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LAÇOS FRÁGEIS E 

IDENTIDADES
FRAGMENTADAS
INTERAÇÕES, DISCRIMINAÇÕES E CONFLITOS ENTRE TRABALHADORES
DA REFINARIA LANDULFO ALVES MATARIPE - 1990-2006

LUIS FLÁVIO REIS GODINHO


LAÇOS FRÁGEIS E 
IDENTIDADES
FRAGMENTADAS
INTERAÇÕES, DISCRIMINAÇÕES E CONFLITOS ENTRE TRABALHADORES
DA REFINARIA LANDULFO ALVES MATARIPE - 1990-2006

LUIS FLÁVIO REIS GODINHO


©2010 Paco Editorial
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Coordenação Editorial
Rodrigo Brito

PREPARAÇÃO E REVISÃO DE TEXTO


Nicole Guim

capa
Laís Foratto

PROJETO GRÁFICO e DIAGRAMAÇÃO


Leda Maria Santos

1ª Edição: Junho de 2010

G585 Flávio Reis Godinho, Luis


Laços frágeis e identidades fragmentadas. Jundiaí, Paco Editorial:
2010.

288 p. c/ Bibliografia.

ISBN: 978-85-63381-15-6

1. . 2. . 3. . I. Flávio Reis Godinho, Luis. II.


Título.

CDD:

Rua Coronel Boaventura, 173


Sala 32 B - Centro - Jundiaí-SP
editorial 13201-801
ÍNDICE
ÍNDICE
ÍNDICE DE TABELAS
GRÁFICOS E IMAGENS
ÍNDICE DE TABELAS
GRÁFICOS E IMAGENS
INTRODUÇÃO

O objeto desta obra é demonstrar a relação entre empregados diretos e tercei-


rizados da Petrobras. Estudamos, mais especificamente, a segmentação do coletivo
operário, as formas de interação, as discriminações e os conflitos entre os trabalha-
dores, tendo como ideia central que os frágeis relacionamentos entre os operários
foram intensificados nos últimos dezesseis anos, com a terceirização na estatal.
O interesse por esta investigação decorreu de minha inserção na condi-
ção de bolsista de iniciação científica no projeto de pesquisa “A reestruturação
produtiva e os sindicatos”1. Naquele momento, cursava o terceiro semestre da
Licenciatura e Bacharelado em Sociologia da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), além de participar da equipe da Pesquisa de Emprego e Desemprego
(PED) na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Esa experiência ocorreu
no período de novembro de 1996 a fevereiro de 2001, e contribuiu para a so-
lidificação do interesse por estudos sobre a relação dos trabalhadores com seu
cotidiano de trabalho2.
Nesse processo, que não deixa de ser um ritual de passagem, tornei-me
pesquisador, aliando participação em pesquisa de iniciação científica na uni-
versidade com atividade de coleta de dados para o consórcio responsável pela
PED na RMS.

1. Essa pesquisa tinha como objetivo analisar como importantes sindicatos do setor industrial e de
serviços se posicionavam frente à reestruturação produtiva - tendo como período de referência – os
anos entre 1990-1997. O período da bolsa de iniciação científica foi entre 1997-1998 e a pesquisa foi
coordenada pela Profª Drª. Maria da Graça Druck do Departamento de Sociologia-UFBA.
2. Tendo como entidades executoras na Bahia: Universidade Federal da Bahia – UFBA; Departamen-
to Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos – (DIEESE), FUNDAÇÃO SEADE, Se-
cretaria de Trabalho e Ação Social do Estado da Bahia (SETRAS); Superintendência de Estatísticas e
Informações do Estado da Bahia, (SEI); órgão vinculado à Secretaria de Planejamento e Tecnologia
do Estado da Bahia, (SEPLANTEC). Esta Pesquisa Mensal é realizada de forma ininterrupta de mar-
ço de 1996 até os dias atuais na Região Metropolitana de Salvador (RMS).
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

A pesquisa apresentada nesta obra é resultado cumulativo de pesquisas fei-


tas nos últimos dez anos sobre o tema e aprofunda estudos apresentados em
Godinho (2001 e2003). Além do que já foi dito, apresentamos novas pesquisas
realizadas nos últimos quatro anos sobre a terceirização. Os estudos de Godinho
(2001 e 2003) foram, respectivamente: “Que trabalhador sou eu? Uma análise
sobre a segmentação, diferenciação e exclusão no/do trabalho” e “Um mosaico
de classe – A terceirização na Rlam”, monografia e dissertação de mestrado,
respectivamente, ambos orientados pela Profª. Drª. Graça Druck-UFBA.
Esta obra busca primeiramente analisar as interações entre os empregados
e trabalhadores terceirizados da Refinaria Landulfo Alves - Mataripe (RLAM)3,
da Petrobras, unidade localizada na cidade de São Francisco do Conde-BA.
Desse modo, o fortalecimento da terceirização na estatal deu uma contribui-
ção seminal para a fragilização dos laços sociais entre os terceirizados e os
empregados da RLAM, dentro e fora do ambiente de trabalho4. Tal realidade
tem reforçado diferenciações objetivas e subjetivas entre os trabalhadores. Por
conseguinte, investigamos essas relações e as concepções desses trabalhadores
tendo o processo de terceirização como referência. Os empregados são os di-
retamente contratados da estatal; os terceirizados trabalham nas prestadoras de
serviço da empresa petrolífera5. Portanto, buscamos recuperar como os terceiri-

3. Admite-se também a grafia Landulpho Alves, entretanto preferimos a norma gráfica atual.
Landulfo Alves foi um engenheiro agrônomo – um dos maiores entusiastas da luta pela desco-
berta de fontes energéticas na Bahia.
4. A primeira vez em que houve contato com essa discussão sobre fragilização dos laços sociais
foi em leitura do livro “A corrosão do caráter” de (SENNETT, 1999). Posteriormente, Bauman
(2004; 2007) retoma a discussão denominando esse processo de liquidez das relações: dois
livros do autor abordam o tema “Amor Líquido e Vidas Líquidas”. Por outro lado, a noção de
deterioração das identidades é uma apropriação de discussão feita por Goffman (1988). Adiante,
na introdução, explicamos a associação entre os conceitos de habitus, identidades deterioradas e
formação de grupos estabelecidos e outsiders.Estes são os conceitos guias no capítulo 4 e 5 desta
obra. Procuramos lidar com a noção de que a teoria que rege o objeto é “filha” dos dados coleta-
dos, por conseguinte, exploramos o potencial interpretativo que o quadro teórico possibilita.
5. Nos documentos da Petrobras, nos boletins sindicais e textos acadêmicos encontramos muitos
termos análogos ao de empregados da Petrobras: petroleiros, empregados diretos, contratados
diretos, funcionários da estatal, trabalhadores da Petrobras e primeirizados. Para o caso dos

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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

zados e empregados diretos interpretam/vivenciam os conflitos, diferenciações


e estigmatizações decorridos das interações no chão da fábrica com repercus-
sões para a vida fora do ambiente fabril.
A escolha dos trabalhadores da RLAM foi influenciada por um conjunto de
fatores: 1) essa empresa tem uma parcela considerável de funcionários terceiri-
zados em seus quadros, oscilando de 8.000, no fim da década de 90, até aproxi-
madamente 3.000, na atualidade6; 2) a importância da RLAM na compreensão
do fortalecimento da industrialização na Região Metropolitana de Salvador,
processo desenvolvido a partir dos anos 50 do século passado; 3) a contribui-
ção da Petrobras para a criação de uma elite operária e no fomento de um ethos
corporativo junto aos seus empregados; 4) a constituição do primeiro sindicato
brasileiro que organizou politicamente os terceirizados; 5) a relevância da com-
panhia na constituição do imaginário social como empresa símbolo do país;
6) a importância econômica da RLAM na RMS, uma vez que é responsável
por 10% do faturamento da estatal no país, 14% do Produto Interno e Bruto
(PIB) da Bahia e 30% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) arrecadados no estado (ROYALTIES, 2006); 7) a segunda colocação
nacional em produção diária de barris de petróleo: 307 mil.
Ao compreender a reestruturação produtiva na fábrica, constatamos que a
maioria dos estudos críticos sobre a terceirização tem evidenciado que sua ado-
ção aprofunda o processo de precarização das condições de trabalho7. Isso por-

terceirizados localizamos terceirizados, petroleiros indiretos, subcontratados, trabalhadores de


empreiteiras, trabalhadores de gatas, trabalhadores temporários etc. Todavia, não adotamos um
termo uniforme durante todo o texto, embora preferencialmente tenhamos utilizado os termos
empregados da estatal e terceirizados. Esta estratégia decorre da necessidade de evitar a repeti-
ção da mesma palavra no parágrafo, aumentando o volume de informações na redação. Temos
consciência que terceirização, subcontratação, externalização, intermediação, em contextos es-
pecíficos podem não ser sinônimos. Contudo nesta tese as trataremos como tal.
6. Dados coletados junto a diretores do Sindicato de Trabalhadores na Indústria da Construção
Civil, Montagem e Manutenção Industrial de Candeias, Simões Filho, São Sebastião do Passé,
São Francisco do Conde e Madre de Deus (SITTICAN), do Sindicato do Ramo Químico e Pe-
troleiro (SRQP) e Associação dos Empregados da Petrobras (AEPETRO).
7. Ver: (MARTINS, 1994; DRUCK, 1999; ALVES, 2000; ARAÚJO, 2001; BUONFIGLIO,2004;

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LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

que, buscando reduzir custos, as empresas transferem às contratadas as respon-


sabilidades trabalhistas . Outra decorrência da terceirização é a cisão estrutural
no interior da classe trabalhadora, demonstrada pela sua fragmentação no âmbito
interno e externo da fábrica pela acentuada e acelerada informalização das con-
dições do emprego industrial, pela intensa rotatividade da força de trabalho; pelos
salários decrescentes e pela redução e flexibilização de direitos trabalhistas.
Para entendermos esse fenômeno, segue a investigação: em que medida
tal cisão tem promovido uma complexa segmentação objetiva e subjetiva en-
tre empregados em situações contratuais distintas? Essa é uma das questões
norteadoras da obra. Para isso caracterizamos os seguintes contingentes de
trabalhadores no interior da refinaria: denominamos de primeira categoria os
empregados efetivos ou estáveis que fazem parte do núcleo mais protegido –
mesmo em vias de redução de direitos8 –; e os de “segunda categoria” são os
“temporários permanentes”, que labutam como terceirizados há cerca de 20
anos, trocando de crachá e de empresa sempre que termina um contrato; os de
“terceira” são os “temporários rotativos”, operários de paradas9 e de contrato
por tempo determinado; e entre os de “quarta” estão os subcontratados das ter-
ceiras, os funcionários da “chupa toda” - aquelas empresas sugadoras de força
de trabalho que não garantem direitos mínimos aos seus contratados10.
Para entender a questão da intensificação do processo de terceirização, tor-
na-se necessário fazer uma articulação entre a hibridização e a constituição de
uma fragmentação/segmentação de operários que se fortaleceu, nos últimos 20
anos, no interior da fábrica. Essa situação pode ser verificada por intermédio

BICUDO; TENÓRIO, 2003; GODINHO, 2003; CARELLI, 2003; SOBRINHO, 2006; LIMA;
2007; DRUCK; FRANCO, 2007; DRUCK; THEBAUD-MONY, 2007; ANTUNES, 2007).
8. Adiante, traçamos um perfil dos segmentos estudados. No decorrer da tese adotamos o termo
segmento como sinônimo de categoria, conjunto, contingente.
9. Desenvolvem suas atividades em paradas de manutenção de refinarias e unidades de produção
com objetivo de realizarem manutenções corretivas e preventivas das plantas industriais.
10. Esta definição foi informada pelos próprios entrevistados para esclarecer sob as condições em
que são contratados por essas empresas. É possível que este termo tenha sido criado à época do
grande sucesso da música “Chupa Toda”, uma lambada da década de 90 e que no fim desta foi
cantada pela cantora baiana Ivete Sangalo.

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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

do crescimento da terceirização na empresa investigada e, por conseguinte, a


partir da diferenciação dos coletivos de trabalhadores ocupados na Refinaria.
Beynon (2002) formulou uma categoria teórica de grande valia, pois tem
denominado esse processo geral de fragmentação de classe de “hifenização”,
uma vez que a experiência com o trabalho tem se tornado bastante segmentada
para os trabalhadores de segunda, terceira e quarta categorias. O emprego é
caracterizado por uma condição instável para esses coletivos:

O trabalhador ‘hifenizado’ remete a uma mudança nas relações de


trabalho e emprego dos anos 1950 aos 1990. Nestes últimos, a força de
trabalho é composta de diferentes tipos de empregados, tais como os tra-
balhadores em tempo parcial (part time workers), temporários (temporary-
workers), emprego casual (casual workers) ou mesmo por conta própria
(selfemployed workers). E, ao adentrarmos o século XXI, estes trabalha-
dores hifenizados estarão se tornando parte cada vez mais significativa da
economia (BEYNON, 2002, p.18).

Numa outra perspectiva, Gorz (1987) considera todo tipo de trabalhador


temporário, em tempo parcial, precário e sem-empregos, deste fim de século,
como pertencentes a “não classe de proletários pós-industriais”, que já não se
identificariam com o trabalho e com um projeto político de trabalhadores:

O novo proletariado pós-industrial, exatamente por essa ausência de


uma concepção global da sociedade futura, difere fundamentalmente da
classe investida, segundo Marx, de uma missão histórica. É que o neopro-
letário não tem nada a esperar da sociedade existente nem da sua evolu-
ção. Esta evolução - o desenvolvimento das forças produtivas - findou por
tornar o trabalho virtualmente supérfluo (GORZ, 1987, p. 93).

Nesta acepção, os trabalhadores hifenizados/terceirizados podem ser pen-


sados a partir da associação de três características: estruturalmente distintos de
outras frações de classe, com tendência à atomização e sem missão social.

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LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Todavia, compreender o processo de terceirização é um desafio, pois represen-


ta uma radical reestruturação da produção. Não obstante, alguns estudos foram
feitos sobre os trabalhadores “hifenizados”/terceirizados da Petrobras, no caso da
Bahia: GODINHO, 2001; GODINHO, 2003; no Rio de Janeiro: ARAÚJO, 2001;
BICUDO; TENÓRIO, 2003, em relação a São Paulo: GIL, 2001; e em referência
ao Rio Grande do Norte: SOBRINHO, 2006; SILVA, 2005. Por outro lado, os
empregados da Petrobras foram estudados por: CERQUEIRA FILHO, 1998; NE-
VES, 1999; MATTOS, 2000; SANTANA, 2000; FRAGA FILHO, 2000; ASSIS,
2000; ESPÍRITO SANTO, 2001; GODINHO, 2003; SCALETSKI, 2003. Por
sua vez, na RLAM, o processo de terceirização foi analisado por Godinho (2003)
numa perspectiva “estruturante”11. Nesta pesquisa, os padrões subjetivos e relacio-
nais da “condição, situação e posição de classe” foram enfatizados. As principais
conclusões do autor, naquele trabalho, referem-se à constituição de um mosaico de
classes no interior da unidade fabril da estatal e à consolidação de uma segmenta-
ção objetiva entre os trabalhadores estáveis e os terceirizados da empresa.
Ademais, Godinho (2003) revelou que esta fragmentação afeta profunda-
mente a relação entre terceirizados e os petroleiros, já que a separação se dá
em um plano mais amplo que a simples constatação de divisões objetivas, pois,
as dimensões subjetivas expressam um cotidiano de forte diferenciação social.
A fragmentação entre os trabalhadores investigados costuma se vincular com a
segmentação objetiva. Neste estudo, aprofundamos as análises destas relações
e investigamos como são produzidas as dinâmicas de fragilização de laços dos
operários e entre os sindicatos dos segmentos.
O conteúdo da obra considera que a expansão da terceirização – uma das
principais mudanças estruturais no mundo do trabalho dos últimos 20 anos –
tem resultado, entre os trabalhadores em situações contratuais distintas, numa
segmentação objetiva e subjetiva interdependente. Esta se manifesta na ressignifi-
cação da identidade como categoria social que se reflete no cotidiano do trabalho
e nas formas de sociabilidade, produzindo dinâmicas de “deterioração, fragiliza-
ção e despertencimento” no âmago das relações entre os segmentos. Mais preci-

11. Tomamos como perspectiva estruturante aquela sugerida por Bourdieu (1989).

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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

samente, a missão é entender: como os trabalhadores entrevistados reestruturam


suas “formas de agir, pensar e sentir” a mudança no mundo da produção? Deste
modo, é possível apresentar outra questão norteadora: em que proporção uma
mudança estrutural no mundo da produção fomenta um novo habitus12 entre
os sujeitos envolvidos nas relações de trabalho? Todavia, para responder a essas
questões, é necessário entender que tanto a estrutura como os sujeitos precisam
ser estudados relacionalmente, sem perder de vista que a terceirização contribuiu
para a deterioração da relação com o emprego, para o aprofundamento de laços
frágeis e fomento das identidades fragmentadas. Para demonstrar essa realidade
no universo empírico da pesquisa foi necessário qualificar os indícios das intera-
ções que se baseiam em conflitos e discriminações.

Algumas hipóteses orientaram esta pesquisa:


- Os terceirizados internalizam uma identidade deteriorada com o empre-
go, devido aos tipos de relacionamentos entre os segmentos investigados e da
dificuldade de construção, no longo prazo, de uma carreira social no trabalho,
provocada por um emprego precário. Portanto, o ambiente de trabalho se con-
figura em uma relação insegura com os segmentos contratados diretos.
- A relação dos empregados da Petrobras e os terceirizados é a expressão de
uma ameaça constante que precisa ser combatida subjetiva, política e socialmente.
Este triplo combate se expressa, como exemplos, no preconceito, na dificuldade da
base petroleira em apoiar a unificação entre os sindicatos destes segmentos e na
estratificação social entre trabalhadores em situações contratuais distintas.
- As interações entre os segmentos são permeadas por conflitos e fragilizações
dos laços de classe, que resultam em silêncios, nos momentos de greve de um ou ou-
tro contingente, em conflitos geracionais e em separação de ambientes sociais, etc.

12. Para Bourdieu (1989) o habitus é uma disposição durável da forma de agir, um padrão
utilizado pelos atores sociais para dar respostas às suas demandas. Entretanto, o habitus é uma
prática coletiva que tende a conformar a ação, de caráter processual. No último capítulo de-
senvolvemos análise acerca do habitus e estilos de vida dos segmentos estudados. O objetivo é
revelá-los por intermédio dos comportamentos no lazer, consumo, posse de bens e do universo
cultural do bairro onde vivem.

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LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Os segmentos dos empregados diretos e dos terceirizados da Petrobras cons-


troem suas identidades profissionais na diferenciação, isto é, na negação do ou-
tro. Uma das evidências se dá na associação entre a identidade petroleira e ser
empregado da estatal, uma vez que muitos trabalhadores de empreiteiras não se
reconhecem como petroleiros, mesmo desenvolvendo atividades ligadas ao pe-
tróleo. O “jogo de identidades” operárias - após a intensificação da terceirização
- também é um forte indício na medida em que convive no mesmo ambiente
profissional: petroleiros estatais, terceirizados quase-permanentes de manutenção
industrial e da construção civil, subcontratados de elite, estagiários, aposentados
terceirizados, subcontratados temporários e petroleiros ex-terceirizados.
Os segmentos investigados revelam um “habitus” diferenciado de classe
devido à situação contratual distinta, aos estilos de vida e às desiguais inser-
ções profissionais. Os indícios desses diferentes modos de vida são a posse de
bens simbólicos, materiais e imateriais, o estilo do bairro/moradia, o universo
simbólico-cultural acessado e/ou incorporado e a heterogeneidade de renda e
anos de estudo entre os pesquisados.

Perspectivas da Pesquisa
Em que proporção a forma como o objeto é constituído revela um olhar
sobre o tema? Examinando o referencial teórico, as fontes coletadas e as estra-
tégias metodológicas empregadas.
O movimento resume em analisar como os trabalhadores investigados vi-
venciam e traduzem esse processo de terceirização. Partimos da premissa teó-
rica de que os sujeitos internalizam e interpretam a situação estrutural em que
vivem, ou seja, estão numa “estrutura-estruturante” (BOURDIEU, 1989). Para
tanto, realizamos algumas mediações entre conceitos e dados que auxiliaram na
explicação de uma nova forma histórica de organização e gestão do trabalho na
sociedade capitalista. Além disso, acreditamos que este estudo ofereça explica-
ção com vistas a compreender a intensificação de contingentes de trabalhado-
res, por ora, submetidos a uma expressiva segmentação. Em grande medida, es-
tas realidades resultam de uma mudança estrutural, qual seja: a terceirização.

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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Para cumprir este objetivo, esta interpretação dialogou com duas concep-
ções metodológicas interdependentes: uma que privilegia a descrição/análise
mais quantitativa e outra de cunho qualitativo. Do ponto de vista do paradigma
da pesquisa, atentamos para a observação de Bourdieu (1996), de que histórias
e trajetórias de vida não são lineares, pois são fruto de uma complexa rede de
situações concretas, de curvas sinuosas, de dimensões existenciais múltiplas e,
por isso, não têm uma forma acabada.
Como dito anteriormente, o estudo da fragmentação que ocorre atualmente
no interior da classe trabalhadora tem sido feito à luz da discussão sobre a “hi-
fenização13” (Beynon, 2002).
As categorias e conceitos que guiaram a tese, ora apresentada,foram ali-
nhavados a partir de contribuições de autores vinculados a tradições teóricas
e metodológicas distintas. A escolha destes referenciais teóricos obedeceu às
imposições advindas dos dados e fontes coletadas. Por este motivo, habitus,
identidades deterioradas, bem como as dinâmicas de grupos estabelecidos e
outsiders, respectivas contribuições de Bourdieu, Goffman e Elias14 se amal-
gamaram com objetivo de explicar as relações entre segmentos em situações
contratuais distintas.
Esses legados teóricos permitiram construir categorias de análise acerca de
relações baseadas em estigmas, fragilização de laços sociais e deterioração de
interações (GOFFMAN, 1988; ELIAS; SCOTSON, 2000). Ademais, justifica-
mos a articulação das contribuições teóricas destes autores devido ao objeto
de estudo, qual seja, exame de interações sociais permeadas por estratificações,
por um lado, e conflitos subjetivos e laços frágeis, por outro. Neste sentido, a
partir da análise das relações, conflitos e segmentações objetivas/ subjetivas fo-

13. Sobre isso, ver: (BEYNON, 2002).


14. Bourdieu contribuiu com seus estudos sobre a distinção, onde são abordados os estilos de
vida de frações de classe na França, bem como são construídas opções metodológicas que tor-
nam a abordagem quantitativa e qualitativa, interdependentes. Elias e Scotson publicaram uma
obra “Estabelecidos e Outsiders”, que enfatiza as segmentações subjetivas entre membros de
grupos homogêneos, numa comunidade inglesa. Por fim, Goffman aborda a produção social de
identidades deterioradas, em seu livro “ Estigma”. Os quatro autores contribuíram para revelar as
interações, bem como as distinções e fragilizações identitárias entre petroleiros e terceirizados.

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LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

mentadas no chão da fábrica, foi possível compreender a hibridização de classe


em um contexto de reestruturação industrial.
A noção de identidade profissional dos segmentos estudados contribuiu
com pistas analíticas para a compreensão desta experiência de classe na RLAM.
Por um lado, os empregados da estatal historicamente se consideraram porta-
dores de uma missão nacional, isto é, guardiões/defensores do maior patrimô-
nio brasileiro: a Petrobras e suas jazidas de “ouro negro”. Em outra perspectiva,
os terceirizados, mesmo desenvolvendo atividades ligadas ao petróleo, somente
se consideram prestadores de serviços de empreiteiras, estando distantes da
assunção de uma identidade petroleira. Nesta direção, a identidade de classe é
arquitetada na luta de classes e também é desconstruída pela ausência de mo-
bilização coletiva. A identidade profissional, no caso estudado, é construída em
um “jogo de identidades” diferenciadas entre empregados da estatal e terceiri-
zados nos “trabalhos concretos”15.
Bourdieu (1989), também, ofereceu algumas categorias teóricas que estru-
turam o estudo, já que o autor enfatiza que uma dimensão é a classe no papel,
ou seja, a definição teórica do que vem a ser esta:

Com base no conhecimento do espaço das posições, podemos recortar


classes no sentido lógico do termo, quer dizer, conjuntos de agentes que
ocupam posições semelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes e
interesses semelhantes, logo, práticas e tomadas de posições semelhantes.
Esta classe tem a existência teórica que é a das teorias não é realmente
uma classe atual, no sentido de grupo e de grupo mobilizado para a luta;
poder-se ia dizer, em rigor, que é uma classe provável, enquanto conjunto
de agentes que oporá menos obstáculos objetivos às ações de mobilização
do que qualquer outro conjunto de agentes (BOURDIEU, 1989, p.135).

Por sua vez, a classe efetiva é composta de sujeitos sociais concretos. Por-
tanto, esta condição expressa uma situação - lugar objetivo ocupado pelos indi-

15. Para aprofundar esse debate sobre jogos de identidade ver: (HALL, 2001).

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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

víduos e grupos na estrutura das relações sociais de produção, por exemplo, ser
proletário ou ser burguês, mas a condição cultural e a posição social no interior
destas relações precisam ser levadas em conta.
Assim, Bourdieu (1989) enfatiza outras duas dimensões que não são muito
explicitadas nas análises do marxismo estruturalista16: a posição e a condição
de classe. A posição se refere ao lugar ocupado por uma classe na hierarquia
social, e a condição é moldada pelos valores mediados culturalmente na cons-
tituição desta experiência.
O conceito da “estrutura-estruturante” do sociólogo francês também se en-
contra entre essas categorias teóricas da tese. A relação estrutura x indivíduos,
para o autor, é concebida assim:

O estruturalismo considera os sistemas de representações somente


como uma estrutura-estruturada e não como estrutura-estruturante den-
tro dessa perspectiva o ator social se apresenta necessariamente como
simples executor da estrutura (BOURDIEU: 1989 p.16).

Dessa maneira, a perspectiva estrutural compreende o indivíduo como “sim-


ples executor” de papéis moldados exteriormente. A contribuição do referido
autor é superar essa dicotomia entre a estrutura e os sujeitos. Para tal, conjuga
as disposições estruturais com as motivações presentes na interação dos indiví-
duos com estas dimensões objetivas. Para compreender esta associação, Bour-
dieu propõe que se faça um duplo jogo, o de concomitantemente “interiorizar
a exterioridade e exteriorizar a interioridade”.
A discussão de Bourdieu (2007) sobre habitus de classe foi um legado teó-
rico central para os estudos sobre cultura de classe ou suas frações e segmentos
sociais. Neste sistema, prevalece esta noção, além da associação entre esta prá-
tica e os capitais sociais, culturais e políticos decorridos desse imbrincamento.
Nesta acepção, habitus é o:

16. Ver, por exemplo, Poulantzas, 1976; Meszaros, 2006.

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LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Princípio gerador de práticas objetivamente classificáveis e, ao mesmo


tempo, sistema de classificação (principium divisionis) de tais práticas.
Na relação entre as duas capacidades que definem o habitus, ou seja, a
capacidade de produzir práticas e obras classificáveis, além da capacidade
de diferenciar e apreciar essas práticas e esses produtos (o gosto), é que
se constitui o mundo social representado, ou seja, o espaço dos estilos de
vida (BOURDIEU, 2007, p. 162).

O habitus é simultaneamente princípio gerador de práticas que podem ser


objetivamente reconhecíveis e o próprio sistema de classificação daquelas. A
partir da investigação desta prática social, se potencializa a compreensão do
mundo, das representações sociais e dos estilos de vida de determinada fração
de classe ou grupo de uma sociedade17.
Em relação às influências de Goffman e Elias, estas derivaram da neces-
sidade de análise dos dados colhidos sobre deterioração das relações entre os
segmentos investigados. Em muitos depoimentos coletados - e apresentados
no capítulo quatro - ficaram evidenciadas entre os empregados da estatal e
terceirizados, a necessidade de distinção, a fragmentação objetiva e subjetiva
e as fragilizações de laços. Para problematizar a questão, a discussão sobre a
produção e reprodução social do estigma foi crucial para uma analise socioló-
gica do fenômeno. Para cumprir tal intento, também foram de grande valia as
discussões teóricas de Goffman, (1988) e Elias e Scotson (2000) acerca desta
questão da percepção de si e do outro.
No conjunto dos dados apresentados, no capítulo quatro, analisa-se que, no
caso dos terceirizados, muitos podem ser denominados enquanto desacredita-
dos e desacreditáveis:

Assume o estigmatizado que a sua característica distintiva já é conhe-


cida ou é imediatamente evidente ou então que ela não é nem conhecida

17. Bourdieu (2007), apresenta detalhados dados acerca de como operários qualificados, sub-
qualificados ou professores universitários, p. ex., se posicionam em relação aos estilos musicais,
na frequência a museus, exposições, nos gostos filosóficos e literários etc.

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LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

pelos presentes e nem imediatamente perceptível por eles? No primeiro


caso, está-se lidando com a condição do desacreditado, no segundo com
a do desacreditável (GOFFMAN, 1988, p. 14).

Assim, na visão dos empregados da Petrobras, os terceirizados são “estran-


geiros em terra alheia”. Esta definição é dada pelos próprios terceirizados em
seus depoimentos.
Por sua vez, a RLAM também é uma fábrica produtora de estigmas/estereó-
tipos, vide a presença, no cotidiano da fábrica, de algumas categorias estigmati-
zantes que permeiam os discursos dos colaboradores da pesquisa: orêa [orelha]
seca, servente, crachá amarelo e empregado da “Chupa Toda”.
Goffman (1988) enfatiza que o estigma é produzido socialmente a partir
de uma lista ideal de atributos sociais ditos normais. Nesta perspectiva, quase
todos acabam por viver em um cotidiano de identidades deterioradas e fora do
padrão. No estudo, poderia denominá-las identidades outsiders.
Em suma, estes atributos e normas são legitimados por todos os membros da
sociedade, incluindo os que não podem alcançá-la. Persistindo, nessa consideração,
o caráter sociológico do fenômeno: O “anormal” é construído pelo dito “normal”.
A contribuição de Elias e Scotson (2000) decorreu da necessidade de analisar
a questão das relações intergrupais, mais especificamente, a interdependência de
coletivos operários. Para dar sequência a esta reflexão, abordamos a coesão grupal
entre os investigados, a construção de lógicas de inferioridade e de superiorida-
de no bojo das relações e representações sociais dos terceirizados e petroleiros,
respectivamente. Além do que já foi dito, este referencial teórico contribuiu para
a investigação dos diferenciais de poder e de monopolização de fontes de discri-
minação coletiva. Os autores acima deram uma seminal contribuição ao revelar
os mecanismos adotados por grupos localizados em posições assemelhadas, mas
que fomentam relações hierarquizadas com tendência de estigmatização dos gru-
pos “ditos inferiores” pelos “ditos superiores”. Portanto, suas análises contribuíram
para compreendermos as relações intergrupais e as estratégias de inferiorização,
de demarcação de fronteiras e de produção de direitos de costume resultantes de
crenças pautadas na noção de antiguidade no posto de trabalho.

21
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Cabe enfatizar a relação estreita entre preconceito, estigma e estereótipo, dado


que as expectativas normativas, socialmente dominantes, excluem os indivíduos
que não se encaixam neste padrão. Esta situação, consequentemente, acaba pro-
duzindo pessoas que se autorrepresentam e são representadas como “anormais”.
Por este motivo, em diversos depoimentos, os terceirizados denominam-se como:
escravos modernos, patinhos feios e empregados da Chupa Toda.
Em síntese, os dados apresentados no decorrer da obra em relação a este
fenômeno vislumbram uma tendência caracterizada pela fragilização, deterio-
ração e despertencimento no interior dos segmentos estudados. Portanto, as
discussões destes autores contribuíram para o entendimento dos nexos presen-
tes nas interações de trabalhadores em situações contratuais distintas.

Operacionalização da Pesquisa
A pesquisa aqui apresentada foi balizada a partir da concepção de que todos
os dados são construídos. Para tanto, realizamos entrevistas semi-estrutura-
das, depoimentos em fluxos de conversas informais18, observação participante,
questionário, análise de fontes secundárias, etc.
As  informações provenientes de múltiplas fontes (periódicos, bole-
tins, bancos de dados quantitativos e qualitativos, sítios da internet, comu-
nidades do Orkut, entrevistas, fotos aéreas, letras de música, tabelas, rela-
tórios, etc.)  contribuíram para revelar e validar dados acerca da estrutura
social do mercado de trabalho e da RLAM, da deterioração das relações
entre os segmentos, no concernente à opinião sobre a reestruturação produ-
tiva, as representações sociais, percepções individuais e coletivas e habitus
dos segmentos. Em suma, tanto no que se refere à segmentação objetiva
quanto à segmentação subjetivamente construída.
Para dar sequência ao estudo, foram analisadas as respostas dos ques-
tionários com sessenta e dois trabalhadores terceirizados e cento e vinte e
três empregados da RLAM. Estes questionários fizeram parte da pesquisa

18. Gravados e outros coletados no fluxo de conversas informais.

22
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Campanha Salarial 2000, realizada em parceria entre o Sindicato do Ramo


dos Químicos e Petroleiros (SRQP) e o Centro de Recursos Humanos (CRH/
UFBA), nos meses de outubro e novembro de 200019. Os questionários com
os trabalhadores terceirizados foram aplicados no interior e na portaria da
RLAM, respectivamente, em 2001 e 2005. Com os contratados diretos a pes-
quisa foi realizada nas próprias empresas e nos pool´s 20 de ônibus, no trajeto
da RLAM x Salvador. Esta viagem é feita em uma hora, e neste percurso,
foram distribuídos os questionários aos empregados entre jogos de baralhos,
de dominó e conversas sobre o cotidiano. Ressalte-se, entretanto, que alguns
trabalhadores se recusaram a participar da pesquisa enquanto outros se en-
contravam em estado de sonolência, de todo modo, a equipe conseguiu apli-
car os questionários no período de uma semana.
No período de 2004 a 2006, realizamos entrevistas semi-estruturadas com
dirigentes sindicais, ex-dirigentes do Sindipetro e Siticcan. Além do mais, fo-
ram 30 entrevistas com trabalhadores petroleiros e terceirizados.

Os procedimentos da pesquisa de campo


Elaboramos um questionário estruturado com trinta questões fechadas
para aplicá-las junto a trabalhadores de empreiteiras da RLAM, durante
uma paralisação, que ocorreu no fim do mês de maio de 2000. Estavam
presentes a esta paralisação cerca de quatro mil trabalhadores. Aplicamos
cerca de setenta questionários, com 62 válidos. Posteriormente, em 2005,
obtivemos mais 80 questionários21.

19. A equipe - da qual participamos - foi constituída, em sua quase totalidade, por alunos de
graduação e pós-graduação de Ciências Sociais da UFBA, sob a coordenação da Profª. Maria da
Graça Druck – UFBA.
20. Pool´s são os roteiros/percursos de viagem de ônibus feitos pelas empresas. Nestes pool’s são
transportados os trabalhadores entre a casa e o trabalho.
21. Estes questionários foram gentilmente cedidos por um ex-estudante de Sociologia, César Mi-
randa, que pretendeu, num período anterior, realizar um estudo sobre a terceirização na RLAM
na perspectiva dos terceirizados, e, que por desistência, não foi efetivado. Dos 80 questionários

23
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Na pesquisa com os empregados da Petrobras, a missão principal foi captar


a opinião dos trabalhadores, para compor os seus perfis, em relação às principais
reivindicações e formas de luta que o sindicato deveria dar primazia na campanha
salarial. Para tal, foi elaborado um questionário por Druck (2000) com pergun-
tas abertas e fechadas, divididas da seguinte forma: 1. O perfil dos entrevistados
(idade, sexo, cor, escolaridade, situação conjugal, tempo de serviço, cargo, pro-
fissão, números de filhos, local de nascimento, local de moradia, salário mensal);
2. A percepção sobre as condições de trabalho, salários e emprego.
Em relação à população investigada, estes instrumentos de coleta foram impor-
tantes para a descoberta de indicadores sutis das condições de trabalho e vida dos
segmentos. O perfil das categorias abrangeu também as condições de trabalho e
opiniões sobre a segmentação, fragmentação, condições contratuais distintas, etc.
No caso dos terceirizados, a amostra obedeceu aos seguintes critérios:
empregados terceirizados do setor de montagem e manutenção industrial que
trabalham na Refinaria Landulfo Alves. Foram excluídos da amostra tanto os
terceirizados na área de apoio quanto os subcontratados da área de construção
civil. Este procedimento foi realizado em decorrência destes funcionários não
trabalharem em atividade-fim da Petrobras.
O objetivo primordial foi fazer um estudo qualitativo sobre as condições
de trabalho e de vida dos colaboradores da pesquisa. Por este motivo, não pro-
cedemos a um cálculo de amostra. Todavia, os dados quantitativos nesta obra
buscam expressar tão somente o perfil dos entrevistados. Devido à abordagem
eminentemente qualitativa, não se submeteu a amostra dos dados quantitativos
a um cálculo estatístico de significância. No entanto, é razoável supor que uma
amostra de 10% no caso dos empregados da estatal expressa a confiabilidade
dos dados. No caso dos terceirizados de manutenção industrial, essa proporção
foi também de 10 % do universo.

A metodologia utilizada assume as premissas de que o inves-


tigador ao escolher o seu problema de pesquisa, influi sobre a

cedidos, a metade era de contratados diretos.

24
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

realidade que é sempre construída e nunca pura (BERGER E LU-


CKMANN, 1985).

Ademais, a discussão foi influenciada por uma concepção que problematiza


a universalização dos achados da pesquisa e evita torná-los axiomas gerais vá-
lidos para quaisquer contextos, já que,

nossas mentes não refletem diretamente a realidade. Só percebemos o


mundo através de uma estrutura de convenções, esquemas e estereótipos, um
entrelaçamento que varia de uma cultura para outra. Nessa situação, nossa
percepção dos conflitos é certamente mais realçada por uma apresentação de
pontos de vista opostos do que por uma tentativa, como a de Acton, de articu-
lar o consenso. Nós nos deslocamos do ideal da Voz da História para aquele da
heteroglossia, definida como ‘vozes variadas e opostas’(BURKE, 1992, p.15).

***

Com o objetivo de ampliar a investigação, realizamos a observação parti-


cipante. Para tal, estivemos na condição de observador no VI Congresso do
Sindicato de Trabalhadores na Indústria da Construção Civil, Montagem e
Manutenção Industrial de Candeias, Simões Filho, São Sebastião do Passé,
São Francisco do Conde e Madre de Deus (Siticcan). Este ocorreu entre 25 e
27/02/2003, na cidade de Candeias, organizado e promovido pelo sindicato
do segmento. O referido encontro reuniu cerca de cento e oitenta trabalhado-
res que participaram ativamente das discussões. Naquele momento convivemos
com diversos colaboradores da pesquisa e fizemos contatos para entrevistas
(que foram realizadas entre fevereiro/março de 2003 e março de 2006). Du-
rante o evento, foram feitas anotações sobre questões levantadas pelos trabalha-
dores durante as discussões acerca das condições de trabalho e de organização
política. Este momento foi fundamental para a compreensão da percepção sub-
jetiva dos terceirizados em relação ao cotidiano fabril. Cada expressão ou gíria
que aguçava a curiosidade, fomentava a vontade de saber seu significado.

25
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Os dados secundários coletados referem-se aos:


a) análise dos Boletins “Maçarico” e de Convenções Coletivas confeccionadas
pelo Sindicato de Trabalhadores na Indústria da Construção Civil, Montagem e
Manutenção Industrial de Candeias, Simões Filho, São Sebastião do Passé, São
Francisco do Conde e Madre de Deus (Siticcan) 22. O estudo dos boletins de
periodicidade mensal compreendeu o período de 1990 a 2006. Nestes constam
notícias e denúncias sobre terceirização, desemprego, reestruturação adminis-
trativa, qualidade total, conflitos entre trabalhadores dos segmentos, etc.;
b) coleta de dados sobre a Petrobras nas home pages da Associação dos En-
genheiros da Petrobras (AEPET) e da Federação Única dos Petroleiros 23: Estas
fontes são importantes porque apresentam uma visão crítica sobre a empresa.
Além disso, auxiliam na relativização de alguns dados expostos nos relatórios da
estatal, por exemplo, sobre satisfação dos trabalhadores da companhia;
c) dados de Relatórios Anuais e dos Balanços Sócio-Ambientais (BSA) da Petro-
bras, disponíveis em www.petrobras.com.br24 para o período 1997-2006. Os rela-
tórios dos anos de 1993, 2004 e 2006 foram cedidos pela Petrobras na modalidade
impresso. Estes documentos contribuíram na contextualização da empresa, do per-
fil da terceirização na estatal e no dos empregados diretos e subcontratados;
d) pesquisa do Sindicato do Ramo Químico e Petroleiro (SRQP) /Centro de
Recursos Humanos (CRH) concernentes ao perfil e às opiniões dos petroleiros
sobre o contrato e condições de trabalho, modalidades de ações coletivas e
segmentação na empresa, etc. Este estudo foi coordenado pela Profª Maria da
Graça Druck-UFBA;
e) coleta de dados no caderno de Teses do VI Congresso de Trabalhadores
de base Siticcan. Estas informações contribuíram para evidenciar os comporta-
mentos político-corporativos do segmento;

22. Infelizmente, no caso dos petroleiros, não foi possível a análise dos boletins, pois não existiam do-
cumentação e arquivo preservados no setor sindical que cuida dos Boletins do período 1990 - 2006.
23. <Disponível em: www.aepet.org.br>. Acesso em 20 out. 2006.
24. O acesso aos Relatórios foi dos seguintes anos: 1993, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001,
2002, 2003, 2004, 2005, 2006. Os Relatórios de 1993, 2004,2005 e 2006 foram cedidos
pela Petrobras Holding.

26
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

f) dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), Pesquisa Nacional


de Amostras por Domicílio (PNAD), Relatório Anual de Informações Sociais
(RAIS) e Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (CAGED). Os dados se-
lecionados foram sobre trabalho e emprego industrial no período entre 1990-
2006 na RMS 25.
g) informações sobre os segmentos cedidas pelo Sindicato de Trabalhadores na
Indústria da Construção Civil, Montagem e Manutenção Industrial de Candeias,
Simões Filho, São Sebastião do Passé, São Francisco do Conde e Madre de Deus
(SITICCAN) e pelo Sindicato do Ramo Químico e Petroleiro (SRQP) 26.
h) análise qualitativa das Comunidades do Orkut “Não sou Crachá Verde” e”
Petrobras”. No caso da primeira, os depoimentos postados pelos participantes no
período de janeiro a agosto de 2006. No caso da segunda, depoimentos colhidos
em novembro de 2007. Enfatizamos que depoimentos postados em comunidades
de trabalhadores no Orkut têm uma qualidade adicional: são dados não estimula-
dos por questionários/pesquisas sociológicas e representam a mediação – quase
pura - das reflexões entre os participantes dos fóruns. De todo modo, o filtro dos
dados precisa ser mais apurado em decorrência do caráter aberto, despojado e
fluido que as informações podem representar. Portanto, esta fonte precisa ser
contrastada com entrevistas e análise de boletins das categorias;
i) dados de pesquisa feita pela equipe de Graça Druck e Tânia Franco apre-
sentados num estudo feito em parceria da Delegacia Regional do Trabalho
(DRT) com o Centro de Recursos Humanos (CRH) sobre a terceirização na
RMS nos últimos dez anos (DRUCK E FRANCO, 2007);

25. A pesquisa contemplou bases diferenciadas de informações devido à necessidade de desagre-


gação de dados sobre o mercado de trabalho no município de São Francisco do Conde (CENSO,
CAGED). Outras bases não podem ser desagregadas com vistas à obtenção de dados municipais
devido à perda de significância dos dados (PED, PNAD). Por este motivo, caracterizamos o mer-
cado de trabalho regional no período 1998-2006 com a (PED). Em relação a dados da cidade
de São Francisco do Conde utilizei (CAGED). Esta é a justificativa do uso de bases diferenciadas
e variadas fontes no capítulo um.
26. Com o Siticcan conseguimos o banco de dados com as fichas de filiação dos terceirizados.
Dentre as informações que constam ali, a do endereço dos trabalhadores foi crucial para a análise
do local de moradia dos terceirizados, no capítulo cinco.

27
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

j) notícias dos Jornais: “A Tarde”, “Correio da Bahia”, “O Globo”, “Universo On


Line (UOL)” e “Folha de São Paulo (FSP)” acerca da terceirização na Petrobras,
Refinaria Landulfo Alves e/ou greves de petroleiros. Além da subcontratação e/ou
terceirização, no período entre 2000-2006. Estas matérias contrapõem as informa-
ções institucionais provenientes da estatal sobre a imagem frente à opinião pública;
l) base de dados do Banco de Teses do Instituto Brasileiro de Informação,
Ciência e Tecnologia (IBICT) – órgão vinculado ao Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT) – a partir da palavra chave: terceirização e/ou Petrobras,
notadamente as dissertações de mestrado e teses de doutorado;
m) base de dados Google e, inclusive, a modalidade acadêmica deste site – a
partir da palavra chave: terceirização e/ou Petrobras. Nesta obtivemos dados
sobre o perfil dos empregados e da terceirização na Rlam, uma vez que a em-
presa alegara que esses dados eram sigilosos;
n) análise de fotos aéreas digitais dos bairros com residentes petroleiros e/
ou terceirizados na Região Metropolitana de Salvador (RMS) feitas pela Com-
panhia de Desenvolvimento Urbano (CONDER) da RMS. Estas fotos aére-
as permitem cinco tipos de enquadramentos: por região, por logradouro, por
localidade, por quadra e até pela rua selecionada. Pelas fotos aéreas digitais,
localizaram-se as condições de urbanização e de infra-estrutura urbana e de
moradia/habitabilidade de diversos bairros de residência dos entrevistados;
o) coleta de ensaios jornalísticos sobre bairros de Salvador27 com grande pre-
sença de empregados da Petrobras e de trabalhadores terceirizados feitas pelo
jornal A Tarde. Estes são publicados no periódico, na seção “Onde Eu Moro”.
Nestas matérias, são evidenciadas as questões de infra-estrutura urbana, a pai-
sagem sócio-cultural dos locais, as vias de acesso, os problemas do bairro, etc.
Foram cruciais para análise dos modos de vida dos segmentos;

27. Alguns bairros/comunidades de Salvador foram criados especialmente para moradia de petrolei-
ros: Condomínio Petromar em Stela Maris e STIEP nas imediações do centro financeiro de Salvador.
Stiep é nome de bairro de classe média e sigla do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extra-
ção de Petróleo, localizamos um artigo de (CARVALHO; SOUZA; PEREIRA, 2004). Estes discutem
a segregação sócio-espacial da RMS, apontando em que espaços moram: a elite, os funcionários de
classe média, os operários estáveis, os sub-proletários nesta região. Este foi crucial para a obtenção
dos dados sobre os bairros de trabalhadores da Petrobras e os de terceirizados na RMS.

28
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

p) análise do CEPEMAGAZINE – Revista Magazine dos Clubes dos Emprega-


dos da Petrobras. Nesta publicação, obtivemos pistas sobre o habitus de consu-
mo, lazer e, em menor medida, do estilo de vida dos trabalhadores da Petrobras.
Para cumprir tal intento, foram coletados dados e indícios sobre estilos de
vida e habitus de classe dos terceirizados e dos empregados da Petrobras. No
caso dos dados coletados, se referiram basicamente à análise qualitativa das
entrevistas, mensagens publicitárias e questionários, além da observação parti-
cipante dos padrões de habitação, das condições dos bairros, das informações
sobre lazer, acerca de consumo e posse de bens duráveis dos entrevistados. Por
fim, foram de grande valia, as fotos aéreas - de órgãos de planejamento urbano
- sobre as áreas de moradia dos entrevistados.
No caso dos terceirizados, obtiveram-se dados sobre lazer, consumo de
bens duráveis e hábitos de lazer a partir da sistematização de dados de questio-
nários da tese.
Outras fontes secundárias de cunho qualitativo permitiram a análise de dis-
cursos de trabalhadores em relação às suas percepções, identidades e represen-
tações sociais:
q) Banco de dados “Memória dos Trabalhadores da Petrobras”. Neste são
encontrados diversos relatos dos empregados da estatal sobre: trabalho, família,
greves, inserção na empresa, qualificação, momentos de lazer, memórias pro-
fissionais e diversas outras dimensões de suas vidas sociais.
r) Análise de sites de letras de músicas que tematizam os petroleiros e a es-
tatal. Em pesquisa28, localizaram-se 2.070 de letras de músicas que versam,
em algum trecho, sobre petróleo, nove letras que tematizam em algum verso,
petroleiro e dezenove com trecho Petrobras. Músicas de apologia ao petróleo,
como a primeira de Gilberto Gil “Povo Petroleiro”, de Cartola, Zé Rodrix, Jair
Rodrigues, Elza Soares, Chico Buarque, Gal Costa e inúmeros sambas-enredos
de escolas de samba cariocas exaltando a empresa, além de letras de rapper’ s
e roqueiros criticando a face poluidora da empresa nas últimas duas décadas.
Outras representações podem ser encontradas em pagodes/músicas baianas,
que enfatizam os petroleiros como segmento distinto da sociedade local.

28. Feita no site www.letras.terra.com.br, em 05.12.2007.

29
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Em relação às fontes secundárias, ganharam extrema relevância as análises


que abordaram a segregação e polarização sócio-espacial das frações de classe e
seus espaços de moradia na RMS (CARVALHO; SOUZA; PEREIRA, 2004).
Os dados quantitativos foram tratados estatisticamente através da uti-
lização do software, Programa Estatístico para as Ciências Sociais (SPSS)
- que permite elaborar frequências, fazer cruzamentos entre variáveis e cal-
cular médias, etc.29
Em suma, o processo de observação foi intencionalmente realizado fora
da RLAM. Esta estratégia decorre da escolha da metodologia qualitativa, en-
volvendo o recolhimento de depoimentos gravados. A questão do tempo de
realização das entrevistas levou-nos a fazê-las fora do local de trabalho. Deste
modo, possibilitou a coleta de depoimentos com um tempo em condições fa-
voráveis à realização da pesquisa, situação que se torna dificultosa quando as
entrevistas são realizadas no espaço de trabalho. Além disso, observamos que
em pesquisa de campo, no local de trabalho, há um forte controle das gerências
ou do próprio ambiente de vigilância sobre os trabalhadores 30.
No que concerne à pesquisa com os trabalhadores investigados, duas situa-
ções são lembradas: a primeira aconteceu com um auxiliar de pesquisa quando
este realizava uma pesquisa – com um gerente da Petrobras – e comentou que
gostaria de inquirir um trabalhador terceirizado. O referido empregado da esta-

29. O SPSS foi utilizado tanto para a base de pesquisa consultada quanto para minhas tabula-
ções. Participamos como coordenador auxiliar da pesquisa de campo deste estudo.
30. Certa vez investigando, como auxiliar de pesquisa, um trabalhador bancário em relação às suas
opiniões acerca do Plano de Demissão Voluntária (PDV) do Banco do Brasil - ocorrido na primeira
metade da década de 90 - acumulamos conhecimentos sobre estratégias de coletas de dados vitoriosas.
Entrevistamos o mesmo bancário para duas pesquisas distintas, uma monografia e uma dissertação
de mestrado, no intervalo de quatro anos (SILVA, 2006). Na segunda vez que fomos ao encontro do
sujeito investigado, este nos confidenciou que a primeira entrevista foi dada sob forte desconfiança de
que fossemos preposto do banco. Na época, o trabalhador investigado estava em litígio jurídico com
a empresa bancária. Assim, no momento de nossa visita era recente esta briga jurídica. Nesta pers-
pectiva, que dados são reais? Os da primeira ou os da segunda entrevista? Os dois em nossa opinião
são reais, pois, revelam, mesmo a posteriori, que os contextos das entrevistas devem ser percebidos e/
ou compreendidos. Em outras situações, eles não poderão ser reconhecidos devido aos estratagemas
utilizados pelos sujeitos investigados para não revelar ou omitir acerca do que realmente pensam.

30
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

tal chamou uma funcionária para conceder a entrevista. A situação de temor foi
muito grande, visto que a mesma tremia muito ao chegar ao lugar da mesma.
Sendo sensível à situação, ele optou por não tomar o depoimento; um segundo
acontecimento se passou com outro assistente de pesquisa, ao entrevistar um
conhecido ex-dirigente sindical, demitido da greve de 1995 e readmitido há
dois anos na empresa. Fica notório no relato e na gravação ouvida pelo autor da
tese, o desconforto do empregado em abordar a terceirização, a RLAM, acerca
dos terceirizados e sobre os comportamentos dos petroleiros frente a este pro-
cesso, demonstrado na voz, nos esquecimentos e silêncios/omissões, a sua in-
segurança. Por conta disso, tornou-se exitosa a estratégia de pesquisa fora dos
ambientes profissionais dos entrevistados. Uma desvantagem desta estratégia,
por outro lado, é a perda de dados ambientais dos locais de trabalho dos cola-
boradores, uma vez que depoimentos em contextos de forte pressão e vigilância
auxiliam na reflexão sobre os dispositivos de poder presentes nestes espaços. A
estratégia poderia contribuir para o entendimento sobre a relação entre gestão
do trabalho e percepção operária. A pesquisa fora do local de trabalho decorreu
da necessidade de coleta de depoimentos mais reflexivos dos trabalhadores.

Delineamento dos Capítulos


O objeto, a tese geral, os objetivos, as hipóteses, justificativas, as estratégias
metodológicas, a perspectiva da pesquisa, os instrumentos de coleta de dados e
os autores centrais utilizados na discussão teórica, são apresentados na intro-
dução assim como a divisão dos capítulos da tese.
No primeiro capítulo, caracterizamos, panoramicamente, o mercado de
trabalho da RMS. No momento desta contextualização abordamos a relação
entre a Petrobras e as cidades da região. Para tal, foram cruciais as tabelas
sobre emprego, taxa de participação, sexo dos trabalhadores, perfil do empre-
go na indústria da transformação, desemprego aberto e oculto do mercado de
trabalho da região para o período 1998-2006 (PED), da CAGED e RAIS, as
informações sobre emprego e indicadores sociais da cidade de São Francisco

31
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

do Conde, além das matérias jornalísticas em relação ao impacto da Petrobras,


sobre industrialização e a constituição de novos agentes sociais na RMS.
No segundo capítulo, discutimos a terceirização e a crescente vulnerabilidade
social advinda com o fortalecimento deste processo na região e na estatal do petróleo.
O fio condutor são os estudos empíricos realizados na RMS sobre a terceirização e
algumas pesquisas acerca do tema inspiradas em outras realidades sociais.
No terceiro capítulo, analisamos os trabalhadores do petróleo em uma pers-
pectiva histórica e a partir de suas trajetórias. Enfatizamos o perfil do novo ope-
rariado industrial da Rlam, os dados socioeconômicos sobre os investigados, suas
opiniões concernentes às condições de trabalho e suas memórias acerca do sindi-
calismo. Essas percepções se referiram às greves do setor petrolífero na segunda
metade do século 20, detendo-nos especificamente, nos últimos 16 anos.
No quarto capítulo, interpretamos dados sobre corporativismo e segmen-
tação entre os trabalhadores da RLAM e os terceirizados. Analisamos os no-
vos conflitos, os estigmas no cotidiano fabril, os laços frágeis e a produção de
identidades deterioradas com o emprego. A análise é notadamente ancorada em
dados retirados dos depoimentos do Orkut e entrevistas feitas para aconstrução
da tese. Em resumo, a abordagem ganha uma conotação qualitativa.

No quinto, analisamos os insiders e outsiders na perspectiva dos es-


tilos de vida e habitus de classe na segmentação. Para isso, recorreu-se à
análise qualitativa das condições dos bairros de moradia, das habitações,
bem como as letras de músicas que trazem representações sociais dos pe-
troleiros e da Petrobras. Outras fontes foram as propagandas colhidas na
Revista do CEPE. A noção de habitus constituiu-se, enquanto categoria
teórica central utilizada neste capítulo, para compreender estes compor-
tamentos (BOURDIEU, 2007).

Retomamos, por fim, as hipóteses iniciais do estudo, sistematizamos os da-


dos analisados e apontamos perspectivas em direção a novas investigações que
podem complementar a pesquisa acerca da relação entre os trabalhadores e o
processo de terceirização.

32
capítulo1 |

A PETROBRAS E O MERCADO
DE TRABALHO NA REGIÃO
METROPOLITANA DE SALVADOR

O objetivo deste capítulo é apresentar, panoramicamente, as mudanças so-


cioeconômicas da Região Metropolitana de Salvador, a partir da reconfigura-
ção das atividades econômicas após a implantação da Petrobras. Além disso,
pretendemos discutir a emergência de uma nova estrutura social decorrente das
alterações das atividades produtivas locais.

1. A PETROBRAS NO CONTEXTO
DA INDUSTRIALIZAÇÃO BAIANA

No fim da primeira metade do século XX, o sudeste consolida seu proces-


so de desenvolvimento industrial fundamentado na economia de base urbano-
industrial. Por sua vez, a Bahia experimentava, no mesmo período, um processo
de letargia industrial, pois as indústrias que aqui se instalaram, fracassaram.
Segundo Almeida (1986), criou-se, no estado, uma psicologia do ‘já teve’, visto
que ninguém acreditava nesta terra, dada à situação de decadência e estagnação
econômica em que o estado se encontrava .
No final da segunda guerra mundial, ocorreu uma intensificação do pro-
cesso de industrialização no país. Neste contexto, emerge a necessidade, em
nível nacional, da exploração de certos recursos naturais – o petróleo e outras
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

fontes minerais - com a instalação de plantas produtivas fora do eixo Rio/São


Paulo. Nesta perspectiva, o processo de integração da Bahia à industrialização
brasileira foi estimulado nos anos 50, com a criação da Petrobras e da Com-
panhia Hidroelétrica de São Francisco (CHESF). Deste modo, a produção de
petróleo na Bahia contribuiu para o fortalecimento da estrutura industrial do
Centro-Sul à medida que forneceu a esta, uma fonte de energia crucial advinda
dos derivados do petróleo. Portanto, instituem-se modificações nas relações
inter-regionais com a exploração destes recursos na região.

O processo de industrialização do Centro-Sul tem um defeito funda-


mental na sua base de sustentação técnica: à matriz energética do Brasil,
falta o petróleo. Desde os anos 30 várias tentativas de pesquisa e explora-
ção fracassam, seja pela oposição dos países capitalistas mais avançados,
seja pelo conluio de interesses entre as oligarquias dominantes no Brasil.
(Evidencia Oliveira, 1987, p. 45)

O cenário da descoberta do petróleo no país estava inserido numa mentali-


dade desenvolvimentista e estatizante. Dentro dessa perspectiva é alimentado,
no recôncavo da Bahia, o sonho do petróleo no Brasil. Desta forma, são dados
os primeiros passos com vistas à exploração do “ouro negro”, conforme atesta
Oliveira, (1987, p. 43)

A PETROBRAS escolhe a bacia sedimentar do Recôncavo baiano


para iniciar a pesquisa sistemática e logo a exploração do petróleo. Na
metade dos anos 50, ela já está explorando petróleo e instala uma pequena
refinaria no município de Mataripe. Durante três décadas, o recôncavo
baiano será o único produtor nacional de petróleo, chegando a produzir
um quarto das necessidades nacionais.

Ainda de acordo com o autor acima, instala-se de uma só vez uma atividade pro-
dutiva totalmente estranha à matriz econômica e social da economia baiana – a pro-
dução do petróleo -, uma vez que o estado vivia uma fase terminal da era açucareira.

34
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Alguns dados levantados pelo autor auxiliam na compreensão desta gui-


nada na vida econômica e social da Região Metropolitana de Salvador, entre
os anos 50 e 60 bem como a partir da instalação de uma refinaria de petróleo.
No período entre 1955-59, os investimentos da Petrobras distribuem-se de
1% a 7,4% da renda total e 8,1 a 66,9% da renda interna industrial da Bahia.
Ademais, a massa de salários paga pela Petrobras cresce 18% anuais entre
1958 – 69 e, no mesmo período, se elevará de 7,64% a 38,7% do total da
renda industrial interna do Estado, tendo atingido o nível de quase 50% no
ano de 1967. Por este motivo, torna-se flagrante o reconhecimento acerca do
peso econômico da empresa no desenvolvimento regional com crescimento
expressivo a partir da década de 60.
Outros indícios acerca da contribuição da estatal para o desenvolvimento
socioeconômico regional são expressos em matéria publicada, em 2001, no Ca-
derno Especial do Jornal A Tarde sobre os 50 anos do petróleo na Bahia. Esta
realidade torna-se imperativa em referência aos royalties pagos pela Petrobras,
desde 1955, aos municípios do recôncavo, Conforme esta notícia:

FINANCIAMENTO – Estádios e outras obras feitas graças ao repas-


se em várias cidades. As principais cidades baianas produtoras de Petróleo
foram beneficiadas, nos últimos 45 anos, pelos royalties do Petróleo. Ini-
cialmente, eles tinham uma fatia de 1% e não recebiam sobre a produção
no mar. Com as descobertas na Bacia de Campos, parlamentares cario-
cas se mobilizaram numa campanha coordenada pelo deputado Bocayuva
Cunha, autor do projeto que inclui os municípios nessa participação e
aumentou significativamente os percentuais sobre a produção em terra e
no mar (CADERNO ESPECIAL, 2001, p.6).

Aliado a isso, o reconhecimento da importância da Petrobras na região é


feito por diversos municípios, em matéria paga, no Caderno sobre o petróleo .
No bojo desta comemoração, a prefeitura do município de Alagoinhas faz uma
homenagem à contribuição da empresa para a cidade:

35
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Em 1954, quatro anos após sua criação, a Petrobras e o município de


Alagoinhas iniciaram uma parceria que tem trazido muitos benefícios para o
povo desta terra. Nesse tempo todo, a Petrobras gerou empregos, movimentou
a economia, fortaleceu os laços com a nossa terra e ajudou muito no desenvol-
vimento de toda região. É por isso que a gente defende com tanta firmeza esse
patrimônio brasileiro que o povo de Alagoinhas ajudou a construir. Parabéns,
Petrobras, pelos seus 51 anos de vida (CADERNO ESPECIAL, 2001, p.5).

Oliveira (1987, p.43) problematiza que essa relação entre a instalação da


Petrobras e o desenvolvimento regional deve considerar que:

Toda essa massa monetária de investimentos e salários, concentrada num


espaço reduzido, praticamente no Recôncavo e em Salvador, transformará a
economia baiana radicalmente. A dinâmica dessa radicalização concentrará a
renda em Salvador quase como em nenhuma outra parte do Brasil.


No período de 1966 a 1967, Rômulo Almeida participou do planejamento
de políticas de industrialização na Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE) como representante do Ministério da Indústria e Co-
mércio. Propôs um estudo das possibilidades da indústria de base na região
metropolitana baiana. Sugeriu, dentre outras temáticas, uma investigação, den-
tro de uma escala nacional, que deveria apontar outras atividades econômicas
na RMS. Portanto, já existia uma preocupação no que tange à dependência de
atividades econômicas monopolizadoras
Assim, entre meados da década de 60 e 70, verifica-se um incremento do
processo de industrialização da Bahia, mais especificamente na RMS. Esta mu-
dança pôde ser percebida pelo volume de investimentos em projetos industriais,
que tiveram como marco a implantação do Centro Industrial de Aratú (CIA) e
o Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC). Segundo Oliveira (1987),
a Petrobras, nos anos 50 e a implantação do CIA, sob a égide da Superinten-
dência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), nos anos 60, são dois

36
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

momentos de um mesmo processo de industrialização. Desta forma, a partir


dos incentivos fiscais e financeiros da SUDENE, ocorreu a implementação do
CIA, situado na cidade de Simões Filho.

O fato de a Petrobras já estar nessa região contribuiu decisivamente


para a sustentação do parque industrial baiano na área. Deste modo, com
a implantação do Complexo Petroquímico de Camaçari, ocorreram altera-
ções no setor secundário da economia baiana, à medida que se intensificou
a chamada crise das indústrias tradicionais, que as relegou a segundo plano.
De acordo com o Censo Industrial da Bahia, em 1970, as indústrias qualifi-
cadas como “dinâmicas” – metalúrgicas mecânicas e petroquímicas – par-
ticipavam com cerca de 60% no valor de transformação industrial contra
40% das “empresas industriais tradicionais” (OLIVEIRA, 1987).

No início da década de 60 do século passado, a Petrobras possuía um peso


relativamente pequeno de empregos diretos no mercado de trabalho local (OLI-
VEIRA, 1987). Em 1960, somente 2.200 pessoas eram ocupadas como tra-
balhadores de extração e exploração de petróleo e gás natural. Em 1970, este
número sobe para 2.572 postos na área. Nos anos 80, ocorre uma leve redução
para 2.100 funcionários. Com o advento dos anos 90, o número de empregados
do setor na região não passa de 1.250.
Oliveira (1987, p.67) salienta que há um reduzido contingente de trabalhado-
res que tem a oportunidade de ter excelentes condições de trabalho e padrão de
vida comparando com o total da população trabalhadora baiana do período:

No interior de uma grande empresa estatal, no período dos anos 50 e


mesmo 60, o salário direto e nominal é tão somente uma parte do salário
total: a empresa estatal, qualquer que seja, como que antecipa uma espé-
cie de welfare state para seus funcionários e trabalhadores. Além da pre-
vidência social, criação do próprio regime populista desde os anos 40, as
empresas estatais destinam fundos próprios para uma ‘superprevidência’
social no interior delas mesmas.

37
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Em muitos depoimentos localizados no banco de dados “Memorial dos Tra-


balhadores da Petrobras”, os empregados mais velhos da estatal rememoram
esta “superprevidência”, em relatos sobre o viver na vila de Mataripe, nos idos
de 50 e 60. Dentre essas lembranças, referem-se aos padrões das casas cedidas,
ao supermercado, onde podiam comprar com preço subsidiados, às escolas
patrocinadas para os filhos e às festas promovidas pela empresa .
Assim, numa sociedade recém-saída da cambaleante economia açucareira, onde
poucos homens puderam usufruir das condições de trabalho e vida proporcionadas
pelo emprego na Petrobras. Entre a década de 1960 e 1970, ocorreram algumas
mudanças significativas na vida dos petroleiros da segunda geração, já que houve
uma maior escolarização dos trabalhadores, mas, em compensação a repressão
política se intensificou e a superprevidência corporativa se extinguiu. O fosso entre
os trabalhadores do petróleo e os demais trabalhadores baianos continuou, pois, em
1970, no rendimento mensal modal de 501 a 1.000 cruzeiros em valores correntes,
situavam-se 48% dos petroleiros, o mesmo grupo representando somente o con-
junto de 1% das pessoas de 10 anos e mais ocupada no estado da Bahia.

GRÁFICO 1 – Evolução do quadro de pessoal da holding petrobras – 1982 -93

Fonte: Relatório Anual da Petrobras – 1993

O gráfico expõe o número de empregados da empresa para o período 1982-


1993 e a produção em milhares de barris por dia, ambos, para o território nacio-
nal . Ressaltem-se as detalhadas informações acerca do contingente de emprega-

38
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

dos em cada setor bem como o perfil de emprego, entre 86-93, apontando que
o contingente empregado nas áreas de exploração/produção é maior que 20.000
considerando o quantitativo de 50.000 absolutos, na maior parte do período.
Cabe enfatizar que a Bahia tem cerca de 4% dos empregados da estatal, no
país, durante a maior parte do mesmo intervalo de tempo.
O gráfico 2 expressa a produção de petróleo e gás natural que têm uma
tendência de crescimento no período de 1978-1993. Em um intervalo de 15
anos, a produção oscila de 200.000, em 1978, para 800 mil, em 1993. Nota-
mos que a maior parte do óleo encontrado na terra e no mar é o petróleo, o gás
representando uma parcela menor.

GRÁFICO 2 - Produção de petróleo e gás natural

Fonte: Relatório Anual da Petrobras – 1993

1.1. A Petrobras e a RMS: anos recentes

Quanto à relação entre a RMS e a Petrobras, alguns dados permitem vis-


lumbrar a importância econômica que a empresa assume no entorno da capital
e no estado da Bahia, cuja unidade federativa é atualmente a terceira em arre-
cadação de royalties da Petrobras.
Em 2006, a Bahia arrecadou R$ 148 milhões, o que representou um cresci-
mento de 12,5% em relação a 2005. Os estados do Rio de Janeiro e do Rio Gran-

39
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

de do Norte são o primeiro e o segundo arrecadadores de royalties da Petrobras,


com R$1,3 bilhão e R$181 milhões respectivamente (ROYALTIES, 2006).
Quanto às cidades baianas, em 2006, foram arrecadados em royalties da Pe-
trobras, cerca de R$ 22 milhões para a cidade Madre de Deus, R$ 16,6 milhões
para São Francisco do Conde e R$ 14,1 milhões por Pojuca.
Nesta perspectiva, mesmo panoramicamente, é possível considerar que a
instalação da refinaria da Petrobras na região, embora não tenha transformado
radicalmente a economia regional, ao menos, retirou o estado da letargia, ca-
racterística da era terminal da economia açucareira, na década de 50.
Assim, desde os anos 60, é permanente a posição da RMS como uma loca-
lidade com grande desigualdade em distribuição e forte concentração de renda.
Para firmar esta hipótese, recentemente foi divulgada notícia acerca da região
como a segunda entre as piores em distribuição de renda do mundo: “A desi-
gualdade entre ricos e pobres é tão marcante que se a grande Salvador fosse
um país teria a segunda pior distribuição de renda do mundo, perdendo apenas
para a Namíbia (ATLAS, 2000)”.

1.2. A região metropolitana de salvador


A RMS é composta pelos municípios de Salvador, Camaçari, São Francisco
do Conde, Candeias, Madre de Deus, Lauro de Freitas, Dias Dávila, Simões
Filho, Vera Cruz e Itaparica. Para entender o papel exercido pela região no
desenvolvimento da Bahia expomos uma elucidativa reportagem do Jornal “A
Tarde”, publicada no final do mês de junho de 2007, sobre o poder econômico
da região no conjunto do estado da Bahia. Além disso, destacamos os quatro
pilares de sustentação econômica da região:

A Bahia é o quarto estado mais populoso do Brasil, com mais de 12


milhões de habitantes, e líder da economia do Nordeste, e Salvador, sua
capital, é a maior cidade da região e terceira maior do Brasil. No que
concerne ao Produto Interno Bruto, a Bahia ocupa a sexta posição no
ranking nacional e a primeira no Nordeste, com um PIB beirando os R$

40
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

100 bilhões. A economia baiana continua se diversificando e se ampliando


em todas as áreas, mas quem detém o maior percentual de riqueza são os
dez municípios da Região Metropolitana de Salvador que, juntos, admi-
nistram 52,48% da riqueza que circula no estado (A REGIÃO, 2007).

Para um estado que possui um produto interno e bruto (PIB) de 100 bilhões
caracterizando-se como o sexto no ranking nacional e o primeiro no nordeste fica
evidente a alta concentração de renda da RMS face ao conjunto das regiões do esta-
do, visto que 52,4% da riqueza circulante na Bahia concentram-se na área metropo-
litana. Portanto, a economia baiana é muito focada na região próxima da capital.
Na reportagem são expostos os quatro pilares básicos que explicam a pu-
jança econômica da RMS em relação às outras regiões do Estado. Estes são: o
Pólo Industrial de Camaçari, o Centro Industrial de Aratú, as jazidas e platafor-
mas de petróleo de Candeias, o terminal marítimo de Madre de Deus, a Refi-
naria em São Francisco do Conde, o Pólo Industrial de Lauro de Freitas. Além
disso, merece destaque a indústria de turismo de Salvador e adjacências, bem
como os complexos hoteleiros da orla atlântica de Lauro de Freitas e Camaçari
(A REGIÃO, 2007).
Camaçari, a segunda cidade economicamente mais rica da Bahia, recebeu,
no início da década de 70, do século passado, o primeiro Complexo Petroquí-
mico do país:

O Pólo Industrial de Camaçari, composto de mais de 60 empresas


químicas, petroquímicas e de outros ramos da atividade, como indústria
automotiva, celulose, metalurgia do cobre, têxtil, bebidas e serviços, fatura
aproximadamente R$ 30 bilhões por ano, que significa participação supe-
rior a 30% no produto interno bruto baiano (A REGIÃO, 2007).

A RLAM participa com 14% do PIB estadual e o Complexo Petroquímico de


Camaçari 30%, revelando, então, que estas empresas acumulam uma presença
de 44% do produto interno baiano, expressando, deste modo, uma forte posi-
ção no desenvolvimento econômico estadual.

41
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

No tocante às outras cidades da região, o impacto das atividades econômi-


cas da Petrobras sobre a RMS torna-se evidente. Uma destas é São Francisco
do Conde, cidade com menos de 30 mil habitantes e que, conforme o IBGE, é
a cidade brasileira com maior renda per capita, embora nunca tenha superado
a extrema desigualdade social de seu contexto. Com a produção e o refino que
acontecem na cidade, ocorre uma arrecadação de 10 bilhões por ano:

A Petrobras é responsável pela notoriedade nacional da pequena São


Francisco do Conde, que ostenta o PIB per capita mais alto do Brasil, segun-
do o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Toda a fortuna
produzida no município com a produção e o refino de petróleo chega perto
de R$ 10 bilhões por ano. São Francisco do Conde é mais rica do que o es-
tado de Rondônia, aonde as riquezas chegam a R$ 9 bilhões. E se fosse um
país, teria o dobro do PIB do Haiti e igual a tudo o que o Paraguai produz. É,
em São Francisco [do Conde], que funciona a segunda maior refinaria de pe-
tróleo do Brasil, a Landulfo Alves, a primeira a ser implantada pela Petrobras
no País. Refina diariamente 307 mil barris de petróleo, transformados em
gasolina, óleo diesel, combustível, GLP e parafina. Além dos impostos pagos
pela indústria petrolífera, a Prefeitura recebe royalties por conta da movimen-
tação de petróleo, pois, na cidade, estão instalados um porto e um terminal
da Petrobras. Isso garante a cidade de São Francisco o terceiro lugar entre os
municípios que mais arrecadam no estado, com 12% do total do PIB baiano,
ficando atrás apenas de Camaçari e de Salvador (A REGIÃO, 2007).

Candeias, além de possuir uma das maiores reservas de petróleo e gás natu-
ral do recôncavo, tem agora o biodiesel que configura uma nova realidade:

O Brasil inveja São Francisco do Conde. Menos os habitantes do vizi-


nho município de Candeias, onde a Petrobras também marca presença com
a construção de uma usina de biodiesel, iniciada em janeiro com investimen-
to de mais de R$ 78 milhões e que deverá resultar numa produção anual de
mais de 57 milhões de litros do biocombustível. Os principais insumos para

42
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

a produção do biodiesel são óleos vegetais, como mamona, dendê, algodão


e soja, além de gordura animal. A prefeita de Candeias, Maria Célia Maga-
lhães Ramos, festeja a chegada da Petrobras e diz que o projeto é essencial
para a geração de emprego e renda, pois, além dos postos de trabalho que
serão abertos na usina, mais de 25 mil famílias de agricultores serão benefi-
ciadas com o fornecimento de matéria-prima (A REGIÃO, 2007).

Outro município dependente das rendas da Petrobras na região é o de Ma-


dre de Deus:

A pequena Madre de Deus também se sustenta economicamente pela


atuação da Petrobras, que opera no município com um terminal marítimo,
construído em 1957, que é o principal ponto de escoamento da produção
da Refinaria de Mataripe, cujos derivados abastecem as regiões Norte e
Nordeste do País. Operando cerca de 60 navios por mês, o terminal movi-
menta um volume de 1,3 milhões de metros cúbicos de petróleo e derivados
nas operações de carga e descarga. Pelo porto de Madre de Deus passa a
maior parte da nafta destinada ao Pólo de Camaçari, quase todo o petróleo
consumido pela Refinaria Landulfo Alves que, depois de transformado em
derivados, como diesel, gasolina, parafina, lubrificantes e combustíveis, é
devolvida ao terminal, e deste é transportado para as regiões Norte, Nor-
deste e Sudeste do País. Parafina e óleo combustível são exportados para
a Europa e Estados Unidos. O álcool da cana-de-açúcar é armazenado no
terminal e depois enviado para as companhias distribuidoras que atendem
aos estados da Bahia e Sergipe. O terminal também opera um oleoduto que
mede cerca de 300 quilômetros de extensão, bombeando gasolina, diesel,
álcool e GLP para as cidades de Itabuna e Jequié, no Recôncavo sul da
Bahia, que de lá são transportados para os consumidores do sul e oeste da
Bahia, do Espírito Santo e Minas Gerais (A REGIÃO, 2007).

Por sua vez, a cidade de Simões Filho possui um centro industrial criado na
década de 60 e que, depois de uma fase de desindustrialização, se encontra em
recuperação . Deste modo, o município se reergue economicamente.

43
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Até o momento foram expostos dados sobre a influência econômica da Pe-


trobras na RMS expressando a importância da inserção nessa região, desde
1950, da primeira refinaria de petróleo do país, a Landulfo Alves – Mataripe.
Vista de outra perspectiva, a RMS também é, contraditoriamente, campeã
nacional de desemprego por mais de uma década, desde 1996. Esta realidade é
expressa pelo elevado grau de exclusão social fruto desse desenvolvimento eco-
nômico, tão característico dos últimos 56 anos. Para compreender esse proces-
so, detalhamos, a seguir, o perfil socioeconômico e do mercado de trabalho da
RMS. Focamos a análise, especialmente, nos indicadores sociais e de mercado
de trabalho do município de São Francisco do Conde – sede da empresa.
A contradição é gritante na região e este paradoxo decorre do conflito en-
tre a robustez econômica, por um lado, e a expressiva concentração de renda,
por outro. Mais do que isso: deve-se ao fato de a maioria de seus moradores
permanecerem na condição de pobreza persistente. Esta situação é evidenciada
na matéria publicada, em impresso baiano de grande circulação, sobre a cidade
campeã nacional de renda per capita, São Francisco do Conde:

Apesar de ter a maior renda per capita do país, a população local vive em
estado de miséria, em total abandono. Enquanto isso, o prefeito Antônio Pas-
coal, o ex-prefeito Osmar Ramos, o ex-secretário de Finanças, Aroldo Gue-
des Pereira e os empresários Jucélio Parente e Eugênio Oliveira são acusados
de desviar R$1,62 milhão dos cofres da prefeitura. Localizado no recôncavo
baiano a 66 km de Salvador, o município é um dos mais ricos do país, com
um Produto Interno Bruto (PIB) de R$9,2 bilhões (IBGE/2004) e renda per
capita de R$315 mil (IBGE/2004) (MP QUER INTERVENÇÃO, 2007).

Este não é um fenômeno restrito a São Francisco do Conde, vide a desi-


gualdade social que acometem todos os municípios da região, segundo outros
indicadores referentes às condições de moradia da região:

Segundo pesquisa, realizada nos 10 municípios da RMS, as habita-


ções informais em Salvador correspondem a 32% da área ocupada da

44
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

cidade, o que corresponde a 60% da população. Ainda de acordo com a


pesquisa, do total de 750 mil domicílios que existem em Salvador, aproxi-
madamente 350 mil precisam de melhorias do ponto de vista da qualidade
urbanística. ‘Os países em desenvolvimento precisam criar metodologias
próprias para resolver seus problemas de habitação, colocando em prática
políticas públicas contínuas, com um planejamento para um período entre
20 e 30 anos’. Além disso, é preciso que o trabalho seja realizado em con-
junto pelas três esferas governamentais (FAPESB, 2007).

Em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos Municípios


da RMS, em comparação com o de outras regiões metropolitanas nordestinas
brasileiras foram encontrados os seguintes dados:

Tabela 1 - Índice de Desenvolvimento Humano das


Principais Regiões Metropolitanas do Nordeste – 1991 e 2000

Região IDHM Rank IDHM Rank Cresc. Variação


Metropolitana 1991 1991 2000 2000 Relativo Rank
2000
Recife 0,715 28 0,780 28 9,0% 0
Fortaleza 0,688 31 0,767 29 11,5% 2
Grande São Luís 0,707 29 0,766 30 8,4% -1
Natal 0,689 30 0,762 31 10,6% -1
Maceió 0,660 32 0,724 32 9,7% 0
Salvador 0,735 21 0,794 26 7,9% -5
Fonte: www.pnud.org.br/atlas/PR/Regioes_Metropolitanas_2.doc. Acesso dia 02 de outubro de 2007

Na tabela 1, os dados expostos indicam que Salvador ocupava, em 1991,


a 21ª posição nos indicadores de desenvolvimento humano metropolitano
(IDHM). Em 2000, se encontrava na 26ª posição no ranking. Esta mudança
de posição representou a maior queda entre as regiões metropolitanas nordes-
tinas nos dez anos entre uma e outra medida. Mais recentemente, em 2006, foi
publicado o IDH de Salvador e RMS compartimentando-as por região.

45
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

De todo modo, antes de apresentá-los, expõe-se a crítica feita ao índice de


desenvolvimento humano (IDH), por um especialista em metodologias de pes-
quisa e dados socioeconômicos:

A classificação sobre desenvolvimento humano feita pelo Programa


das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é artificial e não
leva em consideração aspectos importantes como o desenvolvimento sus-
tentável, na opinião do especialista britânico Stephen Morse. ‘O que a
ONU faz nesse ranking é dividir artificialmente os países em três cate-
gorias: alto, médio e baixo desenvolvimento’, afirma Morse, professor da
Universidade de Reading e autor de livros sobre estatísticas em desenvol-
vimento humano (PARA ESPECIALISTA, 2007).

Existem outras críticas ao IDH como sinalizador de qualidade de vida, pois,


em grande medida, este não esclarece acerca das heterogeneidades de condi-
ções de saúde, educação, renda quando considerada a segmentação por classe
dos bairros de uma cidade:

A renda per capita do soteropolitano morador do Itaigara é de


R$2.135,54, enquanto na região mais pobre da cidade, Coutos (subúrbio
ferroviário), o ganho médio não passa de R$83. As disparidades entre o
padrão de vida norueguês e o sul-africano na área de três mil quilômetros
quadrados da RMS estão disponíveis para toda a comunidade baiana no
Atlas de Desenvolvimento Humano da Região Metropolitana de Salvador.
Noruegueses no Itaigara e sul-africanos na região de Areia Branca e CIA
Aeroporto. Em um passeio por Salvador e região metropolitana, é possível
ir de um extremo a outro nos índices de desenvolvimento humano, como
renda, educação e saúde (ATLAS, 2006).

Embora o IDH seja um indicador padrão, este tornaria-se efetivamente


confiável somente se subdivide-se os espaços de uma cidade, considerando os
contrastes sociais destes espaços. Portanto, torna-se inconsistente analisar o

46
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

IDH de um bairro como o do Itaigara, de elite, sem considerar a extrema desi-


gualdade em relação a Areia Branca – bairro humilde da RMS - como decorre
da análise da citação acima .
Assim, a RMS ostenta o título de campeã nacional de concentração de renda no
país e alguns dados ilustram essa realidade, já que um residente em área nobre ga-
nha 25 vezes mais que um morador de Areia Branca. Na comparação feita com ou-
tro bairro, segundo os dados, um trabalhador de Fazenda Coutos precisaria de 157
anos para acumular a renda mensal de um morador do Itaigara (ATLAS, 2006).
Outros indicadores da RMS também contribuem para revelar sua extrema
desigualdade social. Quanto à educação, a realidade também é muito desigual,
quando se compara este indicador no bairro do Itaigara, da elite, com bairros
suburbanos e metropolitanos de população pobre:

Se na renda a disparidade é gritante, na educação segue a mesma ten-


dência. Enquanto na região do Itaigara, 97,67% das crianças com idade entre
7 e 14 anos estão frequentando o ensino fundamental, em Periperi e Nova
Constituinte, outros bairros do subúrbio, não ultrapassa 78%. “No entanto,
houve uma melhora no IDH na região metropolitana, que passou de 0, 737,
em 1991, para 0, 791, em 2000. A educação é responsável pelo crescimento,
mas é bom frisar que o indicador é pouco exigente, já que baseia-se apenas na
taxa de analfabetismo”, justificou o consultor Eduardo Martins, da Fundação
João Pinheiro, responsável pela elaboração dos indicadores e do software.
Outro dado apontado no Atlas é que 48% dos adultos com mais de 25 anos
têm menos de oito anos de estudo (ATLAS, 2006).

Até este momento apresentamos dados socioeconômicos sobre bairros da grande


Salvador. Em outra perspectiva, faz-se uma comparação entre o IDH de alguns bair-
ros nobres de Salvador com o de regiões mais desenvolvidas do país e do mundo:

O IDH do Brasil, em 2000, foi de 0,768 e da Bahia, 0,791 – um pouco


melhor. Na África do Sul, país onde a desigualdade social subiu 14,5% nos dez
anos pós-apartheid (regime de segregação racial estabelecido em 1948), o índi-

47
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

ce atinge 0,653. Já na Noruega, que há seis anos lidera o ranking internacional


do IDH, o índice chega a 0,965. Os moradores do Itaigara desfrutam de um
invejável padrão de vida. Segundo o Atlas, o índice atinge 0,971. Outras três
unidades de desenvolvimento humano têm o IDH maior que o norueguês: Ca-
minho das Árvores/Iguatemi; Caminho das Árvores/Pituba-Rodoviária/Lotea-
mento Aquarius; e Brotas-Santiago de Compostela (0,968) (ATLAS, 2006).

Portanto, caracterizado o IDH da RMS e dos bairros de Salvador - com


contingente expressivo de trabalhadores petroleiros e terceirizados - torna-se
necessário apresentar um panorama do mercado de trabalho regional.

1.3. O mercado de trabalho da RMS

Apresentamos agora, sinteticamente, o perfil do mercado de trabalho da RMS e


da cidade de São Francisco do Conde, município sede da Refinadora. No primeiro
momento, expomos dados sobre a evolução da população de Salvador, da RMS e
da Bahia nos últimos 16 anos. Em seguida, caracterizaremos o mercado de traba-
lho da RMS, em suas tendências gerais na década de 90. Por fim, analisaremos os
indicadores sociais do mercado de trabalho do município acima aludido.

Tabela 2 - Evolução da População do Município de Salvador, Região Metro-


politana de Salvador e do Estado da Bahia (1970-2006).

População Cresc. Cresc. Cresc.


População População
Ano Anual Anual Anual
SSA RMS BA
(%) (%) (%)
1970 1.007.195 ... ... ...   7.493.437 ...
1980 1.502.013 4,07 ... ...   9.455.392 2,35
1991 2.075.273 2,98 3.134.886 ... 11.867.991 2,09
2000 2.443.107 1,83 3.716.280 1,90 13.070.250 1,08
20061 2.714.018 1,51 3.408.273 1,72 14.150.146 2,42
Fonte SEI IBGE – População estimada. Disponível em: www.sei.ba.gov.br.
Acesso dia 02 de outubro de 2007

48
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Ao analisar os dados da tabela 2 sobre a distribuição de população entre as cida-


des da RMS, torna-se possível compreender, de novo, o caráter extremamente centra-
lizador de Salvador, visto que podemos observar – a partir das informações apresen-
tadas – o poder de atração que a cidade exerce sobre os baianos/metropolitanos. Para
tanto, está expresso que 66% dos moradores da região, em 2006, moram na capital.
Quando a comparação é feita com todo o Estado, a relação é, no mesmo período, de
24 moradores da área metropolitana para cada 100 moradores da Bahia.
A RMS, de fato, detém um considerável contingente populacional do es-
tado, dentre os motivos para essa concentração populacional estão: 1) a con-
centração das oportunidades de desenvolvimento por largo período de tempo
na RMS, como foram expostos nos dados anteriormente apresentados sobre
desenvolvimento da indústria; 2) por sua vez, Salvador exerce um forte fascínio
sobre baianos, brasileiros e estrangeiros.
Em relação a alta concentração da RMS, afirma Alban (2006, p. 94):

Se a Bahia fosse um estado territorialmente pequeno, ou seja, se a Bahia


se resumisse ao Recôncavo, ou mesmo ao conjunto das regiões litorâneas,
essa dinâmica, a exemplo do que ocorre com os estados [mais desenvolvi-
dos do país], seria certamente suficiente para colocá-la entre os 10 maiores
IDHs do país. O mesmo acontece, vale acrescentar, com a dinâmica que se
processa no oeste do estado. Nessa macrorrregião, a Bahia é um imenso va-
zio demográfico vivenciando uma forte expansão agrícola e agroindustrial.
A Bahia, contudo, não se resume ao conjunto do Oeste e da RMS. Como
se sabe, entre o litoral e o oeste do estado, a Bahia possui um imenso semi-
árido, onde vive boa parte da sua população. A Bahia, portanto, possui um
grande território com razoável densidade populacional.

Deste modo, excetuando as regiões metropolitana e do oeste da Bahia, todas


as outras áreas se encontram extremamente desassistidas quanto ao desenvol-
vimento socioeconômico. Em relação ao vazio demográfico de algumas regiões
do estado, uma hipótese plausível é que este decorre da intensa concentração
econômica característica da RMS.

49
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

A partir desse momento, apresentamos, sinteticamente, o perfil do mer-


cado de trabalho na RMS. Este panorama busca analisar o crescimento da
vulnerabilidade social no interior desta estrutura social com uma tendência
de retração de empregos formais, crescimento do desemprego aberto e ocul-
to bem como precarização do trabalho/emprego, em um primeiro momento
da década de 90. Nos últimos doze meses, porém, ocorre uma tímida re-
tração do desemprego total, porém, a região continua com as maiores taxas
nacionais de desemprego.
Segundo Borges (2007), ocorreu, nos últimos vinte anos do século XX,
uma desestruturação do mercado de trabalho nacional. Tal processo, mesmo
comportando marcantes diferenças regionais, teve dois grandes momentos.
De acordo com a autora, o primeiro momento desta desestruturação, nos
anos 80, foi em decorrência da interrupção das elevadas taxas de crescimento
do PIB, a crise da dívida e o descontrole inflacionário. No mercado de trabalho,
estas mudanças traduziram-se no aumento da proporção de ocupados fora de
uma relação de emprego com cobertura social, com perdas salariais e elevação
da concentração de renda a favor das empresas e, até mesmo, entre parcela dos
trabalhadores. Porém, neste mesmo período, as conquistas dos trabalhadores
foram mantidas porque a crise do modelo de desenvolvimento se deu em con-
texto de colapso do regime autoritário e do fortalecimento das organizações
sindicais dos trabalhadores (BORGES, 2007)
No segundo momento, nos anos 90, passou-se de uma economia fechada
e protegida por um arcabouço legal e institucional para uma economia aberta
e totalmente desprotegida, exposta à instabilidade de um modelo econômico
mundializado sob a hegemonia do capital financeiro. Uma expressão desta mu-
dança decorreu do PIB brasileiro ter apresentado a menor taxa de crescimento
de todo o século XX, conforme a autora acima referida:

O impacto desse conjunto de mudanças sobre o mercado de traba-


lho foi imediato e profundo. As taxas de desemprego – aberto e oculto –
dispararam e mantiveram-se num patamar elevado e, confirmando o seu
caráter estrutural, o tempo de procura de trabalho foi ampliado, tornando

50
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

visível o desemprego de longa duração e configurando o que Pochmann


considera “a mais grave crise de emprego da história do país, mais até do
que a ocorrida na transição do trabalho escravo para o assalariamento”.

Borges (2007, p. 86-87) analisa este processo no interior do mercado


de trabalho da RMS, à medida que esta região possibilitou-lhe um estudo
de caso, em que ficou explicitada a associação entre reestruturação, preca-
rização e flexibilização do trabalho/emprego, considerando o setor público/
estatal e o privado:

A taxa de desemprego da RMS é, historicamente, uma das [mais] ele-


vadas do país. Nos anos 1990, ela saltou de 11,8% em 1992 para 19,3%
dez anos depois e o estoque de desempregados cresceu quase uma vez e
meia, agregando 195 mil pessoas, entre 1992 e 2002. No mesmo período,
a população em idade ativa (PIA) cresceu apenas 30%, a população eco-
nomicamente ativa (PEA) 51 % e o número de ocupados registrou um in-
cremento de 38,2%. Ou seja, o baixo crescimento da ocupação revela que
o desemprego aumenta porque a estrutura produtiva da região é incapaz
de absorver a oferta de mão-de-obra, que cresceu acentuadamente em
decorrência tanto de mudanças na estrutura da população como do au-
mento da taxa de atividade, sobretudo das mulheres e jovens, cuja pressão
sobre o mercado de trabalho encontra na necessidade de recomposição da
renda familiar um dos seus determinantes.

Em suma, segundo a autora, esta realidade demonstra os danos decorrentes


da interdependência entre precarização e reestruturação produtiva, nos anos
90, na RMS. Como resultado disso, os trabalhadores passaram a vivenciar o
incremento de uma “tendência geral do capitalismo contemporâneo”: superex-
ploração e desconstrução de direitos.
No que se refere à RMS, a autora revelou uma intensificação das ca-
racterísticas negativas do mercado de trabalho metropolitano, sobretudo o

51
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

aumento das taxas de empobrecimento e precarização, por um lado, e a de-


ficiência de postos de trabalho, aumento dos contingentes de trabalhadores
desprotegidos e conjunto reduzido de empregos/ocupações bem remunera-
das, por outro (BORGES, 2007).
Com o objetivo de discutir algumas destas tendências elencadas por Bor-
ges (2007), expõem-se na tabela 3, algumas taxas da População Economica-
mente Ativa (PEA), de ocupação, desemprego, nível dos empregos, incluindo
as taxas de desocupação aberta e oculta. O período, panoramicamente retra-
tado, é o de 1998-2006.
Em relação ao mercado de trabalho regional, os indicadores são os seguin-
tes - em relação ao período 1998-2006 - no que se refere à população econo-
micamente ativa com 10 anos ou mais e por sexo:

Tabela 3 - Estimativa da População Economicamente


Ativa por Sexo Região Metropolitana e Salvador 1998 a 2006

(Em 1000 pessoas)


Ano População Total Homens Mulheres
1998 1.393 740 653
1999 1.436 754 682
2000 1.496 784 712
2001 1.548 805 743
2002 1.611 843 768
2003 1.671 869 802
2004 1.692 876 816
2005 1.717 891 826
2006 1.749 906 843
Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED -
Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE

Percebe-se, na Tabela 3, um crescimento em valores absolutos da população


economicamente ativa entre 1998 e 2006, de 350 mil pessoas, o que representa

52
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

um acréscimo de mais de 20 % relativos no mesmo período. Também são evi-


denciadas as participações masculinas e femininas no mercado de trabalho lo-
cal. Embora os homens sejam – em todos os anos do período analisado - mais
numerosos do que as mulheres, estas representam quase 45% do contingente
economicamente ativo.

Tabela 4 - Estimativa dos Desempregados por Sexo


Região Metropolitana de Salvador 1998 a 2006

(Em 1000 pessoas)


Ano Total Homens Mulheres
1998 347 170 177
1999 398 195 203
2000 398 189 209
2001 426 201 225
2002 440 210 230
2003 468 227 241
2004 431 203 228
2005 419 190 229
2006 413 185 228
Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED -
Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE

Na Tabela 4, em todos os anos do período, na RMS, o desemprego absoluto


feminino é maior que o masculino, não obstante elas representarem menores
taxas no conjunto da população economicamente ativa. É perceptível, também,
o crescimento do desemprego na região, a medida que houve um aumento de
66 mil desempregados entre o ano de 1998 e o de 2006. Em 2003, ocorreu
o maior índice absoluto de desemprego na região, pois neste período, a taxa
absoluta da população economicamente ativa desempregada se aproximou de
468 mil desempregados.

53
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Tabela 5 - Taxa de Desemprego Total por Sexo


Região Metropolitana de Salvador 1998 a 2006 (Em %)

Ano Total Homens Mulheres


1998 24,9 22,9 27,1
1999 27,7 25,8 29,9
2000 26,6 24,1 29,3
2001 27,5 25,0 30,2
2002 27,3 24,9 29,9
2003 28,0 26,1 30,1
2004 25,5 23,2 28,0
2005 24,4 21,3 27,8
2006 23,6 20,4 27,0
Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED -
Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE

No tocante ao desemprego total, cuja soma expressa a articulação do tipo de de-


semprego aberto associado ao oculto, apresentado na tabela 5, fica notório que de-
pois da maior taxa de desemprego, em 2003, nos últimos quatro anos, o movimento
é de redução nas taxas de desemprego: 24,9% em 1998, contra 23,6% em 2006.

Tabela 6 - Taxa de Desemprego Aberto por Sexo


Região Metropolitana de Salvador 1998 a 2006 (Em %)

Ano Total Homens Mulheres


1998 14,2 11,7 17,1
1999 15,6 12,9 18,6
2000 15,0 11,9 18,5
2001 16,4 13,5 19,6
2002 16,3 13,7 19,2
2003 17,0 14,6 19,6
2004 14,9 12,2 17,8
2005 14,2 11,1 17,6
2006 15,0 11,4 18,8
Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED -
Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE

54
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Na tabela 6, são evidenciadas as taxas de desemprego aberto, ou seja, aquela


situação em que o entrevistado se encontra totalmente desocupado e à procura
de emprego nos últimos 30 dias do mês. Observa-se que os números relativos
ao desemprego aberto da RMS foram de 14,2%, em 1998, alcançando sua
maior expressão em 2003, com 17%, apresentando redução a partir de 2004,
alcançando em 2006, 15,0%.

Tabela 7 - Taxa de Desemprego Oculto por Sexo


Região Metropolitana de Salvador 1998 a 2006 (Em %)

Ano Total Homens Mulheres


1998 10,7 11,2 10,0
1999 12,1 12,8 11,3
2000 11,6 12,3 10,8
2001 11,1 11,5 10,6
2002 11,0 11,2 10,7
2003 11,0 11,5 10,5
2004 10,6 11,0 10,2
2005 10,2 10,2 10,2
2006 8,6 9,0 8,2
Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED -
Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE

A tabela 7 se refere ao desemprego oculto, aquele em que a pessoa não


deixa de desenvolver atividades, em geral precárias e provisórias. A procura
por emprego formal representa a pressão/vontade para sair da instabilidade e
deixar para trás um passado de ausência/carência de direitos trabalhistas. A
RMS tem, na maioria dos anos do período analisado, mais de 10% de desem-
pregados ocultos. Todavia, este contingente expressa, também uma redução
no estoque de desempregados ocultos no período 1998-2006: 10,7 % naquele
ano, contra 8,6%, em 2006.

55
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Tabela 08- Pessoas de 10 anos ou mais de idade segundo a condição


de atividade e a condição na ocupação na semana de referência
Região Metropolitana de Salvador, 2005.

(Em 1000 pessoas)


Condição de atividade e de ocupação Pessoas de 10 anos
na semana de referência ou mais de idade
Total 2 745
Não economicamente ativas 938
Economicamente ativas 1 807
Ocupadas. 1 514
Desocupados 293
Taxa de desocupação 16,2
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento,
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005

Acerca da atividade e condição na ocupação em 2005 na RMS, os


dados da tabela 8 demonstram uma população economicamente ativa de
2.745.000 com 10 anos ou mais. Destas, 938 mil são inativas enquanto
1.807.000 mil encontram-se na condição de economicamente ativas. Ade-
mais, 1.514.000 são ocupadas, e 293 mil são desocupadas. Logo, mais de
15 % permanecem desempregadas.
A tabela 9 revela dados sobre a posição ocupada no trabalho principal pela
PEA, ficando evidenciado o peso de 10% do trabalho doméstico no conjunto do
mercado de trabalho da RMS. Por outro lado, no setor da indústria da transfor-
mação (IT) - que inclui os trabalhadores do petróleo, foco deste estudo - exis-
tem 98 mil empregados assalariados e 42 mil trabalhadores por conta própria.
Desta forma, estes dados expressam o processo de informalização do trabalho
industrial na RMS, em época recente. Cabe enfatizar ainda que, dentre os 42
mil que trabalham por conta própria na IT, muitos desenvolveram/desenvolvem
suas atividades em empreiteiras da região. Em síntese, outros dados explicita-
dos informam que cerca de 2 mil não remunerados na IT certamente são os
estagiários destas unidades industriais na região.

56
Tabela 09 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por posição na ocupação
no trabalho principal, segundo os grupamentos de atividade do trabalho principal. Região Metropolitana de
Salvador, 2005

(Em 1000 pessoas)

Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência

Grupamentos Posição na ocupação no trabalho principal


de atividade
do trabalho Total Trabalha- Trabalhadores na Trabalhadores na
principal Empre- Conta Emprega- Não remu-
dores do- produção para o construção para o
gados própria dores nerados
mésticos próprio consumo próprio uso

Total 1.514 894 159 362 59 28 9 3


Agrícola 34 4 - 17 2 3 9 -
Indústria 153 107 - 42 3 2 - -
Indústria de
144 98 - 42 3 2 - -
transformação
Construção 145 81 - 52 7 1 - 3
Comércio e
319 163 - 123 23 11 - -
reparação
Alojamento e
102 59 - 29 6 8 - -
alimentação
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

57
58
Tabela 09 - CONTINUAÇÃO

Transporte,
armazenagem 92 63 - 26 2 0 - -
e comunicação
Administração
79 79 - - - 0 - -
pública
Educação, saú-
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

de e serviços 145 129 - 12 4 1 - -


sociais
Serviços do-
159 - 159 - - - - -
mésticos
Outros servi-
ços coletivos,
94 47 - 40 5 1 - -
sociais e pes-
soais
Outras ativi-
187 162 - 17 7 1 - -
dades
Atividades mal
definidas ou 4 - - 4 - - - -
não-declaradas

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa


Nacional por Amostra de Domicílios 2005
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Na sequência deste estudo, centramos, a partir deste momento, foco na análise sobre
precarização social, flexibilização e degradação das condições de trabalho na indústria
da região, explicitamos os dados que associam ramo de atividade industrial e tipo de pro-
teção/formalização do emprego nas indústrias de transformação e da construção civil :

Tabela 10 - Participação dos empregados de 10 anos ou mais de idade, no traba-


lho principal da semana de referência, segundo os ramos de atividade no trabalho
principal: Região Metropolitana de Salvador - 1992, 1995, 1998 e 2001 (Em %)

Categoria do emprego
Ano Ramos de atividades TOTAL Com carteira de Outros
trabalho assinada
TOTAL 100,0 77,4 22,6
Ind. de Transformação 15,4 12,6 2,7
1992 Ind. da Construção 10,8 6,8 3,9
Outras atividades industriais 3,8 3,6 0,2
Serviço auxiliares a atividade econômica 6,7 5,8 0,9
TOTAL 100,0 70,9 29,1
Ind. de Transformação 13,9 11,0 2,9

1995 Ind. da Construção 10,6 6,2 4,3


Outras atividades industriais 3,1 2,8 0,2
Serviço auxiliares a atividade econômica 7,3 5,4 2,0
TOTAL 100,0 70,6 29,4
Ind. de Transformação 12,8 10,2 2,5

1998 Ind. da Construção 10,2 5,2 5,0


Outras atividades industriais 2,5 2,3 0,1
Serviço auxiliares a atividade econômica 9,5 7,3 2,2
TOTAL 100,0 68,0 32,0
Ind. de Transformação 12,2 9,3 2,9

2001 Ind. da Construção 10,6 6,0 4,5


Outras atividades industriais 2,0 1,7 0,2
Serviço auxiliares a atividade econômica 9,8 6,7 3,1
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento,
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005.

59
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Comparando-se o ano de 1992 com o ano de 2001 constata-se o de-


créscimo do contingente de trabalhadores da Indústria da Transformação
(IT) com carteira assinada da grande Salvador : 12,6 %, em 1992 e 9,3 %,
em 2001. O conjunto de empregos deste tipo de indústria também teve de-
créscimo nesse período, reduzindo-se de 15,4%, em 1992 para 12,2, % em
2001.Houve ainda um leve aumento na categoria de emprego sem carteira
assinada na área industrial. O índice de 2,7 % em 1992, cresceu para 2,9%,
em 2001.
Em outro tipo de indústria, a da construção, o contingente de emprega-
dos sem carteira assinada era de 3,9%, em 1992 e aumentou para 4,5%, em
2001. Este setor sempre teve índices menores de proteção do trabalho que
o da indústria da transformação.
Na tabela 11 são evidenciados os dados do setor da indústria da trans-
formação, na RMS dos anos de 2002 e 2005, a atividade industrial, o tipo
de proteção e formalização do emprego:

Tabela 11 - Proporção dos empregados de 10 anos ou mais de idade, no traba-


lho principal da semana de referência segundo os grupamentos de atividade do
trabalho principal. Região Metropolitana de Salvador 2002 e 2005 (Em %)

Grupamentos de Com carteira


Categoria
Ano atividade de trabalho Outros
do emprego
do trabalho principal assinada
Total 100,0 67,3 32,7
Indústria. 14,2 11,2 3,0
2002
Indústria de transformação 13,2 10,3 2,9
Construção 9,1 5,1 4,0
Total 100,0 69,0 31,0
Indústria 13,2 10,7 2,4
2005
Indústria de transformação 12,2 9,9 2,3
Construção 10,2 5,9 4,3
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento,
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005.

60
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

O percentual de empregados da indústria de transformação decaiu 1%,


entre 2002-2005, de 13,2% para 12,2%. No entanto, na construção civil,
cresceu no mesmo período de 9,1% para 10,2 %. Note-se que o percentual
de empregos na indústria em geral, na região, caiu no mesmo período tam-
bém 1%, de 14,2% para 13,2%.
Ainda com referência à tabela 11, outro importante indicador da preca-
rização do trabalho na região é que, em 2005, do total de empregados em
quaisquer setores de atividades econômicas, encontram-se 31% na condição
de outros, o que exclui a posse de uma carteira assinada.
Concluindo o panorama sobre o mercado de trabalho da RMS, anali-
sam-se os dados do CAGED e do MTE, na tabela 12, sobre as 20 ocupações
que mais demitiram na grande Salvador, no período de 2003-2007 . Deste
modo, expomos também informações sobre o salário médio na admissão e o
saldo dos demitidos e admitidos dentre as ocupações que mais desligaram.
Esses dados referentes à renda são um importante indicador acerca do grau
de precarização entre os terceirizados.
Observamos que sete das vinte ocupações que mais desempregaram na
Grande Salvador, nos últimos três anos, na indústria da transformação são
ligadas ao perfil dos trabalhadores petroleiros terceirizados: encanador, sol-
dador, trabalhador de serviços de manutenção de edifícios e petroquímica
e afins, mecânico de manutenção de máquinas, em geral e trabalhador da
manutenção de edificações. Essas informações evidenciaram o saldo nega-
tivo maior entre os encanadores e soldadores. No conjunto de dados sobre
a média salarial, foi observado que a maioria das rendas e salários das vinte
ocupações elencadas se circunscrevem, no máximo, a dois salários mínimos
atuais correntes, o que expressa um emprego típico de terceirizados devido
à baixa remuneração.

61
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Tabela 12 - Desligamento por ocupações na indústria da transformação


Região Metropolitana de Salvador 2003 a 2007 (1)

Sal. Médio FREQUÊNCIA


Ocupações
Adm. (R$) Admissão Desligamento Saldo
Alimentador de linha
410,33 9.306 6.193 3.113
de produção
Auxiliar de escritório, em
526,09 3.203 2.575 628
geral
Servente de obras 381,41 2.966 2.486 480
Encanador 827,21 1.759 1.991 -232
Vendedor de comércio
438,06 2.062 1.923 139
varejista
Copeiro 329,04 2.010 1.617 393
Assistente administrativo 805,28 1.815 1.520 295
Costureiro na confecção
349,72 1.481 1.396 85
em série
Classificador de fibras têxteis 294,26 1.517 1.373 144
Soldador 821,20 1.252 1.280 -28
Cozinheiro geral 391,51 1.371 1.241 130
Mecânico de manutenção de
912,84 1.323 1.031 292
máquinas, em geral
Operador de produção (quí-
570,68 1.453 1.023 430
mica, petroquímica e afins)
Trabalhador da manutenção
368,99 1.273 1.014 259
de edificações
Faxineiro 362,92 1.463 992 471
Costureiro, a máquina na
351,45 1.013 965 48
confecção em série
Almoxarife 565,34 1.044 946 98
Operador de máquinas
474,97 632 847 -215
fixas, em geral
Técnico têxtil de tecelagem 299,99 1.140 800 340
Trabalhador de serviços de
manutenção de edifícios e 339,15 1.110 797 313
logradouros
Fonte: www.caged.gov.br. Acesso dia 01 de outubro de 2007.

62
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Na tabela 13, em referência às vinte ocupações que mais demitiram na


construção civil na grande Salvador - setor que também comporta um grande
número de terceirizados da RLAM - encontram-se algumas ocupações de tra-
balhadores subcontratados da refinadora: caldeireiro (chapas de ferro e aço),
soldador, montador de andaimes (edificações), eletricista de instalações, car-
pinteiros, trabalhador da manutenção de edificações.

Tabela 13 - Desligamento por ocupações na indústria da construção


civil na Região Metropolitana de Salvador de 2003 a 2007 (1)
Ocupações Sal. Médio FREQUÊNCIA
Adm. (R$) Admissão Desligamento Saldo
Servente de obras 369,68 62.825 56.744 6.081
Pedreiro 611,81 20.777 19.031 1.746
Caldeireiro (chapas de ferro e aço) 898,76 5.587 5.242 345
Carpinteiro 617,79 5.183 5.056 127
Encanador 813,71 4.755 4.567 188
Soldador 1.097,06 3.277 3.567 -290
Carpinteiro de obras 615,96 3.513 3.385 128
Pintor de obras 590,61 3.484 3.273 211
Trabalhador da manutenção
585,84 2.960 3.039 -79
de edificações
Eletricista de instalações 672,83 3.228 2.860 368
Montador de andaimes
699,11 2.826 2.824 2
(edificações)
Auxiliar de escritório, em geral 551,04 3.067 2.706 361
Mestre (construção civil) 1.310,40 2.658 2.605 53
Pedreiro de edificações 549,19 3.059 2.436 623
Vigia 398,16 2.025 2.194 -169
Instalador de tubulações 809,69 2.224 2.132 92
Armador de estrutura
634,79 1.949 2.130 -181
de concreto armado
Motorista de caminhão (rotas 655,98 1.839 1.839 0
regionais e internacionais)
Gari 321,33 1.901 1.538 363
Armador de estrutura de concreto 622,53 1.500 1.489 11
Fonte: www.caged.gov.br. Acesso dia 01 de outubro de 2007

63
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

As ocupações com saldo negativo de empregos na região são: soldador, ar-


mador de estrutura de concreto armado e trabalhador de manutenção de edifi-
cações. Deste modo, razoável supor que estes contingentes de desempregados,
nos últimos quatro anos, tenham tido ocupação nas instalações da Refinaria ou
outras indústrias petroquímicas da região na condição de terceirizados. Outros
indicadores que fundamentam esta hipótese se referem aos salários, visto que
obedecem ao intervalo entre R$369,00 a R$1.310,00 reais, respectivamente,
salário de servente e de mestre de obra civil.
Na tabela 14 discutimos os dados sobre empregados e desempregados de
São Francisco do Conde, cidade sede da RLAM, onde buscamos pistas sobre o
impacto da Refinaria Landulfo Alves – Mataripe na desocupação na cidade:

TABELA 14 - Indicadores do Total de Empregados por Atividade


Econômica em São Francisco do Conde – 2005 (Em números absolutos)

Indicadores Masculino Feminino Total


Total das Atividades 5.722 4.934 10.656
Extrativa Mineral 0 0 0
Indústria de Transformação 1.305 272 1.577
Serviços Industriais de Utilidade Pública 5 2 7
Construção Civil 302 167 469
Comércio 462 51 513
Serviços 566 132 698
Administração Pública 3.043 4.308 7.351
Agropecuária 39 2 41
Idade de 16 a 24 anos 644 601 1.245
Ocupações com maiores estoques Masculino Feminino Total
Trabalhador da manutenção
964 1.469 2.433
de edificações
Professor de artes no ensino médio 778 965 1.743
Dirigente do serviço público federal 733 529 1.262
Operador de exploração de petróleo 555 4 559
Auxiliar de escritório, em geral 185 363 548
Fonte: RAIS/2005 - MTE

64
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Nota-se, ao analisar a tabela, que a indústria de transformação é menor que


a da administração pública local. O emprego industrial figura como segundo
maior contingente empregador no município.
Na tabela 15 é possível identificar a flutuação do emprego formal no muni-
cípio de São Francisco do Conde:

Tabela 15 - Flutuação do Emprego Formal São Francisco do Conde, 2007 (1)


(Em números absolutos)

Indicadores Admissão Desligamento Saldo


Total das Atividades 686 709 -23
Extrativa Mineral 0 0  0
Indústria de Transformação 167 65  102
Serviços Industriais de Utilidade Pública 5 1  4
Construção Civil 317 257  60
Comércio 40 22  18
Serviços 153 359  -206
Administração Pública 0 0  0
Agropecuária 4 5  -1
Ocupações com maiores saldos Admissão Desligamento Saldo
Operador de exploração de petróleo 31 2  29
Trabalhador da manutenção de edificações 63 38  25
Servente de obras 52 34  18
Montador de estruturas metálicas 40 29  11
Armador de estrutura de concreto armado 17 7  10
Ocupações com menores saldos Admissão Desligamento Saldo
Mecânico de manutenção
27 51 -24
de máquinas, em geral
Ajudante de motorista 5 27 -22
Pintor, a pistola (exceto obras e
0 20 -20
estruturas metálicas)
Trabalhador polivalente da confecção
0 17 -17
de calçados
Caldeireiro (chapas de ferro e aço) 100 113 -13
Fonte: CAGED/MTE

65
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Em relação às ocupações com maiores saldos de empregos, os dados do


município apontam diretamente para ocupações típicas do contratado direto
da Petrobras, já que entre estas, se encontram a de operador de produção de
petróleo. Por outro lado, também estão representadas as ocupações típicas de
terceirizados como as de montador e servente de obras.
No âmbito municipal, entre as ocupações de trabalhadores terceirizados
com menores saldos no conjunto de emprego têm-se: caldeireiro e mecânico de
manutenção de máquinas. Contudo, é razoável supor que a cidade comporta
muitos trabalhadores ligados ao petróleo, em sua maioria, terceirizados.
Em vias de conclusão, outros dados caracterizam o mercado de trabalho na
cidade, sede da RLAM , sendo expostos na tabela 16:

Tabela 16 - Outros indicadores de Mercado


de Trabalho em São Francisco do Conde – 2000
Indicadores Masculino Feminino Total
População Residente 13.055 13.227 26.282
Taxa de Analfabetismo (%) (1) 13,55 13,79 13,67
Pop. Economicamente Ativa 6.464 4.868 11.332
PEA Desocupada 1.909 1.683 3.592
PEA Ocupada 4.555 3.185 7.740
De 16 a 24 anos 985 600 1.585
Rendimento Médio (em R$) 337,46 317,67 329,32
Trabalhadores Formais (2) 2.223 1.506 3.729
Branca 180 201 381
Preta 658 361 1.019
Amarela 0 0 0
Parda 1.373 944 2.317
Indígena 0 0 0
Trabalhadores Informais (3) 2.005 1.001 3.006
Branca 121 140 261
Preta 506 182 688
Amarela 0 0 0
Parda 1.350 667 2.017
Indígena 0 0 0
Fonte: CENSO/2000 - IBGE.

66
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

É necessário enfatizar os dados referentes ao rendimento médio da população


local, menor que um salário mínimo, conforme os dados do Censo do ano 2.000.
Em suma, pouco mais da metade da população economicamente ativa ocupada -
7.740 - é composta de trabalhadores formais, não obstante os dados encontram-se
ligeiramente superiores aos percentuais sobre emprego formal no país.
Adiante, caracterizamos como o processo de terceirização foi inserido na
Petrobras no âmbito nacional, e como se instalou a interdependência entre pre-
carização, flexibilização e vulnerabilidade social na estatal.
Até este momento, os dados apresentados sintetizam os indicadores sociais
adversos da RMS e de São Francisco do Conde - cidade com a maior renda per
capita do país. Também foi demonstrado o peso da Petrobras para a dinamiza-
ção da economia regional desde os anos 50. Diante desses dados, é possível
ressaltar que a região tem, por um lado, altos níveis de concentração de rique-
za, e por outro, revela elevados níveis de pobreza e exclusão. De toda forma,
expomos que a população pelos níveis de renda, educação e habitação, aqui
discutidos, vivencia, na verdade, uma realidade sui generis: viver na opulência
sendo protagonista de tanta pobreza e “desfiliação”.

67
capítulo 2|

TERCEIRIZAÇÃO E
VULNERABILIDADE SOCIAL

1. TERCEIRIZAÇÃO
No processo de reestruturação produtiva, a terceirização tem sido a princi-
pal estratégia utilizada para o aprofundamento da precarização e flexibilização do
trabalho. Deste modo, procuramos evidenciar, neste capítulo, a associação entre
externalização de atividades e vulnerabilidade social, visto que esta articulação influi
profundamente nas condições de trabalho e vida dos sujeitos investigados. Em um
primeiro instante, apresentamos algumas definições relacionadas à terceirização,
delineadas nas pesquisas empíricas, notadamente na RMS. Em seguida, analisamos
a efetivação desta mudança estrutural no interior da estatal em âmbito nacional.
Partimos da compreensão segundo a qual a terceirização é uma estratégia
adotada pelas empresas para a transferência de mão de obra e custos traba-
lhistas para prestadoras de serviço . As implicações de sua intensificação nas
empresas são concernentes à segmentação, à precarização e ao crescimento da
vulnerabilidade social dos trabalhadores.
Druck e Franco, (2007) enfatizam, por exemplo, que diversas definições
acerca da terceirização são oriundas de algumas áreas de conhecimento tais
como - sociologia, economia, administração.
Segundo as autoras, existem duas linhas investigativas em relação aos es-
tudos sobre terceirização: as análises que se referenciam na tese da “especiali-
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

zação flexível” (PIORE E SABEL, 1984) e as que centram sua abordagem nas
políticas de gestão ao apontar para o fortalecimento da flexibilização e precari-
zação das condições de trabalho:

Uma que tem como referência o paradigma da «especialização flexível»


(PIORE E SABEL, 1984), cujos estudos ressaltam a parceria interempre-
sas, a flexibilidade produtiva como fator de incentivo às micro e pequenas
empresas (GITAHY, 1994; GITAHY E RABELO, 1989), destacando os
estudos de caso que demonstram a «boa» ou «verdadeira» terceirização. E
numa outra linha, situa-se a maioria das análises que, a partir de estudos
empíricos, demonstram a terceirização como política de gestão flexível do
trabalho que tem levado, invariavelmente, à precarização das condições de
trabalho, do emprego e da saúde (RUAS, 1993; RANGEL E SORJ, 1994;
BORGES E DRUCK, 1993; FRANCO et alii, 1994), ao tempo em que
as relações interempresas – contratantes e contratadas – têm sido de su-
bordinação dessas últimas, que, pressionadas pela intensa concorrência,
se utilizam das mais diversas formas de precariedade do trabalho (sem
contratos, baixos salários, jornadas extensas, etc.) para garantir a sua in-
serção no mercado (DRUCK E FRANCO, 2007).

Druck e Franco (2007), ao discutir as concepções de terceirização, in-


vestigam as novas modalidades de contratação bem como as implicações re-
veladas pelo conjunto de pesquisas acerca do tema nas últimas duas décadas
no país. Para tal, apresentam também, em seu estudo, tendências recentes
verificadas no interior do processo de terceirização nas indústrias petroquí-
micas da RMS. Esta investigação foi realizada nas unidades industriais do
Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC).
Neste sentido, as autoras enfatizam que a interdependência entre tercei-
rização, precarização e flexibilização se constitui como nova estratégia de
dominação do capital sobre o trabalho. Porém, embora o processo se revista
de caráter mundial, existem especificidades nacionais que precisam ser evi-
denciadas pelos estudos.

70
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Druck e Franco (2007) apontam ainda que os principais indícios das meta-
morfoses do trabalho, no que se refere à terceirização, são a flexibilização dos
contratos e a transferência de responsabilidade de gestão e custos trabalhistas
para um terceiro. Em sentido complementar, as empresas terceirizadas repre-
sentam – no que concerne às condições de trabalho –, uma posição periférica,
com maior desqualificação, condições mais precárias, além da subordinação
aos interesses das empresas contratantes.
No que se refere ao ponto de vista dos trabalhadores e dos sindicatos, a
terceirização expressa uma precarização objetiva e subjetiva das condições de
trabalho, desintegração de coletivos de funcionários e fragmentação da repre-
sentação coletiva. Assim, com a segmentação que ocorre entre operários da em-
presa contratante e da empresa contratada, o coletivo de operários se pulveriza
em sindicatos distintos, dificultando a ação sindical.
A terceirização e a qualidade total se configuram como as características
do processo de reestruturação produtiva mais presentes no país. Assiste-se, em
todos os setores de atividade econômica, a adoção de tais práticas, ao passo que
esta mudança estrutural, no caso brasileiro, é amplamente motivada por modi-
ficações organizacionais. Segundo Druck e Borges (2002), a terceirização tem
evidenciado a precarização como principal consequência:

Desse modo, ao contrário do que previam algumas análises apressadas


da terceirização, o estudo de 93 concluiu, pioneiramente, que esse processo
não sinalizava para uma ampliação das oportunidades de trabalho autôno-
mo, ou em pequenos negócios capazes de compensar os cortes de pessoal
nas empresas que estavam terceirizando, rapidamente, parte das suas ativi-
dades. Ao invés disso, as informações levantadas junto às empresas (con-
tratantes e contratadas) comprovaram que o processo estava resultando em
desemprego e precarização (DRUCK; BORGES, 2002, p. 125).

O tipo de terceirização predominantemente utilizado nas fábricas nos anos


90 é a terceirização das atividades-fim (produção, operação e manutenção). Na
década de 80, as áreas terceirizadas eram as chamadas áreas de apoio (limpeza,
vigilância, alimentação, entre outras).

71
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

As áreas terceirizadas atualmente são as nucleares da empresa, sendo que


essa mudança não transfere, entretanto, na maioria das vezes, a tecnologia para
as empreiteiras. Portanto, esta realidade contribui para o aumento dos riscos in-
tra e extrafabris, como exemplo: a possibilidade de acidente no processo de tra-
balho - fato corriqueiro no Pólo de Camaçari e nas indústrias da região abran-
gida pelo Siticcan e pelo Sindicato do Ramo Químico e Petroleiro (SRQP). Por
sua vez, em casos, cada vez mais frequentes, os trabalhadores terceirizados se
acidentam por não conhecerem os mecanismos de funcionamento das máqui-
nas que operam, como pode ser verificado em notícia publicada em uma revista
de grande circulação nacional:

[...] era quase meia-noite de domingo 11, quando Rinaldo Abreu Fon-
tes foi convocado para a tarefa de limpeza na área de laminação a quente
na Usiminas, a primeira estatal privatizada, em 1991. De repente, sua
mão esquerda foi puxada pela correia transportadora, sugando o braço,
ombro e parte do tórax, teve morte instantânea”. Este rapaz trabalhava
numa terceira e não conhecia minimamente a máquina que estava limpan-
do (TERCEIRIZAÇÃO, 1998, p. 75).

1.1. Características da terceirização na RMS

Apresentamos, nesta seção, as características da terceirização nas indústrias loca-


lizadas na RMS. Estas informações serão cruciais para o entendimento do perfil das
fábricas – a maioria no Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC) e da RLAM.
Druck e Franco (2007) afirmam que, em meados dos anos 80, o COPEC
empregava mais de 20.000 trabalhadores. Em 1993, em pesquisa realizada em
44 empresas do COPEC, estas computavam 15.517 empregados. Média de 353
por empresa. Destas empresas, 68% empregavam menos que 1.000 e, somente,
duas unidades industriais possuíam entre 1.000 e 2.000 empregados. Uma es-
tatal empregava mais de 2.000 trabalhadores (DRUCK; FRANCO, 2007).
Porém, no período entre 1992-98, ocorreu uma redução de 40% no número de
empregados. Em 1993, das 39 empresas químicas e petroquímicas, 38 recorriam à

72
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

terceirização e 35 tinham programa de qualidade total, sendo que 85% implemen-


taram mudanças organizacionais a partir de 1990. Por fim, naquele período, 92%
das empresas declararam ter reduzido o número de empregados efetivos.
No que se refere à Refinaria Landulfo Alves – Mataripe (RLAM), nos anos
2000, os seguintes dados foram encontrados: a segunda do sistema Petrobras
em capacidade de processamento; está entre as mais complexas refinarias do
sistema pela variedade de processos de refino que possui; e gera 36 diferentes
tipos de derivados.
A RLAM possui 18 unidades de produção: 01 fábrica de asfalto, 11 parques
de armazenamento para petróleo e derivados, 02 estações de carregamento ro-
doviário, sendo uma de medição para produtos finalizados, uma termoelétrica,
uma unidade de tratamento de efluentes industriais e outra de água.
No que diz respeito ao perfil da força de trabalho, a RLAM é composta por
2.854 pessoas ; 40,1% são do efetivo próprio, e 59,9% de terceirizados. O pes-
soal próprio é de 1.146 empregados enquanto os terceirizados somam 1.708
pessoas. Do total de empregados próprios, 31 são gerentes, 19 coordenadores,
50 supervisores, 3 consultores técnicos e 1043 executantes.
No tocante à terceirização, Druck e Franco (2007) atualizaram dados sobre
subcontratação no ramo das indústrias petroquímicas, notadamente do Com-
plexo Petroquímico de Camaçari (COPEC). Por sua vez, evidenciaram o for-
talecimento de novas modalidades de terceirização bem como as implicações
reveladas pelo conjunto das pesquisas realizadas nas últimas décadas acerca
deste processo na região.
As autoras constataram tendências recentes da terceirização na RMS. A mais
significativa é uma associação persistente e contínua entre terceirização e pre-
carização. Assim, revelaram que as novas modalidades de subcontratação mais
presentes na realidade da região se combinavam ou conviviam paralelamente com
as formas clássicas da terceirização. Deste modo, as clássicas são: o trabalho
doméstico; redes de empresas fornecedoras;Subcontratação de trabalhadores em
áreas nucleares; subcontratação de serviços de apoio/periféricos; quarteirização.
Estudos recentes, segundo Druck e Franco (2007), expressam o imbrinca-
mento entre a subcontratação e a precarização do trabalho com destaque para o

73
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

vertiginoso crescimento das cooperativas. Não obstante, neste processo, ocorreu,


também, nesses últimos 15 anos, na RMS, um caso de reversão da terceirização,
o que as autoras e outros estudiosos vêm denominando como primeirização .
Este processo ocorreu na Caraíba Metais – indústria metalúrgica da região.
Ademais, Druck e Franco (2007) salientam que a terceirização se dissemi-
nou também pelo serviço público e por todos os setores da economia bem como
nas áreas nucleares das indústrias do COPEC/RMS. Recentemente, tem feito
parte deste processo o surgimento de novas modalidades de terceirização como
o crescimento de empresas filhotes e o reforço de velhas práticas, travestidas de
novas como, por exemplo, a intensificação de cooperativas de mão –de- obra.
Em estudo recente, realizado pelas autoras, foram investigadas 19 empresas
do COPEC , o que permitiu evidenciar as novas modalidades de flexibilização, tais
como: a introdução do “salário flexível”, constituído pela participação nos lucros
e resultados (13 das 19 empresas), remuneração variável conforme produtividade
(1) e a terceirização (em 100% das unidades) nos últimos cinco anos (idem).
Em relação às reestruturações das empresas, em 1993, na perspectiva da
equipe dirigente, os motivos foram: a recessão, a crise econômica e na empresa.
Em 2003 foram: a competitividade internacional (100%) e a redução de custos
e mudança tecnológica (58%) .
As autoras definem a terceirização como um fenômeno velho e novo, posto
que nos últimos quinze anos, no Brasil, a subcontratação se constitui, também,
como uma prática com novas roupagens. Essas recentes modalidades de con-
tratação de trabalhadores têm uma nova faceta: as empresas do ‘eu sozinho’
bem como o reforço das cooperativas de intermediação de mão-de- obra.
Em relação à terceirização, segundo as autoras, em pesquisa realizada em
100 empresas na Bahia, em maio de 2000, a Gazeta Mercantil concluiu, no
que se refere à externalização de atividades, que: 100 % das empresas do se-
tor industrial, 100 % das do setor de finanças, 94% do setor de serviços, 83%
agrobusiness, e 44% do comércio utilizavam o recurso da subcontratação (GA-
ZETA MERCANTIL apud DRUCK E FRANCO, 2007). De acordo com
esta mesma fonte, o recurso à terceirização já era utilizado por estas empresas
em um período que compreende de cinco a dez anos.

74
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Druck e Franco (2007) encontraram, em relação às novas modalidades


de terceirização, a intensificação das cooperativas de mão- de- obra:

Na pesquisa atual, dezessete em dezenove empresas, representando


em torno de 89,5% das empresas respondentes, declararam contratar co-
operativas, apesar do discurso corporativo em contrário ostentado por al-
gumas delas, inclusive em documentos oficiais. Dessas, quinze empresas
afirmaram que as cooperativas contratadas prestam serviços em outras
empresas; duas empresas afirmaram que as cooperativas contratadas não
prestam serviços em outras empresas e sete empresas indicaram explici-
tamente o uso de ex-trabalhadores do núcleo estável/quadro permanente
nas empresas contratadas (idem, p. 111).

Lima (2007) enfatiza, em suas pesquisas, o papel das cooperativas na de-


gradação das condições de trabalho para o caso brasileiro e nordestino. O autor
neste estudo faz uma detalhada discussão em relação às cooperativas no mundo
do trabalho, apresentando, dentre outros argumentos, uma tese de Webb acerca
da degenerescência das cooperativas de trabalho no contexto das sociedades
capitalistas. Além disso, ele classifica as cooperativas empiricamente observa-
das – nos últimos dez anos no país – em autênticas e pragmáticas. As autênticas
são as que atuam na perspectiva da economia solidária, considerando os valo-
res históricos do cooperativismo. As denominadas pragmáticas são constituídas
com objetivo de geração de empregos para seus filiados, entretanto, sem obser-
vância dos princípios do cooperativismo.
Silva (2007) faz – para o caso das cooperativas na Bahia – uma pesquisa na
qual apresenta dois estudos de caso, e demonstra que as falsas cooperativas são
as principais modalidades encontradas na RMS.
Tanto Lima (2007) como Silva (2007) demonstram, em seus estudos, que
existem cooperativas escamoteadas que precarizam as inserções profissionais dos
trabalhadores e fogem dos ideais originais do uso dessa modalidade associativa
que, em seu sentido histórico, pretendia ser uma alternativa não-capitalista ao
desenvolvimento da produção fomentada autonomamente pelos operários.

75
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

No que diz respeito ao conjunto de empregados do COPEC, Druck e Fran-


co (2007) demonstram que:

A redução de empregados do núcleo estável é contínua entre 1993


e 2001, com oscilação e leve aumento em 2003. Assim, o contingente
de empregados do quadro permanente em 2003 é bem menor do que
em 1993, com um corte de 1.072 empregos, correspondendo a 32,9%
do quadro numa amostra de cinco empresas (DRUCK; FRANCO,
2007, p. 106).

Pretendemos demonstrar, na parte subsequente, a redução dos empregados


efetivos da Petrobras, em nível nacional. Em relação à RMS, a empresa não dis-
ponibiliza dados históricos, entretanto, obtivemos informações que, na década
de 80, trabalhavam, na estatal, cerca de 2.200 petroleiros, enquanto que, em
2003, este contingente caiu para pouco mais de 1.200 (CRH-SRQP, 2000).
No concernente à proporção efetivos/terceirizados no COPEC, em 2003,
segundo Druck e Franco (2007):

A pesquisa realizada nas indústrias da RMS revela, num con-


junto de dez empresas, que, dos 8.204 trabalhadores, apenas
36,3% são empregados do quadro permanente/núcleo estável
e que 63,4% são trabalhadores terceirizados em 2003. Convém
observar que nenhuma dessas empresas estavam em parada para
manutenção (op. cit, p. 108).

As autoras elaboraram no estudo recente, um conjunto de figuras/gráficos


em que classificam, em ordem crescente, as indústrias petroquímicas do CO-
PEC e RMS, em uma sub-amostra, em relação à terceirização.
As de grau 1 possuem 50% ou menos de trabalhadores terceirizados (02
empresas). As de nível 2 têm entre 51 a 60% de terceirizados (02 empresas),
as de 3 entre 61 e 70% de terceirizados (04 empresas) e grau 4 (02 empresas),
mais de 70% de terceirizados. Portanto, evidenciaram que a proporção entre

76
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

terceirizados e empregados efetivos, nas indústrias petroquímicas da RMS, não


se dá de forma homogênea (DRUCK; FRANCO, 2007).
Os dados nacionais apresentados, a seguir, sobre a terceirização na Petrobras
sinalizam uma relação de 75% de terceirizados e 25% de empregados próprios para
todo o território nacional. Na RLAM, a correlação é de 60% de terceirizados para
40% de efetivos próprios (PETROBRAS, 2006; DOCUMENTO RLAM, 2003).

1.2. Terceirização na Petrobras: Brasil e RMS

Para obter uma ideia da situação de mercado da Petrobras no mundo, expo-


mos os dados obtidos, em um relatório, que apresenta a visão geral da empresa:

GRÁFICO 3 – POSIÇÃO DA PETROBRAS NO CENÁRIO MUNDIAL – 2002

Fonte: Visão Geral da Petrobras, 2002. In: www.Petrobras.com.br. Acesso 25.10.2007.

77
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Em 2002, o documento produzido pela empresa, a coloca como a sexta


maior, em reservas provadas e capacidade de refino, sétima, em produção de
óleo e gás, sexta, em capacidade refino, e nona posição em Ebtida .
Recentemente, foi publicada uma matéria que aponta a descoberta de um
novo campo de petróleo que pode incluir o país na Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP). Nesta reportagem, o presidente Lula foi
chamado por Hugo Chavez de “magnata do petróleo”:

‘Lula, agora que és magnata petroleiro, que o Brasil tem tanto pe-
tróleo, te proponho que nos juntemos nestes mecanismos de cooperação
com os países que não têm petróleo, com os países que não têm possi-
bilidade de pagar US$ 100 o barril’, disse Chávez, segundo informações
da Agência Brasil. A Petrobras anunciou nesta quinta-feira (8) a desco-
berta de novas reservas de petróleo e gás na Bacia de Santos. Segundo a
estatal, as jazidas, equivalentes às da Venezuela e da Nigéria, colocam o
Brasil entre os dez maiores produtores de petróleo do mundo. O presi-
dente venezuelano citou como exemplo de cooperação seu próprio país,
que fornece petróleo à Argentina em troca de tratores, maquinário e
‘vacas prenhas que produzem muito leite’. Chávez comentou que a des-
coberta de novas jazidas de petróleo permitiriam ao Brasil ingressar na
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Lula, porém,
não teve oportunidade de responder publicamente a Chávez. A sessão foi
encerrada sem que todos os chefes de Estado tivessem oportunidade de
discursar (CHAVEZ, 2007).

A disposição gráfica do organograma da empresa é uma importante fonte


para a compreensão da estrutura de poder e da subordinação interna da estatal,
especialmente, quanto à questão da hierarquia, das atribuições do presidente,
dos conselhos superiores bem como acerca dos órgãos que a constituem:

78
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

QUADRO 1 – ORGANOGRAMA DA PETROBRAS

Fonte: Visão Geral da Petrobras, 2002. In: www.Petrobras.com.br. Acesso 25.10.2007

No concernente ao organograma, é perceptível que o presidente da estatal


gere a petrolífera tendo como seus superiores: os órgãos colegiados, o conselho
administrativo, o conselho fiscal, a auditoria interna e a diretoria executiva. É
factível a hipótese, então, que o presidente compartilha, com estes conselhos, os

79
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

processos decisórios centrais. Os setores de estratégia corporativa, novos negó-


cios, gestão de pessoas, desempenho empresarial, segurança /meio-ambiente,
jurídico e comunicação institucional estão subordinados ao presidente e aos
órgãos colegiados superiores, secundariamente.
Em relação aos seus trabalhadores, a Petrobras é uma empresa com política
de gestão de pessoal definida nacionalmente. Neste sentido, as políticas sala-
riais, de benefícios extra-salariais, de segurança e meio ambiente bem como as
de qualificação, de previdência, de treinamento e de terceirização expressam
um planejamento centralizado e construído a partir da sede da empresa.
Para permitir um conhecimento mais aprofundado sobre a empresa e seus em-
pregados, destacam-se os dados apresentados no site da estatal, a partir de informa-
ções agrupadas nacionalmente. Esses dados também foram coletados nos Balanços
Sociais e Ambientais (BSA) da Petrobras. Os BSA possuem um detalhado conjunto
de informações sobre: perfil dos empregados, da empresa, das práticas empresariais,
dos investimentos, dos projetos sociais e os voltados à preservação ambiental, etc.
Os sumários dos BSA da empresa permitem uma visão esclarecedora das ações.
Em todos os anos, a partir de 2000, são apresentados os seguintes temas e assuntos:
mensagem do presidente, a Petrobras, seu perfil, desempenho, principais indicado-
res e os princípios/valores organizacionais da estatal. Esses princípios institucionais
são focados nos direitos humanos, trabalho, meio ambiente e transparência.
Em todos os anos, nos BSA , a partir de 2000 são apresentados os temas
tratados com detalhamento de dados . Neste sentido, no que se refere aos prin-
cípios presentes nos balanços, estes são em número de dez e se distribuem nas
áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e transparência.
Atentamos, particularmente, para aqueles relacionados ao trabalho. Eles es-
tão focados na crítica à prática do trabalho infantil, ao trabalho compulsório e
escravo, à valorização da liberdade de associação, ao direito à negociação co-
letiva e a favor da eliminação da discriminação ao empregado e ao cargo. Este
último princípio é mais destacado, pois é definido o que a empresa entende por
combater a discriminação ao empregado e ao cargo:

De acordo com o código de ética da companhia na relação com seus


empregados, o sistema Petrobras compromete-se a “respeitar e promover

80
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

a diversidade e combater todas as formas de preconceito e discriminação,


por meio de política transparente de admissão, treinamento, promoção na
carreira, ascensão a cargos e demissão. Nenhum empregado ou potencial
empregado receberá tratamento discriminatório em consequência de sua
raça, cor de pele, origem étnica, nacionalidade, posição social, idade, re-
ligião, gênero, orientação sexual, estética pessoal, condição física, mental
ou psíquica, estado civil, opinião, convicção política, ou qualquer outro
fator de diferenciação individual (Petrobras, 2006, p.77).

No código de ética aludido acima, a empresa discorre sobre os princípios


pelos quais se dá a interação da estatal com as contratadas e, consequentemen-
te, com os empregados das terceirizadas:

Código de Ética - Relações com Fornecedores, Prestadores de Serviços e


o Sistema Petrobras 1. Disponibilizar para os empregados de empresas pres-
tadoras de serviços e para os estagiários do Sistema Petrobras, quando em
atividade em suas instalações, as mesmas condições saudáveis e seguras no
trabalho oferecidas aos seus empregados, reservando-se o direito de gestão
do conhecimento e de segurança da informação do Sistema. 2. Requerer das
empresas prestadoras de serviços que seus empregados respeitem os princí-
pios éticos e os compromissos de conduta definidos neste Código, enquanto
perdurarem os contratos com as empresas do Sistema. 3. Selecionar e con-
tratar fornecedores e prestadores de serviços baseando-se em critérios estrita-
mente legais e técnicos de qualidade, custo e pontualidade, e exigir um perfil
ético em suas práticas de gestão e de responsabilidade social e ambiental,
recusando práticas de concorrência desleal, trabalho infantil, trabalho força-
do ou compulsório, e outras práticas contrárias aos princípios deste Código,
inclusive na cadeia produtiva de tais fornecedores (PETROBRAS, 2007. Dis-
ponível em: <www.Petrobras.com. br>. Acesso em: 23. fev. 2008).

Os dados apresentados, a seguir, evidenciam que o princípio número um des-


ta proposta de relacionamento está distante de ser efetivado, visto que a segmen-
tação objetiva, a situação contratual distinta e as condições inferiores de trabalho

81
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

– no caso dos terceirizados – são uma realidade persistente até então. Neste sen-
tido, são utópicas as considerações do código sobre “as mesmas condições sau-
dáveis e seguras no trabalho oferecidas aos seus empregados”. Por outro lado, o
princípio da reserva do direito à gestão de conhecimento e sigilo de informações
do sistema não se concretiza como política da estatal. Bastando, para reforçar
esse argumento, enfatizar o recente extravio de computadores, pen drives e note-
books com informações sigilosas sobre os novos campos de petróleos descobertos
na região de Santos. Portanto, a vulnerabilidade da terceirização na estatal tem
neste recente caso, uma expressão de desconstrução/relativização do princípio 1
do código de ética no que se refere às contratadas e seus empregados.
Investigando o discurso presente sobre trabalho e terceirização nos Balanços
Sociais e Ambientais (BSA), no período 1997-2006 da estatal, percebemos que, a
partir de 2000, os dados sobre trabalhadores terceirizados na estatal começaram a
ser apresentados. Paralela a esta questão, parece evidente que o tipo de equidade
defendida como princípio contra a discriminação no trabalho são os de: gênero,
racial e em relação aos portadores de necessidades especiais da estatal. Existe até
o BSA de 2005, um relativo silêncio no que se refere à visão do documento acerca
dos terceirizados da companhia. Esta omissão é rompida no relatório de 2006:

A Petrobras possui 176.810 trabalhadores terceirizados e 686 estagiários.


O Código de Ética da Petrobras possui um conjunto de disposições específi-
cas para as relações com fornecedores, prestadores de serviços e estagiários.
Nele, o Sistema Petrobras compromete-se a disponibilizar para os emprega-
dos de empresas prestadoras de serviços e para seus estagiários, durante suas
atividades, as mesmas condições de saúde e segurança no trabalho oferecidas
a seus empregados. A Petrobras exige que todas as empresas contratadas ofe-
reçam cobertura de plano de saúde para seus trabalhadores e dependentes.
Os trabalhadores terceirizados não têm acesso aos mesmos benefícios dos
empregados. A eles são oferecidos os direitos e as vantagens disponibilizados
pelas empresas prestadoras de serviços. Não cabe à Petrobras negociar plano
de cargos e salários de seus fornecedores. A Companhia seleciona e contrata
fornecedores e prestadores de serviços com base em critérios estritamente
legais e técnicos de qualidade, custo e pontualidade. No entanto, exige um

82
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

perfil ético em suas práticas de gestão e de responsabilidade social e am-


biental. Instalações físicas e eventos internos, como apresentações culturais e
acontecimentos comemorativos, são espaços de integração entre empregados
e trabalhadores terceirizados (PETROBRAS, 2006, p. 83).

Notamos um discurso defensivo acerca dos problemas dos empregados tercei-


rizados: “os trabalhadores terceirizados não têm acesso aos mesmos benefícios dos
empregados”. Para, em seguida, afirmar “O Sistema Petrobras compromete-se a
disponibilizar para os empregados de empresas prestadoras de serviços e para seus
estagiários, durante suas atividades, as mesmas condições de saúde e segurança no
trabalho oferecidas a seus empregados”. Por ora, os dados expostos desconstroem o
discurso em relação às condições equivalentes de trabalho no interior da empresa.
A partir deste momento, serão apresentados dados sobre a segmentação obje-
tiva que desestimulam a crença na definição institucional de incentivo a um trata-
mento igualitário nas dependências da empresa. Os primeiros dados mencionados
referem-se à segurança no trabalho. Nestes, estão demonstrados a desigualdade
de acesso a uma jornada segura de trabalho para o caso dos terceirizados:

GRÁFICO 4 – NÚMERO DE FATALIDADES –


EMPREGADOS X TERCEIRIZADOS - 2002-2006

Fonte: Petrobras, 2006, p.62

83
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

O jornal “O Globo” (20 de julho de 2003, p. 37) publicou uma longa ma-
téria de uma série intitulada: “A Terceirização que mata”. Vale a pena observar
algumas informações:

As estatísticas mostram que o trabalho é mais perigoso para os


terceirizados, como O GLOBO vai mostrar a partir de hoje na série
“A terceirização que mata”. Das 133 vidas perdidas a serviço da Pe-
trobras de 1998 até agora, 102 foram de terceirizados, ou seja, 76%,
segundo a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a própria estatal.
Este ano, houve dez mortes — só uma de funcionário da Petrobras.
(...) No Ministério do Trabalho, a Petrobras encabeça a lista de irregu-
laridades. Entre janeiro de 2001 e maio deste ano, foram constatadas
350 infrações, todas nas prestadoras de serviço. A estatal foi autuada
182 vezes por falta ou erro no registro em carteira dos trabalhadores
das terceirizadas. As 146 restantes são por falta de equipamento de se-
gurança, condições insalubres e descumprimento de acordos coletivos
pelas contratadas da Petrobras. A média anual de óbitos por acidente
de trabalho, de 1995 a 2002, é de 5,1 entre os efetivos da companhia.
Entre os terceirizados, sobe para 16,37. Segundo Seidel [dirigente
da FUP], a rotatividade e o baixo treinamento levam o terceirizado
a se acidentar. (...) O enxugamento do quadro da estatal foi um dos
motivos do crescimento da terceirização na empresa. Em 1995, eram
46.226 petroleiros. Em 2002, 34.520. Enquanto isso, a produção de
óleo passou de 716.160 barris de petróleo/dia para 1,5 milhão. Se-
gundo a FUP, são 80 mil terceirizados na Petrobras hoje. A estatal
não informou esse número, mas diz que tem contrato com cinco mil
empresas (ALMEIDA, DOCA, ORDONEZ, 2003, p. 37).

Desta forma, os dados do gráfico 4 revelam um decréscimo das taxas de


fatalidades na empresa entre 2002 e 2006, e uma equivalência em relação
ao número de fatalidades de empregados e contratados em 2005. Contem-

84
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

plando os dados obtidos pelo “O Globo”, o número de óbitos por acidentes


nos locais de trabalho da empresa para os petroleiros é de 5, 1; Para os
terceirizados, 16, 3. Portanto, três vezes mais mortes acontecem entre os
subcontratados. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) contribuiu para
relativizar os dados sobre acidentes e fatalidades presentes nos BSA da em-
presa. Nesta direção, é real a possibilidade da subnotificação de acidentes
de trabalho e de fatalidades na estatal, de acordo com esta notícia coletada
no site da Federação Única dos Petroleiros (FUP):

De quem é o morto? O jogo de empurra por trás dos indicadores


de acidentes na Petrobras. A Transpetro enviou nota à FUP, contestan-
do as informações sobre o acidente fatal ocorrido com o operador de
escavadeira, José Oliveira Silva, da empresa AS/Etesco, no dia 16/10,
no Amazonas. A matéria, publicada na edição 824 do boletim Primeira
Mão, divulgou informações da Gerência de Engenharia da Petrobras,
que declarou que o operador se acidentou quando realizava um serviço
para a Transpetro, sem PT e sem APR, o que contraria as normas de
segurança da Petrobras. A subsidiária contradiz a informação da Enge-
nharia, na nota enviada à FUP: ‘Na realidade, no momento do acidente,
a escavadeira se deslocava de uma obra da Engenharia da Petrobras
e ainda não tinha se apresentado no local solicitado pela Transpetro.
Informamos que já foi aberta uma comissão interna para apurar as cau-
sas do acidente, com a participação do Sindipetro/Amazonas’, informa
a Transpetro. Ou seja, para não comprometer as metas que buscam a
qualquer custo o fictício placar de acidente zero, a Engenharia da Pe-
trobras e a Transpetro tentam se eximir da responsabilidade dos fatos,
através de um imoral jogo de empurra, onde o que menos importa é a
tragédia vivida pelo operador, que morreu afogado, preso no interior
da escavadeira, que tombou em um lago, nos arredores de Manaus. A
Transpetro diz que foi acidente de percurso. A Engenharia afirma que
o operador estava a serviço da subsidiária. E a categoria se pergunta:

85
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

quem será a próxima vítima do descaso da Petrobras com a vida dos


trabalhadores? Nos últimos quatro anos, 65 petroleiros morreram em
acidentes na companhia, dos quais 61 eram de empresas terceirizadas.
Assim, como José Oliveira Silva, cuja morte ninguém quer se responsa-
bilizar (DE QUEM É O MORTO, 2007).

Os dados da Petrobras, apresentados no gráfico 4, totalizam cerca de


80 acidentes fatais, sendo 08 com empregados e 72 com terceirizados entre
2002 e 2006.
Em um estudo feito pelo DIEESE (2006) sobre terceirização na Petrobras,
os seguintes dados são expostos em relação à diferença no número de acidentes
fatais entre terceirizados e trabalhadores da estatal:

Tabela 17 - Acidentes fatais entre trabalhadores


efetivos e terceirizados da Petrobras – 1998 a 2005

(Em números absolutos)

Ano
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Efetivos Petrobras 4 1 4 12 3 3 3 0
Terceirizados 22 27 14 18 18 11 14 13
Total 26 28 18 30 21 14 17 13
Fonte: FUP e Petrobras

Existe, em alguns anos do período comparável entre o gráfico 4 e a ta-


bela 17 - 2002-2005 - um conflito de dados em relação a acidentes fatais,
quando se contrapõem os dados disponíveis para o Dieese com os dos BSA
da empresa.
Deste modo, se caracteriza a questão dos acidentes e fatalidades na estatal
como uma realidade mais presente entre os terceirizados do que entre os em-

86
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

pregados da empresa. Neste sentido, uma primeira diferenciação/segmentação


objetiva foi apresentada .
Quanto ao contingente de empregados em 2002, a Petrobras contabilizava
o seguinte conjunto de funcionários próprios por estado:

QUADRO 2 – EMPREGADOS DA PETROBRAS


POR ESTADO NO BRASIL – 2002

Fonte: Visão Geral da Petrobras, 2002. In: www.Petrobras.com. br. Acesso 25.10.2007.

Nos dados fornecidos, de 2002, de empregados por estado, a empresa reve-


la as três unidades da federação com maior contingente: Rio de Janeiro, Bahia
e São Paulo.
Em relação aos empregados da estatal, os dados de 2006 do BSA indicam o
seguinte perfil no Brasil e no exterior:

87
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

TABELA 18 - Número de Empregados da Petrobras no Brasil e Exterior

(Em números absolutos)

Trabalhadores
Número de empregados por país ou região
Brasil – Petrobras Controladora 47 .955
Norte 1.160
Nordeste 11.978
Centro-Oeste 87
Sul 1.673
Sudeste 33.057
Brasil – subsidiárias (valor total) 7.454
Países da área internacional
Angola 15
Paraguai 116
Uruguai 284
Argentina 5.128
Bolívia 841
Colômbia 274
Nigéria 21
EUA 164
Líbia 14
Total da área internacional 6.857
Total de empregados 62.266
Fonte: Petrobras, 2006, p. 18

A região sudeste tem o maior número de empregados, 33.057, seguida pelo


nordeste que ocupa a segunda colocação com 11.978. Se for deduzido o total
de empregados da estatal no exterior, 6.857, o total de trabalhadores no Brasil
é de cerca 57 mil empregados . Este conjunto de dados sugere a internacionali-
zação da empresa nos últimos tempos, visto que mais de 10% dos empregados
da estatal trabalham no exterior. A Argentina é, com 5. 128 funcionários, o
país com maior número de empregados da estatal no exterior. Por este motivo,

88
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

a partir de 2003, é frequente a denominação da empresa como uma empresa


internacional de energia: “O desafio é a nossa energia” é seu lema midiático.
A redução do número de efetivos foi bastante acentuada, durante os últimos
15 anos, como se pode verificar a seguir:

GRÁFICO 5 – EVOLUÇÃO EFETIVO PETROBRAS – 1989-2007

Fonte Disponível em: <www.petrobras.com.br. Acesso em: 15.09.2007>

Em 2001, a estatal tinha, em seus quadros, 32.809 empregados próprios, o


menor número desde sua fundação e quase a metade do quadro de empregados
do ano de 1989. Por sua vez, entre 2001 e 2006 ocorreu a recuperação de 15
mil empregos na estatal devido à realização de concursos públicos.
Em recente matéria publicada no jornal “Folha de São Paulo”, a empresa
informa sobre a política de contratação de pessoal nos próximos anos:

Petrobras contrata mais de 5.000 no primeiro semestre


A Petrobras contratou no primeiro semestre deste ano 5.235 novos pro-
fissionais, número quase três vezes maior do que o total de pessoas admi-

89
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

tidas pela empresa em 2005. Até dezembro, a meta é chegar a 7.000. A


justificativa dada pela empresa é que esse aumento se deve às metas de
produção que constam em seu plano de negócios para o período 2007-
2011. A empresa quer chegar a 2011 com um quadro de 59,5 mil profis-
sionais -hoje são aproximadamente 45 mil - produzindo 2,374 milhões de
barris de óleo por dia, 500 mil a mais do que a meta para o fim deste ano.
A direção da Petrobras está apostando firme em recursos humanos porque
considera que esse é um fator crítico no plano de negócios 2007-2011 e
no plano estratégico que vai até 2015, explicou a gerente de Planejamento
de Recursos Humanos da empresa, Mariângela Santos Mundim. De acor-
do com ela, a estatal passou uma década inteira sem fazer processos de
seleção, sofrendo com as aposentadorias, e, agora, precisa “recuperar o
tempo perdido”. Entre 1990 e 2000, o total de empregados caiu de cerca
de 55 mil para 34 mil, mas entre 2002 e 2006, ou seja, durante o governo
Lula, a admissão na empresa teve uma alta de 33%. O tamanho das subsi-
diárias e a terceirização também acompanharão o crescimento. Mundim,
no entanto, não divulgou suas previsões nessa área. Informou apenas que,
hoje em dia, a Petrobras conta com 136 mil profissionais terceirizados e
14 mil em subsidiárias. Segundo ela, a idade média entre os novos con-
tratados é de 28 anos, ante 42 da empresa inteira, e a maioria deles atuará
na bacia de Campos (RJ), na bacia de Santos (SP) ou no Espírito Santo.
O salário inicial oferecido pela Petrobras se mantém estável. Atualmente,
é de R$ 3.330 para profissionais de nível superior e de R$ 1.150 para
operadores. “Faremos um investimento de US$ 87 bilhões até 2011 e, até
2015, devemos ter 62 mil empregados”, ressaltou a gerente da empresa
(PETROBRAS CONTRATA, 2006).

Assim, ao contingente de 2005 foram acrescidos 5.235 novos empregados


em 2006, uma vez que a meta é chegar, segundo a dirigente, a 7.000 ainda em
2006. É razoável supor, entretanto, que esse crescimento – do contingente dos
empregados próprios – não se deve somente a estratégia de negócio da empre-
sa, mas também às ações políticas dos sindicatos e do Ministério Público do

90
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Trabalho, devido às denúncias e aos termos de ajuste de condutas – impostos


pelo Ministério Público - acerca do processo de terceirização desenfreado na
companhia nos últimos anos. Portanto, é uma reorientação estimulada mais
pelo conjunto de instituições políticas e jurídicas do que pela versão da empresa
apresentada à imprensa.
No período 2003-2006, durante o governo Lula, ocorreu uma recupera-
ção de postos de trabalho dos diretamente contratados, todavia não é possível
esquecer o crescimento, no mesmo período, do contingente de trabalhadores
terceirizados. Neste sentido, não há uma redução da terceirização ou um pro-
cesso de primeirização, mas um movimento inverso. Em relação aos empregos
diretos, estes foram bastante reduzidos no período 1990-2003 (Gráfico 5).
Quanto à distribuição por tipo de cargo e emprego, os dados revelam que os dois
setores com maior contingente de empregados da estatal são os de apoio operacional
e os de exploração, fluídos, operação e xisto: 13.379 e 12.400, respectivamente:

Tabela 19 - Número de empregados da Petrobras


Controladora distribuídos por cargo e tipo de emprego

(Em número absolutos)


Nível Superior 14.809
Nível Médio 33.146
Exploração/Fluidos/Operação/Xisto 12.400
Dutos/Transporte Marítimo/Movimentação da Produção 2
Apoio Operacional 13.739
Apoio Administrativo 6.112
Suprimento 12
Marítimo 881
TOTAL 47.955
Fonte: PETROBRAS, 2006, p. 71

Em relação à escolaridade dos empregados, a empresa apresenta os se-


guintes dados:

91
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

GRÁFICO 6 – ESCOLARIDADE DOS TRABALHADORES PETROBRAS – 2007

Fonte: www.petrobras.com.br. Acesso em 10.09.2007

Em 2006, um expressivo número de trabalhadores com ensino médio estava


ligado a dois setores, o de apoio operacional e exploração, fluído, operação e
xisto. Destaca-se, entretanto, que 39% do contingente possui o nível superior.
Em relação ao conjunto de empregados do sexo feminino, os dados expres-
sam a seguinte composição:

Tabela 20 - Percentual de mulheres na Petrobras (Em %)

2004 2005 2006


Petrobras Controladora 12,4 12,6 13,9
Petrobras Distribuidora 22,16 22,51 22,87
Transpetro 7,36 7,83 8,96
Fonte: PETROBRAS, 2006, p. 82

92
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Na Petrobras Controladora, o percentual feminino é de 12, 4%, em 2004, existindo


um discreto crescimento, no ano de 2006, para 13,9%. Na Distribuidora da estatal, por
sua vez, há um percentual maior de mulheres: 22,16%,em 2004, e 22,87%, em 2006.

Tabela 21 - Percentual de mulheres em relação


ao total de cargos disponíveis em 2006 na Petrobras (Em %)

Cargos executivos Coordenação e chefia


Petrobras Controladora 12 12,4
Petrobras Distribuidora 23,1 19,1
Transpetro 0 2
Fonte: PETROBRAS, 2006, p. 82

No tocante à participação das mulheres em cargos de coordenação, chefia e


cargos executivos há um percentual, maior na Distribuidora do que na Contro-
ladora. Todavia, a participação feminina não ultrapassa um quarto do conjunto
de homens nas mesmas posições em 2006.
Outros dados revelam a composição dos empregados por gênero, etnia,
geração e ocupação nos cargos de chefia:

Tabela 22 - Indicadores do Corpo Funcional da Petrobras em 2005 e 2006

Indicadores 2006 2005


Nº. de empregados (as) ao final do período 62.266 53.933
Nº. de admissões durante o período (III) 7.720 1.806
Nº. de empregados (as) terceirizados (as) 176.810 155.267
Nº. de estagiários (as) (IV) 686 560
Nº. de empregados (as) acima de 45 anos (IV) 20.007 17.521
Nº. de mulheres que trabalham na empresa (IV) 6.664 5.116
% de cargos de chefia ocupados por mulheres (IV) 12,40% 10,70%
Nº. de negros (as) que trabalham na empresa (V) 2.339 2.339
% de cargos de chefia ocupados por negros (as) (V) 3,10% 3,10%
Nº. de portadores (as) de deficiência ou necessidades Especiais (VI) 1.009 1.298
Fonte: Petrobras, 2006, p. 132

93
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Em 2006, o conjunto dos empregados classificados como negros representava


somente 4% do total de funcionários da Petrobras . As mulheres, analisadas anterior-
mente, expressam 10% da força de trabalho da empresa e mais de 20.000 emprega-
dos têm mais de 45 anos, em 2006. Estes dados permitem traçar o perfil hegemônico
dos trabalhadores da estatal: masculino, não negros e com 30% acima de 45 anos de
idade. Por seu turno, o número de terceirizados cresceu 20 mil entre 2005 e 2006
(Cf. Tabela 23). Por fim, o número de estagiários é relativamente pequeno, represen-
tando pouco mais de 1% do total de trabalhadores: 686 em termos absolutos.
Apresentados os dados sobre os empregados próprios da estatal, analisamos
a partir deste momento, os dados referentes ao processo de terceirização. Estas
informações também são disponibilizadas pela empresa nos relatórios anuais
e balanços sociais e ambientais do período 2000-2006. No período anterior a
2000, encontram-se, no sítio da estatal, os balanços sociais e relatórios anuais a
partir do ano de 1997, ainda que, nos anos de 1997, 1998 e 1999, não existis-
sem informações acerca da quantidade de terceirizados na empresa.
São esses os números, em todo território nacional, de terceirizados (2000-2006):

GRÁFICO 7 - EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE


TRABALHADORES TERCEIRIZADOS NA PETROBRAS (2000-2006)

Fonte: Elaboração do Autor com base nos BSA Petrobras (2000, 2001, 2002, 2003, 2004,2005 e 2006).

94
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Neste contexto, cabe enfatizar a dualização do mercado de trabalho no inte-


rior da Petrobras. Para Castel (1998), constitui-se um núcleo de trabalhadores
protegidos socialmente tendo em sua margem, operários em situações de vul-
nerabilidade e desfiliação social.
Ademais, segundo o mesmo autor, “desfiliação” é uma categoria utilizada
como substitutiva da noção de exclusão, visto que este termo é determinista
ao mesmo tempo em que não esclarece a contento a vulnerabilidade social. O
autor propõe um enriquecimento da análise sobre os mecanismos promotores
da desigualdade social por meio da atribuição de novas categorias para compre-
ensão da realidade social em um contexto de reestruturação, em seus termos,
da sociedade salarial: inclusão, vulnerabilidade e desfiliação.
Castel enfatiza que os trabalhadores periféricos – aqueles entregues à conjuntu-
ra – são mal percebidos pelos acadêmicos e estudiosos do trabalho em fins dos anos
70. A situação começa a despertar interesse, no que se refere ao seu estudo, com o
crescimento de pesquisas sobre a precariedade na França. Deste modo, o enfraque-
cimento da condição salarial, segundo o autor, é a questão social na atualidade.
Castel (1998) faz uma análise histórica do aumento da precariedade, fle-
xibilização e fratura da sociedade salarial, a partir da década de 70 do século
passado, para o caso francês.
As principais evidências do chamado “enfraquecimento da condição salarial”
são: a retração do crescimento, fim do quase pleno emprego e o fortalecimento do
conjunto de trabalhadores inempregáveis. Deste modo, estes são denominados, a
partir de então como “os supranumerários ou inúteis para o mundo”. Enfatizar
essa precarização, segundo Castel (1998), permite compreender os processos que
alimentam a vulnerabilidade social e produzem o desemprego e a desfiliação, sen-
do, na atualidade, um equívoco classificar essas formas de contrato como atípicas:

O desemprego não é uma bolha que se formou nas relações de tra-


balho e que poderia ser reabsorvido. Começa a tornar-se claro que a pre-
carização do emprego e do desemprego se inseriram na dinâmica atual
da modernização. São as consequências necessárias dos novos modos de
estruturação do emprego, a sombra lançada pelas reestruturações indus-
triais e pela luta em favor da competitividade – que, efetivamente, fazem
sombra para muita gente (op. cit, p. 516).

95
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Em relação à Petrobras, a dualização se manifesta ao analisar o gráfico 7


em contraposição ao dos empregados diretos, apresentado anteriormente. En-
quanto a linha do gráfico dos terceirizados é em linha diagonal crescente, a dos
empregados da empresa representaria um pêndulo ou curva descendente.
No ano de 2000, a empresa detinha em seus postos de trabalho, 32 mil empre-
gados e contabilizava 41 mil terceirizados. Em 2006, para quase 48 mil empregados
diretos, existem 174 mil terceirizados. Estes dados parecem confirmar a tese de
Castel (1998) segundo a qual o trabalho terceirizado deixou de ser uma modalidade
atípica para ser constituinte do núcleo central do mercado de trabalho na atualidade,
ou seja, a dualização na empresa é expressiva. Em outra dimensão, é possível con-
cordar com a noção de uma “precarização estrutural do mercado de trabalho”.
No que concerne à visão sindical sobre a terceirização, apresentamos a vi-
são da FUP, em estudo do Dieese (2006). Neste são expostos dados em relação
à terceirização na Petrobras e no que diz respeito aos empregados próprios da
empresa. Esta pesquisa oferece informações para um período mais extenso do
que o adotado nesta obra, mas cotejadas as duas fontes, é possível alcançar
o mesmo resultado: decréscimo do contingente em empregados próprios da
estatal e crescimento dos contratados terceirizados:

GRÁFICO 8 – EVOLUÇÃO DO EFETIVO E


DOS TERCEIRIZADOS – PETROBRAS 1995 - 2005

Fonte: (DIEESE, 2006, p.13)

96
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Em relação às consequências da terceirização são evidenciadas, no estudo,


as opiniões da FUP sobre o problema. Segundo Dieese (2006), a FUP, declara
existir: fraudes trabalhistas, alojamentos precários, falta de garantia no empre-
go, ausência de garantia de integridade física, acidentes, mutilações, mortes e
superexploração. Na visão da Federação, são consequências da terceirização
para a estatal: “baixa confiabilidade dos serviços, disputas judiciais, focos de
corrupção, perda do ativo do conhecimento, desgaste da imagem, perda de
mercado”. Para a sociedade, a FUP destaca como consequências do processo:
agressões ambientais a comunidades vizinhas, empobrecimento dos trabalha-
dores e concentração de renda (DIEESE, 2006, p.14).
Neste sentido, todos perdem com a intensificação da terceirização. A visão
da FUP sobre as consequências para os trabalhadores estão circunscritas à “de-
gradação e erosão dos direitos trabalhistas” e das condições de trabalho.
O Dieese (2006) apresenta, neste mesmo estudo, algumas propostas da
FUP para lidar com esta questão. As ações denominadas imediatas são: corrigir
as ilegalidades, não contratar aposentados e repor efetivos nas áreas de saúde e
segurança industrial. Entre as ações de curto prazo se encontram a eliminação
da terceirização na operação, manutenção, tecnologia da informação e outros
setores estratégicos. Ressalte-se a necessidade de concurso público para pre-
enchimento de todas essas vagas. Em seguida a de médio prazo se resume à
substituição da mão de obra contratada indiretamente nos postos de trabalho
ligados às atividades permanentes da empresa (DIEESE, 2006, p.14).
No plano reivindicativo, o objetivo é, em longo prazo, estancar o processo de
subcontratação na atividade-fim na empresa, contudo, o estudo vislumbra que
outros setores podem continuar com mão de obra terceirizada. Todavia, não são
definidas as atividades permanentes e temporárias, o que acaba por caracterizar
relativa confusão acerca do próprio fenômeno que pretendem combater.
Martins (1994), também aborda a atuação dos sindicatos frente à terceirização,
bem como os impactos desta no movimento sindical. A autora argumenta que os
sindicatos têm produzido significativos materiais no tocante à terceirização. Os
documentos expressam que os sindicatos têm procurado negociar e interferir nas
estratégias de externalização de atividades implementadas pelas empresas no país.

97
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Para a autora, os principais problemas gerados pela terceirização para o


movimento sindical são: a degradação das condições de trabalho, redução das
conquistas sindicais, diminuição dos números de empregos e uma ‘guerra de
conhecimento’ em torno da organização do processo industrial. Martins (1994)
enfatiza, ainda, a necessidade que o movimento sindical tem de ampliar o conhe-
cimento sobre o processo de trabalho. E esta ampliação não pode se restringir à
experiência dos trabalhadores com a externalização de atividades, portanto, os
sindicatos devem investir no conhecimento científico sobre a subcontratação.
Ainda segundo a autora, as experiências de terceirização têm permitido perce-
ber, discursos no meio sindical e entre os trabalhadores sobre a inevitabilidade do
processo. Nesta acepção, faz emergir um ideário sindical moldado por uma lógica
de negociação em detrimento de uma práxis sindical mais conflituosa. Esta mudan-
ça tem influenciado a forma de ação coletiva dos sindicatos frente ao processo de
reestruturação industrial. Segundo a autora, o grande dilema vivido pelos sindicatos
– nesta fase – é a dificuldade em estabelecer uma bandeira da igualdade, no atual
contexto de heterogeneidade, entre os trabalhadores, já que esta realidade vem sen-
do reforçada/fomentada pelo crescimento da terceirização (MARTINS, 1994).
Por outro lado, a FUP enfatiza que as consequências da terceirização são
nefastas para os trabalhadores. Focando a investigação nos terceirizados, é
apontada, pelo Dieese (2006, p.11), a questão da baixa qualificação dos tercei-
rizados da empresa:

Outro ponto que a própria companhia reconhece como frágil nos con-
tratos de terceirização é a baixa qualificação dos trabalhadores terceiros.
Anísio José da Silva Araújo, em sua tese de doutorado em Saúde Pública,
Terceirização e segurança dos trabalhadores em uma refinaria de petróleo,
aponta que os terceirizados também reconhecem a necessidade de uma
melhor qualificação para atuar no setor de petróleo. No entanto, do ponto
de vista pessoal, a falta de tempo, devido às longas jornadas de trabalho
e a falta de recursos para financiar as despesas com a formação, prati-
camente inviabilizam as iniciativas individuais de qualificação. Do lado
das empresas terceiras, a política de contratação da Petrobras pelo menor
preço, assim como a curta duração dos contratos, dois anos em média,

98
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

contribuem para inviabilizar/desmotivar uma política de qualificação dos


seus contratados. Além destes fatos, a realidade tem demonstrado que
a terceirização, especialmente quando realizada em contexto recessivo
(como é o caso do Brasil nas duas últimas décadas e meia), provoca dimi-
nuição do emprego, precarização das relações de trabalho e preconceitos
em relação ao trabalhador terceirizado.

Conforme este estudo do Dieese, a Petrobras peca, em sua política de ter-


ceirização, devido à busca pelo baixo preço e de custo dos serviços das pres-
tadoras. Por isso, são apontadas pelas contratadas como os principais motivos
para explicar o desinteresse em investir em qualificação dos seus empregados:
a rotatividade e os contratos temporários.
O número de terceirizados em 2006 alcança nível recorde, 176 mil (Gráfico
7). No ano de 2005, a empresa revela, pela primeira vez, como os subcontrata-
dos estão divididos no seu interior:

Tabela 23 - Contratados Petrobras Holding Brasil

( Em números absolutos)
Contratados por tipo de serviço
Serviços de Manutenção Industrial de rotina para apoio direto à
operação (inclui serviços de manutenção, inspeção de equipamentos, 28.571
materiais e SMS).
Serviços Complementares de Rotina para apoio à Operação
(inclui serviços de alimentação, hotelaria, segurança patrimonial, 34.360
transportes, TI, manutenção predial e limpeza)
Serviços de Apoio Administração (inclui serviços de apoio
19.130
administrativo de qualquer natureza)
Serviços Técnicos em Paradas de Manutenção Industrial (inclui
2.534
serviços de manutenção em paradas programadas ou não).
Serviços Técnicos de Obras e Montagem ( inclui serviços de
obras e montagens de ampliação e modificação de instalações 155.267
existentes e construção de novas instalações).
Fonte: Petrobras, 2005

99
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Dos 155.267 terceirizados da Petrobras em 2005, quase 100 mil trabalham em


serviços de manutenção que são classificados como de “apoio direto à operação e ser-
viços técnicos de obras e montagem”. Esse conjunto de dados acerca dos subcontrata-
dos revela que 2/3 estão ligados à manutenção, montagem e serviços de construção.
No BSA de 2002, por exemplo, a estatal do petróleo já informa o percentual
de trabalhadores terceirizados sobre o total de empregados próprios, demons-
trando a “precarização estrutural:

QUADRO 2 – INFORMAÇÕES SOBRE


PERCENTUAL DE TERCEIRIZADOS NA ESTATAL - 2002

Fonte: Petrobras, 2002.

Aquela razão que era de 64% de terceirizados na empresa em 2001 alcan-


ça 75% no ano de 2002. Ademais, outra informação interessante presente no
quadro 2 diz respeito à questão da resposta dada pelo responsável pelos dados,
à seguinte questão: integra os trabalhadores terceirizados nos seus programas
de treinamento e desenvolvimento profissional? Acima, a informação em 2001
é preenchida afirmativamente, com um ponto preto, o mesmo não ocorrendo
em 2002, onde aparece a omissão da resposta. Então, parece ser razoável supor
que esta situação sugere uma negligência sobre o desenvolvimento profissional
do terceirizado que trabalha para a empresa estatal.
Quanto à questão da terceirização na Petrobras, a mídia também se dedicou
a uma profusão de dados, matérias e reportagens, principalmente no período

100
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

dos acidentes ambientais e com empregados da estatal e/ou terceirizados. No


ano de 2001, o acidente da P-36, por exemplo, foi debatido, exaustivamente,
pelos órgãos de imprensa, pelo Congresso Nacional e Justiça do Trabalho. Na
atualidade, a terceirização vem sendo debatida, mais timidamente, na sociedade
brasileira, principalmente, pelo Ministério Público do Trabalho. Assim, ganha-
ram evidência, nos últimos tempos, as críticas deste Ministério ao processo de
terceirização na estatal por intermédio do Procurador Rodrigo Careli . Em uma
entrevista para o jornal Folha Dirigida, de alcance nacional e especializado em
concursos, o Procurador tece as seguintes opiniões:

Petrobras: um poço de irregularidades: 176.810 terceirizados Pe-


trobras, maior empresa estatal brasileira, tem tido a sua imagem arranhada
pela insistência em manter em seus quadros um elevado número de tercei-
rizados. Diante disso o Ministério Público pretende levar questão à Justiça,
em busca de uma solução que detenha esse verdadeiro poço de irregulari-
dades. ‘Infelizmente, a maior estatal brasileira não cumpre a Constituição’,
lamenta o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Rodrigo
Carelli, sobre os 176.810 terceirizados que atuam irregularmente na Petro-
bras em todo o país. Atualmente, o quadro da Petrobras tem apenas 62.166
concursados, segundo informações passadas pela estatal. Segundo o pro-
curador, que também é coordenador nacional de Combate às Fraudes nas
Relações de Trabalho, a empresa não demonstrou interesse em substituir os
terceirizados e, por isso, o MPT recorrerá à Justiça para regularizar a situa-
ção. ‘O Ministério Público quer que o poder judiciário declare a ilegalidade
da situação e que a corrijamos o mais rápido possível’, diz o procurador.
Outro problema apontado por Carelli são as diferentes condições de traba-
lho e de salários entre concursados e terceirizados. Os acidentes de trabalho
e as mortes acontecem com mais frequência entre os terceirizados. Já os
salários costumam ser maiores para os terceirizados que atuam na área
administrativa e de Engenharia (FOLHA DIRIGIDA, 2007).

Nesta reportagem, em que o procurador Rodrigo Carelli critica a postura da


Petrobras no quesito referente à terceirização, a resposta da estatal foi imediata.

101
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Deste modo, foi publicada no mesmo jornal “Folha Dirigida”, nota oficial no
dia 01.11.2007, um dia depois da reportagem:

Nota oficial da Petrobras: Em relação à matéria Petrobras: um poço de


irregularidades: 176.810 terceirizados, publicada no Jornal Folha Dirigida
do dia 30 de outubro, a Petrobras informa que: A Companhia segue rigo-
rosamente a lei e, ao contrário do que disse o promotor, sempre cumpriu a
Constituição. A Petrobras, sociedade de economia mista cumpre fielmente
os princípios estabelecidos constitucionalmente à administração pública de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade eficiência. O disposto
no artigo 37, inciso 2, da Constituição Federal de 88, estabelece que o in-
gresso na administração pública indireta está condicionado à realização de
processo seletivo público, sempre para atendimento de suas necessidades
operacionais. Somente nos últimos cinco anos a Companhia já admitiu,
através de concurso público, cerca de 21 mil empregados. Em 2007 foram
aproximadamente 2.500 admissões. Destaca-se que o Plano de Negócios
da Companhia prevê investimentos da ordem de US$ 112,4 bilhões, no
período de 2008 a 2012. É natural que com a expansão da Companhia, au-
mente a necessidade de contratação. É importante esclarecer que a Petro-
bras não contrata mão-de-obra e sim serviços. Apesar de não ter ingerência
na relação entre as prestadoras e seus empregados, todos os contratos são
firmados com base nas políticas de responsabilidade social e de segurança,
meio ambiente e saúde da empresa. Todos os fornecedores e prestadores de
serviço, quando assinam contrato com a Petrobras, comprometem-se a res-
peitar as normas administrativas da Companhia. Ao contrário do que diz a
matéria, a Petrobras nunca se mostrou refratária às negociações. A empresa
já realizou três reuniões com o Ministério Público que, segundo a matéria,
rompeu as negociações de forma unilateral. A Petrobras lamenta essa deci-
são e reforça que sempre esteve aberta ao diálogo (PETROBRAS, 2007).

Parece que esta nota oficial da estatal sinaliza algo presente no estudo de Sca-
letski (2003) sobre a gestão do trabalho na Petrobras, em uma perspectiva históri-

102
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

ca: a “bifacialidade” do discurso da empresa e sua equipe gerencial acerca de seu


papel na sociedade. Ora, esta é defendida como o maior patrimônio do Brasil, uma
conquista do povo brasileiro, outrora como uma companhia de economia mista,
portanto, permeada por interesses públicos e privados. Conforme o autor:

Esse conflito estrutural entre as duas lógicas nos remete a supor que
se trata de uma variável explicativa relevante para o estudo dos sujeitos
desse processo no interior da empresa estatal, pois se podemos falar da
natureza ambígua do capital público, nada mais certo do que falar tam-
bém em ambiguidade do trabalho e da gestão do trabalho nas estatais.
Nesse sentido podemos apontar que uma das características comuns ao
trabalhador e aos gestores da empresa estatal, e da Petrobras em parti-
cular, é a existência de uma bifacialidade. Uma face que expõe seus inte-
resses privados – que não os distingue de outros grupos de interesse da
sociedade – e outra que expõe seus interesses públicos - dedicada à defesa
da empresa estatal e monopolista e para a qual reserva o papel de falar em
nome da sociedade (SCALETSKI, 2003, p. 10).

É necessário fazer um pequeno reparo a esta interpretação de Scaletski (2003)


de que a estatal não se diferencia em seus interesses privados de outras empresas
nacionais. Como apresentado nos dois primeiros capítulos, a forte presença em
projetos sociais, comunitários e junto aos seus trabalhadores evidencia que os inte-
resses privados são de um tipo diferente, porque ambíguo e multifacetado.
Na nota oficial, os argumentos são expressivos para a constituição da “bifa-
cialidade” da terceirização na estatal. No primeiro parágrafo da nota, a explica-
ção se restringe a ressaltar o caráter legal do uso da terceirização na empresa,
respeitando a Carta Constitucional e lembrando a todos ser esta de economia
mista. Existem contradições acerca desta interpretação visto que a maioria das
empreiteiras são, notadamente, fornecedoras de mão - de- obra, prática proibi-
da como forma de contratação sistemática pela justiça do trabalho.
No segundo parágrafo, os argumentos se voltam para o crescimento da
contratação por intermédio de seleção pública. O terceiro parágrafo afirma que

103
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

a Petrobras contrata “serviços e não mão-de-obra”. Obviamente, esta lembran-


ça cumpre o papel de desconstruir uma das principais conclusões da tese do
referido procurador. Esta se refere à ilegalidade da prática da intermediação de
mão de obra. E a empresa demonstra conhecer esse argumento na medida em
que enfatiza no texto da nota que não desenvolve esta modalidade de contrata-
ção uma vez que – como dito - esta é proibida por lei.
Outros estudos também evidenciam esta ambiguidade na ação da empresa
frente à terceirização e auxiliam na desconstrução do discurso oficial. No es-
tudo do Dieese (2006) acerca da terceirização na Petrobras são apresentados
os motivos, segundo seus gestores, da presença desta prática na estatal. Assim,
novos elementos parecem reforçar o discurso a favor da tese da “bifacialidade”.
Conforme Dieese (2006, p.9):

Documentos internos da Petrobras apontam a terceirização como es-


tratégia de negócios da empresa. Segundo um ex-Diretor-Gerente dos
recursos humanos: ‘a terceirização não pode ser vista apenas como uma
estratégia para redução de custos, mas também como uma aliada indis-
pensável para a conquista de novos mercados. O correto sentido da ter-
ceirização deve ser a busca da vantagem competitiva.’ (Petrobras 2002).
Vários são os argumentos apresentados, dentre os quais a focalização e
a simplificação da gestão. A partir de 2002, mas principalmente a partir
de 2003, a empresa voltou a realizar novos concursos e a absorver novos
trabalhadores. Contudo, o período de dez anos sem contratar provocou
sérias consequências na companhia no que se refere à preservação do
conhecimento institucional. Não obstante a retórica apresentada acima, a
própria empresa reconhece em documentos internos que a quase totali-
dade de seus contratos de terceirização são definidos com base no menor
preço. O DIEESE, já no ano de 2002, alertava para este fato e ilustrava o
mesmo no gráfico.

O gráfico exposto por DIEESE (2006) evidencia outras razões omitidas na


nota apresentada à imprensa pela Petrobras:

104
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

GRÁFICO 9– OPINIÕES GERENCIAIS SOBRE MOTIVAÇÃO


PARA CONTRATAÇÃO DE PRESTADORAS DE SERVIÇO - PETROBRAS

Fonte: (DIEESE, 2006, p. 9)

Neste gráfico, é revelado um motivo sempre omitido nas notas oficiais: o


menor preço fortalece a decisão acerca da prestadora de serviço que deverá
ser vitoriosa. Neste sentido, a nota perde credibilidade quanto cotejada com
a pesquisa feita junto aos seus dirigentes no quesito aludido.
Assim, diversos autores vêm estudando a terceirização na Petrobras e
concluem que este fenômeno representa o imbrincamento entre precariza-
ção, degradação e precarização das condições de trabalho (ARAÚJO, 2001;
GODINHO, 2003; BICUDO, TENÓRIO 2003; SOBRINHO, 2006). Em
outra perspectiva, encontram-se as pesquisas feitas com trabalhadores do
petróleo no momento caracterizado como de forte reestruturação produtiva
com a consequente redefinição da lógica de sua ação política (GIL, 2000;
SILVA, 2005; ROMÃO, 2006).
Alguns estudos debatem a questão da saúde, dos acidentes e da preca-
rização do trabalho em refinarias ou unidades da Petrobras, além da per-

105
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

cepção sobre estes problemas pelos trabalhadores (GIL, 2000; FREITAS;


MACHADO; PORTO; 2000; ARAÚJO 2001).
É preciso sublinhar ainda que os estudos de Moreto (2000) e Freitas (2004)
estão inseridos em uma lógica de investigação notadamente inspirados na pers-
pectiva da administração mercadológica. Não obstante, revelam aspectos im-
portantes sobre a questão: opiniões de gerentes sobre a terceirização e consta-
tações sobre o impacto da terceirização no cotidiano da empresa.
Moreto (2000) elaborou um quadro avaliando a terceirização em uma uni-
dade de negócios da Petrobras, no Espírito Santo, que revelou ser de grande
valia para a análise das imperfeições deste processo:
O estudo feito no próximo quadro (quadro 3), embora não problematize a
terceirização enquanto uma estratégia de precarização e degradação das condi-
ções de trabalho, contudo, firmou apoio para as seguintes conclusões:

Em resumo, identifica-se que, atualmente, as maiores barreiras para


a implantação do processo de terceirização na Petrobras-UN-ES, são as
seguintes: a falta de conscientização dos gestores de contratos para os
benefícios da terceirização. Necessidade de disseminar os conceitos reais
de terceirização. Considerando que para desenvolvimento de parceria não
basta somente fazer uma boa escolha do prestador de serviços, sendo
necessária, também, uma relação de longo prazo, o Manual de Procedi-
mentos Contratuais (MPC) permite a prorrogação do prazo de vigência
do contrato, exigindo como requisitos mínimos: celebração anteriormente
ao encerramento do prazo original do contrato; necessidade de prossegui-
mento da contratação; existência ou previsão de recursos orçamentários
alocados ou a alocar no contrato. Da mesma forma, além da prorrogação
do prazo, o Decreto 2.745/98 permite, também, a celebração de aditivos
que envolvem acréscimos, substituição ou decréscimos de serviços. As-
sim, possibilita que a Petrobras tenha maior dinamismo na gestão de con-
tratos, o que facilita consideravelmente o estabelecimento de parcerias,
em relação às legislações anteriores (MORETO, 2000, p.110).

106
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

QUADRO 3 - ASPECTOS DA TERCEIRIZAÇÃO NA PETROBRAS – UN-ES

Fonte: (MORETO, 2000, p.113)

107
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

A pesquisa de Moreto (2000) insere-se em uma lógica naturalizadora do discurso


gerencial-economicista favorável à terceirização. Ainda assim, revela que a rotativida-
de e a inexperiência dos gestores da empresa são grandes contribuintes para as imper-
feições desta modalidade de contratação. É necessário sublinhar também a conclusão
do autor acerca da delimitação da prática de terceirização, na unidade investigada,
cuja modalidade se vincula ao seu aspecto ilícito: a intermediação pura de mão-de-
obra. Por fim, a ausência de qualificação técnica das contratadas e a relação autori-
tária da estatal, na definição sobre a atividade/serviço prestada, colocam em cheque
a defesa da competência aludida pela empresa em relação ao processo de escolha das
contratadas como foi sugerido, também, pela análise dos BSA e Nota Oficial.
Diversos estudos têm também apontado para o processo de segmentação
que são constitutivos destas realidades no que concerne à implementação da
terceirização nas unidades da Petrobras (ARAÚJO, 2001; PENA, 2002; GO-
DINHO, 2003; BICUDO, 2003; SOBRINHO, 2006).
Em síntese, a terceirização tem sido tratada de forma ambígua pela empre-
sa, visto que, ao mesmo tempo em que a companhia afirma realizá-la dentro da
normalidade legal fica constatado que esta prática vem fazendo uso inadequa-
do, precarizado e degradante dos empregados terceirizados.
Dito isso, é possível tratar, a partir de agora, da imagem social da compa-
nhia na mídia e na sociedade. Pretendemos sustentar a hipótese de que a soma
entre precarização subjetiva e desencantamento dos funcionários com a estatal
configuram-na como “máquina de vulnerabilizar”. Todavia, essa visão da em-
presa como lócus de vulnerabilização está sendo desconstruída a partir de ações
estratégicas da estatal no campo do relacionamento com a sociedade.
Enfatizamos em muitos depoimentos – apresentados na pesquisa – os comentá-
rios nostálgicos acerca de um passado glorioso em relação a um presente de reestru-
turações, crises e mudanças abruptas, principalmente, entre os trabalhadores mais
velhos da estatal. Segundo Castel (1998), no plano da reestruturação das empresas,
em nível mundial, ocorre uma mudança significativa. Esta é referente à sua imagem
social, já que a função clássica da empresa como lócus privilegiado de integração à
sociedade salarial – papel nitidamente em crise na atualidade – perde centralidade.
Todavia, a crítica a esta tese de Castel – sobre as empresas como “máquinas
de vulnerabilizar” – pode ser feita em decorrência de uma visão estática acerca
da imagem que as companhias produzem socialmente. Este desconsidera que os

108
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

grandes complexos empresariais investem, atualmente, fortemente em sua pró-


pria imagem junto à comunidade local e à sociedade nacional. Esta noção de ci-
dadania empresarial – como defendida nos BSA - cumpre a função de mascarar a
ideia de que as unidades industriais são “máquinas de vulnerabilizar” o meio am-
biente, a vida das populações do entorno e, até mesmo, de seus trabalhadores.
Em pesquisa feita nos Relatórios Anuais e de Responsabilidade Social da Pe-
trobras, no período de 1997 a 2006, pode-se observar uma tendência de fo-
calização da imagem social da empresa em algumas direções: desenvolvimento
crescente de políticas ambientais externas e internas às unidades da estatal, am-
pliação do número de projetos culturais, de apoio às comunidades, de projetos
educacionais, bem como um forte discurso de parceria e envolvimento com os
trabalhadores e suas instituições de classe, conforme apresentado na tabela 24:

Tabela 24 - Indicadores Sociais Externos da Petrobras

Indicadores So- sobre sobre Valor sobre sobre


Valor (mil)
ciais Externos RO % RL (mil) RL RO %
Educação (I) 81.895 0,20% 0,05% 60.742 0,17% 0,04%
Cultura 288.569 0,71% 0,18% 264.611 0,72% 0,19%
Saúde e
5.627 0,01% 0,00% 7.620 0,02% 0,01%
saneamento
Esporte 58.197 0,14% 0,04% 25.774 0,07% 0,02%
Combate à fome
e segurança 33.762 0,08% 0,02% 66.825 0,18% 0,05%
alimentar
Outros (II) 78.352 0,19% 0,05% 48.130 0,13% 0,04%
Total das
contribuições 546.402 1,34% 0,35% 473.702 1,29% 0,35%
para a sociedade
Tributos
(excluídos 71.274.595 175,24% 45,04% 69.801.173 190,30% 51,10%
encargos sociais)
Total -
Indicadores 71.820.997 176,58% 45,39% 70.274.875 191,59% 51,44%
sociais externos
Fonte: PETROBRAS, 2006, p. 132.

109
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Analisando o montante desembolsado pela Petrobras em contribuições à socieda-


de percebe-se um total de 546.402 mil reais, em 2006, e 473.702 mil reais, em 2005.
As áreas sociais em que ocorre o maior investimento da empresa são: educação, cul-
tura e esporte. Estes dados demonstram ainda que o valor desembolsado pela empre-
sa em projetos sociais alcança quase 6% do valor utilizado para despesas de pessoal e
encargos que totalizam 10 milhões e 395 mil reais (PETROBRAS, 2006, p.18).
Os dados evidenciados, a seguir, questionam os argumentos de que as em-
presas são “máquinas de vulnerabilizar e excluir”:

GRÁFICO 10 – PESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA SOBRE PETROBRAS – 2005

Fonte: disponível em: www.Petrobras.com. br. Acesso dia 08.11.2007

No ano de 2006, a associação da empresa com a transparência obteve 54


pontos, em uma escala de 0-100, a menor pontuação. Nesta direção, os dados
expressam que este indicador é o mais frágil na imagem da estatal frente à so-
ciedade. No concernente à confiança, responsabilidade ambiental, gestão, con-
dições de trabalho, tecnologia, sentimentos e indicador geral, esta pontuação foi
maior que 70 na escala referente a todos os quesitos. Retomando a questão da
terceirização na empresa, é razoável supor que a intensificação deste processo no
interior da estatal ainda não influencia radicalmente a percepção externa no que
se refere às condições de trabalho na petrolífera, visto que 77 pontos, em uma
escala de 0-100 pontos, são indicados na pesquisa de opinião neste quesito.

110
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

GRÁFICO 11 – Percepção Externa Petrobras 2001-2004

Fonte: disponível em: www.Petrobras.com. br. Acesso dia 08.11.2007

Os dados sobre percepção externa da empresa, no período 2001-2004 tam-


bém revelam uma alta aceitação: 74%, em 2001 e 80 %, em 2004. Além disso,
as respostas sobre cidadania empresarial elencam as preocupações formais da
estatal na relação com seus empregados, fornecedores e comunidade externa.
No estudo feito asseguir, quadro 04, evidencia-se subliminarmente a crença na
noção de cidadania empresarial. Esta, pelos dados apresentados, é fortemente geri-
da e fomentada pelas direções e gerências, desconstruindo, desta forma, a própria
ideia de uma possível cidadania efetivamente vivida pelos empregados. A preocu-
pação em contabilizar queixas judiciais, de consumidores, de instalar serviços de
ouvidoria por outro viés, evidencia que “as máquinas de vulnerabilizar” disputam a
opinião pública, a mídia e a comunidade externa como um todo. Alguns dados são
reveladores do caráter limitado desta cidadania valorizada no discurso gerencial,
posto que existe uma diferença de 36 vezes entre a maior e a menor remuneração
paga na estatal, além disso, os projetos sociais, educacionais, ambientais e de se-
gurança são definidos pelos gestores e pela alta direção. Disto decorre que há uma
considerável ausência de participação dos empregados nos rumos da empresa. Em
suma, foi possível evidenciar que os princípios apresentados na missão organizacio-
nal da estatal, tais como: da transparência, relação amistosa com os empregados,
equidade, cidadania empresarial e forte presença social são, na maioria das vezes,
mais formais que reais. Portanto, contribuiu para revelar esta realidade a análise dos
dados apresentados no decorrer deste capítulo.

111
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

QUADRO 4 – INFORMAÇÕES SOBRE CIDADANIA EMPRESARIAL – PETROBRAS - 2006

Fonte: Petrobras, 2006, p.133.

112
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Em outra perspectiva, a da imprensa durante o acidente da P-36, em 2001,


por exemplo, revelou o caráter dinâmico da imagem de uma empresa. Neste
ínterim, se por um lado, as pesquisas sobre percepção externa contemplas-
sem dados históricos, por outro, possibilitariam averiguar as mudanças da
imagem externa. Não obstante, há um razoável paradoxo, pois o percentual
acerca da imagem externa, referente ao ano 2001, ser de 74% de aprovação,
ocorre exatamente quando a empresa, em um espaço de dois anos, polui um
rio, no Paraná, provoca um acidente na Baía de Guanabara de proporções
gigantescas e ocorre o acidente da P-36. Portanto, existe um descolamento
entre a pesquisa sobre imagem social/ percepção externa da estatal nas pes-
quisas estatais e a realidade.

O Acidente da P-36
No dia 14 de março de 2001, uma quarta-feira, 175 pessoas estavam
embarcadas na P-36. Oitenta delas eram do quadro regular da plataforma
- 38 da Petrobras e 42 de prestadoras de serviço. 95 eram mão de obra
temporária: 7 contratados pela Petrobras e 88 por prestadoras de servi-
ço. Os temporários trabalhavam em obras que ampliariam a capacidade
de produção da P-36 de cerca de 84 mil para 180 mil barris de petróleo
por dia. Nem uma única nuvem plúmbea prenunciava o drama que se
desenrolaria logo depois da meia noite, aos vinte minutos do dia 15 (O
ACIDENTE, 2001) 1.

Em pesquisa feita nos sites dos jornais “Folha de São Paulo” e “O Globo”
localizamos diversas notícias, entre 2000 e 2006, acerca dos impactos da ter-
ceirização na Petrobras. Na “Folha de São Paulo”, especificamente, encontram-
se 84 notícias sobre terceirização e/ou Petrobras nos arquivos das edições ele-
trônicas deste periódico. À época do acidente, a empresa tratou de transmitir à
imprensa as seguintes declarações:

1. Esta reportagem foi uma das mais completas feitas sobre o acidente trágico. Contém um rico de-
talhamento do acidente, a opinião dos familiares dos mortos sobre a causa do acidente, a opinião da
liderança sindical, do presidente da estatal e de colegas de trabalho das vítimas sobre a terceirização.

113
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

A própria Petrobras reconhece, no site oficial da companhia, que é


necessário aprimorar a contratação de serviços terceirizados. O texto diz
que a empresa vem utilizando mão-de-obra externa, o que tem propor-
cionado ‘maior interação’ entre a estatal e as empresas prestadoras de
serviços. Logo em seguida, o site afirma que há problemas no treinamen-
to dos funcionários das empresas terceirizadoras. ‘Devido ao despreparo
observado em algumas dessas empresas para a função de segurança, a
Petrobras elaborou as diretrizes para a segurança das contratadas’, diz
o texto. Para contornar o problema, a Petrobras afirma ter criado uma
espécie de protocolo para todos os órgãos da empresa. Esse protocolo
deveria ser usado, segundo a Petrobras, na elaboração de contratos com
as prestadoras. Entre outras orientações, a empresa determina que seja
avaliado o impacto da atividade contratada sobre a empresa e que cons-
tem, no contrato, os padrões de segurança desejados. Outro item obriga
a contratada a apresentar previamente o seu plano de segurança, além de
instruir toda a sua equipe sobre os riscos das atividades e os procedimen-
tos relacionados à obtenção de permissões para esse tipo de trabalho. O
texto diz ainda que é preciso “manter os fiscais informados quanto aos
aspectos de responsabilidade civil e criminal” de acidentes de trabalho
(PETROBRAS, EMPRESA, 2001).

O Dieese (2006, p.12) discutiu esta realidade da fiscalização deficitária e


que tem acarretado:

O número elevado de contratos com empresas terceiras, definidos pe-


los gerentes das unidades de negócios, criou uma legião de gerentes e fis-
cais de contrato 2. No entanto, estes não evitaram problemas como o men-
cionado a seguir: No dia 13 de fevereiro de 2004, a Petrobras divulgou
nota apresentando os resultados obtidos pela empresa no quarto trimestre

2. Segundo o Dieese, (2006, p 12, nota 13): “Em dezembro de 2003, parte da jornada de 2.408
empregados diretos da Petrobras era dedicada à gerência/fiscalização dos contratos com empre-
sas terceiras”.

114
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

de 2003. De acordo com os dados divulgados, a companhia gastou, em


2002, R$ 398 milhões e, em 2003, R$ 160 milhões com provisionamento
de responsabilidade solidária com o INSS de empresas terceiras. Foram
mais de meio bilhão de reais, em apenas dois anos.

O assunto ganhou visibilidade no congresso nacional, nos idos de 2001,


quando se aventou a demissão do presidente da empresa à época. O problema é
que toda a questão da terceirização na empresa foi reduzida a um problema de
gestão pontual de sua principal liderança. Procedimento que terminou obscu-
recendo, em grande medida, o aspecto histórico do fenômeno:

Presidente da Petrobras depõe no Senado sob ameaça de demissão O


presidente da Petrobras, Henri Philippe Reichstul, presta depoimento hoje
na Comissão de Infra-Estrutura do Senado sob risco de demissão. A cúpula
do governo federal, conforme a Folha apurou, está dividida em relação ao
futuro de Reichstul. Uma parte do governo, liderada por Andrea Mata-
razzo (Comunicação Social), quer a cabeça do presidente da Petrobras.
A argumentação oficial de Matarazzo é que Reichstul deve ser demitido de-
vido ao acidente que gerou o afundamento da plataforma P-36 e a morte de
11 operários. Mas, nos bastidores, Matarazzo discorda do uso das verbas
publicitárias pela Petrobras. A empresa tem a maior verba de publicidade,
mas não usa esse dinheiro na promoção do governo, na opinião do mi-
nistro. No Planalto, Matarazzo é apontado como interessado no cargo de
Reichstul se ele for demitido. Em uma reunião no final da semana passada,
ministros aconselharam o presidente Fernando Henrique Cardoso a pelo
menos dar uma advertência pública ao presidente da Petrobras. Mas Pedro
Parente (Casa Civil) convenceu o presidente a dar um crédito a Reichstul.
Parente, que é membro remunerado do conselho diretor da Petrobras, é seu
maior defensor no governo. Desde o acidente, o ministro José Jorge (Minas
e Energia) vem sofrendo pressões dos dois grupos de ministros. A pressão
aumentou quando foi divulgado um relatório na sexta-feira – cujo teor o
Palácio do Planalto não quis comentar – mostrando que a Petrobras já sabia
das falhas na plataforma antes da explosão (PRESIDENTE, 2001).

115
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Dando continuidade à repercussão na mídia, em um ano difícil para a em-


presa junto à opinião pública, o debate sobre a terceirização ficou reduzido à
responsabilização de seu dirigente máximo, sem conseguir, contudo, estancar
o processo de substituição do contingente próprio pelo de terceirizado. Confor-
me este depoimento do presidente da estatal relatado na imprensa:

Depoimento: Reichstul foi convocado a depor pelo senador Paulo Har-


tung (PPS-ES). O presidente da comissão é José Alencar (PMDB-MG).
A oposição também critica o presidente da Petrobras. O deputado federal
Virgilio Guimarães (PT-MG) enviou a FHC um ofício pedindo a demissão
do comando da Petrobras. Para ele, os acidentes ambientais consecutivos
demonstram que Reichstul não tem condições de presidir a empresa. O
deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) discorda. ‘Tenho medo que, se for
demitido, o Reichstul dê lugar a um político despreparado da base do go-
verno, o que agravaria a situação’, afirma. Os congressistas devem ques-
tionar Reichstul sobre o processo de terceirização de mão-de-obra que a
Petrobras adotou desde a quebra do monopólio e que é apontado como um
dos motivos para sucessivos acidentes. Eles devem perguntar também sobre
os boletins de produção que registraram falhas no sistema de ventilação da
plataforma nos três dias anteriores ao acidente. Prestam ainda depoimento
os presidentes da Agência Nacional do Petróleo, David Zylbersztajn, e da
associação dos engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira, e o diretor da
Frente Única dos Petroleiros, Maurício Ruben (PRESIDENTE, 2001).

Assim, a prática da terceirização implementada pelas empresas em seu pro-


cesso de reestruturação tem sido predatório à força de trabalho, à saúde e ao
meio ambiente. Um dos riscos extra-fabris causados pela terceirização é sua
transferência para o lar do trabalhador, conforme este depoimento:

As empresas começaram a dar o fardamento. E os funcionários das


empreiteiras tinham que levar para casa, para lavar em casa. Ele recebia
duas fardas. Aí ficava usando uma e outra ficava em casa lavando. E os

116
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

funcionários da Petrobras sempre receberam uma farda, e sempre foi lava-


da dentro da Refinaria. A Petrobras contratava uma empresa, uma lavan-
deria. Aí o petroleiro só vai lá trocar a farda, e a roupa era lavada dentro da
área mesmo. A Petrobras sabe o risco que a família do cara está correndo,
se o cara levar aquela farda para casa. Quer dizer, pros funcionários da
Petrobras ela dava roupa lavada, o cara não precisava levar para casa. Mas
os das empreiteiras, eles tinham que levar para casa pra lavar. Ai a gente
foi descobrindo muitos problemas que vêm acontecendo com famílias de
trabalhadores, por exemplo: coceira com questão de lã de vidro. Expõe
a esposa quando ela está lavando a roupa ali a lã de vidro, o cilicato, no
caso de isolamento, ele tem um produto que ele entra, ele penetra na pele
e causa coceira, causa até câncer de pele. Tem também o FENOL que
tem na área, que ele causa queimaduras e isso acaba com os familiares do
pessoal das empreiteiras (Depoimento de trabalhador, abril de 2001).

Deste modo, foi possível evidenciar, a partir dos dados coletados e discu-
tidos neste capítulo, o perfil dos empregados da estatal e dos terceirizados, a
dualização da força de trabalho no interior da empresa, o caráter formal da
cidadania empresarial, a dinâmica e contradição na imagem da empresa junto à
sociedade assim como os estudos sobre a terceirização em várias partes do país
que se caracteriza como um discurso ambíguo e eivado de “bi-facialidade”.
Pretendemos demonstrar a opinião dos trabalhadores e sindicatos de petro-
leiros sobre o emprego na estatal, apresentando indícios que contribuem para
relativizar os dados referentes à satisfação dos empregados com a empresa,
contrastando-os com os dos aposentados da estatal, conforme os BSA da Pe-
trobras e o gráfico 12 abaixo 3:
Nos BSA são demonstrados dados sobre satisfação do funcionário da esta-
tal com a empresa:

3. A insatisfação dos empregados da estatal é demonstrada na Comunidade Petrobras no orkut


em diversos fóruns de discussão. Uma estratégia utilizada para verificar se o membro da co-
munidade é funcionário da empresa foi visitar álbuns à procura de fotos destes no interior das
unidades da Petrobras.

117
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

GRÁFICO 12 – ÍNDICE DE SATISFAÇÃO DOS


EMPREGADOS PETROBRAS – 1996-2004

96 98 2000 2002 2003 2004


Fonte:4 Fonte: Visão Geral da Petrobras, 2005. In: www.Petrobras.com.br. Acesso 25.10.2007

Obviamente, estes dados possuem um limite, uma vez que são coletados
institucionalmente. De todo modo, é possível relativizá-los a partir dos depoi-
mentos que evidenciam a insatisfação dos empregados com a terceirização
e com a “erosão dos direitos trabalhistas”. Não se conhece todos os detalhes
metodológicos desta pesquisa, mas, mesmo assim, é interessante fazer as se-
guintes questões: é garantido sigilo aos respondentes? É esclarecido aos mes-
mos como serão utilizadas suas respostas às questões? Em que medida a forma
como esses dados são colhidos por superiores hierárquicos não se caracteriza
como assédio institucional? O que se entende por satisfação? Que expectativas
são construídas pelos respondentes em relação à participação na pesquisa ins-
titucional? Em entrevistas com trabalhadores da estatal obtivemos informações
sobre os problemas metodológicos dessas pesquisas institucionais. Em muitos
casos, segundo os entrevistados, são construídas pelos chefes sutis estratégias
para convencer os empregados a participarem das pesquisas, criam-se expecta-
tivas de boas relações interpessoais com superiores hierárquicos, de promoção
funcional bem como o cultivo de uma boa imagem da equipe frente ao chefe.

4. A insatisfação dos empregados da estatal é demonstrada na Comunidade Petrobrás no orkut


em diversos fóruns de discussão. Uma estratégia utilizada para verificar se o membro da co-
munidade é funcionário da empresa foi visitar álbuns à procura de fotos destes no interior das
unidades da Petrobras.

118
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Um dado relativizador desta felicidade organizacional demonstrada no gráfico


11 pode ser um recente protesto. No referido evento, um grupo de trabalhadores
aposentados da Petrobras ficou nu na frente da sede da empresa, no Rio de Janeiro,
como estratégia de luta contra a precarização das condições da aposentadoria:

FOTO/IMAGEM 1 - APOSENTADOS DA PETROBRAS REALIZAM


PROTESTO NUS EM FRENTE À SEDE DA COMPANHIA, NO RIO:

Fonte (FUNCIONÁRIOS, 2007)

Nus porque a Petrobras lhes meteu a mão no bolso. Essa foi a razão
apresentada por oito sindicalistas aposentados da empresa para ficarem pe-
lados ontem, em frente à sede da estatal, num dos pontos mais movimenta-
dos do centro do Rio, em plena hora do almoço. ‘Resolvemos ficar nus para
mostrar a situação de penúria dos aposentados da Petrobras. Estamos can-
sados de não termos nossos direitos respeitados’, disse Emanuel Cancella,
diretor do SINDIPETRO (Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro). De
acordo com o Sindipetro, anualmente, nos acordos coletivos, a Petrobras
propõe reajustes diferenciados para pessoal da ativa e aposentados, desres-
peitando o regulamento do Plano Petros, o fundo de pensão da categoria.
O protesto, realizado sob chuva, atraiu dezenas de curiosos e despertou
gargalhadas. Ninguém foi preso. Por meio de nota, o sindicato acusa a com-
panhia de violar os direitos dos aposentados. “De acordo com o artigo 41
do contrato, o aposentado tem de receber até 90% do salário que receberia
se estivesse na ativa. Os petroleiros pagam por essa cláusula na ativa e con-

119
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

tinuam pagando na aposentadoria.” Em comunicado, a Petrobras disse que


o protesto “constrangeu” os trabalhadores. ‘A atitude foi um desrespeito à
empresa e aos seus trabalhadores’ (FUNCIONÁRIOS, 2007).

A FUP e a direção da estatal não gostaram do ato da Frente Nacional dos


Petroleiros (FNP) da Petrobras. A Federação elaborou uma matéria, desqua-
lificando a estratégia e a oposição, pondo em dúvida a seriedade desse mo-
vimento Os trabalhadores filiados à FNP, segundo a FUP, fazem oposição à
agremiação classista nacional:

Se auto-intitulando os ‘mendigos do petróleo’, os coordenadores do


Sindipetro-RJ, do Sindipetro-SE/AL e do Siindipetro-PA, juntos com um
assessor e três dirigentes do sindicato do Rio, arriaram as calças para a
mídia em um pseudoprotesto contra as discriminações aos aposentados da
Petrobras. As TVs e jornais exploraram o fato como se fosse de autoria
dos aposentados da empresa, quando na realidade quem baixou as calças
para o patrão foram os sindicalistas da dita Frente Nacional dos Petroleiros,
que, em nota divulgada à categoria, informou que ‘na Europa, esse tipo de
manifestação é comum, principalmente na França’ e conclamaram os tra-
balhadores a “acabar com esse complexo de país subdesenvolvido”.A FUP
não tem qualquer tipo de censura, pudor ou preconceito em relação às ma-
nifestações de nudez realizadas na Europa e em qualquer outra região do
planeta. Toda forma de luta vale a pena. O que ocorreu em frente ao Edise,
na tarde do dia 25, não tem nada a ver com esse tipo de manifestação.   As
“lideranças” dos sindicatos dissidentes afrouxaram os cintos, desceram as
calças e exibiram alguns minutos as genitálias para a Petrobras e os fotógra-
fos e cinegrafistas, ávidos por registrarem esta cena grotesca. As imagens
valem mais do que qualquer palavra que busquemos para tentar expressar
tamanho desequilíbrio. De calças arriadas e bundas de fora, esses senhores
expuseram nacionalmente a categoria petroleira ao ridículo, se utilizando
da grande mídia para desmoralizar a luta de classes, municiando o capital
contra os trabalhadores. A nudez por eles apregoada extrapolou o sensa-
cionalismo do ato insano que realizaram, deixando à mostra muito mais do

120
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

que suas genitálias. Nus de causa, nus de mobilização, nus de propostas,


nus de política, nus de credibilidade, nus de liderança, os dirigentes dos sin-
dicatos dissidentes desrespeitaram e envergonharam a categoria.A tal FNP,
gestada por esses sindicalistas para tentar desconstruir a FUP, desabou nua
diante de todos os trabalhadores, deixando à mostra sua falência política e
a total inércia em mobilizar as cinco bases onde foi imposta a desfiliação da
Federação. Divergir faz parte de qualquer processo político. Mas é preciso
coerência com as práticas sindicais da categoria e respeito à nossa história
de luta. Basta de sandices e divisionismos! (FNP, 2007).

Por este motivo, o conflito foi assim expressado numa charge publicada no
sítio da Federação na internet:

FOTO/IMAGEM 2 - CHARGE CRÍTICA DA FUP EM


RELAÇÃO AO ATO DOS APOSENTADOS DA PETROBRAS

Fonte: (IMPRENSA FUP,2007).

121
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

A reportagem e a charge, ambas respostas inflamadas, foram produzidas


pela equipe do site FUP e indicam a deterioração da relação entre a Federação
e os sindicatos de trabalhadores opositores àquela. Todavia, parece evidente que
as dissensões entre a FUP e a FNP são extremamente sectarizadas, uma vez que
termos desqualificantes são direcionados à oposição tanto na reportagem quan-
to na charge produzida. Na charge, o ato da FNP é retratado como uma ence-
nação de “bundões caídos”; na nota publicada no site da Federação, o ato foi
considerado insano, sensacionalista e estranho à base da categoria. Ademais, o
episódio revela, antes de qualquer coisa, um duplo preconceito contra: o perfil
etário dos manifestantes e o fato de serem opositores à FUP.
Portanto, neste capítulo compreendemos a estreita vinculação entre a pre-
carização, a vulnerabilidade social, a dualização do mercado de trabalho no
interior da estatal, os discursos da empresa sobre seus empregados, em relação
aos contratados bem como as representações da Estatal, dos órgãos judiciais,
dos sindicatos e da mídia acerca do processo de terceirização na empresa.

122
capítulo 3|

OS TRABALHADORES DO PETRÓLEO:
ESTÁVEIS E TERCEIRIZADOS

Neste capítulo, abordamos a trajetória dos trabalhadores do petróleo na


Bahia entre os anos 50 do século XX e a atualidade. Com o objetivo de recons-
truir esta trajetória, discutimos as primeiras lutas, as reivindicações, as fases
de repressão política nas décadas de 70 e 80, e vêm à tona as memórias sobre
as greves dos petroleiros no período 90-2000. Em seguida, apresentamos os
dados sobre as realizações das primeiras gerações que construíram a RLAM
e a consolidação dos sindicatos de trabalhadores do petróleo nas décadas de
60 e 70. Além disso, demonstramos a constituição de uma relação autoritária
da direção da empresa com seus empregados no decorrer dos anos 80. Em
referência ao período 90-2006, analisamos as percepções dos trabalhadores da
estatal sobre a reestruturação produtiva e a segmentação na fábrica. Ademais,
discutimos a formação de classe dos terceirizados, suas percepções sobre a
segmentação objetiva e as condições de trabalho na Refinaria a partir de 1990.
Por fim, analisamos os dados - a partir das opiniões dos trabalhadores - sobre
condições de trabalho no contexto de reestruturação produtiva.
A instalação da Petrobras trouxe para a região atividades que dinami-
zaram a economia regional e estimularam a emergência de novos grupos
sociais. No entanto, esta nova estrutura social foi insuficiente para a su-
peração das condições adversas de vida da maioria dos membros da classe
trabalhadora baiana, contribuindo para um enclave ou “uma gota d’água no
imenso oceano do desemprego”.
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Desde a instalação da refinadora de petróleo na grande Salvador, seus


trabalhadores gozaram de relevante poder econômico e social. Este fato foi
objeto de análise de diferentes estudos sobre os operários do petróleo na
Bahia, a exemplo da matéria que segue:

Não tardavam os casamentos. Estrangeiros e brasileiros da Petro-


bras eram os preferidos. Namoravam moças das fazendas, vilas e cida-
des, noivavam, casavam, quando não as abandonavam, num descarte
posterior. Entrar para a Petrobras ou casar com um petroleiro era uma
pretensão generalizada daquela geração de jovens (CADERNO Espe-
cial, 2001).

Empregar-se na Petrobras se transformou, em pouco tempo, em sonho


da maioria dos jovens do estado. Casar com um empregado da estatal era
uma estratégia matrimonial comum nas redondezas de Mataripe.
E os trabalhadores petroleiros seriam privilegiados? Não há como negar
que, se comparados com o restante da classe trabalhadora baiana, estes de-
tinham uma situação socioeconômica vantajosa. Estaria a industrialização
baiana fomentando uma “aristocracia operária” ? Oliveira (1987) critica a
tese – se tomada num sentido generalizante e inexorável – do fenômeno da
“aristocracia operária” nas sociedades capitalistas. O autor entende que:

O fato de que o salário de um operário das indústrias modernas


teria isolado esses novos grupos sociais da ampla massa de emprega-
dos e desempregados. Entretanto, o argumento generalizante sobre a
aristocracia operária seria falho por desconsiderar a escassa diferença
que separava o salário de um operário da média dos de sua classe (op.
cit., 1987, p.65).

Contudo, este autor argumenta que, no caso específico dos petroleiros, a


explicação sobre a formação de uma aristocracia operária parece aplicável:

124
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Enquanto que em 1960, 64,1 % dos trabalhadores em petróleo


e gás se situavam na faixa de rendimento mensal modal de 6.001 a
10.000 valores correntes, o mesmo grupo representava tão-somente
0,9% para o total das pessoas de 10 anos e mais ocupados no Estado
da Bahia (OLIVEIRA, 1987, p.65).

Em seguida, apresentamos a trajetória sindical dos segmentos investi-


gados com objetivo de compreender suas percepções sobre as condições de
trabalho e acerca da mudança estrutural intensificada nos últimos 20 anos
do século XX.

1. Os petroleiros e a organização sindical


Oliveira Jr. (1996), em um estudo sobre as duas primeiras gerações dos
sindicalistas do petróleo, argumenta que os petroleiros são sujeitos invisíveis
nos estudos historiográficos no Brasil sobre a década de 50 e 60. Para superar
tal realidade, sua investigação pretende:

Contribuir para o resgate da história de uma categoria, cuja trajetória


se confunde com a do Brasil moderno: a dos petroleiros. A sua existência
mostra uma espécie de ‘predestinação’ para a luta, tomam o segmento
como referência para análises de projetos políticos para o país, mas não se
interessando pelos petroleiros como sujeitos, atores concretos, deixando
consequentemente de identificar seus pontos de vistas e como se articu-
laram, além de não observar a dinâmica de seu movimento (OLIVEIRA
Jr., 1996, p.23).

Desta forma, uma das estratégias para desconstruir essa invisibilidade social
foi decorrente de pioneiros estudos sobre a história do sindicato dos petroleiros
na Bahia, pois a formação desta categoria se confunde com a do descobrimento
e produção de petróleo no Brasil, já que ambos foram realizados de maneira
pioneira no estado da Bahia.

125
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Segundo Oliveira Jr. (1996), é possível falar da trajetória de seis gerações


de petroleiros. A primeira foi a que trabalhou na descoberta do petróleo, mon-
tou os escritórios, desbravou os campos e construiu a primeira Refinaria de
petróleo do país localizada em Mataripe, Bahia, durante a fase do Conselho
Nacional do Petróleo (CNP). Esta geração não teve reconhecimento do esforço
empreendido e tampouco se beneficiou do progresso advindo da instalação da
indústria petroleira. Era composta por trabalhadores de baixa escolarização/
qualificação, sendo o seu maior contingente formado por antigos trabalhadores
das usinas de açúcar do recôncavo. Estes operários, em um esforço social sem
precedentes, encamparam o projeto de construir uma refinaria no país.
A segunda geração empregou-se na Petrobras no início da década de 50, à
época foi consolidada a descoberta, nestas terras, de um combustível emblema
da autonomização e libertação do país em relação à dependência energética de
períodos anteriores.
Esta geração foi também a responsável pela criação da primeira Associa-
ção de Trabalhadores Petroleiros no país, em 1954; Além disso, participou da
consolidação da Petrobras, da conscientização dos trabalhadores, e fundou,
em 1957, o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Extração de Petró-
leo (Stiep). As principais lideranças do sindicato nesta fase foram Simpliciano,
primeiro Presidente, Osvaldo Oliveira e Wilton Valença. Em relação a esta fase
afirma Oliveira Jr., (1996):

Para o reconhecimento do Sindicato pelo Estado, a legislação da épo-


ca – a CLT corporativista – exigia a passagem da entidade por estágio
associativo que somente se completaria em novembro de 1957. Mas esta
concessão viria apenas para os trabalhadores da extração, o que prolon-
ga a luta pela carta sindical dos trabalhadores da refinação por mais dez
anos. Esse processo coloca os petroleiros da Bahia perante duas organiza-
ções – caso único existente no país até hoje (idem, p.41).

A Bahia foi o único estado brasileiro a ter duas representações sindicais


de trabalhadores petroleiros. Oliveira Jr. (1996) enfatizou que o Stiep tentou

126
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

ampliar sua representação para os trabalhadores da refinação, entretanto, a co-


missão de enquadramento sindical, do Ministério do Trabalho, considerou a
atividade de refino como atividade produtiva diferente da de extração. Deste
modo, vetou a solicitação desta seção sindical, ocasionando uma derrota ao
movimento sindical petroleiro no fim da década de 50.
Em 1960, foi criado o sindicato dos trabalhadores do refino, tendo como
suas lideranças maiores Mário Lima e Osvaldo Oliveira. Esta organização sin-
dical, de tradição mais combativa que o Stiep, promoveu diversas lutas im-
portantes no início de seu funcionamento: greve contra abusos do responsável
pelo setor médico da Refinaria e, principalmente, movimentos reivindicatórios
a favor da equiparação dos salários dos petroleiros baianos aos das refinarias
paulistas. Para dar sequência a um ponto da pauta aludida, os sindicalistas baia-
nos foram à Refinaria de Cubatão, em São Paulo, a fim de recolher, nas portas
da Refinaria paulista, contracheques de colegas paulistas para documentar as
denúncias de desigualdade salarial entre petroleiros dos dois estados. Esta ação
implicou também no começo de uma articulação nacional. Como resultado da
greve, os petroleiros baianos conseguiram equiparação de 80% dos salários
pagos aos petroleiros de São Paulo, coroando com êxito o nascimento de uma
nova organização sindical: o Sindipetro.
Esta separação imposta pela justiça contribuiu para uma divisão entre os
trabalhadores do refino e da extração e a imposição, obviamente, teve como re-
sultado explícito a fragmentação dos trabalhadores, sobretudo porque eles eram
representados por sindicatos distintos: o STIEP (Sindicato dos Trabalhadores
das Indústrias de Extração do Petróleo) e o SINDIPETRO (Sindicato dos tra-
balhadores de Refino do Petróleo).
Nesta época, importantes lutas também foram realizadas em defesa da in-
corporação de refinarias paulistas privadas ao patrimônio estatal e em favor do
monopólio estatal do petróleo.
Oliveira Jr. (1996, p. 23) se posiciona:

Com a montagem da indústria automobilística e os investimentos


energéticos na segunda metade dos anos 50, os petroleiros passam a ter

127
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

uma importância extraordinária. São realizados os principais movimentos


reivindicatórios e conquistas da categoria que se coloca na linha de frente
dos acontecimentos nacionais.

Em meados dos anos 50 até fins da década de 60 do século XX, os petro-


leiros estiveram no auge de sua participação política com forte influência no
cenário político brasileiro, já que estes sindicatos desenvolveram muitas lutas
durante esta época, tais como: campanhas a favor de melhores condições de
trabalho e renda, equiparação salarial com os trabalhadores petroleiros do su-
deste, reajustes salariais, pressão para indicação de presidente da Petrobras,
luta pela transferência da sede do Rio de Janeiro para a Bahia, apoio à formação
da Aspetro e luta pelas reformas de base.
A questão do comportamento dessas primeiras gerações de petroleiros tam-
bém é tratada na literatura acadêmica. Nesta perspectiva, Oliveira (1987) des-
taca que uma das características políticas dos empregados da Petrobras se deve
a ausência de um adversário corporificado e concreto que deve ser combatido.
Por este motivo, a consciência política corporativa acaba se expressando no
habitus político do segmento.
Assim, Oliveira (1987) expõe que o corporativismo foi decorrência da exis-
tência de um sindicato formado exclusivamente por trabalhadores de uma única
empresa e da forte identificação dos empregados com a estatal, sendo estas as
características mais presentes no habitus do petroleiro:

A re-presentação dos novos grupos sociais criados pelas atividades


da PETROBRAS será, a rigor, uma não-representação de classe. Em pri-
meiro lugar, no plano sindical, o sindicato de trabalhadores na indústria
do petróleo é singular: é praticamente o sindicato para uma empresa só,
raridade no Brasil, onde o sistema sindical é erigido sobre a base de toda
uma categoria: metalúrgicos, têxteis, etc. Portanto, ele representa os tra-
balhadores no interior de uma única empresa. Em segundo lugar, ele não
re-presenta contra a empresa, mas a favor dela, de seus objetivos. Não há
um patrão, um burguês, nem mesmo coletivo, contra quem se reconhecer

128
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

e ser reconhecido. Em terceiro lugar, ele re-presenta a empresa mais que


seus trabalhadores, embutida aí dentro a relação de corporativismo e co-
optação já assinalada (op. cit., 1987, p. 68).

Oliveira Jr. (1996) concorda, com ressalvas, com a tese explicativa de Oli-
veira (1987). Sua principal crítica se refere à ausência de abordagem da relação
entre o populismo e trabalhadores. Em relação à divergência, enfatiza que:

O estudo sobre a trajetória dos petroleiros, particularmente dos tra-


balhadores da refinação na Bahia nos anos 50 e 60, levantou a discus-
são sobre temas de significação na história do sindicalismo do país. O
primeiro deles é a rediscussão de modelos teóricos explicativos daqueles
tempos, como o do ‘pacto populista’. Os autores que se inspiraram nesta
concepção vêm tendo dificuldades para explicar os acontecimentos do
país no período, caindo, não raras vezes, na simplificação. De acordo
com suas ideias, os sindicatos da época se reduziam a simples ‘correias
de transmissão’ dos desígnios populistas e se caracterizariam pela ação de
cúpula, politicista, determinada (OLIVEIRA Jr., 1996, p. 17).

Desta forma, o corporativismo foi se consolidando enquanto expressão políti-


ca característica dos petroleiros, ainda segundo o autor referido anteriormente:

Um dos argumentos empregados na época contra os trabalhadores


das estatais, particularmente os petroleiros, foi investir contra seus ‘pri-
vilégios’ notadamente os salários. O enfrentamento deste problema pela
categoria, no entanto, esteve longe de ser o mais adequado. As suas lutas,
durante a maior parte do período, tinham prioridades corporativas. O
projeto político-sindical de ascensão social que foram capazes de elabo-
rar, somente nos últimos momentos passou a incorporar os interesses dos
demais setores da população.

129
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Por sua vez, Scaletski (2003, p. 10) em estudo sobre a gestão do trabalho na
Petrobras enfatiza que a “bifacialidade” é um traço característico do comporta-
mento destes trabalhadores. Conforme o autor:

Esse conflito estrutural entre as duas lógicas nos remete a supor que se
trata de uma variável explicativa relevante para o estudo dos sujeitos desse
processo no interior da empresa estatal, pois se podemos falar da natureza
ambígua do capital público, nada mais certo do que falar também em am-
biguidade do trabalho e da gestão do trabalho nas estatais. Nesse sentido
podemos apontar que uma das características comuns ao trabalhador e aos
gestores da empresa estatal, e da Petrobras, em particular, é a existência de
uma bifacialidade. Uma face que expõe seus interesses privados – que não
os distingue de outros grupos de interesse da sociedade e outra que expõe
seus interesses públicos – dedicada à defesa da empresa estatal e monopo-
lista e para a qual reserva o papel de falar em nome da sociedade.

Esta constatação, de que o comportamento bifacial permeia as percepções


dos empregados da Petrobras, sustenta-se em alguns depoimentos apresenta-
dos pelo autor em questão:

As respostas que as lideranças sindicais e gerenciais da Petrobras têm para


essas questões ilustram bem a característica bifacial de suas identidades.
Nada melhor então, que lhes dar a palavra: ‘
- Muitos diziam que petroleiro não é uma função, mas uma missão
que tinha de representar o povo brasileiro dentro da Petrobras, tinha que
defender a empresa contra os ataques multinacionais que queriam priva-
tizá-la. ’ (Spiz liderança sindical da Petrobras)
‘- (...) nós não temos patrão, a gente não sente a situação de patrão
contra empregado. Nosso patrão é a Petrobras. Nosso patrão é todo o
povo brasileiro. ’ (sindicalista da Petrobras, depois da greve de 1983).
‘ - O dono de uma empresa estatal é um ente abstrato chamado Es-
tado, que bota lá um preposto transitório, que normalmente - ressalvadas

130
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

poucas e brilhantes exceções - está ali em busca de sua realização episódi-


ca, naquele período. (...) Então, eles têm pouco vínculo com a empresa. ’
(Aldo Zucca, assessor da Diretoria Executiva da Petrobras)

Cabe enfatizar que a atuação política deste segmento está inserida nos mar-
cos do comportamento corporativista.
No começo dos anos 60, os petroleiros influenciam a vida político-institucio-
nal da Bahia com a eleição de dois presidentes de sindicatos do petróleo para a
Assembleia Legislativa Estadual. Porém, no momento em que, na década de 60,
os petroleiros viviam uma fase de melhoria das adversas condições de vida e tra-
balho, instaura-se o período ditatorial. Consequentemente são fechadas as sedes
dos sindicatos de petroleiros em Salvador e seus principais líderes presos.
A terceira geração entra na Fábrica entre os anos 60 e 70, período sob di-
tadura militar, circunstância em que a refinaria será militarizada em sua gestão
do trabalho. Conforme depoimento de um trabalhador da estatal na época:

Tinha um superintendente, um cara muito educado, muito humano,


estava sempre procurando ajudar. Morava lá na vila também. Antes dele,
eu alcancei outros superintendentes, eram todos generais. A partir da re-
volução em 64, só tinha general. Eu me lembro da invasão da vila, em 64,
a gente correndo, o exército invadindo e a gente correndo com medo que
prendessem os nossos pais. Eles entravam e furavam o teto, os tetos das
nossas casas eram forrados de Eucatex. Eles furavam com baioneta, pro-
curando o pessoal para prender, sob o comando do Coronel Futuro, se não
me engano. Nós ficamos cercados lá dentro da Vila, com medo, até que foi
normalizando. Quem tinha que fugir fugiu, quem tinha que ser preso, foi
preso. A gente vivia sob uma emoção muito forte, em função da presença do
exército, que causava terror a todos nós. Nossos pais saíam para trabalhar,
por exemplo, com medo. Não queriam levar nada que fosse estranho ao
trabalho, nem lanche o pessoal queria levar, com medo de ser revistado e
eles acharem que podia ter alguma coisa ali, que pudesse demonstrar algum
ato de agressividade ou de interesse maior (Petroleiro A, 2007) .

131
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Como aborda Oliveira Jr. (1996, p. 195), nesta época, de cada 20 petrolei-
ros, um respondeu a inquérito militar. No período de exceção, as ações coleti-
vas são reprimidas, o temor se faz presente e a delação torna-se prática cotidia-
na. Ocorrem alguns casos de torturas de petroleiros em quartéis. O autor relata
a história de Jair Brito – preso político – que foi abordado por um militar, no
quartel de Amaralina, sendo retirado da cela. Logo se ouve – pelos que conti-
nuaram presos na cela – rajadas de metralhadoras. Deste modo, ficam com a
impressão de que Jair Brito foi fuzilado. Em verdade não foi uma execução, mas
uma tortura psicológica. Foram épocas difíceis e duras para os petroleiros:

O IPM dos trabalhadores da refinação da Bahia se constituiu no maior


processo policial do Norte e Nordeste naqueles tempos. O encarregado
foi o coronel Frederico Franco de Almeida que fez o relatório final em
18/11/64, constituindo um total de 1.580 folhas, e que taxa a Petrobras
de ‘República Socialista’. (...) Entre os indiciados, muitos foram demiti-
dos e apontados como ‘ comunistas’. Vários foram presos e torturados.

A partir de fins da década de 60 e durante a década de 70, uma importan-


te mudança acontece: a instrução média escolar e profissional dos petroleiros
aumenta consideravelmente com o advento da formação profissional técnica
obtida nas escolas técnicas profissionalizantes .
Cabe enfatizar que, durante as décadas de 50 e 60, a média de escolariza-
ção dos petroleiros não ultrapassava quatro anos de estudo. Para mudar esta
situação, foi realizada uma campanha de alfabetização no início dos anos 60, na
Petrobras, junto a seus empregados.
Mattos (2000, p. 59) apresenta informações sobre a escolarização dos pri-
meiros petroleiros:

A valorização do feito dos trabalhadores se redobra quando sabemos


que grande parte deles era analfabeta ou semi-alfabetizada. Eunápio Cos-
ta, funcionário aposentado da Refinaria e um dos maiores conhecedores
da sua história, estima que em meados da década de 1950, 80% dos seus
empregados não tinham o primário completo (MATTOS, 2000, p.59).

132
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Em relação aos trabalhadores mais qualificados ligados às operações indus-


triais, Mattos (2000) argumenta que boa parte deles veio de estados do centro-
sul. Em suma, esta terceira geração será responsável por uma importante greve
em 1983 e pela criação da Federação Única dos Petroleiros (FUP).
A partir da década de 80, ocorrem mudanças significativas no contexto na-
cional, como a queda da ditadura, a redemocratização e o surgimento do novo
sindicalismo. Esta nova fase da luta sindical - inspirada nas lutas operárias do
ABC em 1979 – se dará por intermédio das ações coletivas de confronto. É
época também do surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT) e da criação
da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
De todo modo, as últimas três gerações são tributárias de uma realidade
social distinta. A partir de meados da década de 80, algumas mudanças estru-
turais ocorreram no país, tais como a terceirização e o advento da globalização.
A geração 80 terá como um dos marcos importantes, a greve de 1983 . No
concernente aos movimentos grevistas no decorrer da década de 80, cabe enfa-
tizar que a presença da Polícia Militar e do Exército é constante nas greves dos
petroleiros. Como se pode verificar pelas fotos abaixo:

FOTO/IMAGEM 3 - OCUPAÇÃO DA RLAM – POLÍCIA MILITAR DA BAHIA

Fonte: (Jornal A Tarde, 13 de Julho de 1983).

133
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

FOTO/IMAGEM 4 - OCUPAÇÃO DA RLAM – POLÍCIA MILITAR DA BAHIA

Fonte: (Jornal A Tarde, 9 de Julho de 1983).

FOTO/IMAGEM 5 - OCUPAÇÃO DA RLAM – POLÍCIA MILITAR DA BAHIA

Fonte: (Jornal A Tarde, 9 de Julho de 1983).

Em notícia publicada, no Jornal “A Tarde”, no ano de 1983, evidencia-se o


caráter autoritário da relação entre a direção da refinaria e os empregados:

134
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

A paralisação total da Refinaria Landulfo, em Mataripe, que deveria


ter iniciado ontem por decisão da Assembleia Geral do Sindipetro, na
última quarta feira, acabou tendo sua deflagração impedida pelo Superin-
tendente José Anchieta Ribeiro, que cumprindo decisão superior, reteve a
saída dos operários, que largariam o trabalho naquele horário (PARALI-
SAÇÃO DA RLAM, 1983).

No decorrer da década de 90, duas importantes greves foram realizadas,


sendo a de 95, um movimento paredista com grande repercussão social e forte
oposição do governo e da mídia. À época, a grande imprensa colocava no ar
reportagens televisivas demonstrando o “sofrimento” das famílias pobres nas
filas de postos de compras de gás, o prejuízo à economia nacional, etc. Obvia-
mente a associação entre os interesses do governo neoliberal e da grande mídia
contribuiu para a derrota política do movimento. Naquele contexto, a greve foi
considerada abusiva e a Federação dos Petroleiros teve seus bens patrimoniais
sequestrados para pagamento de multas judiciais.
Há dados que apontam, em que medida, a participação nas greves contri-
buiu para a construção da memória do trabalhador petroleiro:

Então, a marca principal nossa foi as nossas participações nos mo-


vimentos da empresa, tipo a greve de 1983, em que houve 300 e poucos
demitidos; depois, a greve de 1994, que teve a ocupação do Terminal
aqui; depois, a greve de 1995, como diretor do Sindicato. Fizemos uma
greve de 30 dias para evitar a quebra do monopólio. No período de Collor
também tivemos uma movimentação muito grande. Então, a marca que
ficou registrada através de fotos e documentos do Sindicato foi justamen-
te essa luta, porque a gente sofreu muito. Tivemos muitas perseguições,
muitas retaliações. Às vezes, fomos até impedidos de trabalhar em locais
importantes e perseguidos, praticamente, pelo sistema capitalista, retalia-
dos. Isso é o que marca na história e o que a gente vai contar pra nossos
filhos e nossos netos (Petroleiro B, set/2007).

135
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Em outro depoimento, surge novamente o aprendizado político proporcio-


nado pela participação em greves da estatal:

Na greve de 1995, eu como um dos coordenadores, em Jequitaia,


falava para o pessoal: ‘Olha, não pode entrar para danificar bem de nin-
guém. Você tem que segurar aqui fora.’ E eu vi engenheiros carregando
pau, barrote, para poder ajudar a fazer o piquete, para a gente poder acer-
tar, negociar. A gente saía três horas da manhã para poder fazer o piquete,
botar corrente nas grades, e isso e aquilo. E me lembro bem que a polícia
quando chegava, chegava abafando, querendo bater na gente. Tinha umas
três ou quatro meninas e tinha aquele pessoal, aqueles mendigos que fi-
cavam aqui perto, em Jequitaia, no calçadão fazendo o trabalho deles ali.
E as meninas carregavam aquelas fezes, botavam numa pá e levavam para
gente passar nas cordas e nas fachas. Quando a polícia chegava aqui e
pegava, eles ficavam: ‘ah, não sei o quê...’ e ficavam danados. Eu dizia:
‘Camarada, tenha paciência, mas é isso mesmo. Entre aqui, lave a mão
aqui, tem um sabonete aqui, e isso e aquilo.’ Então, essas coisas que me
marcaram, mas a gente do movimento sindical tem um cuidado de primei-
ra coisa, preservar o bem da Empresa (Petroleiro C, out/2007).

Em mais uma memória, a greve é uma experiência pedagógica necessária


para a compreensão da luta política:

Sou sindicalizado e participei de todas as greves. Não tive nenhum cargo


no sindicato e a greve que mais me marcou foi a greve dos 30 dias, se não me
engano em 93, 94. Foi um momento muito forte. Começou pensando que ia
ser de uma semana, aí foi se alongando. A gente, com interesse de voltar ao
trabalho e o governo com as intransigências. Terminou que foi se acumulan-
do. Teve momento, da gente se esconder no mato, porque, às vezes, queria
trabalhar por convocação, e a gente nem sabia, que tinha toda uma estrutura
de base, em vigilância.  Ficávamos escondidos no mato, em função disso,
para barrar muitos pelegos que queriam entrar. Terminou que nós fazíamos

136
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

campanas, ficávamos a noite toda dentro do mato. Tenho algumas fotos sobre
essas coisas. O pessoal queria furar a greve, a gente já estava num momento
decisivo, 25 dias, 20 dias de greve. Furar a greve, agora, seria a última instân-
cia, uma derrota total. Formavam-se os grupos de balsa, nós íamos de balsa
a Araçás, Muriacica, todos esses cantos a gente estava correndo, gerando
conflitos, os amigos... era uma situação terrível. ‘Que traição terrível essa!
Você está vendo toda uma estrutura formada, a gente avançando e vocês
dando uma de pelego’. Então foi uma coisa muito ruim.Pela manhã, você
olhava os jornais, até hoje tenho trauma, quando tem aquele jornal da manhã.
Geralmente, a gente ia para ver as notícias da Petrobras, a evolução da greve,
então, sempre tinha aquele modelo de jornalismo. Marcou muito, na vida da
gente. Por isso, por essa necessidade. Foi por direitos de salário, plano Collor,
mudança de regime de turno; uma série de perdas para os profissionais da
área de petróleo. A gente precisava estar atento, para não perder mais do que
já tinha perdido (Petroleiro D, out/2007).

Na década de 90, do século passado, ocorrem estas duas greves, sendo a de


1995, contra a quebra do monopólio do Petróleo. Um governo de cunho neo-
liberal – o de Fernando Henrique Cardoso (FHC) – que endurece as relações
com as organizações sindicais, e trata o movimento grevista como um caso de
polícia e segurança nacional. Segundo um trabalhador da empresa:

Na greve de 1994 a 1995, nós estávamos todos concentrados no portão


de entrada do Mirim e, de repente, a gente viu uma tropa da polícia mista,
do Exército e outras, chegando. Então aquilo para mim foi assustador. Todos
saíram em disparada quando viram o pessoal naquele toque de opressão. Isso
para mim foi um momento muito marcante (Petroleiro E, nov./2007).

A greve de 1995 é retratada por um outro empregado:


Quando eu entrei, em 1983, a Petrobras estava vindo de uma greve,
que a gente tem orgulho de falar que é precursor em matéria de embate
político. Eu não acompanhei, porque foi na época que estava entrando na

137
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

empresa. Mas o momento mais marcante foi a greve de 1995. É o que a


gente chama de divisor de águas. O Itamar Franco tinha fechado um acor-
do conosco. E o Fernando Henrique assumiu e não cumpriu este acordo.
Foi quando ele falou aquela famosa frase: ‘Esqueçam o que eu disse.’ E a
gente saiu para a greve. Foi quando colocaram os tanques aqui na refina-
ria (Petroleiro F, nov./2007).

Em 1996, é realizada a unificação do STIEP com o SINDIPETRO, e tendo


à frente duas diretorias cutistas, nasce o SUP - Sindicato Único dos Petroleiros
da Bahia. Posteriormente, em 1999, a unificação do SUP com o Sindiquímica,
institue o Sindicato do Ramo Químico e Petroleiro (SRQP).

2. O Sindiquímica
A Associação dos Trabalhadores das Indústrias Petroquímicas, Químicas
e Afins da Bahia, fundada em 15 de abril de 1963, foi organizada para dar
continuidade às atividades do Sindipetro (Sindicato da Indústria do Petró-
leo). Em 1984, por decisão do Congresso dos Trabalhadores, foi criado o
PROQUÍMICOS, associação que passaria a representar os trabalhadores nas
indústrias químicas. Este foi, certamente, um grande marco para a luta dos
trabalhadores que, mesmos divididos oficialmente e burocraticamente pelo
governo e empresários, decidem unificar suas lutas.
Em 1989, chega ao fim o Proquímicos resultando na reunificação destes
trabalhadores no Sindiquímica. Deste modo, todas as lutas e campanhas pas-
sam a ser conjuntas, sendo alguns momentos importantes para as duas bases,
tais como: a greve de 1985, primeira paralisação de um pólo petroquímico no
mundo, elevação dos adicionais de turno para 88,5 %, implantação da quin-
ta turma em 1988, entre outras bandeiras de luta deste sindicato. Ademais,
em 1999, reuniram-se em único sindicato as bases do Stiep, Sindipetro e do
Sindiquímica , constituindo, a partir deste momento, o Sindicato do Ramo
Químico e Petroleiro (SRQP).

138
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

A partir da reestruturação produtiva ocorrida no país, a Petrobras também


sofrera uma profunda reorganização, em diferentes etapas e fases. O processo
de terceirização – que se intensifica e se generaliza no fim da década de 80 –
redefiniu as experiências dos trabalhadores petroleiros.
Adiante discutimos o perfil dos empregados da RLAM. Em seguida, anali-
samos o perfil dos trabalhadores terceirizados da atualidade e as percepções de
ambos os segmentos sobre a estratificação interna.

3. Percepção sobre reestruturação produtiva e condições


de trabalho e emprego entre os petroleiros estáveis

3.1. Opiniões dos Petroleiros

Apresentamos agora, a partir da amostra pesquisada, o perfil dos empre-


gados da estatal na RLAM e as opiniões sobre as condições de trabalho. Em
alguns momentos, comparamos informações sobre os empregados da estatal na
RLAM com as de trabalhadores da estatal de todo território nacional.
Dos 123 trabalhadores entrevistados, a maioria é do sexo masculino, 93%, ao
passo que apenas uma pequena parte deste total (7%) representa o contingente
feminino. Esta representação feminina é um pouco menos discreta no setor ad-
ministrativo, onde pode ser encontrada uma proporção de 8 mulheres para 53
homens. No relatório da Petrobras (2006), foi informado um percentual de 12% de
mulheres, em todo o território nacional . Esta proximidade demonstra que o perfil
da pesquisa de Druck (2000) continua atual ao serem cotejadas as duas fontes.
No que diz respeito à modalidade de turno, a presença feminina é ainda
menor, pois há apenas uma mulher para 61 homens. Estes dados só ratificam
a constituição histórica desse tipo de emprego industrial como notadamente
masculino (DRUCK; GODINHO, 2003).
No que se refere à escolarização, foi constatado que a escolaridade dos
trabalhadores da Petrobras é uma das maiores: 96% dos entrevistados têm aci-

139
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

ma do ensino médio completo. Desses, 23% têm superior completo e 2% têm


pós-graduação. Isto pode ser entendido a partir do fato que a admissão na
empresa ocorre por meio de concurso público, exigindo, em muitos casos, uma
escolaridade referente ao ensino médio. Os dados nacionais coincidem com os
da RLAM, visto que mais de 95%, em 2006, dos empregados também possuem
pelo menos o ensino médio completo.
As informações concernentes à idade expressam que os trabalhadores na
faixa etária de 39 a 48 anos são 54% dos entrevistados; os que se encontram en-
tre 29 e 38 anos, 34% dos trabalhadores. Nestas duas faixas agrupadas (88%),
estão os trabalhadores considerados em idade mais produtiva. Pelo fato de se-
rem escassos os processos seletivos na empresa nos últimos dez anos, estão
sub-representados os trabalhadores jovens. Dos 123 entrevistados, apenas 1
tem menos de 19 anos e 1 entre 19 e 28 anos de idade. No Brasil, a estatal tem
33% de empregados acima de 45 anos.
A distribuição dos entrevistados segundo o cargo informado mostra que a
maioria (43,6%) é operador; em seguida, os assistentes técnicos administra-
tivos (12,7%), auxiliares técnicos de segurança (5,4%), engenheiros (3,6%) e
fiscais (3,6%). As demais ocupações estão muito dispersas.
No concernente ao tempo de serviço na Petrobras, foram os seguintes resulta-
dos: 17% têm entre 9 e 12 anos, 32% entre 12 e 15 anos, 12% têm entre 15 e 18
anos, 19% entre 18 e 21 anos, e 13% entre 21 e 24 anos de serviço. 93% dos en-
trevistados têm entre 9 e 24 anos de serviço, enquanto apenas 2 trabalhadores têm
entre 3 e 6 anos. Estes resultados evidenciam, mais uma vez, a falta de concurso
público na empresa, pelo menos, para os principais cargos, na última década.
Uma matéria publicada, em fevereiro do corrente ano, expõe a questão das
estratégias de preenchimentos de vagas na empresa nos próximos anos:

A Petrobras anunciou mais um concurso, desta vez, para a contrata-


ção de 989 técnicos de nível médio. A seleção ilustra a agressiva política
de contratações da estatal, que bateu no final de 2007 a marca dos 50
mil empregados próprios. O número de terceirizados também aumentou
com força: 30,1% - de 146 mil em 2006 para 190 mil no ano passado.
De 2006 para 2007, o total de empregados próprios aumentou 4,7%. Des-

140
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

de 2003, quando a empresa decidiu repor com mais velocidade seu efetivo
sob o governo do PT, as contratações cresceram 45,4%. O número de em-
pregados saltou de 34,5 mil em 2002 para 50,2 mil em 2007. No período,
o total de terceirizados subiu 84,5%. Sob esse regime, estavam empregadas
103 mil pessoas em 2002 (Folha de São Paulo, 07 fev. 2008. Disponível em
www.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/. Acesso em 10. fev.2008).

No tocante às faixas salariais, somente 3% dos trabalhadores ganham até 3


salários mínimos (SM) , 59% ganham entre 6SM e 12SM e 32% ganham entre
12SM e acima de 15 SM. Os dados mostram que os salários mais altos são
daqueles trabalhadores que têm entre 18 e 24 anos na empresa, ou seja, os que
têm mais anos de serviço. Já os 3% que ganham até 3SM têm até seis anos de
serviço. Segundo relatório anual da Petrobras (2006), o salário atual é de R$
3.330 para profissionais de nível superior e de R$ 1.150 para operadores, em
valores atuais, entretanto, se obteve percentual destes dados.
Ao perguntar se os trabalhadores se sentiam seguros no seu emprego, as res-
postas no mínimo foram surpreendentes – justamente por se tratar de uma empresa
estatal, em que há uma relativa estabilidade –, 80% não se sentem seguros, enquan-
to apenas 17% se sentem seguros. Esta falta de segurança se evidencia em maior
medida entre os trabalhadores de turno, um percentual de 85%. Mas também é alto
o número dos trabalhadores do administrativo que se sentem inseguros (74%).
Os principais motivos apresentados pelos que responderam por que não
se sentem seguros foram: as mudanças constantes na gestão e organização da
empresa; política econômica do governo atual; privatização/terceirização; glo-
balização; corte de custos, enxugamento, conjuntura; instabilidade da empresa;
ninguém tem segurança hoje no Brasil; venda ou fusão da empresa e constante
redução do quadro e demissões.
Já para os 48% que responderam por que se sentem seguros, os motivos
variam muito, mas o que mais se constata “é porque a empresa tem estabilidade
no emprego” . Além desse, aparece: por ser estatal e porque é estável e sólida.
Os restantes se referem à condição individual do entrevistado, a exemplo de:
acompanha a norma da empresa; é competente, inteligente e produtivo; tem
perspectivas de futuro e confia em Jesus Cristo.

141
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Uma última questão referente à terceirização abordou a temática sobre o


interesse dos trabalhadores (petroleiros) em serem terceirizados. O resultado
foi que 93% dos entrevistados responderam que não gostariam e apenas 2%
responderam que sim. Estes dados refletem que o trabalhador da Petrobras
sabe bem o significado da terceirização. Os motivos apresentados pelos que
responderam que não gostariam de ser terceirizados foram: falta de estabili-
dade, insegurança, não ser valorizado e ter poucos direitos; perda dos direitos
trabalhistas; exploração da mão-de-obra; salário menor e falta de benefícios;
é desvantagem; pioraria tudo; é humilhação, dentre outros. Motivos que ex-
pressam o grau de precarização e de perdas que os trabalhadores estão su-
jeitos quando são terceirizados. Um quadro cujos dados indicam a situação
dos trabalhadores petroleiros estáveis em comparação a dos terceirizados.
Condição material e de inserção social no local de trabalho que explicam a di-
ferenciação, a heterogeneidade e a separação ou a constituição de fragmentos
dos segmentos analisados.

3.2. Opiniões dos Terceirizados

Em relação aos terceirizados, os dados do perfil foram obtidos em pesquisa


de campo realizada durante uma paralização na RLAM, em 2001.
Em referência à idade dos entrevistados, a maioria (70%) tem mais de 30
até 50 anos e trabalha de forma bastante rotativa e instável. O tempo de serviço
dos trabalhadores terceirizados da RLAM tem a seguinte distribuição: 51,6%
dos trabalhadores têm até três anos empregados; 12,9% têm de 3,1 a 6 anos de
serviço. Estes dados expressam um trabalho rotativo, uma vez que são 14,6 %,
da amostra, os que têm mais de 6 até 12 anos de tempo de serviço.
A seguir as questões que os terceirizados mais fazem a se mesmos: como
um sujeito com mais de 30 anos e que ainda não se estabilizou na vida deve
se auto-representar? Em que medida a cobrança da família e dos vizinhos não
expressa o desalento com o cotidiano? Como se configura a trajetória de um
indivíduo que trabalha temporariamente? E a intermitência, como é ressignifi-
cada? Como se constitui a cobrança que ele próprio se faz?

142
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Nesta situação, o sujeito não deve ficar à vontade, já que a noção de proje-
to de vida fica bastante comprometida. Como pensar a longo prazo? Além disso,
que perspectiva de vida pode ter um indivíduo com 50 anos transformado em um
trabalhador irregular/instável? Sennett (1999) deu grande contribuição acerca
da questão, ao expressar que o estar trabalhando marca no sujeito um caráter re-
conhecido e valorizado socialmente. Por outro lado, a incerteza desta dimensão na
vida (não estar trabalhando) “corrói o seu caráter”. Assim, o autor enfatiza que o
caráter é “moldado a partir de traços pessoais a que damos valor em nós mesmos,
e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem” (Idem, 1999, p.10).
Quanto à escolaridade, foram os seguintes resultados: 72,6% dos entrevista-
dos têm até o ensino médio incompleto, e aproximadamente, 56% só estudaram o
fundamental. Deste modo, os subcontratados têm uma escolaridade/qualificação
menor do que os empregados da estatal. O “saber fazer” aprendido no cotidiano
do trabalho, isto é, a qualificação informal, supera a qualificação formal, já que
mais de 2/3 dos trabalhadores entrevistados não possuem o ensino médio.
A composição por gênero revela que o tipo de trabalho é essencialmente mascu-
lino. Cerca de 90% dos entrevistados são homens e 9,7% não responderam à per-
gunta. As mulheres representam – segundo informações dos dirigentes sindicais
– menos de 2% da categoria, e quando trabalham nestas atividades, por exemplo,
desempenham funções como soldadora de torre e auxiliares de limpeza industrial.
No concernente à questão da quantidade de empreiteiras nas quais traba-
lharam, foi constatado que 53,1% já trabalharam em mais de dez empreiteiras.
Esta informação reforça o pensamento de que os terceiros exercem um trabalho
com alto grau de rotatividade. Por este motivo, a ideia de carreira aqui é então
impossível de ser constituída. Deste modo, ter um trabalho fixo e regular é só
um desejo, posto que somente 8,1% trabalharam em apenas uma empreiteira.
Em relação ao salário que recebem 30,6% ganham de um até três salários
mínimos e 59,7% ganham de mais de três até seis salários mínimos. Se somadas
as duas faixas constata-se que do total dos entrevistados 90,3% ganham, no
máximo, de um a até seis salários mínimos.
Sobre as ocupações dos entrevistados, 17% são ajudantes (práticos, de cal-
deireiro, de mecânico, de montagem e de soldador), seguidos por soldadores,

143
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

12,9%, caldeireiros, 11,3%, e 8,1% de encanadores. Uma característica central


no segmento - que pode se depreender do perfil analisado - é a presença mar-
cante de trabalhadores de manutenção industrial, uma vez que as ocupações
analisadas constatam essa realidade.
Quanto à questão de plano de saúde, cerca de 80,6% responderam negati-
vamente, ou seja, não têm seguro-saúde pago pela empresa. Este dado expressa
o nível de precarização desses trabalhadores uma vez que trabalham nas insta-
lações de uma refinaria e estão expostos a alto risco à saúde, mas não possuem
nenhum tipo de assistência.
Entretanto, há um dado positivo: dos entrevistados, 87,1 % possuem cartei-
ra de trabalho assinada, 1,6% não têm carteira assinada e 11,3% não respon-
deram. Esta é uma dimensão importante dos resultados políticos obtidos com
a criação do Siticcan. Este possibilitou o avanço em relação à posse de uma
carteira assinada. Situação esta que não se verificava no início da terceirização
na RLAM, época em que a maioria das empreiteiras não registrava o vínculo
empregatício na carteira de seus empregados.
Confirmando a hipótese sobre a segmentação objetiva e institucional que
ocorre entre trabalhadores de empreiteiras e trabalhadores da Petrobras, 82,3%
dos terceirizados afirmaram que existem lugares na refinaria onde lhes são
proibido o acesso, ou seja, um tipo de discriminação que é institucionalmente
fomentado. Geralmente, os trabalhadores terceirizados não podem frequentar
refeitórios, não entram pelo mesmo portão na fábrica, não frequentam os mes-
mos vestiários. Segundo depoimento:

Sinto-me discriminado na seguinte questão, todo dia quando vou dei-


xar o serviço tenho que ser revistado pelos seguranças da Petrobras e sei
que os trabalhadores da empresa não passam por revista. Então acho que
isto é discriminação (Terceirizado I, mar./2001).

Em relação à questão da percepção da segmentação subjetiva, 40,3% enfa-


tizaram que já se sentiram discriminados por petroleiros e 58,1% disseram que
não se sentem discriminados pelos mesmos. Neste caso, é razoável supor que
existem, na percepção dos terceiros, dois tipos de discriminação com intensi-

144
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

dades diferenciadas: a que ocorre do empregado da estatal para com o traba-


lhador de empreiteira e a que se dá por parte da Petrobras. Por este motivo, os
58% podem responsabilizar a empresa em referência à prática da discrimina-
ção. Então cabe enfatizar que existe uma bifurcação – nas opiniões dos tercei-
rizados - acerca do entendimento dos mecanismos de discriminação na estatal:
preconceitos relacionais e discriminações fomentadas pela gestão da empresa.
Em um depoimento, a questão é assim explicitada:

A discriminação não seria bem nessa parte das condições de trabalho.


Porque os trabalhadores de empreiteira, por exemplo, que trabalham de ma-
nhã (...) tem a divisão: tem o pessoal de manutenção que trabalha direto com
os funcionários da Petrobras. Esses sofrem menos discriminação porque usam
todas as instalações da Petrobras. E têm os trabalhadores das empresas que
são contratadas para fazer uma obra (...) aí os trabalhadores dessa empresa,
por exemplo, ele quer tomar água, aí tem os bebedouros na área da Petrobras,
dentro das unidades pro funcionário tomar, mas muitas vezes a água esquen-
ta. E na sala dos operadores tem um bebedouro, que se ele for lá ele poderia
tomar água gelada. Aí o pessoal da Petrobras procura o quê? Evitar que esse
pessoal tenha acesso a essas coisas. Quer dizer, porque ali tá para o funcioná-
rio da Petrobras. É sala com ar condicionado, é bebedouro com água mineral,
certo? É a alimentação deles, é, por exemplo, tem uma cozinha dentro da sala
que eles ficam lá trabalhando. Ai o trabalhador quer ter acesso a esses locais e
os petroleiros na verdade não concordam. A discriminação tá aí. Porque é nes-
sa situação. Porque o petroleiro ele não quer que o trabalhador de empreiteira
invada a privacidade dele (sic) (Dirigente sindical terceirizado, mar./2001).

Além disso, esse intenso processo de segmentação pode ser percebido nes-
te depoimento:

O vestiário do pessoal da Petrobras tem uma pessoa lá, uma ou duas


pessoas a depender do tamanho do vestiário, tem manutenção direto. Fi-
cam limpando, é entupir alguma coisa, o cara vai lá e tal e desentope. Os

145
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

funcionários da Petrobras têm os armários, o banheiro, o vestiário é todo


azulejado, tudo direitinho. E o da empreiteira é de construção, é malmen-
te rebocado e pintado. Os funcionários no vestiário deles têm bancos pra
sentar. Quer dizer, pode sentar, pode vestir sua calça e tal. O da emprei-
teira não. Só tem lá as paredes, o quadrado com o chuveiro e os armários.
Aí o cara para calçar o sapato, para vestir a roupa tem que vestir em pé
mesmo (sic) (Dirigente sindical terceirizado, mar./2001).

As condições em que ocorrem a diferenciações estruturais estimulam uma


convivência num espaço fabril extremamente hierarquizado e separado, sendo a
fragmentação percebida no plano da subjetividade dos que trabalham como sub-
contratados. Deste modo, paira, então, uma pergunta: será que “os de cima”, os
trabalhadores estáveis, também percebem a precariedade dos trabalhadores das
terceiras? Os dados revelam que percebem, sendo que uns internalizam a indife-
rença com a situação enquanto outros consideram esta discriminação perversa.
A questão da hierarquia também está presente na relação entre trabalha-
dores de empreiteiras e da Petrobras, já que nenhum funcionário da empresa
trabalha em função semelhante a de um operário de empreiteira. Na maioria
das situações, os empregados da Petrobras são supervisores das atividades dos
terceiros. Portanto, se estrutura uma relação hierárquica entre os diretamente
contratados e terceirizados na RLAM.
Quando interrogados sobre a identidade petroleira, o resultado obtido foi
o de que 80,6% dos terceirizados disseram que não se consideram, já que se
atribuem a condição de trabalhadores de empresas de montagem e manuten-
ção industrial. Cabe salientar que, apenas, 12,9% do total dos entrevistados se
consideram petroleiros, entretanto, relacionando esta informação com os dados
sobre tempo de serviço, pode-se perceber que 60,1% dos terceiros têm até três
anos de serviço e 30% têm mais de 6 anos. Porém, como somente 12,9% se
auto-reconhecem como petroleiros, neste caso, descarta-se o tempo de serviço
como um dos elementos constituidores de uma identidade profissional.
Deste modo, estes trabalhadores têm dificuldade de perceber que são pe-
troleiros contratados de forma indireta. O sindicato, nos idos de 2000, debatia
sobre a identidade petroleira:

146
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Eu acho que não, o pessoal dessa época de 90, naquela greve, na pri-
meira greve de 26 dias ele criou essa cultura lá na assembleia que, todos
nós somos petroleiros, a gente costumava falar os petroleiros diretamente
contratados, os da Petrobras, e os petroleiros indiretamente contratados
que eram os terceirizados, e dizia que todos eram petroleiros porque tra-
balhava no petróleo, mas eu acho que eles na realidade não viam a gente
como petroleiros, assim como os terceirizados também não se sentem pe-
troleiro (sic) (Terceirizado, abr./2003).

Ademais, parece que o discurso sindical não encontra ressonância entre


os trabalhadores da base, uma vez que os operários rechaçam a identidade de
petroleiro mesmo que indireto. Não é difícil entender esta questão: como po-
dem se sentir petroleiros se convivem com empregados da Petrobras, mais bem
pagos, com uma vida melhor, com melhores condições de trabalho e portadores
de experiências “estáveis” no emprego?
A própria valorização social de que goza o petroleiro estável é uma justifi-
cativa para que trabalhadores de empreiteiras da Petrobras não se identifiquem
com essa condição, na medida em que portam um status socioprofissional
muito menos valorizado. Enfim, no imaginário social, ser petroleiro é ter bom
emprego, boa renda e condições de vida satisfatórias. Portanto, a identidade
petroleira é associada, no caso brasileiro, a ser empregado direto da estatal,
não expressando uma interdependência entre a identidade e a realização de
atividades profissionais ligadas ao petróleo. Como decorrência desta situação,
os terceirizados não se reconhecem como petroleiros.
A constituição deste “jogo de identidades” se manifesta em um complexo ca-
leidoscópio. Hall (2002) abordou a identidade como fenômeno social, relacional,
não-essencialista, eivada de relações de poder e construído socialmente. O autor
considera, em seus estudos, as identidades diaspóricas e transculturais.
Por conseguinte, essa discussão teórica se evidencia na manifestação des-
te jogo de identidades profissionais entre os trabalhadores da RLAM. Assim,
um primeiro bloco é formado pelos petroleiros, uma vez que sua identidade
associa-se com o fato de ser empregado da estatal. Um segundo conjunto é

147
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

formado pelos terceirizados quase-permanentes da RLAM que trabalham, por


longo período de tempo, trocando somente o crachá e a empresa. No terceiro
contingente, se encontram os operários de paradas, os terceirizados rotativos.
Complementam este complexo arcabouço identitário, os aposentados da estatal
que se tornam empregados das terceiras e os terceirizados que passam para a
condição de trabalhador da estatal.
A maioria dos petroleiros se auto-representam como os legítimos trabalha-
dores da área. Os quase permanentes enquanto “petroléricos” fazendo alusão
à junção da identidade petroleira com a marca genérica de medicamentos. Os
operários de paradas são os empregados da “chupa toda”, ao passo que os
aposentados se percebem como elementos descartados e desvalorizados pela
estatal. Os que passaram da condição de terceirizados para petroleiros apagam
seu passado de discriminados e concebem seu emprego atual a partir de um
discurso fortemente meritocrático. Os terceirizados percebem os petroleiros
como donos da empresa, bem como aposentados enquanto privilegiados. Por
fim, os petroleiros vêem os terceirizados como operários sub-proletarizados.
Por este motivo, a terceirização complexifica, sobretudo, a relação dos operá-
rios com sua identidade profissional.
Além disso, no tocante à identidade sócio-profisional, existe um “mosaico
de classes constituído por laços frágeis”, em que as diferenciações também são
construídas a partir da dicotomia trabalhador manual/trabalhador intelectual.
No caso dos sindicatos, como se demonstrará a seguir, o dos terceirizados
elaboram um discurso de que subcontratados da refinaria são petroleiros indi-
retamente contratados. Por outro lado, a base só se identifica com a noção de
que são empregados do setor de manutenção/serviços. No caso do sindicato dos
diretamente contratados, existe um silêncio/omissão sobre o debate identitário.

4. A organização política dos terceirizados


O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil, Monta-
gem e Manutenção de Candeias, Simões Filho, São Sebastião do Passé, São
Francisco do Conde e Madre de Deus - (SITICCAN) surgiu a partir da trans-

148
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

formação da Associação dos Trabalhadores na Construção Civil de Candeias em


sindicato, no dia 26 de março de 1989. A partir deste momento, representou os
interesses do segmento composto de trabalhadores das empreiteiras industriais
da região. Essas empresas ficam situadas entre a RMS e a região do Recônca-
vo baiano, onde se localizam alguns complexos fabris, a exemplo da Refinaria
Landulfo Alves, da Petrobras e empresas do ramo siderúrgico, metalúrgico e
químico como: USIBA, ALCAN, SIBRA E DOW QUÍMICA.
A história do Siticcan é contada por um de seus dirigentes:

Este sindicato surgiu na época de 1990. [Houve uma reunião em que


participou] Sinézio, João e outros companheiros combativos - alguns de-
les já faleceram. Eles tiveram iniciativa na época em que a terceirização
estava se disseminando e os trabalhadores estavam sofrendo muito, baixos
salários, condições de serviço precário. Eles pensaram e falaram vamos
criar uma Associação de trabalhadores dentro da Refinaria. Naquela época
tinha mais de 10.000 trabalhadores na Refinaria, isso foi em 1990. (...). A
ajuda foi política. Com o pouco espaço de tempo, eles estavam com pen-
samento de fazer um sindicato único dentro da Refinaria, mas o processo
é meio complicado porque os próprios petroleiros diretamente contrata-
dos não aceitavam os terceirizados, tinha um processo de discriminação,
aí eles tiveram um pensamento melhor: vamos ajudar esse pessoal a fazer
o sindicato deles. Aí chamaram uma reunião e começaram até dar um su-
porte financeiro. E se criou o sindicato da categoria, da construção civil.
E o que aconteceu naquele período, foi à época da greve dos terceirizados,
a maior da região, que ficou parado 36 dias. O Sindipetro deu todo apoio
a nossa greve, aí foi que eles vieram pra cima, deram orientação jurídica e
política e financeira também. Tinha a vontade dos terceirizados de fazer,
em ter seu próprio sindicato e andar com suas próprias pernas? Existia na
época divergência entre os petroleiros, tinha uma parcela que pensava que
a categoria deveria crescer sua própria organização. Por outro lado existia
um grupo dentro do sindicato que é um pessoal que hoje saiu do movi-
mento que era o peleguismo, que fazia o jogo do patrão. Tava lá, ganhava

149
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

estabilidade e não aceitavam que os terceirizados viessem a se organizar,


que pra eles seriam uma faca na garganta deles. Eles eram ligados a Mário
Lima (sic) (Diretor Sindical Terceirizados, abr./2003).

Os trabalhadores eram submetidos, quotidianamente, a precárias condições


de trabalho e o sindicato tem agido com objetivo de reduzir estes danos, denun-
ciando-os desde o início:

Antes do fortalecimento do sindicato éramos humilhados, fazíamos


nossas refeições embaixo das árvores porque não tínhamos refeitórios,
vestiários não existiam e tínhamos que trocar a roupa escondido pelos
cantos, éramos transportados como gados, os caminhões lotados e inse-
guros nos levava para o trabalho e quando lá chegávamos, nem mesmo a
água potável tínhamos direito (Boletim da Chapa Unificação, s/d).

Essa situação, continua sendo denunciada através do boletim da categoria e


vem sendo combatida por meio de muitas mobilizações realizadas durante todo
este tempo - a exemplo da histórica greve de setembro de 1990, feita conjun-
tamente com o sindicato dos petroleiros, que durou 36 dias, obtendo, então,
conquistas importantes como reajuste escalonado de 84,32%.
Em 1991, outra greve foi realizada com o apoio do Sindipetro. Esta durou 36 dias
e conquistou na justiça, além do reajuste salarial, o pagamento dos dias parados.
Em 1992 e 1993 foram realizadas várias mobilizações em prol da melhoria
das condições de trabalho, entretanto, não foi registrada nenhuma greve. Em
1994, os terceirizados pararam as atividades por 21 dias, sendo esta realizada
somente pelo segmento dos terceirizados. Neste momento aparecem os primei-
ros sinais da segmentação política.
O que se depreende dessas ações é que o Siticcan possui uma história de
defesa dos interesses dos trabalhadores das empreiteiras da Petrobras.
Além disso, os sindicalistas têm uma clara oposição à prática da terceiriza-
ção/subcontratação de mão-de-obra.
É lícito afirmar que, embora o segmento tenha uma forte tradição de luta e
combatividade, o fato de serem trabalhadores tipicamente terceirizados, revela

150
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

um grau de precarização bastante agudo das condições de trabalho e de saú-


de. São problemas frequentes: a falta de equipamentos de proteção individual
(EPI): capacetes, protetores contra ruídos, cintos de segurança, botas, etc.;
condições insalubres e periculosas de trabalho; péssima alimentação; ausên-
cia, em alguns casos, de assinatura na carteira profissional; não pagamento do
FGTS – quando da dispensa; até casos mais graves, como lesões e mortes nas
plantas das contratantes como pode ser verificado:

Cresce de forma assustadora o número de acidentes de trabalho na área


da [Refinaria]. Só na última semana de novembro foram registrados 15 ca-
sos envolvendo trabalhadores da nossa categoria, vítimas da negligência e do
descaso dos setores de segurança da área. O fato mais recente ocorreu com o
companheiro Ivan Alves operário da empresa [A] que caiu de uma altura de
mais ou menos 8 metros, vindo a falecer no último dia 03 no Hospital Alian-
ça. Nossa categoria está de luto (Boletim Maçarico, num. 102 - dez/96).

Além da precarização das condições materiais no trabalho, ocorre uma


fragmentação das identidades coletivas causada pela ameaça constante do de-
semprego, pela discriminação sofrida e pela individualização nas relações de
trabalho. Esse quadro contribui para a reconfiguração da subjetividade do tra-
balhador, já que no mesmo espaço fabril convivem trabalhadores com estatutos
diferentes e direitos diferenciados: os trabalhadores contratados diretamente e
os trabalhadores das empreiteiras:

Em relação ao sindicato dos petroleiros, nós nunca tinha problema


nenhum, só tinha aquela visão: você cuida do seu e eu cuido do meu. Vi-
são até equivocada de ambas as partes. Eles não conseguiam pensar que
o trabalhador é um só, independente da formação dele (sic) (Dirigente
sindical dos Terceirizados, 2003).

Neste caso, a questão da segmentação de interesses é vislumbrada “você


cuida do seu e eu cuido do meu”, então, a resistência das bases dificulta a uni-
ficação política dos petroleiros e dos terceirizados da Petrobras:

151
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Chegou o momento que aquela diretoria tentou até unificar os terceiri-


zados com os petroleiros. Elaborando tese pra ser um sindicato só. Só que
houve aquela barreira daquele grupo que achou que não tinha nada a ver. Aí
foi fortalecendo e essa discussão chegou até a base e tava criando um conflito
muito grande entre trabalhador terceirizado e os diretamente contratado, que
ia ser inimigo do outro, essa imagem estava chegando pro trabalhador e isso
não era bom. Aí essa ideia foi por água abaixo, a gente começou a ver que
não dava, era melhor deixar como estava, para lá na frente amadurecer e pen-
sar na unificação (sic) (Dirigente Sindical Terceirizado, maio/2003).

Uma denúncia enfatiza a precariedade dessa relação entre trabalhadores


diretos e indiretos:

Área P da RLAM - Os operadores da área P estão tornando a vida


dos trabalhadores das empreiteiras em uma vida de cão, não nos deixando
beber água. Tem alguns petroleiros que pensam ser os donos da Petrobras,
assim não dá para chamar esses trabalhadores de companheiros (Boletim
Maçarico, nº. 69, out./94).

Vale ressaltar que esta estrutura de relacionamento torna-se um duplo de-


safio para os sindicalistas. Na medida em que, além de lutar por melhores con-
dições materiais para a categoria, têm que lutar contra o preconceito existente
no espaço intra e extra fabril.
O fenômeno da subcontratação, prática comum entre as empresas terceiriza-
das, ampliou a estratificação interna visto que a quarteirização complexificou ainda
mais as condições de trabalho. As empresas quarteirizadas não garantem condições
e proteções trabalhistas necessárias, além de desaparecerem do dia para a noite sem
prestar auxílio e sem pagar direitos trabalhistas e encargos sociais.
Ademais, é noticiada uma nova modalidade de desemprego:

RLAM - Paraíso dos Aposentados - Visando tirar vantagens com a


Petrobras, as empreiteiras estão dando prioridade na admissão aos tra-

152
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

balhadores aposentados da Refinaria, só na Engim já são mais de dez. E


se a moda pegar, dentro de pouco tempo as gatas só vão querer fichar os
aposentados da Petrobras. O argumento utilizado para justificar esse pro-
cedimento é taxativo, eles alegam que os aposentados devido a sua ‘larga
convivência’ dentro da Rlam, tem certa facilidade para conseguir as coisas
por lá, porque conhecem muitos setores e um grande número de pessoas
influentes; uma ferramenta emprestada aqui, uma multa cancelada ali e
tudo bem. O Siticcan está de olho aberto, e não vai permitir o crescimento
desse círculo vicioso, que está tirando os empregos dos nossos compa-
nheiros (Boletim Maçarico, nº. 100, nov./96 – Grifos Nossos).

Esta denúncia/notícia indica o corporativismo por parte dos terceirizados.


Para evidenciar este comportamento, coletou-se uma tese defendida por um
participante no antepenúltimo congresso do segmento – ocorrido no mês de
março de 2003:

Tese 18 – Emprego para quem não tem e não para aposentado – Um


problema que vem se tornando comum na base do SITICCAN é o fato
de aposentados da Petrobras estar sendo contratados no lugar de traba-
lhadores da construção civil e montagem. Com o achatamento salarial
que vem ocorrendo nos anos FHC, os aposentados perderam também
em suas aposentadorias, o que fez com que muitos voltassem a procurar
emprego de novo. Só que com isso aumentaram a concorrência na nossa
base. Além dos desempregos, tem agora os aposentados que disputam
uma vaga com quem não tem nada. Não é justo alguém com renda tomar
uma vaga de um desempregado. O Siticcan deve combater esse tipo de
coisa, pois está tirando o emprego de trabalhadores que precisam traba-
lhar e dando a quem já tem uma renda fixa, que é a aposentadoria. Se os
aposentados acham que não podem viver com a pouca aposentadoria,
imaginem quem não tem nada (Terceirizado Base. Caderno de Teses 7º
congresso dos Trabalhadores. Base Siticcan).

153
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Merece por em relevo que a tese tem uma conotação corporativa, embora
apresente argumento compreensível do ponto de vista político e social. Em en-
trevistas aos diretores do sindicato, percebe-se que estes são a favor dessa tese,
a qual foi aprovada como bandeira de luta do período. O depoimento de um
diretor sindical dos terceirizados expressa esse comportamento:

Nós fizemos um congresso recentemente e aprovamos uma tese, nós


colocamos uma cláusula na pauta de reivindicação e estamos esperando
o sindicato patronal, que ele nos chame para começar nossas reuniões
da campanha salarial, e temos um ponto lá que nós colocamos uma rei-
vindicação contra o trabalhador aposentado no nosso segmento, porque
aposentado tem que descansar... tem que descansar... Fica difícil... O
aposentado trabalhou vinte, trinta anos. Tanta gente querendo trabalhar e
esse aposentado tira oportunidade de uma pessoa nova que quer ingressar
no mundo do trabalho. E ele tira porque tem facilidade, conhecimento
dentro das empresas, ser um aposentado da Petrobras e ter seus trâmites
e ele consegue com facilidade entrar. Por isso nós somos contra. E essa
bandeira não é só nossa não!, nós já fizemos reunião com o sindicato do
ramo químico e petroleiro e essa bandeira é conjunta (Diretor Sindical
Terceirizado, abr./2003).

O corporativismo indica uma possibilidade de desgaste maior no relacio-


namento entre os segmentos. Mas por que o sindicato dos trabalhadores de
empreiteiras não incorporam os aposentados da Petrobras como seus represen-
tados? Os trabalhadores contratados - embora aposentados - não são também
explorados? Não são submetidos às mesmas condições de trabalho dos tercei-
rizados? É plausível supor que a discriminação e a falta de solidariedade entre
os petroleiros e os trabalhadores de empreiteiras – como ficaram evidenciados
em alguns depoimentos – reforcem o corporativismo.
Os depoimentos sinalizam também o corporativismo presente nas relações
dos terceiros com colegas aposentados da base petroleira. O problema dessa
perspectiva é a exclusão dos novos contratados das terceiras, que, por serem

154
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

aposentados da Petrobras não são percebidos como novos terceiros. É plausí-


vel supor, então, que a discriminação do dia a dia dos petroleiros para com os
subcontratados na fábrica acarrete o não reconhecimento de um aposentado da
Petrobras enquanto colega de firma. Nesta direção, a situação é a seguinte para
funcionários de empreiteiras: uma vez petroleiro sempre petroleiro:

E eu vou dizer assim, um ato positivo, na própria Sertep, a gente


parou um dia a Sertep de manhã, dentro da área da refinaria, na Sertep
tinha um chefe que botou, a gente botou até o apelido dele é... Dadá peito
de aço, o nome dele era Darinho, ele tinha 25 anos de Petrobras e era
aposentado e era funcionário da Sertep e tinha ações da Sertep. Então, a
gente parou de manhã, porque ele tava tratando o peão como não deve ser
tratado, humilhando, descriminando. Então, a gente parou de manhã, aí
ele, sou eu ou eles, ou eu ou você vocês do sindicato, eu sou funcionário
da Petrobras tal, aí tudo bem, parou 1 hora, 2 horas de relógio, aí não
conseguiu avançar, aí mandou todo mundo retornar pra seus campos de
trabalho e meio dia decidia ou parava ou trabalhando. E quando foi meio
dia, decidiu parar, o pessoal veio almoçou, porque na mesa não avançou.
Então, a gente ficou já de dar a resposta meio dia. Então, ali foi um ponto
positivo, em que sentido, que a gente escolheu ou os trabalhadores todo,
trabalhando normal e o Darinho fora da área, ou então, o pessoal parava
e o Darinho na área, aí foi pra lá e resolveram, não, afasta o homem, aí foi
que tirou esse Darinho (F – Isso foi em que ano?) isso, tem uns 5 anos
isso (sic) (Terceirizado, jan./2004).

O depoimento de uma petroleira aposentada revela uma reflexão acerca da mu-


dança da condição de trabalhadora direta da Petrobras para a de terceirizada:

Fiz muitos cursos até 2000, quando me convidaram para vir fazer um
trabalho aqui, de três meses. Seria na área de gerenciamento. E, nesses
três meses, já vou fazer quatro anos de retorno, agora como contratada.
Eu acho que muda porque as pessoas são muito vaidosas, não é? E con-

155
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

tratada, às vezes – você sabe que tem todo tipo de pessoa –, não é por
todo mundo, mas o contratado é, assim, discriminado. Mas como o meu
temperamento é tranquilo, não sei se pelo fato de ter vivido muito tempo
aqui e ter angariado uma boa amizade, ser da casa, ter muito conhecimen-
to lá fora – porque eu fiz muito curso, viajei muito – então, eu não sinto
tanto. Mas eu vejo muita reclamação dos outros contratados (Aposentada
Petrobras e Terceirizada, nov./ 2007).

Assim, os trabalhadores aposentados que passam à condição de terceiriza-


dos retratam essa metamorfose: podem não ser discriminados pelos colegas de
geração que ainda estão na ativa, entretanto, não estão protegidos do precon-
ceito das gerações mais novas da estatal.
O sindicato dos terceiros tem uma noção clara dos prejuízos trazidos pela
terceirização entendida, como prática da gestão do trabalho que leva a uma
agudização da precariedade, à redução de direitos trabalhistas, desemprego,
etc. É o que indicam as informações coletadas nos boletins do sindicato sobre
os fenômenos da reestruturação, no período de 1990 a 1997:

GRÁFICO 13 – NOTÍCIAS SOBRE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

Fonte: Boletim Maçarico/Siticcan.

156
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Nunca é demais lembrar que o boletim é o principal meio de comunicação


entre o sindicato e a categoria. Por este motivo, é um instrumento de análise
privilegiada para compreender de que forma se dá a percepção sobre a reestru-
turação produtiva. Ainda, qual o “olhar sindical” sobre estas transformações?
Obviamente, o boletim precisa ser analisado como o lugar do discurso, e em
menor medida da prática e da ação. Para chegar a esta conclusão, cabe enfa-
tizar que nas entrevistas com sindicalistas torna-se explícito que muitas ações
propostas neste meio de comunicação não são realizadas.
Por conseguinte, também percebemos na leitura do boletim, a vitimização do
terceirizado frente ao processo de terceirização, além de uma visão um pouco despo-
litizada sobre o petroleiro. Deste modo, é um documento que propicia uma “leitura
crítica” do próprio terceirizado, em suas ações políticas cotidianas e institucionais.
Para se chegar a essa conclusão, classificaram-se as notícias dos boletins
entre ações propostas, ações realizadas e resultado de ações. A maioria das
ações propostas não era realizada, portanto, ficavam no plano do discurso. Po-
rém, essa classificação não é o único indicador do imobilismo do sindicato. Nas
entrevistas que se realizaram com os dirigentes, inquiriram-se os entrevistados
em relação às ações propostas e realizadas. Todavia, como as respostas eram
negativas acabavam dando suporte para a identificação do caráter amplamente
discursivo dos boletins, como meio de propagação de uma ideia, mas não ne-
cessariamente, de uma prática política.
A partir da análise dos boletins, nota-se que esses sindicalistas sempre ti-
veram uma percepção política clara da terceirização como principal problema
enfrentado pela categoria. No ano de 1990, do total geral de 19 notícias sele-
cionadas, 89% denunciavam o problema; no ano de 1991, 100% das notícias
eram sobre a terceirização, - embora o número de boletins do ano não tenha
sido representativo em relação aos outros anos investigados. Nos anos de 1992,
1993, 1994, 1995, 1996 e 1997 o fenômeno ocupou, respectivamente, 66%,
74%, 82%, 85%, 72% e 93% das notícias veiculadas pelo boletim.
Uma reflexão muito interessante se refere a uma ideia hegemônica, perce-
bida na análise das entrevistas com os terceirizados: a distinção em relação aos
petroleiros: um processo de mão dupla. Essas distinções ultrapassam a ques-

157
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

tão material, ou de matriz econômica (salarial, de benefícios extra-salariais),


já que aparecem também na questão da identificação profissional, nos direitos
de trabalho, no status social diferenciado na fábrica, na análise dos lugares,
das acomodações diferenciadas dos terceirizados e petroleiros, nos direitos de
locomoção pela planta fabril, nas condições de transportes dos dois segmentos,
em suma, na pertença diferenciada e percebida por todos:

Até o momento que nós chegamos à direção do sindicato nós encon-


tramos uma situação: trabalhador de contratada viajava no fundo de cami-
nhão, comia muitas vezes quentinha no meio do mato, sem ter um galpão,
sem ter um refeitório, sem ter uma instalação adequada, instalação sanitá-
ria extremamente precária, não se tem nem armário onde guardar a roupa,
sem ter um sanitário né, apropriado pro uso né, sem numero de chuveiro
necessário, sem numero de vaso sanitário e instalações adequadas, tudo
precário, era feito assim de uma forma improvisada esse atendimento para
as necessidades dos empregados das terceirizadas, enquanto que no caso
da Petrobras, a Petrobras já tinha um, o trabalhador da Petrobras já tinha
conquistado uma outra situação né, quer dizer já tinha um refeitório né,
razoavelmente confortável né, com um atendimento né, tinha até atendi-
mento com garçom né, francesa, opção, você podia escolher ou à francesa
ou à la cart; ou você era atendido no balcão ou o garçom lhe servia. Tinha
diversas opções o empregado da Petrobras. E para o trabalhador da ter-
ceira não tinha certo (sic) (Terceirizado, abri./2003).

Chama atenção, na leitura dos boletins do Siticcan , as notícias/denúncias


sobre condições de trabalho, preconceito de petroleiros, reforço do corporati-
vismo, em relação à justificativa dada pelos terceirizados para não participar da
greve de petroleiros em 1995, insucesso da proposta de unificação das bases
petroleiras com as bases terceirizadas do Pólo Petroquímico de Camaçari, entre
outras. Existiam também temas que apareceram nos primeiros anos de con-
fecção do boletim, como a reivindicação de identidade de petroleiros indiretos,
que desaparecera completamente nos anos subsequentes. Esse silêncio elucida

158
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

a forma como estava a relação terceirizada x petroleira no fim da década de 90,


do século passado.
Nas entrevistas com dirigentes sindicais terceirizados, aparecia, um dos motivos
de não participação dos terceirizados no apoio à greve dos Petroleiros, em 1995:

Em 95, eu vou explicar porque os terceirizados não participou, porque


tem detalhe. O dono da área, o dono da área interna você sabe que é petro-
leiro, a área é Petrobras. Então, quem poderia evitar o nosso acesso à área
eram realmente os petroleiros, era o sindicato com seus trabalhadores orga-
nizados, era quem poderia evitar da gente tá dentro da área da refinaria, fa-
zendo o serviço terceirizado, essa é a questão, e realmente nessa época aí, eu
fiquei dentro da área preso, fiquei uma parte lá dentro preso, se acontecesse
alguma coisa de emergência, tinha gente na área pra poder ter condições de
acionar qualquer problema que houver. Porque teve uma greve aí dos petro-
leiros mesmo, a ultima greve dos petroleiros ia até parar numa boa, e eles não
queria que o pessoal do terceirizado entrasse e os terceirizado não entrou,
botou piquete no portão 1, no portão 2, botou lá no [mirim] no Transpetro,
os terceirizados todo dia vinha, quando chegava lá os petroleiros nada. Os
petroleiros colocavam piquete e realmente os petroleiros tinha toda razão, se
eles forem olhar a área é da Petrobras, nós somos prestador de serviço deles
entendeu, aí era uma questão critica. Tem petroleiro lá que trata a gente muito
bem certo?, mas já tem outros que discrimina seriamente (sic) (Dirigente
Sindical dos Terceirizados, mar./2005).

A falta de diálogo entre os segmentos foi se tornando uma marca da relação.


O piquete antecede a qualquer conversa com o contingente terceirizado sobre
os motivos que levaram o segmento dos petroleiros a entrar em greve. Além dis-
so, o depoimento permite reconhecer o olhar do dirigente terceirizado em rela-
ção ao direito sobre o lugar, como sendo dos petroleiros, os “donos”, cabendo
somente aos terceirizados retornarem às suas casas, muito mais pelo piquete
posto nos portões da Refinaria do que por um convencimento da importância
de solidariedade à greve:

159
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Eu acho que não, o pessoal dessa época de 90, naquela greve, na pri-
meira greve de 26 dias ele criou essa cultura lá na assembleia que, todos
nós somos petroleiros, a gente costumava falar os petroleiros diretamente
contratados os da Petrobras e os petroleiros indiretamente contratados
que eram os terceirizados, e dizia que todos eram petroleiros porque tra-
balhava no petróleo, mas eu acho que eles na realidade não viam a gente
como petroleiros, assim como os terceirizados também não se sente pe-
troleiro. Se ele acha que os petroleiros são os contratados diretamente
pela Petrobras (Terceirizado, 2005).

Junto aos terceirizados, existe, também, uma busca de distinção que reproduz
o modelo discriminatório dos petroleiros. Desta forma, os terceirizados quase-per-
manentes, que ficam mais de três anos no trabalho e trocam de crachá de tempos
em tempos, também se afastam dos segmentos de terceirizados de paradas, que
ficam, no máximo, três meses no trabalho e dos quarteirizados, que trabalham em
obras, em geral mais duradouras, que uma parada para manutenção da fábrica,
mas, menos duradouras do que o vínculo dos trabalhadores quase-permanentes.
O desemprego foi tratado com menor frequência através dos boletins, já
que nos anos de 1990 e 1991 totalizaram um percentual de 11% e 0%, res-
pectivamente. Em 1992, das 56 notícias selecionadas, apenas, 14% abordavam
a questão. Em 1993, o fenômeno foi abordado em 21% das notícias, decres-
cendo, no ano seguinte, para 15%. Em 1997 das notícias divulgadas, apenas
5% enfatizavam o desemprego. Consideram-se algumas hipóteses sobre esta
situação: 1) os sindicatos podem estar presos ao ideário hegemônico de que re-
presentam os empregados, deixando de lado a luta contra o desemprego de sua
própria base; 2) O problema é tão corriqueiro na categoria (fim de obras, tér-
mino ou cancelamento de contratos das empreiteiras pelas contratantes, etc.)
que é dado prioridade ao combate à terceirização; 3) Sendo o desemprego um
problema central da sociedade atual, ele é discutido de forma insuficiente por
este sindicato através dos boletins. Este fato denotaria um equívoco político de
comunicação e/ou atuação, além de indicar um tratamento desigual dado ao
conjunto de práticas trazidas pela reestruturação produtiva.

160
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Os programas de qualidade total também são tratados de forma insuficiente


nos boletins. Este tema só apareceu em 2% das notícias selecionadas em 94 e 96
e nenhuma nos demais anos, o mesmo acontecendo com o tema reestruturação
administrativa/privatização . É razoável supor que, embora não possam ser to-
mados em absoluto, os resultados apresentados através do gráfico demonstram
que a centralização na denúncia da terceirização é compreensível, em decorrên-
cia deste ser o problema crucial vivido por este segmento de trabalhadores.
As cláusulas da convenção coletiva da categoria são importantes fontes no
que dizem respeito à compreensão política acerca das mudanças advindas com
a terceirização. Tomo como exemplo: a décima primeira do ano de 1990 – “em-
presas de mão de obra temporária” – que versa sobre a proibição de contrata-
ção temporária, visto que na convenção são permitidas somente as contratações
temporárias em paradas de manutenção/montagem. Ressalte-se que a empresa
tomadora – no caso a RLAM – fica solidariamente responsável pelos direitos
trabalhistas dos empregados das terceira, caso as empreiteiras se eximam de
pagar os direitos trabalhistas ao término do contrato. Em 1991, esta cláusula
foi indeferida pela Justiça do Trabalho no dissídio coletivo da categoria. Outra
cláusula importante é a da especificidade dos serviços prestados pelo trabalha-
dor das empreiteiras, já que esta tem o objetivo de impedir o trabalho multifun-
cional (Convenções Coletivas do SITICCAN 90 e 91).
Ainda em relação às cláusulas, uma outra é a que versa sobre a comunica-
ção e registro de obras, que obriga as empresas que contratarem mão-de-obra
abrangida pela convenção comunicarem o local e o tipo da obra. Em 1996, foi
adicionada uma importante complementação em um parágrafo na convenção.

A contratante principal deverá informar o endereço do canteiro de


obra, prazo previsto de duração da obra, número de funcionários e nome
do engenheiro responsável (idem).

Cabe enfatizar que a fiscalização do canteiro de obras pelo sindicato cons-


titue-se um avanço ao compreender a necessidade de controlar a situação de
trabalho destas empreiteiras na região.

161
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Contudo, embora no boletim não discuta a reestruturação administrativa,


este tema é tratado na convenção do Siticcan, já que, em todos os anos, existe
uma cláusula que proíbe o trabalho normal aos sábados, domingos e feriados, e
até mesmo à noite. Caso se desenvolva atividades nestes dias, a empresa tem de
pagar horas extras e compensar com folga na semana. Todavia, várias empresas
descumprem esta cláusula.
A cláusula que prevê estabilidade provisória tenta impedir que as terceiras
demitam o trabalhador nas seguintes condições:

Por 30 dias, no caso do gozo de auxílio doença, a contar da data de


retorno ao trabalho e ao empregado que esteja faltando doze meses para
aposentar-se, desde que o mesmo tenha três anos de trabalho contínuo ou
cinco de trabalho descontínuo na mesma empresa; excluindo os casos de
término do serviço desempenhado pelo empregado, término ou paralisa-
ção de obra, pedido de demissão ou dispensa por justa causa.

Em suma, a percepção sobre a reestruturação produtiva pelo sindicato tem


importantes avanços, como a denúncia das práticas da terceirizaçã e, à pre-
carização das condições de trabalho e saúde causada pelas empreiteiras; a luta
pelo reconhecimento de que são petroleiros e que deveriam ter direitos iguais
aos contratados pela Petrobras (a principal contratante da região); a denúncia
de novas práticas de demissão e uma postura de que a organização por local de
trabalho deve ser valorizada como forma de barrar o avanço desses problemas.
Há interesses também entre os sindicatos de terceirizados, já que, como noticia-
do no boletim, a unificação entre o Siticcan e o Sinditccc encontra resistências:

A unificação do Siticcan e o Sindticcc [trabalhadores das empreitei-


ras do Pólo Petroquímico de Camaçari] foi tema de discussão, e todos os
presentes demonstraram-se favoráveis, mas com o indicativo de que antes
fosse feita uma ampla discussão nas categorias, com a realização de reu-
niões, seminários e Congresso específico para viabilizar a unificação das
duas bases (Boletim nº. 106, mar./1997).

162
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Esta unificação dos Sindicatos de terceirizados da região encontrou resistên-


cia das direções políticas dos sindicatos. Como expressa um diretor sindical:

Existe assim, culturas diferentes entre os sindicatos, existe cul-


turas diferentes de direção, existe culturas de trabalhadores dife-
rente, embora a rotatividade seja grande o trabalhador de lá sempre
estar aqui, como o daqui sempre estão lá, mas existe diferença e a
questão da convenção [entendeu o negocio] que é, tem diferença
da dele, tudo isso termina dificultando uma unificação (sic) (Diri-
gente Sindical terceirizado, jun./2004).

É razoável supor que um dos motivos que explicam essa resistência à unifi-
cação se deva a dificuldades de convivência política presente nos sindicatos dos
terceirizados. Em suma, os trabalhadores subcontratados do Pólo de Camaçari
e da RLAM estão na contramão da tendência presente entre os empregados
diretos destes dois espaços fabris da RMS.

163
capítulo 4|

ESTIGMATIZAÇÕES E CONFLITOS:
AS COMUNIDADES DOS
TRABALHADORES INVESTIGADOS

Neste capítulo, abordamos os conflitos, estigmas e percepções dos traba-


lhadores acerca do fenômeno da despertença, da fragilidade dos laços, e das
diferenças entre trabalhadores. No momento desta caracterização, utilizamos
variadas fontes – algumas pouco tradicionais em pesquisas na sociologia do
trabalho –, tais como: depoimentos colhidos em comunidades de terceirizados
e petroleiros no Orkut e sítios da internet que, utilizando novas tecnologias
de comunicação, colaboram para que trabalhadores expressem suas opiniões e
representações sociais sobre o cotidiano profissional.

1. OS CRACHÁS VERDES: ESTIGMAS E CONFLITOS


As novas tecnologias de comunicação e informação1 tornaram-se ferramentas
de sociabilidade (BAUMAN, 2004). Pretendemos, neste capítulo, abordar duas

1. O papel das tecnologias da informação e da comunicação na sociedade atual: (LEVY, 1999).


Ressaltamos que houve o cuidado metodológico de verificar se os depoentes das comunidades
eram de fato empregados da estatal. A estratégia foi visitar seus álbuns de foto na comunidade
virtual em busca de fotografias dos funcionários nas instalações das fábricas, de equipes da em-
presa e da farda etc. No caso dos petroleiros, o vínculo com a Petrobras é evidenciado, pois é co-
mum estes demonstrarem que trabalham na empresa. No caso dos terceirizados, poucos colocam
fotos de seus ambientes profissionais uma vez que eles são temporários na empresa.
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

comunidades do Orkut intituladas: “Não sou Crachá Verde” – composta, em


sua maioria, por trabalhadores de empresas terceirizadas –, e “Petrobras”, em
que participam empregados da estatal de todo o país. Nestas comunidades vir-
tuais são postadas reflexões dos trabalhadores e trabalhadoras em relação ao seu
cotidiano nas empresas subcontratadas, bem como na Petrobras. Os principais
depoimentos colhidos referem-se a opiniões sobre discriminação na Petrobras (e
por parte dos petroleiros) e informações acerca das condições de trabalho das
terceirizadas. Em janeiro de 2006, a comunidade dos terceirizados possuía cerca
de 920 integrantes, alcançando, em setembro de 2006, 1220 integrantes 2.
O Orkut é um sítio de relacionamentos de alcance mundial, que tem por
objetivo principal “ampliar o círculo e a rede social de seus integrantes”. Em
matéria publicada pelo Jornal “A Tarde”, em setembro de 2007, são apresenta-
dos dados estatísticos sobre a quantidade de pessoas associadas a essa rede de
relacionamento no mundo e no Brasil. Na reportagem, são analisados os moti-
vos que fazem do Brasil o campeão em número de inscritos na rede:

Fuga da realidade, curiosidade, diversão. As razões para explicar a pai-


xão dos brasileiros pelas comunidades virtuais são muitas e os números im-
pressionam. Criado em janeiro de 2004, o Orkut já possui mais de 60 mi-
lhões de pessoas cadastradas. Destas, 55% se declaram brasileiras (A Tarde,
16.09.2007. Disponível em: www.atarde.com.br. Acesso em 24.10.2007).

Esta rede também tem sido utilizada no sentido contrário, visto que em
diversos programas jornalísticos de televisão, em sítios da internet e em jornais
e revistas de grande circulação, há atualmente várias denúncias de práticas de

2. O criador/moderador da comunidade tem a opção de cancelar definitivamente a existência


do fórum eletrônico. Ciente desse risco, no primeiro semestre de 2006, diariamente todos os
depoimentos colocados por seus membros foram acompanhados e gravados. Os depoimentos
coletados referiam-se ao sentir-se discriminado ou não, às condições de trabalho nas empresas
terceirizadas da Petrobras, às opiniões sobre os petroleiros, sobre a Petrobras e sobre os próprios
terceirizados. Caracterizam este tipo de fonte extrema fluidez e flexibilidade. No último trimestre
de 2006, a comunidade foi extinta. Uma explicação factível para isto é que o moderador pode ter
sentido o temor da descoberta de sua existência por parte da empresa contratante, a Petrobras.

166
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

pedofilia, de intolerância racial, de preconceito contra pobres e nordestinos, de


opressão de gênero, conforme pode ser visto em uma entrevista dada por um
juiz em sítio especializado:

A difusão de mensagens nazistas, racistas, de ódio a crianças, velhos


e nordestinos por integrantes do Orkut (a comunidade virtual de maior
sucesso atualmente no Brasil) é crime passível de punição, e tanto o Orkut
quanto os internautas que se identificam devem ser investigados e denun-
ciados por crimes de racismo, difamação e injúria, entre outros. A afirma-
ção é do juiz federal Roger Raupp Rios, doutor em Direito Público pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista em questões
relativas à discriminação. ‘Infelizmente, não é brincadeira’ afirma Rios
sobre os comentários racistas e de apologia à violência contra moradores
de rua registrados em comunidades do Orkut e revelados pela Agência
Repórter Social. ‘Estas coisas refletem fatos da vida real e quando estão
ali manifestadas não devem ser vistas como nenhum tipo de brincadeira’
(http://www.midiaindependente.org/p. Acesso 21.9.2007).

A comunidade virtual mundial congrega centenas de comunidades de tra-


balhadores e algumas de sindicatos, etc. Em relação à terceirização, existem
35 comunidades, 423 sobre a Petrobras3 e quase 40 em relação a petroleiros4.
As comunidades de terceirizados presentes no Orkut5 fazem descrições inte-
ressantes das motivações que justificam o convite para que novos membros se
integrem à rede de relacionamento:

3. Existem comunidades de mulheres de petroleiros, de empregados de diversas unidades da


refinaria, aposentados da estatal, filhos da Petrobras, aficcionados pela estatal, dos que sonham
em entrar para a empresa, de concurseiros da Petrobras etc.
4. Para confirmar estes dados, digitar as palavras-chaves referidas e solicitar busca de comunida-
des no sítio de relacionamento Orkut. Acesso: 20.09.2007.
5. As mais populosas são: Terceirizados BNB, Receita Federal Terceirizados, Terceirizados da
CEDAE, Terceirizados do SESC Itaquera, Terceirizados Senado Federal, Terceirizados, Somos
Terceirizados, Terceirizados Banrisul, Terceirizados Itaú On Time, Terceirizados da Infraero e
Terceirizados na Fiocruz. A mais populosa possui 427 membros.

167
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

COMUNIDADE TERCEIRIZADOS
DESCRIÇÃO: Esse Cantinho é para você que, assim como eu é ter-
ceirizado. Se ama ou odeia ser TERCEIRO, se já foi ou ainda é um, junte-
se á Comunidade e seja bem-vindo!Solte suas feras, aqui você pode!

CRACHÁ MARROM PETROBRAS


DESCRIÇÃO: Para você que trabalha (ou trabalhou) na Petrobras,
porém é CRACHÁ MARROM. Venha para esta comunidade contar fatos
ou situações ocorridas com você ou com outros contratados. Serve tam-
bém para unir essa classe tão discriminada, mas muito presente.

SOU/FUI TERCEIRIZADO
Para você que é ou já foi um funcionário terceirizado e sabe muito bem
como é esse pesadelo junte-se á nós e conte-nos o que pensa disso.Não se sin-
ta só, você não é o patinho feio, existem muitos igual a você. Junte-se a nós.

TERCEIRIZAÇÃO = ESCRAVIDÃO
Esta Comunidade tem o intuito de protestar, contra o “novo” método de ex-
ploração dos trabalhadores, a Terceirização (criada principalmente para “redu-
zir custos”). Ela é boa para as empresas Mas péssima para os trabalhadores!Se
você é contra essa “vergonha explicita”, entre nessa comunidade..

Em todas as descrições analisadas, é perceptível a desilusão com a condição


de terceirizado. Está presente na percepção e na auto-imagem dos empregados
terceiros a ideia de deterioração provocada pelo emprego, inclusive a associa-
ção deste com “um pesadelo”.
A partir deste momento, analisaremos o perfil sócio-demográficos dos usuários
do orkut, uma vez que esta comunidade, enquanto rede social, propicia novas fon-
tes sociológicas ne medida em que comporta em seu meio centenas de comunida-
des virtuais de trabalhadores. Os trabalhadores se articulam em redes virtuais com
vistas a relatarem suas experiências com o trabalho e com a empresa.
Na tabela 24, algumas informações referentes ao perfil de usuários do Orkut:

168
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Tabela 24 - Ranking de usuários do Orkut por Países (Em %)

Demografia do Orkut em 31 de Março de 2004


Estados Unidos 51,36%
Japão 7,74%
Brasil 5,16%
Países Baixos 4,10%
Reino Unido 3,72%
Demografia do Orkut em 30 de Junho de 2007
Brasil 55,29%
Estados Unidos 18,88%
Índia 15,47%
Paquistão 1,30%
Reino Unido 0,57%
Japão 0,39%
Portugal 0,38%
México 0,35%
Canadá 0,33%
Fonte: www.orkut.com Acesso em 21.09.2007

Nos dados apresentados acima, notamos a mudança na liderança entre o pri-


meiro e o segundo colocados, no período 2004-2007: por exemplo – o Brasil, que
em 2004, estava na terceira posição, em 2007, ocupa a primeira posição. Ainda
nesta tabela, percebemos a distância do Brasil, na condição de primeiro coloca-
do com 55,29%, em relação aos Estados Unidos, segundo país posicionado, com
18,88%. Algumas hipóteses podem sugerir explicações para esse fenômeno de co-
municação social: 1) O Orkut permite aos seus usuários uma espécie de eterniza-
ção social na medida em que as pessoas que criam perfil podem ficar onipresentes,
translocalizadas e acessíveis virtualmente6; 2) Entre os elementos do ethos desses

6. Por este motivo, diversos trabalhadores petroleiros e terceirizados também foram conquistados
pelas comunidades virtuais da Petrobras: álbum da família petroleira e Memorial dos trabalhado-
res da Petrobras. In: www.petrobras.com.br Acesso em 12.11.2007.
Ademais, as comunidades do Orkut de empregados, estagiários, terceirizados e aposentados da
empresa são outros exemplos desta nova realidade de necessidade de eternização social, de ex-

169
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

usuários, encontram-se os atribuídos ao coletivo, já que se percebe uma forte cons-


ciência coletiva e extrema necessidade de partilhar e compartilhar a sua vida social,
em ver e ser visto; 3) Notadamente, a vida social no Orkut é permeada pela apa-
rente ausência de mecanismos coercitivos7, tais como: a descoberta pelo outro de
que este é vigiado socialmente, a ausência de constrangimento acerca do processo
de observação e conhecimento da vida alheia. Por fim, nos perfis pessoais temos
a possibilidade de captar dados sobre os discursos e estilos de vida, bem como as
representações sociais construídas pelos integrantes das comunidades, já que, den-
tre as informações solicitados estão: dados pessoais, gostos artísticos, culinários,
televisivos, etc. Deste modo contribui para reflexões sobre auto-representações.
Dados recentes publicados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicí-
lios (PNAD), em 2007, demonstram o crescimento do número de computado-
res nos lares brasileiros:

GRÁFICO 16 – INDICADORES NACIONAIS


DE ACESSO A BENS E SERVIÇOS – 2005-2006

Fonte: www.uol.com.br8.

pressão subjetiva e de valorização do discurso próprio.


7. Esta ausência de mecanismos coercitivos vem sendo desconstruída em decorrência da atuação
da polícia e da justiça reprimindo atos e crimes nesta rede.
8. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultnot/. jhtm. Acessado em 21.09.2007.

170
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Em 2005, 18,6% dos domicílios possuíam computador; em 2006, 22,1%, o


que representa um acréscimo de 4% em um ano. Isso revela que, a exclusão di-
gital vem sendo reduzida graças ao baixo custo de acesso à internet em ciberca-
fés e lanhouses por todo o país9, além da promoção/implantação de infocentros
gratuitos em diversos municípios brasileiros em instituições públicas:

Longe de ser universalizado, o uso da internet ainda não é uma re-


alidade para a maioria da população. Conforme dados de uma pesquisa
divulgada pela ONU (Organização das Nações Unidas), neste mês, so-
mente 21% dos brasileiros, ou 39 milhões de pessoas, estão conectados à
web. Este universo, contudo, coloca o Brasil na 6º população de usuários
da internet no planeta (www.atarde.com.br. Acessso em: 10.11.2007).

Os atrativos da rede de relacionamentos Orkut são inúmeros. É possível cons-


truir um perfil pessoal, colocar álbum de fotos, criar e/ou participar de comunida-
des de interesse10, postar depoimentos para os amigos, observar perfil de qualquer
integrante, atualizar todos os dados e fotos diuturnamente, enviar e receber reca-
dos e mensagens, receber notificações por e-mail da chegada de novos recados e
mensagens, bem como ficar sabendo sobre o que acontece com os amigos, conhe-
cidos e desconhecidos sem precisar fazer ligação telefônica ou visita presencial11.

9. Pode-se alugar por trinta minutos um computador com acesso à rede mundial de computado-
res por R$ 00,50 (cinquenta centavos) em diversos estabelecimentos deste tipo no Nordeste.
10. Em relação às comunidades de interesse do Orkut, estas se classificam nas seguintes mo-
dalidades: atividades, alunos e escolas, artes e entretenimento, automotivo, negócios, cidades e
bairros, empresa, computadores e internet, países e regiões, culturas e comunidade, família e lar,
moda e beleza, culinária, bebidas e vinhos, jogos, gays, lésbicas e bissexuais, governo e política,
saúde, bem-estar e fitness hobbies e trabalhos manuais, pessoas, música, animais (de estimação
ou não), esportes e lazer, religiões e crenças, romances e relacionamentos, escolas e cursos, his-
tória e ciências, viagens e outros.
11. Na primeira versão do sítio de relacionamentos, qualquer pessoa podia visitar a página que
lhe aprouvesse, pois não existiam mecanismos de controle sobre o total de visitantes de uma
página pessoal. Há cerca de um ano e meio, este sítio mundial criou uma nova ferramenta que
garante a possibilidade de registro dos últimos visitantes na página pessoal de qualquer “Orkutei-
ro”. Todavia, esse mecanismo de controle dos visitantes mais recentes na página pessoal implica

171
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Assim, dados demográficos no sítio informam o perfil etário desta imensa comu-
nidade mundial:

Tabela 25 - Faixa etária dos usuários do Orkut (Em %)

Faixa etária %
18-25 60,45
26-30 10,43
31-35 4,72
36-40 2,80
41-50 2,97
50+ 2,40
Fonte: www.orkut.com

O maior contingente de integrantes do Orkut, cerca de 60%, se encontra


na faixa entre 18 e 25 anos. 15 % dos usuários possuem entre 26 e 35 anos
e mais de 6% têm mais de 35 anos. A maioria dos trabalhadores terceirizados
que participa da rede estão na faixa de 26 a 50 anos. Já os trabalhadores da
Petrobras registrados no Orkut, têm em sua maioria, mais de quarenta anos.
Nesta direção, o perfil etário dos usuários do Orkut é basicamente de pessoas
mais jovens do que dos trabalhadores investigados. Todavia, 20% dos usuários
do Orkut têm mais de 26 anos de idade.
Sobre o tipo de relacionamento informado pelos participantes, os dados
abaixo elucidam algumas reflexões:

no registro das visitas que o “orkuteiro” faz em outras páginas pessoais. Para fugir desse registro,
muitos “orkuteiros” optam por não deixar rastros de suas visitas nem saber por quem foram visi-
tados através de um mecanismo que os deixa invisíveis. É recente a possibilidade do “Orkuteiro”
tornar o acesso ao seu perfil, suas fotos e recados exclusivo aos amigos. Neste sentido, a privaci-
dade vem sendo fomentada mesmo na Internet. A única forma de visitar páginas de outros sem
ser percebido é desabilitar a possibilidade de descobrir também sobre as visitas em sua página.

172
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Tabela 26 - Perfil de relacionamentos dos usuários do Orkut (Em %)

Perfil %
Não há resposta 42,42
Solteiro (a) 36,19
Casado (a) 10,68
Namorando 8,42
Casamento aberto 0,25
Relacionamento aberto 2,03
Fonte: www.orkut.com

De fato, a maior parte dos membros (42,42%) prefere omitir seus relacionamen-
tos afetivos ou a falta deles, visto que optam por não informar sobre esta questão.

Tabela 27 - Interesses dos usuários no Orkut (Em %)

Interesses %
Amigos 62,29
Companheiros para atividades 19,03
Contatos profissionais 19,00
Namoro 18,62
Fonte: www.orkut.com

Em relação aos interesses que motivam as pessoas para a adesão ao Orkut,


os dados são relevantes no que se refere ao entendimento do papel do trabalho
na vida das pessoas, pois 19% dos associados afirmam ter se conectado devi-
do à necessidade de construir redes sociais com vistas a estabelecer contatos
profissionais; outros 19% declaram procurar companheiros para atividades12. É
razoável supor, então, que quase 20% das pessoas têm, entre seus motivos de

12. Existe uma ambiguidade na marcação - pelos usuários do Orkut - desta opção no que se
refere às suas motivações de adesão, pois parcerias para atividades, neste contexto, pode ser tanto
um trabalho como um conjunto de outras interesses: políticos, afetivos, culturais etc.

173
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

adesão, a identidade com o trabalho. Os outros 19% que procuram companhei-


ros para atividades referem-se às atividades profissionais.
Desta forma, esta comunidade se apresenta como uma fonte importante,
ainda muito pouco utilizada, para compreender as novas formas de expressão
subjetiva dos trabalhadores e em relação ao papel do trabalho na construção de
suas inserções sociais 13.
Muitas vezes dados novos surgem depois das mais despretensiosas obser-
vações dos pesquisadores no campo 14. Assim, em janeiro de 2006, ao digitar a
palavra terceirização e/ou Petrobras no sistema de busca das Comunidades do
Orkut. Descobriram-se mais de uma dezena de grupos que debatiam o tema,
algumas com títulos sugestivos: “Não sou crachá verde”; “Sou/Fui Terceiri-
zado”; “Terceirização = Escravidão”; “Mulheres de Petroleiros”; “Meu amor
é Off Shore”; “Filhos de Petroleiros”; “Filhos de Funcionários da Petrobras”;
“Trabalhadores da RLAM”; “Petrobras”; “Aposentados da Petrobras”, etc.

13. Pretendemos então chamar a atenção para esta fonte como material complementar para a
análise do objeto de estudo. Muitos pesquisadores que estão no mesmo estágio de carreira de
pesquisador em que nos encontramos demonstraram preocupação, às vezes tácitas, outras explí-
citas, com o uso do Orkut como fonte de pesquisa. O Orkut é pensado por alguns pesquisadores
de forma acrítica, como “espaço” de adolescentes e de pessoas que buscam o puro entretenimen-
to e que por isso não falam a verdade neste espaço virtual. Portanto, é uma fonte estigmatizada.
Discordamos desta interpretação por entender que, se trabalhada com cuidado metodológico, a
rede de relacionamentos do Orkut pode ser uma importante fonte, já que é um canal de expres-
são das representações sociais dos indivíduos. Esperamos que esta fonte ganhe cada vez mais
visibilidade e credibilidade acadêmica no campo dos novos estudos da sociologia, sobretudo a
do trabalho, onde nos incluímos. Admitimos que algumas fontes são inexploradas em algumas
áreas de estudo fortemente marcadas por metodologias inspiradas em dados quantitativos, fontes
documentais oficiais e entrevistas tradicionais, e que há preconceito com o novo. Obviamente, o
uso dos registros do Orkut só foi possível em razão do cruzamento com outras fontes utilizadas
neste estudo: as entrevistas e os dados de relatórios e etnográficos que estamos paulatinamente
apresentando. O principal filtro de segurança foi a comparação entre os discursos das entrevistas
com os terceirizados e os presentes nas comunidades virtuais. Neste sentido, encontramos seme-
lhanças, cruzadas as fontes com os dados dos boletins sindicais.
14. Para compreender este fenômeno, ler a descrição etnográfica de Geertz sobre o papel da
briga de galo no entendimento da personalidade coletiva do balinês e sua sociedade (GEERTZ,
1978); para entender o simbolismo na cultura, ler: (HARRIS, 1978).

174
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Embora o objeto da obra não seja a relação entre as redes de relacionamentos


virtuais e os empregados/terceirizados da estatal, há um enorme leque de dados
qualitativos nestas comunidades para quem se interessar em aprofundar um estu-
do sobre a relação dos trabalhadores com as novas tecnologias de comunicação e
informação. Deste ponto em diante, abordo as narrativas e discursos dos terceiri-
zados sobre preconceito, estigma e conflitos nas unidades da Petrobras.
Investigando os depoimentos registrados na comunidade “Não sou crachá verde”,
há um dos tópicos, postado por um dos integrantes no dia 14/10/2005, curioso:

Você se sente discriminado [Segundo a observação que segue, o


“orkuteiro” escreveu aqui descriminado.] por ser crachá amarelo?
Desculpem... escrevi errado. risos (não é descriminar, e sim discri-
minar!). Enfim, alguém já se sentiu discriminado por um crachá verde?
(Depoimento do Delta 115, 14/10/2005) 16.

Ao acompanhar as respostas postadas pelos membros da comunidade em


um período de 18 meses, desde a formulação da questão. A primeira respon-
dente diz que não se sente discriminada:

Não
Não me senti não, as únicas coisas que são ruins em ser crachá mar-
rom, são: Mudança de empresas, Insegurança, Falta de PLR (Participação
nos Lucros e Resultados),... risos E estabilidade (que todos querem em
qualquer empresa). (Depoimento de Delta 2, 22/10/2005). 

15. A denominação Delta é utilizada na Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) para não
expor o verdadeiro nome dos entrevistados.
16. Participar como membro da comunidade teve como intuito exclusivo do autor acompanhar os
depoimentos e coletá-los. Em conversa com o orientador, definimos que esta era a melhor estratégia,
pois existia um enorme risco de ser confundido com algum funcionário a serviço da Petrobras e ser
expulso da referida comunidade, além de correr o risco de perder os dados pesquisados. Para garantir
a privacidade de todos os sujeitos que postaram depoimentos, omitiramos suas fotos e nomes/nicks
do Orkut. Mantivemos todos os erros ortográficos cometidos pelos sujeitos investigados.

175
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Apesar de Delta 2 afirmar que não se sente discriminada, a sua interpre-


tação do que seriam as “coisas ruins” para os portadores de crachá marrom,
como insegurança e falta de estabilidade, indicam uma percepção das primeiras
diferenciações em relação aos que portam o crachá verde – os petroleiros.
O debate continua entre os membros da comunidade e a resposta negativa inicial
em relação à pergunta original transforma-se em afirmativa no decorrer dos textos:

Não
me importo nenhum pouco o que as pessoas acham sobre esses cra-
chás marrons, amarelos e rosas. O importante é a gente ser profissional
e sei que tem uns crachazinho verdes que se acham o tal, mas fazer! Bola
para frente! (Depoimento de Delta 3, 23/11/2005).

Como se observa, o depoimento deste trabalhador sugere uma certa antipatia em


relação a alguns empregados de crachá verde, os contratados diretos da Petrobras.
Outros membros da comunidade que responderam à questão não se sentem discri-
minados, mas reclamam de não receberem participação nos lucros e resultados:

Olá
trabalho há 6 anos como contratado e até hoje nunca tive problemas,
pelo contrário sou respeitado e muito no meu trabalho assim como tam-
bém tenho respeito!a única coisa triste de ser contratado é não ter PLR
risos... (Depoimento de Delta 4, 24/11/2005).
A PLR... este que é o triste (risos) (Depoimento de Delta 5,
04/12/2005).

A ausência de participação nos lucros e resultados (PLR) é uma constante nos


depoimentos. No decorrer da pesquisa, surgiram opiniões dos investigados que
se posicionaram afirmativamente em relação à pergunta original sobre o sentir-
se discriminado por ser crachá amarelo. Deste modo, notamos a existência, em
alguns trabalhadores, de um senso mais aguçado na reflexão sobre a convivência
precária, fragmentada e distante em relação aos petroleiros. Os momentos de

176
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

confraternização de petroleiros no interior da empresa são percebidos por alguns


terceirizados como instantes de segmentação subjetiva: “Algumas vezes sim, prin-
cipalmente no final de ano” (Depoimento de Delta 6, 11/12/2005).
Em alguns depoimentos, os conflitos são enfatizados:

Tem umas figuras q acham que nos (sic) somos menos que eles, mas
se esquecem que o mundo da (sic) voltas e que eu também posso passar
no concurso e um dia ocupar uma posição maior do q a dele. Da mesma
forma que eu não sei fazer o que ele faz ele também num sabe fazer o q
faço então cabe a cada um respeitar a profissão do outro. Educação vem
de casa! (Depoimento de Delta 7, 22/12/2005).

Neste depoimento, percebemos uma hierarquização nas relações com os


petroleiros, uma sensação de inferioridade em razão da contratação não se dar
através de concurso, uma certa especialização nas atividades desenvolvidas por
petroleiros e terceirizados, e, por fim, o mal-estar em razão das relações coti-
dianas não serem cordiais.
Outros membros da comunidade se posicionam demonstrando, ao mesmo
tempo, o desejo de ser um crachá verde devido a baixa auto-estima e o medo do
futuro por ser um terceirizado da Petrobras:

Nenhum um pouco, Mas claro que gostaria ter o crachá verde, pelo
menos não perderia meus cabelos pensando no dia de amanhã... Afinal de
contas trabalhar terceirizado para Petrobras é uma? Nunca se sabe quando
vamos estar empregado ou não (Depoimento de Delta 8, 28/12/2005).

Mais um trabalhador enfatiza que esses sentimentos de despertença e da


falta de reconhecimento são aguçados em momentos de confraternização e fes-
tas dos petroleiros no ambiente de trabalho:

Adoro quando tem festa e não sou convidadoÉ adorável quando


tem festas, todo mundo é chamado e o terceirizado fica no cantinho,

177
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

sentado, só pra trabalhar. Terceirizado é estrangeiro em casa alheia, é


quase uma escravidão bem paga. Never more! (Depoimento de Delta 9,
25/08/2005).

Temos a atenção aguçada pelo fato de diversos terceirizados da Petrobras


perceberem a segmentação, a fragmentação e a precarização da convivência
com petroleiros abordando essa questão das festas:

É Terrível! Os terceiros ficam lambendo os dedos pra comer um pe-


dacinho que seja do bolo, passam pela frente, mas os DONOS do Pedaço
fingem que não os Vêem. Estupidamente Triste! (Depoimento de Delta
10, 25/08/2005).

Pela primeira vez aparece a associação dos petroleiros como donos da em-
presa, inclusive com esta palavra em caixa alta. É quase considerada uma con-
venção, nos espaços de comunicação virtuais, que as palavras digitadas em
caixa alta correspondem ao que seria um grito na comunicação presencial. A
categoria ‘donos’ pode ser uma ironia, já que os petroleiros, na verdade, não
passam de trabalhadores; quase sempre quando é usada a expressão “dono do
pedaço”, a referência é a alguém que acha que é proprietário de algo ou lugar.
Em outro sentido, o termo ressalta uma relação hierárquica percebida subjeti-
vamente pelos terceirizados.
É recorrente em muitos depoimentos de terceirizados, a associação e clas-
sificação dos empregados da estatal como os donos.

O PIOR CASO que já vi, foi os DONOS passarem recolhendo doa-


ções de 5 reais ou 1 kg de alimento... e quando passaram pela mesa dos ter-
ceirizados (no caso, eu)... fingiram que não viram e passaram direto. Puts,
eu tinha dinheiro pow! risos (Depoimento de Delta 11, 25/08/2005).

A segmentação passa a ser o elemento mais presente nas respostas à per-


gunta original sobre o sentimento e a percepção da discriminação:

178
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

CONHEÇO UMA PIOR...Dois terceirizados almoçando numa mesa


com 20 lugares... Daí os donos chegaram e sentaram-se à mesa ao lado. Quan-
do os 20 lugares foram preenchidos (os terceiros pensando que teriam compa-
nhia), o outro grupo foi e sentou-se à mesa do outro lado, até preencher toda.
O almoço acabou e os terceiros comeram sozinhos, pois preencheram todas as
mesas até encher o restaurante (Depoimento de Delta 12, 25/08/2005).

De novo, aparece o tema da ausência de convívio mais adensado entre tra-


balhadores terceirizados e petroleiros:

UM DONO DEIXOU DE SER CONVIDADO POR MINHA


CAUSA Estava eu tranquilo trabalhando com um dono (para não dizer
senhorzinho, sabendo que lá fora no pátio havia bolos, refrigerantes
e salgados preparados para uma festa que eu não seria convidado).
Quando de repente! Bling tocou um sino discreto e uma mulher gritou
“vamos meninos!”. Eu lá, em pé ao lado da mesa do dono, como um
cachorro vira-latas que espera a migalha do pão, a mulher chegou per-
to da mesa, olhou pra nós dois (vi com o rabo do olho), passou a diante
e convidou o pessoal das outras baias. Quando saí da sala percebi que
haviam devorado os alimentos como um grupo de hienas disputando
um pedaço velho de carne, e o dono, coitado, passou fome junto comi-
go (Depoimento de Delta 13, 01/09/2005).

Notamos que a segmentação é vista como um componente presente na vida


dos terceirizados dentro das instalações da empresa. Mais do que isso, esta
percepção de segmentação supera o plano objetivo de separações de refeitórios,
instalações de banheiros, etc., e alcança a dimensão subjetiva, como ficou de-
monstrado nas queixas de exclusão em momentos de confraternização.
Elias e Scotson (2000) discutem a necessidade de fortalecimento da coesão
para que os estigmatizados possam lutar contra a discriminação. O grupo ro-
tulado negativamente carece de coesão grupal e internaliza a sua inferioridade
como realidade. Desta forma, é crucial também lançar mão de processos de

179
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

contra-estigmatização 17
. Estes seriam possíveis, com um maior equilíbrio de
acesso a fontes de poder que são monopolizadas pelos que discriminam.
Em relação à coesão grupal, cabe enfatizar que os empregados da esta-
tal têm presença exclusiva nas festas de confraternização nas dependências da
refinaria. Muitos depoimentos de terceirizados evidenciaram a frágil relação
com os diretamente contratados da estatal e ausência de políticas de integra-
ção social entre estes e os petroleiros. No caso dos petroleiros, são evidentes
algumas fontes monopolizadas de poder: contrato estável de emprego e relação
hierárquico-profissional com os terceirizados legitimada pela estatal.
Os autores, em seu estudo, discutem o que estimula pessoas e grupos com
a mesma condição de classe, étnica, renda, credo religioso e nacionalidade a
discriminar seu semelhante. A partir de um estudo de comunidade descobriu-
se que o critério antiguidade de moradia, pode operar a estigmatização de um
contra outro. Os autores, entretanto, diferenciam o preconceito individual do
coletivo já que trata, especialmente, dos mecanismos de estigmatização, caris-
ma e desonra grupal. O estudo destes dispositivos explica sociologicamente a
discriminação coletiva e o preconceito contra um indivíduo.
Não obstante, a coesão dos estigmatizadores só perdura devido às recom-
pensas positivas e negativas dadas aos seus membros. As recompensas positivas:
ser integrado aos valores organizacionais e protegido por eles. As recompensas
negativas: retaliação e castigo, caso, por exemplo, de uma relação proibida com
membros do outro contingente. Há o depoimento em que a terceirizada aborda a
questão da invisibilidade social no momento em que os petroleiros percorrem as
salas convidando colegas para uma confraternização. No que tange à noção de
antiguidade, é razoável supor que pode existir um acionamento deste mecanismo
no fomento desta fragilização de laços entre petroleiros e terceirizados. A antigui-
dade aqui referida é o tempo de serviço à estatal.
No caso estudado, percebemos também que os empregados da estatal não
permitem que trabalhadores das empreiteiras façam uso da piscina nem facilitam

17. Contra-estigmatização é um processo de luta contra o preconceito que procura equilibrar a


balança do poder social. Uma das estratégias para seu êxito é a democratização dos espaços de
mídia e do acesso ao poder no interior das instituições normatizadoras etc.

180
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

a associação aos seus clubes. Uma outra situação apreendida se refere à questão
do uso das mesas do refeitório conforme depoimento de uma terceirizada. Por-
tanto, a coesão grupal se constitui a partir de normatizações e interditos.
Os autores vislumbram que todo processo de estigmatização encontra entre os
submetidos ao estereótipo uma legitimidade. Esta se expressa ao se internalizar um
sentimento de inferioridade e, consequentemente, vivê-la como realidade. A análise
de Elias e Scotson (2000) confirma que devido à falta de coesão coletiva e de acesso
a fontes de poder, não há como lutar numa perspectiva de contra-estigmatização.
Portanto, esta relação se caracteriza como uma guerra de trincheiras, em que um
grupo tenta evitar que outro tido como inferior, acesse esse poder monopolizado,
por esse meio a discriminação se alimenta e retro-alimenta no interior da estatal.

2. A ESTIGMATIZAÇÃO
É importante analisar como um terceirizado reflete sobre a sua imagem
junto a um contingente de empregados da Petrobras:

Sofro um pouco dentro do edifício por trabalhar na área de manuten-


ção elétrica, alguns pretrolheiros (sic) na hora que vou fazer o trabalho
ficam olhando estranho para ver se não vou catar nada é meio constran-
gedor. Mas do lado de fora é só mostra o crachá q já gera respeito! (De-
poimento de Delta 14, 26/03/2006).

Goffman (1988) define o desacreditado como aquele que possui uma marca
física explícita, congênita ou adquirida, percebida socialmente como um sinal
negativo 18. No caso investigado, essa marca explícita imediata é a posse de um
crachá amarelo ou marrom.

18. Pessoas portadoras de “deficiências físicas”, portadoras de síndromes de down e de outras doen-
ças mentais, negros, ciganos etc. se encaixariam no perfil dos desacreditados em alguns contextos
sociais. Segundo Goffman (1988), os desacreditáveis são pessoas que têm uma trajetória social
sancionada negativamente: ex-presidiários, ex-drogados, alcoólatras, portadores de AIDS sem sin-
tomas, prostitutas etc. se encaixariam no perfil dos desacreditáveis. Utiliza-se esta categoria do
desacreditável como uma possível forma de percepção dos terceirizados por parte dos petroleiros.

181
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Em outra perspectiva, o desacreditável19 é o sujeito que possui uma carac-


terística moral ou identitária não aprovada socialmente. Sobre a questão de ser
desacreditado, um terceirizado declara: “Sofro demais, pior, sou Técnico de
Medição de Obras... Dai já viu... O que mais escuto é me chamarem de ladrão”
(Depoimento de Delta 15).
O que torna o desacreditável diferente do desacreditado é a ausência de uma
marca explícita que o leve ao preconceito imediato dos outros. Deste modo,
geralmente o desacreditável é discriminado na medida em que informações so-
bre aspectos de sua trajetória são conhecidas socialmente, tornando-se então
sujeitos submetidos ao preconceito social. No entanto, na maioria das vezes, os
desacreditados e os desacreditáveis estão entrelaçados no bojo das relações so-
ciais, uma vez que estas condições se articulam e se complementam. Por exem-
plo: um terceirizado é um desacreditado quando porta um crachá no pescoço
no interior da refinaria. Já numa conversa informal – com um petroleiro - fora
do ambiente profissional pode ser um desacreditável na medida em que estas
informações sejam de conhecimento do interlocutor.
Uma outra categoria-chave desta investigação é a de “identidade deteriora-
da” (GOFFMAN, 1988). Goffman a denomina como resultado da associação
entre um estereótipo produzido socialmente e sua expressão na carreira moral
de um indivíduo acometido por esta percepção inferiorizante.
Para compreender a produção de estigmas, identidades deterioradas e fra-
gilização social no interior da empresa, utilizam-se as análises de Goffman sobre
a questão. Este autor (1988) proporciona uma ampla visão sobre a rotulação
negativa nas relações sociais, a associação entre estigma e normalidade; as ex-
pectativas normativas e atributos/estereótipos; a legitimação do estigma. Outras
contribuições do autor canadense explicitam a relação entre estigma e reprodução

19. Pessoas portadoras de “deficiências físicas”, portadoras de síndromes de down e de outras


doenças mentais, negros, ciganos etc. se encaixariam no perfil dos desacreditados em alguns con-
textos sociais. Segundo Goffman (1988), os desacreditáveis são pessoas que têm uma trajetória so-
cial sancionada negativamente: ex-presidiários, ex-drogados, alcoólatras, portadores de AIDS sem
sintomas, prostitutas etc. se encaixariam no perfil dos desacreditáveis. Utiliza-se esta categoria do
desacreditável como uma possível forma de percepção dos terceirizados por parte dos petroleiros.

182
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

social de identidades deterioradas. Estas acabam, segundo a análise do autor, por


precarizar as relações do indivíduo portador de estigma com seu meio social.
Essa opção teórica ajuda a compreender alguns elementos sobre a percepção
do trabalho presente em alguns depoimentos: muitos terceirizados denominam
seus empregos como um pesadelo, situação que causa sofrimento, vergonha e
escravidão, etc. É razoável supor que esta percepção constrói uma identidade
fragilizada com o emprego a longo prazo.
Goffman (1988), ao analisar a questão de como cada época ou sociedade
produzia a rotulação negativa, pretendeu apontar que, na era moderna, há a
associação de outra perspectiva, a da estigmatização, em relação à trajetória de
indivíduos e grupos sociais.
Segundo o autor, existem três tipos de estigmas nitidamente diferentes: os
referentes às “abominações do corpo”, por exemplo, as deformidades físicas e
os relacionados a culpas ou vontades fracas, que seriam do segundo tipo:

Estas percebidas como paixões tirânicas ou não naturais, crenças fal-


sas e rígidas, desonestidade, sendo essas inferidas a partir de relatos de
conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício, alcoolismo,
homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio, e comportamento
político radical (GOFFMAN, 1988, P. 14).

O terceiro tipo de estigma são os tribais. Estes podem ser ligados à raça,
à nação e/ou à religião. Para o autor, os estigmas do terceiro tipo “podem ser
transmitidos através de linhagem ao tempo em que contaminam uniformemen-
te todos os membros de uma família”. Relacionou-se o segundo tipo de estigma
ao conjunto de empregados das empresas terceirizadas. Assim, os terceirizados
se enquadram neste tipo porque são discriminados em razão de uma situação
contextual em que são representados como incapazes (de serem aprovados num
concurso, por exemplo), desqualificados, descomprometidos com o trabalho e
com a empresa. Goffman coloca o desemprego no segundo tipo e esta é uma
sombra presente (tanto como receio, como quanto experiência passada dos
terceirizados). Além disso, o desemprego e o subemprego são situações muito

183
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

próximas da realidade destes sujeitos investigados. Até porque, em sendo uma


condição transitória, não há uma identificação a priori com o grupo. Por exem-
plo, um terceirizado que é aprovado no concurso, deixa de ser estigmatizado.
Nos depoimentos de trabalhadores terceirizados, foi evidenciada a rotula-
ção negativa: “escravo”, “estrangeiro em terra alheia”, “classe discriminada”,
“patinho feio” são categorias construídas como auto-representação; “hienas”,
“senhorzinhos” e “donos” são as representações produzidas pelos terceirizados
para os empregados da estatal. Além disso, é constante a queixa da humilhação,
da ausência de interação, bem como da fragilização dos laços entre os operários
da Petrobras e os das empresas terceirizadas. Uma expressão desta situação é a
queixa da exclusão em momentos de confraternização natalina. Por este motivo,
denomino como estigmatizadas as relações entre petroleiros e terceirizados.
Goffman (1988) destaca também que no estudo do estigma, a informação
social tem grande relevância; esta revela as características mais ou menos perma-
nentes sobre determinados indivíduos ou grupos estigmatizados: “essa informa-
ção, assim como o signo que a transmite, é reflexiva e corporificada, ou seja, é
transmitida pela própria pessoa a quem se refere através da expressão corporal na
presença imediata daqueles que a recebem” (GOFFMAN, 1988, p. 53).
Segundo o autor, a informação social é reflexiva e corporificada. Transmitida
por intermédio de signos presentes nas relações entre o sujeito estigmatizado e ou-
tros em determinado espaço social. Os signos que transmitem informação social são
acessíveis de forma frequente e regular. A acessibilidade se dá na medida em que
compartilham estas características, deste modo, transformam-se em símbolos: “a
informação social transmitida por qualquer símbolo particular pode simplesmente
confirmar aquilo que outros signos nos dizem sobre o indivíduo, completando a ima-
gem que temos dele de forma redundante e segura” (GOFFMAN, 1988, p. 52).
Como exemplos destas informações sociais seguras, o autor apresenta: os
distintivos na lapela que atestam a participação social em um clube social, como,
em alguns contextos, a aliança que um homem tem em sua mão. A informação
social transmitida por intermédio de um símbolo pode ter como objetivo indireto
expressar uma posição de prestígio, poder e honra – ou uma pretensão do indiví-
duo por estes. Neste sentido, denominam-se os signos usados com essa intenção

184
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

de “símbolos de prestígio”. Estes podem ser contrapostos a outros classificados


como “símbolos de estigma”: “signos que são especialmente efetivos para desper-
tar a atenção sobre uma degradante discrepância de identidade” (GOFFMAN,
1988, p. 53). Como exemplo deste tipo de símbolo estigmatizado, o autor cita a
cabeça raspada dos colaboracionistas na segunda guerra mundial.
Por fim, o autor conceitua os desidentificadores. Este é um signo que “tende
- real ou ilusionariamente – a quebrar uma imagem, de outra forma coerente,
mas nesse caso numa direção positiva desejada pelo ator”. Um exemplo deste
tipo é o “inglês correto de um educado negro do norte que visita o sul [dos
Eua]”. Outro exemplo é o turbante e o bigode usados por alguns negros de
classe baixa urbana. O desidentificador é “a quebra” de um estereótipo que
contribui para a superação da imagem negativa do portador deste.
Entre os investigados, encontram-se expressões dos símbolos de prestígio: ter
crachá verde, trabalhar na Petrobras, ser associado em clubes de lazer da estatal e
usar farda da empresa, etc. Há, também, símbolos de estigma: ser crachá amarelo
e marrom, possuir vestimenta diferenciada e ser empregado sub-contratado. Por-
tanto, a cor do crachá dos terceirizados é um símbolo de estigma enquanto a cor
do crachá dos petroleiros é signo de prestígio na presença cotidiana na fábrica.
Em entrevista feita com uma terceirizada, isto ficou explicitado, uma vez que foi
informado que os petroleiros interagem considerando a cor do crachá:

Não é preconceito, é discriminação. As cores dos crachás mostram isso


claramente. Aposentados, azul (tudo azul!). Funcionários, verde. Visitantes,
vermelho (perigo!). Contratados, cor de m... Claro está que nem todos os
funcionários são discricionários; os mais inteligentes e bem educados con-
vivem com os contratados numa boa (Depoimento de Delta 26).

Em relação aos desidentificadores, poderia citar também a passagem da con-


dição de aposentado da Petrobras para a de trabalhador de empresas terceiri-
zadas. Em um depoimento já apresentado nesta obra, ficou evidenciado que os
terceirizados não se identificam com os subcontratados que passaram pela con-
dição de empregados da estatal. Pressupõe-se que essa recusa dos terceirizados

185
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

em relação aos ex-empregados se deve aos inativos da estatal não viverem a insta-
bilidade, a insegurança; além disso, por terem os direitos de aposentadoria, plano
de saúde e inserção no grupo dos empregados. Nesta direção, a desidentificação
se processa – no dia a dia da refinaria – pelo fato dos subcontratados entenderem
a presença de aposentados como usurpadores de empregos dos terceirizados.
Assim, a produção de símbolos de prestígio e estigma encontra na cor do
crachá a sua maior expressão. Este é a informação social mais relevante nas
interações entre os “estabelecidos e os outsiders” da refinaria.
O depoimento do técnico de medição de obra apresentado há pouco revela um
pouco da situação de “identidade deteriorada” do segmento estudado. Os empre-
gados das terceirizadas expressam subjetivamente múltiplas questões subjetivas:

Contratado Pau pra toda obra


Você concorda comigo? Há algum tipo de incentivo? Fiquei 3 anos
e meio nessa... sempre na mesma...e ainda me mandaram embora por-
que disseram que meu rendimento não estava conforme a demanda da
equipe!Poxa se meu rendimento fosse um pouco maior... Seria um ge-
rente.... nada contra... Alias? Só viram isso agora???? Depois de tanto
tempo? eu, heim? (Depoimento de Delta 16, 11/11/2004).

Uma trabalhadora desenvolve atitude de solidariedade com o colega que


postou o depoimento anterior e fala sobre suas expectativas futuras nesse tra-
balho como subcontratada:

Onde você trabalhou?


Realmente não é fácil ser contratado, viver mudando de empresas,
muitas vezes perdendo férias... Mas, fazer o que? O jeito é dar sorte e se
esforçar para melhorar profissionalmente. O negócio é prestar concurso
ou montar um negócio (o que é um pouco difícil, mas não impossível).
Sempre que dá presto concursos, infelizmente não posso me dedicar mui-
to, por causa da faculdade, mas quando terminar vou me dedicar mais
(Depoimento de Delta 17. 14/11/2004).

186
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

A referência a passar em concurso da empresa aparece várias vezes – fica-se


com a impressão de que os terceirizados percebem o processo seletivo como a
diferença fundadora, e almejam fazê-lo para igualar-se aos petroleiros. Afirma-
ções relacionadas à insegurança, descartabilidade e precariedade no trabalho
das contratadas estão sempre presentes nos depoimentos:

Insegurança, realmente eles adoram pressionar, agora estão nos pres-


sionado para tirarmos uma certificação da microsoft até o dia 07 de janei-
ro, pois caso não a tenhamos seremos demitidos, pode? Depois de 4 anos
trabalhando lá... Essa notícia recebemos no dia da integração da nova
empresa que ganhou nossa licitação. O que você acha de receber a notícia
que poderá ser demitido em breve no dia da integração da nova empre-
sa?? Não é fácil! Mas, vou me esforçar, pois sei que essa certificação será
boa pra mim, vamos ver no que dá (id. ibid. 12/12/2004).
E como! temos que saber de tudo aqui, tudo é válido, pois a qualquer
momento estamos fazendo uma coisa que nunca pensávamos que iríamos
fazer um dia... aqui muito se aprende e muito se ensina... o único pro-
blema é o contrato, pois a gente nunca sabe se amanhã estará ainda com
“emprego”. Eu mesma estou hoje aguardando uma resposta sobre meu
contrato, caso seja negativa, estou sem contrato, mas é como um colega
falou é difícil sair daqui, parece que a gente fica preso é difícil arrumar
outra coisa... Por que será??? (Depoimento de Delta 18, 17/12/2004).

Embora o depoimento anterior aponte as percepções dos terceirizados em


relação à precarização subjetiva, aparecem também depoimentos em que os
subcontratados são identificados com a empresa e demonstram até certo orgu-
lho em trabalhar como subcontratado na estatal:

Vestindo a Camisa
O pior de tudo é que nós os contratados “Pau pra toda obra” vesti-
mos a camisa desta empresa, coisa que muitos dos Crachás Verdes não
fazem. Acho que uma das justificativas para tanta dedicação é uma certa
insegurança misturada com muito, muito amor... coisa que muitos deles

187
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

provavelmente desconhecem, claro, afinal de contas não se demite funcio-


nários (por causa da tal “estabilidade”). Mas, de qualquer forma, é muito
gratificante trabalhar em uma empresa genuinamente brasileira conhecida
e admirada pela nação mundial (Depoimento de Delta 19, 18/01/2005).

Pela primeira vez, um petroleiro se apresenta na comunidade, tece opiniões


e se dirige especialmente para a Delta 19, chamando-a assim:

Pô Ju..Pego (sic) pesado, heim?...


Sou funcionário desta grande empresa chamada PETROBRAS, e por
ser não deixo ninguém falar mal da casa que me acolhe a 20 anos. Sei
de tudo que vocês passam e sou muito contra certas coisas e colegas que
acham que vocês têm que fazer o trabalho deles. Mas, não por isso deixam
de vestir a camisa. Sei que colegas ainda acham que são, que tem o rei
na barriga por esta em uma situação melhor??? Mais a coisa não é bem
assim.Existem caras legais, muito legais ainda na empresa.Beijos... Muita
PAZ e LUZ pra ti (Depoimento de Petroleiro, Delta 20, 23/06/2005).

Um outro membro da comunidade tece considerações e apresenta mais indí-


cios sobre a precária relação entre petroleiros e terceirizados no interior da estatal:

O mais absurdo, é que muitos de crachá verde, se sentem tão superio-


res, que se sentem no desejo de tratar nós contratados como um robô que
atenda aos seus comandos, eu mesma vejo isso diariamente, no qual eles
às vezes quer que você levante da sua mesa para atender ao telefone que
está em sua frente (Depoimento de Delta 21, 25/06/2005).

Outro depoimento concorda e apresenta mais conflitos entre terceiriza-


dos e petroleiros:

Concordo com você os petroleiros tratam contratados como se fos-


sem empregados pessoais, todo mundo manda no crachá amarelo, e ainda

188
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

nos chamam de “oreia seca”.você se esforça ao máximo e no final leva um


pé no traseiro, sendo tratado como algo descartável.claro que nem todos
fazem isso, mas garanto que a grande maioria faz. Fui demitida porque
a fiscal do contrato era uma mal amada e não ia com a minha cara, me
perseguiu 3 anos, e dizia que “não suportava meu sotaque” (porque sou
carioca) (Depoimento de Delta 22, 07/07/2005).

Rotatividade, ausência de direitos consolidados na CLT, mudanças constantes


de locais de trabalho fazem parte do cotidiano dos trabalhadores terceirizados:

Trabalho na Petro desde abr/2002, nunca tirei férias porque meu con-
trato já mudou 3 vezes. No atual, me mudaram de setor porque eu criticava
muito minha gerência e meu supervisor, falava pra eles fazerem faculdade,
e tentarem enxergar os contratados como pessoas, éramos inimigos decla-
rados, mas felizmente tive pessoas que me protegeram e não fui demitido.
Agora os dois foram transferidos, eu to num setor que me acolheu muito
bem, e só desejo sorte a eles (Depoimento de Delta 23, 09/07/2005).

Esse é um indício em que não há só conflito, mas também relações de soli-


dariedade entre petroleiros e terceirizados.
Alguns verbalizam a insegurança postando depoimentos anônimos e reve-
lam o cotidiano de violência simbólica, assédio moral e opressão entre trabalha-
dores em situações contratuais distintas:

Calada!!!
Trabalhei na RECAP durante 1 ano no DP. Uma vez fui reclamar com
a ouvidoria sobre o tratamento diferenciado dos contratados em relação
aos Crachás verdes, minha gerente ficou fula, me levou para uma sala e
ameaçou me mandar embora. Ainda por cima me humilhou dizendo que
eu não era nada lá e que a corda ia arrebentar para o meu lado. Como não
tive testemunhas não pude fazer nada. Ela é esperta: quando quer humi-
lhar um funcionário ela chama de canto sem ninguém para testemunha. E
está lá até hoje como gerente (Depoimento de Delta 24, 08/11/2005).

189
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

No próprio depoimento, a terceirizada informa o motivo do anonimato:

Calada!!!
E coloquei como anônimo por que estou trabalhando na rede de novo
e não quero sofrer represálias. Preciso do emprego para sobreviver!!! Mas
fica aí meu recado! (Ibid. id 08/11/2005).

Finaliza-se a discussão sobre como os terceirizados da estatal percebem o


relacionamento com os petroleiros, apresentando o depoimento mais poético
encontrado nesta comunidade do Orkut:

Fui, do verbo já era....


Fui contratado por 5 (difíceis) anos... no setor de TI da REGAP. Gra-
ças a Deus não sou mais, foi, por assim dizer, a pior fase da minha vida.
A discriminação dos petroleiros para com os contratados é muito grande.
Mas dias melhores vieram e desejo sorte a quem continua (Depoimento
de Delta 25, 03/01/2005).

Como foi dito anteriormente, as novas tecnologias de comunicação, como o


Orkut, vêm se constituindo como uma válvula de escape para os trabalhadores,
além de uma “ferramenta de sociabilidade”. Em algumas comunidades virtuais,
estes encontram eco para suas inquietações e algum diálogo. A existência de
comunidades virtuais cujo pertencimento se define a partir de uma determinada
condição de trabalho revela o quão o trabalho ocupa lugar central na sociabili-
dade cotidiana dos investigados. A criação de fóruns de discussão nestas comu-
nidades virtuais indica vontade de expressar-se sobre o cotidiano de trabalho, ou
seja, um espaço de canalização das agruras vividas no emprego. Nesta direção,
os depoimentos expressam uma necessidade subjetiva de trabalhadores em situa-
ções contratuais distintas denunciarem a precária relação com os petroleiros.
Em outra perspectiva, ao se investigar a maior comunidade de empregados da
Petrobras no Orkut, coletaram-se diversos depoimentos postados que apontam o
debate sobre a forma como os empregados da estatal percebem os terceirizados:

190
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Pra mim essa ‘richa’ só acaba quando contratarem SOMENTE pes-


soas nas especialidades onde a Petrobras não faz concurso, porque é meio
infeliz contratar um TPCM20 sem experiência enquanto tem vários con-
cursados á espera de uma vaguinha... Da obra onde fiscalizo, existem
muitos contratados, todos com experiências de 20, 30 anos, aí, é até com-
preensível... Mais contratar pessoas sem experiência, pra mim não e a
coisa mais inteligente do mundo não... Sou crachá verde, com orgulho
de fazer parte da minha equipe (Depoimento de Delta 30, Comunidade
Petrobras. In: www.orkut.com. Acesso em 20.11.2007).

Nesse depoimento, o processo de terceirização é considerado válido nas


funções para as quais não há concurso, mas é questionada a estratégia e pre-
ferência da empresa pela contratação de terceirizados ao invés de novos con-
cursados. O trabalhador deixa claro que os terceirizados mais experientes são
importantes para a empresa, evidencia-se também o orgulho corporativo de
possuir o crachá verde.
Em outros depoimentos, a questão dos terceirizados e da rotatividade são
entendidos como prejudiciais ao desenvolvimento do trabalho na empresa:

Esta semana duas contratadas deixaram meu setor por final de con-
trato. Existem vários problemas entre verdes e marrons que ultrapassam a
simples richa. Todo o trabalho destas contratadas que saíram ficou “per-
dido”, pois quem entrar agora não vai ter como continuar de onde elas
pararam por motivos óbvios. Também tem a confiança que foi junto com
elas e que terá de ser construída novamente (se possível) com os novos
que as substituirão. Ostentar o crachá verde é tão comum que chega a ser
normal. É quase como ostentar um computador, celular, carro, etc. Pra
quem gosta de se achar “mais” pelo que tem ou faz, o crachá verde tem
mais uma serventia... Com certeza a pessoa que faz isso, não ficou assim
depois que entrou na Petro, pode acreditar (Depoimento de Delta 31, Co-
munidade Petrobras. In: www.orkut.com. Acesso em: 20.11.2007).

20. Não descobrimos o significado dessa sigla.

191
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

A depoente considera que, para alguns trabalhadores da Petrobras, o crachá


verde é objeto de ostentação semelhante à derivada da posse de outros objetos, tais
como: carro, computador e celular. Nesse sentido específico, trabalhar na Petro-
bras com crachá verde é um sonho de consumo. No depoimento, a trabalhadora
considera que os empregados que superdimensionam o fato de serem empregados
da estatal já têm esta necessidade subjetiva de sentir-se superior antes da entrada na
empresa. Não considero que as razões para essa ideia de superioridade devam ser
buscadas no caráter dos indivíduos antes da entrada na empresa, mas que pode ser
resultado da ação da própria estatal, já que a Petrobras investe pesadamente na no-
ção de que trabalhar na empresa é um privilégio, ou, em suma, um sonho nacional
desde os idos de 1954 21. Portanto, considero que este sentimento é fruto de uma
produção social arquitetada desde os tenros tempos da empresa.
No que se refere aos conflitos entre empregados e terceirizados, um traba-
lhador afirma:

Essa disputa entre a cor do crachá não e uma coisa elitista. Sempre
existiu desde o inicio da terceirização. Desde que o mundo começou
se organizar a briga pelo espaço existe. Há um estresse inicial mas que
com o tempo acaba ficando fácil administrar. Essa diferença no inicio
das contratações ficou mais evidente porque também havia uma dife-
rença muito grande na faixa etária dos petroleiros e dos contratados,
foram alguns a familiares nos sem concursos. E ate que houvesse en-
trosamento e confiança no trabalho dessa juventude, e por parte desta,
respeito à resistência e compreensão dos valores dos efetivos mais ve-

21. Em 2003, a Empresa criou, junto com a Federação dos Petroleiros, um Banco de Dados denomi-
nado Memorial dos Trabalhadores da Petrobras. Neste, cerca de (mil) empregados de diversos estados
brasileiros rememoram sua entrada e vida na empresa, as greves, a família, bem como suas percepções
sobre o papel da estatal na construção de suas identidades sociais. Observando os depoimentos dos
empregados baianos postados no Memorial em relação a estas questões, percebemos o forte imbrin-
camento entre a empresa e seus empregados. Todavia, é necessário reconhecer que esse orgulho orga-
nizacional não é homogêneo, pois muitos trabalhadores estatais filiados a partidos e organizações de
esquerda são críticos a este comportamento e à estatal. Os próprios trabalhadores da estatal também
demonstram nas comunidades virtuais insatisfações salariais, com as condições de trabalho na empre-
sa, bem como com os benefícios extra-salariais e previdenciários concedidos pela empresa.

192
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

lhos, ocorreu uma disputa pela delimitação do espaço. Eu estou apo-


sentada mas estou sempre participando, e quando eu me aposentei há
exatamente 5 anos atrás era evidente que a PETROBRAS já caminhava
com um enorme contingente de contratados e jovens. Gente bonita
e bem informada. Os petroleiros são bairristas mesmo, portanto essa
síndrome da cor não e nada maligna. Acredito que seja mesmo porque
e a empresa nacional de maior porte e todo mundo quer disputar um
lugarzinho no retrato da família, e sabe como e... os ancestrais em lugar
de destaque. Beijo meninos e meninas (Depoimento de Delta 32, Co-
munidade Petrobras. In: www.orkut.com. Acesso em: 20.11.2007).

Os conflitos são apresentados como um fenômeno geracional e sinalizam a


questão do desejo de participação nesta “família” organizacional. Outros temas
também são apontados: o bairrismo dos empregados da estatal, a ideia de es-
paço invadido, a cor do crachá, a antiguidade dos funcionários da empresa em
contraposição à pouca experiência dos terceirizados e sua jovialidade, percebi-
dos como um sinal de distinção 22.
Outros empregados enfatizam a questão do uso ostentatório do crachá, in-
clusive pelos empregados das contratadas, e tecem críticas à terceirização:

Para Fulano23 e os outros que pegaram o “bonde” andando, quando falei


de ostentar o crachá verde, me referi às pessoas que EXIBEM o crachá FORA
das dependências da empresa. Tem gente dentro de supermercado, lojas e
ônibus, enfim, a kilômetros de distância da empresa usando o crachá. Mas
isso não é só crachá verde não, pelo contrário, os contratados são os que mais
fazem isso. Mas o comentário que eu fiz foi um recado para o Sicrano, que
para quem não viu, estava com o crachá “escaneado” no lugar da foto no per-
fil dele24. É ou não é exibicionismo? De resto, como já falei no posto anterior,

22. Houve um comentário do Presidente da Empresa em 2001 de que a figura que representava a com-
posição etária dos empregados da Petrobras era um losango, e não a clássica pirâmide, tão grande era a
ausência de jovens na Companhia e o contingente expressivo de trabalhadores com mais de 45 anos.
23. Trocamos o nome dos dois indivíduos identificados nesta citação para manter o sigilo.
24. Aqui o depoente fala do perfil e da foto do colega na comunidade do Orkut da Petrobras.

193
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

já fui contratado e agora sou concursado. Acho (e sempre achei) que todos
devem ingressar na companhia da mesma maneira (através de concurso) e ter
os mesmos direitos (remuneração, PLR e outros benefícios). Acho que a ter-
ceirização deveria ser extinta na maioria dos cargos, mas enquanto ela exis-
tir, temos que conviver com isso e, acima de tudo, respeitar os contratados,
que contribuem tanto quanto nós (concursados) para o sucesso da empresa.
Contratado com falta de compromisso e lealdade para com a empresa são
minoria e, se procurar direitinho, tem petroleiro assim também. Acho que o
que faz a pessoa assim, não é bem a cor do crachá (Depoimento de Delta 33,
Comunidade Petrobras. In: www.orkut.com. Acesso em: 20.11.2007).

É interessante perceber nesse depoimento, uma ideia dos terceirizados


como descomprometidos, ao tempo em que discute-se a importância dos sub-
contratados para a empresa. Nota-se também, relatos de casos de petroleiros
diretos sem compromisso com a estatal e quanto a questão da desigualdade é
compreendida como algo não benéfico.
Cabe a reflexão: disseminar o orgulho não seria uma forte estratégia de do-
minação na empresa? Pela primeira vez é defendida a ideia de que trabalhar na
empresa traz percepção e participação em obra coletiva. Nesse sentido, o trabalho
na companhia pode ser pensado como uma atividade artística. Além disso, como
em outros relatos, aponta-se a situação de transição de um indivíduo da condição
de crachá amarelo para o verde e discute-se a questão do preconceito:
Verde, mas já fui Amarelo!! Sou empregado há dois meses, existem sim
diferenças sutis no tratamento dado aos terceirizados, sofri isso na pele, na
maioria das vezes são tachados de incapazes, os salários são mais baixos e
não tem se quer a liberação do trabalho para fazer o concurso da própria
Petrobras, eu desembarquei a revelia, porém minha turma esta chegando
para ajudar a mudar isso como tanto queremos! (Depoimento de Delta 35,
Comunidade Petrobras. In: www.orkut.com. Acesso em: 20.11.2007).

Outros preferem tentar justificar o preconceito contra os terceirizados. As


palavras e categorias que emergem do discurso são: eliminar, verdade, ridículo,
brotar. Nota-se também uma competitividade exarcebada:

194
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Pra mim deveriam eliminar os contratados, se possível, fazem um


concurso DE VERDADE só pra contratados. Porque é ridículo você que
estudou, pagou inscrição, foi lá onde Judas perdeu as botas fazer a prova,
e um cara brota do nada do teu lado, fazendo o mesmo trabalho que você
e ganhando bem mais (Depoimento de Delta 36, Comunidade Petrobras.
In: www.orkut.com. Acesso em: 20.11.2007).

Por fim, um membro da comunidade fala sobre a segmentação e se auto-


identifica: “petrolérico”, misto de petroleiro e genérico. Aqui há uma analogia
com os remédios genéricos e com uma identidade mista:

O problema não é a cor dos crachás... Se alguém quer segregar, pode ser até
pelo jeito de andar. A questão é muito maior do que a simples cor. Podiam ser
todos verdes ou todos marrons... Algumas pessoas sempre encontrariam jeito de
diferenciar. Cada um tem que valorizar o lugar que conseguiu e buscar sempre
a melhoria (dentro de cada entendimento individual). A filosofia da Companhia
não vê cor do crachá quando do tratamento humano, mas como a Companhia
é feita por pessoas, recaímos num problema sem solução. O problema está na
cabeça das pessoas e não na cor em si. Petrolérico. Eu!! Nem Petroleiro nem
Genérico, meio termo Petrolérico RECAP/MI/EEI (Depoimento de Delta 37,
Comunidade Petrobras. In: www.orkut.com. Acesso em: 20.11.2007).

Alguns petroleiros percebem a terceirização como ameaça ao destino da empresa:

Tem um detalhe aí que eu torço totalmente, frontalmente, contra. É


o problema da terceirização. Eu só vou acreditar que a terceirização é
melhor para empresa no dia que me sentar junto com o chefe e ele me
mostrar na ponta do lápis, tin-tin por tin-tin, que a terceirização sai mais
barato e é mais vantajosa para a Petrobras, em termos de qualidade tam-
bém (Depoimento de Empregado da RLAM-Petrobras, jun./2006).

Em seguida, depois de falar criticamente sobre o processo de terceirização


na empresa, o depoente comenta sobre os terceirizados:

195
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Primeiro que o empregado terceirizado não é empregado da empresa,


não tem amor àquilo, como eu, modéstia à parte, suava e suo a camisa
pela empresa, desde quando entrei, com meus colegas. A gente era em-
pregado da empresa, tinha disponível um salário bom, assistência médica,
então a gente brigava pela empresa. Já o terceirizado não tem isso, se vê
explorado, porque alguém ganha o dinheiro no lugar dele. Então, a tercei-
rização não é negócio para a Petrobras. Temo muito pela terceirização. Se
continuar como vai, a terceirização vai privatizar a Petrobras (Depoimen-
to de Empregado da RLAM-Petrobras, jun./2006).

Este depoente é o funcionário mais antigo da RLAM e o orgulho, amor


e o suor que este diz ter e que falta ao trabalhador terceirizado não foram
reconhecidos pela empresa visto que, segundo notícia coletada em boletim da
Associação, quatro anos depois deste depoimento acima, sofreu assédio moral
e teve aposentadoria suspensa:

“O funcionário mais antigo do Sistema Petrobras, com 68 anos de idade e


48 de serviços prestados, continua sem salário há 2 meses, o que está contri-
buindo para seu sofrimento e decepção com a atual direção da Rlam. Carinho-
samente conhecido pelos colegas como “ Seo Bartolomeu”, [nome fictício ] o
mesmo vinha passando por situações de constrangimento, o que o fez solicitar
antecipação de aposentadoria para evitar maiores agravos à sua saúde. (...)
Nesta semana a Associação dos Trabalhadores da Indústria de Petróleo e Gás
(Aepetro) estará realizando uma campanha financeira para ajudar o colega e as
contribuições serão feitas na conta do mesmo” (Boletim Aepetro, set./2007).

È razoável supor que o desencantamento deve ter, neste caso, sua maior ex-
pressão pois, possivelmente, deve ter colocado o “seo Bartolomeu” para refletir
sobre tão contundente amor institucional.25
Em outro momento do desabafo, o empregado da Estatal critica a convivência
com os terceirizados: “Os terceirizados usam nossas instalações, banheiro, papel to-

25

196
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

alha, papel higiênico, copo, entendeu, fax, copiadora, isso o dia todo, todos os dias.
Quem paga isso?” (Depoimento de Empregado da RLAM-Petrobras, jun./2006).
O incômodo representado pelo terceirizado se expressa nessa fala:

Eu mesmo uso um alojamento da Petrobras, quando eu chego está


cheio de terceirizados. Não tenho nada contra o empregado terceirizado,
mas a empresa dele não tem um alojamento para ele e esse terceirizado,
usando tudo o que eu já salientei aqui: papel higiênico, copo, quando é
no escritório, a máquina de tirar cópia, a xerocadora, fax, telefone Quem
paga isso? (Depoimento de Empregado da RLAM-Petrobras, jun.2006).

As relações de poder entre terceirizados e empregados diretos da Petrobras


são apresentadas assim:

Um dia desses, eu estava trabalhando nessa área de infra-estrutura, chegou


um cidadão da terceirizada com oito documentos em mãos. Cada documento
tinha duas, três, quatro páginas, e ele queriam tirar 80 cópias de cada. Aí che-
gou para mim, porque eu estava sentado perto da máquina, e eu: “Rapaz, eu
não sei se eu posso tirar isso não, mas deixa-me perguntar ali ao gerente do
setor, e ver o que ele vai dizer”. Fui ao gerente e ele: “Não, não tire não, não
sei o quê!” Nessa hora ele não conseguiu tirar, porque fui consultar o gerente
e ele não deixou, mas a gente sabe que em outros momentos se tira. Então, ou
a Petrobras acaba com a terceirização ou a terceirização vai privatizar a Petro-
bras (Depoimento de Empregado da RLAM-Petrobras, jun./2006).

O trabalhador da estatal critica os que se posicionam a favor da terceiriza-


ção e do enxugamento da empresa e aborda o tema do vínculo real do terceiri-
zado com a Petrobras:

Quem tiver usando aí os meios de comunicação, os arautos dos telejornais:


“A Petrobras está inchada, tem muito empregado, precisa diminuir, não sei o
quê, não sei o quê!” Nós tínhamos de 60 a 70 mil empregados. Hoje só temos
32 mil e tem 90 mil terceirizados. Quer dizer, triplicou, porque o terceirizado

197
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

não é empregado na terceirizada, é empregado na Petrobras, trabalha para a


Petrobras. Outra coisa errada: eles exigem, para o cidadão entrar na Petrobras
hoje, um concurso dificílimo que o cara precisa estar com um nível intelectual
bom, preparado para passar. Mas do terceirizado eles não exigem nada disso.
Ora, se o cara é terceirizado e trabalha para a empresa com aquele nível, pode
ser integrado à Petrobras, porque o terceirizado está prestando serviço a ela e
não à terceirizada. O cara é eletricista da terceirizada, ela não exige nenhum co-
nhecimento teórico do cara, e o cara vai lá e desenvolve o serviço e a Petrobras
aceita o serviço (Depoimento de Empregado da RLAM-Petrobras, jun./2006).

Num depoimento um terceirizado reflete sobre os rótulos negativos utilizados na


interação terceirizados x petroleiros bem como aponta as sutilezas dos preconceitos,
os conflitos horizontais e o dinamismo da relações de classe no interior da RLAM:

Há! Eu vou dizer um apelido aqui e você vai dar risada, eu tenho, até de vez
em quando uso aí no chefe aí, o chefe se zanga, não, é chamado de servente e
orêa seca também orêa seca [é uma coisa] que a gente chama assim normal [que
o peão até aceita]. Não, eu vou explicar o negocio a você: ele chama a gente,
mas, orêa seca, aí a gente chama ele de servente, e na hora que ele passa, ó que
servente ruim, ó servente ruim, a única coisa que tem valor ali é só o crachá26
dele, você entendeu? Aí ele chama também a gente como Cláudio tá falando de
orêa seca e o vigilante da portaria, se a gente chamar de vigia Orêa seca é um
profissional ruim, o nome já diz orêa seca, tá, transfira pra cá, orêa seca. Muito
deles não chega nem perto, mas pra eles a maioria nossa, nosso trabalhador é
destreinado, são desqualificados, aí que, eles pensam que o cara é terceirizado
porque ele não teve oportunidade na vida, Eu tenho pra mim que na hora tam-
bém tem discriminação entre eles também né. É chamar o cara de cabaço, e o
cara cabaço, tem discriminação também entre eles, tem discriminação.
O pessoal da construção civil deles (da Petrobras) lá é discriminado que
é uma beleza. A Petrobras em si, ainda tem um pessoal da área de civil, pe-

26. Duas comunidades do Orkut de Terceirizados da Petrobras focam a distinção na cor do


crachá: uma se chama “Não sou Crachá verde” e a outra “Sou crachá marrom” In: www.orkut.
com/ Comunidades. Acesso dia 10.01.2006.

198
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

troleiro mesmo, tem petroleiro lá, também da área de andaime, aí, Coitado
não tem moral de nada. Eles são discriminados, eles não têm moral, tem um
pessoal também das maquinas pesadas. Eles (os petroleiros discriminados)
se dão muito bem com a gente né, ele se dá muito bem com a gente. Esses
aí que são categoria mínima, que eles acham que é mínima se da bem com
a gente, geralmente. Aí eu vou explicar como é: o que ele é da área de an-
daime, eles são os caras que veio de montador de andaime * da Petrobras,
aí botou ele pra fiscalizar as empresas de andaime, entendeu agora? As
empresas que vai montar andaime, quem fiscaliza são esses caras e ele é
discriminado pelo operador da Petrobras, pelo técnico de caldeiraria, pelo
engenheiro de caldeiraria, ele é discriminado e muitas vezes o engenheiro
de caldeiraria manda nele. Cadê fulano de tal, que não tá aqui no setor! Traz
lá, pra cá (Depoimento de Terceirizado Rlam, jun./2006).

Aparece a questão das alianças “verticais”. Com objetivo de complexificar


a análise das relações entre petroleiros e terceirizados, cabe uma reflexão sobre
esse depoimento. Pelo menos, há contingentes de petroleiros que se identificam
mais com os terceirizados do que com os próprios colegas da estatal. Nesse
sentido, esses segmentos não são blocos fechados e homogêneos uma vez que
também existem relações de solidariedade.
A partir das entrevistas, percebe-se que as diferenciações também são cons-
truídas a partir da dicotomia trabalhador manual/trabalhador intelectual 27. Uma
informação prestada por uma assessora sindical do sindicato terceirizado durante
esta segunda fase de pesquisa de campo foi muito importante para iluminar esta
questão. Os terceirizados da Refinaria que realizam trabalhos mais intelectuais do
que manuais - como os terceirizados da área de processamento de dados - estão
se desfiliando em massa do sindicato de terceirizados da RLAM. Esta situação
representa uma necessidade destes trabalhadores de se desvincularem da associa-
ção e, consequentemente, da identidade de peão. São trabalhadores que não se
reconhecem enquanto realizadores de atividades manuais; segundo a assessora,

27. Sobre isso, ver: Costa (2004). Neste livro, o autor relata que se transformou em gari por
longo tempo para escrever uma dissertação de mestrado em Psicologia Social na USP, para de-
monstrar a invisibilidade social de trabalhadores manuais, especificamente dos garis da USP.

199
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

estes se consideram trabalhadores intelectuais. Não se sentem, portanto, repre-


sentados socialmente na condição de sindicalizados no SITICANN.
Em suma, nesta seção do texto, foi possível compreender a questão das
identidades fragmentadas, das ‘evitações’ sociais construídas entre os contin-
gentes em situações contratuais distintas, bem como o orgulho acrítico que
acomete muitos empregados da estatal. Em relação aos terceiros, foi possível
perceber uma relação deteriorada com o emprego e com os petroleiros.

3. EXPERIÊNCIAS DOS TERCEIRIZADOS


As relações de trabalho podem ser analisadas objetivamente. Por exemplo, atra-
vés de um questionário, é possível constatar se um indivíduo tem carteira assinada,
se tem uma jornada longa, etc. Essa matemática das relações sociais é uma impor-
tante fonte de análise para a sociologia do trabalho. Entretanto, é prudente variar o
estudo com diversas fontes e metodologias. O que está ausente em alguns trabalhos
de referência (ANTUNES, 1995; 1999; 2006; 2007; ALVES, 2000) é exatamente
a investigação da busca do sentido subjetivo que os trabalhadores emprestam à
reestruturação produtiva no país. Por isso, é necessário pesquisar os nexos entre as
estruturas sociais e as subjetivações dos trabalhadores acerca delas.
Nesse sentido, onde estão os sujeitos? Não verbalizam sobre suas condições
de trabalho? Para dar conta desses questionamentos, é necessário ouvir os tra-
balhadores no que se refere às suas reflexões e interpretações da realidade no
trabalho. Foram feitas algumas buscas nessa direção, a partir da investigação de
uma linguagem própria que expressa a experiência desses trabalhadores.
“Chupa Toda” é a forma irônica com a qual esses trabalhadores terceirizados
denominaram as empresas que são subcontratadas para prestar serviços à estatal.
É também o nome de uma música em ritmo de lambada tocada à exaustão nos
anos de intensificação da terceirização na estatal: o começo dos anos 90. A aná-
lise semântica da expressão nos permite concluir que há uma extrema ironia no
significado dado pelos trabalhadores estudados às estruturas objetivas - no caso,
uma empresa que precariza ao máximo as condições de trabalho. Nesse sentido,
o termo se refere a uma intensa exploração da “força de trabalho.”

200
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

A experiência com o trabalho não anula a produção de significados; Reis


(1993) chega a essa conclusão estudando uma greve de escravos ganhadores28
em meados do século XIX:

[...] não se trata de deduzir cultura de processos e relações de traba-


lho, uma operação funcionalista conservadora, mas de considerar que os
escravos não suspendiam a produção de significados culturais durante a
produção de mercadorias e serviços (REIS, 1993, p.11).

Os trabalhadores de empreiteiras falam sobre suas condições de trabalho


através da crítica irônica. É razoável supor, portanto, a existência de uma pro-
dução de significados, bem como uma subjetivação da experiência. Em suma,
uma interpretação e uma percepção acerca das experiências de trabalho.
A experiência com o desemprego também está presente nas representações. Há
uma referência constante a ficar “amarrando lata”, que significa o medo de ficar de-
sempregado. Neste sentido, encontram-se objetivando o subjetivo e evidenciando uma
situação estrutural, o desemprego29. Assim, é importante a referência a uma “exteriori-
zação da interioridade e uma interiorização da exterioridade” (BOURDIEU, 1989).
Nesse sentido, o código linguístico é um importante indício da “estrutura-
estruturante” no segmento estudado. Mais que isso, permite a investigação da
percepção e interpretação desses trabalhadores em relação as suas experiên-
cias no mundo do trabalho. Estão em situação de trabalho precário, ocupados
de forma intermitente, pois, ora estão empregados, ora estão desempregados.
Nessa perspectiva, trabalham por contrato. Este ofício, em grande medida, é
extremamente rotativo e instável. A necessidade de segurança e estabilidade no
emprego é constantemente presente em seus discursos e em sua vivência.
A “subversão da ordem” também aparece em suas falas. A expressão “dar
calor na carteira” significa utilizar meios ilegais para colocar um carimbo de ex-
periência de trabalho no documento profissional. Em grande medida, são resis-

28. São escravos que, além de servir ao seu proprietário em afazeres domésticos, desenvolvem
atividades informais na praça pública com consentimento do senhor e em troca de dinheiro. Al-
guns inclusive conseguiam angariar recursos para a compra da liberdade.
29. Cabe a definição desta classificação enquanto um habitus (BOURDIEU, 2007).

201
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

tências simbólicas e estratégias para se inserir em uma ordem, que é opressiva e


que lhe exige uma maturidade ocupacional para obter emprego. As estratégias
de sobrevivência são construções sociais que permitem aos de “baixo” o aten-
dimento de suas necessidades imediatas. Assim, “dar calor no gibi” (carteira de
trabalho) é conseguir um trabalho com mais facilidade. Deste modo, objetiva-se
uma necessidade subjetiva e subjetiva-se uma necessidade objetiva, estrutural, a
necessidade de um trabalho, através de seu modo de falar da estrutura.
Outros códigos expressam o cotidiano do trabalho e a relação com a em-
presa para a qual trabalham. “Sonrisal” é o apelido dado à refeição concedi-
da pela empresa no horário de almoço, talvez fazendo alusão ao mal-estar no
momento da ingestão. “Bombril” é o nome dado ao atestado médico. Quando
perguntados sobre o motivo do apelido, informaram que é devido ao fato de ter
mil e uma utilidades, dentre as quais, abonar faltas devido a uma “ressaca mal
curada”. Isso não seria resistência simbólica ao trabalho alienado?
A fala enuncia e simboliza a existência social, subjetiva o objetivo. Por este
motivo, há a “dupla translação” ensinada por Bourdieu (1983), que pode ser
percebida através destes enunciados: formas críticas e/ou irônicas de falar de
uma situação de trabalho precária que é objetiva e subjetiva, pois:

toda a estrutura social está presente na interação (e, por aí, no discur-
so): as condições materiais de existência delimitam o discurso por inter-
médio das relações de produção linguística que elas tornam possíveis e que
estruturam. As condições materiais comandam, com efeito, não somente
os lugares e os momentos da comunicação [...] mas também a forma da
comunicação por intermédio da estrutura da relação de produção na qual
é engendrado o discurso (BOURDIEU, 1983, p.167).

A noção de uma realidade objetiva e subjetivada na fala dos trabalhadores


foi um caminho usado para aplicar empiricamente o modelo teórico em que a
estrutura e o sujeito são partes indissociáveis na análise da vida social. A repre-
sentação “nativa” permite lidar com a noção de experiência socialmente cons-
truída. Nessa direção, “a relação precisa estar sempre encarnada em contextos
e pessoas reais” (THOMPSON, 1987, p.9).

202
capítulo 5|

HABITUS DE CLASSE E
ESTILOS DE VIDA

Neste capítulo, abordamos a questão do habitus de classe ou, mais especifi-


camente, os estilos de vida dos trabalhadores efetivos e terceirizados da estatal.
O habitus de classe é um legado teórico de Bourdieu (2007) para os estudos
sobre cultura de classe ou suas frações bem como de grupos sociais. Neste
debate teórico, prevalecem a noção de capitais sociais, culturais e políticos e o
conceito de campo. Nesta acepção, o habitus é o:

Princípio gerador de práticas objetivamente classificáveis e, ao mesmo


tempo, sistema de classificação (principium divisionis) de tais práticas.
Na relação entre as duas capacidades que definem o habitus, ou seja, a
capacidade de produzir práticas e obras classificáveis, além da capacidade
de diferenciar e apreciar essas práticas e esses produtos (o gosto), é que
se constitui o mundo social representado, ou seja, o espaço dos estilos de
vida (BOURDIEU, 2007, p. 162).

A hipótese de Bourdieu é o de que anos de estudo e escolarização são dados,


por excelência, mais explicativos do que a origem social para se compreender as
diferentes classes, os estilos de vida e dos gostos estéticos e de consumo. Neste
âmbito, o autor fez uma pesquisa sobre os nexos presentes na relação entre mo-
dos de vida, escolarização e anos de estudo para entender o gosto das classes.
Assim, é na relação entre escolarização, capital incorporado pela trajetória e prá-
ticas sociais que é possível o entendimento do habitus dos grupos. Constituem o
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

habitus, práticas /comportamentos que tendem a um padrão social coletivo, com


caráter processual. Estas ações sociais revelam as orientações de sentidos produ-
zidos pelos atores sociais no mundo social (BOURDIEU, 2007).
Bourdieu (2007, p. 9) apresenta uma pesquisa sobre habitus estético, de
consumo, lazer, moradia, etc. Para tanto, investiga os gostos artísticos de fra-
ções de classe na França contemporânea. O autor demonstra que a articulação
entre número de anos de estudo e origem social explica a hierarquia social do
consumo, o gosto pela arte, a contemplação estética, enfim, permite o que ele
intitula análise dos bens culturais e de seus possuidores ou consumidores:

Contra a ideologia carismática segundo a qual os gostos, em matéria


de cultura legítima, são considerados um dom da natureza, a observação
científica mostra que as necessidades culturais (frequência dos museus,
concertos, exposições, leituras, etc. e as preferências em matérias de leitu-
ra, pintura ou música, estão estreitamente associadas ao nível de instrução
(avaliado pelo diploma escolar ou pelo número de anos de estudo) e, se-
cundariamente, à origem social (BOURDIEU, 2007, p.9).

É fato que o autor leva em consideração a importância da origem social sobre a


questão da formação do habitus e gostos de classe, mas evidencia que, nas observa-
ções cientificamente conduzidas, são fragilizadas as teses que desconsideram a im-
portância do “número dos anos de estudo e da escolarização” sobre essa realidade.
Para demonstrar o habitus dos investigados, fazemos referências, priorita-
riamente, aos estilos de vida destes e seus discursos sobre esses modos, em um
plano extrafabril. Destacamos que alguns dados obtidos, como renda e escola-
ridade, já foram apresentados em capítulos anteriores. Para cumprir a tarefa de
expressar os sentidos produzidos pelos atores sociais bem como as represen-
tações sociais sobre os trabalhadores, utilizamos como fontes de pesquisa: as
letras de músicas30, os gostos artísticos, os bens culturais diferenciados e os pa-

30. Em pesquisa feita no site www.letras.terra.com.br, em 05.12.2007, localizamos 81 letras de


músicas que fazem referência à Petrobras e nove letras que tematizam em algum trecho/verso o
petroleiro. Há músicas de apologia ao petróleo, como a de Gilberto Gil, “Povo Petroleiro” e can-
ções de Cartola, Zé Rodrix, Gal Costa e sambas - enredo de Escolas de Samba Carioca exaltando

204
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

drões de moradia evidenciados no decorrer deste capítulo. Essas considerações


permitirão a ampliação do foco de análise sobre as diferenciações dos operários
investigados para além do chão da fábrica.

Os petroleiros nas letras de músicas


Em uma pesquisa no site do provedor “Terra”, na seção especializada em letras
de músicas de artistas nacionais, obtivemos os seguintes dados: ao digitar o termo
petroleiro no campo de busca do sítio, constatamos a existência de três composições
com o tema. A Bahia, como o primeiro e único estado a fornecer o petróleo ao país
até meados da década 60, cantou e poetizou o “ouro negro”. Por exemplo, a primei-
ra música de Gilberto Gil gravada em Long Play (LP), em 1961, intitulada “Povo
Petroleiro”, foi composta por um trabalhador petroleiro e tem a seguinte letra:

Tá jorrando petróleo, jorrando, jorrando noite dia


Tá jorrando petróleo nas terras da nossa Bahia (Bis)
Nosso petróleo é ouro brasileiro, ele é o orgulho (Bis)
De um povo petroleiro 31

Jorge Amado, outro baiano que nos legou importantes fontes sobre o “ouro
negro”, deixou testemunhos acerca da importância sociocultural da presença
do petróleo em terras baianas:

Ah! Para que pudesse essa luz brilhar na noite da Bahia, muito foi neces-
sário fazer, muito teve o povo de lutar através dos anos, por vezes, duramen-

a empresa; há também letras de rapper’s e de roqueiros criticando a face poluidora da empresa


nas últimas duas décadas e pagodes/músicas baianas falando dos petroleiros como segmento
distinto da sociedade local.
31. O primeiro disco em vinil de Gilberto Gil, lançado em 1961 tinha duas marchas carnava-
lescas: “Coça, Coça Lacerdinha” e “Povo Petroleiro”. Informações biográficas sobre Gilberto
Gil evidenciam que essa música foi feita a pedido da Petrobras, uma espécie de jingle. Everaldo
Guedes, o compositor das duas marchinhas, era petroleiro. In: www.brasilemvinil.com/faixa.asp.
Acesso em: 30.11.2007.

205
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

te. [...] Aquele clarão iluminando a noite vem das refinarias de Mataripe, é o
petróleo da Bahia, riqueza do povo brasileiro(MATTOS et al., 2000, p. 83).

Digitando o termo Petrobras, obtiveramos 19 letras com algum trecho em


que aparece a estatal. Destas, um contingente expressivo exalta a importância
da Petrobras na segunda metade do século XX. Nos últimos quinze anos, a em-
presa passa a ser representada em letras de grupos de rap e rock nacional como
responsável por acidentes ambientais em mares e rios nacionais:·

Entrar de cabeça no mar de óleo diesel,


No cheiro do podre dos peixes mortos,
Doenças de pele para dar e vender,
É o que nós temos para te oferecer...

Wet’n wild Petrobras


O número um em poluição!!!

Traga a família para se envenenar,


Lixo e gás carbônico não vão faltar,
A Petrobras superou doutor Gore,
Consegue poluir e até destruir...

Divirta-se muito com a fauna local,


Moscas e ratos por todos os lados,
Leve para casa doenças de brinde,
O câncer de pele de recordação...

Wet’n wild Petrobras


O número um em poluição!!! 32
É verdade que a maioria das letras que tematizam a Petrobras contribuem

32. O nome da música é “Wet’n Wild Petrobras”, do Grupo D.F.C. Disponível em: http://letras.
terra.com.br/dfc/840765/wetn-wild-petrobras-print.html. Acesso 10.12.2007.

206
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

para o fortalecimento da noção de que esta é a empresa símbolo do Brasil. Al-


gumas letras de samba-enredo dos últimos 60 anos de escolas de samba cario-
cas prestam homenagem à empresa. Assim, as estatais de energia são cantadas
pela Grande Rio em 1972:

A outra força do Brasil

Brasil, terra de encantos mil


Brasil, Brasil
Quem te vê e quem te viu
Sua beleza exuberante
O seu progresso é fascinante
Brasil, dos grandes parques industriais
Usinas elétricas e a Petrobras
Saudade, saudade
Dos lampiões a gás
Reminiscência de outrora
Tempos que não voltam mais
É a Bahia berço da magia
E do folclore tradicional
Terra que o petróleo surgiu
Orgulho desse imenso Brasil
Jorra o ouro negro exuberante
Que remotas chamas se acendera
Iluminando esta terra brasileira
São Paulo não pode parar
É este o dito popular
Campos, cidade hospitaleira
No Brasil foi a primeira
A ter iluminação
Homens de reais capacidade a trabalhar
Furnas, Três Marias e Urubupungá

207
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Paulo Afonso a majestosa


Cachoeira fértil e viril
Trabalha para o progresso nacional
Eis aí a outra força do Brasil

Algumas músicas foram produzidas por artistas baianos33 nos últimos vinte
anos. Uma destas canções permanece na memória, por ter sido um pagode
baiano popular muito executado por rádios FM metropolitanas no ano de 1990.
Esta música tinha o seguinte refrão: “Sai daqui farofeiro, minha filha namora
só com petroleiro”.
Em certo sentido, no imaginário social acerca da Petrobras e dos seus tra-
balhadores são evidenciados nas músicas, por um lado, o caráter elitista desta
pertença de classe e a queda do poder aquisitivo, de outrora, dos petroleiros,
por outro. Conforme a letra “Abafabanca”, do cantor baiano Jerônimo:

Vou comprar abafabanca34


Vou comprar abafabanca
Toda casa brasileira em que havia geladeira
Pelo ano de 1961
Naquela casa da ladeira tinha
Pitanga, areia, água-de-cheiro
Só quem tinha geladeira era petroleiro

33. Importantes artistas baianos cantaram, escreveram ou fotografaram a Petrobras: Gal Costa,
na música “Lágrimas Negras”; Gil, na música “Povo Petroleiro”; Jorge Amado, no texto “Luzes
de Mataripe” e Jerônimo, na música “Abafabanca”. Pierre Verger fez, nos anos 50, um ensaio
fotográfico sobre a Refinaria de Mataripe. Essa imagem ilustra o livro recém-publicado sobre os
50 Anos da RLAM (MATTOS, 2000).
34. Abafabanca é um sorvete feito em cubas de gelo que era vendido nas residências populares
nos idos dos anos 60 e 70. Atualmente o geladinho – suco congelado vendido em saquinhos –
cumpre a função de reforçar o orçamento doméstico nos bairros pobres da RMS. Na verdade, a
venda de sorvetes domésticos, na porta de casa, sempre sinalizaram que as famílias que desen-
volviam essa prática comercial eram mais humildes do que as famílias que não vendiam essas
mercadorias no lar. Por este motivo, o cantor toma a venda da abafabanca como sintoma do
empobrecimento dos trabalhadores.

208
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Só quem tinha
Só quem tinha iê, iê.
Aí o peão virou burguês
Até pensou que fosse rei
Cortinas com dinheiro ele fez
No seu canzuá
Então veio a revolução
E do petróleo a inflação
E o peão voltou a ser peão
E de herança o que sobrou
A geladeira e a TV
Yeah, yeah, yeah, yeah
E do sorvete do peão
Virei freguês
Abafabanca é
A fruta que entra no liquidificador
Abafabanca é
Depois de líquida vai para a cuba de gelo
Abafabanca é
Ai que endurecer
Sin perder lá ternura jamás

A música “Abafabanca”, da década de 80, revela a ascensão e queda do nível


de vida dos trabalhadores petroleiros, durante os anos 60 do século passado,
ao mesmo tempo em que destaca que alguns bens duráveis como geladeira,
liquidificador e TV eram bens de consumo duráveis proibidos, pelo alto valor,
para a maior parte da população de trabalhadores dos idos de 196135. Outro
tema abordado na letra persistiu pelos idos de 60 e 70 no imaginário social da
Grande Salvador - o de que os petroleiros “rasgavam dinheiro”.

35. Esta discussão sobre a imagem dos trabalhadores petroleiros como uma aristocracia operária foi
feita, no capítulo três com a contribuição dos dados de Oliveira (1987). Não de desconhece que usa-
mos a categoria petroleira neste capítulo, diferentemente dos capítulos anteriores, onde evitamos esse
termo. Isso se deve ao diálogo com as fontes e representações sociais em torno desta categoria.

209
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Em um artigo intitulado “Candeias – a Capital do Petróleo”, o historia-


dor Fraga Filho (2000, p.112) expõe relatos de moradores do município que
apontam para conflitos existentes com os petroleiros das primeiras gerações,
nos idos de 1950:

Com o advento das atividades petrolíferas, a profissão de petroleiro


passou a ser a mais cobiçada na cidade. Mas, por incrível que pareça, na
década de 50, para a maioria dos habitantes de Candeias e cidades vizi-
nhas, não era a profissão mais prestigiosa. Embora tivesse remuneração
superior aos outros profissionais da cidade, o petroleiro era visto como
‘esbanjador’, ‘aventureiro’. Foi com muito esforço que muitos puderam
fugir a esses estigmas e se fazerem respeitados na comunidade.

Não eram poucos estes estigmas e as representações de petroleiros enquan-


to consumidores que ostentavam o seu poder de compra. Esse comportamento
ostentatório acabou por gerar diferenciações, e criar melindres na relação da
comunidade com esses empregados. É razoável supor que a questão do caráter
ostentatório do emprego, da condição de petroleiro, bem como da farda e do
crachá, por ora, deve ter uma raiz histórica.
Entretanto, Fraga Filho (2000, p. 113) relativiza essa interpretação social
acerca dos petroleiros:

O anedotário popular da região é farto de casos de petroleiros


que iam à feira e, ao apreçar um produto qualquer, faziam ques-
tão de pagar o dobro do que lhes era cobrado. Na verdade, o que
ocorreu nestes anos foi um encarecimento do custo de vida nas
cidades de Candeias e São Francisco do Conde, em decorrência
da ampliação do mercado consumidor e da desproporção entre
os salários dos petroleiros e a remuneração de outros profissio-
nais da região. Em 1956, protestando contra a cobrança de taxas
de incêndio e vigilância noturna pela Prefeitura de Salvador, os
moradores do então subúrbio de Candeias apresentaram um ar-

210
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

gumento bastante revelador desse desequilíbrio. Diziam que, por


esta ser sede dos trabalhos petrolíferos, havia “uma competição
entre os servidores do petróleo, de elevada remuneração, e o resto
da população, paupérrima”.

Os petroleiros carregam até a atualidade uma imagem associada à posse de


bens de consumo permitidos aos membros da elite da sociedade desde então.
Não é por outro motivo que, investigando perfis de trabalhadores da Petrobras
no Orkut, encontramos em seus álbuns de fotos menções à posse de carros,
motos de alta cilindrada e outros objetos de consumo que denotam poder de
compra e prestígio orientado pela aquisição de bens de consumo caros. Em
todos os álbuns de petroleiros investigados na comunidade virtual, percebemos
a demonstração do orgulho de trabalhar na Petrobras: fotos com farda e até
bolo de aniversário com boneco fardado como enfeite eram encontrados nesses
álbuns virtuais: O próprio trabalho é às vezes retratado como um sonho de con-
sumo e um sinal de distinção. Um empregado da Petrobras colocou uma foto
(6) no seu álbum do Orkut que expressa este comportamento:

FOTO/IMAGEM 6 - COMEMORAÇÃO DE ANIVERSÁRIO DE PETROLEIRO

Fonte: (COMUNIDADES, 2007)

211
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Não foi surpreendente descobrir-se que muitos petroleiros vivem em


condições típicas de classe média 36. Em uma visita à casa de um petroleiro
para entrevista-lo conjuntamente com sua mulher, ambos petroleiros, cons-
tatou-se o padrão de vida. A família vive em uma casa situada numa região
bem localizada no bairro de Brotas, em Salvador. Na garagem um Honda
Civic novo, com bancos de couro, ar-condicionado, som, direção hidráulica,
vidros elétricos, alarme e seguro contra roubo. Na casa, há uma biblioteca,
já que o petroleiro é também filósofo, à época, professor universitário em
três faculdades particulares de Salvador37. Na moradia, diversos ambientes,
eletrodomésticos de última geração. Empregada doméstica, para cuidar e
administrar, na frequente ausência dos donos, das filhas. O casal tem filhas,
as quais garante boa qualidade de vida: uma, estagiária em um escritório de
publicidade, recém-formada, com educação universitária e bastante nova. A
outra estudando em colégio particular dos mais elitizados de Salvador. No
fundo da casa, uma piscina e uma churrasqueira, para os momentos de la-
zer com os amigos e parentes. Esta é uma foto aérea38 da quadra onde esses
entrevistados residem:

36. Por classe média entendemos a ocupação de posições intermediárias no interior de relações
sociais de produção articulada com status e posicionamento em relação à obtenção e posse de
bens de consumo. Esta associação sinaliza um habitus que os diferencia dos menos abastados.
37. Não se pretende generalizar essa condição particular para todos os membros desta fração de
classe no estado. O objetivo foi analisar o padrão de vida do casal petroleiro.
38. Estas fotos aéreas informam também sobre condições da via, tipos, se os bairros possuem
comércio, igreja, escola, órgão públicos, de comunicação etc. No anexo da tese, apresentamos
as legendas da CONDER para a caracterização, a partir de símbolos, dos bairros. Estas são uma
das importantes fontes, descobertas e/ou analisadas nesta pesquisa que evidenciam os espaços de
moradia, bem como a infra-estrutura dos bairros de residência dos colaboradores da investiga-
ção. Conjugados com a observação participante e entrevistas cumprem a função de expressarem,
de alguma forma, os estilos de vida dos trabalhadores pesquisados. Ressaltamos que obtivemos
as fotos, em site da CONDER, onde não existia informação sobre proibições de uso para fins de
pesquisa.Fonte: http://www.informs.conder.ba.gov.br/index.asp. Acesso dia 25.11.2007.

212
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

FOTO/IMAGEM 7 - BAIRRO DE BROTAS – MORADIA DE CASAL PETROLEIRO

Fonte: (Conder, 2007)

A casa dos entrevistados (foto 7) se localiza numa rua típica de classe média
baixa; as quadras são razoavelmente demarcadas e existe um pequeno adensa-
mento urbano, típico das moradias dos subproletários. As condições de habitabi-
lidade das casas não são homogêneas, algumas têm telhados novos de cerâmica
enquanto outras têm lajes. É possível perceber, na foto aérea, a presença de alguns
prédios no canto direito inferior. No canto direito superior, ao contrário, pode-se
constatar a presença de casas mais pobres ou simples. Por fim, a presença de pis-
cinas no fundo de duas casas evidencia a heterogeneidade dos moradores. Brotas,
onde está localizada esta rua, é um dos bairros de Salvador com maior contin-
gente de trabalhadores industriais do Pólo Petroquímico e da Refinaria Landulfo
Alves. Os outros são Pituba, Imbuí, Stiep, Armação e Stela Maris (CARVALHO;
SOUZA; PEREIRA; 2004; RELATÓRIO CRH-SRQP, 2000).
Em um artigo sobre a polarização e segregação socioespacial numa metrópo-
le periférica, Carvalho, Souza e Pereira (2004) apresentam os dados referentes à
forma de ocupação dos espaços sociais da grande Salvador, identificando, a partir

213
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

de dados do CENSO IBGE 1991, a distribuição socioespacial de seus habitantes.


As conclusões dos autores consideram que a Grande Salvador conjuga zonas de
grande desenvolvimento com outras desassistidas, o que a torna segregada e polari-
zada, como se apresentou em capítulo anterior a partir de dados do IDH da região.
Assim, são levadas em conta, na caracterização, a posição social e a ocupação:

Enquanto os grupos dirigentes e intelectuais se distribuem na Orla


Atlântica de Salvador e de Lauro de Freitas, em manchas quase contínuas,
destacando-se as falhas representadas pelo Nordeste de Amaralina, Boca
do Rio e de parcela de Itapuã, o proletariado se distribui no restante da
Região Metropolitana, ocupando a Salvador que as elites deixaram para
trás e os demais municípios da RMS, com a exceção da Orla de Lauro de
Freitas. Notam-se claramente manchas de ocupação do proletariado na orla
de Salvador, correspondendo aos vazios de grupos ocupacionais de mais
alta renda e deixando, ainda, as áreas do Centro Antigo e da Vitória para os
setores médios. Já os setores médios ocupam o centro tradicional e as áreas
mais antigas da cidade, áreas sem dinamismo, com alta densidade demo-
gráfica, mas com infra-estrutura. As áreas populares são as que abrigam a
população que não tem possibilidade de consumir o espaço da cidade mo-
derna nem da cidade tradicional e vai se alojar tipicamente em parcelamen-
tos clandestinos e habitações precariamente autoconstruídas. Estas áreas
populares ocupam, em Salvador, parte da orla da Baía de Todos os Santos,
do que hoje se chama de Miolo e do Subúrbio Ferroviário, dividindo o es-
paço, com as áreas do sub-proletariado em Salvador e no restante da RMS.
Ao contrário da ocupação do proletariado, os trabalhadores da sobrevivên-
cia coexistem também ao longo da orla Atlântica em interstícios das áreas
superiores (CARVALHO; SOUZA; PEREIRA, 2004, p. 287).

Como afirmam Carvalho, Souza e Pereira (2004), “notam-se claramente


manchas de ocupação do proletariado na orla de Salvador, correspondendo aos
vazios de grupos ocupacionais de mais alta renda e deixando, ainda, as áreas do
Centro Antigo e da Vitória para os setores médios”. Entre os bairros da Orla em
que residem petroleiros se encontram Imbuí, Stela Maris, Armação e Pituba:

214
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

FOTO/IMAGEM 8 IMBUÍ – IMPORTANTE


CONTINGENTE DE MORADORES PETROLEIROS

Fonte: (Conder, 2007).

FOTO/IMAGEM 9 STELA MARIS – IMPORTANTE


CONTINGENTE DE MORADORES PETROLEIROS

Fonte: (Conder, 2007).

215
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

FOTO/IMAGEM 10 PITUBA – IMPORTANTE CONTINGENTE DE PETROLEIROS

Fonte: (Conder, 2007).

FOTO/IMAGEM 11 CLUBE 2004 – EMPREGADO DA PETROBRAS EM SALVADOR

(Conder, 2007).

216
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Nessas quatro fotos aéreas, evidenciamos que os empregados da Petro-


bras são típicos moradores de classe média da cidade uma vez que vivem em
bairros com moradias sem adensamento urbano, com quadras bem definidas,
ruas asfaltadas, próximas ao litoral, com clubes de lazer à beira mar e piscinas
– inclusive com raias olímpicas em algumas casas e prédios. Em alguns bair-
ros como a Pituba, além de prédios bem distribuídos, há praças urbanizadas
e muitas piscinas (Foto 10).
Numa ata de fundação de um Sindicato de Trabalhadores Petroleiros, cria-
do em 2006 para fazer oposição ao SRQP e a FUP, há informações de que os
petroleiros fundadores moram, em sua grande maioria, na orla atlântica de
Salvador e Lauro de Freitas. Os membros registram endereços completos no
interior da ata 39
. A maioria dos trabalhadores que assinaram o documento
informou que viviam em bairros das orlas atlânticas de Salvador e Lauro de
Freitas, exceto uma petroleira aposentada que mora em bairro tradicional dos
sub-proletários: a Liberdade 40.
É claro que nem todos os petroleiros têm esse padrão de vida, uma vez
que esta posição depende de complexas estratégias de ascensão social. Mas se
repete o seguinte modelo entre os entrevistados: estilo de vida de classe média
e objetos de consumo, tais como: moradia em prédios, carros novos, assinatu-
ras de TV a cabo, motos de alta cilindrada, etc. - que os distinguem de outras
classes menos abastadas.
Em outra entrevista com petroleiro, a impressão sobre a “aristocratização”
permanece a partir da constatação de que o trabalhador vive numa casa situada
em um condomínio à beira-mar de Salvador, com toda a infra-estrutura de um
condomínio fechado: cerca elétrica, salão de festas, de jogos, sauna, piscina e

39. Esta se encontra no anexo da tese.


40. Em artigo publicado em 1995, Agier (1995) estudou as trajetórias de trabalhadores industriais do
Bairro da Liberdade, um bairro negro, com grande adensamento urbano e muitas carências típicas
dos bairros desassistidos. Este bairro cantado em músicas baianas nos últimos 20 anos e sede de blo-
cos negros Importantes como Ilê Ayê e Muzenza, criados por trabalhadores industriais, foi a primeira
moradia de muitos petroleiros e trabalhadores do Pólo, contando inclusive com número importante
de moradias de trabalhadores terceirizados investigados na Pesquisa (CRH-SRQP, 2000).

217
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

paisagismo(Foto 9). Uma empregada doméstica cuida dos bons móveis e há um


carro importado na porta. Esses indícios dão conta de que o petroleiro é de fato
um personagem da classe média da cidade de Salvador.
A partir deste momento, apresento a auto-descrição de alguns trabalhadores
petroleiros em seus perfis no Orkut. Estes depoimentos sinalizam seus padrões
de vida de classe média e se referem, também, aos estilos de vida:

Perfil do Orkut: Filhos: sim – moram comigo; etnia: multiétnico; reli-


gião: outra; visão política: muito liberal, de esquerda; humor: inteligente/
sagaz; orientação sexual: heterossexual; estilo: contemporâneo; fumo: re-
gularmente; bebo: de vez em quando; animais de estimação: prefiro que
fiquem no zoológico; moro: com filho(s); cidade natal: SALVADOR; pai-
xões: pelos meus filhos; esportes: uma boa partida de futebol atividades:
uma boa caminhada pela avenida Paralela. Livros: gosto muito da poesia
de “CASTRO ALVES” (VOZES D’AFRICA). Música: MPB: Caetano/
Djavã/Vânia Abreu/etc... INTERNACIONAL: Pink Floyd/Led Zepellin/
The Cure/etc... System of a Down; programas de tv: ABERTA: A Grande
Família (e só) FECHADA: Todos os Telecines/Multshow/GNT/ESPN
INTERN. filmes: -GOLPE DE MESTRE (PAUL NEWMAN) -BLADE
RANNER – MASH; cozinhas: TODA E QUALQUER TIPO DE COMI-
DA BAHIANA (COMUNIDADES, 2007).

Outro trabalhador relata seu estilo de vida na comunidade da Petrobras no Orkut:

Filhos sim – moram comigo; etnia: multiétnico; religião: Cristão/


católico; humor: simpático; estilo: alternativo, contemporâneo urbano;
fumo: não; bebo: de vez em quando; animais de estimação: prefiro que
fiquem no zoológico; moro: com companheiro (a), com filho(s); cidade
natal: Belém, PA; paixões: Minha família; esportes: Os coletivos, prin-
cipalmente futebol e voleibol; atividades: Profissionais, cinema, leitura,
esporte, passeios diversos, viajar; livros: Todos são válidos e alguns são

218
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

ótimos, O monge e o executivo, Ética da Vida; música: Bee Gees, Pink


Floyd, U2, Adriana Calcanhoto, Legião Urbana, flash-backs; programas
de TV: Alguns da AXN e Universal;. Futebol também. Filmes: de aventura,
ação, ou que tenham uma boa estória; cozinhas: paraense, portuguesa
(COMUNIDADES, 2007).

Este empregado expõe sobre seus gostos artísticos, de leitura, além de res-
saltar seus interesses educacionais:

Filhos: não; etnia: hispânico/latino; religião: Cristão/católico; visão


política: esquerda-liberal; humor: simpático; orientação sexual: heteros-
sexual; estilo: alternativo; fumo: não; bebo: regularmente; animais de esti-
mação: prefiro que fiquem no zoológico; moro: só; cidade natal: Salvador;
paixões: Esportes: Jiu-Jitsu, futebol e musculação. Atividades: Trabalho
na Petrobras: Coordenador de Engenharia, MBA em gerenciamento de
Projetos, inglês e academia: Livros: Xangô de Baker Street (J Soares), O
gerente Minuto, Pai Rico Pai Pobre e Mar sem Fim (Amyr Klink); música:
Rock POP e Reggae. Filmes: Curtindo a vida adoidado, Senhor dos Anéis,
Matrix, Coração Valente, De volta para o futuro e Gladiador; Cozinhas:
Churrasco e massas (COMUNIDADES, 2007).

Deste modo, em relação aos estilos de vida informados no Orkut pelos três
empregados da Petrobras, destaca-se a escolha da categoria multiétnico como
identidade racial sinalizada, embora as fotos dos mesmos permitam classificá-
los como afrodescendentes. Os gostos literários se distribuem entre o poeta
Castro Alves e livros de auto-ajuda, como “O Monge e o Executivo”. Em rela-
ção a cinema, todos os trabalhadores optam por cinema de origem comercial
hollywodiana. Destaque-se também a posse de TV a cabo, o gosto culinário, a
preferência por pratos típicos de determinadas regiões e os gostos musicais.
Um razoável contingente de petroleiros reside na Pituba, bairro que permi-
te o acesso a bens de consumo e infra-estrutura:

219
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

FOTO/IMAGEM 12 - INFRA ESTRUTURA – PITUBA

Fonte: (Conder, 2007)41.

É factível que a infra-estrutura faça da Pituba uma localidade distinta. Essa


realidade pode ser constatada pela quantidade de escolas, supermercados, casas
comerciais, teatro, clubes de lazer, bancos, hotéis, etc. (Foto 12).
E o trabalhador terceirizado investigado, onde mora? Os subcontratados, em
geral, moram em bairros populares, com todos os problemas já conhecidos de uma
ocupação urbana. Essas moradias populares podem estar localizadas no entorno
da RLAM, em cidades como: Candeias, São Francisco do Conde, Catu, Pojuca,
São Sebastião do Passé, Santo Amaro, ou então, em Salvador, que, como se sabe,
é uma cidade bifurcada entre a cidade turística conhecida nacionalmente e a perifé-
rica que não aparece na TV de âmbito nacional, mas é uma constante presença nos
programas tipo “O Povo na TV” das emissoras locais.
O Siticcan disponibilizou as fichas de filiação dos terceirizados. Estas permitiram
constatar as informações sobre endereços dos trabalhadores e foi crucial para a análi-
se sobre o diferenciado padrão de moradia dos terceirizados. Os principais bairros de
moradia na RMS são: Lobato, Cabula, São Caetano, Boca do Rio, Liberdade, Itapuã,
Castelo Branco, São Marcos, Alto do São Francisco, Areia Branca e Fazenda Coutos.
41. Estes símbolos na foto aérea foram colocados pela Companhia de Desenvolvimento Urbano
da Grande Salvador (CONDER). A Pituba também é um bairro com alto índice de roubo de car-
ros e assaltos nas sinaleiras. É recente a instalação de uma Delegacia de Polícia no Bairro, fruto
dessa realidade de violência fora dos condomínios super protegidos do local.

220
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Em Candeias, Malembá, Santo Antonio, São Francisco, Urbis I, II e III, etc. Todas
estas localidades estão entre o miolo da capital e bairros de municípios da região, con-
firmando assim, o mapeamento da pesquisa de Carvalho, Sousa e Pereira (2004).
Os bairros de terceirizados têm uma infra-estrutura bastante deficitária (Fotos
14, 15 e 16). Assim, em relação a espaços de moradia, são nítidas as diferenças en-
tre trabalhadores petroleiros e trabalhadores terceirizados. Nas cinco fotos abaixo,
são apresentados os locais de moradia de terceirizados: poucos prédios, nenhuma
piscina, ausência constante de praças e equipamentos urbanos. Até a água do mar
é distinta, passando de um azul turquesa da orla atlântica (Foto 11) para um mar
cinza da praia do subúrbio, conforme a foto da orla suburbana acima (Foto 14).
Os terceirizados habitam, na maioria das vezes, em condições precárias, em ca-
sas por fazer, que são construídas nos momentos de folga. Estas são construídas em
um período que, às vezes, chega há anos. Primeiro, os alicerces, as telhas, os blocos
crus, sem massa e sem acabamento nas paredes externas, tampouco nas internas.
Na sala, encontram-se móveis antigos, equipamentos domésticos que não são tro-
cados com frequência, CD’s, em sua maioria piratas, que podem também dar teste-
munho sobre o universo cultural do morador dos bairros populares de Salvador.

FOTO/IMAGEM 13 CAJAZEIRAS - IMPORTANTE


CONTINGENTE DE TRABALHADORES TERCEIRIZADOS

Fonte: (Conder, 2007).

221
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

FOTO/IMAGEM 14 - AV. SUBURBANA - IMPORTANTE


CONTINGENTE DE TRABALHADORES TERCEIRIZADOS

Fonte: (Conder, 2007).

FOTO/IMAGEM 15 - AV. SUBURBANA - IMPORTANTE


CONTINGENTE DE TRABALHADORES TERCEIRIZADOS

Fonte: (Conder, 2007).

222
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

FOTO/IMAGEM 16 LIBERDADE – IMPORTANTE


CONTINGENTE DE TRABALHADORES TERCEIRIZADOS

Fonte: (Conder, 2007).

FOTO/IMAGEM 17 CABULA IMPORTANTE


CONTINGENTE DE TRABALHADORES TERCEIRIZADOS

Fonte: (Conder, 2007).

223
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Para complementar a análise dos espaços de moradia dos terceirizados,


selecionou-se um bairro de Candeias - com grande contingente de subcontra-
tados. Assim, expõem-se alguns aspectos dos estilos de moradia e as próprias
condições de habitabilidade dos terceirizados deste segmento:

FOTO/IMAGEM 18 CANDEIAS - ALTO ÍNDICE DE


TRABALHADORES PRECARIZADOS

Fonte: (Conder, 2007).

Uma distinção evidente se refere ao adensamento dos locais de moradia


dos terceirizados, conforme as fotos (13 a 18). A imagem das quadras bem
definidas são substituídas por imagens labirínticas que mais parecem as veias
do corpo humano do que as vias da razão e do ordenamento urbano dos bair-
ros de classe média. O barro e a ausência de asfalto se impõem. Nesse senti-
do, há uma dimensão simbólica no fato de trabalhadores do petróleo morarem
em ruas sem asfalto, um dos derivados deste óleo. O barro em muitas ruas
de moradias de terceirizados é um emblema da distinção, porque expressa a
estratificação no plano extrafabril.

224
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

De todo modo, embora essa diferenciação seja percebida no plano simbóli-


co e social pelos segmentos, essa situação não é aspecto novo na configuração
da classe trabalhadora 42.
O historiador Hobsbawn, no texto “Qual é o país da classe trabalhadora”
já demonstrara que a classe operária inglesa é uma categoria muito abstrata
quando se analisa o perfil religioso, a identidade nacional e a pertença dos
próprios sujeitos que compunham a classe operária naquele país. As media-
ções identitárias apresentadas pelo autor, tais como: as de cunho religioso e
de origem nacional de membros da classe, colocavam em suspeita tentativas
de homogeneização à pertença de classe, apoiados numa leitura estritamente
economicista e estruturalista 43.
Em relação ao universo cultural dos terceirizados, percebeu-se que se ‘curte’
na folga cantores populares, sempre com volume nas alturas, com uma cerveji-
nha do lado. Na parceria, uma companheira, em geral trabalhadora doméstica,
informal ou ganhadora de salário mínimo. Ouvem-se estilos de músicas baia-
nas – arrocha, pagode baiano e axé –, e bandas como: Harmonia do Samba,
Gerasamba, Saidybamba, Pagodart, Fantasmão, etc. O Forró é ouvido mais
frequentemente em época de São João. Sobre este diferente estilo de vida, co-
menta um petroleiro44:

42. O clássico livro “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, de Engels apresenta esta di-
ferenciação comparando o padrão de vida dos proletários ingleses com o dos proletários de outras
nacionalidades empregados nas indústrias daquele país. Ademais, é apresentada uma rica descrição
– que poderia denominar etnográfica – sobre as casas insalubres, as péssimas condições de vida e até
sobre as relações de preconceito entre ingleses e irlandeses – inclusive pelo próprio Engels – que em
diversas passagens demonstra um olhar etnocêntrico sobre os operários imigrantes na Inglaterra.
43. Estudos brasileiros, como os de Souza-Lobo (1991) e o de Silva (1997), corroboram com a no-
ção de que é necessário pensar sobre essa heterogeneidade identitária - e isto até tem sido feito desde
a década de 80, quando se incorporam outras identidades sociais na análise sobre a configuração e
perfil dos trabalhadores que não são mediadas exclusivamente por relações de sociais de produção.
44. Investigando as fotos de festas dançantes nos clubes dos Petroleiros, obtivemos infor-
mações sobre as bandas e músicas que fazem sucesso entre os petroleiros: forró, bandas de
axé music, música sertaneja. Estas também são valorizadas pelos trabalhadores terceirizados.
Entretanto, arrocha, pagode baiano e bandas menos expressivas fazem mais sucesso entre ter-
ceirizados do que entre os petroleiros.

225
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Você tem uma situação, por exemplo: a maior parte dos trabalhado-
res da Petrobras mora em Salvador, no caso da refinaria, a maior parte
mora em Salvador ou mora em Feira de Santana. Ou mora em uma cidade,
com um nível de estrutura mais adequado. A maioria dos trabalhadores das
contratadas mora em Candeias Então, você tem já aí uma... Diferença de
moradia. Você tem, por exemplo: trabalhador da Petrobras, ele tem o Petro-
clube, que é da Petrobras. Em Salvador ele vai a ambientes que não vão os
trabalhadores das contratadas. Então, você queira ou não, você criou uma
diferença social entre essas pessoas, porque naturalmente em cada meio
social, você tem seus códigos e suas formas de comunicação. Eu não digo
que chega a não entender, porque de certa forma você tá lidando com os
outros, então, eu acredito que há compreensão. Agora, é, que existe e você
consegue, identificar o perfil de um e do outro. Eu acredito que é... Diver-
sos fatores, tanto econômico, como social e... Tanto fora do trabalho, como
no ambiente de trabalho, é diferente o tipo de atividade que um desenrola
que o outro desenrola, os lugares que cada um frequenta isso leva a que, os
anseios sejam diferentes de certa forma,... Os códigos e a linguagem tam-
bém têm uma diferença (Depoimento de Petroleiro, jun./2004).

É evidente que existem outros universos socioculturais. Alguns empregados


terceirizados moram em condomínios construídos no início da década de 80,
pelo antigo Banco Nacional de Habitação (BNH). Estas moradias são homo-
gêneas, de baixo custo, sem direito a fachadas particulares, em prédios de três
andares, sem elevador, localizados em bairros periféricos, alguns deles chama-
dos Cajazeiras II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, ou Cabula I, II, III, IV, V,
VI, VII, e dezenas de outros conjuntos habitacionais populares presentes na
paisagem urbana de Salvador:

Cajazeiras é praticamente uma cidade dentro de Salvador. São mais de


670 mil habitantes dispostos entre as 11 Cajazeiras e as quatro Fazendas Gran-
des. A população é superior à de Feira de Santana – segunda cidade mais
populosa da Bahia – e o local é conhecido como o maior conjunto habitacional
da América Latina. São incontáveis setores, quadras e blocos capazes de con-

226
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

fundir até mesmo os moradores mais antigos. A região também se confunde


com localidades como Águas Claras e Boca da Mata, devido à proximidade
geográfica. Sua construção começou em 1982, no governo de João Durval
Carneiro (1983-1987), apesar de a pedra fundamental ter sido colocada no
governo de Antonio Carlos Magalhães (1979-1983). As terras, antes ocupadas
por três grandes fazendas: Jaguaripe de Cima, Fazenda Cajazeiras, Fazenda
Boa União e Chácara Nogueira, foram desapropriadas para dar lugar ao Pro-
jeto Urbanístico Integrado de Cajazeiras. Foram erguidas 18.523 habitações
populares. Hoje, quem chega ao bairro se depara com uma grande quantidade
de igrejas, estabelecimentos comerciais (supermercados, faculdade, shopping,
lanchonetes, lojas de autopeças, hospitais, etc.) e, também, com muitas inva-
sões espalhadas por vales e encostas ao redor dos conjuntos habitacionais. Para
o responsável pela Administração Regional (AR XIV), José Miguel dos Santos,
essas ocupações “são um sofrimento para Salvador”, pois são construídas sem
qualquer ordenamento do solo e contribuem para aumentar consideravelmente
o problema de saneamento básico no bairro (HERCOG, 2007).

FOTO/IMAGEM 19 - CAJAZEIRAS

(HERCOG, 2007).

227
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Obviamente esta opinião do administrador regional de cajazeiras “as ocupa-


ções precárias são um sofrimento” expressa um discurso notadamente vinculado
aos interesses da prefeitura, ao desresponsabilizá-la pelos problemas urbanos e sem
entrar no mérito das causas do crescimento de ocupações precárias na cidade. De
todo modo, essas moradias não são homogêneas visto que existem “prédios popu-
lares”, casas sem reboco no meio e habitações de madeira e plástico na parte baixa
(Foto 19). São nestes dois modelos habitacionais – do bairro popular ou conjunto
habitacional que mora a maior parte dos trabalhadores terceirizados da capital.
Foram demonstradas as desiguais inserções dos trabalhadores investigados
no interior da RMS, basicamente em relação ao local de moradia e às represen-
tações sociais.

5. HABITUS DE CONSUMO
Nesta seção, buscamos evidenciar o padrão de consumo escolar, o inves-
timento imobiliário desejado e o gosto gastronômico a partir da análise de
mensagens publicitárias endereçadas aos petroleiros no site CEPEMAGAZI-
NE45. Para compreender como a publicidade pode fazer parte da análise quali-
tativa, utilizamos as reflexões e estratégias metodológicas elencadas no estudo
de (ROCHA, 1985). Este autor desenvolveu uma pesquisa em que interpreta
antropologicamente a publicidade, evidenciando em seu estudo, dentre outras
questões, os discursos produzidos nas peças publicitárias para a elite, conside-
rando olhares sobre gênero nas propagandas analisadas. Essas publicidades se
referiam às marcas de uísque, cosméticos femininos e carros, etc. Deste modo,
o autor evidencia que os meios de comunicação de massa também produzem/
estabelecem o seu perfil de consumidor. Esta produção é dada a partir das
representações sociais construídas na propaganda sobre os potenciais consu-
midores (ROCHA, 1985). Por conseguinte, utilizaram-se estas reflexões meto-
dológicas para construir e analisar dados acerca de estilos de consumo a partir
de publicidade direcionada aos petroleiros investigados:

45. Este é uma Revista On Line dos Clubes dos Empregados da Petrobras na RMS: Clube 2004,
Mataripe, CEPE-Stela Maris, Adepe e CEPE Catu. Os terceirizados não têm clubes.

228
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

FOTO/IMAGEM 20 PROPAGANDA DIRECIONADA AOS PETROLEIROS

Fonte: (CEPEMAGAZINE, 2007).

FOTO/IMAGEM 21 PROPAGANDA DIRECIONADA AOS PETROLEIROS

Fonte: (CEPEMAGAZINE, 2007).

FOTO IMAGEM 22 - PROPAGANDA DIRECIONADA AOS PETROLEIROS

Fonte: (CEPEMAGAZINE, 2007).

229
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Entre os artigos publicados na Edição de Número 38 da CEPEMAGAZINE,


alguns permitem o entendimento sobre o habitus de consumo dos petroleiros baia-
nos. Nessa publicação, podem ser encontrados textos sobre estilo e moda, investi-
mento em imóveis, indicadores gastronômicos, artigos sobre saúde e modo de vida,
serviços para imóveis, pacotes de férias, financiamentos de carros, pet shops, etc.

FOTO/IMAGEM 23 - ROPAGANDA DIRECIONADA AOS PETROLEIROS

Fonte: (CEPEMAGAZINE, 2007).

Das quatro propagandas veiculadas no site do clube dos empregados, duas fa-
zem referência explícita a descontos para trabalhadores petroleiros em mensalidades
de escolas de classe média. Uma das peças publicitárias chega a chamar o dinheiro
dos petroleiros de “petróleo”. Obviamente estas publicidades são focadas nos traba-
lhadores da Petrobras por estes serem potenciais e usuais clientes destes serviços.
Os dados acerca da escolaridade, posição social no trabalho e renda, apre-
sentados em capítulos anteriores, são indicadores importantes dos estilos de
vida e habitus adquirido pelos segmentos. Esses sinais distintos expressam o
comportamento frente ao lazer, ao consumo e o estilo de vida.

230
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

No caso dos trabalhadores terceirizados, obtiveram-se informações sobre


lazer em momentos de folga e posse de bens de consumo duráveis:

Tabela 28 - Lazer e momentos de folga dos terceirizados I

Costuma sair com os amigos fora


Frequência %
do trabalho nos momentos de folga
Sim 17 28,3
Não 43 71,7
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria

Em depoimento de um trabalhador terceirizado fica patente a segmentação


entre os investigados. Esta se refere à separação dos trabalhadores, no âmbito
do lazer, nas dependências do Clube dos Empregados da Petrobras (CEPE), em
Mataripe, ao lado da Refinaria:

Então, eu tô falando do clube. O acesso tem pra as duas partes, é, no


clube tem. Agora só que tem um negocio, a piscina, o terceirizado não
pode ir... não tem direito, concordo porque é só pra associado. Agora se o
terceirizado alugar a casa ou um parente dele alugar a casa ou coisa assim,
e ele tiver, o parente tiver na casa, ele pode vim com a roupa da terceiriza-
da e lá na casa tirar a roupa dele, botar a sunga e tomar banho de piscina.
Por quê? Ele alugou um espaço, que é dentro do clube (Depoimento de
Trabalhador Terceirizado, maio/2003).

O depoimento revela uma naturalização da segmentação e a ausência de re-


flexão sobre os motivos que levam os terceirizados serem proibidos de frequen-
tar a piscina. A questão da proibição de associação ao clube não é enfatizada.
Dos 60 trabalhadores terceirizados investigados em referência ao que
fazem nos momentos de folga, 71% disseram que não saem com amigos nos
momentos de folga.

231
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Tabela 29 - Lazer e momentos de folga dos terceirizados II

Costuma sair com os colegas de


Frequência %
trabalho nos momentos de folga
Sim 7 11,7
Não 53 88,3
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria

Em relação a sair com colegas de trabalho cerca de 88% enfatizaram que


não saem com colegas.

Tabela 30 - Lazer e momentos de folga dos terceirizados III

Costuma frequentar a
Frequência %
praia nos momentos de folga
Sim 24 40,0
Não 36 60,0
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria

Ressalta-se que 40% vão à praia nos momentos de folga. Entre os lazeres com
menor possibilidade de gasto, numa região litorânea, se encontra a ida ao litoral.

Tabela 31 - Lazer e momentos de folga dos terceirizados IV

Costuma frequentar o
Frequência %
cinema nos momentos de folga
Sim 5 8,3
Não 55 91,7
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria

Dos 60, 8% afirmaram que vão a cinemas nas folgas.

232
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Tabela 32 - Lazer e momentos de folga dos terceirizados V

Costuma frequentar
Frequência %
bares nos momentos de folga
Sim 20 33,3
Não 40 66,7
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria

33% a bares, em geral das redondezas dos locais de moradia.

Tabela 33 - Lazer e momentos de folga dos terceirizados VI

Costuma frequentar a
Frequência %
igreja nos momentos de folga
Sim 11 18,3
Não 49 81,7
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria

Outros 18% frequentam igrejas.

Tabela 34 - Lazer e momentos de folga dos terceirizados VII

Costuma sair com a família


Frequência %
nos momentos de folga
Sim 19 31,7
Não 41 68,3
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria

31% saem com a família. Em suma, aos trabalhadores terceirizados não sobra
tempo dada a lida dura que acontece inclusive aos domingos. A grande maioria

233
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

fica, na verdade, em casa. Para superar esta situação da ausência de lazer, foi apre-
sentada uma tese no antepenúltimo congresso da categoria dos terceirizados:

Fundação da Área de lazer do trabalhador – Nós somos donos de um


patrimônio esquecido, com uma boa área e bem localizada, no entanto não
desfrutamos de nada. Por isso, estamos querendo transformar esse imóvel
em área de lazer, onde possamos levar nossos filhos, e até quem sabe nossas
esposas, para que os mesmos sintam o que é um sindicato, e o que é polí-
tica e para que se faça novas amizades. Nessa área de lazer poderemos ter
dominó, baralho, dama, sinuca, totó, vídeo game, um barzinho que poderá
ser arrendado, dentre outros. No entanto são ideias para serem analisadas e
discutidas. O que nós queremos é que os trabalhadores tenham outra visão
do sindicato, que não é só para resolver os problemas da área de trabalho,
mas também para oferecer lazer aos trabalhadores, para que possamos es-
quecer um pouco essa lida tão desgastada e estressante (TEXTO, 2003).

Existe um reconhecimento feito pelos próprios trabalhadores terceirizados


de que o lazer proporciona sociabilidade e aproximação da base com a organi-
zação sindical, entretanto, em todas as entrevistas feitas ficou evidenciado que o
lazer do segmento é bastante restrito em decorrência da ausência de um clube.
Desta forma, a desigualdade entre os segmentos investigados se expressa até
em aspectos lúdicos.
Em relação a posse de bens duráveis de consumo, a maioria possui uma
televisão, dvd, som nos lares. Não são muitos os que possuem automóveis, e
quando têm, são carros com mais de 05 anos de uso e fora de linha.
Dos 60 trabalhadores terceirizados investigados em relação ao que fazem
nos momentos de folga, 71 % disseram que não saem com amigos nos momen-
tos de folga, 88% não saem com colegas, 40% vão à praia, 8% vão a cinemas,
33% a bares, 18% a igrejas e 31 % saem com a família. Para os trabalhadores
terceirizados não sobra tempo para o lazer devido ao trabalho intenso, que acon-
tece inclusive aos domingos (A grande maioria fica, na verdade, em casa).
Os dados apresentados tiveram por objetivo demonstrar a segmentação do
habitus de classe dos trabalhadores investigados.

234
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Tabela 35 - Escolaridade dos efetivos da Petrobras – Brasil

Escolaridade %
1º Grau incompleto 1,19
1º Grau completo 1,86
2º Grau incompleto 0,76
2º Grau completo 47,44
Superior incompleto 6,69
Superior completo 37,90
Pós-Graduação 1,44
Mestrado 2,22
Doutorado 0,50
Total 100,0
Fonte: Petrobras, 2007.

Foi possível evidenciar que a relação entre a escolarização e, no caso dos


investigados, a renda adquirida com o trabalho são importantes indicadores
da distinção estrutural (salários diferenciados, condições de trabalho e direitos
desiguais) e estruturante (escolarização, estilos de vida e habitus):

Tabela 36 - Escolaridade dos trabalhadores terceirizados da RLAM

Costuma sair com os amigos fora


Frequência %
do trabalho nos momentos de folga
Ensino fundamental incompleto 20 33,3
Ensino fundamental completo 18 30,0
Ensino médio incompleto 4 6,7
Ensino médio completo 18 30,0
Total 60 100,0
Fonte: Elaboração Própria

As informações apresentadas e a análise feita reiteram a dualização e a dife-


renciação dos estilos de vida dos segmentos investigados para além do chão da

235
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

fábrica. O habitus de consumo, os estilos de moradia, os gostos e possibilidades


culturais são importantes indicadores da complexa segmentação, diferenciação
e fragmentação no interior de frações da classe trabalhadora. Estas distinções
sociais são indícios da agudização e da fragilização de laços, bem como con-
tribui para iluminar as reflexões sobre o fazer-se, desfazer-se e refazer-se da
identidade de classe e/ou profissional. Por fim, a constatação empírica da agu-
dização da fragmentação interna e externa, objetiva e subjetiva, entre os seg-
mentos investigados, precisa ser problematizada pelos sindicatos e, também, no
cotidiano da vida social e profissional dos trabalhadores pesquisados.

236
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi apresentar considerações sobre as percepções


subjetivas que os trabalhadores de empreiteiras e os petroleiros na Refinaria Lan-
dulfo Alves têm sobre o processo de terceirização, reconstruindo esta experiência
na fala, nos escritos, nas entrevistas, nas distinções estruturais e nas observações
realizadas. A sistematização das informações coletadas constatou a fragmentação
de classe e as diferenciações objetivas e subjetivas entre os trabalhadores.
As análises dos depoimentos dos petroleiros demonstraram que a diferen-
ciação foi naturalizada por alguns entrevistados. A forte consciência corporati-
va também ficou muito evidente no comportamento político dos trabalhadores
da estatal bem como dos terceirizados, incluindo os sindicatos dos segmentos.
Como expressões deste comportamento, consideram-se as queixas dos traba-
lhadores da estatal em relação à permanência da terceirização e dos terceiriza-
dos na empresa e os conflitos entre os sindicalistas dos segmentos.
Enfatizamos uma fragilização do convívio e dos laços sociais entre trabalhado-
res que vivem em situações contratuais distintas na RLAM. Estas questões foram
evidenciadas em situações como a ausência do interesse por parte dos terceirizados
em realizar uma greve conjunta com os petroleiros em 1995, e a recusa do sindica-
to em relação à permanência de aposentados na base dos terceirizados da RLAM
e a falta de convívio no momento das festas. Cabe enfatizar que esta medida foi
defendida inclusive pelo sindicato dos terceirizados. Além do que foi dito, pode-se
acrescentar a recusa da base dos trabalhadores estáveis no tocante à unificação dos
sindicatos dos empregados efetivos com o dos operários terceirizados.
O vínculo com as atividades do petróleo não solidifica uma identidade profissio-
nal. Um resultado interessante é que, embora o sindicato dos terceirizados discuta,
em seus boletins, sua condição de petroleiro com vínculo indireto, este discurso não
encontra apoio entre os trabalhadores, que, em sua grande maioria, não se conside-
ram petroleiros mesmo que indiretos. A partir dos depoimentos que explicitam as
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

vantagens e melhores condições de trabalho, de salários e de status dos petroleiros,


podemos inferir que os terceirizados desejam essa condição. Uma outra expressão
dessa questão é a presença constante, nos discursos dos terceirizados, do desejo
de fazer concurso para a entrada na Petrobras. Foi crucial a contribuição de Hall
(2001) para demonstrar esse complexo jogo identitário-profissional.
A falta de acesso a algumas instalações da empresa, a revista diária das saco-
las e a ausência de programas que estimulem a convivência entre trabalhadores
da Petrobras e de empreiteiras foram indícios de que os terceiros não se incor-
poraram à cultura organizacional da empresa. Outra dimensão desta realidade
é a expressão do preconceito sendo fomentado pela empresa estatal.
Os terceirizados têm uma clara percepção da fragilidade da sua relação
com o emprego, pois os classificaram com termos como “pesadelo”, “escravi-
dão”, “ser estrangeiro em terra alheia”, “fonte de sofrimento”. E, para mos-
trar a força do deboche como estratégia de sobrevivência, se auto-identificaram
como “patinho feio”, “petrolérico”, “escravo moderno”, “empregados da chupa
toda”, “empregados de gata”, etc. Todavia, esta deterioração com o emprego
não é fixa e imutável visto que é associado com o desenvolvimento de ativida-
des no interior da estatal. Goffman deu seminal contribuição para revelar essa
questão junto ao contingente investigado ao abordar esta situação a partir das
noções de identidade deteriorada, desacreditado e desacreditável.
A intensa estratificação entre trabalhadores em situações contratuais dis-
tintas criou um habitus de segmentação entre os investigados. Este tem duas
dimensões/percepções que são objetivas e subjetivas. Foi possível evidenciar
uma expressiva distinção em relação ao estilo de vida dos trabalhadores. Esta
diferenciação decorre das condições de vida, trabalho e moradia, bem como do
posicionamento frente ao consumo e ao lazer.
Os símbolos de estigma e de prestígio foram sinalizados pela posse de um
crachá amarelo e verde, respectivamente. A coesão grupal – demonstrada nas
confraternizações, clubes exclusivos, etc. – foi evindenciada entre os petrolei-
ros. Por outro lado, exceto a fomentada pelo sindicato dos terceirizados - existe
uma ausência de coesão entre os terceirizados, devido à atomização social, e o
caráter temporário de seus empregos.

238
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Em suma, assiste-se a um processo de exclusão no trabalho e em relação a


direitos sociais, trabalhistas e de precarização das condições de trabalho tan-
to objetivas quanto subjetivas. Ocorre o que alguns autores (DRUCK, 1999;
ANTUNES, 1995) denominam trabalhadores de dois estatutos: os de primeira
categoria (os estáveis, com direitos trabalhistas e sociais preservados, mesmo
com o processo de perdas de alguns destes direitos); e os de segunda categoria
(precários, sem estabilidade, sem direitos trabalhistas consolidados).

Os principais conflitos evidenciados foram:


a. Conflitos de ordem simbólica: A vestimenta diferenciada, a cor do cra-
chá, a proibição de acesso de trabalhadores de empreiteiras a alguns setores
da empresa, as mesas de refeitório preenchidas apenas pelos trabalhadores da
estatal ou de terceirizados, o pertencimento social diferenciado, p.ex., bairro de
moradia, a identificação do trabalhador de empreiteira com a condição de peão
em contraste com a de petroleiro, as considerações deterioradas acerca do em-
prego - no caso dos terceirizados e o arcabouço identitário complexo: o desejo
subjetivo e objetivo de ser um petroleiro.
b. Conflitos de ordem política: não se solidarizar nas greves de um e outro
segmento, reforço recíproco de corporativismo, não apoio político às reivindi-
cações da categoria em greve, recusa de unificação das bases, recusa dos apo-
sentados da Petrobras na base do Siticcan, conflitos internos na base petroleira,
p.ex., entre trabalhadores ligados a FUP e ao FNP, etc. Além disso, direitos de-
siguais, condições de trabalho diferenciadas e padrões habitacionais distintos;
c. Conflitos de ordem econômica: salário desigual, benefícios extra-salariais
desiguais, ausência de PLR, etc.;
d. Conflitos/problemas causados pela Petrobras: revistar os pertences de todos os
funcionários de empreiteiras (na entrada e na saída do trabalho), ausência de esti-
mulo à convivência social na planta entre os trabalhadores, busca de menor custo
na intermediação da mão de obra, rotatividade das empresas contratadas, etc.

Em suma, a pesquisa realizada procurou demonstrar que os sujeitos estu-


dados interpretam as situações estruturais em que vivem e não são “robôs” au-

239
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

tômatos da estrutura, na medida em que pensam, refletem e experienciam suas


condições de trabalho e de vida (BOURDIEU, 1989; THOMPSOM, 1987).
Em relação à experiência e articulação de interesses, buscou-se uma refe-
rência na noção de classe como um “fazer-se” (THOMPSON, 1987; BOUR-
DIEU, 1989) e por sua vez, não acabada, visto que é um processo construído
historicamente. Por outro lado, foi de grande valia as discussões teóricas de
Goffman e Elias no concernente à produção social do estigma, dos estereótipos
e da deterioração das relações profissionais. Além disso, permeou todo o texto,
a noção de habitus visto que este conceito chave iluminou constantemente a
compreensão da produção social da segmentação, dos estilos de vida, dos com-
portamentos políticos e das hierarquias e estratificações.

A partir das hipóteses levantadas obtiveram-se os seguintes resultados:


Os trabalhadores desenvolvem relações fragilizadas quando estão em situa-
ções contratuais distintas. Estas evidenciaram-se nos conflitos em torno da cor
do crachá, dos espaços no interior da fábrica, nas festas exclusivas de confra-
ternização, etc. Essa questão foi demonstrada nas queixas destes empregados
em relação à exclusão dos momentos de confraternização dos empregados da
estatal no interior das unidades fabris, principalmente, em festas natalinas.
Foi constatado um processo acirrado de segmentação no espaço fabril uma
vez que existem lugares com proibição de acesso por parte dos terceirizados, a
exemplos de refeitórios, vestiários, portão de acesso à entrada e saída diferen-
ciado, clubes de lazer, etc.
Vale ressaltar que a segmentação também se dá fora da fábrica, já que locais de
moradia, gostos estéticos, artísticos e estilos de vida evidenciam de modo objetivo-
subjetiva. Ficou evidenciado também que os contingentes investigados portam um
habitus extremamente diferenciado. Esta realidade está centralmente concatenada
com os anos de estudo e a renda diferenciados entre os investigados.
Em suma, no capítulo 1, os dados apresentados sintetizaram os indicadores so-
ciais –mercado de trabalho, educação e condições habitacionais em bairros típicos
dos segmentos investigados. Foi também demonstrado o peso da Petrobras para a
dinamização da economia regional desde os anos 50. Em síntese, a região tem altos
níveis de concentração de riqueza e os dados revelaram elevados níveis de pobreza

240
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

e exclusão, por outro. De toda forma, pelos níveis de renda, educação e habitação
aqui discutidos, expõe-se que a população vivenciou na verdade uma realidade sui
generis: viver na opulência sendo protagonista de tanta pobreza e “desfiliação”.
Foram cruciais para este capítulo o estudo sobre o mercado de trabalho da Rms (
Borges, 2007) bem como os dados sobre o peso da empresa na região.
No capítulo 2, foi possível explicitar o perfil dos empregados da estatal e
dos terceirizados, a dualização da força de trabalho no interior da empresa, o
caráter formal do discurso sobre cidadania empresarial, a imagem dinâmica e
contraditória da empresa junto à sociedade, assim como os estudos sobre a ter-
ceirização em várias partes do país. Estas pesquisas revelaram os problemas da
terceirização na empresa nas opiniões de seus dirigentes, dos empregados, etc.
Caracterizou-se, especialmente, o discurso ambíguo e “bi-facial” da equipe di-
rigente da estatal frente à terceirização. Neste capítulo, Druck e Franco (2007)
deram grande contribuição ao revelar a terceirização na Rms, notadamente no
ramo industrial nos últimos 20 anos. Castel (1998) foi útil para explicitar a
questão da dualização do mercado de trabalho na Petrobras assim como com os
conceitos de desfiliação, inclusão e vulnerabilidade social permitiram ampliar
o foco sobre a questão. Destaquem-se os dados sobre a Petrobras em todo o
território nacional coletados nos balanços socioambientais e relatórios anuais.
No capítulo 3, evidenciaram-se as experiências políticas e de formação de clas-
se dos trabalhadores investigados com objetivo de recuperar suas memórias sobre
inserções na fábrica, trajetórias, greves, percepções da reestruturação produtiva nos
últimos 50 anos. Foi também analisado o surgimento e a intensificação do corporati-
vismo entre os segmentos investigados. Como já foi dito, foi apresentado o arcabou-
ço das identidades profissionais entre os investigados. A principal conclusão é que as
identidades são permeadas por condições transitórias que podem se tornar quase-
permanentes. Destaca-se a contribuição de Oliveira (1987), Oliveira Jr. (1996), Sca-
letsky (2003) para iluminar a questão dos comportamentos políticos dos segmentos
bem como Hall (2001) no que tange às complexas identidades profissionais.
Por outro lado, no capítulo 4, demonstrou-se a segmentação subjetivamente
construída com tendência de fragilização de laços, deterioração do vínculo com
o emprego bem como os diversos conflitos construídos no bojo das relações en-
tre os trabalhadores. Foi também crucial demonstrar que as novas ferramentas

241
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

de sociabilidade – tal como o Orkut – contribuíram para evidenciar que os tra-


balhadores estão buscando expressar suas queixas nestes espaços interacionais
não presenciais. Goffman (1988), Elias e Scotson (2000) foram centrais devido
à contribuição para a reflexão sobre o estudo de mecanismos de diferenciação,
estigmatização e deterioração de relações entre grupos sociais interdependentes.
No capítulo 5, estas análises reiteraram a dualização/diferenciação dos esti-
los de vidas dos segmentos investigados para além do chão da fábrica. O habitus
de consumo, os estilos de moradia, os gostos e possibilidades culturais foram
importantes indicadores da complexa segmentação, diferenciação e fragmenta-
ção no interior de frações da classe trabalhadora. Estas diferenciações sociais
são indícios da fragilidade de laços, bem como contribuíram para iluminar os
processos do fazer-se, desfazer-se e refazer-se da identidade profissional. Em
suma, atentou-se para as deterioradas relações entre trabalhadores em situa-
ções contratuais distintas e suas percepções acerca desta realidade multiface-
tada no mundo do trabalho. Destaca-se a necessidade de aprofundamento das
pesquisas concernentes aos conflitos intraclasse agudizados/intensificados com
a introdução das mudanças estruturais nos últimos 20 anos. Neste capítulo, o
habitus foi o conceito chave. Outra importante contribuição foi o estudo sobre
os espaços de moradia das frações de classes sociais numa metrópole segmen-
tada e polarizada como a Rms (CARVALHO, SOUZA, PEREIRA, 2004).
Evidenciou-se e constatou-se a fragmentação interna e externa, objetiva e
subjetiva, entre os segmentos investigados. Em outros estudos, seria interes-
sante a investigação sobre novas estratificações entre os terceirizados, quar-
teirizados e trabalhadores de contrato curto, além de uma pesquisa junto aos
petroleiros que aprofunde um olhar geracional sobre as radicais mudanças es-
truturais dos últimos 20 anos.
Espera-se que novos estudos sejam realizados focalizando outros setores
de atividades econômicas, visto que este universo se restringiu à configuração
deste perfil junto aos empregados de uma Refinaria da Petrobras, sendo, por-
tanto, um estudo de caso. Por fim, os últimos acontecimentos em fevereiro do
corrente ano – extravio de computadores e notebooks com informações sigilo-
sas sobre novos campos de petróleo – na empresa estatal ajudam a ilustrar a
própria vulnerabilidade social abordada no decorrer desta obra.

242
ANEXOS

SÍMBOLOS DAS FOTOS AÉREAS


LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

ALGUNS BAIRROS DE MORADIA DE


PETROLEIROS E TERCEIRIZADOS – RMS - BAHIA146
Brotas – Salvador - Petroleiros

Stela Maris – Salvador – Petroleiros

46. Todas as fontes são (CONDER, 2007). Fiz esse ensaio com fotos aéreas digitais dos principais
bairros de moradia de petroleiros e terceirizados na Rms. Para saber os locais de residência de mora-
dia dos petroleiros usei informações de Carvalho, Sousa e Pereira (2004) e Druck (2000). No caso
dos terceirizados informações nas fichas de filiação dos sindicalizados obtidas junto ao Siticcan.

244
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Pituba – Salvador - Petroleiros

São Marcos – Salvador - Terceirizados

245
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Pituba – Salvador - Petroleiros

Pituba - Petroleiros

246
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Imbuí – Salvador

Cajazeiras – Salvador - Terceirizados

247
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Lobato – Salvador - Terceirizados

Av. Suburbana – Salvador - Terceirizados

248
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

São Marcos – Salvador - Terceirizados

Santo Antonio – Candeias - Terceirizados

249
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Alto do São Francisco – Candeias - Terceirizados

Alto do São Francisco – Candeias - Terceirizados

250
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Urbis – Candeias - Terceirizados

Nova Candeias – Candeias - Terceirizados

251
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Urbis – Candeias - Terceirizados

Urbis – Candeias - Terceirizados

252
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Liberdade – Salvador - Terceirizados

Liberdade Salvador – Terceirizados e Petroleiros antigos

253
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Pituba Salvador - Petroleiros

PROPAGANDAS DIRECIONADAS A FAMÍLIAS


PETROLEIRAS – Revista On Line dos Clubes dos
Empregados da Petrobras – 47
2

47. Todas as propagandas – publicadas no CEPEMAGAZINE - destacam no corpo do texto que


estão oferecendo desconto para petroleiros e/ou suas famílias.
Fonte:http://www.cepemagazine.com.br/cepemagazine/ver_atividades.asp?cod_
anunciante=146&cod_categoria=2. Acesso em 10.01.2008.

254
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

255
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

256
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

257
APÊNDICE 1

Questionários e Roteiros
de Entrevistas

Universidade Federal da Paraíba


Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Projeto de Pesquisa: Laços frágeis e identidades fragmentadas:
interações, discriminações e conflitos entre trabalhadores da Refinaria
Landulfo Alves - 1990-2006.
Aluno: Luis Flávio Reis Godinho

Esta pesquisa tem a finalidade de avaliar...


Agradecemos antecipadamente sua colaboração.

PESQUISA: O TRABALHO TERCEIRIZADO N.º____

Nome do Pesquisador:
___________________________________________________________________

ENTREVISTA:
01. Local de Realização da Entrevista___________________________________
02. Nome do entrevistado (opcional)___________________________________
03. Qual a sua atividade atual? ________________________________________
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

I. ATRIBUTOS PESSOAIS:

04. Sexo: Masculino [ ] Feminino [ ]

05. Idade: ____________

06. Local de Nascimento:


Salvador [ ] Outra cidade da Bahia_________________________________
Outro Estado ______________________________

07. Cor: Preto [ ] Branco [ ] Amarelo [ ] Pardo [ ]

08. Situação Conjugal: Solteiro [ ] Casado [ ] Divorciado [ ]


Separado [ ] Viúvo [ ] Concubinato [ ]

09. Tem filhos? Sim [ ] Não [ ] Se sim, quantos? _______________

11. Quantas pessoas residem na casa onde você mora?__________________

12. Qual a renda da família? ________________________________________

13. Local de Moradia (Bairro) _______________________________________

14. Há quanto tempo você reside neste município?______________________

15. Escolaridade: Analfabeto [ ] 2º grau completo [ ]


1º grau incompleto [ ] Superior Incompleto [ ]
1º grau completo [ ] Superior completo [ ]
2º grau incompleto [ ] Pós graduação [ ]

16. Você fez algum tipo de curso para alguma profissão?


Sim [ ] (Qual: _____________________________) Não [ ]

260
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

17. Você tem alguma religião?


SIM, mas não frequenta [ ]
SIM, é praticante [ ]
NÃO [ ]

18. (Se Sim) Qual? Católica [ ] Candomblé [ ]


Afro/indígena [ ] Protestantes Tradicionais [ ]
Espírita[ ] Pentecostais [ ]
Outra [ ] _________________________________

II. TRAJETÓRIA:

TRAJETÓRIA GERAL
1. Quando conseguiu o primeiro emprego/trabalho?
2. Quando começou a trabalhar na indústria?
3. Quem te levou a trabalhar na indústria?
4. Você teve algum tipo de dificuldade de adaptação ao emprego na indústria?
5. Você já foi funcionário efetivo de uma empresa?

TRAJETÓRIA NA RLAM
6. Quando começou na Rlam?
7. Qual foi o impacto de trabalhar numa Refinaria?
8. Sua situação melhorou após arranjar um trabalho na Rlam?
9. Em quantas empreiteiras você já trabalhou na Rlam?
10. O período foi contínuo ou interrompido?
11. Em que setor você trabalha?
12. Descreva suas principais atividades de trabalho.

RELAÇÃO COM PETROLEIROS E COM A PETROBRAS


13. Você se considera um Petroleiro?
14. Você acha que a Petrobras lhe considera um Petroleiro?
15. Você acha que os funcionários da Petrobras lhe consideram um petroleiro?

261
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

16. Existem lugares na refinaria onde seu acesso não é permitido?


(Relate um episódio)
17. Você utiliza o mesmo refeitório, vestuário e locais de entrada e saída da
fábrica que os Petroleiros?
18. Você já se sentiu discriminado por petroleiros? Relate um caso
19. Fale como é sua relação com os petroleiros?
20. Você se sente discriminado pela Petrobras?
21. Existem formas de falar diferenciadas quando vocês estão na presença de
funcionários da Petrobras?
22. Caso amanhã os petroleiros entrassem em greve você apoiaria/solidarizaria?
23. Você acha que os interesses dos Petroleiros são os mesmos que o dos tra-
balhadores de empreiteira?
24. Relate algumas reivindicações específicas de sua categoria no que se refere
à convivência dentro da Rlam?
25. Relate reivindicações que são tanto de vocês quanto dos petroleiros?
26. Quando alguém lhe pergunta onde e para quem você trabalha, o que
você responde?
27. Quando você não está empregado na Indústria que atividade realiza
para sobreviver?
28. Quais tipos de curso a Petrobras lhe oferece?
29. Você utiliza algum fardamento ou EPI com o símbolo pela Petrobras?
30. Se seu filho dissesse que gostaria de trabalhar na empreiteira, o que
você aconselharia?
31. E se fosse na Petrobras?
32. O que você mais desejaria ter no emprego?
33. O que você acha do seu sindicato?

262
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

PESQUISA: O TRABALHO TERCEIRIZADO N.º____

Nome do Pesquisador:
___________________________________________________________________

ENTREVISTA:
01. Local de Realização da Entrevista___________________________________
02. Nome do entrevistado (opcional)___________________________________
03. Qual a sua atividade atual? ________________________________________

I. ATRIBUTOS PESSOAIS:

04. Sexo: Masculino [ ] Feminino [ ]

05. Idade: ____________

06. Local de Nascimento:


Salvador [ ] Outra cidade da Bahia_________________________________
Outro Estado ______________________________

07. Cor: Preto [ ] Branco [ ] Amarelo [ ] Pardo [ ]

08. Situação Conjugal: Solteiro [ ] Casado [ ] Divorciado [ ]


Separado [ ] Viúvo [ ] Concubinato [ ]

09. Tem filhos? Sim [ ] Não [ ] Se sim, quantos? _______________

11. Quantas pessoas residem na casa onde você mora?__________________

12. Qual a renda da família? ________________________________________

13. Local de Moradia (Bairro) _______________________________________

14. Há quanto tempo você reside neste município?______________________

263
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

15. Escolaridade: Analfabeto [ ] 2º grau completo [ ]


1º grau incompleto [ ] Superior Incompleto [ ]
1º grau completo [ ] Superior completo [ ]
2º grau incompleto [ ] Pós graduação [ ]

16. Você fez algum tipo de curso para alguma profissão?


Sim [ ] (Qual: _____________________________) Não [ ]

17. Você tem alguma religião?


SIM, mas não frequenta [ ]
SIM, é praticante [ ]
NÃO [ ]

18. (Se Sim) Qual? Católica [ ] Candomblé [ ]


Afro/indígena [ ] Protestantes Tradicionais [ ]
Espírita[ ] Pentecostais [ ]
Outra [ ] _________________________________

II. TRAJETÓRIA:

TRAJETÓRIA GERAL
01. Quando conseguiu o primeiro emprego/trabalho?
02. Quando começou a trabalhar na Refinaria?
03. O Que te levou a trabalhar na indústria?
04. Você teve algum tipo de dificuldade de adaptação ao emprego na Refinaria?

TRAJETÓRIA NA RLAM
05. Qual foi o impacto de trabalhar numa Refinaria?
06. Em que setor você trabalha?
07. Descreva suas principais atividades de trabalho.
08. O que significa para você trabalhar na Petrobras?
09. O que significa para seus familiares e amigos trabalhar na Petrobras?
10. Trabalhar na Petrobras tem o mesmo significado de quando você entrou?

264
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

RELAÇÃO COM TERCEIRIZADOS


11. O que Você acha do processo de terceirização na Petrobras?
12. Você utiliza o mesmo refeitório, vestuário e locais de entrada e saída da
fábrica que os Terceirizados? O que acha disso?
13. Você já teve algum tipo de conflito com terceirizado? Relate um caso.
14. Para você o trabalhador terceirizado é um petroleiro?
15. Você gostaria de ser um trabalhador terceirizado?
16. Existem formas de falar diferenciadas quando vocês estão na presença de
funcionários das Terceiras?
17. Você já notou alguma prática discriminatória de colegas seus em relação
aos terceirizados. Relate um Caso.
18. Você acha que os interesses dos Petroleiros são os mesmos que o dos tra-
balhadores de empreiteira?
19. Relate reivindicações que são tanto de vocês quanto dos petroleiros?
20. Quais tipos de curso a Petrobras lhe oferece?
21. Você acha que a qualificação dos terceirizados é suficiente para trabalhar
na Petrobras?
22. Se seu filho dissesse que gostaria de trabalhar na empreiteira, o que
você aconselharia?
23. E se fosse na Petrobras?
24. O que você mais desejaria ter no emprego?
25. O que você acha do seu Sindicato.

TRAJETÓRIA NA RLAM
26. Quando começou na Rlam?
27. Qual foi o impacto de trabalhar numa Refinaria?
28. Sua situação melhorou após arranjar um trabalho na Rlam?
29. Em quantas empreiteiras você já trabalhou na Rlam?
30. O período foi contínuo ou interrompido?
31. Em que setor você trabalha?
32. Descreva suas principais atividades de trabalho.

265
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

RELAÇÃO COM PETROLEIROS E COM A PETROBRAS


33. Você se considera um Petroleiro?
34. Você acha que a Petrobras lhe considera um Petroleiro?
35. Você acha que os funcionários da Petrobras lhe consideram um petroleiro?
36. Existem lugares na refinaria onde seu acesso não é permitido? (Relate
um episódio)
37. Você utiliza o mesmo refeitório, vestuário e locais de entrada e saída da
fábrica que os Petroleiros?
38. Você já se sentiu discriminado por petroleiros? Relate um caso
39. Fale como é sua relação com os petroleiros?
40. ocê se sente discriminado pela Petrobras?
41. Existem formas de falar diferenciadas quando vocês estão na presença de
funcionários da Petrobras?
42. Caso amanhã os petroleiros entrassem em greve você apoiaria/solidarizaria?
43. Você acha que os interesses dos Petroleiros são os mesmos que o dos tra-
balhadores de empreiteira?
44. Relate algumas reivindicações específicas de sua categoria no que se refere
à convivência dentro da Rlam?
45. Relate reivindicações que são tanto de vocês quanto dos petroleiros?
46. Quando alguém lhe pergunta onde e para quem você trabalha, o que você
responde?
47. Quando você não está empregado na Indústria que atividade realiza
para sobreviver?
48. Quais tipos de curso a Petrobras lhe oferece?
49. Você utiliza algum fardamento ou EPI com o símbolo pela Petrobras?
50. Se seu filho dissesse que gostaria de trabalhar na empreiteira, o que você
aconselharia?
51. E se fosse na Petrobras?
52. O que você mais desejaria ter no emprego?
53. Em que setor você trabalha?
54. Descreva suas principais atividades de trabalho.
55. O que significa para você trabalhar na Petrobras?

266
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

56. O que significa para seus familiares e amigos trabalhar na Petrobras?


57. Trabalhar na Petrobras tem o mesmo significado de quando você entrou?

RELAÇÃO COM TERCEIRIZADOS


58. O que Você acha do processo de terceirização na Petrobras?
59. Você utiliza o mesmo refeitório, vestuário e locais de entrada e saída da
fábrica que os Terceirizados? O que acha disso?
60. Você já teve algum tipo de conflito com terceirizado? Relate um caso
61. Para você o trabalhador terceirizado é um petroleiro?
62. Você gostaria de ser um trabalhador terceirizado?
63. Existem formas de falar diferenciadas quando vocês estão na presença de
funcionários das Terceiras?
64. Você já notou alguma prática discriminatória de colegas seus em relação
aos terceirizados. Relate um Caso
65. Você acha que os interesses dos Petroleiros são os mesmos que o dos tra-
balhadores de empreiteira?
66. Relate reivindicações que são tanto de vocês quanto dos petroleiros?
67. Quais tipos de curso a Petrobras lhe oferece?
68. Você acha que a qualificação dos terceirizados é suficiente para trabalhar
na Petrobras?
69. Se seu filho dissesse que gostaria de trabalhar na empreiteira, o que você
aconselharia?
70. E se fosse na Petrobras?
71. O que você mais desejaria ter no emprego?

267
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

APÊNDICE 2

Tabelas do Perfil dos Trabalhadores


Terceirizados – Capítulo 3

Distribuição dos entrevistados por cor


Cor Frequência Percentual
Preto 46 74,2
Branco 6 9,7
Pardo 2 3,2
Não Respondeu 8 12,9
Total 62 100,0
Fonte: Elaboração Própria

Distribuição dos entrevistados por sexo


Sexo Frequência Percentual
Masculino 56 90,3
Não Respondeu 6 9,7
Total 62 100,0
Fonte: Elaboração Própria

Distribuição dos entrevistados por o empregador lhe dá plano de saúde


O empregador lhe dá Plano de Saúde Frequência Percentual
Sim 9 14,5
Não 50 80,6
Não Respondeu 3 4,8
Total 62 100,0
Fonte: Elaboração Própria

268
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Distribuição dos Entrevistados por você já se sentiu


discriminado dentro da Rlam por petroleiro
Você já se sentiu discriminado dentro
Frequência Percentual
da Rlam por petroleiros
Sim 25 40,3
Não 36 58,1
Não Respondeu 1 1,6
Total 62 100,0
Fonte: Elaboração Própria

Distribuição dos entrevistados por como se considera


em relação ao vínculo de trabalho
Como se considera em relação ao vínculo Frequência Percentual
Trabalhador petroleiro sem direitos iguais 8 12,9
Trabalhador de empreiteira de
50 80,6
montagem e manutenção industrial
Não Respondeu 4 6,5
Total 62 100,0
Fonte: Elaboração Própria

Distribuição dos entrevistados por registro


na carteira de trabalho assinada
Possui carteira de trabalho assinada Frequência Percentual
Sim 54 87,1
Não 1 1,6
Não Respondeu 7 11,3
Total 62 100,0
Fonte: Elaboração Própria

269
LUIS FLÁVIO REIS GODINHO

Distribuição dos entrevistados por função


Função Frequência Percentual
Ajudante 6 9,7
Ajudante de caldeireiro 1 1,6
Ajudante de Mecânico 2 3,2
Ajudante de Montagem 1 1,6
Ajudante de Soldador 1 1,6
Apontador 1 1,6
Assistente Técnico 1 1,6
Caldeireiro 7 11,3
Carpinteiro 1 1,6
Eletricista 4 6,5
Encanador 5 8,1
Encarregado 2 3,2
Encarregado de Tubulação 2 3,2
Instrumentador 1 1,6
Isolador 2 3,2
Jertista 1 1,6
Macaviqueiro 1 1,6
Manutenção Elétrica 1 1,6
Mecânico 5 8,1
Mecânico Ajustador 1 1,6
Mestre de Tubulação 1 1,6
Montador de Andaime 2 3,2
Montador de Suporte Estrutura 1 1,6
Motorista 1 1,6
Motorista Suporte 1 1,6
Não Respondeu 1 1,6
Soldador 8 12,9
Técnico em Instrumentação 1 1,6
Total 62 100,0
Fonte: Elaboração Própria

270
LAÇOS FRÁGEIS E IDENTIDADES FRAGMENTADAS

Distribuição dos entrevistados por existem lugares


onde lhe é proibido o acesso na refinaria
Existem lugares proibidos Frequência Percentual
Sim 51 82,3
Não 10 16,1
Não Sabe 1 1,6
Total 62 100,0
Fonte: Elaboração Própria

271
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