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PLANEJAMENTO-CEBRAP
PROJETO
Relatório Final
São Paulo
Dezembro de 2000
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
EQUIPE RESPONSÁVEL
Convênio Cebrap/Finep 2
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Convênio Cebrap/Finep 3
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
APRESENTAÇÃO
O emprego fabril está passando por transformações profundas no Brasil contemporâneo, impul-
sionadas tanto pela reestruturação industrial em curso, quanto pela redefinição do papel desse
setor produtivo na divisão social do trabalho no país. Mudanças no seu volume e natureza parecem
marcar os tempos atuais.
Essas transformações não passaram despercebidas à literatura brasileira. Ao contrário, os
anos 1980 foram pródigos em análises sobre tal reconversão1 . Por essa literatura, sabemos que
vários setores industriais experimentaram transformações importantes (conquanto seletivas e de
modo algum generalizáveis) em seus processos produtivos. Sabemos, também, que a moderniza-
ção das empresas não se deu no mesmo momento, nem com igual intensidade. As estratégias de
restruturação obedeceram a constrangimentos diversos, tais como: a posição de cada empresa no
mercado nacional, o seu mix de produtos, o grau de autonomia ou subordinação das subsidiárias
brasileiras face às estratégias globais das matrizes (no caso das multinacionais), a intensidade do
impacto da crise econômica do 81-83 sobre o desempenho econômico das firmas2 . Sabemos,
principalmente, que a reestruturação dos anos 1980 não apresentou um caráter sistêmico, isto é,
careceu de uma integração horizontal entre políticas tecnológicas e de gestão do trabalho, capaz
de configurar um salto qualitativo importante na forma de produzir3 .
Assim sendo, se os anos 90 assistiram ao aumento do número de empresas e de setores
onde novos métodos produtivos e de gestão do trabalho passaram a vigorar, essa modernização
preservou dos oitentas o seu caráter não-sistêmico. Com base num survey abrangente, representa-
tivo das grandes empresas em oito ramos industriais, Valle (1995) mostra que a reestruturação tem
sido branda na maioria das empresas e dos setores produtivos no Brasil. Predominantemente volta-
da para a renovação da gestão do trabalho, ela foi pouco efetiva no que concerne à renovação de
1. Os primeiros sinais dessas transformações já haviam sido detectados, no final dos anos 1970, por Fleury e Vargas
(1983). Eles adquirem maior nitidez nos anos 1980, como mostram os estudos de Carvalho (1987), Peliano (et al,
1988), Abramo (1990), Castro (1994a), Castro e Leite (1994), Leite (1994) e Cardoso (1995a), dentre muitos outros.
Significativamente, as análises empreendidas concentraram-se no estudo de alguns poucos ramos da indústria,
notadamente a automobilística e a metal-mecânica. Razões de caráter estrutural e conjuntural podem ser chamadas
a justificar tal concentração; dentre elas, destacaríamos: o peso político e econômico desses segmentos na configu-
ração industrial brasileira; o padrão tecnológico ali consolidado, com produção em massa e gestão taylorista/fordista
do trabalho, o que os tornou loci mais sensíveis à discussão dos efeitos das mudanças tecnológicas; além, natural-
mente, da importância desses setores enquanto cenários das mais significativas experiências recentes de formação
de classe entre trabalhadores do Brasil (Ver Castro, 1994b: 1).
2. Ver Le Ven e Neves (1985), Peliano et al. (1988), Abramo (1990), Leite (1994), Posthuma (1994), dentre outros.
3. Sobre o conceito de modernização sistêmica, ver Fleury (1990).
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
equipamentos. Além do mais, por ser parcimoniosa no esforço de reestruturação do uso do traba-
lho, foi também seletiva na difusão dos novos métodos organizacionais, especialmente aqueles
que requeriam alterações de monta na organização do trabalho, como o just in time interno.
Pouco tempo antes, Fleury e Humphrey (1993) haviam chegado a conclusão similar, com base em
um survey efetuado junto a 18 empresas de ponta em São Paulo e no Rio Grande do Sul. É verdade
que, se comparados aos anos 80, eram surpreendentes os esforços de renovação organizacional
levados a termo no início dos 90, por mais que eles hoje se nos afigurem por demais parcimoniosos.
De todo modo, também Fleury e Humphrey consideraram restrita a renovação de equipamentos
até então empreendida pela maioria das empresas pesquisadas.
Em outras palavras, ainda que timidamente, a indústria brasileira passou a investir em no-
vas tecnologias de base micro-eletrônica e na redefinição dos seus processos de organização e de
gestão do trabalho. Tais investimentos redundaram em ampliação da competitividade internacio-
nal e nacional de alguns produtos made in Brazil e em aumento da produtividade do trabalho.
Entretanto, eles implicaram igualmente em redução do nível de emprego industrial.
Essa conjunção entre crescimento da produção, da produtividade e da competitividade
industriais, por um lado, e queda sistemática do emprego industrial, por outro, passou a se consti-
tuir num dos principais desafios aos estudos sociais do trabalho no Brasil dos anos 90. Ela não
apenas restabeleceu a importância dos estudos sobre o seletividade, emprego e desemprego, como
lhes conferiu um novo enfoque.
De fato, nos últimos anos a literatura brasileira da ciência social havia aposentado as suas
antigas ilações sobre os nexos entre crescimento, modernização e desemprego, tão caras à tradi-
ção da sociologia do desenvolvimento e aos estudos sobre dependência e marginalidade, que
marcaram os anos 60. A partir dos anos 70, o fenômeno do desemprego industrial passou a ocu-
par-nos antes que nada por seu caráter conjuntural, como uma contraface das situações de crise
econômica. Por isso mesmo, nos anos 70 e 80, a sociologia do trabalho no Brasil assumiu as marcas
e preferências temáticas que a qualificariam mais propriamente como uma sociologia da indústria,
ou quando menos, uma sociologia do trabalho industrial. Processos, organização e gestão do
trabalho; identidades operárias e formas de ação coletiva; segmentações e estatutos no mundo
industrial; experiência do trabalho e vida extra-fabril foram alguns dos seus temas mais caros, que
constituíram o mainstream do campo nesse período (Sorj, 1983; Castro, Médici e Patarra, 1984;
Abreu, 1985; Castro e Leite, 1994)4 .
Dentre esses temas não se encontrava a questão do desemprego; exceto, talvez, nos mo-
mentos em que a retração da atividade econômica o fazia um fenômeno socialmente mais visível e,
4. A Sociologia do Trabalho Industrial no Brasil passou a ter, assim, na empresa fabril e no sindicato as suas duas formas
organizacionais prediletas, as lentes através das quais equacionava o seu objeto. Curiosamente, isto não a fez,
tampouco, transmutar-se numa Sociologia de Organizações; suas ferramentas conceituais e tradição teórico-analí-
tica, profundamente marcadas pelo marxismo, faziam-na, antes, uma Sociologia das Classes Sociais em sua expres-
são no mundo do trabalho (exploração, interesses, identidades e ação coletiva formavam um feixe de categorias
fortes que a fizeram imune à tradição da micro-sociologia de organizações, tão relevante na história da Sociologia
Industrial).
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
por isso mesmo, academicamente relevante. Os economistas, estes sim, acompanharam de modo
mais permanente a questão; a eles devemos a ênfase e o debate (tornado acerbo exatamente no
momento em que iniciávamos este projeto) sobre o desempenho do mercado de trabalho brasilei-
ro e sobre as formas de mensuração dos níveis de emprego e desemprego ( destacaram-se então,
trabalhos como os de Sabóia, 1991 e 1991-a; Dedecca e Brandão, 1993; Dedecca e Montagner,
1993; Dedecca, Brandão e Montagner, 1993; Amadeo, Camargo et alli, 1993; Amadeo, Barros et
alli, 1994; Amadeo, 1995; Urani, 1995).5
Os anos 90 assistem, desse modo, à presença renovada (i) tanto do fenômeno do desem-
prego industrial - tornado agora um traço ordinário, mesmo nas breves conjunturas de recupera-
ção econômica vividas no curso daquela década, (ii) quanto do modo pelo qual o mesmo aparece
analiticamente equacionado no campo de reflexão intelectual sobre o trabalho no Brasil contem-
porâneo. Atualiza-se o antigo interesse pela relação entre crescimento e desocupação, expresso
agora - nos termos do jargão corrente - na relação entre reestruturação produtiva e desemprego
industrial ou, mais exatamente, entre reestruturação industrial, desemprego e empregabilidade.
De fato, o desemprego industrial passa a ser representado como um dos vértices para os
quais convergem vários dos aspectos direta ou indiretamente vinculados a características da recen-
te reestruturação. Referimo-nos à focalização do empreendimento produtivo e à conseqüente
terceirização de atividades adjacentes; à globalização das cadeias produtivas (out sourcing); à per-
da de competitividade de nichos ou setores industriais inteiros em face à abertura comercial; à
dificuldade de reconversão industrial (investimentos pesados em máquinas e equipamentos), cada
vez mais restrita a grandes grupos econômicos; à conseqüente concentração industrial, dentre
outros.
No curso desses processos, plantas estão sendo enxugadas ou simplesmente fechando,
serviços estão sendo racionalizados, extintos ou terceirizados, e indivíduos estão perdendo seus
empregos, lançados a um mercado de trabalho em intensa transformação. Paralelamente, muitos
outros empregados estão vendo seu trabalho perder prerrogativas antes importantes, como es-
tabilidade, direitos trabalhistas e renda compatível com expectativas de padrão de vida. Tudo isto
significa reconhecer que um número cada vez maior de trabalhadores industriais já não logra
manter seja o seu emprego e direitos trabalhistas, seja as suas expectativas de vida e status, tradi-
cionalmente associadas a empregos estáveis e melhor remunerados.
Essas considerações conduzem, de imediato, à indagação sobre as vias de incorporação
produtiva e social desse vasto contingente de trabalhadores que perdeu, ou está em vias de
perder, seu emprego na indústria mercê da reestruturação. Traduzindo a preocupação em ou-
tros termos, poderíamos chegar a uma das perguntas-chave dos estudos atuais do desemprego,
5. Não sem razão coube aos economistas o uso reiterado e principal responsabilidade pela difusão da expressão “déca-
da perdida”, como forma de qualificar o significado social dos anos 80; os sociólogos, especialmente aqueles volta-
dos para os estudos do trabalho e dos movimentos sociais, contraditavam-nos, destacando os ganhos deixados pelos
oitentas no que concerne à organização da sociedade civil e ao exercício da cidadania, em que pese o pífio desem-
penho econômico e as perdas em postos de trabalho de maior qualidade.
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
qual seja: será plausível admitir que alguns tipos de trajetórias ocupacionais levam à exclusão do
mundo fabril, enquanto outras trajetórias permitem preservar aqueles que as vivem? Para quais
contingentes de trabalhadores torna-se maior o risco da exclusão? Há diferenças entre setores
industriais? Há diferenças entre regiões do país? A que se deve atribuir essas diferenças: às
intensidades diversas da reestruturação industrial em cada setor e região? Às características es-
pecíficas dos processos de trabalho? Às características específicas da força-de-trabalho? À maior
ou menor capacidade institucional de negociar e regular essas novidades? Estas são questões
hoje abertas na pauta de investigação no campo dos estudos do trabalho no Brasil. Entendemos
que respondê-las é um dos desafios analíticos mais imediatos. Como, então, encaminhar uma
possível resposta?
O projeto que se desenvolveu no Cebrap entre 1998 e 2000 visou encaminhá-las a partir
de uma perspectiva de análise que inovava ao procurar conjugar: (i) o estudo da dinâmica das
firmas e da reestruturação técnico-organizacional em alguns dos mais importantes complexos
industriais brasileiros (automobilístico e químico), (ii) o estudo dos efeitos dessa dinâmica em
termos de seletividade e de oportunidades ocupacionais para os indivíduos, realizado através da
identificação e análise das trajetórias individuais no mercado de trabalho e das chances individu-
ais de re-inserção no mercado dos empregos protegidos; (iv) o estudo das formas de negociação,
dos novos atores e/ou instituições na representação de interesses coletivos que emergem no
âmbito do trabalho.
Dessa maneira, o projeto foi concebido de modo a articular, num enfoque novo para a
Sociologia do Trabalho no Brasil, temas e metodologias, afim de se problematizar sobre o alcance
das transformações estruturais em curso e sobre sua capacidade de produzir uma nova
contratualidade social. Pesquisá-la, ao nosso ver, requer entender suas bases sociais e institucionais,
indagando suas possibilidades e limites. Ao fazê-lo, criamos a possibilidade de retomar (criticamen-
te e por um novo ângulo) a discussão tão cara à Ciência Social contemporânea acerca das formas
de inclusão e de exclusão na sociedade e dos fundamentos destas no âmbito das relações sociais
no trabalho.
Do ponto de vista institucional, o desenvolvimento do presente projeto permitiu ao Cebrap
colocar num novo patamar a sua área de “Estudos do Trabalho”. Isto porque, em torno da proble-
mática aqui anunciada, foi possível articular achados de diversos projetos que haviam sido conclu-
ídos em anos anteriores6 ou mesmo ainda em desenvolvimento quando da formulação da propos-
ta à Finep7 . A novidade deste novo patamar: a concepção de um desenho de análise que visava
6. Alguns deles foram financiados pela própria FINEP, como “Os cavaleiros do anti-apocalipse” e “Qualificação, merca-
dos e processos de trabalho: estudo comparativo no complexo químico brasileiro” (este último desenvolvido em
parceria com a UNICAMP/CEDES como parte do “Programa de Pesquisas em Ciência, Tecnologia, Qualificação e
Produção”). Outros, como “Transformación económica y trabajo en América Latina: comparación México, Colombia,
Brasil” fiananciados a partir do exterior ( Fundação Volkswagen/Universidade de Bremen)
7. Como é o caso dos estudos sobre “Trajetórias ocupacionais, desemprego e empregabilidade” (financiado pelo
Programa de Dotações Ford/ANPOCS) e “Desigualdades de gênero e raça: duas perspectivas - saúde e trabalho”
(financiado pela Novib).
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
avançar na conexão entre campos temáticos que vinham sendo analisados de maneira estanque
até o final dos anos 90, tanto no Cebrap, em particular, como na Sociologia brasileira do Trabalho,
em geral. Tal desenho, conquanto analiticamente ambicioso, teve, por certo, a sua viabilidade
sustentada pelo esforço de pesquisa anteriormente desenvolvido por meio dos projetos institucionais
recém-findos.
Por isso mesmo, tornou-se possível - com um acréscimo relativamente pequeno de pesqui-
sa primária (vale dizer de produção primária de informação empírica), dar um importante salto de
qualidade interpretativa e interligar três tipos de fenômenos que desafiavam o nosso entendimen-
to no campo dos estudos do trabalho: as novas tendências de reestruturação das firmas e a
seletividade que elas impõem no emprego de força de trabalho; as efeitos destas nas oportunida-
des ocupacionais no mercado de trabalho, condicionando trajetórias de mobilidade setorial indivi-
dual que buscam fazer face a essa onda de intensa racionalização no uso do trabalho; os novos
mecanismos e instâncias institucionais de representação e negociação de interesses coletivos que
emergem nesses contextos reestruturados constituindo-se em experiências inovadoras, em possí-
veis horizontes para as condições de contratação das relações de trabalho.
Entretanto, se, nesse projeto, foi possível minimizar o investimento em estudos de campo,
enorme foi a inversão de esforços no sentido de articular o que antes havíamos observado sobre a
reestruturação das plantas com o que poderia ser dito acerca dos seus elos com os destinos indivi-
duais no mercado de trabalho. Análises sobre o mercado de trabalho, dissemos antes, haviam se
tornado pouco freqüentes no cardápio da Sociologia do Trabalho no Brasil dos 80-90. Quando
elaboradas, seu corte analítico tinha um viés dominantemente transversal, de tipo cross-section,
estimulado em muito pela nova fronteira empírica aberta pela disponibilidade, no meado dos anos
90, das bases de dados do sistema RAIS-CAGED.
Mas, tais análises transversais eram de pouca utilidade para responder às perguntas que
nos colocávamos no projeto cujos resultados ora apresentamos. Havia que avançar
metodologicamente, tornando a variável “tempo” um elemento endógeno ao desenho dos mode-
los de análises. Era imperioso transforma-las de transversais em longitudinais, de modo a acompa-
nhar os percursos, reconstituindo os trajetos ocupacionais dos indivíduos, num mercado que via a
sua rationale ser transformada tanto pelas micro-estratégias organizacionais de reestruturação da
gestão de recursos humanos, tanto quanto pelo intenso ajuste macroeconômico que andou de
braços com a abertura comercial e desregulamentação (que implicaram na retração da intervenção
do estado, direta, enquanto produtor, ou indireta, enquanto fornecedor de subsídios diversos à
atividade econômica).
Para aceitar o risco de inovar metodologicamente no trato do fenômeno do desemprego,
importantes parcerias intelectuais e institucionais fizeram-se necessárias. Inicialmente, com o
CIET/SENAI, no projeto sobre “Trajetórias ocupacionais, desemprego e empregabilidade” (finan-
ciado pelo Programa de Dotações Ford/ANPOCS) foi possível avaliar o potencial das bases secun-
dárias de dados para nos permitirem inferir sobre cursos possíveis dos destinos individuais. Dele
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
resultou a certeza de que a longitudinalização dos dados da RAIS, na forma da nova base de
dados RAIS-MIGRA, facultaria o desenho almejado. Graças à parceria com o CIET e com a
DATAMEC (viável, esta última, graças ao apoio do Ministério do Trabalho e do Emprego) foi
possível participar da discussão do desenho e arquitetura da nova base, além de ter acesso aos
dados experimentalmente produzidos na primeira versão da MIGRA, com trajetórias de mobili-
dade intersetorial dos demitidos da indústria brasileira a partir de 1989, acompanhando suas
experiências de re-inserção no trabalho formal até o ano de 1985 (inicialmente) e 1987 (posteri-
ormente). De início, 5 coortes de demitidos (nos anos de 1989 a 1993), às quais foram posterior-
mente agregadas outras duas (as coortes de 1994 e 1995), foram acompanhadas com rigor
estatístico e metodológico, de modo a podermos, como o fazemos no texto que se apresenta
agora, analisar os efeitos da reestruturação sobre as chances de empregabilidade desses traba-
lhadores, tendo em conta diferentes dimensões da qualificação - aquela que resulta de caracte-
res adquisitivos (como escolaridade, tempo de emprego) e aquela que resulta de caracteres
adscritivos (como idade ou sexo).
A novidade do desenho impunha o acesso a recursos de análise estatística e de construção
metodológica da demonstração que nos foram facultados mediante intenso processo de coopera-
ção interinstitucional, nacional e internacional. Nele alguns companheiros de pesquisa foram deci-
sivos, como: Adalberto Moreira Cardoso, do IUPERJ, parceiro desde a primeira hora e consultor
deste projeto; Peter Elias, Kate Purcell, Margaret Birch e Abigail McKnight, todos formando (no
momento inicial do nosso projeto) parte do corpo de pesquisadores do Institute for Employment
Research da Unviersity of Warwick (Reino Unido); Alain Degenne, Marie-Odile Lébeaux, pesquisa-
dores do LASMAS – Institut du Longitudinal, IRESCO (França, Paris e Caen); Claude Dubar e Didier
Démazière, do PRINTEMPS – Université de Versailles Saint-Quentin em Yvelines; Helena S. Hirata
do GEDISST/IRESCO (França). Esses colegas envolveram-se em diferentes momentos, com diferen-
te intensidade, no processo de discutir desenho, avaliar metodologias, debater primeiros resulta-
dos e, sobretudo, aportar conhecimento de literatura internacional e possibilidades teóricas e téc-
nicas de focalizar o problema do modo pelo qual nos interessávamos, facultando equacionar com
competência a ambiciosa proposta formulada à Finep.
Para que tão intenso processo de intercâmbio ganhasse concreção, foi imprescindível o
apoio do CNPq, na forma do suporte a projeto de cooperação internacional no quadro do Progra-
ma CNPq-The British Council, bem como aportes complementares para viagens científicas, ao qual
se uniu o suporte de outras instituições como a The William and Flora Hewlett Foundation.
Finalmente, a acolhida do Cebrap às idéias inovadoras que arriscamos propor quando da
concepção deste projeto, foi decisiva para que o pudéssemos levar adiante tais idéias. Seu suporte
institucional e a eficiência dos seus quadros administrativos foram condição sine qua non para a
finalização do empreendimento.
No curso do desenvolvimento do projeto, a incorporação de alguns dos membros da nossa
equipe aos quadros docentes da Universidade de São Paulo constituiu-se num fato novo que pode-
ria haver instabilizado o desenvolvimento das atividades, não fora o respeito incondicional e apoio
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os pares, e não apenas meros relatórios burocraticamente formulados para atender à exigência do
financiador, mas em nada temperados pela discussão na comunidade científica. Por isto, por vezes
se superpõem, nem sempre se intercomplementam, mas sempre se desafiam reciprocamente, e
desafiam a nossa área de pesquisa, no Cebrap, em termos da sua formulação analítica e temática.
O Relatório Final que aqui se apresenta está organizado em 3 grandes partes, procurando
seguir a idéia guia do projeto inicialmente proposto. Na primeira, tratamos de situar as mudanças
no mercado de trabalho, num contexto de intensa reestruturação produtiva como foram os anos
90. Um capítulo preliminar apresenta um panorama dos pontos de partida normativo-institucionais,
sistematizando o debate sobre regulação e desregulação no mercado brasileiro de trabalho, tendo
em mente as tendências dos anos 90. Em seguida, um segundo capítulo, trata da dinâmica mesma
do mercado de trabalho, sistematizando o que dispúnhamos inicialmente em termos de conheci-
mento sobre os movimentos da ocupação, vistos no tradicional enfoque transversal.
A Parte II focaliza propriamente a novidade deste projeto – os achados longitudinais sobre
mobilidade intersetorial dos trabalhadores demitidos, focalizando setores em intensa reestruturação
e cuja dinâmica intra-firma havia sido por nós acompanhada nos projetos institucionais anteriores
– automobilística e química. Nesta parte reunimos tanto os achados relativos aos novos dados
longitudinais prospectivos – produzidos a partir da RAIS-MIGRA, como os achados produzidos pelo
survey piloto, realizado em Diadema (Região Metropolitana de São Paulo), testando a metodologia
de trabalho com um questionário-calendário, num estudo longitudinal de tipo retrospectivo. As-
sim, no capítulo terceiro analisamos dados longitudinais prospectivos da MIGRA de modo a associ-
ar analiticamente trajetórias de reestruturação de empresas e trajetórias de mobilidade dos traba-
lhadores atingidos por sua reestruturação. Já no capítulo quarto, tratamos de especificar tais ten-
dências tendo em mente um recorte que buscamos perseguir no projeto e que é central aos estu-
dos sobre qualificação e empregabilidade – as vicissitudes de gênero e as desigualdades de oportu-
nidades entre homens e mulheres, vistas tanto na perspectiva do que nos provêm as análises
demográficas de bases transversais, como com os novos aportes que nos permitem formular os
dados longitudinais produzidos neste projeto. Finalmente, a Parte II se conclui com o capítulo
quinto onde apresentamos os resultados do levantamento longitudinal de tipo retrospectivo reali-
zado na forma de um piloto na Região Metropolitana de São Paulo, em Diadema, acompanhando
trajetórias de trabalhadores metalúrgicos ali residentes.
A Parte III reflete tentativamente sobre horizontes, resultantes destes processos para arran-
jos institucionais relevantes; ela procura apontar para os efeitos dessas novas tendências estrutu-
rais para políticas públicas e perspectivas inovadoras de negociação das relações de trabalho. Dois
tipos de resultados pontuais são aqui apresentados, como fruto das inquietações a que demos
guarida nestes dois anos de trabalho. No capítulo sexto, desenvolve-se, à luz dos achados do
projeto, um estudo sobre um exemplo de instrumento convencional (e de suma importância) na
política pública de emprego – o seguro desemprego; novamente utilizando informações transver-
sais e longitudinais, indagamos sobre as possibilidades e limites deste tipo de política tendo em
mente a natureza do desemprego que caracterizou os anos 90 e os padrões de trânsito no merca-
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PARTE I
PONTOS DE PARTIDA
CAPÍTULO 1
REGULAÇÃO E DESREGULAÇÃO DO
MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL8
8. Os dois capítulos que compõem esta Primeira Parte, juntamente com o capítulo 7, da Parte III, na forma em que se
apresentam, foram originalmente preparados por Alvaro COMIN e Nadya GUIMARÃES (com consultoria de Márcia
de Paula LEITE), como parte de texto mais amplo para discussão em Conferência promovida pelo Institute of Latin
American and Iberian Studies da University of Columbia, em abril de 1999. Posteriormente também apresentados e
discutidos em Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, Porto Alegre, setembro de 1999 e seminário promo-
vido pelo GREITD – Groupe D’Etudes sur l’Internationalisation dês Techniques, Travail et Developpement, no Institut
dês Hautes Études de l’Amérique Latine, Paris, fevereiro de 2000.
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A legislação vigente
A atual legislação trabalhista brasileira tem sua matriz básica na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), que data dos anos 40 e em grande medida conserva sua concepção e formato
originais. Elaborada sob regime ditatorial de inspiração fascista, esse modelo de regulação das
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relações trabalhistas ficou classicamente definido como “corporativo” , pela intensa presença do
Estado na estruturação seja das relações de uso e remuneração da força de trabalho, seja dos
próprios atores sociais. A classificação do corporativismo brasileiro como de tipo “estatal”, consa-
grada por Schmitter (1974), por oposição ao corporativismo de tipo “societal”, tinha por objetivo
enfatizar a natureza verticalizada e estatalmente orientada do processo de construção normativo
dos mecanismos de regulação das relações capital-trabalho no Brasil. Normatividade em certo
sentido “precoce”, uma vez que se fez simultaneamente com o desenvolvimento urbano industrial
do país, também ele estatalmente estimulado e dirigido.
Independente das escolhas conceituais que se adotem, o fato é que antes mesmo que as
relações tipicamente urbanas e capitalistas de assalariamento se tornassem predominantes no país,
o Brasil já contava com uma extensa legislação trabalhista Sob influência do direito positivo (princi-
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palmente italiano) a pretensão de seus idealizadores era a de que a legislação e a Justiça do
Trabalho operassem como “árbitros imparciais” capazes de não apenas ordenar mas tanto quan-
to possível prevenir e anular os conflitos de ordem individual e coletiva entre trabalhadores e em-
pregadores. Daí a meticulosidade da legislação trabalhista e o traço fortemente tutelar da legisla-
ção sindical.
Assim concebida, como instrumento capaz de prever e normatizar as mais particulares
situações implicadas nas relações de produção, a CLT que já nasceu com mais de quatro centenas
de artigos, acumula atualmente perto de mil – mais do que o dobro do número de artigos do
Código Penal Brasileiro, por exemplo, responsável por tipificar e prescrever punições para todos os
delitos conhecidos. Entre as várias heranças que nos foram legadas por décadas de operação desta
portentosa obra jurídica, cumpre destacar quatro.
A primeira delas diz respeito a uma certa atrofia (forçada) das negociações diretas entre
empregadores e empregados. Em termos ideais (obviamente inatingíveis), os legisladores brasilei-
ros ao almejarem estabelecer em lei não os mecanismos de solução de conflitos, mas as próprias
soluções para os conflitos tenderam a esvaziar quase completamente a agenda de temas passíveis
de serem pactuados diretamente nos espaços de negociação coletiva. Não que a legislação não
previsse as negociações coletivas, ao contrário, justamente um dos fatores para a sua atrofia foi a
excessiva ingerência do poder público sobre o formato institucional da representação e da negoci-
9. Para uma discussão sistemática do conceito de corporativismo e suas aplicações ao caso brasileiro consulte-se o
trabalho de Arbix (1996).
10. Luiz W. Vianna (1976) mostra como, na verdade, na matriz do Estado Novo a tradição positivista teve influência
disseminada, não apenas na legislação trabalhista, mas em toda a concepção anti-liberal de estado desenvolvimentista.
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
ação coletivas. Paralelamente, o poder judiciário procurou absorver o máximo possível todo o con-
teúdo destas negociações na própria legislação. Na prática essas pretensões nunca se efetivaram
totalmente e, com exceção dos períodos abertamente autoritários (de 1937 a 1945 e de 1968 a
1978), os sindicatos sempre procuraram expandir seu papel na regulação das relações de trabalho,
abraçando desde temas de largo alcance, como as políticas salariais nacionais, as reformas dos
sistemas previdenciários ou mesmo a redemocratização do país, até os conflitos cotidianos típicos
das relações internas às empresas afetos a disciplina, novas tecnologias, saúde no trabalho etc.
Mas a Justiça do Trabalho tendeu sempre a se impor como espaço privilegiado de solução de
conflitos fazendo com que mesmo os atores sindicais mais críticos à sua existência e prerrogativas
mantenham até hoje uma postura extremamente ambígua diante dela (voltaremos a este ponto).
Uma segunda decorrência importante deste modelo de legislação trabalhista foi a enorme
pulverização da estrutura sindical e uma densidade de representação quase sempre baixa e restri-
ta. Esta estrutura também foi criada nas décadas de 30 e 40 e só em 1988 (ocasião da promulga-
ção da nova Constituição brasileira) sofreria algumas alterações, mantendo, contudo, suas caracte-
rísticas fundamentais. Formulada com o propósito explícito de evitar os conflitos entre capital e
trabalho a legislação sindical normatizou meticulosamente as condições para a formação e o fun-
cionamento dos sindicatos, definindo os critérios para o enquadramento sindical (abrangência
profissional e regional, tanto para patrões quanto para empregados), regulamentando os procedi-
mentos eleitorais, proibindo os vínculos com organizações políticas, limitando o direito de greve e
prevendo rigidamente as condições para a solução pacífica de conflitos.
Do ponto de vista organizacional cinco características são fundamentais na estrutura sindi-
cal brasileira: a) a unicidade sindical, que determina legalmente a existência de um único sindicato
– seja profissional ou por categoria econômica – em uma mesma base territorial; b) a limitação da
abrangência territorial dos sindicatos à unidade mínima dos municípios – impedindo assim e a
criação de sindicatos por empresas; c) o monopólio da representação – em cada base territorial o
sindicato não apenas é único, mas negocia por todos os membros da categoria definida como sua
base, sejam eles filiados ou não ao sindicato; d) a existência de contribuições compulsórias –
identicamente todos os membros de uma determinada categoria contribuem com um dia de salá-
rio por ano para a manutenção do sindicato, sejam filiados ou não; e e) estrutura federativa corres-
pondente ao enquadramento sindical – os sindicatos de uma mesma categoria se agrupam em
federações estaduais e confederações nacionais, sendo vetadas outras modalidades de agrupa-
mento, como centrais sindicais horizontais, por exemplo. Adicionalmente ficaram os funcionários
públicos da administração direta proibidos de constituir sindicatos ou fazer greves até 1988.
A enorme segmentação da representação coletiva implícita na definição das categorias e
11
profissões e na definição dos municípios como unidades elementares de sindicalização, associa-
da ao monopólio da representação e às facilidades de sustentação financeira proporcionadas pelo
11. Para que se tenha uma ordem de grandeza a CLT define atualmente perto de 350 diferentes categorias de
enquadramento sindical. Em todo o Brasil o número de municípios é superior a seis mil.
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
12. Uma análise mais detalhada da estrutura sindical brasileira pode ser encontrada em Comin (1995).
13. Países que a despeito das enormes diferenças que guardam entre si correspondem aos modelos de corporativismo
democrático ou societal (Schimiter, 1974). Para análises comparativas e estatísticas sobre sindicatos em diversos
países veja-se Spyropoulos (1991) and Visser (1994).
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
res, ligado à CUT, e mais um pequeno punhado de deputados liberais votaram pela extinção da
unicidade e dos impostos sindicais e pelo fim do Poder Normativo da Justiça Trabalhista. Não
custa lembrar que estes anos de redemocratização do país foram marcados por uma forte ascen-
são do movimento sindical (ao que voltaremos), especialmente de sua ala mais à esquerda. A
presente década, ao contrário, representou mudanças significativas no contexto político e
econômico do país, muitas delas responsáveis por uma reversão na tendência de crescimento do
poder sindical. E é precisamente neste contexto que as iniciativas de reforma encontram novos
atores empresariais e mesmo sindicais, que de forma cada vez mais agressiva abraçam a missão
de alterar o sistema de relações trabalhistas, não apenas no que diz respeito à estrutura sindical,
mas principalmente nos mecanismos de contratação, uso e remuneração do trabalho. E pela via
destes novos atores esse debate chega com multiplicado vigor ao coração do sistema político.
Esta discussão será desdobrada no último item desta parte geral do documento.
Um terceiro aspecto central do sistema de relações trabalhistas brasileiro, herdado da velha
legislação corporativa, é precisamente a centralidade exercida pela Justiça do Trabalho em seu
funcionamento. À JT cabe, em primeiro lugar, “zelar” pela aplicação da lei nas contendas traba-
lhistas de cunho individual. Conforme já se observou, o caráter positivo do direito trabalhista bra-
sileiro e sua espantosa meticulosidade – destinada a prever e subtrair ao âmbito das negociações
coletivas quase todos os seus possíveis conteúdos – fez da JT o circuito quase obrigatório de solu-
ção dos milhares de pequenos conflitos de interesses entre empregados e empregadores que emer-
gem todos os anos. Adicionalmente coube – e cabe até hoje - também à JT a função de tutelar as
negociações coletivas entre sindicatos de trabalhadores, empresas e organismos patronais. Embo-
ra os mecanismos de negociação, convenção e acordos coletivos estejam previstos na legislação,
eles são fortemente condicionados pelas prerrogativas de mediação e sobretudo pela existência do
Poder Normativo da JT. As negociações coletivas, no Brasil, devem ter, por definição, solução,
mesmo que compulsória. Na existência de impasses nas negociações diretas – de resto, algo con-
tingente nas relações capital-trabalho –, estas são encaminhadas para a mediação e se necessário
arbitragem da Justiça do Trabalho que tem poderes para determinar o resultado das convenções e
acordos coletivos.
O peso efetivo da intervenção da Justiça do Trabalho nos conflitos coletivos tem variado
bastante, de acordo sobretudo com as conjunturas políticas. Durante o período mais abertamente
autoritários, as negociações coletivas foram reduzidas a rituais burocráticos e os Tribunais do Tra-
balho não faziam mais do que referendar as decisões emanadas do poder executivo, em especial
nos temas relativos à regra salarial. A partir do início da abertura política (1977/78), a vigorosa
reemergência do movimento sindical provocou a disseminação das negociações diretas entre tra-
balhadores e empregadores, inaugurando um período de hibridismo no sistema de negociações
coletivas. A reação inicial do empresariado frente às mobilizações sindicais foi a de recorrer à
intervenção do Estado, seja pela via repressiva (através do Ministério do Trabalho e da força polici-
al), seja pelo recurso à Justiça do Trabalho. Entre 1978 e 1984, o dispositivo de cassação e prisão de
dirigentes e ativistas sindicais foi bastante exercitado pelo governo. A ativação do aparato repres-
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
sivo, no entanto, não foi capaz de conter a explosão de conflitos grevistas, alguns deles de grande
envergadura, e com a iminência da democratização do país o próprio empresariado passou a in-
cluir entre as suas estratégias a negociação direta com os sindicatos.
O hibridismo aludido anteriormente consiste na convivência de dois sistemas de negocia-
ções coletivas, um estatalmente controlado e outro produto das relações diretas entre empregados
e empregadores. A segunda modalidade de negociações vem prosperando nos últimos quinze
anos, notadamente pela difusão das negociações diretas entre sindicatos de trabalhadores e em-
presas. No âmbito das negociações entre sindicatos de trabalhadores e de empresários o recurso à
Justiça do Trabalho é ainda bastante significativo. Segundo Gonçalves (1994), o caráter errático da
ação da justiça trabalhista, influenciada pelos mais variados fatores políticos, torna o apelo a ela
ora atraente aos trabalhadores ora aos empresários, comportando, não obstante, sempre um certo
grau de incerteza. Até 1984, a Justiça do Trabalho tendeu a ratificar as políticas oficiais e a chancelar
as arbitrariedades cometidas contra os sindicatos. A partir de 1985, com a posse do governo civil,
a JT procura demonstrar independência frente ao poder executivo e ao empresariado assumindo
uma posição mais favorável aos trabalhadores, concedendo por diversas vezes reajustes superiores
à inflação e admitindo mecanismos de indexação dos salários contra as orientações governamen-
tais. A partir de 1990, após a edição do Plano Collor, e posteriormente com a implantação do Plano
Real (1994) essa tendência se inverte e a justiça trabalhista, a pretexto de auxiliar no combate à
inflação, passou a assumir uma postura mais “austera” frente às reivindicações dos trabalhadores.
De toda forma, a quantidade de negociações coletivas que terminam nos tribunais é bastante
expressiva e conforme o contexto pode se explicar tanto pela ofensiva dos grandes sindicatos, que
motivam o recurso à JT por parte dos agentes patronais, quanto pela fraqueza de boa parte do
sindicatos que tem na JT o único veículo capaz de assegurar sua participação nas negociações
coletivas.
O resultado do exercício destas funções foi a hipertrofia da burocracia judiciária, e, a des-
peito disso, sua crônica insuficiência e reiterada incapacidade de dar conta da demanda por solu-
ções de conflitos. Segundo a estrutura federativa da justiça brasileira, a Justiça do Trabalho se
organiza verticalmente, e se compõem de Juntas de Conciliação e Julgamento (primeira instância),
Tribunais Regionais (segunda instância) e Tribunal Superior do Trabalho (instância maior). A
tramitação de um processo na JT pode levar mais de cinco anos para chegar a sua sentença defini-
tiva. De todo o orçamento previsto para o Judiciário da União no ano de 1999, da ordem de R$ 6
bilhões, R$ 3,2 bilhões (mais da metade, portanto) destinam-se exclusivamente à Justiça do Traba-
lho, em cujos tribunais devem tramitar este ano cerca de 2 milhões de causas trabalhistas, fazendo
com que na imensa maioria dos casos os valores reclamados nestas ações sejam inferiores ao custo
14
de sua tramitação . O diagnóstico de que a Justiça do Trabalho como instrumento de solução das
contendas trabalhistas, tal como está organizada, é altamente insatisfatório é hoje razoavelmente
14. Segundo o especialista em direito trabalhista da UFMG, Antônio Álvares da Silva, autor de um dos projetos de
reforma do judiciário trabalhista, em OESP, 28/03/99.
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
consensual, mas os termos para o equacionamento do problema não (como se discutirá mais
adiante).
Por fim, um quarto aspecto relevante do ponto de vista do sistema de relações trabalhistas
diz respeito à cisão do mercado de trabalho brasileiro entre o formal e o informal. De fato, o
alcance do modelo regulatório sempre foi parcial. Em seu desenho original, voltado essencialmen-
te para a normatização das relações de assalariamento urbanas em formação, a CLT excluía expli-
15
citamente o mercado de trabalho rural (então majoritário) de suas prescrições . Mesmo hoje,
quando o peso da população ocupada em atividades agropecuárias é inferior a um quarto da PEA
nacional, e depois de a Constituição de 1988 ter igualado formalmente os direitos de trabalhado-
res rurais e urbanos, a capacidade da legislação vigente de atingir as relações de trabalho no
campo é ainda muito reduzida, antes de mais nada porque ela não foi concebida para tanto e boa
parte dos vínculos que ligam os trabalhadores à terra é de natureza inteiramente diversa do
assalariamento (a pequena propriedade rural familiar, por exemplo, é ainda um vínculo predomi-
nante, ao passo que o assalariamento propriamente dito só é relevante em regiões de forte implan-
16
tação do modelo do agro-business, como São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás ). Mas a capaci-
dade regulatória deste modelo encontrou novo e poderoso limite na expansão do mercado de
trabalho informal urbano, que nunca deixou de ser relevante, mas que nesta década voltou a
responder por um volume cada vez mais expressivo das formas de ocupação no país.
Como veremos no próximo tópico, o mercado de trabalho brasileiro sofreu enormes e
aceleradas modificações nestes últimos anos, como reflexo das mudanças macroeconômicas por-
que passou o país: abertura comercial, integração regional, privatizações, desregulamentação fi-
nanceira e estabilização monetária entre as mais importantes. O novo contexto de inserção
econômica provocou efeitos sobre as empresas aqui instaladas que, embora diversos, tiveram con-
seqüências mais ou menos unívocas do ponto de vista dos impactos sobre o mercado de trabalho.
Quer se considere os setores que se reestruturaram com sucesso para enfrentar a competição
externa, quer os que sucumbiram à essa mesma competição (seja por terem falido, seja por terem
sido absorvidos por grupos estrangeiros), quer os complexos que foram privatizados, de um modo
geral os resultados foram quase sempre poupadores de mão-de-obra. Também a estabilização
monetária obrigou as empresas a adotar novas estratégias de controle sobre seus gastos com
capital variável. No contexto inflacionário os gastos com salários podiam ser facilmente controla-
dos quase que “inercialmente”, pela simples corrosão “natural” provocada pela desvalorização da
moeda. Ao eliminar este expediente, a estabilização monetária tornou muito mais imperiosa a
contenção real das folhas de pagamento, ou seja, a redução de empregos. Pelas mesmas razões,
em volume não desprezível, muitas empresas adotaram estratégias de redução de custos pela via
da precarização ou instabilização dos vínculos trabalhistas através de terceirizações, utilização de
trabalho temporário, ou simplesmente pelo descumprindo às leis trabalhistas, adotando vínculos
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
informais de trabalho. Estratégias que se não implicam necessariamente em prejuízos líquidos so-
bre o volume de emprego, certamente se refletem na piora da qualidade dos empregos remanes-
centes. E o que é mais decisivo do ponto de vista das relações trabalhistas, debilitando enorme-
mente os mecanismos de regulação do uso do trabalho, sejam os de natureza legal, sejam os de
natureza sindical. Também no bojo destas transformações ganhou muita força o debate sobre a
desregulamentação da legislação trabalhista. Na próxima seção analisamos e quantificamos mais
de perto estas mudanças no perfil do mercado de trabalho brasileiro.
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
17. O FGTS, Fundo de garantia por Tempo de Serviço, foi criado em 1969 em substituição ao dispositivo da estabilidade
no emprego, e consiste em depósitos mensais de 8% sobre o salário do empregado que ficam em uma conta
poupança oficial e é resgatado quando este perde o emprego ou se aposenta, além de algumas ocasiões especiais,
como compra de casa própria ou casamento.
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
que estes custos incidiam em volume idêntico ou muito semelhante para todas as empresas, esta-
belecendo, portanto, patamares comuns para a concorrência. Sendo isonômicos, estes custos po-
diam ser uniformemente incorporados aos preços finais dos produtos. Ademais, o intenso proces-
so inflacionário que dominou praticamente toda a década forneceu um mecanismo extremamente
eficaz de controle sobre os custos salariais. Taxas de inflação de 2 dígitos ao mês (em janeiro de
1990 ela ultrapassou os 80%) faziam com que qualquer aumento salarial determinado pelas nego-
ciações com os sindicatos ou pelas políticas salariais oficiais se esfumassem antes mesmo de serem
pagos. E acrescente-se a isso que as políticas governamentais de combate à inflação quase sempre
tiveram no controle dos salários um de seus principais lastros.
A este respeito os sindicatos se empenharam não no sentido de mudanças de fundo nas
formas de regulação do emprego, mas sim no de incrementar os direitos já existentes e estendê-
los a categorias de trabalhadores até então total ou parcialmente não cobertos por eles, caso dos
trabalhadores rurais e dos empregados domésticos. Quanto a isso, vale notar que as divergências
entre as diferentes correntes do sindicalismo brasileiro forma bem menos agudas e sua estratégia
de ação durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte foi bastante exitosa, mesmo
diante da resistência dos lobbies de interesses empresariais.
Os anos 90 configuram uma reversão radical e muito acelerada do quadro regulatório da
economia do país. A abertura comercial e financeira expõe bruscamente as empresas aqui localizadas
à concorrência externa e o problema dos custos de produção deixam de ter uma dimensão apenas
doméstica. É evidente que mesmo nos setores industriais mais concentrados e já predominantemente
compostos por capitais multinacionais, como o automobilístico, a dificuldade e muitas vezes a total
incapacidade de fazer frente aos preços dos produtos importados, uma vez suspensas as barreiras
tarifárias, derivam de múltiplos fatores, como a escala mais reduzida de produção, deficiências ou
desequilíbrios em termos de produtividade e/ou qualidade em determinados elos das cadeias
produtivas, defasagem tecnológica, piores condições de alavancagem financeira, estrutura da carga
tributária etc. Desvantagens cuja superação dificilmente se ajustariam – como de fato não se ajustaram
– ao acelerado e quase que indiscriminado calendário da abertura comercial. Nos primeiros anos da
década, ao mesmo tempo em que a abertura deslancha com maior vigor, o quadro macro-econômico
interno é de forte recessão, tornando as condições de reestruturação das empresas ainda mais
difíceis.
Embora as estratégias de reação tenham variado significativamente conforme as cadeias
produtivas, a localização, o grau de diversificação de áreas de atuação, o porte, a origem do capi-
tais e o grau de ramificação internacional das empresas, o atalho mais generalizadamente buscado
para a redução emergencial de custos concentrou-se sobre a força de trabalho. Conforme os já
,
fartos estudos sobre reestruturação em vários setores e empresas permitem afirmar estas estraté-
gias variaram desde o investimento em novas tecnologias e em qualificação da força de trabalho,
com aumentos de produtividade, até a precarização pura e simples dos contratos e das condições
de trabalho. Ademais, parte da indústria nacional simplesmente não sobreviveu ao novo contexto,
desaparecendo ou sendo absorvida por grupos estrangeiros. Em todo caso, como já se viu através
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Obviamente, isto não significou que os salários tenham deixado de ser um item importante
da pauta de negociações entre capital e trabalhos. Entretanto, a dinâmica da negociação salarial
muda radicalmente de formato. Em primeiro lugar, por que praticamente deixam de existir políti-
cas salariais diretamente definidas a partir do estado. Dizemos praticamente por que os salários do
funcionalismo público, por exemplo, seguem sendo determinados pelos governos (embora não
mais de forma articulada entre os três níveis como em outros tempos) e os proventos de aposenta-
dos (cruciais para a determinação do salário mínimo, importante referência para o mercado de
trabalho) também. Contudo, para a imensa maioria dos trabalhadores a questão salarial não ape-
nas passa a depender mais da conjuntura de cada setor e empresa (perdendo parâmetros fixos e
universais como o índice de inflação), como também tende a se diluir em novas rubricas, como
participação em lucros e resultados, metas de produtividade etc., diretamente vinculadas ao de-
sempenho das empresas e por vezes até de indivíduos ou pequenos coletivos de indivíduos. Dada
a pequena penetração dos sindicatos no interior das empresas, a sua capacidade de intervenção
neste tipo de negociação tende a ser bem mais difícil do que no modelo anterior de negociação
salarial. Assim, se as questões relativas à remuneração não deixam de ser relevantes elas no entan-
to tendem a se transferir para outros espaços institucionais (formais ou não) motivando o surgimento
de novos atores e novas modalidades de barganha e pactação de interesses. É este o caso, aliás de
um dos quatro casos que estudamos na segunda parte deste trabalho.
Não é desimportante observar ainda que o fato de que uma vez que as negociações sobre
políticas salariais tendem a se estreitar e a se atomizar retira dos sindicatos o poder indireto de
influência que exerceram na regulação salarial do mercado de trabalho como um todo, mesmo
daquela parcela da mão-de-obra não coberta pela representação sindical. Enquanto os salários
foram objeto de políticas públicas abrangentes a ação reivindicativa e as conquistas dos sindicatos
mais organizados tendeu a desbordar suas categorias específicas servindo de referência e atingin-
do, ainda que com efeitos mitigados, amplos setores de assalariados, inclusive informais. Disso
resultava tanto uma maior capacidade de penetração na opinião pública dos agentes sindicais,
19
quanto, e como conseqüência disto, um maior poder de negociação frente ao Estado . Ainda que
se possa argumentar, como o fizemos anteriormente, que a dinâmica dos salários nos setores
formal e informal continuem atreladas, os mecanismos que presidem este vínculo parecem estar
cada vez mais distantes da capacidade de influência dos sindicatos.
Por outro lado, se a questão salarial – e com ela os sindicatos – perde, pelo menos em
parte, a centralidade que possuía, diluindo-se em novos formatos e modalidades de regulação, a
corrida desenfreada das empresas pela redução de custos de produção e sua especial preferência
pelo caminho da redução dos custos trabalhistas, repõe o debate sobre as reformas no plano
nacional, só que agora centrado na flexibilização das formas de contratação e uso da força de
trabalho, debate que passa a ser capitaneado não mais pelos sindicatos, mas sim pelo empresariado
com aberta adesão do atual governo brasileiro.
19. Para um desenvolvimento mais extenso deste argumento veja-se Comin e Castro (1998).
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A tese da flexibilização, embora ganhe bastante força no debate público, enumerando adeptos
até mesmo entre lideranças sindicais da central Força Sindical, rival da CUT, é no mínimo controversa.
Economistas insuspeitos – por suas vinculações com o governo – como José Márcio Camargo têm
demonstrado de forma bastante convincente a falta de solidez do diagnóstico que embasa a tese.
Nenhum mercado de trabalho que, como o brasileiro, exibe taxas de rotatividade de mais de 30%
ao ano no setor formal e que ainda tem uma notável capacidade de fazer oscilar os salários pode ser
considerado rígido (Camargo, 1996). Estudos de Edward Amadeo, que chegaria a ser ministro do
trabalho do atual presidente (Amadeo, 1996), Márcio Pochmann e Anselmo dos Santos (Santos e
Pochmann, 1996) e do Dieese (Dieese, 1997) contestam a tese de que os custos trabalhistas no
Brasil sejam elevados em comparação com o de países com economias mais competitivas do que a
nossa (como a Alemanha, a Itália ou mesmo o Japão, por exemplo) e cujos produtos acuam os da
indústria nacional. De toda forma, parece indiscutível que um mercado rígido e ultra-regulamentado
jamais suportaria o volume de mudanças observadas no Brasil dos anos 90, documentadas pelos
dados já apresentados.
A este respeito são agora os sindicatos, em particular aqueles ligados a CUT, que têm assumido
uma postura bastante defensiva, buscando bloquear toda e qualquer alteração que possa reduzir ou
ameaçar direitos trabalhistas já inscritos seja Constituição seja na legislação ordinária, ao mesmo
tempo em que buscam incluir estes mesmo dispositivos em seus acordos coletivos como forma de
prevenção a possíveis reformas. Ironicamente, têm entre seus poucos aliados uma parcela importante
da magistratura trabalhista interessada na manutenção do atual arcabouço normativo em que apoia
20
sua existência . Entretanto, pelo por hora, não parece ser a posição dos sindicatos o que tem
bloqueado a consecução de reformas mas muito mais à carregada e conturbada agenda de temas
que tem ocupado o Poder Legislativo nos últimos anos.
A reforma da Justiça do Trabalho não é menos controversa, embora o conjunto dos interes-
ses que convergem para que ela ocorra seja ainda mais amplo. Antes de mais nada, joga contra a JT
a própria ineficiência de sua estrutura burocrática, em cujos meandros circulam só este ano cerca de
21
três milhões de ações trabalhistas, boa parte das quais levará anos para ser julgada . Do ponto de
vista do Executivo a justiça trabalhista representa uma fonte de consumo de recursos que supera
22
todo o gasto dos demais ramos do Poder Judiciário juntos , além de que esta tem sido em diversos
momentos, obstáculo para a consecução de reformas na legislação trabalhista, como no caso dos
contratos temporários, contra os quais diversos magistrados se pronunciaram. As relações entre o
Poder Legislativo e o Judiciário não tem sido menos tensas nos últimos anos, por uma série de
razões que não cumpre narrar aqui. O fato é que recentemente o Senado brasileiro tem se mobilizado
intensamente pela reforma do Judiciário, investindo de forma particularmente virulenta contra a
20. Veja-se por exemplo a posição defendida pelo atual vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro
Almir Pazzianotto em defesa da manutenção da Justiça Trabalhista, em OESP 30.03.99.
21. OESP, 28.03.99.
22. Dos 6 bilhões de reais reservados este anos para todo o Poder Judiciário, 3,2 bilhões estão destinados à JT (OESP
28.03.99).
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JT . Entre as lideranças sindicais também são muito poucas as que ainda defendem o sistema
judiciário, sendo que as duas principais centrais sindicais, a CUT e a FS, são formalmente favoráveis
senão a sua extinção pura e simples a uma radical reestruturação que lhe reduza drasticamente as
atribuições e consequentemente o aparato burocrático. As maiores resistências a qualquer reforma
de fundo na estrutura do Judiciário trabalhista estão naturalmente concentradas em seu próprio
seio, mas o desgaste público deste poder é já bastante visível tanto assim que até mesmo no interior
24
da JT há correntes favoráveis a uma reformulação radical do sistema .
Considerando a enormidade da estrutura judiciária e seu enraizamento de décadas na prática
das relações entre capital e trabalho é difícil imaginar a sua completa extinção, nem deve haver de
fato quem raciocine a sério em termos tão peremptórios. Entretanto, do tripé que vimos considerando
até aqui como base do modelo brasileiro de regulação das relações capital-trabalho, embora este
não seja o mais cobiçado é sem dúvida o mais vulnerável às iniciativas de reforma. O desmonte da
legislação trabalhista vem se processando na prática e de maneira acelerada, mas para atingir o
núcleo dos setores econômicos mais modernos depende de uma transição legal e institucional que,
por assim dizer, legalize a precarização do trabalho.
Nesse momento, os sindicatos encontram-se em situação bastante desfavorável para inter-
ferir no rumo destas possíveis reformas e na incapacidade de tomar a dianteira neste processo têm
tendido a assumir uma postura defensiva, recusando mudanças no sistema que eles próprios con-
denam. A formulação mais clara, que parte da principal central sindical, a CUT, é de que toda e
qualquer reforma deve ter como ponto de partida a estrutura de representação de interesses, ou
seja, os próprios sindicatos. Coerentemente, sustentam que se é realmente desejável que o novo
sistema de regulação esteja baseado na negociação e na contratação coletiva, mais do que na
legislação, é indispensável que as novas condições para a representação e a negociação de interes-
25
ses se estabeleça antes que a velha normatividade seja implodida , do contrário a idéia de livre
negociação não passará de um aval para a liberdade de exploração da força de trabalho sem
constrangimentos. Não é esta, contudo, a tendência mais visível no cenário político atual.
A despeito disto, como veremos, os sindicatos brasileiros têm sido capazes não apenas de
adentrar as esferas já existentes de tomada de decisão como também de forçar o surgimento de
novas esferas de regulação que lhes permitam interferir na condução das políticas públicas, como
que recompondo seu poder de influência para além dos espaços tradicionais nos quais se encon-
tram um tanto acuados. É disto também que trata este trabalho.
23. Em março deste ano o Senado aprovou por maioria a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para
apurar irregularidades em vários tribunais trabalhistas (OESP, 26.03.99).
24. O principal porta-voz da corrente reformista no judiciário trabalhista é o respeitado Juiz do Trabalho Antônio
Álvares da Silva, do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais.
25. Veja-se, por exemplo, a entrevista do vice-presidente nacional da CUT onde apresenta com clareza a posição da
central (OESP, 30.03.99).
Convênio Cebrap/Finep 32
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
CAPÍTULO 2
Chama atenção no caso brasileiro não apenas a extensão das mudanças quantitativas e qualita-
tivas sobre o mercado de trabalho, mas também a rapidez com que elas se deram. Se é verdade,
por exemplo, que a migração do emprego industrial para o setor de serviços (uma das tendências
importantes verificadas no Brasil, como veremos) foi uma tendência generalizada nos países de
industrialização mais antiga, não é de forma alguma irrelevante o fato de que um fenômeno que
vem se desenrolando a décadas nestes países (envolvendo passagens de coortes geracionais) tenha
se verificado aqui em apenas poucos anos, obrigando enormes contingentes de trabalhadores a se
“reciclar” profissionalmente por conta própria, uma vez que as políticas públicas com esta finalida-
de são ainda restritas. Também não é indiferente se a natureza dos empregos em serviços esteja
relacionada a setores modernos e qualificados (como tendeu a predominar nos países desenvolvi-
dos) ou a setores informais, de baixa renda, instáveis e de escassa qualificação (que tudo indica ser
a tendência no Brasil). Assim, é preciso distinguir, desde logo, a aparente “contemporaneidade”
dos fenômenos característicos do mercado de trabalho brasileiro, em sua suposta sintonia com as
tendências mundiais, de suas conseqüências concretas para a força de trabalho.
Algumas tendências mais importantes merecem destaque para efeitos do que aqui nos
26
interessa . A primeira delas, já mencionada, diz respeito à migração do emprego do setor secundá-
rio para o setor terciário. Tomando os primeiros 8 anos desta década (1991-1998), conforme se
27
pode acompanhar pela Tabela I , o emprego industrial experimentou uma perda líquida da ordem
28
de quase 600 mil postos de trabalho , encolhendo sua participação relativa no total do emprego
em mais de cinco pontos percentuais. No mesmo período, somando-se as atividades em comércio,
serviços e administração pública, pouco mais de 1 milhão e 600 mil empregos foram criados,
acrescentando à sua participação relativa percentual quase idêntico ao que fora perdido pela in-
dústria. Em 1998 estes três setores respondiam por dois terços das ocupações existentes nas me-
26. Utilizaremos como fonte de informações sobre o mercado de trabalho a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do
IBGE. Embora a Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação Seade apresente vantagens metodológicas no
que tange especialmente ao estudo do trabalho informal, optamos pela PME por duas razões: o fato de esta utilizar
a metodologia recomendada pela OIT e, portanto, possibilitar comparações internacionais; e por ser a fonte que
recobre de forma mais uniforme no tempo as 6 regiões metropolitanas brasileiras, ao passo que a PED só apresenta
uma série histórica longa e ininterrupta para a região metropolitana de São Paulo.
27. Por facilidade de edição do texto do relatório, ver tabelas e gráficos no final do texto deste capítulo.
28. Estudo da Confederação Nacional das Indústrias aponta para o período 1989-1996 cifra superior a 1 milhão de
empregos desaparecidos na indústria no país como um todo. (O Estado de São Paulo, 08.10.97 p. B4).
Convênio Cebrap/Finep 33
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
trópoles brasileira, sendo que as ocupações em “serviços” foram as que experimentaram o maior
crescimento, absoluto e relativo.
É importante notar, contudo, que este imenso setor classificado como “serviços” abriga
uma gama enorme e incrivelmente variada de atividades que incluem tanto ocupações de alta
qualificação, capazes de gerar renda mais elevada (vinculados a finanças e negócios, informática e
telecomunicações, por exemplo), cujas perspectivas de desenvolvimento são bastante sólidas, como
também uma miríade de ocupações de baixíssima capacidade de geração de valor e renda, deman-
dando pouca ou nenhuma qualificação, instáveis, precários e extremamente vulneráveis às oscila-
ções conjunturais típicas da economia brasileira.
Estudos já realizados sobre movimentação da força de trabalho entre setores demonstram
que, embora praticamente todas as atividades incluídas em “serviços” ganhem em termos de
ocupação, pelo menos no início da década são os empregos de baixa qualidade que tendem a
predominar. A partir dos dados da PME, André Urani e outros (Urani et alli, 1995) registram um
importante crescimento das ocupações em serviços de “Distribuição” (basicamente transportes e
comércio) e “Pessoais” (higiene pessoal, beleza, domésticos e assemelhados). Os serviços sociais,
como educação e saúde, experimentaram um crescimento, mas bem mais modesto, enquanto os
serviços produtivos (mais proximamente ligados às atividades industriais, e em geral associados a
ocupações de melhor qualidade, o que está por ser verificado) chegaram mesmo a reduzir sua
participação no emprego total.
Tão significativa quanto a migração do emprego do setor industrial para o setor de serviços
29
foi a conversão dos empregos formais em informais – e este é o segundo aspecto importante das
transformações que vimos assistindo no mercado de trabalho brasileiro. Até o início desta década
o vínculo formal de trabalho, ou seja, o assalariamento com registro em carteira, era a modalidade
predominante de inserção, caracterizando a situação de mais da metade dos ocupados. Durante
os primeiros anos desta década (1991 a 1998) o assalariamento formal sofre um encolhimento
contínuo em termos relativos e absolutos e, conquanto siga sendo a forma de vínculo mais impor-
tante, já não reponde sequer pela situação de metade do mercado de trabalho. As demais moda-
lidades, o vínculo empregatício informal, o trabalho por conta própria e a condição de emprega-
dor, todas experimentaram crescimento, ainda que esta última de forma apenas residual.
Especialmente notável, é a semelhança nas variações observadas nas modalidades de vín-
culo e nos setores de atividade anteriormente apresentados. A redução do número de postos de
trabalho industriais e de vínculos formais, por um lado, e, por outro, o simultâneo aumento nas
ocupações em serviços e comércio e de ocupações informais ou por conta própria, são de magni-
tude muito semelhante. Sabemos, através de estudos já realizados, que as ocupações nos setores
industriais metropolitanos brasileiro são os que apresentam as maiores taxas de formalização (car-
29. Estamos considerando aqui como informais as ocupações em que se estabelecem relações de assalariamento sem
registro em carteira de trabalho. Para uma discussão mais aprofundada sobre a questão da informalidade, ver
Oliveira (1972), Souza e Tavares (1981), Sabóia (1988) e Dedecca (1996).
Convênio Cebrap/Finep 34
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
30
teira assinada), entre 80% e 95% em 1995, sendo superadas apenas pelas do serviço público , por
oposição a índices muito maiores de informalidade em serviços e comércio (que podem mesmo
superar os 50% em alguns setores). A enorme coincidência entre estes indicadores fornece ele-
mentos para se presumir que o mesmo movimento que leva à eliminação de postos de trabalho
industriais (tendência que deve persistir) explica também a crescente informalização do mercado
de trabalho. Se a informalidade em si não é necessariamente indesejável, esse novo perfil das
ocupações pode trazer sérios embaraços para políticas de ativação e requalificação da força de
trabalho (do tipo das que analisaremos na segunda parte deste documento). Antes de tudo, é
necessário observar que o assalariamento sem carteira é uma modalidade ilegal de vínculo
empregatício que subtrai aos agentes públicos todas as formas de contribuição fiscal que são, elas
próprias, a base de praticamente todas as políticas públicas (previdência, seguro-desemprego, pro-
gramas de geração de renda, requalificação profissional etc.). Ademais, a informalidade priva os
agentes responsáveis de informações vitais para o planejamento de suas ações, uma vez que as
características e demandas destes contingentes são completamente ignoradas. Por último, a
informalidade estimula a rotatividade nos postos de trabalho (turn-over), já bastante elevada no
31
Brasil , fazendo com que os indivíduos estejam constantemente necessitando se qualificar para o
exercício de novas atividades, qualificação esta que se perde tão logo eles sejam demitidos e te-
nham que buscar novas colocações, provavelmente em outros ramos.
Importante ressaltar ainda que, de um modo geral, as ocupações formais tendem a ser
significativamente mais bem remuneradas que as informais. As variações ao longo do tempo são
muito fortes, mas durante todo este o período os assalariados com carteira (CC) nunca tiveram
seus rendimentos menos do que 30% acima dos assalariados sem carteira (SC), e 15% acima dos
trabalhadores por conta própria (CP), sendo que em determinados momentos, como em 1992,
chegaram a estar mais de 50% acima de ambos.
Interessante notar também que o ano de 1994 representa um degrau bastante nítido no
movimento de recuo dos diferencias de renda, o que sem dúvida é produto da estabilização mone-
tária. Os mecanismos de transferência de renda (ou de cessação de transferência) que se seguem
aos momentos de interrupção abrupta da inflação, especialmente num contexto de abertura co-
mercial no qual os produtos têm seus preços mais imediatamente comprimidos relativamente aos
serviços, são demasiado complexos para serem abordados aqui. Contudo, é plausível supor que os
prestadores de serviços – e entre eles boa parte do setor informal, como domésticos, vendedores
ambulantes, reparadores domésticos e a pequena construção civil – por extraírem parte de sua
renda dos segmentos formais acoplados aos setores mais modernos da economia, quando a renda
destes se contrai produz-se um efeito cascata. É o que pode estar acontecendo já a partir o primei-
ro semestre de 1998, quando os diferenciais de renda entre trabalhadores formais e por conta
própria voltam a crescer.
Convênio Cebrap/Finep 35
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Assim mesmo, ainda que o crescimento das ocupações em serviços e comércio e no setor
informal tenha sido significativamente superior ao decréscimo observado na ocupações industriais
e formais, o mercado de trabalho brasileiro não foi capaz de gerar postos de trabalho suficientes
para absorver o crescimento de sua força de trabalho – terceiro movimento para o qual cumpre
chamar a atenção. Evidência disso foi o preocupante incremento nas taxas de desemprego verificadas
neste período, apesar inclusive da desaceleração no ritmo de crescimento do contingente dos que
ingressam no mercado.
Considerando os dados do Censo de 1991 e da Contagem de 1996, a taxa média de
crescimento da População em Idade Ativa, PIA, (10 anos ou mais) situou-se perto dos 2% no con-
junto das regiões metropolitanas, para uma taxa média de crescimento da População Economicamente
Ativa, PEA, que ficou em torno de 1,6%. Neste ínterim, a taxa média de crescimento da População
Ocupada, PO, foi de apenas 1%. Isso significa que, embora o número de indivíduos em busca de
ocupações no mercado de trabalho evolua num ritmo até inferior ao da população em idade ativa, a
economia das regiões metropolitanas não vem sendo capaz de absorvê-lo, seja por razões relacionadas
à modernização das atividades, seja por efeito da abertura comercial e das políticas de contenção de
gastos públicos, seja ainda pela inconstância nas taxas de crescimento da economia.
Seguindo uma tendência que só se acentua no Brasil desde os anos 70, a participação
feminina na PEA continua aumentando em termos relativos e absolutos, embora a um ritmo nitida-
mente mais suave. Entre 1991 e 1998, esse acréscimo foi da ordem de 2%. Na realidade quando
se observam as taxas de participação segundo o gênero descobre-se que de fato elas se mantive-
ram rigorosamente estáveis para as mulheres neste período (em torno de 44%), resultando seu
aumento de participação na PEA de uma redução importante na taxa de participação masculina,
da ordem de 6% (de 80% para 74%).
Em termos das coortes de idade é nítido o recuo na participação dos mais jovens (especial-
mente daqueles entre 15 e 17 anos), que, em si, seria de se esperar em função do aumento da
escolaridade observado nestes mesmo período que, presumivelmente, estaria a retardar seu in-
gresso no mercado de trabalho. Em compensação, o único extrato de idade que apresenta aumen-
to mais significativo (da ordem de 4%) foi os dos indivíduos entre os 40 e os 59 anos. Vale dizer: o
mercado de trabalho brasileiro vem “envelhecendo”.
Um quarto e notável aspecto das transformações do mercado de trabalho brasileiro neste
período foi, sem dúvida, o aumento de escolaridade da força de trabalho. É bem verdade que
como o perfil educacional no ponto de partida era extremamente baixo, mesmo com todo o pro-
gresso observado a estratificação atual ainda é bastante insatisfatória. De toda forma, essa tendên-
cia é em si mesma alvissareira especialmente do ponto de vista de programas de qualificação
profissional, retreinamento, empregabilidade e estímulo a geração de renda através de pequenos
empreendimentos.
O Gráfico I mostra como, em menos de uma década, a participação dos indivíduos com no
máximo 4 anos de estudo (ou seja, no máximo o primário completo) declinou em mais de 10
Convênio Cebrap/Finep 36
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
pontos percentuais (o que significou uma variação negativa da ordem de 23% em termos absolu-
tos). Esse recuo em termos relativos no peso dos menos instruídos entre as pessoas ocupadas
distribui-se pelas demais faixas de instrução, notadamente entre aqueles com entre 9 e 11 anos de
escolaridade (muito provavelmente com pelo menos o primeiro grau completo, senão o segundo).
As razões para este incremento no perfil da força de trabalho são, naturalmente, de ordem
variada. Um conjunto razoavelmente coerente de fatores, contudo, pode ajudar a explicá-lo. O
primeiro deles é de natureza, digamos, “demográfica”: as gerações mais novas estão se tornando
mais escolarizadas, substituindo paulatinamente aqueles contingentes de baixa instrução que pre-
dominaram no mercado de trabalho brasileiro até a década passada. Um segundo fator refere-se
ao crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, uma vez que estas são em
média mais escolarizadas do que os homens. Um terceiro aspecto relevante, embora de alcance
controverso, emerge das mudanças tecnológicas e organizacionais nas empresas em praticamente
32
todos os setores de atividade (da agricultura aos serviços, passando pela indústria) . Um quarto
elemento pode ser encontrado na crescente ociosidade de mão-de-obra nas metrópoles brasilei-
ras, de forma que o mercado vem se tornando tão fortemente favorável aos contratadores que
estes podem se permitir aplicar uma seletividade nos momentos de recrutamento e/ou demissão,
em termos de escolaridade, que não necessariamente espelha as “reais’ necessidades dos postos
de trabalho que estarão preenchendo ou preservando. Esta hipótese se apoia principalmente no
fato de que, como veremos logo a seguir, o crescimento do desemprego, que foi muito significati-
vo nesta década, não se abateu apenas sobre os indivíduos de menor capital educacional, mas
também sobre os portadores de alta instrução, sugerindo uma redundância crescente e generaliza-
da no mercado de trabalho brasileiro.
Passemos então à análise do desemprego, último aspecto que se deseja salientar. A década
de 90 assiste a três movimentos do desemprego: um período de ascensão nos primeiros anos,
marcados por forte recessão econômica, quando a taxa de desemprego aberto chega a quase 6%;
um segundo período de recuperação da economia e do emprego, que vai de 1993 a 1995; e um
terceiro momento de ascensão inusitado das taxas de desemprego, que na média de 1998 se
aproximava dos 8%.
A “novidade” deste último período, nada alvissareira, é de que parece se configurar no
mercado de trabalho urbano brasileiro um crescente descolamento entre performance econômica
e geração de empregos. Os dois primeiros anos deste último triênio foram um período de recupe-
ração econômica – ainda que em volume modesto para os padrões históricos brasileiros – que as
taxas de desemprego insistiram em ignorar, mantendo-se em escalada ascendente. Considerando
as previsões de recuo no PIB em 1999, e por mais que assumamos uma postura otimista em relação
aos anos seguintes, é bastante plausível trabalhar com um cenário de elevadas taxas de desempre-
go no futuro próximo. Este é um fato que deve estar presente em qualquer desenho de política
32. Dizemos que este aspecto é controverso porque de um modo geral ele se apoia em estudos de caso em empresas,
não havendo fontes de informações generalizáveis e seguras que atestem a abrangência destas mudanças.
Convênio Cebrap/Finep 37
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
pública voltada para o mercado de trabalho, seja aquelas voltadas diretamente para a sua ativação,
como é o caso dos programas de geração de renda e emprego ou de políticas de desenvolvimento
regional, seja as de requalificação e recolocação profissional, que constituem os casos que analisa-
mos na segunda parte deste documento.
Neste ponto vale a pena desagregar as taxas de desemprego por regiões metropolitanas.
Isto porque tem sido muito comum a sugestão de que o desemprego só seria de fato um problema
na região metropolitana de São Paulo, em função das peculiaridades de seu parque industrial,
envelhecido e estruturalmente encarecido, que estaria cedendo empregos para outras regiões. Se
é verdade que o investimento industrial tende a se desconcentrar no Brasil, evitando o velho núcleo
paulistano, não é verdade que o desemprego seja um problema exclusivo desta região. O fenôme-
no apresenta-se igualmente – ou até mais seriamente – nas regiões metropolitanas nordestinas
abrangidas pela PME. Por outro lado, a região metropolitana do Rio de Janeiro, cuja obsolescência
industrial iniciou-se bem antes que a de São Paulo, apresenta os melhores indicadores em termos
de desemprego. Ou ainda, as regiões metropolitanas de Belo Horizonte e Porto Alegre, de indus-
trialização mais recente, apresentam taxas bem mais elevadas do que a do Rio. Portanto, se de fato
pode haver – e é provável que haja - uma correlação entre o declínio do emprego industrial e o
crescimento do desemprego, a explicação não se esgota aí. È preciso ir mais longe na busca de
elementos sistêmicos e macro-econômicos, tais como a profundidade e a velocidade da abertura
comercial, a perda de dinamismo de algumas cadeias produtivas, por um lado, e a intensa
reestruturação de outras, a integração regional, as baixas taxas de crescimento global e a estagna-
ção do setor público, que tradicionalmente alavancou a economia brasileira.
Outro argumento recorrente no debate atual é o de que a rigidez da legislação trabalhista
brasileira seria um entrave decisivo à geração de empregos. Sobre isto há já estudos convincentes
33
que sugerem no mínimo parcimônia no uso do argumento . Cumpre apontar aqui que são preci-
samente duas das regiões metropolitanas cujos mercados de trabalho são mais altamente
informalizados - ou flexíveis nos termos do debate atual – as que exibem as piores taxas de desem-
prego, no caso Recife e Salvador. Não se pretende com isso dizer que aspectos institucionais sejam
irrelevantes para a discussão do desemprego, mas tão somente que eles são no máximo acessórios
diante do cenário econômico brasileiro e de modo algum poderão resolver o problema por mais
bem equacionados que venham a ser.
Quanto aos setores de atividade, como se poderia esperar, é na indústria de transformação
que as taxas de desemprego atingem os patamares mais elevados, acima de 9%, bem acima da
média, enquanto o setor de serviços exibe as menores. Mas em todos os setores observa-se um
aumento muito expressivo no desemprego, superior a 2%, na passagem de 1997 para 1998, de tal
forma que não é possível dizer que as perdas de postos sejam localizadas setorialmente, nem
muito menos esperar que perdas em alguns setores venham a ser compensadas por ganhos em
outros. A tendência de aumento nas taxas de desemprego é generalizada.
Convênio Cebrap/Finep 38
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Homens e mulheres vêm sofrendo com o aumento no desemprego, mas as mulheres foram
substancialmente mais afetadas neste período. Observe-se (Gráfico III) que no ponto de partida,
em 1991, as taxas eram praticamente idênticas. Na média do primeiro semestre de 1998 a taxa
entre os homens havia crescido cerca de 2,4%, ao passo que entre as mulheres quase 4%, resul-
tado que muito provavelmente reflete o crescimento na participação feminina na PEA, que vem
sendo superior ao dos homens como já vimos.
Também em relação à idade as taxas de desemprego subiram em proporção semelhante
para todas as coortes, de modo que a distribuição etária do desemprego se mantém. Embora os
mais jovens tenham declinado relativamente em sua participação na PEA, suas taxas de desempre-
go continuam a ser de 4 a 8 vezes maiores do que entre os mais velhos (com mais de 40 anos). As
taxas muito modestas entre os mais velhos, especialmente os de mais de 60 anos, muito provavel-
mente estão ligadas à saída destes contingentes do mercado de trabalho, por aposentadoria ou
ainda por morte, invalidez ou desistência definitiva. Já entre os mais jovens, os elevados índices
estão refletindo a maior seletividade de um mercado que está fortemente favorável a quem contra-
ta, situação que impõe barreiras cada vez maiores a quem tenta ingressar pela primeira vez despro-
vido de experiência profissional ou de uma formação adequada, fator que deve chamar a atenção
dos atores responsáveis pela formulação de políticas de emprego quanto ao caráter variado de sua
incidência.
Embora seja moeda corrente no debate a alegação de que o desemprego no Brasil está
muito relacionado com o baixo perfil educacional da força de trabalho, os dados da PME revelam
claramente o desacerto deste argumento. É justamente entre os trabalhadores de instrução mé-
dia, entre cinco e onze anos de instrução (portanto, na sua maioria com algo entre o ginásio e o
colégio) que as taxas são mais elevadas, substancialmente maiores do que entre aqueles com até
quatro anos de estudo (ou no máximo o primário completo). O único contingente que ainda apre-
senta taxas de desemprego que poderiam ser consideradas moderadas é o formado por aqueles
com tempo de escolaridade suficiente para ter atingido o nível superior. Portanto, se há uma linha
de corte relevante em termos da educação formal ela se situa num patamar muito elevado para
explicar a dinâmica geral do desemprego no Brasil, uma vez que, como sabemos, a proporção de
indivíduos com formação superior é ainda marginal. Quanto à taxa de desemprego relativamente
menor entre os indivíduos de baixa instrução, as explicações certamente são variadas e não há
ainda suporte empírico que permita respostas cabais. Este fenômeno pode estar relacionado ao
fato de que tais indivíduos se sujeitam mais facilmente a ocupações de baixa remuneração, mas há
estudos setoriais que demonstram que como em geral os trabalhadores de baixa instrução são os
mais velhos e possuem maior experiência profissional eles podem estar sendo mais poupados mes-
34
mo em setores mais “nobres” da indústria, por exemplo .
É neste cenário, decerto nada favorável, que se desenrolam hoje tanto o debate sobre a
necessidade de intervenção pública – mas também dos atores sociais, como sindicatos, e mesmo
34. É o que se passa na indústria automobilística paulista segundo Comin, Cardoso e Campos (1997).
Convênio Cebrap/Finep 39
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Convênio Cebrap/Finep 40
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Tabela III – Diferencial dos rendimentos dos empregados com carteira em relação aos sem carteira e por
conta própria (em %) – regiões metropolitanas
CC-SC CC-CP
Média 1991 38,01 41,15
Média 1992 52,39 58,02
Média 1993 54,05 55,93
Média 1994 47,33 38,34
Média 1995 33,28 15,84
Média 1996 34,9 16,36
Média 1997 32,81 16,86
Média jan/98-mai/98 31,9 19,79
Fonte: Elaboração IPEA a partir de dados da PME/IBGE.
Tabela III – Diferencial dos rendimentos dos empregados com carteira em relação aos sem carteira e
por conta própria (em %) – regiões metropolitanas
CC-SC CC-CP
Média 1991 38,01 41,15
Média 1992 52,39 58,02
Média 1993 54,05 55,93
Média 1994 47,33 38,34
Média 1995 33,28 15,84
Média 1996 34,9 16,36
Média 1997 32,81 16,86
Média jan/98-mai/98 31,9 19,79
Fonte: Elaboração IPEA a partir de dados da PME/IBGE.
Convênio Cebrap/Finep 41
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
8,00
7,00
6,00
5,00
4,00
3,00
2,00
1,00
0,00
Média 1991 Média 1992 Média 1993 Média 1994 Média 1995 Média 1996 Média 1997 Média 1998
TOTAL 4,840183191 5,780828837 5,31931711 5,064791007 4,651460571 5,433111293 5,67131915 7,600152163
Convênio Cebrap/Finep 42
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
10,00
8,00
6,00
4,00
2,00
0,00
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Convênio Cebrap/Finep 43
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
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Convênio Cebrap/Finep 46
PARTE II
ACHADOS
OS DESERDADOS DA INDÚSTRIA
Reestruturação produtiva e trajetórias intersetoriais de trabalhado-
res demitidos da indústria brasileira35
INTRODUÇÃO
Por que e como acompanhar trajetórias de trabalhadores
industriais demitidos no Brasil
35. Este capítulo, na forma em que se apresenta, foi originalmente preparado por Adalberto CARDOSO, Álvaro COMIN
e Nadya GUIMARÃES para apresentação e discussão em painel sobre “Estudos sobre Trajetórias Ocupacionais:
Avanços na América Latina”, no III Congresso Latino-americano de Sociologia do Trabalho, Buenos Aires, maio de
2000. Posteriormente foi apresentado e discutido em Workshop realizado na Universidade Estadual de Campinas
como parte da Cooperação entre IFCS e University of Manchester, em junho de 2000.
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Convênio Cebrap/Finep 49
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
A investigação guiou-se por uma hipótese global segundo a qual, quanto mais sistêmica a
reestruturação de um setor qualquer, maiores os riscos de perda do emprego e menores as chances
de reinserção profissional dos demitidos, de tal modo que se preservem o capital de qualificação
acumulado e a qualidade do emprego de origem. Isto porque o risco ou a efetiva perda do empre-
go, decorreriam, em primeiro lugar, da destruição de postos de trabalho (redundância) mercê da
reestruturação produtiva, fruto do desaparecimento de funções, do redesenho de antigas tarefas,
da fusão de outras, da terceirização de setores e fases dos processos de produção etc.; nesse
sentido, a demissão deveria representar a exclusão do setor reestruturado.
Entretanto, parece plausível supor que essas chances não estão distribuídas da mesma
maneira entre todos os trabalhadores. Se aos novos métodos de gestão e uso do trabalho, além
das novas tecnologias, associam-se expectativas quanto à qualificação da força de trabalho, que
valorizam a educação formal, muito mais do que o treinamento e aprendizado on the job, então
seria possível esperar um aumento, no tempo, do papel da educação na explicação das chances de
migração virtuosa, isto é, que ela preservasse ou mesmo melhorasse a posição empregatícia dos
indivíduos. O risco de perda de emprego seria maior para os menos escolarizados, e seriam piores
suas chances de retorno “virtuoso”, pela obtenção de um emprego, no mínimo, compatível com o
de origem. Do mesmo modo, como os custos de reconversão profissional são mais altos quanto
mais velho o trabalhador, já que qualquer investimento pessoal terá retorno em tempo cada vez
mais curto quanto mais se aproxima da idade de aposentar-se, era de se esperar que os mais jovens
tivessem maiores chances tanto de permanecer no emprego quanto de migrar bem, pelo inverso
da mesma razão: seus investimentos individuais poderiam ser “colhidos” em tempo mais largo,
reforçando o incentivo, imposto pelo mercado de força de trabalho, para que se (re)qualificassem
formalmente.
Perguntas e hipóteses como essas são exploradas tendo como foco os trabalhadores de
dois setores da indústria brasileira caracterizados, ambos, por sua centralidade econômica e pela
intensidade das mudanças que experimentaram nos anos 90, particularmente impactados que
foram seja pelo ajuste macroeconômico, seja pela reestruturação micro-organizacional; são eles os
complexos automobilístico e químico-petroquímico. Focalizaremos, para fins desse trabalho,
trajetórias agregadas de um grupo de seus trabalhadores, grupo esse precisamente delimitado em
termos empíricos: trata-se da coorte dos demitidos por empresas desses complexos industriais no
ano de 1989, cujos eventos de reinserção no mercado de empregos formalmente registrados serão
36
acompanhados em lapsos de tempo que variam de 7 a 9 anos . E por que justamente esta coorte?
37
Por que através dela não apenas maximizamos o número de eventos observáveis , como observa-
mos, no tempo, as vicissitudes daqueles que perderam seus empregos no exato momento em que
36. Como usamos bases experimentais de dados, a disponibilidade de informações sofre algumas variações. Para algu-
mas análises poderemos acompanhar a os eventos ocupacionais por 7 anos, seguindo a trajetória dessa coorte entre
1989 e 1995 (inclusive os limites); para outras, disporemos de informação mais atualizada e poderemos perseguí-los
por dois anos mais, acompanhando-os entre 1989 e 1997.
37. Posto que nossas bases experimentais de dados têm em 1989 o ano de início da série de eventos.
Convênio Cebrap/Finep 50
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Convênio Cebrap/Finep 51
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
38. Para maiores detalhes sobre essas bases e sobre as distintas possibilidades de séries temporais de dados, bem como
sobre as vantagens da base RAIS longitudinalizada, ver Castro et al (1997), Cardoso (1998) Castro (1998), Cardoso
(2000, no prelo).
Convênio Cebrap/Finep 52
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
a inclusão, por contrapartida, no outro mundo do trabalho, aquele informalmente regulado, invi-
sível do ponto de vista do Estado e suas instituições, provavelmente ainda mais predatório em
relação à força de trabalho ou, quando menos, assujeitando-o a condições de depredação cujos
antídotos e anteparos não estão socialmente regulados e que, por isto mesmo, carecem de formas
de controle (legal e política) institucionalmente estatuídas e legitimadas. Por tais razões dedicare-
mos a maior parte deste texto a explorar os dados que nos permitem descrever trânsito e riscos no
mercado de trabalho que expõem indivíduos à situação de saída – por curto ou longo tempo – dos
marcos regulatórios do trabalho formalmente registrado.
Mas, uma segunda pergunta é também pertinente: como contornar o limite interposto
pelas bases experimentais construídas a partir da RAIS-CAGED, de modo a podermos estimar
seqüências completas de trânsito ocupacional, aí incluído o trânsito pelo mercado informal de
trabalho? Para faze-lo, empreendemos o esforço de construir um estudo piloto, de tipo amostral,
com levantamento domiciliar, onde um dos grupos de trabalhadores foi estudado mais detidamen-
te a partir de um questionário longitudinal retrospectivo. No caso, escolhemos uma amostra alea-
tória de metalúrgicos da região do ABC (município dormitório de Diadema, S.Paulo), coração da
automobilística no Brasil, e procuramos recompor seqüências completas de trajetórias para cerca
39
de 400 casos observados nesta amostra.
Assim apresentado o percurso da construção das nossas indagações, passemos aos resulta-
dos. O texto tem a seguinte estrutura. Além desta introdução, a primeira parte traz um apanhado
das mudanças recentes nos setores automobilístico e químico. Procura-se sustentar o argumento
de que a reestruturação industrial é sistêmica em ambos. Em seguida, analisamos as trajetórias
intersetoriais no mercado formal de trabalho dos demitidos de cada setor, chamando a atenção
para aspectos convergentes e divergentes.
Quando referimos o caráter sistêmico da reestruturação que transcorre nos anos 90, como
forma de distingui-la das mudanças que tiveram lugar nos 80, estamos querendo aludir a um
movimento de transformação que ultrapassa os chãos-de-fábrica das empresas líderes e avança,
nestas, em direção a todos os âmbitos da política de produção (latu sensu), produzindo políticas e
39. O nosso programa de pesquisas contempla dois estudos piloto, planejados para serem realizados junto às duas
categorias de trabalhadores aqui estudados (metalúrgicos em S.Paulo e petroquímicos na Bahia). Na fase atual,
temos completo apenas o levantamento com metalúrgicos, mais fácil de ser produzido, visto que há uma grande
convergência entre localização das empresas (cinturão industrial do ABC) e residência dos trabalhadores, que são
em grande número e se localizam em algumas poucas cidades dormitório, todas de médio porte. Nesse caso,
amostra domiciliar aleatória é facilmente desenhada. Já no caso dos petroquímicos da Bahia, sendo eles em muito
menor número e com padrão residencial distinto (não estão segregados nos entornos do complexo industrial, mas
dispersando-se pela enorme malha urbana da cidade do Salvador) o desenho amostral teve que ser mais complexo,
requerendo maior conhecimento do universo a ser amostrado (inclusive endereços residenciais dos trabalhadores
demitidos, sorteáveis para a amostra).
Convênio Cebrap/Finep 53
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
diretrizes novas na engenharia dos processos, dos recursos, na gestão financeira e de marketing,
na gestão do trabalho, no mais das vezes iluminados pela visão soberana dos programas de quali-
dade e produtividade. Mas, queremos igualmente aludir ao fato de que este movimento de trans-
formação ultrapassa as próprias empresas líderes de cadeias produtivas e dissemina mudanças que
se fazem urgentes no seio de outras firmas que integram uma mesma rede de produtores e seus
distribuidores. Nesse sentido, o qualificativo de “sistêmico” responde à necessidade de diferencia-
lo do processo de mudanças, mais circunscrito e conservador, que tipificou os anos 80, mesmo em
sua segunda metade. Assim, o movimento que transcorreu nos 90 importou em intensa
reestruturação tecnológica e organizacional, atingindo não somente a gestão da planta mas tam-
bém os padrões de conformação do tecido industrial, por moldar novas formas de relação inter-
firmas; mas importou, ademais, em nova forma de relacionamento entre os agentes sociais destes
processos: trabalhadores, sindicatos, gerências e estado.
Desde logo, cabe sublinhar que, ao lançarmos mão do qualificativo “sistêmico”, não estamos
querendo assumir uma hipótese ingênua de convergência, que simplesmente afirme a tendência à
equalização pura e simples de padrões de produção e de gestão. É certo que estamos reconhecendo
a difusão de um novo paradigma de produção e de gerenciamento de recursos de diversa natureza –
humanos, dentre eles. Entretanto, nem de longe queremos sugerir ao leitor que os modelos normativos,
que alimentam hoje as culturas técnica e gerencial (pública e privada), sejam uniformes e tenham a
virtualidade (ignorada desde sempre, mesmo em outros modelos igualmente generalizados) de diri-
mir diferenças. Se os valores que povoam o imaginário e o discurso empresarial podem apontar nesta
direção, não estamos aqui supondo que os mesmos se tornem realidade tal como imaginados. Bem
assim, estamos cônscios dos resultados dos estudos feitos no Brasil sobre as relações inter-firmas,
eloqüentes ao documentar como os novos paradigmas de produção transformam, sim, os diversos
elos das cadeias produtivas, e, nestes, os distintos grupos de trabalhadores – mas o fazem de modo
desigual, diferenciando-os, em novas bases, antes que equalizando-os.
No que respeita aos trabalhadores e suas trajetórias, poder-se-ia dizer que tal movimento
impõe, como se verá adiante, novos cursos possíveis aos seus destinos empregatícios. Tais cursos,
entretanto, se expressam de modo seletivo, desigual, entre os vários grupos de indivíduos, segun-
do circunstâncias também diversas, dentre elas, o setor de onde se desligam, o mercado de traba-
lho no qual competem, os atributos de que são possuidores.
Tomando mais de perto o caso brasileiro, e ilustrando-o com os dois setores escolhidos,
como se poderia documentar tal movimento sistêmico de reestruturação?
40
A indústria automobilística
40. O conteúdo deste item aproveita parte da reflexão contida no primeiro capítulo de Cardoso (2000, no prelo).
Convênio Cebrap/Finep 54
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
41. Ver, também, CNI/SENAI (1998), que corrobora esta última afirmação.
Convênio Cebrap/Finep 55
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
O que é decisivo em relação a estes dados, porém, é que cinco anos antes o mesmo censo
industrial do Sindipeças, desta vez realizado junto a amostra menor e com maior participação de
empresas médias e grandes (51% do total, contra os 36% de 1997), havia detectado taxas bem
menores de utilização de quase todos estes novos métodos de qualidade e gestão do trabalho.
Para os itens equivalentes nos dois períodos, o ano de 1997, em que pese ter coberto mais exten-
sivamente empresas de menor porte e, por isto mesmo, teoricamente menos engajadas em pro-
gramas de reestruturação produtiva, apresentou média de utilização de inovações 20% superior
ao ano de 1992. Por outras palavras, mesmo as pequenas empresas passam por reestruturação
produtiva voltada para a qualidade, e estes indicadores parecem não deixar dúvidas quanto à
extensão e escopo das mudanças.
Tabela 1
Introdução de métodos de produção de qualidade na indústria de autopeças
Brasil, 1992 e 1997
Convênio Cebrap/Finep 56
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
humanos por parte das empresas e em comprometimento do trabalhador com as metas de qualidade
e produtividade definidas por estas, são inimigas de políticas de pessoal baseadas na intensa rotatividade.
É isto que o Gráfico 1 está mostrando, de forma muito contundente. Tanto nas montadoras quanto
nas autopeças há forte tendência de queda nas taxas mensais de rotatividade, sobretudo depois de
1992. Note-se, ademais, que, nos anos 1990, os dois segmentos responderam de forma muito
semelhante aos ditames gerais do ciclo, isto é, a rotatividad diminui segundo timing equivalente e em
proporções também bastante próximas. Este é outro forte indicador da afinação das estratégias de
pessoal em todo o complexo, na direção de empregos mais estáveis.
Gráfico 1
Taxas mensais de rotatividade no setor automobilístico
Brasil, 1986-1997
6
Montadoras Autopeças
0
86
90
93
97
6
6
87
88
89
91
92
94
95
96
9
7
l- 8
l- 8
l- 9
l-8
l-8
l-9
l-9
l-9
l-9
l-9
l-9
l-9
n-
n-
n-
n-
n-
n-
n-
n-
n-
n-
n-
n-
Ju
Ju
Ju
Ju
Ju
Ju
Ju
Ju
Ju
Ju
Ju
Ju
Ja
Ja
Ja
Ja
Ja
Ja
Ja
Ja
Ja
Ja
Ja
Ja
Fonte: RAIS-MTb/Codefat
Convênio Cebrap/Finep 57
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Na outra ponta, a abertura comercial, se bem que tenha sofrido refluxos na década, expôs
definitivamente a indústria autóctone à competição, especialmente o setor de suprimentos. Mais e
mais montadoras, sobretudo as que se vêm instalando em razão dos novos incentivos fiscais, estão
praticando global sourcing de peças e componentes estratégicos. Relações interfirmas marcadas
por restrição de fornecedores e ampliação do escopo dos componentes fornecidos (na direção de
conjuntos montados cada vez mais complexos) vêm reduzindo o tamanho do segmento de apoio
e, ao mesmo tempo, adensando as redes de transferência de padrões tecnológicos e de qualidade.
Como vimos antes, mais de 70% dos fabricantes de peças no país, assim como todas as montadoras,
qualificam seus fornecedores.
Neste quadro, a reestruturação sistêmica do setor automobilístico combina, de um lado,
adoção de novas tecnologias e métodos de gestão (ambos poupadores de força de trabalho) como
resultado do adensamento das relações entre firmas na cadeia como um todo; e, de outro lado,
redução do número de empresas de suprimentos, com impactos igualmente importantes sobre o
42
nível de emprego.
43
A indústria químico-petroquímica
42. Estes movimentos são mais intensos a partir de 1995, já que até ali a reestruturação não tinha resultado em perdas
expressivas de postos de trabalho, em parte devido a acordos coletivos ou na Câmara Setorial Automobilística e em
parte devido ao crescimento do mercado interno de veículos. Aqui, soava desafiador o vaticínio da associação
patronal mais importante do segmento montador (a Anfavea), para quem 500 das 800 empresas ainda sobreviven-
tes no setor desapareceriam até o ano 2000, ceifando alguns milhares de postos de trabalho (Gitahy e Bresciani,
1998).
43. Esta sessão aproveita seletivamente elementos já contidos em Castro e Comin (1998) e Guimarães e Campos
(1999).
44. Utiliza-se, aqui, a categoria “geração” com o sentido técnico que ela tem (entre os próprios agentes sociais) na
descrição das cadeias produtivas químico-petroquímicas: uma geração se define pela natureza do insumo que
processa e do produto que dele se extrai. Na primeira geração estão as centrais de matérias-primas que, a partir da
nafta recebida das refinarias, produz os chamados petroquímicos básicos (olefinas e aromáticos). A geração inter-
mediária, faz o processamento desses insumos, recebidos das centrais, gerando uma linha de produtos intermediá-
rios os quais, uma vez transformados pela terceira geração, assumem a forma dos produtos finais, que, por sua vez,
tornam-se componentes da produção de outras cadeias, de bens duráveis de consumo, como a automobilística. Vê-
se, assim, que as relações inter-firmas estão supostas na forma muito especial como a petroquímica se implantou no
Brasil, com escassa verticalização e concentrando em mãos do Estado toda a transformação química de produtos de
primeira geração. Este modelo começou a ser posto em cheque com as privatizações dos 90.
Convênio Cebrap/Finep 58
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
por outro lado, elas passaram a ter conseqüências organizacionais importantes, maximizando o seu
potencial de economia de trabalho vivo (potencial este que se mantivera praticamente inexplorado
ao longo da segunda metade dos anos 80, em quase todos os casos). Um elevadíssimo enxugamento
de efetivos passa a ter lugar nos anos 90, fundado em políticas de pessoal articuladas a programas
de qualidade, no bojo das quais se reduz de modo intenso e rápido o emprego direto (com crescimento
igualmente intenso e rápido do trabalho terceirizado). Ele atinge o coração do setor, os pólos de
S.Paulo e Bahia, devastando postos de trabalho.
Gráfico 2
Emprego na Química-Petroquímica
Nível de emprego (1986 = 100)
120.0
100.0
80.0 80.9
Ind.quím.SP
60.0
Ind.quím.BA
40.0 40.8
20.0
0.0
1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
Fonte: MTb/Codefat
Obviamente, uma redução de efetivos de tal monta não poderia ter lugar sem que se
houvessem alterado radicalmente os próprios ambientes de trabalho. De fato, intensas transfor-
mações, ocorridas particularmente nos anos 90, modificaram significativamente os padrões de uso
do trabalho. É certo que, nas indústrias de fluxo, e particularmente na petroquímica, o modelo de
gestão imperante deste sempre já distava – e muito – da média da indústria. Ele se sustentava na
gestão do trabalho de operadores de processo caracterizada pela elevada estabilização da força de
trabalho (contrariamente aos altíssimos índices de rotatividade existentes no Brasil), pela escolarização
média bastante superior ao ordinário (segundo grau com formação técnica) e por uma política de
remuneração que aliava salários em média igualmente mais elevados e benefícios extra-salariais
não desprezíveis. Tudo isto porque a natureza do trabalho supervisório em indústrias – como as
químicas – de fluxo contínuo, de alto risco e sem possibilidades de retrabalho sobre as eventuais
perdas de produção, impunha a conquista do compromisso ativo do trabalhador operacional. For-
mas de gestão – que na automobilística vieram, como vimos antes, de braços com a chamada
reestruturação produtiva, e baseadas nas políticas de qualidade – acompanhavam o segmento
químico-petroquímico desde berço e marcavam a sua especificidade.
Convênio Cebrap/Finep 59
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Que fazem então os anos 90, no caso brasileiro? Ampliam e atualizam estas características,
aproximando-nos dos padrões de uso do trabalho já experimentados for a do Brasil. Qual a condição
de possibilidade para tal? O uso extensivo das chances de reestruturação abertas pelas novas formas
digitalizadas de controle de processo. Elas permitiam novas condutas operacionais, maior interface e
imbrincamento entre tarefas de operação, laboratório e de manutenção, ampliação da automatização
de tarefas de campo, o que termina por impactar no desenho que fazem as empresas com respeito
ao conteúdo das ocupações, à nomenclatura e concepção das carreiras. Os programas de qualidade
e as novas formas de confrontar o poderio sindical nas plantas redesenham as políticas de salários e
de benefícios, buscando maior envolvimento dos trabalhadores com os novos alvos gerenciais e,
nesse sentido, afetam significativamente o escopo e espaço de relacionamento com os sindicatos.
Tais mudanças se generalizam por todas as gerações de empresas do ramo químico-
petroquímico, em tendências que passam a se exprimir, também na químico-petroquímica, de
maneira cada vez mais sistêmica. Difunde-se um padrão geral no seio da empresa, integrando
distintos setores de sua política: desenvolvimento de produtos e controle de processos, engenharia
dos mesmos e da execução na forma de sistemas internos de clientes e fornecedores, gestão do
trabalho, da qualidade, marketing, tendo como carros chefes os segmentos de política comercial e
de política de qualidade. Mas este padrão também tende a se difundir entre empresas na cadeia
tecnicamente articulada dos produtores de produtos petroquímicos, mudando de forma significa-
tiva a natureza da relação entre as firmas; de fato, ao avançar, ele ultrapassa o antigo padrão, que
dominara até os 80, de dependência compulsória entre gerações, a qual era propagada, a jusante
na cadeia, apenas com base no elo técnico do fornecimento do insumo a ser processado.
Mas, à diferença da cadeia automotiva, na químico-petroquímica a intensificação destas
mudanças está ligada direta e imediatamente a mudanças na forma de regulação do setor. Para
entende-las há que ter em mente que a expansão da indústria químico-petroquímica no Brasil se faz
no contexto de políticas de substituição de importações de insumos básicos, que ampliam a produ-
ção interna num modelo que arranja a participação empresarial e define vocações regionais para
sediar os greenfields de forma completamente centralizada pelo Estado, a partir de uma tecnoburocracia
fortemente enraizada na elite militar governante. Durante 20 anos, do início dos 70 ao início dos 90,
o modelo de gestão do setor teve no Estado o seu principal protagonista. Até o período Collor, o
Estado ali comparecia não apenas controlando o acesso de novos produtores estrangeiros ao merca-
do interno, ou concedendo incentivos (fiscais e financeiros) diversos, mas estava presente como pro-
dutor direto. Na Bahia, desenvolveu-se o experimento ideal deste modelo de gestão planejada, que
deu lugar à maior concentração petroquímica no Brasil: o chamado “modelo tripartite” que soldou a
aliança entre o Estado, o capital nacional (local, muitas vezes) e o grande capital estrangeiro; nela, o
Estado comparecia com pelo menos 1/3 da propriedade do capital, tinha papel central na gestão dos
empreendimentos e, sobretudo, regulava desde a cabeça do sistema (Petrobrás-Petroquisa) toda a
política para o setor (de importação, de preços internos, de quotas de produção internas e de expor-
tação). Num complexo sistema de participação acionária, ele detinha o comando (direto ou indireto)
das principais unidades produtivas, notadamente aquelas que eram as mais importantes para a arti-
Convênio Cebrap/Finep 60
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
O que permite que alguns trabalhadores permaneçam em seus empregos? O que explica,
ao contrário, que alguns sejam expulsos do setor formal? E onde buscar as causas das migrações
“virtuosas” para outros segmentos deste mesmo setor formal? Há padrões recorrentes de trajetórias
ocupacionais ou, ao contrário, os destinos empregatícios dos indivíduos são erráticos e aleatórios?
A RAIS permite lançar alguma luz sobre o movimento de indivíduos no tempo, tendo em conta a
heterogeneidade da força de trabalho, com o que podemos buscar algumas respostas. Para a
melhor compreensão da lógica que preside a análise, alguns esclarecimentos são necessários.
Parece analiticamente plausível supor que indivíduos tenham destinos empregatícios co-
muns, credores de características compartilhadas (endógenas e exógenas) que estabelecem os
limites ou condicionam percursos ocupacionais no mercado de trabalho. Características endógenas
via de regra são depreendidas das condições (notadamente oportunidades, redes) que caracteri-
zam os meios sociais dos quais se originam, condições estas que lhes provêm de um certo capital
social com o qual afluem à disputa por postos no mercado de trabalho. Nesse sentido, a teorização
sobre as características endógenas se alimenta da tradição sociológica que reconhece papel
explicativo importante aos determinantes da origem social dos indivíduos (particularmente da sua
origem de classe) no processo de fazer confluir destinos individuais.
Já as características exógenas – que também estruturam as escolhas, fazendo convergir
percursos singulares – poderiam ser recolhidas do conjunto de elementos que influem na estrutura e
na dinâmica dos próprios mercados de trabalho aos quais os indivíduos se lançam. Elas podem ser
internas ao funcionamento do mercado de trabalho (como é o caso das estratégias de empregadores
e de empregados), ou podem ser externas a este (como é o caso das políticas públicas voltadas ao
treinamento profissional). Num caso ou noutro, o campo das teorias sociológicas e econômicas (macro
ou micro fundadas) sustenta o postulado de que os mercados de trabalho têm uma relativa
previsibilidade, que resulta do seu padrão de estruturação, previsibilidade esta que restringe as opções
em termos de oportunidades de emprego e renda. Nesse sentido, os cursos ocupacionais podem ser
pensados como resultando de uma sucessão de escolhas individuais estruturalmente orientadas.
Convênio Cebrap/Finep 61
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Isto posto, o que importa para a análise que se segue é que, se o analista dificilmente pode
ter em devida conta o leque total de alternativas de ação abertas aos indivíduos, certamente pode
postular sua limitação e, em termos lógicos, esperar que indivíduos compartilhem destinos
empregatícios no tempo, justamente porque as alternativas são limitadas e os limites não estão
aleatoriamente distribuídos, isto é, não são os mesmos para todos. Sobretudo, é possível esperar
que a heterogeneidade de determinantes micro e macro resulte em trajetórias ocupacionais tam-
bém heterogêneas, porém compartilhadas por grupos inteiros de pessoas.
Para melhor nos aproximarmos deste leque de possibilidades alternativas é que fixamos,
tornando constantes, alguns elementos que podem operar como possíveis fatores de convergência
das experiências individuais, por funcionarem como estruturantes de trajetórias agregadas. Nesse
sentido, interpelamos as informações disponíveis com a seguinte indagação básica: qual o curso da
mobilidade no mercado de trabalho de indivíduos que tinham em comum algumas experiências de
partida, tais como:
(i) tinham sido, todos eles, ocupantes de postos formais, protegidos, no mercado de traba-
lho, estando empregados num mesmo setor (automobilística ou químico-petroquímica);
(ii) num mesmo ano (1989), vivem uma experiência comum: a perda dos seus empregos e a
necessidade de voltar a competir, num mesmo mercado regional de trabalho, por uma
nova ocupação registrada, no exato momento em que se intensificam as transformações
nos seus setores de origem em direção a um padrão sistêmico de reestruturação industri-
al, com efeitos (tal como indicamos acima) devastadores sobre os postos de trabalho.
Nesse sentido, nosso interrogante seria: quais foram os destinos empregatícios dessa coorte
de indivíduos, que tem em comum a vivência de uma mesma experiência, qual seja, a de terem sido
demitidos, de um mesmo setor, num mesmo ano? Observados durante sucessivos anos, quem,
quando e onde logra retornar ao trabalho registrado?
Assim formulada a pergunta, a nossa análise sobre trajetórias agregadas passa a ter no con-
ceito de coorte, e não de indivíduo, a sua unidade operacional. Acompanhando os que partilham
este mesmo fato fundador (a experiência da demissão, de um mesmo setor, num mesmo ano),
podemos avançar no esforço por desvendar os efeitos deste padrão sistêmico de reestruturação
produtiva sobre as oportunidades ocupacionais dos indivíduos atingidos pelo intenso encolhimento
de postos de trabalho nas cadeias e nos tecidos produtivos (uma das características marcantes deste
45
processo).
45. Certamente, persiste um limite na análise, tal como formulada até aqui a partir dos dados longitudinais RAIS-
CAGED, ela é cega com respeito a uma dimensão sociológica de todo relevante: como se constrói, do ponto de vista
do indivíduo, uma trajetória. Se o curso é estruturado, a partir de possibilidades restritas, que fazem confluir desti-
nos pessoais para padrões de trajetórias agregadas, isto não elimina o fato de que o indivíduo, sim, faz escolhas,
mobiliza recursos dos seus meios/redes/capitais sociais e é o agente que transforma possibilidades estruturadas em
cursos efetivos. Para melhor estuda-lo, nosso programa de pesquisa, envolve fases futuras de aproximação sucessiva
com um estudo amostral que mapeia redes, recursos (além de completar, como dissemos, a construção de trajetórias)
e um ciclo de entrevistas qualitativas em profundidade com grupos de indivíduos em situações tipo (Demazière et al,
2000)
Convênio Cebrap/Finep 62
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Visualizando o que se passa no conjunto da indústria – até mesmo para termos a possibilida-
de de melhor situar os percursos de demitidos nos setores que nos interessam, vemos que, ano após
ano, entre 1989 e 1997, o destino mais provável dos que perderam seus empregos em 1989 foi o de
46
se encontrarem for a do mercado dos empregos registrados.
Em média, nesta coorte de trabalhadores industriais demitidos em 1989, nada menos que
41% jamais lograram constituir outro vínculo formal nos 8 anos subseqüentes de trabalho; para os
homens esta proporção se reduz para 38% , enquanto que, para as mulheres, ela se eleva para
48% . Ou seja, cerca de 4 em cada 10 homens e 5 em cada 10 mulheres estariam expulsos do
circuito relativamente mais protegido do mercado de trabalho, onde espera-se que estejam locali-
zados os empregos registrados e protegidos pela legislação em vigor.
Gráfico 3
Brasil – Demitidos da Indústria em 1989
100%
90%
80%
Outras atividades
70%
Comércio
Serviços
60%
Outras Inds.
Têxteis
(%)
50%
Químicas
Tradicionais
40%
Outras metalúrgicas
Material de transporte
30%
Fora do sistema
20%
10%
0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano
46. Estes dados resultam da primeira das bases experimentais que utilizaremos aqui – a RAISMIGRA. Na forma em que
foi gerada, ela RAISMIGRA acompanha cada um dos trabalhadores que compõem uma mesma coorte de demitidos,
checando, inicialmente em cada um dos anos subseqüentes à demissão, se ele aparece nos registros de empregados
efetuados pelas firmas na data de referência (31 de dezembro de cada ano); caso o indivíduo não apareça emprega-
do nessa data, todos os registros de movimentação anual feitos pelas empresas são revisados de modo a neles
localizar o vínculo (se houver) de maior duração em que esteve registrado este trabalhador. Desse modo, cada
indivíduo pode ter, no máximo, o registro de um vínculo por ano; esta arquitetura supõe, por isso mesmo, que a
mobilidade intra-ano pode ser considerada de pouca expressão. Para testar a validade dessa suposição, foram
produzidas, com apoio da DATAMEC, três outras pequenas bases, também experimentais, referidas, cada uma
delas, a trabalhadores metalúrgicos de S.Paulo, químicos da Bahia e têxteis do Rio de Janeiro, para as quais foram
recuperados todos os episódios registrados de mobilidade individual, aí incluídos os empregados e desempregados.
Utilizaremos uma destas bases (aquela construída para estimar mobilidade de metalúrgicos paulistas) na seção
seguinte da nossa análise. O manejo simultâneo de ambas as bases evidencia que, embora distintas em sua arquitetura
são comparáveis em seus resultados.
Convênio Cebrap/Finep 63
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
A indústria automobilística
O gráfico 4, utilizando a segunda das nossas bases experimentais, retrata as probabilidades
de sobrevivência setorial, até o ano de 1995, dos indivíduos que tiveram, em algum momento de
1989, qualquer vínculo empregatício formal no setor de material de transportes na Grande São
Paulo. A cada mês estes indivíduos são novamente observados. As variações mensais referem-se a
proporções dos mesmos indivíduos que, com o tempo, migraram de um setor a outro, ou que
migraram para fora do sistema RAIS de informações, ou que permaneceram no setor de material
de transportes. Não há como saber que proporção dos que saíram do sistema estava desemprega-
da, ou com algum emprego informal (sem carteira assinada), ou empregada por conta própria.
Mas veremos que a simples exclusão do setor formal traz conseqüências de monta para esses
trabalhadores.
Assim, 82% das pessoas que tiveram algum vínculo formal no setor de material de transportes
durante o ano de 1989 ainda estavam empregados ali em dezembro deste ano. Encontrávamos 2,3%
em outras indústrias metalúrgicas, enquanto 11% estavam fora do sistema RAIS e os demais se
47
distribuíam pelos outros setores econômicos . Ao final do período (dezembro de 1995), apenas 32%
das mesmas pessoas continuavam empregados no setor de material de transportes; 6,5% tinham
migrado para outras metalúrgicas e outro tanto encontrara emprego em outras atividades. O fato
realmente notável, porém, é que quase metade, ou mais de 47%, tinham sido expulsos não apenas do
segmento metalúrgico de transportes, mas do setor formal como um todo.
Dois comentários iniciais são necessários aqui. Em primeiro lugar, os setores de serviços e
comércio demonstraram capacidade residual de absorção dos que perderam o emprego nas indús-
trias de material de transportes ao longo do período. Se o primeiro viu sua participação no empre-
go total crescer 9,7%, e se o comércio cresceu 11% (segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do
IBGE), apesar disto o comércio esteve virtualmente fechado aos egressos daquelas indústrias (2,6%
48
ao final do período) e os serviços, ao menos em termos do emprego formal e em que pese sua
agregação com “outras atividades” por problemas de codificação (discutidos no anexo estatístico
e metodológico), absorveram menos de 10% dos migrantes.
Em segundo lugar, o setor de material de transportes no Estado de São Paulo é estrutural-
mente predatório em relação à sua força de trabalho, em especial o subsetor de autopeças (res-
ponsável pelo maior volume de emprego no início do período), mas também o segmento montador.
É isto que as proporções de expulsão do setor formal (47% de todos os trabalhadores que passaram
pelo setor em 1989) e do setor de material de transportes em particular (70% dos que tiveram
algum vínculo ali em 1989) expressam.
47. Ver Cardoso (2000, no prelo) para detalhes metodológicos com respeito à composição dos setores.
48. É preciso assinalar que, ainda com base na PME-SP, o emprego assalariado formal cresceu mais do que o emprego
assalariado sem carteira, tanto no comércio quanto nos serviços: 15,4% contra 3,3% neste último caso, e 18,6%
contra 8,7% no primeiro. Por outras palavras, a grande maioria do emprego assalariado criado nos serviços e no
comércio entre 1989 e 1995 era formal. A taxa de crescimento do emprego assalariado formal superou também a
do emprego por contra própria, que nos serviços cresceu 13% e, no comércio, 12,6%.
Convênio Cebrap/Finep 64
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Gráfico 4
Trajetórias intersetoriais dos trabalhadores empregados nas indústrias
de material de transportes em 1989
Estado de São Paulo, 1989-1995
100%
Se rviços/outras
Comé rcio
Tra d ic io na i s Out ra s ind ús t ria s
Q uí mic a
80% O u t r. m e t a lú rg ic a s
Fora do sistema
60%
Autope ças
20%
Montadoras
0%
Uma leitura apressada, ainda que informada pela literatura existente e pelas hipóteses
centrais que guiam esta análise, poderia levar o analista a atribuir a “predação” da força de traba-
lho apenas, ou principalmente, ao processo de reestruturação produtiva, nos moldes da reconversão
tecnológica aludida na introdução, característica de revoluções industriais. Mas há evidências mui-
to fortes de que isto é apenas parte da história, talvez a menor parte. Ora, segundo a RAIS, em
dezembro de 1995 havia 32% menos empregos formais no segmento de material de transportes
de São Paulo do que em dezembro de 1989 isto é, foram fechados pouco mais de 113 mil postos
formais de trabalho. Este dado contrasta fortemente com a constatação, já adiantada, de que
quase 70% dos trabalhadores, ou mais de 250 mil pessoas do total de 383 mil que tiveram algum
vínculo formal no setor em 1989, perderam seus empregos no período, ao passo que metade, ou
mais de 190 mil pessoas, foi excluída do setor formal. Por outras palavras, os postos de trabalho
fechados no setor não explicam a expulsão dos enormes contingentes de trabalhadores que acabo
de assinalar.
É conhecido de todos a elevada magnitude das taxas de rotatividade no Brasil, certamente
dentre as mais altas do mundo, montando a 37%, em média, desde 1986 até 1995 (Cardoso,
1997; Amadeo e Camargo, 1996; Cacciamali e Pires, 1996; Montagner e Brandão, 1996; Macedo e
Chahad, 1986). Este é um aspecto saliente do uso predatório da força de trabalho na economia
brasileira, fortemente associado aos baixos salários (Baltar e Proni, 1996). Mas nas indústrias de
material de transportes a rotatividade tem sido, em média, inferior a 20% desde 1986 e cadente na
Convênio Cebrap/Finep 65
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
década de 1990, como vimos antes. Bem menor do que a encontrada no país, pois. Foi com base
nesta informação que vários autores foram levados a suspeitar que a reestruturação produtiva calcada
em métodos japoneses de gestão estava contribuindo para reduzir o uso predatório da força de
trabalho no setor, em especial nas montadoras (Cardoso, 1995; Arbix, 1996).
Tal suspeita tinha forte componente de wishfull thinking. Esta taxa de rotatividade esconde
49
algo que não se sabia e que os dados analisados aqui ajudam a aclarar , isto é, que os trabalhadores
de indústrias de material de transportes que perdem seus empregos dificilmente conseguem voltar
ao setor ou mesmo ao segmento formal da economia. O desemprego significa, para a maioria deles,
a exclusão do mundo dos empregos registrados e legalmente protegidos, tal como medido pela
RAIS. A partir de 1989, o setor como um todo sangra mês a mês, vertendo trabalhadores rumo a
outros setores e, principalmente, aos mares revoltos da informalidade ou do desemprego à
impressionante taxa média mensal de 0,73 pontos percentuais. Isto significa que, até janeiro de
1999, provavelmente todos os trabalhadores contratados 10 anos antes terão perdido seu emprego
e migrado para fora da economia formal ou para setores menos estruturados do que o industrial.
Em suma, a maior parte perderá o emprego no curso de 7 anos, e parte substancial dos que
perderem não retornará a outro emprego formal no mesmo período, sobretudo os demitidos das
montadoras. Uma das hipóteses originais de trabalho se confirma, então, com um adendo surpre-
endente: não apenas há um virtual fechamento do setor industrial aos egressos do segmento de
ponta da indústria de material de transportes (montadoras), como ainda é baixa sua taxa de retor-
no a um emprego formal qualquer. A reduzida rotatividade setorial (inferior a 20% ao ano, em
média desde 1989) e a perda de perto de 110 mil postos de trabalho não permitiriam prever estas
trajetórias excludentes, cujas conseqüências não devem ser desprezadas, seja na análise econômica
da dinâmica do mercado de trabalho, seja na análise sociológica dos destinos empregatícios dos
indivíduos. Antes de passar a elas, vejamos as probabilidades condicionais de migração intersetorial
deste contingente de trabalhadores.
Em todo o Estado de São Paulo, pouco mais de 383 mil indivíduos passaram pelo setor de
material de transportes no ano de 1989. Note-se que não se trata de 383 mil indivíduos emprega-
dos todo o ano, mas sim de 383 mil indivíduos que, em algum momento, tiveram um vínculo
formal qualquer ali em 1989. Pouco mais de 23% dos trabalhadores demitidos do setor encontra-
ram algum emprego formal, principalmente em outras metalúrgicas (6,5% em dezembro de 1995)
e em outras atividades (8%). E entre a permanência no mesmo emprego por todo o período e a
expulsão do setor formal, há várias possibilidades de migração inter e intra-setorial. No que se segue
50
analisamos apenas as três mais importantes em termos do destino migratório dos demitidos.
49. Outro achado nesta mesma direção, tomando os demitidos da indústria de transformação em todo o país, pode ser
encontrado em Caruso e Pero (1997).
50. Para investigar estas possibilidades, do universo total de empregados em 1989, sorteou-se uma amostra aleatória de
5% (destinada unicamente a facilitar a manipulação em microcomputador, depois projetada para a população) que
foi submetida a um algoritmo de classificação das trajetórias individuais apenas recentemente desenvolvido por
estudiosos do mercado de trabalho (Degenne, Lebeaux e Mounier, 1996). Este algoritmo, embora complexo em
Convênio Cebrap/Finep 66
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
A Classe 1, maior entre as geradas pela análise estatística, agrega 1/3 da população e,
nitidamente, retrata trajetórias de exclusão não apenas do segmento de material de transportes,
mas também do setor formal da economia como um todo. Já ao final de 1991, 60% estavam fora
do sistema RAIS, percentual que chegou a quase 90% em janeiro de 1993, voltando à casa dos
80% ao final do período. Uma pequena proporção conseguiu emprego em outros setores da
economia, tendo como destino mais comum a própria indústria, se bem que quase 9% tinham
encontrado emprego no setor de serviços e em outras atividades não industriais em 1995.
É interessante assinalar que, em média, estes trabalhadores tiveram 2,5 vínculos formais no
período. Mas a média esconde o fato relevante de que 44% dos membros da classe tiveram não
mais do que um vínculo empregatício formal. Apenas pouco mais de 21% tiveram dois vínculos, e
36% mais de 2. Isto quer dizer que, de forma geral, uma vez demitido o trabalhador, seu destino
mais provável é a exclusão do setor formal. Mas caso encontre outro emprego, o indivíduo terá
mais chances de ser demitido do que permanecer ali, isto é, os que conseguem permanecer for-
malmente empregados transitam muito entre os empregos. Quase metade dos indivíduos desta
classe que tinham conseguido sobrevir no mercado formal de trabalho em 1995 tiveram 4 ou mais
vínculos empregatícios de 1989 até ali.
Montadoras
20%
0%
seus pressupostos, é simples quanto aos procedimentos e tem dupla natureza. Primeiro, as 84 variáveis que com-
põem a base de dados, correspondentes ao ramo de atividade de lotação dos indivíduos nos meses em que foram
observados entre 1989 e 1995 (sendo cada mês uma variável), foram submetidas a uma análise fatorial de corres-
pondência múltipla, com objetivo de encontrar recorrências nas seqüências de eventos (Ver tb. Barbary, 1996).
Foram selecionados 10 eixos fatoriais e os indivíduos neste espaço foram submetidos, na segunda etapa, a procedi-
mentos de classificação hierárquica arborescente (do tipo cluster analysis). O procedimento estatístico encontra
correspondência nas expectativas teóricas já aludidas na introdução, e de fato foi capaz de agregar seqüências de
eventos de forma significativa, gerando classes ou padrões de trajetória de grande interesses descritivo e analítico.
Convênio Cebrap/Finep 67
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Avaliando os indicadores para o primeiro vínculo formal nas indústrias de material de trans-
portes em 1989, descobrimos que, ainda que o tempo médio de permanência no emprego fosse
de mais de 56 meses, a maioria estava há menos de 40 meses empregado no momento da demis-
são. Do total, apenas 8% tinham mais de 50 anos de idade em 1989, o que os credenciava à
aposentadoria. Isso permite afirmar compor-se esta classe de indivíduos ainda em idade ativa que,
com o passar do tempo, foram perdendo em curto espaço de tempo poder de barganha no mer-
cado formal de trabalho, tornando cada vez menos provável um novo emprego ou, nas poucas
vezes em que o conseguiram, isto se deu fora do setor de material de transportes.
51
Os demitidos eram egressos igualmente de empresas grandes e “pequenas” , padrão pouco
usual nas demais classes, que tendem a concentrar trabalhadores em um ou outro tipo de empre-
sa. Em termos típicos, os membros desta classe tinham, em sua maioria, 30 anos ou mais de idade,
escolaridade inferior à 8ª série, e 57% deles recebiam salários abaixo da mediana. Ademais, eram
em sua maioria homens, mas a participação do sexo feminino era superior a todas as outras classes
e também à média da população analisada. A distribuição geográfica correspondia, grosso modo,
à distribuição global, e chama a atenção o fato de que o perfil ocupacional era rigorosamente
equivalente ao da população total analisada. Finalmente, trata-se em sua maioria de operários que,
no início, tiveram ocupação típica da indústria metalúrgica.
As informações disponíveis, em especial a comparação com as outras classes, não permi-
tem construir explicações seguras sobre as razões da exclusão deste contingente de trabalhadores
do setor formal da economia. Mas se tomarmos as classes 2 a 3 como parâmetro, aquelas que
agrupam pessoas que tiveram trajetórias “virtuosas”, encontrando emprego em setores não-
metalúrgicos no correr do tempo, saltam aos olhos a renda superior dos membros da classe 1 no
primeiro vínculo, a idade mais elevada, maior presença de trabalhadores do segmento montador e,
consequentemente, de empresas com 1000 empregados ou mais, e o maior tempo de emprego
no vínculo inicial. Em média tinham estado empregados por 4,6 anos ou mais em 1989. Eram
trabalhadores, no mínimo, especializados, senhores de um saber prático adquirido na lida cotidia-
na extensa temporalmente, ao menos comparativamente às classes 2 a 3. Tudo isto sugere ser esta
classe composta, ao menos em parte, por trabalhadores tornados redundantes em face da
reestruturação produtiva e como tal foi designada aqui. O curioso, e que merece ser marcado, é
que o tempo no emprego anterior parece estar contribuindo para limitar as possibilidade de acesso
destes trabalhadores a outros postos de trabalho, uma vez demitidos. Voltaremos a isto daqui a
pouco.
Embora a transição para fora do setor formal da economia seja o caminho mais provável dos
que perdem seus empregos, já vimos que parte importante volta a ele, quase sempre em outro setor
que não o de material de transportes. As classes 2 e 3 retratam parte destes indivíduos, isto é, dos
que lograram trajetórias “virtuosas” do ponto de vista do emprego formal. Cabem algumas
51. Ao menos para os padrões do setor, onde ter menos de 1000 empregados já retira a empresa do rol das considera-
das de grande porte.
Convênio Cebrap/Finep 68
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
observações mais gerais sobre este contingente de trabalhadores. Em primeiro lugar, estas classes,
não obstante a diversidade de destinos, apresentam grande semelhança nos padrões de migração,
em termos da seqüência de saída de um e entrada em outro setor. Em segundo lugar, nos dois
casos 60% dos demitidos tiveram 4 vínculos ou mais no correr da trajetória, indicando altas taxas
de rotatividade. Há re-emprego, mas o novo vínculo quase nunca é estável. Em terceiro lugar,
repare na curva do segmento “fora do sistema” nestas duas classes. Sua participação não é nunca
inferior a 20%. Os anos de recessão de 1990 a 1992 apresentam as maiores taxas de exclusão do
setor formal, com os trabalhadores retornando gradativamente ao sistema RAIS a partir de então
até o final de 1994, para uma vez mais voltarem a ser demitidos durante o ano de 1995. Os novos
vínculos são sempre precários, pois. Por último, o timing de exclusão do setor de material de
transportes é muito semelhante, com a crise de 1990-1992 representando claro divisor de águas
excludente. Entretanto, embora os trabalhadores rodem muito entre os empregos, em cada classe
há uma certa estabilidade da “opção” setorial de destino, uma vez ocorrida a exclusão das indús-
trias de material de transportes. Nitidamente, os trabalhadores mudaram de ramo da economia, e
transitam muito entre empregos no novo ramo.
100%
Se rviços
80%
O utr. mat. transporte C omé rcio
60%
Autope ças
40%
Montadoras
20% Fora do siste ma
0%
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
As semelhanças não param por aí. As características demográficas dos trabalhadores eram
muito próximas, de um modo geral. As empresas de origem eram em sua maioria “pequenas”.
Porcentagem expressiva (60% ou mais) estava empregada há menos tempo que a mediana (40
meses). As mulheres estavam em maior proporção do que a média da população. Em torno de 1/3
dos indivíduos teve seu primeiro emprego na cidade de São Paulo. Em torno de 1/3 tinha sido
admitido no setor de material de transportes no próprio ano de 1989. Logo, eram “neófitos” no
setor. De maneira correlata, a participação de jovens (com 29 anos ou menos) era expressivamente
superior às outras classes. E as taxas de participação de operários em ocupações típicas da indústria
metalúrgica era menores, sendo maior a participação de outras ocupações de produção.
80%
O utr. m at. transporte
Se rvi ços
60%
Autope ças
40%
Montadoras
20%
Fora do siste ma
0%
Cerca de 40% dos migrantes para o comércio e 43%% dos migrantes para os serviços
tinham mais do que 8 anos de estudo (contra menos de 30% dos migrantes para outras indústrias,
não retratados aqui). Migrar para o terciário, ademais, tem sua probabilidade aumentada se o
trabalhador exercia profissões não tipicamente operárias. As ocupações de escritório tinham nes-
tas classes 2 e 3 sua maior participação relativa, 19% e 14%, respectivamente, assim como era
menor a incidência de ocupações tipicamente metalúrgicas do que qualquer outra classe. Finalmen-
te, as montadoras estavam presentes em maior proporção nestas duas classes do que nas demais.
Migrar para o terciário uma vez perdido o emprego, pois, parece mais provável se o trabalhador é
mais escolarizado, menos tipicamente metalúrgico e mais jovem, enquanto a migração para outro
Convênio Cebrap/Finep 70
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
setor industrial é mais comum entre trabalhadores com identidade mais nitidamente operária,
provenientes de empresas maiores e com pouco tempo de emprego.
Olhando mais detidamente os que migraram para o setor de serviços (Classe 3), nota-se que
eles eram, em média, um pouco melhor remunerados do que os demais no início, estavam no
emprego há um pouco mais de tempo e provinham de empresas um pouco maiores, além de
serem mais escolarizados do que os membros das outras classes. Tinham, no início e em termos
médios, melhor qualidade de emprego do que os demais, em especial os que migraram para o
comércio. E ao menos se medida em termos de renda, a migração para os serviços preservou a
qualidade do emprego destes trabalhadores por comparação com os demais. A relação entre a
52
renda da Classe 5 e da Classe 4 em 1989 era de 1,08, mantida idêntica em 1995 (Tabela 2) . Em
relação à Classe 3, era de 1,09 e 1,34 respectivamente, ganho relativo substancial, superior ao
conseguido por comparação com a Classe 2, cuja relação foi de 1,17 em 1989 e 1,28 em 1995. Por
outras palavras, trajetórias migratórias que redundam em empregos nos serviços, ainda que precá-
rios devido às altas taxas de rotatividade, expressas na grande quantidade de vínculos mantidos
pelos indivíduos no tempo, permitem aos trabalhadores que as vivenciam manter sua posição
relativa favorável por comparação com as trajetórias migratórias para o comércio, para outras
indústrias ou para indústrias tradicionais. Trata-se de trajetórias “virtuosas” deste ponto de vista.
Tabela 2 2:
Relação entre renda real no início e no fim da trajetória (1989-1995)
Classes
Indicadores de renda 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Renda média em 1989 (*) 548,67 458,43 492,68 496,29 539,06 641,70 592,77 606,11 707,84
Desvio padrão 543,17 432,60 482,01 575,22 578,99 600,53 504,34 538,13 477,72
Renda média em 1995 (*) 619,53 746,08 717,31 882,92 957,67 1124,33 1353,30 1367,26 2005,10
Desvio padrão 592,76 751,77 597,07 778,26 1137,32 965,96 1026,90 1121,35 1258,29
1995/1989 1,13 1,63 1,46 1,78 1,78 1,75 2,28 2,26 2,83
Fonte: RAIS/MTb-Codefat
1 53
(*) Em dólares de outubro de 1966.
Três comentários são essenciais aqui. Em primeiro lugar, as três classes de trajetória
excludente do setor de material de transportes, sem exceção, têm em comum um tempo menor de
experiência no emprego no início do período, se comparadas às classes de trajetória dos que per-
maneceram em seus empregos (não analisadas aqui). O tempo de emprego deve ser tomado como
medida da qualificação dos indivíduos, pelo que ele implica em termos de possibilidade de aprimo-
52. Para se chegar a estes valores, basta dividir a renda da Classe 5 em 1989 pela da Classe 4 no mesmo ano, obtendo-
se a primeira relação. Faz-se o mesmo para 1995 e comparam-se as duas proporções. A diferença entre as propor-
ções representa o ganho relativo de uma classe em comparação com a outra.
53. A renda média foi calculada tomando-se o valor médio em número de salários mínimos, multiplicado pelo valor
médio real do salário mínimo em dólares de agosto de 1996. Trata-se de aproximação grosseira à renda real, mas
suficiente para comparações entre estratos num mesmo ano.
Convênio Cebrap/Finep 71
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
A indústria químico-petroquímica
Utilizando, como contraponto, os achados iniciais que reunimos com respeito à mobilidade
dos trabalhadores da indústria químico-petroquímica, ilustramos como a mobilidade de demitidos,
no mesmo momento, pode produzir destinos empregatícios razoavelmente distintos se o setor de
expulsão se inserta num tecido menos complexo em termos de classes de atividade industrial, e
num mercado onde o trabalho não-registrado já dispunha de um peso particularmente significativo.
54. De fato, do ponto de vista destas, manter o trabalhador no posto de trabalho significa investimento em recursos
humanos, gasto efetivo de “capital” na forma de qualificação do trabalhador para a tarefa e para a cultura empre-
sarial. Por conseqüência, demitir tem o sentido oposto, de perda de capital, algo tanto mais importante quanto
maior o tempo de emprego. Ademais, os custos de demissão crescem na proporção direta do tempo que o trabalha-
dor permanece empregado, em razão da multa de 40% sobre o FGTS e das possíveis conquistas sindicais em favor
de um trabalhador há muito empregado, na forma de prêmios de demissão. Há, pois, fortes incentivos para que as
empresas o retenham, de sorte que a probabilidade de demissão é inversamente proporcional ao tempo de empre-
go. Já do ponto de vista do trabalhador, a manutenção do emprego é um interesse em si mesmo em situação de
mercado de trabalho instável, como o mercado automobilístico nos anos 1990. Como discutido em outro lugar
(Cardoso, 1997), é muito pouco provável que um trabalhador se submeta voluntariamente às incertezas deste
mercado, em razão do risco de não se encontrar outro emprego e do caráter precário do emprego informal.
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
100%
90%
80%
50%
Química Moderna
Química Tradicional
40% Tradicionais
Outras metalúrgicas
30% Material de transporte
Fora do sistema
20%
10%
0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano
55. Feita nas mesmas bases do que se descreve na nota 18 acima, associando análise fatorial de correspondência e
análise de clusters.
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
100%
90%
80%
50%
Química Moderna
Química Tradicional
40%
Tradicionais
Outras metalúrgicas
30%
Material de transporte
Fora do sistema
20%
10%
0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano
100%
90%
80%
20%
10%
0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
100%
90%
80%
50%
Química Moderna
Química Tradicional
40% Tradicionais
Outras metalúrgicas
30% Material de transporte
Fora do sistema
20%
10%
0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano
Já no Gráfico que resume o terceiro destino possível dos demitidos, novamente encontra-
mos a clara dominância de uma possibilidade – a re-inserção na própria indústria química moder-
na. Esta é, sem dúvida, a trajetória virtuosa, dentre aquelas que se abrem aos demitidos, em termos
de re-inserção ocupacional. Virtuosa porque, muito provavelmente, neste caso, a re-inserção deva
preservar o capital de qualificação acumulado pelo trabalhador quando do seu vínculo anterior;
isto é provável, vez que ele consegue se manter naquele mesmo circuito do mercado de trabalho.
Certamente, não podemos dizer se, ao retornar, ele preserva os ganhos que tinha no emprego
anterior; pode ser plausível acreditar que muito provavelmente não, mas – na ausência dos dados
sobre salários (ainda não trabalhados até a fase atual da pesquisa), é temerário afirma-lo de modo
taxativo. Sabemos, pela literatura disponível, que a mobilidade inter-setorial tende a importar em
Convênio Cebrap/Finep 75
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
perdas maiores tanto mais quanto maior a distinção entre setor de origem e setor de destino (Pero,
2000). Assim, poderíamos hipotetizar que, havendo perda salarial, ela tende a ser menor que aquela
que se passaria no caso dos que têm o destino expresso na Classe 2, por exemplo. Mas, um outro
aspecto chama a atenção, neste caso: a relativa insignificância numérica deste destino virtuoso, que
atinge apenas 10% dos casos dos demitidos. Destaca-se que tal insignificância é ainda maior no
caso da indústria químico-petroquímica que no caso da automobilística, antes descrito. E, acreditamos,
não por acaso. Na moderna química baiana, a homogeneidade intra-setorial é mais nítida dado o
caráter mais sistêmico das mudanças ao interior da cadeia produtiva das empresas de primeira a
terceira geração do Pólo de Camaçari.
Grau de Instrução
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Fora do sistema Serviços Química moderna
IGNORADO 0,2% 0,3% 0,0%
3 GR COMPL 11,4% 9,4% 22,7%
2 GR COMPL 33,6% 33,7% 51,4%
1 GR COMPL 19,8% 21,0% 11,6%
SEM 1 GR COMPL 35,0% 35,6% 14,4%
Em termos de perfil, os gráficos que apresentamos nesta parte final parecem conter algu-
mas observações interessantes. Parece claro que as chances maiores de exclusão estão abertas
para aqueles com menor capital escolar (observe-se que este é um setor com elevado requerimen-
to de escolaridade de ingresso, muito maior que a média do mercado local). No pólo oposto do
argumento, a re-inserção na química moderna é mais plausível para os que têm mais elevado capital
escolar (70% deles possuem ao menos segundo grau completo).
Convênio Cebrap/Finep 76
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Tamanho do Estabelimento
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Fora do sistema Serviços Química moderna
500 OU MAIS 34,0% 25,5% 37,3%
DE 250 A 499 15,5% 18,4% 19,0%
DE 50 A 249 26,2% 36,4% 34,0%
ATE 49 24,4% 19,7% 9,7%
Faixa Etária
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Fora do sistema Serviços Química Moderna
65 OU MAIS 0,9% 0,1% 0,0%
50 A 64 10,6% 2,3% 3,7%
40 A 49 18,1% 13,1% 13,0%
30 A 39 38,4% 40,0% 41,9%
25 A 29 18,1% 24,6% 25,7%
18 A 24 13,0% 19,4% 15,5%
15 A 17 0,3% 0,1% 0,2%
10 A 14 0,0% 0,0% 0,0%
Convênio Cebrap/Finep 77
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Tempo de Vínculo
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Fora do sistema Serviços Química Moderna
25 ou mais 57,9% 43,6% 57,4%
19 a 24 5,7% 7,2% 8,8%
13 a 18 7,2% 9,1% 7,9%
7 a 12 10,5% 16,1% 12,5%
4a6 8,5% 10,8% 5,3%
até 3 10,2% 13,1% 8,1%
Conclusão
A análise comprova a hipótese central que a orientou: a perda do emprego numa indústria
de material de transportes é garantia de exclusão do setor para mais de 80% dos trabalhadores
migrantes que passaram por ali em 1989. Isto sugere que as demissões estarão refletindo, no nível
mais agregado, os movimentos de reestruturação sistêmica em curso no complexo automobilístico
analisada antes. Entretanto, a destruição de postos de trabalho no período (em torno de 25% em
todo o estado de São Paulo) é insuficiente para dar conta do fato de que quase 70% da força de
trabalho foi demitida entre uma ponta e outra da janela temporal avaliada. Ao que parece, há algo
mais do que reestruturação produtiva em jogo.
Dizendo de uma vez, o trabalho industrial no setor de material de transportes, com exceção
do núcleo duro das montadoras de automóveis, das empresas de autopeças e de parte dos demais
segmentos, é efêmero, um ponto de passagem, uma situação transitiva para um vasto contingente
de trabalhadores que, a rigor, não tem sequer tempo para consolidar uma profissão. Este aspecto
é essencial e requer alguns comentários adicionais:
Convênio Cebrap/Finep 78
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
56. Valéria Pero chega a estes resultados com base na PME-SP. Ela demonstra que, dos mais de 25% de trabalhadores
industriais que migram para outros setores a cada ano entre 1989 e 1993, a grande maioria perde qualidade de
emprego, medida em termos da renda. No caso da migração para os serviços pessoais a perda chega a mais de 30%
de um ano a outro.
Convênio Cebrap/Finep 79
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Convênio Cebrap/Finep 80
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
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Convênio Cebrap/Finep 84
CAPÍTULO 4
57. Um recente exemplo deste tipo de reflexão, que mobiliza uma equipe interinstitucional de pesquisa Cebrap-Iuperj,
pode ser encontrado em Cardoso (2000).
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Com base nas informações longitudinais sobre os nove anos de mobilidade intersetorial
desses trabalhadores e trabalhadoras, procurarei discutir, na parte final deste texto, como os
diferenciais de gênero se manifestam (i) em setores da indústria sujeitos a distintos padrões (mais ou
menos sistêmicos) e variada intensidade de reestruturação (comparando automotriz e química) e (ii)
em mercados regionais de trabalho com estrutura diversa (comparando São Paulo e Bahia). O interesse
básico está em melhor conhecer os percursos - as trajetórias - dessa mobilidade. Para tanto, um
cardápio de indagações se destaca. Como se dão estes percursos, isto é, que se pode dizer do
destino dos trabalhadores industriais que perderam seus empregos, no Brasil, no alvorecer do processo
de reestruturação dos anos 90? Há variantes de gênero? Esses percursos se diferenciam conforme
o setor (sua mixidade e a natureza da reestruturação)? Diferenciam-se conforme o tipo de mercado
regional de trabalho (mais ou menos formalizado) onde a busca de emprego se faz?
O que aqui apresento são primeiros resultados em um longo programa de investigação,
ainda em curso. Com ele, se pretende abordar alguns fenômenos inquietantes, retomando a tradi-
ção dos estudos da mobilidade ocupacional no âmbito da Sociologia do Trabalho no Brasil. Ao
mesmo tempo, procura-se testar novas metodologias de abordagem, que parecem inovadoras,
especialmente pela possibilidade de reintroduzir-se o tempo como um dos elementos constitutivos
58
do desenho de pesquisa, em análises de cunho propriamente longitudinal.
58. Convém ressaltar, com Camargo (1998), que, após os primeiros meses de estabilização (mais exatamente entre
julho de 1994 e março de 1995) ocorreu um aumento não-desprezível do nível de emprego industrial, associado ao
crescimento do produto industrial, expressão de uma demanda que crescia por efeitos da própria estabilização.
Entretanto, a partir de então teve lugar uma persistente redução do nível de emprego industrial, em todas as regiões
metropolitanas brasileiras, que não se reverteu, repito, sequer com a retomada do crescimento da economia, verificada
em 1995-6. Naquele momento, os ganhos de produtividade do trabalho anularam a possibilidade de crescimento
da ocupação. Simultaneamente, entretanto, a produtividade mostrou aumento de 60 pontos percentuais, mais da
metade dos quais após o mesmo Plano (Ramos e Reis, 1997).
Convênio Cebrap/Finep 86
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
59. Os primeiros sinais dessas transformações já haviam sido detectados, no final dos anos 1970, por Fleury e Vargas
(1983). Eles adquirem maior nitidez nos anos 1980 e aprofundam-se nos 90, como mostram os estudos de Carvalho
(1987), Le Ven e Neves (1985), Peliano (et al, 1988), Abramo (1990), Castro (1994 e 1995), Castro e Leite (1994),
Leite (1994), Posthuma (1994), Hirata (1994), Valle (1995), Cardoso (1997), Arbix e Zilbovicius (1997), dentre
muitos outros.
60. Mais recentemente, um estudo de fôlego (Bielschowsky et al, 1999), procurou avaliar os efeitos da estabilização e
da abertura (num contexto de crescente privatização), sobre o comportamento dos investimentos privados,
notadamente na indústria. Seu resultado aponta para que, embora esses investimentos tivessem se elevado signifi-
cativamente, em especial se comparados com o desempenho medíocre da primeira parte da década, distam ainda
muito das médias alcançadas em décadas anteriores. Ao contrário, para os autores, esgotado o salto modernizante
centrado na reposição de equipamentos obsoletos (o que parece estar se configurando), tornam-se cada vez mais
graduais e de menor impacto os investimentos em reposição, redução de custos e desobstrução de “gargalos”.
Uma modernização vigorosa suporia novas unidades produtivas e novos produtos, o que tem estado ligado à
expansão do mercado interno (ou, quando muito do mercado regional, Mercosul), claramente contida pela atual
dinâmica macroeconômica, em especial no horizonte que se abre a partir das crises da segunda parte dos anos 90
(e das incertezas da integração regional no Mercosul).
Convênio Cebrap/Finep 87
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Predominantemente voltada para a renovação da gestão do trabalho, ela foi, pelo menos até
os primeiros anos da década dos anos 90, pouco efetiva no que concerne à renovação de
equipamentos (Valle, 1995). Além do mais, por ser parcimoniosa no esforço de reestruturação do
uso do trabalho, foi também seletiva na difusão dos novos métodos organizacionais, especialmen-
te aqueles que requeriam alterações de monta na organização do trabalho (Fleury e Humphrey,
1993). É verdade que, se comparados aos anos 80, eram surpreendentes os esforços de renovação
organizacional levados a termo no início dos 90, por mais que eles viessem a se afigurar parcimoniosos
61
vis-a-vis às inovações organizacionais dos anos mais recentes (Castro, 1995).
Ainda que tímida e pontualmente, a indústria brasileira passou a investir em novas tecnologias
de base micro-eletrônica, ao tempo em que redefinia os seus processos de organização e de gestão
do trabalho. Para alguns autores (como Bielschowsky et al, 1999), nos anos 90, tais investimentos
não configuraram mais que um mini-ciclo de modernizações, o qual se caracterizou pela pouca
aplicação de capitais em expansão de plantas ou em novas instalações, bem como pela grande
atenção à reposição de equipamentos obsoletos e redução de custos; essas iniciativas foram res-
ponsáveis pelos excelentes resultados em termos de rendimentos físicos e financeiros, os quais,
entretanto, não pareciam capazes de assegurar um ciclo mais robusto e de longo prazo. De qual-
quer sorte, essas inversões redundaram em uma alta produtividade do capital, em alguma amplia-
ção da competitividade internacional e nacional de certos produtos e em sensível aumento da
produtividade do trabalho. Todavia, elas implicaram igualmente em redução do nível de emprego
industrial.
Essa conjunção entre crescimento da produção, da produtividade e da competitividade
industriais, por um lado, e queda sistemática do emprego industrial, por outro, passou a se consti-
tuir num dos principais desafios aos estudiosos e aos policy-makers preocupados com o trabalho
no Brasil atual. Desafio tanto maior quando consideramos dois traços adicionais. Por um lado, o
encolhimento do emprego vem atingindo diferencialmente os grupos sociais. Vale dizer, a chama-
da “racionalização do trabalho” andou de braços com uma outra característica: a intensa seletividade
das políticas de pessoal. Tal enxugamento seletivo tem tido efeitos diversos entre segmentos soci-
ais, que se diferenciam não apenas por características aquisitivas - maior escolaridade e maior
experiência, por exemplo, mas também por características adscritas - como condição de gênero,
geracional e étnico-racial (Guimarães e Consoni, 2000).
Nesse processo, nem sempre as credenciais ligadas ao desempenho (como uma escolarização
mais elevada) se mostraram suficientes para proteger seus possuidores do efeito devastador, sobre
os seus postos de trabalho, da mudança micro-organizacional num contexto de ajuste macro-
61. O movimento de queda da fecundidade, que se prenunciara nos 60 e se intensificara a partir dos 70, continuou em
seu declínio nos anos 80 e primeira metade dos 90; assim, a taxa que alcançara 4.4 no início da década passada,
reduziu-se substancialmente, chegando a 2.5 em 1995. Esta tendência, aliada a um movimento de redução da
mortalidade e envelhecimento da população, bem como ao aumento do número de domicílios chefiados por mu-
lheres (21% em 1995, contra 15% em 1980) configura um novo perfil socio-demográfico dos grupos familiares no
Brasil, com claros efeitos sobre o ingresso de mulheres ao mercado de trabalho (Bruschini, 1998).
Convênio Cebrap/Finep 88
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
econômico. Recente análise da dinâmica do emprego nos dois mais importantes pólos da cadeia
químico-petroquímica brasileira, apontam, por exemplo, para o fato de que, conquanto mulheres
e jovens ali atuantes sejam sensivelmente mais escolarizados, foram eles os grupos mais atingidos
pela intensa queima de postos de trabalho que se verificou no segmento (Guimarães e Campos,
1999).
Ademais, é notável como a racionalização de custos amealha os seus ganhos às expensas
das novas qualidades adquiridas. Assim, nas ocupações em que tem tido lugar o movimento de
substituição de homens pouco escolarizados por mulheres com mais anos de estudo, observa-se o
pagamento de salários relativamente inferiores às novas trabalhadoras, mesmo sendo estas relati-
vamente mais instruídas (Lavinas, 1997; Guimarães e Consoni, 2000).
Este desafiante quadro, que se constitui pelo lado da oferta de postos de trabalho, torna-se
ainda mais intrigante quando o visualizamos pelo lado da oferta de trabalhadores. Isto porque, se
divisão social e intersetorial do trabalho parecem em redefinição, também a divisão sexual do
trabalho evidencia novos contornos. Um intenso ingresso feminino no mercado de trabalho se
62
destaca. Ele é correlato: (i) a mudanças importantes no comportamento demográfico , (ii) a
63
ganhos significativos de escolaridade feminina , (iii) a transformações na esfera valorativa, que
64
atualizam e redefinem papéis sociais de gênero .
Diante disto, uma indagação se impõe tanto à agenda acadêmica, quanto àquela dos policy
makers: como, num tal contexto, se redefinem as oportunidades para ingresso, qualificação, mobi-
lidade e retribuição do trabalho de grupos sociais cujos “capitais sociais de inclusão”, para dizê-lo
de algum modo, distinguem-se de modo significativo?
Alguns dados ilustrativos podem ser tomados das novas formas pelas quais as desigualda-
des de gênero se expressam, hoje, no mundo do trabalho. De fato, os recentes estudos de tipo
longitudinal sobre trajetórias dos trabalhadores industriais demitidos no pós-90, sugerem que as
estratégias empresariais de reestruturação fabril têm resultado em movimentos de migração
ocupacional que são importantes tanto pelo que revelam de mobilidade da força de trabalho da
indústria em direção aos serviços (Caruso e Pero, 1996; Pero, 1997; Caruso, Pero e Lima, 1997),
como pelo que documentam sobre os intensos processos de saída de trabalhadores, de duração
considerável e quem sabe definitiva, que batem em retirada não somente da indústria, mas do
62. Se é certo que tem crescido a escolaridade da população como um todo, paulatinamente e em todo o país, é
igualmente verdadeiro que são as mulheres as que se mostram mais escolarizadas.
63. Tais transformações – especialmente no que afetam as chances de convivência entre papéis familiares e profissionais
– são decisivas para o entendimento das decisões individuais de ingresso no mercado, por parte das mulheres; mais
além das oportunidades abertas pela demanda de força de trabalho e pela adequação das suas qualificações, elas
são um elemento decisivo. Bem assim, essa esfera valorativa é igualmente determinante – veremos em seguida –
para o entendimento dos diferenciais de remuneração e das oportunidades de mobilidade e de acesso, pelas mulhe-
res, a posições ocupacionais de prestígio e de poder.
64. E é muito importante, no caso brasileiro, termos sempre em conta a ordem de grandeza dos números, não somente
por ser esta uma diferença vis-a-vis outros países latino-americanos de menor população, como pelo que ela impor-
ta em termos de pressões sobre as políticas públicas, governamentais ou não-governamentais.
Convênio Cebrap/Finep 89
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
mercado dos empregos formalmente registrados (Castro, 1998; Cardoso, 2000). Tais movimentos
parecem ter uma intensidade que varia conforme a conjuntura, mas também conforme o setor e
conforme os atributos dos trabalhadores desligados.
Uma hipótese orienta a reflexão desenvolvida neste texto, a saber: quanto mais sistêmica a
reestruturação setorial (tanto inter-empresas, subsumindo diferentes elos da cadeia produtiva, como
intra-empresa, universalizando-se por setores/atividades na divisão do trabalho intra-fabril), meno-
res as chances de reconversão setorial dos trabalhadores desligados e maiores as dificuldades para
preservar postos de qualidade para grupos sociais em situação de maior vulnerabilidade; logo,
maiores as necessidades de políticas públicas, direcionadas a garantir e melhorar as condições de
inserção dos mesmos no trabalho industrial (Cardoso, Caruso e Castro, 1997).
Procurarei, nas partes subseqüentes, ilustrar os elementos que compõem este argumento.
Para tornar mais eloqüente a análise, os percursos de mobilidade das mulheres serão analisados
comparativamente ao destino dos homens no trabalho industrial em mudança.
65. Observando dados para 1995, Bruschini (1998) sublinha que as maiores taxas de atividade (66%) são observadas
entre mulheres de 30 e 39 anos.
Convênio Cebrap/Finep 90
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
teira e sem filhos. Hoje ela é mais velha, casada e mãe. Vale dizer, o aumento na taxa de participa-
ção feminina foi sustentado pela entrada ao mercado de trabalho das mulheres em idades mais
66
elevadas ou, por outra, pelo fato de que, ingressando mais jovens no mercado, dele não se
67
retiravam ao iniciar a sua carreira reprodutiva. Como resultado, as curvas de participação femini-
na e masculina, segundo idades, tornam-se bem mais assemelhadas em seu formato nos anos 90
68
que nos 80 (Lavinas, 1997:44).
Uma outra novidade se refere ao fato de que, se persiste, para a grande maioria das mulhe-
res, a alocação preferencial em certas atividades “femininas” (serviços pessoais, administração
pública, saúde, ensino privado), também se verificam ligeiras e sugestivas mudanças. Por um lado,
parece consolidar-se a feminização de certas atividades, como nos serviços comunitários. Por outro
lado, parecem também resultar bem sucedidas algumas incursões de mulheres em redutos de
emprego de homens, como é o caso dos serviços de reparação (ramo em que dobrou a presença
feminina entre 1985 e 1995), ou dos serviços industriais de utilidade pública (em que passam de
14% para 21% dos ocupados) ou ainda dos serviços auxiliares, onde as mulheres também dobra-
ram a sua participação (Lavinas, 1997).
No âmbito das ocupações e grupos ocupacionais, alguns sinais reveladores parecem tam-
bém se colocar. Bruschini (1998) observa que, entre 1985 e 1995, aumenta a participação femini-
na em todos os grupos ocupacionais, com a novidade de que, na administração, é importante o
afluxo de mulheres a posições de chefia. E mesmo na indústria – e em setores tradicionais, como é
o caso da têxtil – a redução no número de ocupadas anda de braços com um crescimento impor-
tante, da ordem de 62% (embora sobre uma base numérica pouco significativa), das mulheres
mestres, contramestres e técnicas. Nos serviços, cresce também o número de mulheres na posição
de proprietárias de estabelecimentos.
Boa parte destas mudanças – como o crescimento das taxas de atividade e o novo perfil
etário da mulher participante na força de trabalho, ou mesmo as transformações no padrão de
mixidade nos setores e ocupações – expressa tendências que se verificam de modo mais generali-
zado, em outros contextos societais. Todavia, o novo cenário macroeconômico e micro-
organizacional da atividade produtiva no Brasil no pós-90 (abertura da economia, estabilização
monetária, mudanças no papel produtivo e regulatório do estado, reestruturação organizacional
nas empresas e cadeias produtivas, dentre outros) conferiu uma faceta específica tanto à intensi-
66. Bem de acordo com o que argumenta Bruschini (1998) um fenômeno desta monta está a revelar não somente a
abertura de oportunidades ocupacionais, resultado de necessidades econômicas, mas – e especialmente – mudan-
ças nos planos valorativo, atitudinal e comportamental que, por pequenas que ainda sejam, expressam um consen-
so, o de que as responsabilidades familiares (até aqui ainda uma contingência a que estão sujeitas as mulheres)
deixaram de ser impeditivos para o trabalho no mercado, diferentemente do que ocorria no Brasil até os anos 70.
67. No caso dos homens, em especial entre 1985 e 1990, há uma ligeira retração das suas taxas, que se sustenta num
movimento dos jovens no sentido de permanecer fora do mercado de trabalho, alongando o seu período no sistema
escolar, movimento este que é concomitante com a expansão das taxas de atividades dos mais velhos.
68. Em especial, como no pós-96, quando serviços e comércio deixam de desempenhar o papel de produtores líquidos
de postos de trabalho, compensando o encolhimento persistente de postos na indústria (Camargo, 1998).
Convênio Cebrap/Finep 91
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
dade com que estas novidades passaram a se exprimir no Brasil, como à maneira como passaram a
operar, combinando-se com as antigas desigualdades que diferenciavam oportunidades entre gru-
pos sociais de sexo. Senão, vejamos.
Vimos antes que um primeiro traço a se destacar neste novo cenário é a redefinição das
estratégias empresariais em vários setores importantes da economia, com efeitos sobre a reorgani-
zação do trabalho e, especialmente na indústria, sobre as oportunidades ocupacionais. Uma per-
gunta se torna, então, imediata: em condições de encolhimento dos postos de trabalho (crise
aguda no começo da década e intensa reestruturação produtiva no sucessivo), que efeitos se pode
reconhecer no que concerne ao emprego feminino e às chances de inclusão mais igualitária de
mulheres na atividade econômica?
Alguns autores destacam o ônus particularmente elevado que pagam as mulheres neste
processo de fechamento de oportunidades ocupacionais. Lavinas (1998) reconhece que decresce o
peso das mulheres no emprego total, mostrando que elas estariam, em média, sendo mais atingi-
das que os homens por estas mudanças. Isto é especialmente claro na indústria, onde o peso das
mulheres retrocede de 12%, em 1985, para 8%, em 1995, num movimento de crescimento nega-
tivo do emprego industrial feminino da ordem de 2.51% ao ano, contra a média de crescimento
do emprego no setor, também negativa, mas bastante menor, de 1.85% ao ano (Lavinas, 1997).
Mas, esta contra-tendência não se restringe a segmentos majoritariamente masculinos; também
na administração pública (serviços de saúde e educação, onde 8 em cada 10 trabalhadores são
mulheres) e nos serviços de comunicação as taxas de crescimento do emprego total, entre 1990 e
1995, superaram as taxas de crescimento do emprego feminino.
Lavinas (1997) sugere a hipótese de que, face à retração de oportunidades ocupacionais,
em condições de crescimento das taxas de atividade, não somente ampliam-se as taxas de desem-
prego (do que trataremos em seguida), como aumenta a competição entre sexos pela obtenção do
emprego. Com isto, alteram-se os padrões e processos que definem a mixidade da força de traba-
lho empregada. A autora sugere que “quando se contrai a oferta de emprego em atividades alta-
mente segregadas por sexo, a resposta à entrada do sexo oposto não é sempre de maior abertura
à mixidade” (p. 49-50).
No caso brasileiro, pode-se observar, durante a conjuntura de retração que marcou a primeira
metade dos anos 90: (i) um movimento de fechamento de oportunidades ocupacionais em espaços
tradicionalmente masculinos (foi o caso, por exemplo, da indústria de construção civil, ou mesmo,
como vimos, da indústria em geral), que se combina com (ii) um movimento de migração ocupacional
de trabalhadores masculinos para atividades antes predominantemente femininas (como, por
exemplo, apontamos acima com respeito aos serviços públicos de saúde e de educação).
Como bem observou Lavinas (1997), estas tendências podem estar apontando para um
resultado paradoxal e desconfortável se pensamos os horizontes da participação das mulheres no
emprego: a conjuntura de ajuste macroeconômico e reestruturação micro-organizacional parece
estar possibilitando um aumento na mixidade em alguns segmentos/ocupações tradicionalmente
Convênio Cebrap/Finep 92
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
femininas (por efeito de deslocamento e absorção de homens); mas ela também parece estar
acarretando uma redução da mixidade em ocupações/setores tradicionalmente masculinos (pela
contração maior ou desaceleração maior de crescimento do emprego de mulheres).
Redução de oportunidades ocupacionais em situação de crescimento persistente das taxas
de atividades nos remete para uma segunda indagação importante: como a tendência ao incre-
69
mento nas taxas de desemprego afeta as tendências da desocupação entre homens e mulheres?
A literatura tem apontado que o recente (e persistente) crescimento de desemprego feminino,
descolado do padrão masculino, resulta da aceleração da desocupação no setor de serviços, justa-
mente aquele que não somente fora tradicionalmente mais permeável ao trabalho de mulheres,
como, na conjuntura de ajuste e reestruturação dos 90, se tornara o grande produtor de postos de
trabalho.
Ao que parece, a falta de trabalho é um problema particularmente grave para as mulheres
brasileiras que estão na população economicamente ativa. Mais ainda. A partir dos anos 90, a
desocupação torna-se muito mais forte entre as mulheres, cujas taxas de desemprego se dissociaram
do padrão até então compartilhado (embora com magnitudes diferentes) entre homens e mulheres.
Este aumento recente do desemprego feminino parece articulado a pelo menos três outros
fenômenos importantes (Lavinas, 1998). Em primeiro lugar, as mulheres apresentam uma dinâmi-
ca de ingresso no mercado de trabalho diferente dos homens. Isto porque, há ainda um contingen-
te expressivo de mulheres fora da PEA; de fato, conquanto crescentes até aqui, as suas taxas de
atividade indicam que apenas metade das mulheres entre 25-65 anos trabalha ou procura trabalho
nas áreas metropolitanas brasileiras; entre os homens, tal proporção é de cinco em cada seis (85%).
Por isto mesmo, enquanto os homens mantêm uma tendência a reduzir a sua participação na
população economicamente ativa, as mulheres, desde 1992, apresentam comportamento inverso
(Lavinas, 1998: 7)
Um segundo fator correlato da recente intensificação da desocupação feminina é a maior
sazonalidade do desemprego das mulheres vis-a-vis o desemprego dos homens. “Esta característi-
ca mais volátil do emprego feminino nos permite inferir que as mulheres estão mais sujeitas aos
postos de trabalho temporários e menos estáveis que os homens, sendo, portanto, mais sensíveis à
demanda por mão-de-obra sazonal.” (Lavinas, 1998: 10).
De fato, a maior exposição feminina a postos de trabalho precários foi fartamente
documentada. Bruschini (1998) chama a atenção para o fato de que nada menos que 40% da força
de trabalho feminina brasileira estava, em 1993, em posições ocupacionais que sugeriam a existência
de trabalho precário; conforme dados para este ano, 17% delas eram domésticas (contra 0.8% dos
homens), 13% não percebiam qualquer remuneração e 10% trabalhavam para consumo próprio.
69. Inicialmente acompanhados em suas trajetórias, segundo coortes de anos de demissão entre 1989 e 1995, posteri-
ormente a base foi atualizada, recobrindo, no momento, 7 coortes de demitidos (respectivamente entre 1989 e
1995), cada uma das quais tem o seu percurso no mercado formal de trabalho rastreado entre o ano da demissão
e o ano de 1997.
Convênio Cebrap/Finep 93
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Isto nos remete a uma terceira e última consideração importante sobre a desocupação feminina:
a heterogeneidade da condição social diferencia as mulheres, fazendo com que os riscos do desemprego
sejam maiores para as mais pobres e menos escolarizadas dentre elas. Nesse quadro conjuntural – mais
instável e desprotegido –, que se passa especificamente com o desemprego industrial? Ou, dito de
outra maneira, que se passa com os diferenciais entre homens e mulheres no que concerne ao destino
dos demitidos, às suas chances de re-inserção num novo emprego formalmente registrado?
A flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro tem sido analisada com bastante rigor
pela literatura acadêmica, notadamente de filiação na Economia. Tanto na sua forma alocativa
(documentada, por exemplo, tanto por Barros, Cruz, Foguel e Mendonça, 1997, como por
Montagner e Brandão, 1994), como na sua forma salarial (conforme Barros e Mendonça, 1996), a
flexibilidade parece ter sido uma característica central à organização do mercado brasileiro de
trabalho. Alguns estudos usam mesmo os padrões dominantes de flexibilidade para distinguir,
especificando, conjunturas recessivas, como a dos 80 e a dos 90 (como Amadeo et alli, 1993).
Entretanto, até aqui, as descrições dos impactos alocativos dessa flexibilidade não puderam lançar
mão de ferramentas de análise de tipo longitudinal, que lhes permitissem acompanhar com mais
precisão o destino dos demitidos. Ao contrário, era no confronto entre movimentos setoriais agre-
gados, comparados transversalmente, que os autores sustentavam as suas inferências sobre como
os ajustes na oferta dos postos de trabalho e nas condições de remuneração afetavam os destinos
dos trabalhadores individuais.
A possibilidade de um estudo de tipo longitudinal, referido a grandes agregados no mercado
de trabalho brasileiro, tornou-se realidade só muito recentemente, graças à montagem de uma nova
base de dados – a RAISMIGRA, que acompanha os episódios de mobilidade individual no mercado
formal de trabalho; na sua primeira versão, de que me utilizarei neste texto, por sua natureza
experimental, o seu desenho recobre apenas os trabalhadores industriais brasileiros que foram demitidos
70
a partir de 1989 . A RAIS-MIGRA se constituiu a partir de duas bases de registros administrativos,
70. A RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) é um registro administrativo, instituído pelo Decreto 76.900/75, o
qual determina que todas as empresas do setor formal no Brasil devem declarar ao Ministério do Trabalho as
relações de emprego que registraram durante o ano. Essa declaração deve ser feita uma vez por ano, entre janeiro
e abril, e contém informações relativas às relações de emprego formalizadas em qualquer período ao longo do ano
anterior. Dessa forma, a RAIS tenta representar um censo anual do emprego formal. São caracterizados dois tipos de
perguntas, que constituem os dois módulos em que se estrutura o instrumento de coleta da RAIS. Um referente ao
estabelecimento (código identificador, razão social, localidade, atividade econômica, natureza jurídica e número de
empregados em 31/12 do ano base e agência de depósito do FGTS) e outro referente ao empregado (características
sócio-econômicas, como: escolaridade, idade, sexo; características do vínculo ocupacional, como: tempo no empre-
go, ocupação, desligamento, natureza do vínculo, salário, causa de rescisão, entre outras). A segunda base de
origem é o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), um outro registro administrativo, instituído
pela Lei n.4923/65, que obriga as empresas a declararem junto às Delegacias Regionais do Trabalho (DRT´s) os
movimentos de admissão e demissão de trabalhadores que tenham efetuado. Ademais de registrar os montantes de
trabalhadores admitidos e/ou desligados, o CAGED, do mesmo modo que a RAIS, permite estabelecer um perfil da
empresa e do trabalhador referidos.
Convênio Cebrap/Finep 94
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
colhidos pelo governo brasileiro junto às empresas formalmente registradas: os cadastros anuais da
RAIS e os levantamentos mensais originários da Lei 4923/65, ambos de responsabilidade do Ministério
do Trabalho e Emprego. Esses cadastros apresentam certas características que os especificam e, ao
71
mesmo tempo, lhes dão alguns limites face a propósitos como os da presente análise.
As dificuldades principais da base RAISMIGRA são decorrentes da sua própria natureza. Em
primeiro lugar, a conjunção desses dois registros (RAIS e CAGED) produz uma boa aproximação à
realidade, já que permite aliar uma medida de estoque (RAIS) e medidas de movimento (CAGED) do
contingente de empregados. Mas, em segundo lugar, eles cobrem apenas os empregos formalmente
registrados. Contudo, e em terceiro lugar, sendo registros administrativos efetuados nas empresas,
têm a vantagem da compulsoriedade; entretanto, sendo obrigatórios por lei, deixa de existir a possi-
bilidade de procedimentos acadêmicos de controle da qualidade da coleta do dado.
Entre as principais vantagens da RAIS está o fato de que, através de tabulações especiais,
ela se presta a realizar análises longitudinais sobre o comportamento das empresas e dos seus
empregados. É certo que cada um dos seus painéis anuais, se tomado isoladamente, não é mais
que uma construção de tipo cross-section; tratados de maneira contígua não facultam, com seus
sucessivos painéis transversais, mais que uma análise de tipo repeated cross-section. Entretanto, se
intercomunicados - e isto é factível dado que se dispõe de uma variável de interface, o número do
72
PIS – os painéis da RAIS puderam ser transformados numa potente base longitudinal de tipo
prospectivo, de sorte que passou a ser possível acompanhar, com as mesmas variáveis de descri-
ção, um mesmo conjunto de unidades (indivíduos ou firmas, conforme se deseje), num dado lapso
73
de tempo. Isto é o que permite a RAIS-MIGRA, base de dados por primeira vez montada no Brasil
74
com estas características (Pero, 1997).
71. Número individual, de registro do trabalhador, para fins de acesso a programas de seguridade social do governo.
72. Na forma experimental em que foi inicialmente gerada, a RAISMIGRA acompanha cada um dos trabalhadores que
compõem uma mesma coorte de demitidos, checando, inicialmente em cada um dos anos subseqüentes à demis-
são, se ele aparece nos registros de empregados efetuados pelas firmas na data de referência (31 de dezembro de
cada ano); caso o indivíduo não apareça empregado nessa data, todos os registros de movimentação anual feitos
pelas empresas são revisados de modo a buscar localizar o vínculo (se houver) de maior duração em que esteve
registrado este trabalhador. Desse modo, cada indivíduo pode ter, no máximo, o registro de um vínculo por ano;
esta arquitetura supõe, por isso mesmo, que a mobilidade intra-ano pode ser considerada de pouca expressão. Para
testar a validade dessa suposição, foram produzidas, com apoio da DATAMEC, três outras pequenas bases, também
experimentais, referidas, cada uma delas, a trabalhadores metalúrgicos de S.Paulo, químicos da Bahia e têxteis do
Rio de Janeiro, para as quais foram recuperados todos os episódios registrados de mobilidade individual. A compa-
ração posterior entre trajetórias descritas a partir da RAISMIGRA (supondo mobilidade intra-ano igual a zero) e
trajetórias descritas para cada uma dessas categorias (a partir das bases completas) indicou a possibilidade de
validarmos a arquitetura da RAISMIGRA como capaz de construir estimações confiáveis de trajetórias agregadas,
mesmo supondo ser desprezível a mobilidade intra-ano (Cardoso, 2000).
73. A arquitetura da base RAISMIGRA foi originalmente concebida graças ao apoio da FINEP e da DATAMEC a projeto
desenvolvido no CIET/SENAI sob a coordenação de Luis Caruso denominado “Trajetórias inter-setoriais e ocupacionais
dos trabalhadores desligados da indústria”. Seu potencial, analisado comparativamente a outras bases de dados
disponíveis no Brasil, foi avaliado em projeto posterior, CEBRAP/Ford-ANPOCS, “Trajetórias ocupacionais, desemprego
e empregabilidade: por uma nova metodologia para análise de trajetórias ocupacionais de trabalhadores numa
nova ordem industrial”, coordenado pela autora deste texto, com co-participação de Adalberto Cardoso, Alvaro
Comin, Luis Caruso e Valéria Pero.
74. Tais trajetórias são obtidas mediante procedimentos estatísticos diversos, a saber. Inicialmente, tendo em conta o
imenso número de casos e os limites dos recursos de hardware, fez-se necessário (ao menos para algumas análises,
Convênio Cebrap/Finep 95
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Que é possível, então, dizer sobre a realidade da mobilidade dos trabalhadores industriais
brasileiros, e seus diferenciais de gênero, num contexto de intenso ajuste macroeconômico e
reestruturação micro-organizacional?
Tomarei, para ilustrar, alguns resultados da investigação mais ampla, ainda em curso. Para
tanto, escolhi uma coorte: a dos demitidos no ano de 1989; e por que? tanto porque ela provê o
mais longo período de acompanhamento da mobilidade (nove anos), como porque tal trânsito
ocupacional recobre justamente o período em que se intensificam o encolhimento do emprego
industrial, dadas as novas condições do ajusto macro e da reestruturação micro.
75
Nas Figuras 1, 2 e 3 apresento uma imagem gráfica das trajetórias ocupacionais dos
trabalhadores (total, homens e mulheres, respectivamente representados em cada figura). Esses
trabalhadores tiveram em comum um mesmo evento fundador: estando ocupados na indústria
brasileira, perderam seus empregos no ano de 1989. Os gráficos acompanham, ano a ano, a situa-
ção ocupacional dos mesmos, em termos de sua mobilidade inter-setorial.
E o que parecem sugerir estes dados? Algumas similitudes, mas outras tantas diferenças.
especialmente para todo o tratamento relativo ao Brasil como um conjunto), extrairmos amostras aleatórias a partir
das quais inferimos as tendências aqui descritas. Assim, por exemplo, as conclusões relativas ao conjunto dos
demitidos resultam de uma amostra aleatoriamente extraída com 5% dos casos (o que, ainda assim, nos deixou
com um “n” de 140.146 eventos cada vez que analisamos a mobilidade do conjunto da coorte de demitidos em
1989); já a amostra de 5% dos homens demitidos em 1989 produziu um sub-conjunto aleatoriamente definido de
98.924 eventos de mobilidade a eles relativos; finalmente, para as mulheres (tendo em conta a elevada masculinização
da indústria e nossas necessidades de desagregação), ampliamos a amostra para 15% dos casos, o que nos deixou
com um sub-total de 123.614 eventos de mobilidade das demitidas em 1989. Para identificar os padrões de
trajetórias, lançamos mão do recurso à análise fatorial de correspondência; ela nos permite analisar a enorme
matriz resultante do entrecruze entre máximo de eventos/setor de destino/casos (por exemplo, para analisarmos a
amostra do conjunto dos demitidos, a matriz de partida poderia conter 9x10x140.146 valores), de modo a saber se
há seqüências equivalentes de eventos, identificando recorrências nas trajetórias; descobertos tais padrões, podemos
classificar as trajetórias individuais segundo estas recorrências. Os fatores assim extraídos são posteriormente
utilizados numa análise de cluster que permite gerar as classes de trajetórias que perfazem cada um desses sub-
grupos de indivíduos. Finalmente, num último passo da análise, é possível inquirir sobre as características de perfil
dos indivíduos que perfazem cada uma das classes de trajetórias que são identificadas pelo procedimento antes
indicado.
75. Tais trajetórias são obtidas mediante procedimentos estatísticos diversos, a saber. Inicialmente, tendo em conta o
imenso número de casos e os limites dos recursos de hardware, fez-se necessário (ao menos para algumas análises,
especialmente para todo o tratamento relativo ao Brasil como um conjunto), extrairmos amostras aleatórias a partir
das quais inferimos as tendências aqui descritas. Assim, por exemplo, as conclusões relativas ao conjunto dos
demitidos resultam de uma amostra aleatoriamente extraída com 5% dos casos (o que, ainda assim, nos deixou com
um “n” de 140.146 eventos cada vez que analisamos a mobilidade do conjunto da coorte de demitidos em 1989);
já a amostra de 5% dos homens demitidos em 1989 produziu um sub-conjunto aleatoriamente definido de 98.924
eventos de mobilidade a eles relativos; finalmente, para as mulheres (tendo em conta a elevada masculinização da
indústria e nossas necessidades de desagregação), ampliamos a amostra para 15% dos casos, o que nos deixou com
um subtotal de 123.614 eventos de mobilidade das demitidas em 1989. Para identificar os padrões de trajetórias,
lançamos mão do recurso à análise fatorial de correspondência; ela nos permite analisar a enorme matriz resultante
do entrecruze entre máximo de eventos/setor de destino/casos (por exemplo, para analisarmos a amostra do con-
junto dos demitidos, a matriz de partida poderia conter 9x10x140.146 valores), de modo a saber se há seqüências
equivalentes de eventos, identificando recorrências nas trajetórias; descobertos tais padrões, podemos classificar as
trajetórias individuais segundo estas recorrências. Os fatores assim extraídos são posteriormente utilizados numa
análise de cluster que permite gerar as classes de trajetórias que perfazem cada um desses sub-grupos de indivíduos.
Finalmente, num último passo da análise, é possível inquirir sobre as características de perfil dos indivíduos que
perfazem cada uma das classes de trajetórias que são identificadas pelo procedimento antes indicado.
Convênio Cebrap/Finep 96
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Figura 1
Brasil - Total (amostra de 5%) - Coorte de demitidos de 1989
100%
90%
80%
Outras atividades
70%
Comércio
Serviços
60%
Outras Inds.
Têxteis
(%)
50%
Químicas
Tradicionais
40%
Outras metalúrgicas
Material de transporte
30%
Fora do sistema
20%
10%
0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano
Figura 2
Brasil - Homens (amostra de 5%) - Coorte de demitidos de 1989
Destino: Setores de re-ingresso 89 a 97
100%
90%
80%
Outras atividades
70%
Comércio
Serviços
60%
Outras Inds.
Têxteis
(%)
50%
Químicas
Tradicionais
40%
Outras metalúrgicas
Material de transporte
30%
Fora do sistema
20%
10%
0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano
Convênio Cebrap/Finep 97
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Figura 3
Brasil - Mulheres (amostra de 5%) - Coorte de demitidas de 1989
100%
90%
80%
Outras atividades
70%
Comércio
Serviços
60%
Outras Inds.
Têxteis
(%)
50%
Químicas
Tradicionais
40%
Outras metalúrgicas
Material de transporte
30%
Fora do sistema
20%
10%
0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano
Convênio Cebrap/Finep 98
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
76. Um passo subseqüente que estamos dando nesta pesquisa se dirige para indagar se tal mobilidade intersetorial se
acompanha de efeitos perversos em termos da qualidade do novo posto de trabalho, notadamente no que concerne
a perdas salariais.
Convênio Cebrap/Finep 99
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Uma quarta observação, diz respeito ao impacto dos padrões de mixidade num setor indus-
trial sobre as chances de re-inserção das mulheres. Vale dizer: naqueles ramos onde as oportunida-
des ocupacionais são marcadamente monopolizadas por homens – como é o caso da petroquímica
baiana – que ocorre com as chances de re-inserção de mulheres demitidas? Dito de outro modo, a
seletividade de gênero segue operando como um discriminante nas oportunidades ocupacionais
no re-ingresso? Tudo nos leva a crer que sim: não apenas as mulheres demitidas neste segmento
são mais fortemente levadas à expulsão do mercado de empregos formalmente registrados (50%
delas jamais restabelecem um vínculo contratual de trabalho, contra 46% dos homens), como são
bem menos aquinhoadas com a possibilidade de retorno àquele setor de onde foram demitidas
(apenas 8 em cada 100, contra 11 em cada 100, no caso dos homens). Ademais, se observamos a
seqüência da trajetória destas mulheres, o passar do tempo revela uma tendência crescente a uma
nova expulsão (i.e., à ruptura do novo vínculo firmado), muito mais acentuada que entre os ho-
mens (que logram re-inserir-se no setor químico).
Finalmente, dentre muitas possíveis linhas de continuidade nesta reflexão, uma parece par-
ticularmente importante para ser explorada. Será plausível imaginar (e interrogar os dados longitu-
dinais) sobre quão seletivo é - entre as próprias mulheres – o risco da desocupação? Isto porque,
sabemos (à luz dos dados transversais colhidos em pesquisas domiciliares), que tal risco afeta, hoje,
no Brasil, de maneira mais significativa aquelas mulheres com nível de instrução intermediário
(primeiro grau completo e segundo grau), cujas taxas praticamente dobram em relação às alta-
mente escolarizadas (com nível superior) e com relação às sem nenhum nível de escolarização
formal. Ou seja, temos evidências claras de que o grupo de mulheres mais preservado face ao
77
desemprego nos anos 90 foi aquele constituído pelas mulheres com nível superior (Lavinas, 1998).
Esta diversidade social dos riscos no mercado de trabalho, segundo recursos com freqüência
ligados à posse de credenciais de escolaridade, também se faz presente quando se trata de interpretar
quem são as mulheres que se beneficiam no curso das recentes mudanças. Ou seja, o contingente
feminino é muito heterogêneo em suas formas de inserção e, por conseqüência, em sua vulnerabilidade
no mercado de trabalho. A apropriação de rendimentos pode ser um terreno sensível para
evidenciarmos o que aqui se coloca. Tomemos, por exemplo, dois achados. Sabemos que, em média,
as mulheres recebem dois terços da renda auferida pelos homens em igual situação ocupacional.
Sabemos que os diferenciais salariais de gênero diminuíram na última década, em especial depois da
estabilização, em virtude de uma progressão mais rápida de aumento dos rendimentos femininos
78
(Lavinas, 1998-a). Entretanto, sabemos, igualmente, que este desempenho pode variar fortemente
conforme a ocupação em que se insira a mulher e o seu nível de escolaridade.
Ou seja, amplia-se a desigualdade salarial entre as mulheres. Mulheres com nível superior,
alocadas no comércio e, em menor medida, na indústria, têm sido aquelas a se beneficiar das mudanças
77. Muito embora mais recentemente (de 1996 em diante) também elas tenham se tornado algo mais vulneráveis.
78. Análise recente para alguns setores selecionados da atividade econômica, no Brasil, confirma o achado de Lavinas
(Guimarães e Consoni, 2000)
nos padrões de rendimentos. “Ou seja, há fortes indícios de que à medida que cresce a
homogeneidade entre trabalhadores dos dois sexos no mercado de trabalho, aumenta também a
heterogeneidade entre mulheres, algumas beneficiando-se mais do que outras dos avanços no
combate ao sexismo” (idem, p.16). Desse modo, as desigualdades que se apresentam no âmbito
do trabalho, num contexto de forte retração das oportunidades ocupacionais, não somente são
seletivas e importam em padrões de inclusão que diferenciam entre gêneros (certamente pelo peso
de caracteres adscritos, orientando a seletividade ocupacional), mas produzem padrões de inclu-
são diferenciados intra-gênero (evidenciando o peso de caracteres aquisitivos na determinação da
seletividade ocupacional e, conseqüentemente, dos padrões de exclusão ou de vulnerabilização
que se afiguram entre as próprias mulheres).
Creio que podemos, num passo subseqüente, interrogar os dados longitudinais, buscando
apoio para a hipótese da diversidade de percursos e de destinos ocupacionais entre mulheres de
origem socio-econômica distintas. Este pode ser um bom exemplo empírico para seguirmos pen-
sando sobre a complexidade do nexo que se teceu entre flexibilização do trabalho, desigualdades
e exclusão no Brasil dos anos 90.
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CAPÍTULO 5
TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS
Um Survey com Trabalhadores79
Apresentação
No presente capítulo são apresentados os resultados do survey piloto realizado com trabalhado-
res metalúrgicos moradores de Diadema. A realização de um levantamento original de trajetórias
ocupacionais tinha como propósito estender nossos estudos sobre mobilidade no mercado de
trabalho em uma direção em que as demais bases derivadas da RAIS não nos ofereciam cobertura.
Como se sabe, a RAIS é um registro administrativo mantido pelo governo federal que, a despeito
de sua enorme abrangência, restringe-se aos vínculos formais de trabalho (regidos pela CLT ou
pelos estatutos do funcionalismo público), de tal forma que as trajetórias ocupacionais construídas
a partir desta informações resultam lacunares sempre que os indivíduos deixam o mercado formal
de trabalho e passam a desempenhar ocupações informais. Dada a magnitude da informalidade na
composição do mercado de trabalho no Brasil, que responde por cerca de 50% de todas as ocupa-
ções nas regiões metropolitanas, conforme revelam as pesquisas mensais sobre emprego e desem-
prego (PME e PED), a incapacidade de produzir inferências sobre este segmento limita de forma
decisiva os estudos e a própria formulação de alternativas de políticas públicas de emprego.
Estudos quantitativos sobre trajetórias ocupacionais são bastante tradicionais em países
europeus e nos EUA, mas no Brasil praticamente não há precedentes. Por esta razão a equipe deste
projeto mantém já há três anos estreita colaboração com o Institute for Employment Research, da
Universidade de Warwick, na Inglaterra, e como o instituto Printemps, de Paris. Não obstante, a
incorporação do instrumental metodológico, pelas próprias peculiaridades que distanciam em muito
as características de nosso mercado de trabalho dos daqueles países, exigiu, desde o princípio, um
cuidadoso trabalho de adaptação e recriação das técnicas de levantamento e interpretação. Ade-
mais, os custos para a realização de surveys são extremamente elevados. Estas as razões pelas
quais consideramos estes primeiros levantamentos como pilotos experimentais que deverão servir
fundamentalmente para amadurecer o emprego da análise quantitativa de trajetórias no Brasil e
80
consolidar o terreno para futuras pesquisas .
79. Este capítulo foi especialmente preparado por Álvaro COMIN para compor o relatório final; uma primeira antecipa-
ção dos dados foi apresentada para discussão no Workshop Internacional realizado na Universidade de Campinas
como parte da Cooperação entre IFCH/UNICAMP e Universidade de Manchester, em junho de 2000. A nota
metodológica que o acompanha, como anexo, foi especialmente preparada por Paulo Henrique da SILVA, para o
presente relatório final.
80. De fato estes primeiros trabalhos foram de suma importância para a incorporação pela Pesquisa de Emprego e
Desemprego (PED) da Fundação Seade de São Paulo de um módulo sobre trajetórias que já começa a ser aplicado na
Região Metropolitana de São Paulo.
Os dados aqui analisados são, na verdade, produto de uma segunda pesquisa realizado
em dezembro de 1999. O primeiro levantamento de campo ocorreu entre setembro e outubro de
1998 e, embora tenha já nos proporcionado importantes pistas de investigação, revelou proble-
mas técnicos e metodológicos tais que optamos pela realização de uma segunda rodada de entre-
vistas após a análise cuidadosa deste material original. Mencionar estes problemas nos parece útil
para entender o percurso de nosso trabalho.
Em primeiro lugar, a definição do universo obedeceu a critérios bastante pragmáticos. A
interpretação dos movimentos que ocorrem no mercado de trabalho não pode prescindir do controle
rigoroso sobre as variáveis tanto de ordem macro-econômica (taxas de crescimento do PIB, inflação,
balança comercial, juros etc.) quanto meso e micro-econômica (desempenho setorial, políticas de
reestruturação das empresas, políticas industriais, evolução dos mercados específicos etc.). O setor
metal-mecânico e particularmente o automobilístico da região do ABC paulista é seguramente um
dos mais bem estudados no país e vem sendo objeto de pesquisas no próprio Cebrap desde pelo
81
menos o início da década de 90 , de tal forma que o conhecimento acumulado sobre todas as
variáveis pertinentes é bastante acurado e atualizado. A escolha de Diadema como circunscrição
da amostra deveu-se à alta concentração de trabalhadores do setor que moram neste município, o
que tornou o sorteio dos indivíduos e a coleta das entrevistas muito mais concentrados e, portanto,
financeiramente menos custosos. Procedeu-se ao sorteio das ruas através do cadastro oficial da
prefeitura local e em cada rua os domicílios foram selecionados de forma aleatória. O único ajuste
intencional da amostragem consistiu na sobre-representação das mulheres, que representando
apenas pouco mais de 10% dos trabalhadores no setor resultariam, pelos critérios aleatórios simples,
num número amostral insuficiente para inferências sobre diferenciais de gênero. Esta sobre-
respresentação, contudo, se fez pela expansão da amostra de forma a não prejudicar sua
representatividade, de tal modo que em vez das 400 entrevistas originalmente estimadas, foram
realizadas 440. Fora isto, o filtro adotado para inclusão na amostra foi bastante conciso: era suscetível
de inclusão todo indivíduo que houvesse trabalhado em indústrias do setor metal-mecânico nos
dez anos anteriores ao momento da aplicação. Isto porque, uma vez que estávamos interessados
nos efeitos da reestruturação setorial sobre o destino profissional dos trabalhadores, se o recorte
se fizesse apenas com trabalhadores empregados no setor no momento da entrevista introduziríamos
um viés que excluiria todos aqueles indivíduos que tendo sido expulsos do setor não mais lograram
retornar e com isto perderíamos um aspecto central da investigação.
O formato geral do questionário foi baseado na técnica de calendário, segundo a qual
busca-se preencher de forma seqüenciada todo o período de tempo considerado, mês a mês, por
extrapolação ponto a ponto de cada evento. Entretanto, devido à grande quantidade de variáveis
que se pretendeu obter para cada evento, o lay-out do questionário não seguiu a forma típica de
calendário, a planilha, mas sim a forma convencional estendida. Na prática, operou-se como se
82
cada evento na vida dos indivíduos resultasse em um questionário completo .
81. Veja-se, por exemplo, Castro (1995), Oliveira e Comin (1999) e Comin (1999).
82. Esta opção de formato foi mantida na segunda coleta, cujo questionário encontra-se em anexo.
83. É bem verdade que esta situação tem tendido a se reverter mesmo nos países europeus, por conta da flexibilização
das legislações trabalhistas, o que aliás explica em grande parte o interesse crescente dos pesquisadores europeus
por países como o Brasil. Na França e na Inglaterra fala-se mesmo em uma “brasilianização” de seus mercados de
trabalho como referência a crescente informalidade e precariedade das ocupações.
84. Para um estudo relacionando a mobilidade no mercado de trabalho com o funcionamento do seguro-desemprego
no Brasil, veja-se Comin e Guimarães (2000).
impedem tona inviável para a maioria dos indivíduos permanecer na inatividade entre uma e outra
ocupação regular. As ocupações desempenhadas nestes interstícios de desemprego, freqüentemente
irregulares, inconstantes e descontinuadas no tempo, contudo, nem sempre são percebidas pelos
próprios indivíduos como ocupações. A despeito de funcionarem como estratégias decisivas de
sobrevivência (esta pelo menos a nossa hipótese forte) os assim chamados “bicos” ou “biscates”
não são espontaneamente apontados como situações de ocupação, como trabalho. O que esta
primeira experiência de campo tornou claro é que tanto a formulação das questões quanto a ação
dos entrevistadores teriam que ser muito mais incisivas e persistentes a fim de que este tipo de
ocupação emergisse como eventos registráveis.
A ocorrência de problemas, de fato, já era presumível pelo fato de estarmos introduzindo
uma metodologia até então não utilizada no país e, de toda forma, mesmo os equívocos cometi-
dos neste primeiro experimento foram fundamentais para o aperfeiçoamento do instrumental que
estamos introduzindo. Feitos os ajustes que nos pareceram necessários voltamos a campo para
uma segunda coleta de entrevistas, em dezembro de 1999. Em anexo encontra-se uma descrição
detalhada da montagem da amostra e da realização do campo.
mais de fem
50 até 24 12%
22% 10% 25 a 30
13%
41 a 50 masc
31 a 40
26% 88%
29%
menos de
5 5 a 10
demais
5% 6% 10%
Nordeste São Paulo
35% 43%
mais de 20 11 a 20
Sudeste (outros) 57% 27%
17%
86. Na questão da cor os entrevistados foram instados a se autoclassificarem com base nas categorias padrão do IBGE.
parda
1,5 12,5 prim. Incomp. 28%
21,1
prim. Compl.
1 grau branca
56%
34,2 2 grau preta
30,7 16%
superior
Vínculos
Freqüências VÍNCULO 1999 Total 89
desemp inativo Formal informal autônomo
desemp
VÍNCULO inativo 91,7 8,3 24
1989 formal 30,1 46,6 4,2 19,1 356
informal 23,5 52,9 11,8 11,8 17
autônomo 5,0 50,0 45,0 20
Total 99 112 207 19 79 417
87. O esquema de classificação aqui adotado é uma adaptação do bem conhecido esquema de classes de Goldthorpe e
Erikson (1991), especialmente o capítulo 2.
muito reduzidos para oferecer consistência estatística), nos quais cerca de metade dos trabalhado-
res se mantém no mesmo grupo ocupacional ao fim do período (caselas verdes) nos dois outros
grupos a proporção dos que migram é amplamente majoritária. Considerando que os grupos 2
(provavelmente) e 4 (certamente) concentram os trabalhadores mais qualificados a sua menor
mobilidade ocupacional não apenas faz sentido como pode ser um indicador positivo de não re-
gressão profissional destes indivíduos. Como se vê, a maior parte dos membros destes dois grupos
que mudam de posição entre 1989 e 1999 vão parar no desemprego, o que talvez se explique
justamente pela sua maior esperança de reconquistar uma colocação dentro de sua ocupação
original. Mesmo assim não é nada desprezível a proporção de trabalhadores cuja trajetória pode
ser presumida como descendente.
ATUAL
Tipos de ocupação
não téc.e
Mobilidade tabular - 1989/1999 manual Total 89
desemp inativo manual manual profis-
Percentuais qualif.
rotina sionais
desemp. 25,0 0,0 25,0 50,0 0,0 0,0 4
inativo 14,8 0,0 29,6 44,4 7,4 0,0 27
manual 35,5 0,0 24,6 23,9 14,5 0,0 138
POSIC89
manual qualif. 27,4 0,0 7,5 51,6 11,8 1,1 186
n manual rotina 19,1 0,0 14,9 29,8 31,9 4,3 47
téc.e profissionais 28,6 0,0 0,0 14,3 7,1 50,0 14
Total 99 118 64 159 60 11 416
SENTIDO DA MOBILIDADE
Freqüencia Percentual
Descen. 23 8,6
Estável 153 57,0
Valid.
Ascen. 57 21,7
Total 268 100
A construção de clusters de trajetórias com base nos setores de atividade revela-se consis-
tente com os padrões encontrados na RAIS, oferecendo ainda a possibilidade de alguns
aprofundamentos. Através da análise fatorial de correspondência chegou-se a sete clusters de
trajetórias. É claro que como na maior parte dos casos os números absolutos são muito pequenos
para suportar valor estatisticamente representativo, o recurso aqui é sobretudo empregado como
forma de estilizar tipologias de trajetórias, tornando-as visivelmente mais inteligíveis. As classes
obtidas foram as seguintes (seguidas do número de casos):
Classe 1 – Comércio = 15
Classe 2 – Indústrias químicas = 22
Classe 3 – Serviços = 35
Classe 4 – Desempregados = 72
Classe 5 – Metalúrgicas = 153
Classe 6 – Outras indústrias = 35
Classe 7 – Material de Transportes = 80
Como se pode ver Os grupos mais numerosos são: o dos trabalhadores com passagens
mais recorrentes e/ou duradouras pela indústria metalúrgica; o dos da indústria automobilística; e,
finalmente, o dos desempregados. Compõem ainda clusters numericamente mais alentados os
trabalhadores nas indústrias químicas, nas “outras indústrias” (ou indústrias tradicionais), nos ser-
viços e no comércio. Embora a circulação entre os setores industriais e o desemprego seja o circuito
mais comum neste universo de trabalhadores há uma tendência persistente a que o volume dos
que encontram ocupação na indústria (qualquer que seja o subsetor) se reduza a partir de 1995. Se
no começo do período estudado (janeiro de 1989) esta amostra era composta fundamentalmente
por operários industriais (os que tinham empregos no comércio e nos serviços não chegavam a
5%), a participação de todos os setores industriais encolhe até dezembro de 1999 e a proporção
dos que se encontram empregados nos serviços e no comércio chega aos 20%.
Como o survey recolhe também as ocupações não constituídas por vínculos formais de
assalariamento a relação entre ocupação e desocupação se torna mais precisa do que na RAIS. Para
efeitos da análise setorial os inativos (por serem poucos) foram emglobados pelos desempregados.
A segunda constatação importante é a de que a migração para os setores não industriais tem
representado também, majoritariamente, a passagem das ocupações formais para as informais
(seja o assalariamento sem registro, seja a ocupação por conta-própria ou autônoma). Como vi-
mos, os assalariados formais, que representavam 90% dos vínculos existentes em 1989 viram-se
reduzidos a cerca de 50% da amostra em dezembro de 1999 (movimento muito semelhante ao
88
que se verifica globalmente com o mercado de trabalho da região metropolitana de São Paulo ).
Esta queda no número de vínculos, como também já se viu, foi “compensada” antes de tudo pelas
situações de desemprego e, a seguir, principalmente em favor dos trabalhadores autônomos. Em
outras palavras, neste universo o declínio do emprego formal está ligado mais a uma mudança
efetiva nas formas de inserção ocupacional do que a uma mera mudança no estatuto legal dos
vínculos de assalariamento.
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
JUN89
SET90
JUL91
DEZ91
MAI92
OUT9
JUN94
SET95
JUL96
DEZ96
MAI97
OUT9
JUN99
JAN89
NOV8
ABR9
FEV91
MAR9
AGO9
JAN94
NOV9
ABR9
FEV96
MAR9
AGO9
JAN99
NOV9
Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Comércio Automotiva Outros
1994) a circulação observada tende ou para os demais setores industriais ou para o desemprego,
sugerindo que neste período os indivíduos expelidos do setor se mantêm em um circuito ocupacional
adjacente, ou simplesmente na inatividade à espera de uma possibilidade de retorno, não sendo a
ruptura de trajetória, de toda forma, o padrão predominante. No final do período, contudo, a
parcela dos que migram para os serviços e para o comércio se amplia nitidamente, e aqui uma
possível mudança no padrão destas trajetórias pode estar se esboçando. Vale chamar a atenção
para as características deste grupo: é o mais homogêneo do ponto de vista etário, tendo 80% dos
indivíduos concentrados na faixa de 30 a 50, excluindo assim as classes de idade mais problemáti-
cas do ponto de vista de inserção profissional (jovens e velhos); é o que concentra a maior propor-
ção de brancos (2/3) e a menor de negros (7,5%); uma forte proporção de migrantes (especialmen-
te nordestinos), a maioria, porém, estabelecidos em Diadema há mais de 20 anos; predominam os
trabalhadores manuais especializados, 1/3 deles com vínculos contínuos de mais de 6 anos na
ocupação que tinham em 1989; e, por fim, este grupo exibe uma das maiores taxas de desempre-
go aberto em dezembro de 1999 (21%). Seu perfil educacional, entretanto, não apresenta discre-
pâncias relevantes frente às médias do conjunto dos entrevistados: um quarto de indivíduos com
segundo grau completo, um quarto com primeiro grau completo, pouco mais de um terço com
apenas o primário completo e 12,5% com menos do que isso. Mas é o grupo que apresenta, de
longe, a melhor composição em termos de renda em dezembro de 1999: 2/3 ganhando acima de
7 salários mínimos.
Algo semelhante (até mais acentuado), em termos das trajetórias, se observa entre os tra-
balhadores do cluster das indústrias químicas, que na primeira metade do período, provém ou
circulam principalmente pela indústria metalúrgica (ou o desemprego) e na segunda metade já
apresentam migração mais significativa para o comércio e os serviços. O cluster dos trabalhadores
nas indústrias metalúrgicas é o único que no final do período apresenta migração predominante
para o desemprego (e em segundo lugar para as indústrias tradicionais) e não para algum dos
setores terciários. Trata-se de um grupo de trabalhadores mais velhos (mais da metade acima dos
40 anos); com equilíbrio entre brancos e não brancos; predominantemente trabalhadores manuais
especializados e quase 30% de desempregados em dezembro de 1999. Vale notar que estes dois
clusters são os que apresentam perfil educacional mais elevado, com cerca de 60% dos trabalha-
dores com pelo menos primeiro grau completo. Em contraste com seu melhor perfil educacional,
os químicos, por exemplo, surpreendentemente estão concentrados nos estratos mais baixos de
renda (metade deles situados entre 1 e 5 mínimos); os metalúrgicos em uma posição intermediária
(concentração principal entre 5 e 10 mínimos), mas de toda forma inferior à dos trabalhadores do
cluster automobilístico. Note-se portanto, que a relação entre instrução e renda é menos linear do
que se poderia supor à priori.
O cluster dos trabalhadores no comércio é composto, principalmente, por indivíduos em-
pregados na indústria metalúrgica no início do período e que logo nos primeiros anos migraram
para o comércio, não mais retornando à indústria. A idéia de que tenham sido definitivamente
expulsos do emprego industrial é reforçada pelo seu perfil etário: é o cluster mais velho de todos:
40% dos indivíduos tinham mais de 50 anos em dezembro de 1999; migrantes há muito estabele-
cidos em Diadema, a maioria se encontrava empregada há mais de 10 anos no vínculo registrado
em 1989 (portanto operários com longa inserção no setor metalúrgico); divisão equivalente entre
brancos e não brancos; quase todos autônomos (especialmente ambulantes) em 1999; é o cluster
que apresenta a menor taxa de desocupação, apenas 6,7%, na ocasião da entrevista. A condição
de autônomo, contudo, oculta uma maior heterogeneidade do ponto de vista da remuneração:
este é o grupo que apresenta a maior concentração de ocupados na faixa de 1 a 3 mínimos e de 10
a 15 mínimos (nos dois casos 3 vezes mais do que a média geral), exibindo uma estrutura bem
polarizada, mais do que permitiria supor seu perfil educacional não muito distante da média (ape-
nas com uma proporção mais elevada de trabalhadores com menos do que o primário completo).
Os indivíduos que se agrupam nos clusters de serviços e de indústrias tradicionais (veja-se
gráficos com trajetórias abaixo) apresentam trajetórias mais heterogêneas entre si. Os trabalhado-
res do cluster de serviços transitam na primeira metade do período privilegiadamente entre a in-
dústria metalúrgica e a automobilística e na segunda metade, embora pareça crescer a fixação nos
serviços mesmo, a ocorrência de migrações para a indústria metalúrgica segue sendo significativa
(a automobilística desaparece). Assim que, em 1999, entre eles havia pouco mais de metade de
trabalhadores autônomos e um terço de assalariados formais; e como já se observou este é o único
cluster com uma proporção de assalariados informais mais significativa. Pelo menos para parte
deste grupo a migração da indústria para os serviços não parece ter um caráter definitivo. Quando
na condição de conta-própria as ocupações que predominam aqui são as de prestação de serviços
de manutenção e reparação, como pedreiros, pintores, marceneiros e mecânicos de automóveis,
ocupações em que as chances de se verificar um aproveitamento da experiência fabril são maiores
do que, por exemplo, no comércio (e isto talvez corrobore a hipótese de que este seja um padrão
menos definitivo de migração para fora da indústria). São os trabalhadores mais jovens, maioria
entre 25 e 40 anos; metade deles nascidos em São Paulo e composta por trabalhadores manuais
especializados; a maioria não estava ainda trabalhando em 1989 ou possuía vínculos de menos de
3 anos então. São, portanto, trabalhadores em sua maioria percorrendo ainda a primeira metade
de suas vidas ocupacionais. A proporção de desocupados em 1999 era bastante baixa, apenas 6%
(característica comum dos que buscam ocupações fora da indústria). Embora jovens, exibem o
perfil educacional mais baixo: quase 2/3 não possuem mais que o primário completo; e apresentam
a maior concentração nas faixas inferiores de renda (2/3 abaixo de 5 mínimos em 1999).
O perfil dos trabalhadores do cluster das indústrias tradicionais é mais ou menos semelhan-
te ao dos serviços: indivíduos mais jovens (2/3 entre 25 e 40 anos) e com trajetórias um pouco mais
heterogêneas; só que neste caso a migração da indústria é predominantemente para a situação de
desemprego (e não para os serviços ou a indústria metalúrgica); um quarto deles encontrava-se em
desemprego aberto em dezembro de 1999. Além disto possuem um perfil educacional mais eleva-
do e os que estavam ocupados em 1999 se concentravam nos estratos intermediários de renda
(entre 5 e 10 mínimos). Talvez por seu melhor perfil educacional, ou por terem estado empregados
mais tempo na indústria com salários melhores (ou as duas coisas) parecem resistir mais à migração
para fora do setor industrial preferindo a situação de desocupação temporária.
4. As classes de trajetórias
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Trabalhadores mais velhos (40% mais de 50); maioria nascida fora do estado de São Paulo,
mas vivendo há mais de 20 anos em Diadema; equivalência entre brancos e não brancos; três
quartos na situação de autônomos na ocasião da entrevista (maior concentração, especialmente
ambulantes), apenas 6,7% desempregados; trabalhadores não manuais de rotina; a maioria em-
pregada a mais de 10 anos em 1989.
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Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Automotiva
Maioria dos indivíduos com idade entre 25 e 40 anos; mais da metade nascida fora do
estado (Nordeste principalmente); mais da metade vivendo há mais de 20 anos em Diadema; mai-
oria de autônomos (54%) e um terço de assalariados formais; maioria manual especializado (pinto-
res de parede, pedreiros, marceneiros); maioria não estava empregada ou estava a menos de 3
anos no vínculo de 89; 6% de desempregados em 1999.
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Concentra os indivíduos dos dois extremos das faixas etárias; quase 40% com até 24 anos
(a maior concentração entre todas as classes), a maioria tendo ingressado no mercado de trabalho
mais recentemente; e perto de 30% com mais de 50 anos; mais da metade nascida no estado de
SP (um terço no Nordeste); 2/3 de brancos (maior participação entre os setores); a maioria estava
desempregada no momento da entrevista (50%) e 1/3 tinha registro formal (principalmente como
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Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Comércio Automotiva Outros
Mais da metade com idade superior a 40 anos; maioria nascida fora de SP (Nordeste e
outros estados do Sudeste); maioria vivendo há pelo menos 11 anos em Diadema; ligeira maioria
de brancos; maioria de assalariados formais (55,5%) e desempregados (27,5%) na ocasião da
entrevista; maior proporção de manuais especializados, tanto no começo como no fim do período;
1/3 com mais de 6 anos no emprego de 1989; 27% desempregados em 99.
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Dois terços dos indivíduos com idade entre 25 e 40 anos; mais da metade nascida fora do
estado, mas quase todos vivendo há mais de 11 anos em Diadema; ligeira maioria de brancos;
43% de assalariados formais e 25% de autônomos; maioria de manuais especializados na ocupa-
ção atual; possuíam vínculos predominantemente entre 1 e 3 anos no emprego em 89; 25% de
desempregados em 99.
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
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JUL96
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SET95
DEZ96
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JAN89
NOV8
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FEV91
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FEV96
JAN99
AGO9
AGO9
Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Comércio Automotiva Outros
Quase 80% dos indivíduos com idade entre os 30 e os 50 (classe mais homogênea deste
ponto de vista); quase dois terços nascidos fora do estado (principalmente Nordeste); 60% vivendo
há mais de 20 anos em Diadema; dois terços de brancos e apenas 7,5% de negros (menor partici-
pação entre as classes); dois terços de assalariados formais e maioria de manuais especializados na
ocupação atual; um terço com mais de 6 anos no emprego em 1989; um terço manteve o mesmo
vínculo durante todo o período; 21% de desempregados em 99.
Referências Bibliográficas
QUESTIONÁRIO LONGITUDINAL
Pesquisa Diadema
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
Abordagem Inicial
Bom dia/tarde/noite. Eu sou da Brasmarket-pesquisas. Nós estamos realizando uma
pesquisa sobre emprego e mercado de trabalho aqui em Diadema. Posso lhe fazer algumas
perguntas?
Filtros:
A) Há alguém nesta casa que seja metalúrgico ou que tenha trabalhado em empresa
metalúrgica nos últimos 10 anos?
Nós estamos fazendo uma pesquisa sobre a história da vida profissional dos metalúrgicos
aqui em Diadema, com o objetivo de colaborar com programas de treinamento e
aperfeiçoamento profissional do Senai e de outras instituições profissionalizantes. Essas
entrevistas serão analisadas em conjunto, como números. Os nomes dos participantes não serão
divulgados. A sua participação é muito importante para o sucesso deste trabalho. Vou fazer
perguntas sobre a sua vida profissional nos últimos 10 anos. O Sr.(a.) aceitaria participar?
C) Podemos começar?
1. Sim
2. Não (mas aceita agendar para depois)
3. Não definitivo (agradeça e encerre)
D) Código
1. Papel – B
2. Envelope – D
3. Lápis – P
4. Elástico – A
5. Grampos - V
ENTREVISTA
Entrevista Nº Evento Nº
____________________________________________________
07. Foi na zona rural ou na sede de município?
1 Rural
2 Sede do Município
11. Quem são as pessoas que vivem atualmente com o(a) Sr(a).?
15. Somando aquilo que ganham todas as pessoas que moram em sua casa, o(a) Sr(a).
poderia informar de quanto aproximadamente é a renda total do seu domicílio?
1. Não sabe
2. Não respondeu
3. R$ ______________________ (pular para a pergunta 17)
16. (Para os que não quiseram responder): O(a) Sr(a). poderia pelo menos informar em
qual destas faixas de renda sua casa se enquadraria?
17. Quanto aproximadamente os seus ganhos pessoais representam da renda total da sua
casa? (na maior parte do tempo em que permaneceu nesta ocupação)
1. Tudo ou praticamente tudo
2. Mais da metade, mas não tudo
3. Aproximadamente a metade
4. Menos da metade
5. Nada ou muito pouco
6. Não Sabe
7. Não respondeu
16. Mobral
19. O Sr(a). está trabalhando atualmente? Tem qualquer tipo de ocupação remunerada,
mesmo que irregular ou por conta própria? (APENAS PARA O PRIMEIRO EVENTO)
Sim. [Vá para a 20]
Não. [Prossiga]
19a. Há quanto tempo o Sr(a). está sem exercer qualquer ocupação remunerada?
_________________________ meses
19c. Neste período em que o Sr(a). está sem uma ocupação, o Sr. (a) tem procurado
trabalho?
1. Sim, freqüentemente (pelo menos uma vez por semana no último mês)
2. Sim, às vezes/ algumas vezes (pelo menos uma vez no último mês)
3. Sim, mas já faz tempo que não procura (mais de um mês)
4. Não, por que não quer voltar a trabalhar
5. Não, por que está desanimado
6. Não, por motivo de doença
7. Não por razões familiares
8. Outros._________________________________________________
________________________________________________________________
21. E o que o(a) Sr(a). faz/fazia então [ABERTA]? Descrição detalhada da ocupação ou da
tarefa desempenhada
____________________________________________________________
____________________________________________________________
22. Qual é/era a atividade dessa empresa? O que é que se faz/fazia lá?
(Codificado pelo entrevistador)
Ramos de atividade
01. Extração Mineral
10. Ind. Minerais não metálicos
11. Ind. Metalúrgica
12. Ind. Mecânica
13. Ind. Material elétrico e de comunicações
14. Ind. Material de Transporte
15. Ind. Madeira
16. Ind. Mobiliário
17. Ind. Papel e papelão
18. Ind. de borracha
19. Ind. Couros e peles e similares
20. Ind. Química
21. Ind. farmacêuticos e veterinários
22. Perfumaria, sabões velas
23. Ind. Plásticos
24. Ind. Têxtil
25. Ind. Vestuário, calçados, artefatos de tecidos
26. Ind. Alimentos
27. Ind. Bebidas
28. Ind. Fumo
29. Ind. Editorial e gráfica
30. Outras indústrias
31. Indústrias de utilidade pública
32. Ind. Construção civil
40. Agricultura e criação animal
50. Serviços de transporte
51. Serviços de comunicações / Informática
52. Serviços Alojamento e alimentação
53. Serviços de reparação, manutenção e conservação
54. Serviços pessoais
55. Serviços Comerciais
56. Serviços. Diversões
57. Escritórios de gerência e administração
58. Serviços médicos, odontológicos e veterinários
59. Entidades financeiras
60. Comércio atacadista
61. Comércio varejista
63. Comércio, incorporação e administração de imóveis
64. Ensino
65. Serviços domésticos (faxineira, cozinheira, babá)
69. Atividades não especificadas ou não classificadas
70. Cooperativas
80. Fundações e entidades sem fins lucrativos
90. Administração pública direta e autárquica
98. Bicos/Trabalhos não regulares
99. Outros. Especificar___________________________________________
25. Durante o tempo em que exercia essa ocupação, com quem o(a) Sr(a). morava?
1. Sozinho
2. Com os pais
3. Com os amigos
4. Com esposa e/ou filhos
5. Outros parentes. Especificar ______________________________________
6. No local de trabalho
7. Outros. Especificar _________________________
28. Quando passou a trabalhar nessa essa ocupação, o(a) Sr(a). estava estudando?
1. Não (pular para pergunta 30)
2. Sim
2. trabalhava sozinho ou com sócio(s), por conta própria, utilizando máquina, instrumento ou
ferramentas de outras pessoas
4. trabalhava sozinho ou com sócio(s), por conta própria, utilizando máquina, instrumento ou
ferramentas de outras pessoas e tinha empregados ou ajudantes.
38. Quantas horas mais ou menos o(a) Sr(a) trabalhava por semana?
Informe as horas semanais. _____________________
A. Assalariados/ Domésticos:
1. Por Hora
2. Por dia
3. Por semana
4. Por mês
5. Por produção/peça
6. Por tarefa
7. Sem remuneração
9. Outras formas. Especificar _______________________
40. Além do(a) Sr(a), quem mais contribuía para a renda da casa?
(Se o entrevistado não teve renda, perguntar: Quem contribuía para a renda da casa?)
0. Ninguém (pule a próxima)
1. Esposa/esposo
2. Pais
3. Filhos
4. Outros parentes.
5. Outros. Especificar __________________________________
43. Quanto tempo o(a) Sr(a). esteve procurando trabalho até conseguir esta ocupação?
Anos________ / Meses________
45. Para conseguir este emprego, havia exigências de formação profissional específica?
1. Não havia exigências de formação profissional específica
1. Sim
46. Para conseguir este emprego, havia exigências de experiência profissional anterior
específica?
1. Não havia exigências de experiência profissional anterior específica
2. Sim, havia
48. Para conseguir este emprego, havia exigências de atestado de antecedentes criminais?.
1. Não havia exigências de atestado de antecedentes criminais
2. Sim, havia.
49. Para conseguir este emprego, havia limite de idade?. Se sim, de quantos?
1. Não havia limite de idade
2. Sim, havia. Especificar de quantos anos ________________
51. Para arranjar este trabalho o Sr. teve que realizar algum tipo de Concurso/prova de
conhecimentos gerais?
1. Não
2. Sim
52. Para arranjar este trabalho o Sr. teve que realizar algum tipo de Concurso/prova de
conhecimentos específicos para a função?
1. Não
2. Sim
53. Para arranjar este trabalho o Sr. teve que passar por alguma entrevista?
1. Não
2. Sim
54. Para arranjar este trabalho o Sr. necessitou de ajuda ou indicação de pessoas ligadas à
empresa/empregador/cliente ou com contatos lá dentro?
1. Não
2. Sim
55. Em que ano o(a) Sr(a). deixou de exercer esta ocupação/saiu deste emprego?
Especificar o ano. _________________
56. Em que mês do ano o(a) Sr(a). deixou de exercer esta ocupação/saiu deste emprego?
Especificar o mês. _________________
57. Neste momento, o(a) Sr(a). exercia a mesma função / realizava o mesmo trabalho que
quando entrou?
1. Sim. (Pular para a pergunta 60)
2. Não.
62. Por quanto tempo o(a) Sr(a). ficou sem uma atividade regular?
digite os meses. _________________
(se o entrevistado responder em dias arredondar para meses)
63. Como o(a) Sr(a). fez para se manter neste período? - MÚLTIPLA
1. Seguro desemprego
2. Com o que recebeu ao sair do emprego anterior
3. Poupança, patrimônio próprio
4. Trabalho da esposa/esposo
5. Trabalho de outros membros da família (inclusive filhos)
6. Ajuda de parentes (fora do domicílio)
7. Ajuda de amigos
8. Entidades de assistência social (igreja etc.)
9. Fazendo bicos
10. Através de empréstimos em bancos ou similares
11 Outros.
67. Neste período em que esteve desempregado, o(a) Sr(a). exerceu algum tipo de atividade
remunerada, mesmo que apenas eventualmente?
1. Sim. (prossiga)
2. Não. (Pular para 77)
1. Uma.
2. Mais de uma. Especificar quantas __________________________
70. Destas atividades, qual delas o(a) Sr(a). diria que era a mais importante, levando em
conta o tempo que Sr(a). se dedicava e o que recebia? (Esta pergunta só é respondida por
quem respondeu a opção 2 da pergunta 68).
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
73. Quantas horas por semana o(a) Sr(a). gastava com essas atividades?
1. Informe as horas semanais. _____________
75. Naquele período, além do(a) Sr(a)., quem mais contribuía para a renda da casa?
1. Esposa / esposo
2. Pais
3. Filhos
4. Outros parentes. Especificar ____________________
5. Outros. Especificar ___________________________
6. Ninguém (Vá para a 77 - RETOMADA)
76. Considerando a sua renda naquele período e somando tudo o que as pessoas que
moravam com o(a) Sr(a). ganhavam, o(a) Sr(a). diria que seus rendimentos
representavam:
1. Toda a renda da casa
2. A maior parte da renda da casa
3. Mais ou menos a metade da renda da casa
4. A menor parte da renda
5. Outras proporções. Especificar _____________________
77. Antes deste emprego/ocupação qual foi seu trabalho anterior? [RECUAR
APENAS ATÉ O INÍCIO DA OCUPAÇÃO QUE O INDIVÍDUO EXERCIA EM 1989]
NOVA OCUPAÇÃO
79. E se usarmos a classificação oficial do Censo do IBGE, como o Sr. identificaria a sua
cor ou raça neste cartão?
1. Branca;
2. Preta;
3. Amarela;
4. Indígena;
5. Parda.
80. Para encerrar, o Sr(a) poderia informar o nº da sua inscrição no PIS [ESSA
INFORMAÇÃO SE ENCONTRA NA CARTEIRA PROFISSIONAL]:
_______________________
ENTREVISTADOR
Entrevistador:
Nº de sorteio da rua:
Nº de ordem do domicílio:
Nº de domicílios contados até achar metalúrgico ou ex-metalúrgico:
Data da entrevista:
Hora da entrevista:
ANEXO
89
NOTA TÉCNICA SOBRE O SURVEY COM METALÚRGICOS EM DIADEMA
Apresentação
89. Esta nota técnica foi especialmente preparada por Paulo Henrique da SILVA para o relatório final do Projeto, em
dezembro de 2000.
MAPA1
BAIRROS DE DIADEMA SEGUNDO IBGE
C
CAAM
MPPA
ANNA
ARR II O
O
T
TAAB
BO AO
OA O
C
CA NH
AN H EE M
MAA
PP II R
RAA PP O
OR NH
R II N HA
A
C
C EE N
NTTR
ROO
V
V II LL A
A
N
NOOG
GU UE E II R
RAA
C
CO NC
ON C EE II C
CAAO
O
CA
C A SS A
A
G
GRRAAN NDDEE
S
SEER
RRRA
ARR II A
A
II N
NAAM
MAAR
R
EE LL D
DOOR
RAAD
DOO
Amostra
MAPA 2
RUAS SORTEADAS
Embora tenhamos seguido esse procedimento da forma mais estrita possível, ele apresen-
tou problemas, dentre os quais destacamos:
Ruas
Ruas Sorteadas
Sorteadas
Amostra
Reposição
POPULAÇÃO Sexo
Total% Masculino Feminino
TOTAL (%)
N % N %
Campanario 29.186 9,03 9,93 34 9,3% 7 14,6%
Canhema 20.079 6,21 8,23 33 9,0% 1 2,1%
Casagrande 31.676 9,80 3,15 11 3,0% 2 4,2%
Distrito Centro 39.003 12,07 7,75 30 8,2% 2 4,2%
Conceição 31.059 9,61 12,35 44 12,1% 7 14,6%
STRITO Eldorado 31.372 9,71 5,57 21 5,8% 2 4,2%
Inamar 20.412 6,32 0,24 1 ,3%
Piraporinha 20.110 6,22 2,18 8 2,2% 1 2,1%
Serraria 22.432 6,94 1,94 7 1,9% 1 2,1%
Taboão 46.846 14,50 22,76 84 23,0% 10 20,8%
Vila Nogueira 30.941 9,58 25,91 92 25,2% 15 31,3%
Fonte: IBGE– Contagem 1996 e Survey
Renda em
Distrito
Reais
Campanário 812,56
Canhema 1.143,08
Casa Grande 1.127,00
Centro 970,81
Conceição 1.049,85
Eldorado 684,24
Piraporinha 602,17
Serraria 1.197,14
Taboão 1.212,64
Vila Nogueira 854,91
Total 988,61
Fonte: Survey
MAPA 3
DISTRIBUIÇÃO DOS ENTREVISTADOS
Endereço do Entrevistado
por Sexo
Homens (367)
Mulheres (48)
BAIRRO
Segundo População
40.100 a 46.900
33.400 a 40.100
1 2
26.700 a 33.400
0
Equipe e Treinamento
A equipe de campo foi composta por vinte entrevistadores três supervisores de campo e
um supervisor geral, além de um membro da equipe do Cebrap que acompanhou o processo. Nem
todos os entrevistadores trabalharam durante todo o período de coleta.
O treinamento foi realizado durou três dias em quatro períodos de quatro horas cada.
1. No primeiro dia foi feita uma apresentação do questionário, do material de coleta dos dados e
descrição do procedimento de entrevista. Neste momento as principais dificuldades foram:
- A definição precisa do que seria um evento e o que seria uma atividade apenas eventu-
al
- Classificação dos ramos de atividade, principalmente a distinção entre industrias mecâ-
nica, metalúrgica e material de transporte; têxtil e vestuário; madeira e mobiliário.
- Alguns saltos do questionário que não estavam bem descritos na versão apresentada
aos entrevistadores.
2. No segundo dia foram solucionadas algumas dúvidas pendentes do dia anterior principalmen-
te quanto ao momento de iniciar um novo evento e na hipótese de novos eventos surgirem
durante a entrevista. Também forma feitas simulações com os entrevistados aplicando o ques-
tionário uns aos outros (por sorte todos tinham um número grande de eventos a descrever).
3. No terceiro e último dia no período da manhã forma feitas novas simulações que transcorre-
ram com maior fluidez que no dia anterior. No período da tarde a equipe foi até Diadema onde
foram realizadas algumas entrevistas para verificar o tempo médio e cada entrevistas e as
dificuldades em campo, para agilizar o procedimento e aumentar o número de entrevistas
foram entrevistadas quaisquer pessoas que tenha trabalhado com carteira assinada no período
de 89 a 99 sem a preocupação de selecionar os metalúrgicos. Foram feitas dez entrevistas em
três regiões da cidade. No local foram discutidas as dificuldades encontradas.
Material e Procedimento
O supervisor geral, que também foi o responsável pela amostra circulava entre as
equipes durante o dia acompanhando o desenvolvimento dos trabalhos e indicando a necessidade
de inclusão de ruas não sorteadas e socializando os problemas encontrados pelas equipes.
Quando um domicílio era selecionado o entrevistador recolhia em primeiro lugar a lista dos
eventos na planilha de acompanhamento em quase todos os casos o entrevistado estava com a
Carteira de Trabalho à mão facilitando o trabalho; para cada evento da planilha a parte pertinente
do questionário era aplicada e os dados passados para a planilha de dados.
Imediatamente após o fim a entrevista o material coletado era entregue ao coordenador da
equipe que conferia o tempo gasto no entrevista, o correto preenchimento de todos os relatórios
(planilha de dados e planilha de acompanhamento dos eventos) e anotava qualquer ocorrência
anômala que não fora discutida nas reuniões anteriores. Os problemas que surgiam eram discuti-
dos com todos os coordenadores e entrevistadores ao final do dia.
O trabalho de campo foi executado entre os dias 12 e 23 de dezembro de 1999. Essa etapa
durou quatro dias a mais do que o previsto. Inicialmente pretendíamos encerrar os trabalhos no
segundo fim de semana do campo (19 e 18 de dezembro), mas a baixa produtividade nos primei-
ros dias forçou a ampliação do prazo até o dia 23.
As planilhas de dados foram digitadas na sede da Brasmarket por quatro digitadores du-
rante cinco dias, durante meio período em cada dia um dos digitadores se dedicava a conferir a
digitação da manhã e da tarde anterior. No último dia cerca de um terço das entrevistas foram
conferidas por um dos digitadores.
RUAS SORTEADAS 1
Convênio Cebrap/Finep
O Sr(a). Poderia dizer quais foram as suas ocupações profissionais nesses últimos dez anos, começando
pelo presente ?
Estamos interessados tanto nos empregos regulares que o Sr(a). teve, como também nas ocupações
eventuais ou mesmo nos períodos em que o Sr(a). esteve desempregado.
Início Final
N.º Evento Duração
Mês Ano Mês Ano
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho
151
MAPA4
AMOSTRA DE MAPA DE REGIÃO PARA OS COORDENADORES
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FICHA TÉCNICA
BASE: DIADEMA
DIGITALIZAÇÃO: PLANIMETRICA
NÍVEIS DIGTALIZADOS: EIXO,FUNDO,HIDROGRAFIA,PONTOS
NOTÁVEIS,PRAÇAS,TEXTO DE BAIRROS
FONTE: EMPLASA
ESCALA: 1:10.000
TIPO DE LEVANTAMENTO: AEROFOTOGAMÉTRICO
ANO: 1992
SISTEMA DE PROJEÇAO: UTM
DATUM VERTICAL:
DATUM HORIZONTAL: CÓRREGO ALEGRE
MERIDIANO CENTRAL: 45 W
PONTOS DE CONTROLE: GEOREFERENCIADO (GRID NA CARTA)
ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO:
FONTE ULTIMA ATUAL.: PREFEITURA
NUMERAÇÃO: LISTA TELEFÔNICA - 1997
Fonte:
(No final do campo foram acrescentadas 23 entrevistas, visando aumentar nº de ativos na amostra)
DETALHAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO
Foram sorteadas duas amostras de 100 ruas. Parte dessas ruas não foram sorteadas na
carta digital, porque ela não traz zonas de ocupação/urbanização mais recentes. Essas ruas (ruas,
vielas, travessas, etc) foram definidas aleatoriamente em campo, mas segundo indicações prévias
do pessoal do Instituto Diadema de Estudos Municipais sobre a localização das “áreas recentes”.
As ruas “sem denominação” sorteadas foram substituídas por ruas adjacentes com deno-
minação.
Como desde logo do início do campo notou-se que 100 ruas seriam pouco, optou-se por
considerar as duas listas como uma só.
A seguir, os mapas e a lista das ruas.
Município
Município de
de Diadema
1ª Amostra
Município
Municípiode
deDiadema
2ª Amostra
( reserva )
HORIZONTES
CAPÍTULO 6
INTRODUÇÃO
Os achados até aqui reunidos e apresentados especialmente na Parte II dês te Relatório dedica-
ram-se a identificar e analisar padrões de mobilidade de demitidos da indústria; trabalhadores que
mantiveram um contrato formal de trabalho e o perderam. Mas, poderíamos argumentar,
exatamente por isto eles são especialmente eloqüentes: eles ilustram as vicissitudes do trânsito e
destino dos melhor aquinhoados dentre os assalariados, porque insertos em setores com elevadíssima
formalização e proteção das relações de trabalho, com escolaridade e salários maiores que a média
do mercado. Diríamos, então, explorando o potencial interpretativo desses dados: se os melhor
aquinhoados apresentam destinos tão incertos e tão intensa mobilidade após rompido o vínculo de
trabalho, que lição este achado pode deixar para a discussão dos instrumentos de política pública,
tal como até aqui focalizados?
Na análise que se segue, tomaremos como exemplo um desses instrumentos – o seguro-
desemprego – quiçá um daqueles de maior potencial de proteção para os que rompem vínculos de
trabalho.
É indispensável, veremos na análise que se segue a respeito do programa de seguro-
desemprego, levar em consideração o caráter segmentado e hierarquizado do mercado de tra-
balho brasileiro, segmentação esta que freqüentemente escapa às discussões voltadas à elabora-
ção e implementação dos programas de apoio. A situação de inserção feminina no mercado de
trabalho assume características particularmente desafiadoras, na medida em que assistimos, nesta
última década, em paralelo ao permanente incremento de seu ingresso no mercado, à sobreposição
dos tradicionais fatores de discriminação, associados agora a uma segmentação interna ao pró-
prio grupo de gênero, a justificar uma maior sofisticação tanto na forma de analisar o problema
quanto, e talvez sobretudo, no que diz respeito à formulação de políticas sociais compensatóri-
as. Por isto mesmo, a nossa análise vai perseguir este último ponto de vista ao tomar a aplicação
do seguro-desemprego sistematicamente do ponto de vista das diferenças de acesso entre ho-
mens e mulheres.
90. Este capítulo, na forma em que se apresenta, foi preparado por Alvaro COMIN e Nadya GUIMARÃES, tendo sido
inicialmente discutido no Congresso Internacional da LASA - Latin American Studies Association, no painel sobre
“Reestruturação, desenvolvimento e sustentabilidade na América Latina”, realizado em Miami, em março de 2000.
A partir de 1990, os requisitos foram relativamente afrouxados: para ter direito ao benefí-
cio o trabalhador deveria ter contribuído por quinze meses nos últimos dois anos, fazendo jus,
assim, a um benefício equivalente a 80% da média dos últimos 3 meses para quem ganhasse até
3 SM (sendo o valor de um SM o piso); para quem recebesse entre 3 e 5 SM, 80% de 3 SM e mais
50% sobre a parcela que excedesse a este valor; e para os que ganhassem mais de 5 SM benefício
fixo de 3 SM. O trabalhador que se enquadrasse nestas exigências passaria a ter direito a requerer
o seguro sete dias após a cessação do vínculo empregatício, sendo que o período máximo de
extensão do benefício manteve-se em quatro meses, com carência reduzida para dezesseis meses.
Neste período, o percentual de beneficiários em relação ao total de demitidos sem justa causa
ampliasse-se, chegando a quase 40% (Azeredo, 1998).
Note-se que, a partir de então, para aqueles trabalhadores com rendimento médio de 3
SM, o índice de reposição da renda ficou, sempre em média, em 80%, chegando a 100% para
aqueles que percebessem apenas 1 SM; para os trabalhadores com rendimento médio entre 3 e
5 SM o índice de reposição passou a ser de 68% do salário anterior; para as faixas superiores o
índice retrocedeu progressivamente, chegando, por exemplo para aqueles que recebam 10 SM,
a menos de 20%. Esse sistema claramente constitui um desincentivo para as faixas de maior
rendimento, tendendo conseqüentemente a concentrar os gastos com os mais pobres dentre os
assalariados.
Em 1992 foi criado o seguro desemprego especial, com o objetivo de ampliar o universo de
atendimento. Passaram a existir 3 faixas de possíveis requerentes. Sempre considerando os últimos
36 meses como referência, trabalhadores que tivessem contribuídos entre seis e 11 meses teriam
direito a 3 meses do benefício; trabalhadores contribuintes por períodos de 12 e 23 meses recebe-
riam durante 4 meses; e trabalhadores com tempo de contribuição acumulado de mais de 23
meses fariam jus a cinco meses de cobertura. A partir de 1994, esse formato tornou-se definitivo
e, exceto por algumas mudanças temporárias, vigora até hoje (Azeredo, 1998). Com isto, as taxas
de atendimento cresceram substancialmente, chegando a beneficiar quase dois terços dos traba-
lhadores demitidos sem justa causa em 1996.
Assim consolidado em seu formato, algumas características do seguro desemprego no
Brasil podem ser destacadas, a saber:
a) O programa volta-se basicamente para as situações de desemprego causadas pela perda
imediata do emprego, não cobrindo por exemplo, as situações de indivíduos (mulheres
especialmente) que tenham se mantido afastados do mercado de trabalho (em razão,
por exemplo, do ciclo reprodutivo), ou que estejam tentando um primeiro ingresso (caso
dos jovens) ;
b) O tipo de cobertura, de três a cinco meses no máximo, com carência de dezesseis e
necessariamente vinculado a um período de contribuição recente, tende a excluir os
indivíduos atingidos pelo desemprego de longa duração, privilegiando a situação dos
que estão mais firmemente aderidos ao mercado formal de trabalho;
94. O FGTS consiste em uma poupança formada por depósitos compulsórios mensais que o empregador deve efetuar
em uma conta especial em nome do empregado, no valor de 8% do salário deste, o que lhe permite acumular cerca
de um salário por ano trabalhado. Esse fundo pode ser sacado pelo trabalhador em condições especiais, tais como:
a demissão sem justa causa, a aposentadoria ou ainda em situações extraordinárias como a da aquisição de imóvel
próprio para moradia. Além disto, também nos caos de demissão sem justa causa o trabalhador deve receber multa
rescisória equivalente a 40% do que lhe foi depositado pelo empregador por conta do FGTS.
privilegiam o recorte de gênero, associando-o sempre a outras variáveis dada a especial importân-
cia que, como vimos, adquire o desemprego entre contingentes de mulheres, mais vulneráveis,
também, às dificuldades de re-inserção no mercado formal após o desligamento de postos prote-
gidos (tal como exemplificamos para a indústria).
O Tabela I abaixo compara a evolução do número de trabalhadores demitidos sem justa
causa e o número de benefícios distribuídos pelo programa de 1993 a 1997 (último ano disponível
pela RAIS) e a Figura VII traz os números do programa até o primeiro semestre de 1999. Após um
período de rápida ascensão no número de trabalhadores atendidos, entre 1993 e 1995, provavel-
mente fruto das alterações no escopo do programa que descrevemos acima (incorporando indiví-
duos com tempo de contribuição de seis meses em diante) o volume de benefícios estabilizou-se
num patamar um pouco abaixo dos 4,5 milhões por ano, em 1996 e 1997.
Ao contrário do número de benefícios concedidos pelo programa, o de trabalhadores de-
mitidos sem justa causa oscilou fortemente, de um mínimo de 6 milhões e 300 mil em 1993 até
10,5 milhões em 1997, fazendo com que a taxa de atendimento do sistema também variasse
bastante, de até perto de 65%, em 1996, para pouco mais de 40%, em 1997. A taxa de atendi-
mento entre as mulheres é sempre superior à dos homens, conquanto em proporções quase insig-
nificantes. É bastante difícil por hora conjeturar sobre as razões dessa relativa inflexibilidade na
curva dos benefícios, mas de toda forma, quaisquer que sejam os motivos, o fato é que a acelera-
ção no ritmo das demissões, observada em 1995 e especialmente em 1997, não foi acompanhada
por uma ampliação da cobertura do programa.
É importante salientar também que, neste período, não apenas o volume de demissões
cresceu mas, sobretudo, aumentaram os indicadores de desemprego. Entre 1993 e 1998, o de-
semprego aberto medido pela PME/IBGE saltou de perto de 6% para mais de 8,5% apenas nas seis
regiões metropolitanas brasileiras. Tomando os extremos do período, uma variação de 9% na
população economicamente ativa, convive com variação correspondente a apenas 6,7% entre os
ocupados,, o que representou um acréscimo bruto de quase meio milhão de desempregados só
nos mercados de trabalho das seis principais regiões metropolitanas. Dessa forma, o número de
desempregados sofreu uma variação da ordem de 55%; 47% no caso dos homens e 68% no das
95
mulheres .
Tabela I
Trabalhadores demitidos sem justa causa, benefícios do
Seguro-desemprego e taxa de atendimento
Brasil 1993-1997
1993 1994 1995 1996 1997
Trabalhadores demitidos sem justa causa
MASC 4.647.923 4.843.911 5.972.784 4.841.275 7.406.746
FEM 1.672.434 1.732.655 2.307.160 1.887.971 3.169.179
TOTAL 6.320.357 6.576.566 8.279.944 6.729.246 10.575.925
Trabalhadores demitidos sem justa causa (%)
MASC 73,5 73,7 72,1 71,9 70,0
FEM 26,5 26,3 27,9 28,1 30,0
Benefícios do seguro-desemprego
MASC 2.385.288 2.924.035 3.380.464 3.081.061 3.069.998
FEM 914.390 1.106.000 1.360.258 1.279.018 1.330.335
TOTAL 3.299.678 4.030.035 4.740.722 4.360.079 4.400.333
Benefícios do seguro-desemprego (%)
MASC 72,3 72,6 71,3 70,7 69,8
FEM 27,7 27,4 28,7 29,3 30,2
Taxa de atendimento (demitidos/benefícios) (%)
MASC 51,3 60,4 56,6 63,6 41,4
FEM 54,7 63,8 59,0 67,7 42,0
TOTAL 52,2 61,3 57,3 64,8 41,6
Figura VII
Endereço do Entrevistado
por Sexo
Homens (367)
Mulheres (48)
BAIRRO
Segundo População
40.100 a 46.900
33.400 a 40.100
1 2
26.700 a 33.400
0
A Figura VII mostra que a participação feminina no total de segurados permaneceu pratica-
mente estável ao longo do período (ligeiro aumento de 3 pontos percentuais entre os extremos),
representando perto de 30% do total de beneficiários. Essa proporção é idêntica à que se observa
96
no total de demitidos, segundo a RAIS , mas inferior ao de sua participação média na PEA, que na
década ficou um pouco acima dos 40%; valendo salientar novamente que a taxa de desemprego
entre as mulheres cresceu mais aceleradamente nesse período, estando 1,5 ponto percentual aci-
ma da taxa masculina em 1998 (7,17% para os homens contra 8,75% para as mulheres, nas
regiões metropolitanas).
As variações no tempo não são muito expressivas também no que diz respeito às caracte-
rísticas individuais desagregadas por sexo, como se pode ver a seguir.Os homens são os que em
maior proporção se beneficiam do seguro após períodos mais curtos de emprego formal; ou, por
outra, as mulheres que acorrem ao seguro provém, em sua maioria, de vínculos formais mais
prolongados. Com efeito, quando se observa a movimentação geral das demissões, por meio da
RAIS, a proporção de homens nas faixas mais curtas de tempo de permanência no último emprego
é relativamente mais acentuada do que a das mulheres. Por outro lado, a RAIS-Migra revela que
(pelo menos entre os trabalhadores demitidos da indústria), no período 1993-1997, os homens
estiveram em média 30,5 meses empregados com vínculos formais (aproximadamente metade do
tempo), contra 23,5 meses entre as mulheres (menos de 40% do tempo) e ainda tiveram - sempre
em média - 2,1 vínculos empregatícios contra 1,5 das mulheres. A maior mobilidade (entrada e
saída) dos homens no mercado de trabalho formal (com mais vínculos de menor duração) pode
ajudar a explicar também a sua maior participação entre os beneficiários do seguro-desemprego,
até por que, como já vimos na seção anterior, uma vez demitidas, as chances de retorno ao merca-
do formal são significativamente menores para as mulheres.
Figura VIII
100%
80%
60%
40%
20%
0%
M F M F M F M F M F M F M F
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
até 5,9 6,0 a 11,9 12,0 a 23,9 24,0 a 35,9 36,0 a 59,9 60,0 a 119,9 120 ou +
96. Os dados aqui apresentados da RAIS e da RAIS-Migra cobrem apenas o período 1993 a 1997, em razão da sua
disponibilidade atual. Vale lembrar que a RAIS-Migra considera apenas os demitidos da indústria.
O grosso dos beneficiários, quase três quartos em média, encontra-se nas faixas mais bai-
xas de renda (até 3 SM), mas a proporção de mulheres nas faixas inferiores (até 2 SM) é sempre
significativamente maior que a dos homens. Também aqui, as características da distribuição do
seguro-desemprego parecem refletir de perto as do mercado formal de trabalho. O perfil do uni-
verso total de demitidos, exibido pela RAIS, mostra com clareza que a participação feminina declina
proporcionalmente à medida que aumentam as faixas de remuneração. Considerando a distribui-
ção média dos demitidos no período 1993-1997, de 70% para os homens e 30% para as mulhe-
res, observa-se que elas chegam a representar 40% dos demitidos nas faixas de menor rendimento
(até 2 SM) e não mais do que 25% no topo da escala salarial (acima de 10 SM). Considerando a já
apontada propensão do programa a atender os demitidos de menor rendimento, de certa forma,
seria de esperar que isso provocasse uma maior representação proporcional das mulheres entre os
atendidos, o que não se observa.
Figura IX
100%
80%
60%
40%
20%
0%
M F M F M F M F M F M F M F
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
ATE 1,00 1,01 a 2,00 2,01 A 3,00 3,01 A 5,00 5,01 A 10,00 + DE 10,0
Como já se poderia esperar pelo que sabemos das características históricas do mercado de
trabalho brasileiro, apesar dos menores rendimentos, as mulheres são, em média, bastante mais
escolarizadas do que os homens, havendo tendência em ambos os sexos para uma redução gradu-
al da participação das faixas de menor instrução no total de beneficiários; fenômeno que, grosso
modo, corresponde ao que se passa tanto com o perfil geral dos demitidos quanto com a PEA,
conforme já se observou na primeira seção deste artigo. Vale recordar que, também entre a força
de trabalho desempregada, a proporção de indivíduos com maior instrução vem crescendo mais
rapidamente, sendo inclusive bem mais elevada entre os indivíduos que possuem entre cinco e
onze anos de estudo do que entre aqueles que não possuem mais do que quatro.
Figura X
100%
80%
60%
40%
20%
0%
M F M F M F M F M F M F M F
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Figura XI
100%
80%
60%
40%
20%
0%
M F M F M F M F M F M F M F
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Além disso, as mulheres são relativamente mais jovens do que os homens, declinando
sensivelmente sua participação a partir dos 40 anos e estando quase ausentes na faixa acima dos
50 anos, tanto no universo de beneficiários quanto (de modo menos agudo) no do total de demi-
tidos, segundo a RAIS. Fato que sugere que, para as mulheres, a possibilidade de permanecer no
mercado de trabalho formal diminui mais rapidamente do que para os homens à medida em que
avança a idade.
Figura XII
100%
80%
60%
40%
20%
0%
M F M F M F M F M F M F M F
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
10 A 14 15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 64 65 e +
Considerações finais
Retomando a breve discussão feita no início desta última seção, é necessário reiterar que as
noções de emprego e desemprego, como noções socialmente construídas que são, estão sujeitas,
no longo termo, a alterações de escopo. Bem assim como as políticas públicas que procuram
enfrentar o problema, que ademais sofrem as readequações que a própria prática prolongada e as
contingências políticas e econômicas lhe impõem. Nesse sentido, pode-se dizer que o programa
brasileiro de seguro-desemprego é ainda recente para que se possa formular conclusões defini-
tivas.
Entre aquelas até aqui adiantadas, cumpre enfatizar que a forte correspondência encontra-
da entre o perfil dos desempregados do setor formal e o dos beneficiários do seguro-desemprego
está a sugerir que o programa talvez esteja demasiadamente voltado para um tipo específico de
desempregado: indivíduos que, tendo estado empregados por algum tempo no setor formal da
formação escolar. Programas de provimento de renda mínima associados à escolarização dos filhos
de famílias pobres, como o que foi implantado no Distrito Federal entre 1995 e 1998, por exemplo,
apresentam resultados promissores na hipótese de virem a se disseminar.
No âmbito das iniciativas diretamente voltadas para a (re)inserção de desempregados no
mercado de trabalho há dois terrenos de especial importância, o da qualificação profissional e o do
agenciamento/intermediação de emprego, normalmente associados aos mecanismos de reposição
de renda na maior parte dos países mais desenvolvidos. No primeiro caso, os programas de forma-
ção e requalificação profissional já vêm ganhando bastante destaque nos últimos anos no Brasil. O
principal foco de irradiação destes programas é o FAT, que também é o responsável pela execução
do seguro-desemprego. No geral, o FAT repassa recursos para que outras entidades (sindicatos,
associações profissionais, universidades, escolas profissionalizantes, prefeituras e órgão públicos)
realizem ações na área de qualificação profissional. Esse modelo descentralizado tem a vantagem
de oferecer flexibilidade para que as ações se adaptem a contextos específicos, conferindo um
caráter bastante plural ao programa, além de engajar e comprometer os mais diversos atores
sociais na tomada de decisões e na sua execução. Todavia, a pulverização das iniciativas nesta área
contrasta com o modelo centralizado e homogêneo do programa de seguro-desemprego, tornan-
do bem mais difícil a sua conjugação num sistema mais integrado que atinja simultaneamente os
mesmos indivíduos potencializando suas chances de inserção profissional.
O mesmo pode ser dito – e até com mais ênfase – no que diz respeito ao Sistema Nacional
de Emprego (SINE) responsável pelo encaminhamento e recolocação de desempregados. Embora
sua atuação seja desigual, com poucas exceções (o estado do Ceará parece ser a mais conspícua
delas) o SINE deixa muito a desejar seja na sua função específica, seja na articulação que lhe deveria
99
caber das políticas de combate ao desemprego . O caminho da integração dessas três frentes de
atuação no combate ao desemprego, que a experiência internacional parece recomendar enfatica-
mente, ainda está quase todo por ser percorrido. Algumas iniciativas inovadoras como a da recém-
fundada agência de emprego do ABC, apontam nesta direção e cabe esperar por seus resultados
concretos. Da mesmo forma, estudar a combinação do seguro-desemprego com os programas de
geração de renda, por exemplo, pode ampliar a eficácia de ambos e aumentar o leque de possibi-
lidades a que os indivíduos em busca de ocupação podem lançar mão, permitindo inclusive a
combinação de estratégias familiares que se reforcem mutuamente.
No que diz respeito ao programa do seguro-desemprego, dado que sob o rótulo de “de-
sempregado” ocultam-se, na verdade, fenômenos de natureza e causas muito distintas, parece
bastante razoável presumir que a flexibilização e diversificação de suas linhas de atendimento seria
mais que recomendável. Para dar conta das modalidades particulares de desemprego que atingem
contingentes específicos de trabalhadores, como jovens e mulheres, é indispensável entender
corretamente as causas de suas dificuldades de inserção e elaborar programas especiais, que po-
Referências bibliográficas
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focalização dos programas de proteção ao trabalhador no Brasil”, Comunicação apresentada ao
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Utzig, Luis Eduardo (1996) “Notas sobre o governo do PT em Porto Alegre”. In: Novos Estudos
(45), São Paulo, Cebrap.
CAPÍTULO 7
Como vimos ao longo de todo o texto que antecedeu, os anos 90 foram e seguem sendo
um período de forte ajuste sobre o emprego. Este ajuste se caracteriza por intensa migração de
força de trabalho do setor industrial para os setores de serviços (Caruso e Pero, 1996; Pero, 1997;
Caruso, Pero e Lima, 1997), pela informalização dos vínculos empregatícios (Cardoso, 1998; Cas-
tro, 1998) e pela cristalização de patamares elevados de desemprego (Dedecca, 1997 e 1998;
Dedecca e Montagner, 1996; Pochmann, 1998). A perda de postos de trabalho no setor industrial
deriva tanto dos ganhos de produtividade - fruto de processos de reorganização dos modelos de
gestão da produção e dos investimentos em novas tecnologias (Bielschowsky et al, 1998; Ramos e
Reis, 1997), quanto do desaparecimento de parte da indústria nacional - quer por força da concor-
rência externa, acirrada com a abertura comercial e com a integração regional, quer por efeito dos
movimentos de concentração de capitais (um bom exemplo pode ser encontrado na indústria
brasileira de auto-peças, em Posthuma, 1994).
Do ponto de vista das relações trabalhistas e sindicais, as mudanças no cenário político e
econômico induziram a importantes reorientações. Se, por um lado, o aumento do desemprego, a
redução do emprego fabril e difusão de vínculos informais e instáveis de trabalho têm imposto
fortes obstáculos à ação dos sindicatos, por outro, o contexto de rápida modernização e de estabi-
lização da economia motivou um enorme ampliação da agenda de negociações entre trabalhado-
res, empregadores e estado, reduzindo o grau de conflitividade aberta (grevista especialmente) e
acentuando o papel da negociação nos acordos coletivos.
No plano mais geral das relações sindicais e trabalhistas ganham centralidade no Brasil
(assim como na maioria das economias desenvolvidas) as questões relativas à regulamentação do
trabalho. A legislação brasileira - que data dos anos 40 e que, a despeito de ser extremamente
minuciosa, nunca chegou a ser integral e universalmente aplicada -, é alvo hoje de acirrado debate,
sofrendo críticas tanto do patronato, quanto dos sindicatos de trabalhadores. O sentido da moder-
nização que cada ator pretende imprimir às eventuais reformas, naturalmente, é bastante diverso.
Grosso modo, o empresariado e o governo federal defendem uma desregulamentação de parte
100. Este texto foi preparado por Nadya Araújo GUIMARÃES e Álvaro COMIN, com a consultoria de Márcia de Paula
LEITE, tendo sido originalmente discutido em Seminário promovido pela Columbia University e New York University,
dedicada ao tema “Decentralization, Equity and Local Development: Brazil and Beyond”; University of Columbia-
ILAIS, New York, 2-3 de abril de 1999.
dos direitos associados ao vínculo empregatício que torne mais flexível e barato o uso da mão-de-
obra pelas empresas, sustentando que aí se encontra um aspecto decisivo para o incremento da
competitividade dos produtores brasileiros, competitividade esta que seria a base de garantia para
a geração futura de empregos. Os sindicatos de trabalhadores, por sua vez, tendem majoritaria-
mente à defesa da extensão e universalização de direitos trabalhistas e sociais e ao aumento dos
rendimentos dos mais pobres o que, além dos aspectos de justiça social, operaria como forma de
expandir o mercado interno, sustentando o crescimento econômico e a geração de empregos. A
despeito das divergências entre os atores, no plano regulatório mais geral esse é sem dúvida um
dos aspectos mais importantes em torno do qual se desenrolam o debate e as negociações que
relacionam políticas de competitividade e emprego.
A evolução das negociações, por seu turno, é bastante desigual, conforme um conjunto de
fatores de ordem política, econômica e regional. De modo sucinto, estes fatores têm a ver com a
estrutura das cadeias produtivas (grau de concentração e internacionalização dos capitais) e com a
forma como estas se inserem na economia em abertura (mais ou menos bem sucedidas); com as
dimensões das empresas; com o tipo de mão-de-obra que utilizam (mais ou menos qualificadas e
remuneradas); com o grau de sofisticação dos produtos e os mercados a que se destinam; com o
caráter mais ou menos protecionista das políticas públicas setoriais e com a força das organizações
de trabalhadores.
Um traço de confluência parece, entretanto, se depreender: a reconfiguração na agenda
das demandas que afluem às negociações coletivas, reflexo da coexistência entre, por um lado, a
intensa reestruturação a que fizemos referência até aqui e, por outro, um período de estabilidade
monetária que se seguiu à adoção do Plano Real. Essa agenda transita da pressão por recompor o
poder de compra dos salários (típica das conjunturas de elevada inflação e marcante nos anos 80)
para a necessidade de negociar itens relativos à proteção dos postos de trabalho (face à intensa
reestruturação) e garantia da qualidade destes, em especial no que concerne à preservação das
condições de empregabilidade dos trabalhadores (Dieese, 1998).
“Empregabilidade” passa a ser uma palavra-chave na nova conjuntura dos 90, marcando o
discurso da política governamental e o contra-discurso sindical. O velho conceito que a Sociologia
mantem no seu jargão desde Ledrut (1965), reaparece como um campo de disputa semântica que
tem, curiosamente, por detrás de si um elemento catalizador: a vigência de uma nova “cultura
normativa do trabalho”, que transfere para o terreno da qualificação e formação profissional gran-
de parte dos esforços dos agentes no sentido de definirem políticas dirigidas à preservação do
101
volume e do acesso dos trabalhadores aos postos de qualidade.
A alteração no campo do que se negocia anda de braços com a introdução de novos
terrenos de pactuação, com a construção de novas institucionalidades que fazem intervir agentes
distintos em espaços sócio-institucionais igualmente diversos, muito mais amplos que o formal-
101. Em outra oportunidade (Castro, 1997) já nos detivemos em caracterizar melhor a natureza e a emergência desta
cultura normativa do trabalho.
mente previsto na legislação trabalhista brasileira: câmaras setoriais envolvendo estado, empresá-
rios e sindicatos em torno à negociação de interesses em cadeias e complexos produtivos; foruns
tripartites de gestão de fundos públicos, com participação eqüânime de sindicatos, patronato e
governo; articulação de agentes visando políticas de desenvolvimento regional sustentado e pre-
servação local de postos de trabalho no contexto dos movimentos de reespacialização da indústria.
Estas iniciativas desafiam a nossa capacidade de entendimento e impõem que, pelo seu conheci-
mento, repensemos a riqueza de formas de concertação que hoje se abrem em diferentes âmbitos,
no plano sub-nacional, de forma a aliar o desafio da competitividade com a necessidade de eqüidade
e preservação das condições de sustentabilidade social das mudanças econômicas.
Buscando cobrir esta diversidade de situações no âmbito de uma reflexão ainda inicial,
apresentaremos aqui quatro estudos de caso para sustentar nossa hipótese de que atores tradicio-
nais se defrontam agora com novos terrenos e novas experiências de pactuação, descentralizada e
inovadora frente ao marco regulatório das negociações coletivas no Brasil. Estas situações diversas
procuram abranger desde experiências restritas ao âmbito de uma empresa, a iniciativas de natu-
reza setorial, regional e nacional.
Para ilustrar os novos tipos de micro-negociação, tecidos no âmbito da empresa, apresen-
taremos o caso do “Programa de Qualificação para a Empregabilidade”, iniciativa gerencial em
curso há três anos em uma grande multinacional do setor químico, administrado conjuntamente
por representantes da empresa, dos trabalhadores e do sindicato. Embora ele não se destinasse à
geração de empregos, uma vez que a empresa atravessava intenso processo de reestruturação,
tem como objetivo declarado aumentar o capital de capacitação de seus funcionários, ampliando
suas chances de recolocação, seja na própria empresa seja no mercado de trabalho externo.
Um segundo caso que julgamos relevante pelo seu caráter abrangente e inovador é o da
Câmara Regional do ABC. Trata-se de um conjunto articulado de foruns de negociação onde têm
assento sindicatos de trabalhadores, empresários, prefeituras municipais e representantes da soci-
edade civil. Na pauta, o desenvolvimento regional sustentável e a contribuição desses atores locais
para um gerenciamento local virtuoso dos problemas desencadeados pela abertura da economia
brasileira e globalização das cadeias produtivas locais. Os municípios envolvidos nesta iniciativa são
alguns dos mais importantes entre os que compõem o cinturão industrial da Grande São Paulo,
municípios estes que estão sendo profundamente atingidos pelas recentes mudanças da política
econômica brasileira, notadamente via descentralização de incentivos fiscais e financeiros à
reespacialização da atividade produtiva. Em face dos deslocamentos do investimento industrial
102
para regiões de tipo greenfield, no bojo da recente e intensa “guerra fiscal” parte importante do
desafio posto para esta região de cerca de 2 milhões de habitantes está em produzir uma reconversão
econômica rumo a serviços modernos, que garantam a manutenção e a criação de postos de
trabalho igualmente de elevada qualidade.
102. Na verdade, o deslocamento industrial reflete tanto a busca de maxização da vantagens fiscais e financeiras,
quanto a minimização do custo político da instalação de plantas em regiões de forte presença sindical, notadamente
nos chãos-de-fábrica de empresas poderosas, o que tem permitido aos sindicatos expandir , generalizando, as
conquistas arrancadas nas fábricas de maior mobilização operária.
103. Este é um fundo público com orçamento de perto de 8 bilhões de reais (cerca de 7 bilhões de dólares) que, além
de gerir os recursos do seguro-desemprego, opera linhas de crédito exclusivamente voltadas para a geração de
empregos e qualificação profissional.
empregabilidade? Que sentido adquire a negociação da qualificação profissional quando esta apare-
ce esposada por sindicalismo tão fortemente cioso da sua autonomia e capacidade de crítica à
política governamental, notadamente no que concerne aos efeitos social e politicamente perversos
da reestruturação industrial em curso?
Com estas escolhas pretendemos recobrir minimamente tanto a diversidade de esferas em
que se operam as negociações em torno da modernização e da geração de empregos, quanto a
pluralidade de setores econômicos e de agentes que lideram tais projetos. Ademais, entendemos
que, com estes casos, estaremos dando conta de algumas das mais inovadoras e bem sucedidas
experiências em curso no país. Eles serão apresentados, do mais micro ao mais macro (em termos
de âmbito de abrangência); do mais próximo ao padrão convencional da negociação trabalhista
(gerências e trabalhadores buscam negociar os seus interesses, diversamente mobilizados na con-
secução dos alvos empresariais) ao mais distante dela (sindicatos atuando em formação educacio-
nal de cidadãos; gerências e trabalhadores participando em iniciativas de planejamento do desen-
volvimento regional sustentável).
Nosso primeiro caso diz respeito a um programa, de iniciativa gerencial, que vem sendo
desenvolvido por uma empresa química que é parte de um dos maiores conglomerados químico-
farmacêuticos no mundo. Instalada em 1919, a planta onde se desenvolve tal programa foi a
primeira unidade brasileira construída por este potente grupo multinacional; por isto mesmo, a sua
história nos permitiria, de fato, um verdadeiro ensaio de arqueologia industrial, dada a convivência
de gerações tecnológicas e práticas organizacionais, numa unidade fabril que é mais propriamente
um condomínio industrial de diversas linhas de produtos. Entretanto, a sua estratégia de negócios
sempre foi flexível e no seu horizonte sempre esteve presente a possibilidade de ágil reconversão,
até por ser ela uma unidade multi-produtos, líder no mercado nacional, mas também fortemente
ligada às estratégias internacionais do seu grupo de negócios.
Com 495 trabalhadores, sua força de trabalho equivale, hoje, à metade do contingente
com que iniciou os anos 90. Ademais, foi um dos principais focos da ação sindical no complexo
químico-petroquímico brasileiro em que se situa, com o recorde (no seu grupo empresarial) de 7
greves num período de 10 anos. Denomina-la-emos, daqui por diante, a “Química”.
O processo de abertura comercial afetou-a de maneira bastante peculiar. Isto porque, em-
bora tivesse sido sempre hegemônica nas linhas de produtos em que competia no mercado brasi-
leiro, a Empresa não desconhecia os efeitos da concorrência. A entrada de novos competidores,
nos anos 90, não a abalou; afinal, por pertencer a um dos maiores grupos mundiais no ramo,
sempre esteve de algum modo inserida na acirrada disputa por mercados internacionais. Na verda-
de, o processo de abertura comercial fez com que a empresa aprofundasse o caráter global das suas
estratégias de negócios, sob estímulo da sua matriz. Deste modo, embora tenha sofrido algumas
perdas com a abertura, foi capaz de responder rapidamente ao novo cenário, mantendo o controle
sobre os seus mercados.
Em termos da gestão dos negócios, a abertura da economia brasileira promoveu a
descentralização no âmbito da planta, passando cada uma de suas principais atividades a se repor-
tar a departamentos corporativos de negócios autônomos e virtualmente internacionalizados. O
modelo de gestão organizacional, por sua vez, viu-se diretamente afetado por essa estratégia. Na
medida em que cada atividade principal teria de responder por sua perfomance junto a instâncias
que já não se localizavam na planta (e de certo modo nem no país), as direções das unidades
104
produtivas foram dotadas de grande autonomia de gestão organizacional. Daí resultam trajetórias
de reorganização razoavelmente distintas (com resultados em termos de ganhos de produtividade
também desiguais), mas que, apesar disso, procuraram, todas elas, fazer face a um mesmo conjun-
to de desafios, uma vez que partilhavam uma herança comum.
Esses desafios estavam concentrados em duas frentes, aparentemente contrapostas ou,
quando menos, que se tensionavam mutuamente:
a primeira delas consistia na necessidade de reduzir drástica e rapidamente os custos
fixos da produção, em meio a um cenário inicial (1990-1992) altamente adverso, carac-
terizado por recessão, inflação, política de juros elevados e câmbio crescentemente
defasado, resultados das (desastradas) tentativas do governo Collor de controlar a infla-
ção. Neste cenário, novos investimentos produtivos, seja em capital fixo, seja em expan-
são da produção, estavam desde logo descartados. O ajuste possível, tal como vislum-
brado pelas direções das várias unidades, foi o mesmo, conquanto executado com su-
cesso bastante desigual: redução de efetivos.
O segundo desafio resultava da dificuldade de se construir um novo arranjo regulatório
que norteasse a relação entre os atores; isto porque, falira o arranjo anterior, baseado
na estabilidade de emprego e no confinamento do conflito à questão salarial. Desafiava
este objetivo a própria natureza do período, marcado pela eliminação de postos de
trabalho (de empregos, portanto) e pela presença de uma organização sindical que, se
não estava organicamente enraizada (já que não fora capaz de implantar comissões de
fábrica), contava com uma evidente fidelidade dos empregados. Além disso, a Empresa
estava implantada no reduto de um sindicato bastante poderoso, e que não se podia
simplesmente ignorar.
Diante deste duplo desafio, é evidente que o primeiro seria preponderante; e assim foi. Ao
longo desta década, foram eliminados cerca de 50% dos empregos existentes em 1989, mantido
praticamente intacto o volume de produção. Tal com em outros casos na indústria brasileira dos
104. Três, ao todo, responsáveis por quatro linhas de produtos, os quais podem chegar a quinze ou vinte, dependendo
do momento.
90, e na indústria química em particular (Castro e Comin, 1998), a qualidade e a qualificação foram
os canais inicialmente buscados para a fabricação de alguma outra forma de consenso e constru-
105
ção de um novo marco regulatório, condizente com as novas necessidades.
Tudo indica que, até pelo menos 1994, estes esforços não foram capazes sequer de ame-
nizar o clima extremamente conflagrado que caracterizava a história dessa fábrica. As dificuldades
do conglomerado com uma de suas mais importantes plantas levou-o a iniciativas gerenciais mais
ousadas. Em 1995, um novo superintendente assume a direção da empresa com o propósito explí-
cito de apaziguar as relações trabalhistas e sindicais. A descentralização da gestão entre as unida-
des foi aprofundada, buscando-se estreitar o contato entre os gestores das unidades e os operado-
res. Uma espécie de “reforma branca” na estrutura de carreiras, já iniciada aos poucos, foi acelera-
da, visando a redução dos níveis hierárquicos, a redistribuição de tarefas, e a homogeneização, em
termos de status ao menos, do corpo de operadores que, em sua maioria, passou a ostentar o
106
título (e o salário) mais elevado da carreira .
A necessidade de prosseguir com os planos de enxugamento, entretanto, não favorecia a
constituição de um clima organizacional mais pacífico. As demissões “à moda antiga”, ou seja,
determinadas unilateralmente pelas gerências e seguindo exclusivamente o script da legislação
brasileira, a CLT (aviso prévio de um mês e indenização proporcional ao FGTS), geravam enorme
insatisfação interna. A tradição de baixa rotatividade da empresa, bem ou mal, gerara um compro-
misso de “pertencimento à casa” por parte dos trabalhadores, freqüentemente aludido como
suporte da convivência no período anterior (anos 80). E além disso, uma vez abandonada, haja
visto a urgência em demitir, acabava por fornecer farta munição ao sindicato em suas campanhas
hostis à empresa. Como conciliar redução de efetivos e produção do consentimento?
Por um lado, através de um conjunto de políticas de apoio ao trabalhador em vias de ser
desligado, um cardápio de medidas práticas que, ao fim e ao cabo, consistiam na introdução de
paliativos aos efeitos imediatos do processo de demissão: pagamento de verbas rescisórias além do
previsto em lei; manutenção de determinados benefícios, como seguro saúde, por alguns meses
após a demissão; consultoria de outplacing (em geral para os níveis gerenciais); financiamento para
aquisição de equipamento necessário para o desempenho de atividades autônomas (eventualmen-
te para a própria “Química”); cursos de inglês e informática. Naturalmente, estes eram arranjos
que, em sua maior parte, eram feitos ad hoc, caso a caso, e negociados ou sugeridos ao funcioná-
rio de acordo com sua situação e perfil individuais. Tais políticas, por isto mesmo, escapavam de
105. Opção seguramente impulsionada pela enorme proeminância que passavam a assumir os engenheiros, agora os
responsáveis por praticamente toda a política de gestão de pessoal (inclusive a de admissão e demissão). A rápida
substituição da geração de operadores que estavam na planta há 15, 20 anos (e cuja “cultura” já não se podia
mudar, segundo todos os depoimentos colhidos) foi justificada em nome da qualidade, que se passava a buscar
através do incremento do nível educacional dos trabalhadores, possível apenas com a absorção de jovens (“os mais
velhos já não querem aprender”).
106. Utilizamos a expressão “reforma branca” porque, a despeito de se haver processado um reforma de fato na
estrutura de carreiras (simiplificada sobremaneira), formalmente ela se manteve intacta, conservando a mesma
nomenclatura.
ficando suas qualificações educacionais e técnicas, além de habilidades informais não necessaria-
108
mente relacionadas ao desempenho de suas funções na empresa (conhecimentos de música,
línguas, artesanato etc.).
Pouco antes da realização da pesquisa, foi criado um comitê paritário para gerenciamento
do PQE, formado por dois representantes da empresa (uma da área de Relações Industriais e outro
109
da Gerência de Qualidade), dois funcionários (indicados através de “consultas informais” ) e dois
representantes do sindicato.
Uma campanha de esclarecimento e divulgação precedeu a realização da pesquisa. O co-
mitê pouca influência teve na concepção da pesquisa, cujo desenho e realização, entretanto, fo-
ram conduzidos com autonomia pelos pesquisadores contratados. Sua participação, de fato, deve-
ria ter início nos trabalhos de interpretação de seus resultados e no planejamento da continuidade
do programa.
Uma vez concluída a coleta de informações sobre o perfil dos trabalhadores e suas expec-
tativas, o comitê passou a ter funções mais dinâmicas. Interpretar os resultados da pesquisa e
socializá-los foi a tarefa subseqüente. Dada a própria concepção do projeto, esse processo de
socialização deveria servir para mobilizar e envolver os funcionários, mais do que simplesmente
divulgar resultados. Com esse objetivo, procedeu-se à criação de de 15 grupos de 30 pessoas (o
que perfaz quase 100% do efetivo total de 450 empregados); de cada um dos grupos foram
escolhidas 4 pessoas para participar das discussões sobre os resultados e posteriormente atuarem
como multiplicadores das mesmas junto aos colegas. Pretendia-se, com isso, que as conclusões
desta primeira fase dos trabalhos ganhassem legitimidade ao serem filtradas e apresentadas pelos
próprios funcionários, efeito que talvez não se verificasse se o vetor de comunicação fossem os
dirigentes da empresa ou mesmo os pesquisadores contratados externamente. Esses grupos co-
meçaram a operar, aparentemente com significativa adesão dos trabalhadores.
Não é casual que o PQE tenha inspiração em experiências de retreinamento profissional
de trabalhadores levadas a cabo de forma pactuada entre sindicatos e empresas norte-america-
nos. O propósito de envolver o sindicato neste arranjo é parte vital da iniciativa, dada a penetra-
ção deste na planta; por outra parte, a maneira ambígua como este se engajou é bastante
expressiva. O sindicato da categoria não hesitou em indicar os dois nomes requisitados pela
empresa para compor o comitê paritário, mas, ao que tudo indica, pouca energia investiu em
participar do programa. Segundo os próprios representantes entrevistados, vários eram os mo-
108. A pesquisa foi realizada por um grupo de pesquisadores de reconhecida competência acadêmica, escolhidos
também (cf. depoimento dos gestores do Programa) por seu trânsito e lgitimidade política junto ao movimento
sindical. Consistiu na aplicação de um questionário padrão entre todos os funcionários (com retorno de mais de
90%), entrevistas em profundidade com uma amostra de trabalhadores e discussões em grupo focais. Não cita-
mos o relatório final, por razões de sigilo, para não identificar a empresa.
109. Quanto ao caráter informal da escolha/indicação há consenso nos depoimentos, mas evidentemente que, neste
caso, a direção da empresa qualifica estes funcionários de “representantes”, considerando o processo de escolha
satisfatoriamente democrático, enquanto os sindicalistas os consideram “indicados” uma vez que não houve um
processo eleitoral formal.
tivos pelos quais o sindicato não podia deixar de se integrar à iniciativa da empresa. Em primeiro
lugar, uma atitude de simples rechaço poderia ser traduzida, perante os funcionários da empre-
sa, como falta de interesse por uma temática que claramente se constitui em um problema vital
para todos – a empregabilidade. Em segundo lugar, alegam que o sindicato jamais deveria deixar
de ocupar os espaços que se lhe abrem para influir nas políticas de pessoal da empresa. Além do
mais, se o programa de fato pudesse render algum tipo de benefício para os empregados, era
necessário explorar a possibilidade.
Por outro lado, enorme desconfiança caracteriza a avaliação que os representantes sindi-
cais fazem do programa, o que em parte justifica seu empenho relativamente tímido em participar
do comitê. Para eles, a empresa só tomava uma iniciativa destas porque esperava auferir ganhos,
que provavelmente seriam derivados da maior qualificação dos trabalhadores e sua conseqüente
disponibilidade para exercer um número maior de funções, substituindo, ao fim e ao cabo, os seus
próprios companheiros. Isso não deveria desmerecer a importância, evidente para os trabalhadores
individuais, de adquirir novas qualificações; mas estes não deveriam perder de vista que a motiva-
ção original do programa respondia a interesses da empresa, e não dos empregados.
Note-se que, com isto, os sindicalistas viam no programa, direta ou indiretamente,
virtualidades que nem sequer seus implementadores pretendiam. Para os sindicalistas, o programa
resultaria de uma necessidade concreta da empresa de requalificar tecnica e profissionalmente
seus funcionários, visando a polivalência, a redução de quadros e os conseqüentes ganhos de
110
produtividade e competitividade.
A filiação cutista do sindicato (com todo o corolário aí implicado e bem conhecido) e a
tradição de conflitos com a empresa também se interpuseram entre os sindicalistas e a participação
no programa. Ilustra esta afirmação um episódio ocorrido no segundo semestre de 1996, quando
tinha início o trabalho de discussão dos resultados da pesquisa junto aos trabalhadores da fábrica.
Este era, coincidentemente, o momento da campanha para a sucessão da direção sindical na re-
gião, e os sindicalistas enfrentavam uma oposição oriunda da própria Central, de inclinação mais
radical; estes opositores se utilizaram da participação do sindicato no PQE como peça de campa-
nha, sublinhando o caráter duvidoso do comportamento do sindicato que se punha a “colaborar”
com a empresa. Temerosos das repercussões políticas de sua participação, os representantes sindi-
cais optaram por se afastar temporariamente das reuniões do comitê, até que se verificassem as
eleições. De modo que, até o momento em que nossa pesquisa acompanhou os trabalhos do PQE
na empresa, a participação sindical vinha sendo bastante irregular, por vezes quase ocasional;
entretanto, o simples fato de existir uma representação sindical, especialmente por não ser este um
sindicato de tradição “colaboracionista”, tendeu a conferir grande legitimidade ao programa.
110. Como já deve ter ficado claro, contudo, o PQE não foi concebido apenas como um vetor de requalificação e
aperfeiçoamento técnico-operacional dos trabalhadores, mas como veículo para a difusão de uma nova cultura
organizacional baseada no consenso e não mais no conflito. De certo modo, a desconfiança dos sindicalistas
“errou o alvo” por superestimar as intenções do programa.
A região do Grande ABC, formada pelos municípios de São Bernardo do Campo, Santo
André, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, situa-se no
Sudeste da Grande São Paulo, representando o centro econômico mais dinâmico da Região Metro-
politana da Grande São Paulo.
Seu desenvolvimento remonta ao início do processo de industrialização do Estado de São
Paulo, tendo se constituído num importante espaço industrial desde a primeira metade do século
atual, como resultado do espraiamento da indústria paulista ao longo do eixo da Estrada de Ferro
Santos-Jundiaí, graças à sua localização privilegiada entre a capital e o porto de Santos. Foi, contu-
do, a implementação do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, na segunda metade dos
anos 50, que deu à região o perfil de cinturão industrial da Grande São Paulo; a partir de então, e
aproveitando-se das vantagens locacionais então disponíveis (proximidade do mercado consumi-
dor, facilidade de acesso ao porto de Santos, abundância de terra e mão-de-obra), instalou-se na
região o parque industrial automotivo, bem como o pólo petroquímico de Capuava, entre muitas
outras atividades econômicas que vinham dinamizar a industrialização precedente. Eles formaram
o coração de dois dentre os maiores complexos industriais brasileiros: o automotivo e o químico.
Apesar do grande crescimento econômico experimentado desde os anos 50, e que se tornou
a base das altas taxas de crescimento industrial que marcaram a economia brasileira nas décadas
seguintes, a região vem experimentando recentemente um acelerado processo de crise que se expressa
na diminuição do volume de emprego, na queda do rendimento médio da população, na redução da
participação no PIB industrial brasileiro. No que diz respeito ao volume total do emprego, por exemplo,
observa-se, nos sete municípios, uma redução da ordem de 35% entre 1987 e 1996 (Abramo e
Leite, 1998); só no ano de 1998, cerca de 12.000 postos de trabalho foram fechados na região, que
apresenta uma taxa de desemprego de 19,7%, superior inclusive à da Região Metropolitana da
111
Grande São Paulo . Assiste-se, também, a uma queda significativa no que se refere à sua participação
no produto industrial brasileiro: de 9% em 1980, para 8% em 1995 (Paulino, 1998).
Embora alguns destes traços estejam presentes em outras regiões brasileiras (e este é, sem
dúvida, o caso da contração do emprego formal, da ampliação do emprego e da fragilização dos
vínculos de trabalho), no caso do Grande ABC eles formam parte de uma conjuntura de crise que,
para ser melhor entendida, deve ser vista em sua conexão com dois outros fatores que vêm atuando
sobre a região: (i) a abertura do mercado e globalização das cadeias produtivas, com profundas
implicações para a estrutura industrial local e (ii) a perda de vantagens comparativas regionais, seja
pelo esgotamento de parte importante dos seus recursos locacionais, seja pela elevação do custo
locacional relativo, financeiro e/ou político.
Vejamos. No que se refe ao primeiro item, a abertura econômica e a queda das tarifas
alfandegárias, em condições de intensa apreciação cambial, impactaram sobre o setor de autopeças
e de máquinas, provocando, entre as empresas de maior porte, um grande movimento de fusões e
aquisições por similares estrangeiras que traziam as suas regras de outsourcing; isto se conectou à
grande mortalidade de empresas, especialmente entre as de médio e pequeno porte, com uma
redução significativa de postos de trabalho. Convém lembrar, também, a tendência à
desverticalização e à terceirização para os pequenos fornecedores sobreviventes de parcelas im-
portantes da produção, o que tendeu a provocar a diminuição dos empregos mais bem remunera-
dos e o aumento do trabalho informal.
Já no que diz respeito à perda das vantagens comparativas locais, esta reflete a forma
predatória do desenvolvimento alcançado no período anterior, responsável pelo aparecimento de
111. Conforme dados gerados pela PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego, inquérito amostralde base domiciliar
levado a cabo pela Fundação Seade - Sistema Estadual de Análise de Dados do Estado de São Paulo.
uma série de deseconomias de aglomeração, tais como: trânsito caótico, enchentes, escassez e alto
preço da água industrial, poluição ambiental, terrenos supervalorizados, etc.. A este conjunto de
fatores se somou a tendência à reespacialização da produção, à busca de greenfields por parte das
empresas na tentativa de encontrar novas vantagens locacionais, que lhes permitissem tirar proveito
da guerra fiscal entre estados e municípios e escapar da presença de um sindicalismo combativo.
Esta síndrome de características encarregou-se de difundir entre as empresas a convicção
de que a região estaria impondo altos custos à produção. Tal convicção ganhou foros de truísmo,
tornando cada vez mais corrente, na região, uma expressão que a sintetizava: “o custo ABC”.
Nesse contexto, não somente diminuíam os novos investimentos na produção industrial, como
ocorria um relativo esvaziamento da indústria local, particularmente evidente, a partir de 1994,
quando o Governo Federal desativou a Câmara Setorial do Complexo Automotivo, que havia dado
um novo dinamismo à produção do setor nos dois anos anteriores.
A resposta que a região vem dando à crise – a consolidação de uma Câmara Regional no
Grande ABC -, embora ainda seja por demais recente para evidenciar resultados concretos, é tão
inovadora quanto promissora. Ela se apóia na significativa densidade institucional que caracteriza a
região, a qual se expressa na existência de sindicatos organizados, representativos, solidamente
enraizados na base e portadores de uma importante experiência negociadora; de lideranças em-
presariais que também desenvolveram, ao longo do tempo, uma destacada capacidade de negoci-
ação; e de governos municipais comprometidos com programas inovadores de gestão em varias
áreas.
Conforme explicitaram Abramo e Leite,
“essa densidade institucional é resultado de um complexo processo de constitui-
ção de atores e de espaços de interlocução e negociação que teve lugar na região nos
últimos 20 anos e que pode ser dividido em 3 etapas. A primeira delas vai de 1978 a 1990
e está marcada por uma intensa dinâmica de conflito/negociação entre empresários e sin-
dicatos. Nesse período os sindicatos, principalmente nos setores metalúrgico, químico e
petroquímico, aprofundam seu conhecimento sobre a organização e as condições de tra-
balho, as características dos setores produtivos, fortalecem sua organização, ampliam sua
capacidade negociadora. Produz-se assim um importante processo de aprendizagem e mútuo
reconhecimento de interlocutores, tanto para trabalhadores como para empresários. A
luta sindical é basicamente distributiva e o âmbito principal de definição dos atores e de
constituição de espaços de negociação é a empresa e o setor. O segundo momento se
localiza nos inícios dos anos 90, a partir da abertura comercial impulsionada pelo Governo
Collor e pelo aprofundamento da crise econômica, em especial no setor automobilístico. A
marca mais importante desse período foi a criação da Câmara Setorial da Indústria Auto-
mobilística, importante experiência de negociação tripartite entre o governo (nacional e
estadual), empresários e sindicatos a nível de cadeia produtiva. Os sindicatos assumem uma
posição muito mais propositiva, não apenas no sentido de defender seus níveis de empre-
go e remuneração, seus direitos de organização e representação e suas condições de traba-
lho, como também no sentido de discutir a crise e o futuro da indústria automobilística,
assumindo-se como atores que também tinham parte de responsabilidade quanto a esse
futuro. O terceiro momento tem lugar a partir do final de 1996 e está marcado pela preocu-
pação dos atores mais significativos (principais sindicatos, empresários e, governo do Estado
de São Paulo, governos municipais e organismos representativos da sociedade civil) de fazer
frente à crise que ameaça, não mais agora apenas um complexo produtivo (por mais importante
que esse pudesse ser em termos da economia local e inclusive nacional), mas sim o conjunto
da região” (Abramo e Leite, 1998: 16-18).
É certo que as experiências de cooperação inter-institucional com vistas à gestão local têm
uma história peculiar na região. Ela remonta à criação de dois outros institutos, eles mesmos
testemunhos da densidade institucional a que fizemos refeerência:
(i) o Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings, criado em
112
dezembro de 1990, congregando os sete municípios do chamado Grande ABC , e
(quando este Consórcio entrou em letargia, entre 1993 e 1996, pela chegada às
prefeituras de uma nova leva de administradores pouco afeitos a este tipo de prática)
(ii) o Fórum da Cidadania do Grande ABC que, congregando mais de cem entidades da
sociedade civil como associações empresariais, sindicatos de trabalhadores, grupos
ecológicos, associações de moradores etc, renovou um conjunto de compromissos
113
de caráter regional (Daniel, 1997).
Entretanto, é certo que a concepção da Câmara Regional foi fortemente inspirada pela
experiência da Câmara Setorial do Complexo Automotivo, não por acaso enraizada na mesma
dinâmica política dos atores do ABC.
Institutos governamentais de regulação, a concepção de câmaras setoriais inovara, no iní-
cio dos anos 90, no seu escopo, na sua natureza e nos seus resultados (Cardoso e Comin,1995;
Arbix, 1996; Mello e Silva, 1997). No que concerne ao escopo, cada câmara deveria ter por foco de
intervenção um complexo produtivo, envolvendo todos os atores responsáveis pela cadeia de pro-
dução. Ali tinham assento produtores finais e seus fornecedores, reunidos numa instância de for-
mação consensual de diretrizes que os forçava a negociar interesses. Se é certo que tal negociação
não eliminava os efeitos de assimetrias existentes na distribuição de poder na cadeia de produto-
res, ela certamente ampliava franjas para negociar soluções entre esses desiguais que minimizassem
ou, quando menos, administrassem essa desigualdade. Mais ainda, o escopo da intervenção
regulatória das câmaras tinha, como sua grande novidade, a presença dos sindicatos de trabalha-
dores do complexo correspondente. Com isso, entendimentos usualmente bilaterais, até então
tecidos nas ante-salas da burocracia governamental envolvendo estado e empresas, passavam à
114
esfera pública e nela incluíam representantes dos trabalhadores.
112. O Consórcio foi criado com a finalidade de: (i) representar o conjunto dos municípios que o integram em matéria
de interesse comum, perante quaisquer outras entidades de direito público e privado, nacionais e internacionais;
(ii) planejar, adotar e executar projetos, obras e outras ações destinadas a promover, melhorar e controlar a infra-
estrutura física da região; e (iii) promover formas articuladas de planejamento do desenvolvimento regional, crian-
do mecanismos conjuntos para consultas, estudos, execução, fiscalização e controle de atividades.
113. O salto mais significativo em direção à Câmara se deu, entretanto, ainda em 1996 quando o governo do Estado de
São Paulo lançou publicamente a idéia de criação de uma Câmara Regional para o Grande ABC com a participação
dos governos municipais e da comunidade local a fim de estimular o desenvolvimento econômico regional. Con-
forme explicita Daniel, a eleição dos sete novos prefeitos contribuiu para que os governos locais voltassem a
encarar as questões intermunicipais como fundamentais para o futuro de seus próprios municípios.
114. Este, e os oito parágrafos seguintes foram tomados empréstimo de Castro (1997).
Da novidade de escopo resultou uma definição igualmente inovadora quanto à própria nature-
za desse instituto de regulação setorial. Abandonavam-se as antigas experiências dos organismos
estatais com representação de agentes (tal como fora exercida no âmbito dos órgãos de desenvolvi-
mento regional, ou dos conselhos de política pública), avançando-se para a definição de um ente
público de natureza tripartite que, com independência vis-a-vis à burocracia estatal (apenas um dos
três agentes), propunha diretrizes setoriais num amplo espectro: política tecnológica e de investimen-
to, estratégias competitivas, políticas de financiamento, estratégias de preços e de distribuição face a
horizontes almejados para o perfil da demanda e, finalmente, políticas de emprego, salários e de
negociação dos efeitos do intenso ajuste estrutural sobre a incorporação e uso do trabalho.
Finalmente, prescindindo mesmo de qualquer consideração quanto aos efeitos reais da
atuação das câmaras, a sua mera existência criou novas possibilidades de regulação à nível setorial
das relações industriais no Brasil. De fato, constituiu-se, por primeira vez no país, a possibilidade de
uma esfera pública de negociação das relações de trabalho, onde trabalhadores e empresários
pudessem discutir algo mais que meros instrumentos defensivos face a conjunturas de confisco de
salários por inflação selvagem, como acontecera até o final dos anos 80. Na pauta passavam a
estar as diretrizes de política industrial e do trabalho que, refletindo as novas realidades das rela-
ções sociais de trabalho nos chãos-de-fábrica, a estes retornavam enquanto determinantes de seus
desenvolvimentos futuros.
Essa novidade em âmbito setorial teve lugar num contexto de grandes transformações
115
também no micro-cosmos das empresas. Por um lado, a abertura comercial em meio à crise
econômica do início dos anos 90 expôs as firmas brasileiras a novos padrões de competitividade,
com pressões sobre custos e qualidade, que afetaram as suas estratégias competitivas, políticas de
investimento e modalidades de gestão do negócio. Seus resultados foram imediatos e avassaladores
seja sobre as políticas de efetivos (com sucessivas ondas de demissões e sub-contratações), seja
sobre as relações de trabalho e as práticas de negociação das intensas mudanças organizacionais.
O transcurso dessas mudanças e os seus impactos no nível concreto do dia-a-dia do traba-
lho fabril não estão inscritos ex ante como parte da natureza mesma do processo de reestruturação.
Nesse sentido, convém assumir a necessária distância crítica, seja do ufanismo daqueles que reco-
nhecem uma virtualidade intrínseca à reestruturação, atribuindo-lhe a capacidade de “democrati-
zar” os locais de trabalho, seja do catastrofismo de outros tantos que vêm nos chamados “ambi-
entes reestruturados” o bem-sucedido ardil de um agente social (o capital) que, por fim, subordina
inteiramente (ao dominar ideologicamente) o sujeito trabalhador.
Ao contrário, essas transformações têm sujeitos sociais – plurais e ativos – a sustentá-las. Assim,
somente no âmbito da política, vale dizer, da negociação dos distintos interesses sociais em torno à
reestruturação, se inscrevem a possibilidade e o curso das mudanças na contratação do trabalho. E
115. Das quais, o caso 1, antes relatado, se constitui num excelente exemplo, a indicar como novos contextos de
competição e novos paradigmas organizacionais podem dar lugar a experiências inovadoras, mesmo que limita-
das, de constituição de novas institucionalidades.
quanto a isso, que fatos novos surgiram no Brasil dos anos 90? Parece que o principal deles diz respeito
à possibilidade de que a negociação direta entre empregadores e empregados se expresse num modo
distinto ao que transcorrera no Brasil sob intervencionismo autoritário do estado, intervencionismo este
que informou a estratégia desenvolvimentista no longo período de construção industrial substitutiva,
seja sob a égide de governos civis populistas (como os de Vargas), seja bancado por governos militares
(como os que se seguiram ao Golpe de 1964). Tal novidade redefiniu não apenas os termos da relação
entre sindicato e empresa, mas igualmente entre estes e o Estado.
A novidade, por sua substância, se localizaria agora na possibilidade de um jogo onde
interesses podem ser contratados. Vale dizer, eles não têm que ser equacionados num modelo de
dupla saída, onde apenas se tenha no horizonte (i) ou a possibilidade da subjugação completa do
antagonista nos moldes de um autoritarismo despótico garantido por um estado interventor e
autoritário (até mesmo na instituição de direitos); (ii) ou a necessidade da recusa permanente a
qualquer sorte de contratação, que faz da belicosidade (anti-estatal e anti-patronal) um elemento
definidor de cada ação política do trabalho organizado.
Por sua forma, a novidade dos anos 90 estaria na constituição de novas institucionalidades,
seja à nível meso (setorial), seja à nível micro (da firma). Tais novidades institucionais abriram a
possibilidade de um espaço público de construção de uma outra espécie de contratualidade no
plano das relações industriais.
Ao nível meso, a experiência das câmaras setoriais documentou essas novas condições de
contratação onde Estado, trabalhadores e empregadores (tanto quanto distribuidores e consu-
midores) podem vir a se tornar agentes sociais de igual importância vis-a-vis a sociedade e um
novo contrato social. O ocaso da experiência de nenhum modo lhe retirou a importância. As
câmaras foram, certamente, o mais importante experimento à nível meso (das cadeias produti-
vas) que se teve oportunidade de empreender no Brasil dos nossos dias. A sua mera existência
documenta que a efetividade de novos modelos paradigmáticos põe em questão agentes soci-
ais, terrenos de negociação e expectativas de conduta antes assentes na regulação das condi-
ções de trabalho. Ao fazê-lo, abre caminho para novos experimentos de regulação; alguns tão
avançados quanto as câmaras em seu esforço por trazer a regulação para um espaço público da
pactuação entre iguais.
Tal se verifica hoje com a novidade da Câmara Regional do ABC (Bresciani, 1997; Abramo
e Leite, 1998), extensão, para o âmbito da gestão local, da possibilidade de pactação de interesses
sociais distintos e por vezes até mesmo divergentes, que contempla forte envolvimento sindical
em temas até então circunscritos aos artífices das políticas urbana e metropolitana.
116
Além do ímpeto sindical presente no seu nascedouro – que via na proposta uma forma de
117
contornar a derrota política sofrida pela Câmara Automotiva com a saída do governo federal –a
proposta de uma Câmara Regional retoma, assim, duas características centrais da experiência anterior:
o enfoque centrado no conceito de cadeia produtiva e o esforço de construção de um espaço
público de expressão e negociação de diferentes interesses.
Ao mesmo tempo, como elucidaram Abramo e Leite (1998: 18)), a Câmara Regional
representa um avanço significativo em relação a essa experiência pregressa em três sentidos. Em
primeiro lugar, o tripartismo agora se amplia a um multipartismo; é interessante destacar que a
herança da experiência do multipartismo não vai se dar apenas neste nível regional, como o
documenta a Câmara do Grande ABC, mas também em nível nacional, na inovadora iniciativa de
gestão multipartite de fundos públicos ligados ao emprego e à qualificação, como o FAT, de que
trataremos em seguida.
Em segundo lugar, a visão das cadeias produtivas se enriquece: essas passam a ser pensa-
das como partes constitutivas de um território, que, por sua vez, é visto não apenas como um
âmbito meramente geográfico ou administrativo, mas sim como um espaço socialmente organiza-
do (Albuquerque, 1997); a novidade meso-setorial se torna agora meso-regional. E, em terceiro
lugar, a preocupação com o futuro de determinados setores produtivos se incorpora à tentativa de
definição de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento econômico local.
Este tripé de características confere um sentido ainda maior à novidade da Câmara do
Grande ABC. Isto porque nela comparecem, com participação decisiva, antigos atores que tinham
no local de trabalho, na planta produtiva – e não na região e na sua dinâmica –, o solo comum a
partir do qual teciam formas de negociação. Desse modo, a Câmara Regional, por seu referente
espacial, vai mudar os termos da pactação e o tipo de intervenção que nela farão os sindicatos,
tanto patronais quanto de trabalhadores.
Em parte porque neste novo espaço institucional, o alvo é outro – e mais amplo – que o da
produção, da competitividade e do reparto dos ganhos, haja visto que ela foi concebida com o
objetivo de aglutinar forças governamentais e da sociedade civil na escolha e implementação de
ações regionais que viessem a promover, de modo integrado, o desenvolvimento econômico e
social da região. E, por isto mesmo, é outro – e igualmente mais amplo – o leque dos atores que
formam decisões: além de empresários e sindicatos, a Câmara congrega prefeituras dos municípios
do Grande ABC, o governo do Estado de São Paulo, o conjunto dos parlamentares da região no
nível municipal, estadual e federal, o pré-existente Fórum da Cidadania do Grande ABC, e grande
número de entidades civis organizadas.
Por isto mesmo, seus resultados responsabilizam os agentes tradicionais do mundo do
trabalho com temáticas mais amplas e concernentes ao planejamento local. Uma rápida vista de
olhos pode exemplificar a extensão da ação da Câmara Regional. Qual tem sido o seu percurso em
termos de realizações logradas nestes seus três breves anos de existência?
Numa primeira fase, a Câmara buscou assenhorando-se da realidade regional: promoveu
seminários, estudos sócio-econômicos, diagnósticos das diferentes cadeias produtivas, além da criação
de vinte Grupos Temáticos de Trabalho, voltados para a análise de problemas específicos e propostas
de soluções. Esse conjunto de estudos, debates e negociações deu origem a dois grandes acordos:
118
o primeiro em novembro de 1997 e o segundo em agosto de 1998.
Evidentemente, nem todas as cláusulas foram concretizadas até o momento, assim como
nem todas caminharam com a mesma velocidade. Entre as que mais avançaram cabe destacar a
criação da Agência de Desenvolvimento Econômico, a implantação de Sistemas de Retenção de
119
Águas Pluviais, as obras no Sistema Viário, a Revisão da Lei dos Mananciais e a formulação do
Plano Regional de Qualificação Profissional.
Convém lembrar, entretanto, que juntamente com os esforços de implementação destes
acordos, os agentes sociais envolvidos na Câmara continuaram o trabalho de levantamento de
problemas e busca de soluções, o qual redundou numa segunda rodada de acordos, em número
de 12, assinados em agosto de 1998, muitos dos quais tentam avançar a partir do patamar atingi-
do em novembro de 1997. Dentre estes, alguns dizem respeito diretamente à competitividade
120
econômica regional e à proteção/geração de postos de trabalho , a saber:
121. Nesse sentido, esse acordo também visa fortalecer a cadeia representada pelas petroquímicas de primeira e segun-
da geração e pela indústria de plástico de terceira geração.
122. O Fundo de Aval, já aprovado, terá uma verba inicial de R$ 10 milhões, destinados a garantir 70% dos créditos a
serem obtidos pelas empresas junto às linhas de financiamento dos seguintes órgãos do governo federal: BNDES-
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, Finep- Financiadora de Projetos, FAT- Fundo de Amparo ao
Trabalhador, bem como o Fundo de Investimentos de Crédito Produtivo Popular de São Paulo. O seu agente
financeiro será a Nossa Caixa-Nosso Banco.
123. Segundo entrevista realizada com um gerente de uma grande empresa do setor, a realidade hoje já é bastante
diferente da encontrada quando da elaboração do diagnóstico. De acordo com um sindicalista do setor metalúrgico,
o mesmo vem começando a ser observado na cadeia automotiva, onde as empresas vêm iniciando discussões de
ações integradas no que se refere ao fornecimento de refeições e outros serviços comuns a várias empresas.
124. No momento, já foi formulado o projeto de qualificação profissional do setor de transformação plástica (aguar-
dando a liberação de verba por parte do FAT para entrar em funcionamento) e encontra-se em andamento a
formulação de outro para o setor moveleiro.
125. Apesar de inexistirem novos investimentos significativos na região nos últimos anos, muitas empresas, especial-
mente do setor automotivo, estão revendo seus planos de saída do ABC..
Desde 1995 vêm sendo implantados em todo o Brasil programas de fomento a negócios de
pequeno porte, com o propósito de estimular alternativas de geração de renda e empregos. Estes
programas são sustentados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador-FAT, que é um fundo de cerca
de 8 bilhões de dólares anuais, constituído através de contribuições trabalhistas de empresas e
empregados e é o responsável pela gestão de programas de enorme alcance como o Seguro-
Desemprego (cerca de 4 bilhões por ano) e o Planfor. O FAT e os programas por ele geridos cons-
tituem uma novidade do ponto de vista institucional: trata-se de um fundo dirigido de forma
tripartite (organismos empresariais, centrais sindicais e representantes de variadas esferas de go-
verno), arranjo de escassa e recente tradição no Brasil.
Os programas de geração de renda (PGRs) consistem basicamente na disponibilização de
linhas de crédito subsidiado (com juros inferiores a 5% a.a., bastante baixos para os padrões bra-
sileiros), voltadas para pequenos empreendimentos que, pelo menos idealmente, podem ser for-
mais ou informais, coletivos, familiares ou individuais. Em princípio, estes programas não se esgo-
tam apenas no crédito, mas compreendem também atividades de capacitação, seja dos proprietá-
rios seja de seus funcionários, bem como a vinculação do apoio financeiro à geração de empregos.
Os PGRs se dividem em duas linhas básicas, uma voltada para o meio rural (Proger-Rural e Pronaf-
Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar) e outra para o meio urbano (Proger-Programa
de Geração de Emprego e Renda), subdividida em quatro linhas: a) micro e pequenas empresas; b)
recém-formados; c) cooperativas; e d) setor informal). A intermediação financeira do programa fica
126
a cargo dos bancos públicos federais.
Entre janeiro de 1995, quando teve início o programa, e agosto de 1998, última apuração
disponível, foram aplicados nestes programas cerca de 5,5 bilhões de reais (o que até aquele mo-
mento equivalia aproximadamente à mesma quantia em dólares americanos), uma quantia, como
se vê, bastante razoável, considerando o porte das atividades visadas. Esse montante foi distribuí-
do entre 910 mil beneficiários, resultando em uma média de 6 mil reais por operação. Quantia
aparentemente modesta, mas de impacto não desprezível, especialmente nas atividades agro-
pecuárias das regiões mais pobres. Foram justamente as operações das linhas de crédito rurais que
consumiram a maior parte dos recursos, quase três quartos, para quase 770 mil operações. Em
compensação, as operações no meio urbano, 142 mil, apresentaram uma média de valores bem
superior, 10 mil reais.
Juntas, as regiões Sul (50%) e Nordeste (28%), áreas onde a pequena e média propriedades
rurais ainda têm um peso muito significativo, receberam quase 80% do total de recursos empregados.
Os PGRs brasileiros possuem uma arquitetura institucional razoavelmente complexa, que
encerra ao mesmo tempo suas melhores virtualidades e suas principais fragilidades. O desafio que
126. Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal (CEF), Banco do Nordeste Brasileiro (BNB) e Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
127. Os comentários que se seguem são fruto de participação de um dos autores deste texto (Alvaro Comin) na “Pesquisa
Nacional de Avaliação do Proger, Proger Rural e Pronaf”, financiada pelo próprio FAT e executada por um instituto
independente de investigação, o Ibase - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, do Rio de Janeiro.
A concepção mais geral dos programas parece desde logo acertada. Sabemos que, no Brasil,
os pequenos empreendimentos são responsáveis por uma fatia extremamente relevante dos
empregos. Considerando 2,6 milhões de pequenas e micro-empresas, com até 10 funcionários,
elas empregam cerca de 25% da força de trabalho no Brasil, segundo dados da Receita Federal,
que abrangem apenas empreendimentos formais. Entretanto, como demonstra um recente estu-
do do Simpi (Sindicato das Médias e Pequenas Empresas), a taxa de mortalidade destas empresas é
assustadoramente elevada. Entre 1988 e 1998, das mais de 5 milhões de pequenas empresas
128
abertas, cerca de 78% não sobreviveram . Portanto, um programa de estímulo a este tipo de
negócio, se bem sucedido, parece bastante promissor do ponto de vista da geração (e manuten-
ção) de postos de trabalho.
Com efeito, os dados preliminares parecem confirmar que, no universo de empreendimen-
tos beneficiados pelas linhas de crédito especial, a taxa de mortalidade é significativamente menor,
bem como a taxa de inadimplência. Da mesma forma, nos empreendimentos rurais estima-se que
cada operação de crédito tenha gerado (no período de sua duração), em média, 3 ocupações, o
que significaria um custo de aproximadamente 1.250 reais por ocupação criada. Em que pese o
caráter ainda aproximativo destes dados, eles soam animadores. O efeito destes pequenos créditos
parece ser, pelo menos a curto prazo, muito mais efetivo sobre as atividades agro-pastoris, do que
sobre as atividade urbanas, nas quais o Proger por si só, de um modo geral, não parece ser sufici-
ente para explicar o sucesso ou fracasso dos empreendimentos, uma vez que ele raramente é a
principal fonte de recursos.
Parte do problema pode estar num relativo descolamento entre a concepção dos progra-
mas e as características dos intermediadores financeiros. No caso das atividades rurais, o principal
agente financeiro, o Banco do Nordeste do Brasil, já bastante habituado a lidar com este tipo de
tomador de crédito (também o caso do Banco do Brasil), abraçou o programa de forma bastante
destemida, viabilizando operações com contratos simples e rápidos e poucas exigência de garanti-
as e não parece estar sofrendo com taxas de inadimplência mais elevadas do que a do mercado
como um todo. Já nas atividades urbanas, os agentes financeiros (Banco do Brasil e Caixa Econômica
Federal), até por força das políticas de incremento à rentabilidade que pretendem aproximá-los da
performance dos bancos privados, tenderam a tratar essas linhas de crédito com o mesmo grau de
exigência que devotam às linhas convencionais, ou seja, exigindo garantias de até 14% sobre o
valor dos créditos, depósitos e contrapartidas (como compra de seguros, cartões de crédito etc.) e
meticulosas especificações cadastrais dos possíveis tomadores. Com isso, não apenas os progra-
mas tiveram um alcance muito menor como, ao que tudo indica, atingiram um público de perfil
socio-econômico muito mais elevado do que o pretendido originalmente.
O caso de São Paulo é bastante expressivo deste deslocamento. Ali as operações do Banco
do Brasil atingiram em média a casa dos 25 mil reais e beneficiaram quase totalmente empreendi-
mentos de médio porte e já estabelecidos, servindo no mais das vezes como fonte meramente
subsidiária de crédito a empresas com acesso mais amplo ao mercado financeiro. Assim, os impac-
tos do programa seja em termos de geração de novos negócios, seja em termos de fortalecimento
de atividades já existentes mas precárias parece ter sido residual. Também o resultado em termos
de geração de empregos soa bastante duvidoso e de difícil aferição.
Essa aparente primazia dos agentes financeiros na definição do alvo dos programas já
sugere uma segunda ordem de problemas, esta de natureza institucional. Tal situação só pode se
sustentar mediante a inação ou a precariedade das instâncias que deveriam ser as verdadeiras
gestoras dos programas, as Comissões de Emprego. Como se disse, a sua complexa arquitetura
institucional é sua virtú e ao mesmo tempo o seu calcanhar de Aquiles. Com efeito, os estudos
realizados parecem apontar para resultados bastante mais promissores naquelas localidades onde
as comissões realmente se instalaram e operam. Entretanto, esse parece ser o caso de uma minoria
de municípios e mesmo de estados, de tal modo que o maior ou menor sucesso destes programas
está ainda grandemente condicionado pela capacidade dos seus atores, sociais e políticos, fortale-
cerem-se a ponto de gerenciá-los.
Nesse sentido, introduzimos com o nosso último caso, uma experiência que parece até aqui
particularmente exitosa de desenho e implementação de programa, financiado por este mesmo
fundo público de administração multipartite e executado pela mais importante organização nacio-
nal de sindicatos metalúrgicos: a Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT. Um programa
voltado a uma política sindical de qualificação profissional – o Programa Integrar.
Formação profissional, certamente, não foi uma preocupação do movimento sindical brasi-
leiro. Formação de quadros, sim; qualificação de militantes, sem dúvidas. Por isto mesmo, e até
bem pouco tempo, nem de longe a temática da qualificação parecia fazer parte do repertório
129
sindical.
o
Entretanto, em 1995, a partir das resoluções aprovadas no 3 . Congresso Nacional dos
Metalúrgicos da CNM/CUT foi criado o “Programa Integrar”. O objetivo deste programa continha
uma novidade frente às práticas do movimento sindical daquele momento: “desenvolver e planejar
a formação profissional e resgatar as relações entre sindicato e trabalhadores desempregados.”
(CNM/CUT, 1998: 13)
129. Ou, por outra, quando presente, tinha o estatuto de elemento de denúncia: presente, por assim dizer, pela ausên-
cia, assumia o tom do discurso, bem ao gosto da “bravermania”, que dominou os ambientes acadêmicos e
sindicais; ao capital se imputava a perda progressiva e irreversível da qualificação do trabalhador.
130. Procuraremos, na descrição do programa, dos seus objetivos e metodologia, seguir de perto os termos como a
CNM o caracteriza em seus documentos oficiais.
ciação, tal como tem destacado mais recentemente o Dieese (1998), a partir de análises do seu
banco de acordos e pautas.
Nesse sentido, qual seria o dado novo, a configurar um primeiro contexto? Uma tendência
crescente a se fazer representar – e negociar interesses – nas novas esferas tripartites governamen-
tais, por um lado; uma tendência a penetrar searas – embora fora da fábrica – onde a luta pela
hegemonia e restauração da capacidade de represenrar interesses desborda do âmbito do cotidia-
no de trabalho e passa mais além, para as condições de vida, cidadania, especialmente através do
131
campo da educação e formação profissional.
Nunca antes observamos, como agora no caso brasileiro, tão intenso envolvimento sindi-
cal, e do sindicalismo mais ativo na tradição confrontacionista do 78, com práticas a que o movi-
mento estivera pouco afeito: programas de suplementação educacional, de formação profissional
e treinamento, que associam conhecimento, formação política e incremento de chances de
empregabilidade, como é o caso do Integrar.
Será este um indicativo de que – desafiado pelo êxito das iniciativas gerenciais – o movi-
mento sindical brasileiro avança em direção a uma nova feição identitária, com novas práticas que
buscam recuperar a adesão do trabalhador individual e reconverter os ganhos políticos recente-
mente logrados pelas gerências? Será esta uma explicação contextual suficientemente forte para
explicar a amplitude e pujança de iniciativas como as do “Programa Integrar”?
Uma segunda condição contextual poderia ser a novidade da intervenção estatal nas polí-
ticas públicas de geração de emprego e renda, por um lado, e de formação profissional, por outro.
No caso 3, tratamos o exemplo do Proger, mostrando como a sua complicada arquitetura
organizacional era portadora de uma virtude, que lhe inoculava o caráter de novidade em termos
das formas institucionais de descentralizar ações nesse campo. Atraindo parceiros até então pouco
afeitos ao âmbito das políticas públicas (como, por exemplo, os sindicatos), o Proger demonstrava
um potencial de êxito tanto maior quanto mais enraizadas estavam as suas estruturas estaduais e
municipais de gestão, as suas Comissões de Emprego.
No caso do Pograma Integrar, acreditamos que a sua natureza e envergadura dependem,
também, e em grande medida, de uma nova abordagem da ação governamental com respeito à
forma de produção da política pública em qualificação profissional.
Diante da meta de ampliar a oferta de educação profissional no período de 1995-1998 de
forma a atingir, no seu final, pelo menos 20% da população economicamente ativa brasileira (o que
equivale ao número de 15 milhões de trabalhadores), qualificando-os ou requalificando-os, novamente
numa arquitetura especial se formou. A concepção e implementação do PLANFOR tem lugar de
forma descentralizada, por meio de planos estaduais de qualificação, coordenados pelas secretarias
131. O que aqui descrevemos com respeito ao sindicalismo cutista, tem se tornado um fato também entre trabalhado-
res de outras tendências sindicais, muito embora em programas com abordagens (políticas e pedagógicas de
conteúdo diverso). Vide Dieese (1998)
estaduais de trabalho. Tais planos estaduais, uma vez elaborados pelas secretarias são submetidos à
aprovação das comissões estaduais de emprego, mais uma vez acionadas como agentes de legitimação
social das diretrizes locais. E nelas têm assento os nossos atores sociais clássicos: representantes
patronais e sindicais. Do mesmo modo, é multipartite o forum que define a alocação dos recursos
que financiam todas estas iniciativas – o Conselho do Fundo de Amparo ao Trabalhador.
O resultado deste esforço significa um verdadeiro salto qualitativo no campo da
formação profissional no país. Em relação ao número de treinados, enquanto que em 1994 e
1995 ele alcançou, respectivamente, 83 mil e 153 mil trabalhadores, em 1996 esse número supera
a casa do milhão, com um crescimento de quase 800% sobre o ano anterior. Em relação aos
gastos, onde os montantes despendidos haviam sido de 15 milhões de reais em 1994 e 28 milhões
de reais em 1995, atingiu-se em 1996 a um valor de 226 milhões de reais, com crescimento supe-
132
rior a 800% sobre o último ano (Azeredo, 1998).
Esses resultados parecem testemunhar que a descentralização do gerenciamento, o
envolvimento de atores críticos no âmbito do trabalho e a atenção às especificidades das suas
postulações podem estar tendo efeitos verdadeiramente inovadores em termos dos estreitos limi-
tes das políticas macro-societais de estímulo à preservação dos empregos e de proteção da quali-
dade destes, políticas estas que parecem explorar, no caso brasileiro atual, os limites do que é
possível ser feito em condições de lento crescimento da atividade econômica.
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132. Esse crescimento simultâneo do número de treinandos e do investimento global em qualificação permitiu que o
gasto por treinando atingisse a quantia de 190 reais em 1996. Esse valor significa apenas um ligeiro acréscimo em
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