgadas, apenas
5% enfatizavam o desemprego. Consideram-se algumas hipóteses sobre esta
situação: 1) os sindicatos podem estar presos ao ideário hegemônico de que re-
presentam os empregados, deixando de lado a luta contra o desemprego de sua
própria base; 2) O problema é tão corriqueiro na categoria (fim de obras, tér-
mino ou cancelamento de contratos das empreiteiras pelas contratantes, etc.)
que é dado prioridade ao combate à terceirização; 3) Sendo o desemprego um
problema central da sociedade atual, ele é discutido de forma insuficiente por
este sindicato através dos boletins. Este fato denotaria um equívoco político de
comunicação e/ou atuação, além de indicar um tratamento desigual dado ao
conjunto de práticas trazidas pela reestruturação produtiva.
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É razoável supor que um dos motivos que explicam essa resistência à unifi-
cação se deva a dificuldades de convivência política presente nos sindicatos dos
terceirizados. Em suma, os trabalhadores subcontratados do Pólo de Camaçari
e da RLAM estão na contramão da tendência presente entre os empregados
diretos destes dois espaços fabris da RMS.
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capítulo 4|
ESTIGMATIZAÇÕES E CONFLITOS:
AS COMUNIDADES DOS
TRABALHADORES INVESTIGADOS
Esta rede também tem sido utilizada no sentido contrário, visto que em
diversos programas jornalísticos de televisão, em sítios da internet e em jornais
e revistas de grande circulação, há atualmente várias denúncias de práticas de
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COMUNIDADE TERCEIRIZADOS
DESCRIÇÃO: Esse Cantinho é para você que, assim como eu é ter-
ceirizado. Se ama ou odeia ser TERCEIRO, se já foi ou ainda é um, junte-
se á Comunidade e seja bem-vindo!Solte suas feras, aqui você pode!
SOU/FUI TERCEIRIZADO
Para você que é ou já foi um funcionário terceirizado e sabe muito bem
como é esse pesadelo junte-se á nós e conte-nos o que pensa disso.Não se sin-
ta só, você não é o patinho feio, existem muitos igual a você. Junte-se a nós.
TERCEIRIZAÇÃO = ESCRAVIDÃO
Esta Comunidade tem o intuito de protestar, contra o “novo” método de ex-
ploração dos trabalhadores, a Terceirização (criada principalmente para “redu-
zir custos”). Ela é boa para as empresas Mas péssima para os trabalhadores!Se
você é contra essa “vergonha explicita”, entre nessa comunidade..
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6. Por este motivo, diversos trabalhadores petroleiros e terceirizados também foram conquistados
pelas comunidades virtuais da Petrobras: álbum da família petroleira e Memorial dos trabalhado-
res da Petrobras. In: www.petrobras.com.br Acesso em 12.11.2007.
Ademais, as comunidades do Orkut de empregados, estagiários, terceirizados e aposentados da
empresa são outros exemplos desta nova realidade de necessidade de eternização social, de ex-
169
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
Fonte: www.uol.com.br8.
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
9. Pode-se alugar por trinta minutos um computador com acesso à rede mundial de computado-
res por R$ 00,50 (cinquenta centavos) em diversos estabelecimentos deste tipo no Nordeste.
10. Em relação às comunidades de interesse do Orkut, estas se classificam nas seguintes mo-
dalidades: atividades, alunos e escolas, artes e entretenimento, automotivo, negócios, cidades e
bairros, empresa, computadores e internet, países e regiões, culturas e comunidade, família e lar,
moda e beleza, culinária, bebidas e vinhos, jogos, gays, lésbicas e bissexuais, governo e política,
saúde, bem-estar e fitness hobbies e trabalhos manuais, pessoas, música, animais (de estimação
ou não), esportes e lazer, religiões e crenças, romances e relacionamentos, escolas e cursos, his-
tória e ciências, viagens e outros.
11. Na primeira versão do sítio de relacionamentos, qualquer pessoa podia visitar a página que
lhe aprouvesse, pois não existiam mecanismos de controle sobre o total de visitantes de uma
página pessoal. Há cerca de um ano e meio, este sítio mundial criou uma nova ferramenta que
garante a possibilidade de registro dos últimos visitantes na página pessoal de qualquer “Orkutei-
ro”. Todavia, esse mecanismo de controle dos visitantes mais recentes na página pessoal implica
171
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
Assim, dados demográficos no sítio informam o perfil etário desta imensa comu-
nidade mundial:
Faixa etária %
18-25 60,45
26-30 10,43
31-35 4,72
36-40 2,80
41-50 2,97
50+ 2,40
Fonte: www.orkut.com
no registro das visitas que o “orkuteiro” faz em outras páginas pessoais. Para fugir desse registro,
muitos “orkuteiros” optam por não deixar rastros de suas visitas nem saber por quem foram visi-
tados através de um mecanismo que os deixa invisíveis. É recente a possibilidade do “Orkuteiro”
tornar o acesso ao seu perfil, suas fotos e recados exclusivo aos amigos. Neste sentido, a privaci-
dade vem sendo fomentada mesmo na Internet. A única forma de visitar páginas de outros sem
ser percebido é desabilitar a possibilidade de descobrir também sobre as visitas em sua página.
172
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Perfil %
Não há resposta 42,42
Solteiro (a) 36,19
Casado (a) 10,68
Namorando 8,42
Casamento aberto 0,25
Relacionamento aberto 2,03
Fonte: www.orkut.com
De fato, a maior parte dos membros (42,42%) prefere omitir seus relacionamen-
tos afetivos ou a falta deles, visto que optam por não informar sobre esta questão.
Interesses %
Amigos 62,29
Companheiros para atividades 19,03
Contatos profissionais 19,00
Namoro 18,62
Fonte: www.orkut.com
12. Existe uma ambiguidade na marcação - pelos usuários do Orkut - desta opção no que se
refere às suas motivações de adesão, pois parcerias para atividades, neste contexto, pode ser tanto
um trabalho como um conjunto de outras interesses: políticos, afetivos, culturais etc.
173
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
13. Pretendemos então chamar a atenção para esta fonte como material complementar para a
análise do objeto de estudo. Muitos pesquisadores que estão no mesmo estágio de carreira de
pesquisador em que nos encontramos demonstraram preocupação, às vezes tácitas, outras explí-
citas, com o uso do Orkut como fonte de pesquisa. O Orkut é pensado por alguns pesquisadores
de forma acrítica, como “espaço” de adolescentes e de pessoas que buscam o puro entretenimen-
to e que por isso não falam a verdade neste espaço virtual. Portanto, é uma fonte estigmatizada.
Discordamos desta interpretação por entender que, se trabalhada com cuidado metodológico, a
rede de relacionamentos do Orkut pode ser uma importante fonte, já que é um canal de expres-
são das representações sociais dos indivíduos. Esperamos que esta fonte ganhe cada vez mais
visibilidade e credibilidade acadêmica no campo dos novos estudos da sociologia, sobretudo a
do trabalho, onde nos incluímos. Admitimos que algumas fontes são inexploradas em algumas
áreas de estudo fortemente marcadas por metodologias inspiradas em dados quantitativos, fontes
documentais oficiais e entrevistas tradicionais, e que há preconceito com o novo. Obviamente, o
uso dos registros do Orkut só foi possível em razão do cruzamento com outras fontes utilizadas
neste estudo: as entrevistas e os dados de relatórios e etnográficos que estamos paulatinamente
apresentando. O principal filtro de segurança foi a comparação entre os discursos das entrevistas
com os terceirizados e os presentes nas comunidades virtuais. Neste sentido, encontramos seme-
lhanças, cruzadas as fontes com os dados dos boletins sindicais.
14. Para compreender este fenômeno, ler a descrição etnográfica de Geertz sobre o papel da
briga de galo no entendimento da personalidade coletiva do balinês e sua sociedade (GEERTZ,
1978); para entender o simbolismo na cultura, ler: (HARRIS, 1978).
174
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Não
Não me senti não, as únicas coisas que são ruins em ser crachá mar-
rom, são: Mudança de empresas, Insegurança, Falta de PLR (Participação
nos Lucros e Resultados),... risos E estabilidade (que todos querem em
qualquer empresa). (Depoimento de Delta 2, 22/10/2005).
15. A denominação Delta é utilizada na Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) para não
expor o verdadeiro nome dos entrevistados.
16. Participar como membro da comunidade teve como intuito exclusivo do autor acompanhar os
depoimentos e coletá-los. Em conversa com o orientador, definimos que esta era a melhor estratégia,
pois existia um enorme risco de ser confundido com algum funcionário a serviço da Petrobras e ser
expulso da referida comunidade, além de correr o risco de perder os dados pesquisados. Para garantir
a privacidade de todos os sujeitos que postaram depoimentos, omitiramos suas fotos e nomes/nicks
do Orkut. Mantivemos todos os erros ortográficos cometidos pelos sujeitos investigados.
175
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
Não
me importo nenhum pouco o que as pessoas acham sobre esses cra-
chás marrons, amarelos e rosas. O importante é a gente ser profissional
e sei que tem uns crachazinho verdes que se acham o tal, mas fazer! Bola
para frente! (Depoimento de Delta 3, 23/11/2005).
Olá
trabalho há 6 anos como contratado e até hoje nunca tive problemas,
pelo contrário sou respeitado e muito no meu trabalho assim como tam-
bém tenho respeito!a única coisa triste de ser contratado é não ter PLR
risos... (Depoimento de Delta 4, 24/11/2005).
A PLR... este que é o triste (risos) (Depoimento de Delta 5,
04/12/2005).
176
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Tem umas figuras q acham que nos (sic) somos menos que eles, mas
se esquecem que o mundo da (sic) voltas e que eu também posso passar
no concurso e um dia ocupar uma posição maior do q a dele. Da mesma
forma que eu não sei fazer o que ele faz ele também num sabe fazer o q
faço então cabe a cada um respeitar a profissão do outro. Educação vem
de casa! (Depoimento de Delta 7, 22/12/2005).
Nenhum um pouco, Mas claro que gostaria ter o crachá verde, pelo
menos não perderia meus cabelos pensando no dia de amanhã... Afinal de
contas trabalhar terceirizado para Petrobras é uma? Nunca se sabe quando
vamos estar empregado ou não (Depoimento de Delta 8, 28/12/2005).
177
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
Pela primeira vez aparece a associação dos petroleiros como donos da em-
presa, inclusive com esta palavra em caixa alta. É quase considerada uma con-
venção, nos espaços de comunicação virtuais, que as palavras digitadas em
caixa alta correspondem ao que seria um grito na comunicação presencial. A
categoria ‘donos’ pode ser uma ironia, já que os petroleiros, na verdade, não
passam de trabalhadores; quase sempre quando é usada a expressão “dono do
pedaço”, a referência é a alguém que acha que é proprietário de algo ou lugar.
Em outro sentido, o termo ressalta uma relação hierárquica percebida subjeti-
vamente pelos terceirizados.
É recorrente em muitos depoimentos de terceirizados, a associação e clas-
sificação dos empregados da estatal como os donos.
178
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
179
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
contra-estigmatização 17
. Estes seriam possíveis, com um maior equilíbrio de
acesso a fontes de poder que são monopolizadas pelos que discriminam.
Em relação à coesão grupal, cabe enfatizar que os empregados da esta-
tal têm presença exclusiva nas festas de confraternização nas dependências da
refinaria. Muitos depoimentos de terceirizados evidenciaram a frágil relação
com os diretamente contratados da estatal e ausência de políticas de integra-
ção social entre estes e os petroleiros. No caso dos petroleiros, são evidentes
algumas fontes monopolizadas de poder: contrato estável de emprego e relação
hierárquico-profissional com os terceirizados legitimada pela estatal.
Os autores, em seu estudo, discutem o que estimula pessoas e grupos com
a mesma condição de classe, étnica, renda, credo religioso e nacionalidade a
discriminar seu semelhante. A partir de um estudo de comunidade descobriu-
se que o critério antiguidade de moradia, pode operar a estigmatização de um
contra outro. Os autores, entretanto, diferenciam o preconceito individual do
coletivo já que trata, especialmente, dos mecanismos de estigmatização, caris-
ma e desonra grupal. O estudo destes dispositivos explica sociologicamente a
discriminação coletiva e o preconceito contra um indivíduo.
Não obstante, a coesão dos estigmatizadores só perdura devido às recom-
pensas positivas e negativas dadas aos seus membros. As recompensas positivas:
ser integrado aos valores organizacionais e protegido por eles. As recompensas
negativas: retaliação e castigo, caso, por exemplo, de uma relação proibida com
membros do outro contingente. Há o depoimento em que a terceirizada aborda a
questão da invisibilidade social no momento em que os petroleiros percorrem as
salas convidando colegas para uma confraternização. No que tange à noção de
antiguidade, é razoável supor que pode existir um acionamento deste mecanismo
no fomento desta fragilização de laços entre petroleiros e terceirizados. A antigui-
dade aqui referida é o tempo de serviço à estatal.
No caso estudado, percebemos também que os empregados da estatal não
permitem que trabalhadores das empreiteiras façam uso da piscina nem facilitam
180
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
a associação aos seus clubes. Uma outra situação apreendida se refere à questão
do uso das mesas do refeitório conforme depoimento de uma terceirizada. Por-
tanto, a coesão grupal se constitui a partir de normatizações e interditos.
Os autores vislumbram que todo processo de estigmatização encontra entre os
submetidos ao estereótipo uma legitimidade. Esta se expressa ao se internalizar um
sentimento de inferioridade e, consequentemente, vivê-la como realidade. A análise
de Elias e Scotson (2000) confirma que devido à falta de coesão coletiva e de acesso
a fontes de poder, não há como lutar numa perspectiva de contra-estigmatização.
Portanto, esta relação se caracteriza como uma guerra de trincheiras, em que um
grupo tenta evitar que outro tido como inferior, acesse esse poder monopolizado,
por esse meio a discriminação se alimenta e retro-alimenta no interior da estatal.
2. A ESTIGMATIZAÇÃO
É importante analisar como um terceirizado reflete sobre a sua imagem
junto a um contingente de empregados da Petrobras:
Goffman (1988) define o desacreditado como aquele que possui uma marca
física explícita, congênita ou adquirida, percebida socialmente como um sinal
negativo 18. No caso investigado, essa marca explícita imediata é a posse de um
crachá amarelo ou marrom.
18. Pessoas portadoras de “deficiências físicas”, portadoras de síndromes de down e de outras doen-
ças mentais, negros, ciganos etc. se encaixariam no perfil dos desacreditados em alguns contextos
sociais. Segundo Goffman (1988), os desacreditáveis são pessoas que têm uma trajetória social
sancionada negativamente: ex-presidiários, ex-drogados, alcoólatras, portadores de AIDS sem sin-
tomas, prostitutas etc. se encaixariam no perfil dos desacreditáveis. Utiliza-se esta categoria do
desacreditável como uma possível forma de percepção dos terceirizados por parte dos petroleiros.
181
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
182
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
O terceiro tipo de estigma são os tribais. Estes podem ser ligados à raça,
à nação e/ou à religião. Para o autor, os estigmas do terceiro tipo “podem ser
transmitidos através de linhagem ao tempo em que contaminam uniformemen-
te todos os membros de uma família”. Relacionou-se o segundo tipo de estigma
ao conjunto de empregados das empresas terceirizadas. Assim, os terceirizados
se enquadram neste tipo porque são discriminados em razão de uma situação
contextual em que são representados como incapazes (de serem aprovados num
concurso, por exemplo), desqualificados, descomprometidos com o trabalho e
com a empresa. Goffman coloca o desemprego no segundo tipo e esta é uma
sombra presente (tanto como receio, como quanto experiência passada dos
terceirizados). Além disso, o desemprego e o subemprego são situações muito
183
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
184
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
185
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
em relação aos ex-empregados se deve aos inativos da estatal não viverem a insta-
bilidade, a insegurança; além disso, por terem os direitos de aposentadoria, plano
de saúde e inserção no grupo dos empregados. Nesta direção, a desidentificação
se processa – no dia a dia da refinaria – pelo fato dos subcontratados entenderem
a presença de aposentados como usurpadores de empregos dos terceirizados.
Assim, a produção de símbolos de prestígio e estigma encontra na cor do
crachá a sua maior expressão. Este é a informação social mais relevante nas
interações entre os “estabelecidos e os outsiders” da refinaria.
O depoimento do técnico de medição de obra apresentado há pouco revela um
pouco da situação de “identidade deteriorada” do segmento estudado. Os empre-
gados das terceirizadas expressam subjetivamente múltiplas questões subjetivas:
186
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Vestindo a Camisa
O pior de tudo é que nós os contratados “Pau pra toda obra” vesti-
mos a camisa desta empresa, coisa que muitos dos Crachás Verdes não
fazem. Acho que uma das justificativas para tanta dedicação é uma certa
insegurança misturada com muito, muito amor... coisa que muitos deles
187
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
188
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Trabalho na Petro desde abr/2002, nunca tirei férias porque meu con-
trato já mudou 3 vezes. No atual, me mudaram de setor porque eu criticava
muito minha gerência e meu supervisor, falava pra eles fazerem faculdade,
e tentarem enxergar os contratados como pessoas, éramos inimigos decla-
rados, mas felizmente tive pessoas que me protegeram e não fui demitido.
Agora os dois foram transferidos, eu to num setor que me acolheu muito
bem, e só desejo sorte a eles (Depoimento de Delta 23, 09/07/2005).
Calada!!!
Trabalhei na RECAP durante 1 ano no DP. Uma vez fui reclamar com
a ouvidoria sobre o tratamento diferenciado dos contratados em relação
aos Crachás verdes, minha gerente ficou fula, me levou para uma sala e
ameaçou me mandar embora. Ainda por cima me humilhou dizendo que
eu não era nada lá e que a corda ia arrebentar para o meu lado. Como não
tive testemunhas não pude fazer nada. Ela é esperta: quando quer humi-
lhar um funcionário ela chama de canto sem ninguém para testemunha. E
está lá até hoje como gerente (Depoimento de Delta 24, 08/11/2005).
189
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
Calada!!!
E coloquei como anônimo por que estou trabalhando na rede de novo
e não quero sofrer represálias. Preciso do emprego para sobreviver!!! Mas
fica aí meu recado! (Ibid. id 08/11/2005).
190
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Esta semana duas contratadas deixaram meu setor por final de con-
trato. Existem vários problemas entre verdes e marrons que ultrapassam a
simples richa. Todo o trabalho destas contratadas que saíram ficou “per-
dido”, pois quem entrar agora não vai ter como continuar de onde elas
pararam por motivos óbvios. Também tem a confiança que foi junto com
elas e que terá de ser construída novamente (se possível) com os novos
que as substituirão. Ostentar o crachá verde é tão comum que chega a ser
normal. É quase como ostentar um computador, celular, carro, etc. Pra
quem gosta de se achar “mais” pelo que tem ou faz, o crachá verde tem
mais uma serventia... Com certeza a pessoa que faz isso, não ficou assim
depois que entrou na Petro, pode acreditar (Depoimento de Delta 31, Co-
munidade Petrobras. In: www.orkut.com. Acesso em: 20.11.2007).
191
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
Essa disputa entre a cor do crachá não e uma coisa elitista. Sempre
existiu desde o inicio da terceirização. Desde que o mundo começou
se organizar a briga pelo espaço existe. Há um estresse inicial mas que
com o tempo acaba ficando fácil administrar. Essa diferença no inicio
das contratações ficou mais evidente porque também havia uma dife-
rença muito grande na faixa etária dos petroleiros e dos contratados,
foram alguns a familiares nos sem concursos. E ate que houvesse en-
trosamento e confiança no trabalho dessa juventude, e por parte desta,
respeito à resistência e compreensão dos valores dos efetivos mais ve-
21. Em 2003, a Empresa criou, junto com a Federação dos Petroleiros, um Banco de Dados denomi-
nado Memorial dos Trabalhadores da Petrobras. Neste, cerca de (mil) empregados de diversos estados
brasileiros rememoram sua entrada e vida na empresa, as greves, a família, bem como suas percepções
sobre o papel da estatal na construção de suas identidades sociais. Observando os depoimentos dos
empregados baianos postados no Memorial em relação a estas questões, percebemos o forte imbrin-
camento entre a empresa e seus empregados. Todavia, é necessário reconhecer que esse orgulho orga-
nizacional não é homogêneo, pois muitos trabalhadores estatais filiados a partidos e organizações de
esquerda são críticos a este comportamento e à estatal. Os próprios trabalhadores da estatal também
demonstram nas comunidades virtuais insatisfações salariais, com as condições de trabalho na empre-
sa, bem como com os benefícios extra-salariais e previdenciários concedidos pela empresa.
192
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
22. Houve um comentário do Presidente da Empresa em 2001 de que a figura que representava a com-
posição etária dos empregados da Petrobras era um losango, e não a clássica pirâmide, tão grande era a
ausência de jovens na Companhia e o contingente expressivo de trabalhadores com mais de 45 anos.
23. Trocamos o nome dos dois indivíduos identificados nesta citação para manter o sigilo.
24. Aqui o depoente fala do perfil e da foto do colega na comunidade do Orkut da Petrobras.
193
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
já fui contratado e agora sou concursado. Acho (e sempre achei) que todos
devem ingressar na companhia da mesma maneira (através de concurso) e ter
os mesmos direitos (remuneração, PLR e outros benefícios). Acho que a ter-
ceirização deveria ser extinta na maioria dos cargos, mas enquanto ela exis-
tir, temos que conviver com isso e, acima de tudo, respeitar os contratados,
que contribuem tanto quanto nós (concursados) para o sucesso da empresa.
Contratado com falta de compromisso e lealdade para com a empresa são
minoria e, se procurar direitinho, tem petroleiro assim também. Acho que o
que faz a pessoa assim, não é bem a cor do crachá (Depoimento de Delta 33,
Comunidade Petrobras. In: www.orkut.com. Acesso em: 20.11.2007).
194
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
O problema não é a cor dos crachás... Se alguém quer segregar, pode ser até
pelo jeito de andar. A questão é muito maior do que a simples cor. Podiam ser
todos verdes ou todos marrons... Algumas pessoas sempre encontrariam jeito de
diferenciar. Cada um tem que valorizar o lugar que conseguiu e buscar sempre
a melhoria (dentro de cada entendimento individual). A filosofia da Companhia
não vê cor do crachá quando do tratamento humano, mas como a Companhia
é feita por pessoas, recaímos num problema sem solução. O problema está na
cabeça das pessoas e não na cor em si. Petrolérico. Eu!! Nem Petroleiro nem
Genérico, meio termo Petrolérico RECAP/MI/EEI (Depoimento de Delta 37,
Comunidade Petrobras. In: www.orkut.com. Acesso em: 20.11.2007).
195
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
È razoável supor que o desencantamento deve ter, neste caso, sua maior ex-
pressão pois, possivelmente, deve ter colocado o “seo Bartolomeu” para refletir
sobre tão contundente amor institucional.25
Em outro momento do desabafo, o empregado da Estatal critica a convivência
com os terceirizados: “Os terceirizados usam nossas instalações, banheiro, papel to-
25
196
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
alha, papel higiênico, copo, entendeu, fax, copiadora, isso o dia todo, todos os dias.
Quem paga isso?” (Depoimento de Empregado da RLAM-Petrobras, jun./2006).
O incômodo representado pelo terceirizado se expressa nessa fala:
197
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
Há! Eu vou dizer um apelido aqui e você vai dar risada, eu tenho, até de vez
em quando uso aí no chefe aí, o chefe se zanga, não, é chamado de servente e
orêa seca também orêa seca [é uma coisa] que a gente chama assim normal [que
o peão até aceita]. Não, eu vou explicar o negocio a você: ele chama a gente,
mas, orêa seca, aí a gente chama ele de servente, e na hora que ele passa, ó que
servente ruim, ó servente ruim, a única coisa que tem valor ali é só o crachá26
dele, você entendeu? Aí ele chama também a gente como Cláudio tá falando de
orêa seca e o vigilante da portaria, se a gente chamar de vigia Orêa seca é um
profissional ruim, o nome já diz orêa seca, tá, transfira pra cá, orêa seca. Muito
deles não chega nem perto, mas pra eles a maioria nossa, nosso trabalhador é
destreinado, são desqualificados, aí que, eles pensam que o cara é terceirizado
porque ele não teve oportunidade na vida, Eu tenho pra mim que na hora tam-
bém tem discriminação entre eles também né. É chamar o cara de cabaço, e o
cara cabaço, tem discriminação também entre eles, tem discriminação.
O pessoal da construção civil deles (da Petrobras) lá é discriminado que
é uma beleza. A Petrobras em si, ainda tem um pessoal da área de civil, pe-
198
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
troleiro mesmo, tem petroleiro lá, também da área de andaime, aí, Coitado
não tem moral de nada. Eles são discriminados, eles não têm moral, tem um
pessoal também das maquinas pesadas. Eles (os petroleiros discriminados)
se dão muito bem com a gente né, ele se dá muito bem com a gente. Esses
aí que são categoria mínima, que eles acham que é mínima se da bem com
a gente, geralmente. Aí eu vou explicar como é: o que ele é da área de an-
daime, eles são os caras que veio de montador de andaime * da Petrobras,
aí botou ele pra fiscalizar as empresas de andaime, entendeu agora? As
empresas que vai montar andaime, quem fiscaliza são esses caras e ele é
discriminado pelo operador da Petrobras, pelo técnico de caldeiraria, pelo
engenheiro de caldeiraria, ele é discriminado e muitas vezes o engenheiro
de caldeiraria manda nele. Cadê fulano de tal, que não tá aqui no setor! Traz
lá, pra cá (Depoimento de Terceirizado Rlam, jun./2006).
27. Sobre isso, ver: Costa (2004). Neste livro, o autor relata que se transformou em gari por
longo tempo para escrever uma dissertação de mestrado em Psicologia Social na USP, para de-
monstrar a invisibilidade social de trabalhadores manuais, especificamente dos garis da USP.
199
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
200
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
28. São escravos que, além de servir ao seu proprietário em afazeres domésticos, desenvolvem
atividades informais na praça pública com consentimento do senhor e em troca de dinheiro. Al-
guns inclusive conseguiam angariar recursos para a compra da liberdade.
29. Cabe a definição desta classificação enquanto um habitus (BOURDIEU, 2007).
201
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
toda a estrutura social está presente na interação (e, por aí, no discur-
so): as condições materiais de existência delimitam o discurso por inter-
médio das relações de produção linguística que elas tornam possíveis e que
estruturam. As condições materiais comandam, com efeito, não somente
os lugares e os momentos da comunicação [...] mas também a forma da
comunicação por intermédio da estrutura da relação de produção na qual
é engendrado o discurso (BOURDIEU, 1983, p.167).
202
capítulo 5|
HABITUS DE CLASSE E
ESTILOS DE VIDA
204
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Jorge Amado, outro baiano que nos legou importantes fontes sobre o “ouro
negro”, deixou testemunhos acerca da importância sociocultural da presença
do petróleo em terras baianas:
Ah! Para que pudesse essa luz brilhar na noite da Bahia, muito foi neces-
sário fazer, muito teve o povo de lutar através dos anos, por vezes, duramen-
205
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
te. [...] Aquele clarão iluminando a noite vem das refinarias de Mataripe, é o
petróleo da Bahia, riqueza do povo brasileiro(MATTOS et al., 2000, p. 83).
32. O nome da música é “Wet’n Wild Petrobras”, do Grupo D.F.C. Disponível em: http://letras.
terra.com.br/dfc/840765/wetn-wild-petrobras-print.html. Acesso 10.12.2007.
206
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
207
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO
Algumas músicas foram produzidas por artistas baianos33 nos últimos vinte
anos. Uma destas canções permanece na memória, por ter sido um pagode
baiano popular muito executado por rádios FM metropolitanas no ano de 1990.
Esta música tinha o seguinte refrão: “Sai daqui farofeiro, minha filha namora
só com petroleiro”.
Em certo sentido, no imaginário social acerca da Petrobras e dos seus tra-
balhadores são evidenciados nas músicas, por um lado, o caráter elitista desta
pertença de classe e a queda do poder aquisitivo, de outrora, dos petroleiros,
por outro. Conforme a letra “Abafabanca”, do cantor baiano Jerônimo:
33. Importantes artistas baianos cantaram, escreveram ou fotografaram a Petrobras: Gal Costa,
na música “Lágrimas Negras”; Gil, na música “Povo Petroleiro”; Jorge Amado, no texto “Luzes
de Mataripe” e Jerônimo, na música “Abafabanca”. Pierre Verger fez, nos anos 50, um ensaio
fotográfico sobre a Refinaria de Mataripe. Essa imagem ilustra o livro recém-publicado sobre os
50 Anos da RLAM (MATTOS, 2000).
34. Abafabanca é um sorvete feito em cubas de gelo que era vendido nas residências populares
nos idos dos anos 60 e 70. Atualmente o geladinho – suco congelado vendido em saquinhos –
cumpre a função de reforçar o orçamento doméstico nos bairros pobres da RMS. Na verdade, a
venda de sorvetes domésticos, na porta de casa, sempre sinalizaram que as famílias que desen-
volviam essa prática comercial eram mais humildes do que as famílias que não vendiam essas
mercadorias no lar. Por este motivo, o cantor toma a venda da abafabanca como sintoma do
empobrecimento dos trabalhadores.
208
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Só quem tinha
Só quem tinha iê, iê.
Aí o peão virou burguês
Até pensou que fosse rei
Cortinas com dinheiro ele fez
No seu canzuá
Então veio a revolução
E do petróleo a inflação
E o peão voltou a ser peão
E de herança o que sobrou
A geladeira e a TV
Yeah, yeah, yeah, yeah
E do sorvete do peão
Virei freguês
Abafabanca é
A fruta que entra no liquidificador
Abafabanca é
Depois de líquida vai para a cuba de gelo
Abafabanca é
Ai que endurecer
Sin perder lá ternura jamás
35. Esta discussão sobre a imagem dos trabalhadores petroleiros como uma aristocracia operária foi
feita, no capítulo três com a contribuição dos dados de Oliveira (1987). Não de desconhece que usa-
mos a categoria petroleira neste capítulo, diferentemente dos capítulos anteriores, onde evitamos esse
termo. Isso se deve ao diálogo com as fontes e representações sociais em torno desta categoria.
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
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36. Por classe média entendemos a ocupação de posições intermediárias no interior de relações
sociais de produção articulada com status e posicionamento em relação à obtenção e posse de
bens de consumo. Esta associação sinaliza um habitus que os diferencia dos menos abastados.
37. Não se pretende generalizar essa condição particular para todos os membros desta fração de
classe no estado. O objetivo foi analisar o padrão de vida do casal petroleiro.
38. Estas fotos aéreas informam também sobre condições da via, tipos, se os bairros possuem
comércio, igreja, escola, órgão públicos, de comunicação etc. No anexo da tese, apresentamos
as legendas da CONDER para a caracterização, a partir de símbolos, dos bairros. Estas são uma
das importantes fontes, descobertas e/ou analisadas nesta pesquisa que evidenciam os espaços de
moradia, bem como a infra-estrutura dos bairros de residência dos colaboradores da investiga-
ção. Conjugados com a observação participante e entrevistas cumprem a função de expressarem,
de alguma forma, os estilos de vida dos trabalhadores pesquisados. Ressaltamos que obtivemos
as fotos, em site da CONDER, onde não existia informação sobre proibições de uso para fins de
pesquisa.Fonte: http://www.informs.conder.ba.gov.br/index.asp. Acesso dia 25.11.2007.
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
A casa dos entrevistados (foto 7) se localiza numa rua típica de classe média
baixa; as quadras são razoavelmente demarcadas e existe um pequeno adensa-
mento urbano, típico das moradias dos subproletários. As condições de habitabi-
lidade das casas não são homogêneas, algumas têm telhados novos de cerâmica
enquanto outras têm lajes. É possível perceber, na foto aérea, a presença de alguns
prédios no canto direito inferior. No canto direito superior, ao contrário, pode-se
constatar a presença de casas mais pobres ou simples. Por fim, a presença de pis-
cinas no fundo de duas casas evidencia a heterogeneidade dos moradores. Brotas,
onde está localizada esta rua, é um dos bairros de Salvador com maior contin-
gente de trabalhadores industriais do Pólo Petroquímico e da Refinaria Landulfo
Alves. Os outros são Pituba, Imbuí, Stiep, Armação e Stela Maris (CARVALHO;
SOUZA; PEREIRA; 2004; RELATÓRIO CRH-SRQP, 2000).
Em um artigo sobre a polarização e segregação socioespacial numa metrópo-
le periférica, Carvalho, Souza e Pereira (2004) apresentam os dados referentes à
forma de ocupação dos espaços sociais da grande Salvador, identificando, a partir
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(Conder, 2007).
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Este empregado expõe sobre seus gostos artísticos, de leitura, além de res-
saltar seus interesses educacionais:
Deste modo, em relação aos estilos de vida informados no Orkut pelos três
empregados da Petrobras, destaca-se a escolha da categoria multiétnico como
identidade racial sinalizada, embora as fotos dos mesmos permitam classificá-
los como afrodescendentes. Os gostos literários se distribuem entre o poeta
Castro Alves e livros de auto-ajuda, como “O Monge e o Executivo”. Em rela-
ção a cinema, todos os trabalhadores optam por cinema de origem comercial
hollywodiana. Destaque-se também a posse de TV a cabo, o gosto culinário, a
preferência por pratos típicos de determinadas regiões e os gostos musicais.
Um razoável contingente de petroleiros reside na Pituba, bairro que permi-
te o acesso a bens de consumo e infra-estrutura:
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Em Candeias, Malembá, Santo Antonio, São Francisco, Urbis I, II e III, etc. Todas
estas localidades estão entre o miolo da capital e bairros de municípios da região, con-
firmando assim, o mapeamento da pesquisa de Carvalho, Sousa e Pereira (2004).
Os bairros de terceirizados têm uma infra-estrutura bastante deficitária (Fotos
14, 15 e 16). Assim, em relação a espaços de moradia, são nítidas as diferenças en-
tre trabalhadores petroleiros e trabalhadores terceirizados. Nas cinco fotos abaixo,
são apresentados os locais de moradia de terceirizados: poucos prédios, nenhuma
piscina, ausência constante de praças e equipamentos urbanos. Até a água do mar
é distinta, passando de um azul turquesa da orla atlântica (Foto 11) para um mar
cinza da praia do subúrbio, conforme a foto da orla suburbana acima (Foto 14).
Os terceirizados habitam, na maioria das vezes, em condições precárias, em ca-
sas por fazer, que são construídas nos momentos de folga. Estas são construídas em
um período que, às vezes, chega há anos. Primeiro, os alicerces, as telhas, os blocos
crus, sem massa e sem acabamento nas paredes externas, tampouco nas internas.
Na sala, encontram-se móveis antigos, equipamentos domésticos que não são tro-
cados com frequência, CD’s, em sua maioria piratas, que podem também dar teste-
munho sobre o universo cultural do morador dos bairros populares de Salvador.
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42. O clássico livro “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, de Engels apresenta esta di-
ferenciação comparando o padrão de vida dos proletários ingleses com o dos proletários de outras
nacionalidades empregados nas indústrias daquele país. Ademais, é apresentada uma rica descrição
– que poderia denominar etnográfica – sobre as casas insalubres, as péssimas condições de vida e até
sobre as relações de preconceito entre ingleses e irlandeses – inclusive pelo próprio Engels – que em
diversas passagens demonstra um olhar etnocêntrico sobre os operários imigrantes na Inglaterra.
43. Estudos brasileiros, como os de Souza-Lobo (1991) e o de Silva (1997), corroboram com a no-
ção de que é necessário pensar sobre essa heterogeneidade identitária - e isto até tem sido feito desde
a década de 80, quando se incorporam outras identidades sociais na análise sobre a configuração e
perfil dos trabalhadores que não são mediadas exclusivamente por relações de sociais de produção.
44. Investigando as fotos de festas dançantes nos clubes dos Petroleiros, obtivemos infor-
mações sobre as bandas e músicas que fazem sucesso entre os petroleiros: forró, bandas de
axé music, música sertaneja. Estas também são valorizadas pelos trabalhadores terceirizados.
Entretanto, arrocha, pagode baiano e bandas menos expressivas fazem mais sucesso entre ter-
ceirizados do que entre os petroleiros.
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Você tem uma situação, por exemplo: a maior parte dos trabalhado-
res da Petrobras mora em Salvador, no caso da refinaria, a maior parte
mora em Salvador ou mora em Feira de Santana. Ou mora em uma cidade,
com um nível de estrutura mais adequado. A maioria dos trabalhadores das
contratadas mora em Candeias Então, você tem já aí uma... Diferença de
moradia. Você tem, por exemplo: trabalhador da Petrobras, ele tem o Petro-
clube, que é da Petrobras. Em Salvador ele vai a ambientes que não vão os
trabalhadores das contratadas. Então, você queira ou não, você criou uma
diferença social entre essas pessoas, porque naturalmente em cada meio
social, você tem seus códigos e suas formas de comunicação. Eu não digo
que chega a não entender, porque de certa forma você tá lidando com os
outros, então, eu acredito que há compreensão. Agora, é, que existe e você
consegue, identificar o perfil de um e do outro. Eu acredito que é... Diver-
sos fatores, tanto econômico, como social e... Tanto fora do trabalho, como
no ambiente de trabalho, é diferente o tipo de atividade que um desenrola
que o outro desenrola, os lugares que cada um frequenta isso leva a que, os
anseios sejam diferentes de certa forma,... Os códigos e a linguagem tam-
bém têm uma diferença (Depoimento de Petroleiro, jun./2004).
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FOTO/IMAGEM 19 - CAJAZEIRAS
(HERCOG, 2007).
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5. HABITUS DE CONSUMO
Nesta seção, buscamos evidenciar o padrão de consumo escolar, o inves-
timento imobiliário desejado e o gosto gastronômico a partir da análise de
mensagens publicitárias endereçadas aos petroleiros no site CEPEMAGAZI-
NE45. Para compreender como a publicidade pode fazer parte da análise quali-
tativa, utilizamos as reflexões e estratégias metodológicas elencadas no estudo
de (ROCHA, 1985). Este autor desenvolveu uma pesquisa em que interpreta
antropologicamente a publicidade, evidenciando em seu estudo, dentre outras
questões, os discursos produzidos nas peças publicitárias para a elite, conside-
rando olhares sobre gênero nas propagandas analisadas. Essas publicidades se
referiam às marcas de uísque, cosméticos femininos e carros, etc. Deste modo,
o autor evidencia que os meios de comunicação de massa também produzem/
estabelecem o seu perfil de consumidor. Esta produção é dada a partir das
representações sociais construídas na propaganda sobre os potenciais consu-
midores (ROCHA, 1985). Por conseguinte, utilizaram-se estas reflexões meto-
dológicas para construir e analisar dados acerca de estilos de consumo a partir
de publicidade direcionada aos petroleiros investigados:
45. Este é uma Revista On Line dos Clubes dos Empregados da Petrobras na RMS: Clube 2004,
Mataripe, CEPE-Stela Maris, Adepe e CEPE Catu. Os terceirizados não têm clubes.
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Das quatro propagandas veiculadas no site do clube dos empregados, duas fa-
zem referência explícita a descontos para trabalhadores petroleiros em mensalidades
de escolas de classe média. Uma das peças publicitárias chega a chamar o dinheiro
dos petroleiros de “petróleo”. Obviamente estas publicidades são focadas nos traba-
lhadores da Petrobras por estes serem potenciais e usuais clientes destes serviços.
Os dados acerca da escolaridade, posição social no trabalho e renda, apre-
sentados em capítulos anteriores, são indicadores importantes dos estilos de
vida e habitus adquirido pelos segmentos. Esses sinais distintos expressam o
comportamento frente ao lazer, ao consumo e o estilo de vida.
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Costuma frequentar a
Frequência %
praia nos momentos de folga
Sim 24 40,0
Não 36 60,0
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria
Ressalta-se que 40% vão à praia nos momentos de folga. Entre os lazeres com
menor possibilidade de gasto, numa região litorânea, se encontra a ida ao litoral.
Costuma frequentar o
Frequência %
cinema nos momentos de folga
Sim 5 8,3
Não 55 91,7
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria
232
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Costuma frequentar
Frequência %
bares nos momentos de folga
Sim 20 33,3
Não 40 66,7
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria
Costuma frequentar a
Frequência %
igreja nos momentos de folga
Sim 11 18,3
Não 49 81,7
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria
31% saem com a família. Em suma, aos trabalhadores terceirizados não sobra
tempo dada a lida dura que acontece inclusive aos domingos. A grande maioria
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fica, na verdade, em casa. Para superar esta situação da ausência de lazer, foi apre-
sentada uma tese no antepenúltimo congresso da categoria dos terceirizados:
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Escolaridade %
1º Grau incompleto 1,19
1º Grau completo 1,86
2º Grau incompleto 0,76
2º Grau completo 47,44
Superior incompleto 6,69
Superior completo 37,90
Pós-Graduação 1,44
Mestrado 2,22
Doutorado 0,50
Total 100,0
Fonte: Petrobras, 2007.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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e exclusão, por outro. De toda forma, pelos níveis de renda, educação e habitação
aqui discutidos, expõe-se que a população vivenciou na verdade uma realidade sui
generis: viver na opulência sendo protagonista de tanta pobreza e “desfiliação”.
Foram cruciais para este capítulo o estudo sobre o mercado de trabalho da Rms (
Borges, 2007) bem como os dados sobre o peso da empresa na região.
No capítulo 2, foi possível explicitar o perfil dos empregados da estatal e
dos terceirizados, a dualização da força de trabalho no interior da empresa, o
caráter formal do discurso sobre cidadania empresarial, a imagem dinâmica e
contraditória da empresa junto à sociedade, assim como os estudos sobre a ter-
ceirização em várias partes do país. Estas pesquisas revelaram os problemas da
terceirização na empresa nas opiniões de seus dirigentes, dos empregados, etc.
Caracterizou-se, especialmente, o discurso ambíguo e “bi-facial” da equipe di-
rigente da estatal frente à terceirização. Neste capítulo, Druck e Franco (2007)
deram grande contribuição ao revelar a terceirização na Rms, notadamente no
ramo industrial nos últimos 20 anos. Castel (1998) foi útil para explicitar a
questão da dualização do mercado de trabalho na Petrobras assim como com os
conceitos de desfiliação, inclusão e vulnerabilidade social permitiram ampliar
o foco sobre a questão. Destaquem-se os dados sobre a Petrobras em todo o
território nacional coletados nos balanços socioambientais e relatórios anuais.
No capítulo 3, evidenciaram-se as experiências políticas e de formação de clas-
se dos trabalhadores investigados com objetivo de recuperar suas memórias sobre
inserções na fábrica, trajetórias, greves, percepções da reestruturação produtiva nos
últimos 50 anos. Foi também analisado o surgimento e a intensificação do corporati-
vismo entre os segmentos investigados. Como já foi dito, foi apresentado o arcabou-
ço das identidades profissionais entre os investigados. A principal conclusão é que as
identidades são permeadas por condições transitórias que podem se tornar quase-
permanentes. Destaca-se a contribuição de Oliveira (1987), Oliveira Jr. (1996), Sca-
letsky (2003) para iluminar a questão dos comportamentos políticos dos segmentos
bem como Hall (2001) no que tange às complexas identidades profissionais.
Por outro lado, no capítulo 4, demonstrou-se a segmentação subjetivamente
construída com tendência de fragilização de laços, deterioração do vínculo com
o emprego bem como os diversos conflitos construídos no bojo das relações en-
tre os trabalhadores. Foi também crucial demonstrar que as novas ferramentas
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ANEXOS
46. Todas as fontes são (CONDER, 2007). Fiz esse ensaio com fotos aéreas digitais dos principais
bairros de moradia de petroleiros e terceirizados na Rms. Para saber os locais de residência de mora-
dia dos petroleiros usei informações de Carvalho, Sousa e Pereira (2004) e Druck (2000). No caso
dos terceirizados informações nas fichas de filiação dos sindicalizados obtidas junto ao Siticcan.
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Pituba - Petroleiros
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Imbuí – Salvador
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
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APÊNDICE 1
Questionários e Roteiros
de Entrevistas
Nome do Pesquisador:
___________________________________________________________________
ENTREVISTA:
01. Local de Realização da Entrevista___________________________________
02. Nome do entrevistado (opcional)___________________________________
03. Qual a sua atividade atual? ________________________________________
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I. ATRIBUTOS PESSOAIS:
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II. TRAJETÓRIA:
TRAJETÓRIA GERAL
1. Quando conseguiu o primeiro emprego/trabalho?
2. Quando começou a trabalhar na indústria?
3. Quem te levou a trabalhar na indústria?
4. Você teve algum tipo de dificuldade de adaptação ao emprego na indústria?
5. Você já foi funcionário efetivo de uma empresa?
TRAJETÓRIA NA RLAM
6. Quando começou na Rlam?
7. Qual foi o impacto de trabalhar numa Refinaria?
8. Sua situação melhorou após arranjar um trabalho na Rlam?
9. Em quantas empreiteiras você já trabalhou na Rlam?
10. O período foi contínuo ou interrompido?
11. Em que setor você trabalha?
12. Descreva suas principais atividades de trabalho.
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
Nome do Pesquisador:
___________________________________________________________________
ENTREVISTA:
01. Local de Realização da Entrevista___________________________________
02. Nome do entrevistado (opcional)___________________________________
03. Qual a sua atividade atual? ________________________________________
I. ATRIBUTOS PESSOAIS:
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II. TRAJETÓRIA:
TRAJETÓRIA GERAL
01. Quando conseguiu o primeiro emprego/trabalho?
02. Quando começou a trabalhar na Refinaria?
03. O Que te levou a trabalhar na indústria?
04. Você teve algum tipo de dificuldade de adaptação ao emprego na Refinaria?
TRAJETÓRIA NA RLAM
05. Qual foi o impacto de trabalhar numa Refinaria?
06. Em que setor você trabalha?
07. Descreva suas principais atividades de trabalho.
08. O que significa para você trabalhar na Petrobras?
09. O que significa para seus familiares e amigos trabalhar na Petrobras?
10. Trabalhar na Petrobras tem o mesmo significado de quando você entrou?
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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS
TRAJETÓRIA NA RLAM
26. Quando começou na Rlam?
27. Qual foi o impacto de trabalhar numa Refinaria?
28. Sua situação melhorou após arranjar um trabalho na Rlam?
29. Em quantas empreiteiras você já trabalhou na Rlam?
30. O período foi contínuo ou interrompido?
31. Em que setor você trabalha?
32. Descreva suas principais atividades de trabalho.
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APÊNDICE 2
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REFERÊNCIAS
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283
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Caro Leitor,
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