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CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E

PLANEJAMENTO-CEBRAP

CONVÊNIO CEBRAP/FINEP - 76.98.0140-00

PROJETO

Reestruturação, qualificação e seletividade:


as bases sócio-institucionais de uma
nova contratualidade no âmbito do trabalho

Relatório Final

São Paulo
Dezembro de 2000
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

EQUIPE RESPONSÁVEL

Nome Função Vínculo institucional

Nadya Araújo Guimarães Coordenadora Professora DS-USP, Pesquisadora


Associada CEBRAP
Alvaro Augusto Comin Pesquisador Professor DS-USP, Pesquisador
Associado CEBRAP
Adalberto Moreira Cardoso Consultor IUPERJ
André Gambier Campos Consultor DESEP
Márcia de Paula Leite Consultora UNICAMP-DECISAE
Paulo Henrique da Silva Assistente de Pesquisa CEBRAP-FINEP
Fernando Valentin Assistente de Pesquisa CEBRAP
Mônica Varasquim Pedro Assistente de Pesquisa CNPq-AP
Marcelo Teodoro Assistente de Pesquisa CNPq-IC
Fernando Fix Assistente de Pesquisa CNPq-IC
Marcelo K. de Faria Assistente de Pesquisa CNPq-IC

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

PARTE I – Pontos de partida: As configurações normativa e estrutural


do mercado de trabalho nos anos 90 .......................................... 16

Capítulo 1: Regulação e desregulação do mercado de trabalho no Brasil ............ 17

Capítulo 2: Mudanças na estrutura do emprego ................................................ 33

PARTE II – Achados: Reestruturação e mobilidade dos trabalhadores –


experimentos de análise longitudinal (prospectiva e
retrospectiva) do mercado de trabalho brasileiro nos anos 90 ... 47

Capítulo 3: Os deserdados da indústria: reestruturação produtiva e


trajetórias inter-setoriais de trabalhadores demitidos
da indústria brasileira ....................................................................... 48

Capítulo 4: Laboriosas, mas redundantes: diferenciais de gênero


nos padrões de mobilidade no trabalho industrial no
Brasil dos anos 90 ........................................................................... 85

Capítulo 5: Trajetórias ocupacionais. Um survey com trabalhadores ................. 105

PARTE III – Horizontes: Desafios e possibilidades de construção de


uma nova contratualidade no âmbito das
relações de trabalho no Brasil .................................................... 160

Capítulo 6: Mobilidade setorial, diversidades de gênero e acesso ao


seguro desemprego: vicissitudes do trabalho no Brasil dos 90 ........ 161

Capítulo 7: Por um jogo de soma positiva? Conciliando competitividade e


proteção ao emprego em experiências inovadoras de
negociação no Brasil ...................................................................... 175

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

APRESENTAÇÃO

O emprego fabril está passando por transformações profundas no Brasil contemporâneo, impul-
sionadas tanto pela reestruturação industrial em curso, quanto pela redefinição do papel desse
setor produtivo na divisão social do trabalho no país. Mudanças no seu volume e natureza parecem
marcar os tempos atuais.
Essas transformações não passaram despercebidas à literatura brasileira. Ao contrário, os
anos 1980 foram pródigos em análises sobre tal reconversão1 . Por essa literatura, sabemos que
vários setores industriais experimentaram transformações importantes (conquanto seletivas e de
modo algum generalizáveis) em seus processos produtivos. Sabemos, também, que a moderniza-
ção das empresas não se deu no mesmo momento, nem com igual intensidade. As estratégias de
restruturação obedeceram a constrangimentos diversos, tais como: a posição de cada empresa no
mercado nacional, o seu mix de produtos, o grau de autonomia ou subordinação das subsidiárias
brasileiras face às estratégias globais das matrizes (no caso das multinacionais), a intensidade do
impacto da crise econômica do 81-83 sobre o desempenho econômico das firmas2 . Sabemos,
principalmente, que a reestruturação dos anos 1980 não apresentou um caráter sistêmico, isto é,
careceu de uma integração horizontal entre políticas tecnológicas e de gestão do trabalho, capaz
de configurar um salto qualitativo importante na forma de produzir3 .
Assim sendo, se os anos 90 assistiram ao aumento do número de empresas e de setores
onde novos métodos produtivos e de gestão do trabalho passaram a vigorar, essa modernização
preservou dos oitentas o seu caráter não-sistêmico. Com base num survey abrangente, representa-
tivo das grandes empresas em oito ramos industriais, Valle (1995) mostra que a reestruturação tem
sido branda na maioria das empresas e dos setores produtivos no Brasil. Predominantemente volta-
da para a renovação da gestão do trabalho, ela foi pouco efetiva no que concerne à renovação de

1. Os primeiros sinais dessas transformações já haviam sido detectados, no final dos anos 1970, por Fleury e Vargas
(1983). Eles adquirem maior nitidez nos anos 1980, como mostram os estudos de Carvalho (1987), Peliano (et al,
1988), Abramo (1990), Castro (1994a), Castro e Leite (1994), Leite (1994) e Cardoso (1995a), dentre muitos outros.
Significativamente, as análises empreendidas concentraram-se no estudo de alguns poucos ramos da indústria,
notadamente a automobilística e a metal-mecânica. Razões de caráter estrutural e conjuntural podem ser chamadas
a justificar tal concentração; dentre elas, destacaríamos: o peso político e econômico desses segmentos na configu-
ração industrial brasileira; o padrão tecnológico ali consolidado, com produção em massa e gestão taylorista/fordista
do trabalho, o que os tornou loci mais sensíveis à discussão dos efeitos das mudanças tecnológicas; além, natural-
mente, da importância desses setores enquanto cenários das mais significativas experiências recentes de formação
de classe entre trabalhadores do Brasil (Ver Castro, 1994b: 1).
2. Ver Le Ven e Neves (1985), Peliano et al. (1988), Abramo (1990), Leite (1994), Posthuma (1994), dentre outros.
3. Sobre o conceito de modernização sistêmica, ver Fleury (1990).

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equipamentos. Além do mais, por ser parcimoniosa no esforço de reestruturação do uso do traba-
lho, foi também seletiva na difusão dos novos métodos organizacionais, especialmente aqueles
que requeriam alterações de monta na organização do trabalho, como o just in time interno.
Pouco tempo antes, Fleury e Humphrey (1993) haviam chegado a conclusão similar, com base em
um survey efetuado junto a 18 empresas de ponta em São Paulo e no Rio Grande do Sul. É verdade
que, se comparados aos anos 80, eram surpreendentes os esforços de renovação organizacional
levados a termo no início dos 90, por mais que eles hoje se nos afigurem por demais parcimoniosos.
De todo modo, também Fleury e Humphrey consideraram restrita a renovação de equipamentos
até então empreendida pela maioria das empresas pesquisadas.
Em outras palavras, ainda que timidamente, a indústria brasileira passou a investir em no-
vas tecnologias de base micro-eletrônica e na redefinição dos seus processos de organização e de
gestão do trabalho. Tais investimentos redundaram em ampliação da competitividade internacio-
nal e nacional de alguns produtos made in Brazil e em aumento da produtividade do trabalho.
Entretanto, eles implicaram igualmente em redução do nível de emprego industrial.
Essa conjunção entre crescimento da produção, da produtividade e da competitividade
industriais, por um lado, e queda sistemática do emprego industrial, por outro, passou a se consti-
tuir num dos principais desafios aos estudos sociais do trabalho no Brasil dos anos 90. Ela não
apenas restabeleceu a importância dos estudos sobre o seletividade, emprego e desemprego, como
lhes conferiu um novo enfoque.
De fato, nos últimos anos a literatura brasileira da ciência social havia aposentado as suas
antigas ilações sobre os nexos entre crescimento, modernização e desemprego, tão caras à tradi-
ção da sociologia do desenvolvimento e aos estudos sobre dependência e marginalidade, que
marcaram os anos 60. A partir dos anos 70, o fenômeno do desemprego industrial passou a ocu-
par-nos antes que nada por seu caráter conjuntural, como uma contraface das situações de crise
econômica. Por isso mesmo, nos anos 70 e 80, a sociologia do trabalho no Brasil assumiu as marcas
e preferências temáticas que a qualificariam mais propriamente como uma sociologia da indústria,
ou quando menos, uma sociologia do trabalho industrial. Processos, organização e gestão do
trabalho; identidades operárias e formas de ação coletiva; segmentações e estatutos no mundo
industrial; experiência do trabalho e vida extra-fabril foram alguns dos seus temas mais caros, que
constituíram o mainstream do campo nesse período (Sorj, 1983; Castro, Médici e Patarra, 1984;
Abreu, 1985; Castro e Leite, 1994)4 .
Dentre esses temas não se encontrava a questão do desemprego; exceto, talvez, nos mo-
mentos em que a retração da atividade econômica o fazia um fenômeno socialmente mais visível e,

4. A Sociologia do Trabalho Industrial no Brasil passou a ter, assim, na empresa fabril e no sindicato as suas duas formas
organizacionais prediletas, as lentes através das quais equacionava o seu objeto. Curiosamente, isto não a fez,
tampouco, transmutar-se numa Sociologia de Organizações; suas ferramentas conceituais e tradição teórico-analí-
tica, profundamente marcadas pelo marxismo, faziam-na, antes, uma Sociologia das Classes Sociais em sua expres-
são no mundo do trabalho (exploração, interesses, identidades e ação coletiva formavam um feixe de categorias
fortes que a fizeram imune à tradição da micro-sociologia de organizações, tão relevante na história da Sociologia
Industrial).

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por isso mesmo, academicamente relevante. Os economistas, estes sim, acompanharam de modo
mais permanente a questão; a eles devemos a ênfase e o debate (tornado acerbo exatamente no
momento em que iniciávamos este projeto) sobre o desempenho do mercado de trabalho brasilei-
ro e sobre as formas de mensuração dos níveis de emprego e desemprego ( destacaram-se então,
trabalhos como os de Sabóia, 1991 e 1991-a; Dedecca e Brandão, 1993; Dedecca e Montagner,
1993; Dedecca, Brandão e Montagner, 1993; Amadeo, Camargo et alli, 1993; Amadeo, Barros et
alli, 1994; Amadeo, 1995; Urani, 1995).5
Os anos 90 assistem, desse modo, à presença renovada (i) tanto do fenômeno do desem-
prego industrial - tornado agora um traço ordinário, mesmo nas breves conjunturas de recupera-
ção econômica vividas no curso daquela década, (ii) quanto do modo pelo qual o mesmo aparece
analiticamente equacionado no campo de reflexão intelectual sobre o trabalho no Brasil contem-
porâneo. Atualiza-se o antigo interesse pela relação entre crescimento e desocupação, expresso
agora - nos termos do jargão corrente - na relação entre reestruturação produtiva e desemprego
industrial ou, mais exatamente, entre reestruturação industrial, desemprego e empregabilidade.
De fato, o desemprego industrial passa a ser representado como um dos vértices para os
quais convergem vários dos aspectos direta ou indiretamente vinculados a características da recen-
te reestruturação. Referimo-nos à focalização do empreendimento produtivo e à conseqüente
terceirização de atividades adjacentes; à globalização das cadeias produtivas (out sourcing); à per-
da de competitividade de nichos ou setores industriais inteiros em face à abertura comercial; à
dificuldade de reconversão industrial (investimentos pesados em máquinas e equipamentos), cada
vez mais restrita a grandes grupos econômicos; à conseqüente concentração industrial, dentre
outros.
No curso desses processos, plantas estão sendo enxugadas ou simplesmente fechando,
serviços estão sendo racionalizados, extintos ou terceirizados, e indivíduos estão perdendo seus
empregos, lançados a um mercado de trabalho em intensa transformação. Paralelamente, muitos
outros empregados estão vendo seu trabalho perder prerrogativas antes importantes, como es-
tabilidade, direitos trabalhistas e renda compatível com expectativas de padrão de vida. Tudo isto
significa reconhecer que um número cada vez maior de trabalhadores industriais já não logra
manter seja o seu emprego e direitos trabalhistas, seja as suas expectativas de vida e status, tradi-
cionalmente associadas a empregos estáveis e melhor remunerados.
Essas considerações conduzem, de imediato, à indagação sobre as vias de incorporação
produtiva e social desse vasto contingente de trabalhadores que perdeu, ou está em vias de
perder, seu emprego na indústria mercê da reestruturação. Traduzindo a preocupação em ou-
tros termos, poderíamos chegar a uma das perguntas-chave dos estudos atuais do desemprego,

5. Não sem razão coube aos economistas o uso reiterado e principal responsabilidade pela difusão da expressão “déca-
da perdida”, como forma de qualificar o significado social dos anos 80; os sociólogos, especialmente aqueles volta-
dos para os estudos do trabalho e dos movimentos sociais, contraditavam-nos, destacando os ganhos deixados pelos
oitentas no que concerne à organização da sociedade civil e ao exercício da cidadania, em que pese o pífio desem-
penho econômico e as perdas em postos de trabalho de maior qualidade.

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qual seja: será plausível admitir que alguns tipos de trajetórias ocupacionais levam à exclusão do
mundo fabril, enquanto outras trajetórias permitem preservar aqueles que as vivem? Para quais
contingentes de trabalhadores torna-se maior o risco da exclusão? Há diferenças entre setores
industriais? Há diferenças entre regiões do país? A que se deve atribuir essas diferenças: às
intensidades diversas da reestruturação industrial em cada setor e região? Às características es-
pecíficas dos processos de trabalho? Às características específicas da força-de-trabalho? À maior
ou menor capacidade institucional de negociar e regular essas novidades? Estas são questões
hoje abertas na pauta de investigação no campo dos estudos do trabalho no Brasil. Entendemos
que respondê-las é um dos desafios analíticos mais imediatos. Como, então, encaminhar uma
possível resposta?
O projeto que se desenvolveu no Cebrap entre 1998 e 2000 visou encaminhá-las a partir
de uma perspectiva de análise que inovava ao procurar conjugar: (i) o estudo da dinâmica das
firmas e da reestruturação técnico-organizacional em alguns dos mais importantes complexos
industriais brasileiros (automobilístico e químico), (ii) o estudo dos efeitos dessa dinâmica em
termos de seletividade e de oportunidades ocupacionais para os indivíduos, realizado através da
identificação e análise das trajetórias individuais no mercado de trabalho e das chances individu-
ais de re-inserção no mercado dos empregos protegidos; (iv) o estudo das formas de negociação,
dos novos atores e/ou instituições na representação de interesses coletivos que emergem no
âmbito do trabalho.
Dessa maneira, o projeto foi concebido de modo a articular, num enfoque novo para a
Sociologia do Trabalho no Brasil, temas e metodologias, afim de se problematizar sobre o alcance
das transformações estruturais em curso e sobre sua capacidade de produzir uma nova
contratualidade social. Pesquisá-la, ao nosso ver, requer entender suas bases sociais e institucionais,
indagando suas possibilidades e limites. Ao fazê-lo, criamos a possibilidade de retomar (criticamen-
te e por um novo ângulo) a discussão tão cara à Ciência Social contemporânea acerca das formas
de inclusão e de exclusão na sociedade e dos fundamentos destas no âmbito das relações sociais
no trabalho.
Do ponto de vista institucional, o desenvolvimento do presente projeto permitiu ao Cebrap
colocar num novo patamar a sua área de “Estudos do Trabalho”. Isto porque, em torno da proble-
mática aqui anunciada, foi possível articular achados de diversos projetos que haviam sido conclu-
ídos em anos anteriores6 ou mesmo ainda em desenvolvimento quando da formulação da propos-
ta à Finep7 . A novidade deste novo patamar: a concepção de um desenho de análise que visava

6. Alguns deles foram financiados pela própria FINEP, como “Os cavaleiros do anti-apocalipse” e “Qualificação, merca-
dos e processos de trabalho: estudo comparativo no complexo químico brasileiro” (este último desenvolvido em
parceria com a UNICAMP/CEDES como parte do “Programa de Pesquisas em Ciência, Tecnologia, Qualificação e
Produção”). Outros, como “Transformación económica y trabajo en América Latina: comparación México, Colombia,
Brasil” fiananciados a partir do exterior ( Fundação Volkswagen/Universidade de Bremen)
7. Como é o caso dos estudos sobre “Trajetórias ocupacionais, desemprego e empregabilidade” (financiado pelo
Programa de Dotações Ford/ANPOCS) e “Desigualdades de gênero e raça: duas perspectivas - saúde e trabalho”
(financiado pela Novib).

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avançar na conexão entre campos temáticos que vinham sendo analisados de maneira estanque
até o final dos anos 90, tanto no Cebrap, em particular, como na Sociologia brasileira do Trabalho,
em geral. Tal desenho, conquanto analiticamente ambicioso, teve, por certo, a sua viabilidade
sustentada pelo esforço de pesquisa anteriormente desenvolvido por meio dos projetos institucionais
recém-findos.
Por isso mesmo, tornou-se possível - com um acréscimo relativamente pequeno de pesqui-
sa primária (vale dizer de produção primária de informação empírica), dar um importante salto de
qualidade interpretativa e interligar três tipos de fenômenos que desafiavam o nosso entendimen-
to no campo dos estudos do trabalho: as novas tendências de reestruturação das firmas e a
seletividade que elas impõem no emprego de força de trabalho; as efeitos destas nas oportunida-
des ocupacionais no mercado de trabalho, condicionando trajetórias de mobilidade setorial indivi-
dual que buscam fazer face a essa onda de intensa racionalização no uso do trabalho; os novos
mecanismos e instâncias institucionais de representação e negociação de interesses coletivos que
emergem nesses contextos reestruturados constituindo-se em experiências inovadoras, em possí-
veis horizontes para as condições de contratação das relações de trabalho.
Entretanto, se, nesse projeto, foi possível minimizar o investimento em estudos de campo,
enorme foi a inversão de esforços no sentido de articular o que antes havíamos observado sobre a
reestruturação das plantas com o que poderia ser dito acerca dos seus elos com os destinos indivi-
duais no mercado de trabalho. Análises sobre o mercado de trabalho, dissemos antes, haviam se
tornado pouco freqüentes no cardápio da Sociologia do Trabalho no Brasil dos 80-90. Quando
elaboradas, seu corte analítico tinha um viés dominantemente transversal, de tipo cross-section,
estimulado em muito pela nova fronteira empírica aberta pela disponibilidade, no meado dos anos
90, das bases de dados do sistema RAIS-CAGED.
Mas, tais análises transversais eram de pouca utilidade para responder às perguntas que
nos colocávamos no projeto cujos resultados ora apresentamos. Havia que avançar
metodologicamente, tornando a variável “tempo” um elemento endógeno ao desenho dos mode-
los de análises. Era imperioso transforma-las de transversais em longitudinais, de modo a acompa-
nhar os percursos, reconstituindo os trajetos ocupacionais dos indivíduos, num mercado que via a
sua rationale ser transformada tanto pelas micro-estratégias organizacionais de reestruturação da
gestão de recursos humanos, tanto quanto pelo intenso ajuste macroeconômico que andou de
braços com a abertura comercial e desregulamentação (que implicaram na retração da intervenção
do estado, direta, enquanto produtor, ou indireta, enquanto fornecedor de subsídios diversos à
atividade econômica).
Para aceitar o risco de inovar metodologicamente no trato do fenômeno do desemprego,
importantes parcerias intelectuais e institucionais fizeram-se necessárias. Inicialmente, com o
CIET/SENAI, no projeto sobre “Trajetórias ocupacionais, desemprego e empregabilidade” (finan-
ciado pelo Programa de Dotações Ford/ANPOCS) foi possível avaliar o potencial das bases secun-
dárias de dados para nos permitirem inferir sobre cursos possíveis dos destinos individuais. Dele

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resultou a certeza de que a longitudinalização dos dados da RAIS, na forma da nova base de
dados RAIS-MIGRA, facultaria o desenho almejado. Graças à parceria com o CIET e com a
DATAMEC (viável, esta última, graças ao apoio do Ministério do Trabalho e do Emprego) foi
possível participar da discussão do desenho e arquitetura da nova base, além de ter acesso aos
dados experimentalmente produzidos na primeira versão da MIGRA, com trajetórias de mobili-
dade intersetorial dos demitidos da indústria brasileira a partir de 1989, acompanhando suas
experiências de re-inserção no trabalho formal até o ano de 1985 (inicialmente) e 1987 (posteri-
ormente). De início, 5 coortes de demitidos (nos anos de 1989 a 1993), às quais foram posterior-
mente agregadas outras duas (as coortes de 1994 e 1995), foram acompanhadas com rigor
estatístico e metodológico, de modo a podermos, como o fazemos no texto que se apresenta
agora, analisar os efeitos da reestruturação sobre as chances de empregabilidade desses traba-
lhadores, tendo em conta diferentes dimensões da qualificação - aquela que resulta de caracte-
res adquisitivos (como escolaridade, tempo de emprego) e aquela que resulta de caracteres
adscritivos (como idade ou sexo).
A novidade do desenho impunha o acesso a recursos de análise estatística e de construção
metodológica da demonstração que nos foram facultados mediante intenso processo de coopera-
ção interinstitucional, nacional e internacional. Nele alguns companheiros de pesquisa foram deci-
sivos, como: Adalberto Moreira Cardoso, do IUPERJ, parceiro desde a primeira hora e consultor
deste projeto; Peter Elias, Kate Purcell, Margaret Birch e Abigail McKnight, todos formando (no
momento inicial do nosso projeto) parte do corpo de pesquisadores do Institute for Employment
Research da Unviersity of Warwick (Reino Unido); Alain Degenne, Marie-Odile Lébeaux, pesquisa-
dores do LASMAS – Institut du Longitudinal, IRESCO (França, Paris e Caen); Claude Dubar e Didier
Démazière, do PRINTEMPS – Université de Versailles Saint-Quentin em Yvelines; Helena S. Hirata
do GEDISST/IRESCO (França). Esses colegas envolveram-se em diferentes momentos, com diferen-
te intensidade, no processo de discutir desenho, avaliar metodologias, debater primeiros resulta-
dos e, sobretudo, aportar conhecimento de literatura internacional e possibilidades teóricas e téc-
nicas de focalizar o problema do modo pelo qual nos interessávamos, facultando equacionar com
competência a ambiciosa proposta formulada à Finep.
Para que tão intenso processo de intercâmbio ganhasse concreção, foi imprescindível o
apoio do CNPq, na forma do suporte a projeto de cooperação internacional no quadro do Progra-
ma CNPq-The British Council, bem como aportes complementares para viagens científicas, ao qual
se uniu o suporte de outras instituições como a The William and Flora Hewlett Foundation.
Finalmente, a acolhida do Cebrap às idéias inovadoras que arriscamos propor quando da
concepção deste projeto, foi decisiva para que o pudéssemos levar adiante tais idéias. Seu suporte
institucional e a eficiência dos seus quadros administrativos foram condição sine qua non para a
finalização do empreendimento.
No curso do desenvolvimento do projeto, a incorporação de alguns dos membros da nossa
equipe aos quadros docentes da Universidade de São Paulo constituiu-se num fato novo que pode-
ria haver instabilizado o desenvolvimento das atividades, não fora o respeito incondicional e apoio

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conferido (através do Departamento de Sociologia) aos compromissos intelectuais previamente


assumidos; este foi um outro fator decisivo para que se pudesse levar a termo a enorme responsa-
bilidade que a pesquisa projetada impunha.
Sem dúvida, a ambição do projeto deixa, no momento da finalização deste relatório, lacu-
nas ainda abertas e perspectivas por explorar. Assim, nem de longe dimensionávamos quão difícil
seria a produção das bases longitudinais: produzir uma nova arquitetura para a RAIS, checar a
qualidade dos seus dados, desenvolver metodologias para trata-los, ultrapassar a enorme dificul-
dade de processar enormes massas de dados em equipamentos nem de longe afeitos a tal, desen-
volver competência analítica para produzir interpretações convincentes dos novos dados. Mais
ainda, testar a possibilidade de articular análises mais cuidadosas de dados secundários, retrabalhados
sob nova forma (como foi o caso da MIGRA, criada como base longitudinal prospectiva), com a
produção de novos dados primários, na forma de experimentos piloto para desenho de verdadei-
ros inquéritos longitudinais de tipo retrospectivo.
Assim, antevíramos, no projeto original, a realização de dois surveys longitudinais pilotos,
um em cada região pré-escolhida para análise o (S.Paulo e Salvador), por representarem situações
de estruturação do mercado de trabalho bastante distintas e por sediarem concentrações dos dois
setores industriais que havíamos escolhidos como típicos de formas de reestruturação também
variadas (automobilística e química moderna). Nem de longe imaginávamos, no ponto de partida,
as dificuldades envolvidas na montagem e coleta de dados na forma de questionário longitudinais
retrospectivos, de tipo calendário; mais ainda, nem sequer imaginávamos como tal dificuldade
colocava problemas de enorme monta tanto no treinamento e controle de campo quanto, e por
isto mesmo, nos custos para produção da informação. Por isto mesmo, apenas um survey piloto
pode ser realizado, na Região Metropolitana de São Paulo, focando trabalhadores egressos da
automobilística. As lições retiradas desta experiência, se não nos facultaram repeti-la para Salvador
(dada a falta de recursos e a dificuldade de montagem de um campo a uma tal distância geográfica
sem o necessário suporte financeiro), permitiram-nos desenvolver uma nova parceria, com a Fun-
dação SEADE, para o teste de um suplemento sobre mobilidade, a ser anexado à PED – Pesquisa de
Emprego e Desemprego; num novo projeto, a ser desenvolvido entre 2001 e 2003, tal suplemento
em parceria estará sendo tentativamente levado a campo. Do seu êxito pode depender a possibili-
dade de um módulo igualmente suplementar que seja anexado não apenas à PED-São Paulo, como
à PED-Salvador, facultando, no futuro, realizar a comparação que nos interessava, e ampliando as
possibilidades descritivas das bases oficiais de dados atualmente produzidas no país – alvo principal
de qualquer inovação metodológica que se pretenda duradoura.
Diante de tantas alternativas e desafios, o material coligido no presente relatório contem-
pla, com a máxima fidelidade possível, os avanços logrados nestes dois anos de trabalho, bem
como as dificuldades, os pontos de empaque, com que a pesquisa se defrontou. Seus textos têm o
calor (e os limites) dos achados, tal como foram sendo logrados, no correr do tempo. Com freqüência,
eles têm a forma que originalmente lhes demos e que nos parece a mais adequada – a de comuni-
cações de resultados de pesquisa, já que todos eles foram sempre documentos para discussão com

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os pares, e não apenas meros relatórios burocraticamente formulados para atender à exigência do
financiador, mas em nada temperados pela discussão na comunidade científica. Por isto, por vezes
se superpõem, nem sempre se intercomplementam, mas sempre se desafiam reciprocamente, e
desafiam a nossa área de pesquisa, no Cebrap, em termos da sua formulação analítica e temática.
O Relatório Final que aqui se apresenta está organizado em 3 grandes partes, procurando
seguir a idéia guia do projeto inicialmente proposto. Na primeira, tratamos de situar as mudanças
no mercado de trabalho, num contexto de intensa reestruturação produtiva como foram os anos
90. Um capítulo preliminar apresenta um panorama dos pontos de partida normativo-institucionais,
sistematizando o debate sobre regulação e desregulação no mercado brasileiro de trabalho, tendo
em mente as tendências dos anos 90. Em seguida, um segundo capítulo, trata da dinâmica mesma
do mercado de trabalho, sistematizando o que dispúnhamos inicialmente em termos de conheci-
mento sobre os movimentos da ocupação, vistos no tradicional enfoque transversal.
A Parte II focaliza propriamente a novidade deste projeto – os achados longitudinais sobre
mobilidade intersetorial dos trabalhadores demitidos, focalizando setores em intensa reestruturação
e cuja dinâmica intra-firma havia sido por nós acompanhada nos projetos institucionais anteriores
– automobilística e química. Nesta parte reunimos tanto os achados relativos aos novos dados
longitudinais prospectivos – produzidos a partir da RAIS-MIGRA, como os achados produzidos pelo
survey piloto, realizado em Diadema (Região Metropolitana de São Paulo), testando a metodologia
de trabalho com um questionário-calendário, num estudo longitudinal de tipo retrospectivo. As-
sim, no capítulo terceiro analisamos dados longitudinais prospectivos da MIGRA de modo a associ-
ar analiticamente trajetórias de reestruturação de empresas e trajetórias de mobilidade dos traba-
lhadores atingidos por sua reestruturação. Já no capítulo quarto, tratamos de especificar tais ten-
dências tendo em mente um recorte que buscamos perseguir no projeto e que é central aos estu-
dos sobre qualificação e empregabilidade – as vicissitudes de gênero e as desigualdades de oportu-
nidades entre homens e mulheres, vistas tanto na perspectiva do que nos provêm as análises
demográficas de bases transversais, como com os novos aportes que nos permitem formular os
dados longitudinais produzidos neste projeto. Finalmente, a Parte II se conclui com o capítulo
quinto onde apresentamos os resultados do levantamento longitudinal de tipo retrospectivo reali-
zado na forma de um piloto na Região Metropolitana de São Paulo, em Diadema, acompanhando
trajetórias de trabalhadores metalúrgicos ali residentes.
A Parte III reflete tentativamente sobre horizontes, resultantes destes processos para arran-
jos institucionais relevantes; ela procura apontar para os efeitos dessas novas tendências estrutu-
rais para políticas públicas e perspectivas inovadoras de negociação das relações de trabalho. Dois
tipos de resultados pontuais são aqui apresentados, como fruto das inquietações a que demos
guarida nestes dois anos de trabalho. No capítulo sexto, desenvolve-se, à luz dos achados do
projeto, um estudo sobre um exemplo de instrumento convencional (e de suma importância) na
política pública de emprego – o seguro desemprego; novamente utilizando informações transver-
sais e longitudinais, indagamos sobre as possibilidades e limites deste tipo de política tendo em
mente a natureza do desemprego que caracterizou os anos 90 e os padrões de trânsito no merca-

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do de trabalho, especialmente focalizando o grupo das mulheres, dadas as peculiaridades que no


texto se descreve. No capítulo sétimo, finaliza-se este Relatório com vistas voltadas para o horizon-
te: são analisadas algumas iniciativas (que ousaríamos denominar como inovadoras) de negociação
das relações de trabalho que, sintonizadas com objetivos de proteção ao emprego, procuram não
perder de vista as exigências (ou as vicissitudes) da intensificada competitividade; elas apontam, a
nosso juízo, para a possibilidade de saídas inovadoras, que desafiariam as usuais e aparentemente
inescapáveis soluções de tipo “soma zero”? Estariam as mesmas acenando para a emergência de
uma nova possível contratualidade no âmbito das relações de trabalho no Brasil? Quão efetivas são
elas enquanto “saídas”? Quão duradouros serão os seus efeitos? Qual a capacidade de que inter-
venções em plano sub-nacional (como o são muitas delas), com atores locais ou regionais pouco
afeitos a atuar em esferas como as que indicamos, venham a contra-restar (ou quando menos
paliar) efeitos de processos macro-sociais, dependentes de iniciativas e políticas tradicionalmente
definidas em plano nacional e, hoje, mais e mais em escala supra-nacional (dadas estratégias com-
petitivas de firmas multinacionais e cadeias produtivas globalizadas)? Estas são indagações que,
por certo, ficam abertas para ulterior investigação e análise.

São Paulo, dezembro de 2000


Nadya Araújo Guimarães
Coordenadora do Projeto

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Convênio Cebrap/Finep 15
PARTE I

PONTOS DE PARTIDA

As configurações normativa e estrutural do


mercado de trabalho no Brasil dos anos 90
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

CAPÍTULO 1

REGULAÇÃO E DESREGULAÇÃO DO
MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL8

As grandes mudanças no padrão de regulação econômica que tiveram curso no Brasil


dos anos 90 produziram, como veremos, enormes impactos sobre o mercado de trabalho e,
consequentemente, sobre as relações capital trabalho. Encolhimento no emprego industrial e inchaço
do setor terciário, a ampliação formidável do mercado informal de trabalho e do desemprego e o
declínio do movimento grevista, são apenas algumas delas. Em contraste, o arcabouço institucional
e legal que regula as relações de trabalho no país não sofreu grandes reformas, ainda que na
prática tais relações tenham se redefinido parcialmente. E isso a despeito de que praticamente
todos os atores políticos relevantes (empresários, poderes executivo e legislativo e sindicatos) te-
nham denunciado (obviamente de pontos de vista radicalmente diversos) o anacronismo e a
inadequação deste arcabouço para a realidade brasileira atual.
É cada vez mais duvidoso, entretanto, que a persistência da legislação corporativa (segun-
do a definição clássica na literatura sobre o Brasil) ainda justifique que o modelo efetivo de regulação
das relações trabalhistas no Brasil siga sendo classificado de corporativo. O legado desta legislação
sobre a constituição dos atores e dos poderes que definem estas relações é inequívoco, porém o
seu alcance regulatório parece nitidamente decrescente, seja pela desestruturação de uma parte
relevante do mercado de trabalho, seja pelo surgimento de novas institucionalidades e espaços
regulatórios que escapam inteiramente àqueles atores tradicionais ou no mínimo exigem que estes
se reconfigurem, inclusive formalmente, em aspectos cruciais.
O primeiro capítulo deste relatório, que pretende oferecer uma análise mais geral da evolu-
ção recente do quadro de relações de trabalho no Brasil, se desdobra assim em duas seções. A
primeira faz uma síntese das principais características do modelo legal de regulação das relações
trabalhistas no Brasil. A segunda analisa as transformações ocorridas nos padrões das relações
capital-trabalho na década de 90. Em cada seção procuraremos aliar a análise das transformações
efetivas com a análise das mudanças de cunho institucional-legal.

8. Os dois capítulos que compõem esta Primeira Parte, juntamente com o capítulo 7, da Parte III, na forma em que se
apresentam, foram originalmente preparados por Alvaro COMIN e Nadya GUIMARÃES (com consultoria de Márcia
de Paula LEITE), como parte de texto mais amplo para discussão em Conferência promovida pelo Institute of Latin
American and Iberian Studies da University of Columbia, em abril de 1999. Posteriormente também apresentados e
discutidos em Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, Porto Alegre, setembro de 1999 e seminário promo-
vido pelo GREITD – Groupe D’Etudes sur l’Internationalisation dês Techniques, Travail et Developpement, no Institut
dês Hautes Études de l’Amérique Latine, Paris, fevereiro de 2000.

Convênio Cebrap/Finep 17
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

A legislação vigente

A atual legislação trabalhista brasileira tem sua matriz básica na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), que data dos anos 40 e em grande medida conserva sua concepção e formato
originais. Elaborada sob regime ditatorial de inspiração fascista, esse modelo de regulação das
9
relações trabalhistas ficou classicamente definido como “corporativo” , pela intensa presença do
Estado na estruturação seja das relações de uso e remuneração da força de trabalho, seja dos
próprios atores sociais. A classificação do corporativismo brasileiro como de tipo “estatal”, consa-
grada por Schmitter (1974), por oposição ao corporativismo de tipo “societal”, tinha por objetivo
enfatizar a natureza verticalizada e estatalmente orientada do processo de construção normativo
dos mecanismos de regulação das relações capital-trabalho no Brasil. Normatividade em certo
sentido “precoce”, uma vez que se fez simultaneamente com o desenvolvimento urbano industrial
do país, também ele estatalmente estimulado e dirigido.
Independente das escolhas conceituais que se adotem, o fato é que antes mesmo que as
relações tipicamente urbanas e capitalistas de assalariamento se tornassem predominantes no país,
o Brasil já contava com uma extensa legislação trabalhista Sob influência do direito positivo (princi-
10
palmente italiano) a pretensão de seus idealizadores era a de que a legislação e a Justiça do
Trabalho operassem como “árbitros imparciais” capazes de não apenas ordenar mas tanto quan-
to possível prevenir e anular os conflitos de ordem individual e coletiva entre trabalhadores e em-
pregadores. Daí a meticulosidade da legislação trabalhista e o traço fortemente tutelar da legisla-
ção sindical.
Assim concebida, como instrumento capaz de prever e normatizar as mais particulares
situações implicadas nas relações de produção, a CLT que já nasceu com mais de quatro centenas
de artigos, acumula atualmente perto de mil – mais do que o dobro do número de artigos do
Código Penal Brasileiro, por exemplo, responsável por tipificar e prescrever punições para todos os
delitos conhecidos. Entre as várias heranças que nos foram legadas por décadas de operação desta
portentosa obra jurídica, cumpre destacar quatro.
A primeira delas diz respeito a uma certa atrofia (forçada) das negociações diretas entre
empregadores e empregados. Em termos ideais (obviamente inatingíveis), os legisladores brasilei-
ros ao almejarem estabelecer em lei não os mecanismos de solução de conflitos, mas as próprias
soluções para os conflitos tenderam a esvaziar quase completamente a agenda de temas passíveis
de serem pactuados diretamente nos espaços de negociação coletiva. Não que a legislação não
previsse as negociações coletivas, ao contrário, justamente um dos fatores para a sua atrofia foi a
excessiva ingerência do poder público sobre o formato institucional da representação e da negoci-

9. Para uma discussão sistemática do conceito de corporativismo e suas aplicações ao caso brasileiro consulte-se o
trabalho de Arbix (1996).
10. Luiz W. Vianna (1976) mostra como, na verdade, na matriz do Estado Novo a tradição positivista teve influência
disseminada, não apenas na legislação trabalhista, mas em toda a concepção anti-liberal de estado desenvolvimentista.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

ação coletivas. Paralelamente, o poder judiciário procurou absorver o máximo possível todo o con-
teúdo destas negociações na própria legislação. Na prática essas pretensões nunca se efetivaram
totalmente e, com exceção dos períodos abertamente autoritários (de 1937 a 1945 e de 1968 a
1978), os sindicatos sempre procuraram expandir seu papel na regulação das relações de trabalho,
abraçando desde temas de largo alcance, como as políticas salariais nacionais, as reformas dos
sistemas previdenciários ou mesmo a redemocratização do país, até os conflitos cotidianos típicos
das relações internas às empresas afetos a disciplina, novas tecnologias, saúde no trabalho etc.
Mas a Justiça do Trabalho tendeu sempre a se impor como espaço privilegiado de solução de
conflitos fazendo com que mesmo os atores sindicais mais críticos à sua existência e prerrogativas
mantenham até hoje uma postura extremamente ambígua diante dela (voltaremos a este ponto).
Uma segunda decorrência importante deste modelo de legislação trabalhista foi a enorme
pulverização da estrutura sindical e uma densidade de representação quase sempre baixa e restri-
ta. Esta estrutura também foi criada nas décadas de 30 e 40 e só em 1988 (ocasião da promulga-
ção da nova Constituição brasileira) sofreria algumas alterações, mantendo, contudo, suas caracte-
rísticas fundamentais. Formulada com o propósito explícito de evitar os conflitos entre capital e
trabalho a legislação sindical normatizou meticulosamente as condições para a formação e o fun-
cionamento dos sindicatos, definindo os critérios para o enquadramento sindical (abrangência
profissional e regional, tanto para patrões quanto para empregados), regulamentando os procedi-
mentos eleitorais, proibindo os vínculos com organizações políticas, limitando o direito de greve e
prevendo rigidamente as condições para a solução pacífica de conflitos.
Do ponto de vista organizacional cinco características são fundamentais na estrutura sindi-
cal brasileira: a) a unicidade sindical, que determina legalmente a existência de um único sindicato
– seja profissional ou por categoria econômica – em uma mesma base territorial; b) a limitação da
abrangência territorial dos sindicatos à unidade mínima dos municípios – impedindo assim e a
criação de sindicatos por empresas; c) o monopólio da representação – em cada base territorial o
sindicato não apenas é único, mas negocia por todos os membros da categoria definida como sua
base, sejam eles filiados ou não ao sindicato; d) a existência de contribuições compulsórias –
identicamente todos os membros de uma determinada categoria contribuem com um dia de salá-
rio por ano para a manutenção do sindicato, sejam filiados ou não; e e) estrutura federativa corres-
pondente ao enquadramento sindical – os sindicatos de uma mesma categoria se agrupam em
federações estaduais e confederações nacionais, sendo vetadas outras modalidades de agrupa-
mento, como centrais sindicais horizontais, por exemplo. Adicionalmente ficaram os funcionários
públicos da administração direta proibidos de constituir sindicatos ou fazer greves até 1988.
A enorme segmentação da representação coletiva implícita na definição das categorias e
11
profissões e na definição dos municípios como unidades elementares de sindicalização, associa-
da ao monopólio da representação e às facilidades de sustentação financeira proporcionadas pelo

11. Para que se tenha uma ordem de grandeza a CLT define atualmente perto de 350 diferentes categorias de
enquadramento sindical. Em todo o Brasil o número de municípios é superior a seis mil.

Convênio Cebrap/Finep 19
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

imposto sindical constituíram – e ainda constituem – um forte estímulo à criação de sindicatos.


Segundo o último levantamento oficial, produzido em 1992, havia no Brasil naquele ano perto de
dez mil sindicatos. Como o ritmo de crescimento no número de sindicatos se acelera justamente a
partir de meados da década passada e teve na nova Constituição um novo impulso, pela liberalização
nas regras de criação de novos sindicatos, estima-se hoje em dia que existam perto de vinte mil
sindicatos no Brasil, responsáveis pela negociação coletiva de categorias muitas vezes microscópi-
cas. Em 1992, cerca de um terço deles não contava com mais do que 500 associados, cifra que
entre os trabalhadores urbanos chega a quase metade do total. Entre estes, quase 5% têm até 50
associados. Se se estabelece como recorte até mil associados verifica-se que metade dos sindicatos
(dois terços dos urbanos) aí se enquadram. Os sindicatos rurais são os que apresentam concentra-
ções maiores de associados: quase 60% deles têm entre 1001 e 5000. Os sindicatos que possuem
mais de 5000 trabalhadores associados são pouco mais de 10% no universo geral, cerca de 15%
entre os rurais e apenas 7,7% entre os urbanos. Do ponto de vista da abrangência territorial, o
último levantamento censitário revelou que nada menos que 60% (quase dois terços) dos sindica-
tos brasileiros tem sua base de representação circunscrita a um único município, enquanto outros
27% (mais de um quarto) representam trabalhadores de um conjunto de dois ou mais municípios.
Apenas 12% dos sindicatos abarcam unidades inteiras da federação e insignificantes 0,2% são
sindicatos nacionais
A garantia de um fluxo de recursos oriundo das contribuições compulsórias – entre outros
fatores, como a unicidade - reduziu a importância da atração pelos sindicatos de filiações de traba-
lhadores de modo que este número astronômico de sindicatos convive com taxas de sindicalização
12
relativamente modestas (em torno de 20%) e, até onde se sabe, declinantes .
Tamanha pulverização na estrutura sindical é fenômeno relativamente raro, tendendo a
ocorrer em países que praticam um sindicalismo predominantememte por empresas, como o Ja-
pão, por exemplo, onde existem mais de 70 mil sindicatos. Nos países de sindicalismo livre e
estruturado por ramos de atividade, mesmo a pluralidade e a forte presença dos sindicatos no
interior das empresas, através de organismos de base, o número de sindicatos se contam às deze-
13
nas (como na Suécia e na Alemanha) ou às centenas como na Inglaterra e na Itália . Não casual-
mente nestes países os sindicatos conservaram ou conservam até hoje uma capacidade de influên-
cia macro-econômica e política muito mais acentuada do que no Brasil, onde as centrais sindicais,
além de jovens (a mais antiga, a Central Única dos Trabalhadores, CUT, ainda não soma vinte anos)
experimentam grande dificuldade de atuar diretamente como atores da regulação econômica e
social (mais à frente trataremos dos avanços neste sentido). Ao contrário, no Brasil, tendeu-se
sempre para um modelo de contratação coletiva tão atomizado quanto a própria estrutura sindi-

12. Uma análise mais detalhada da estrutura sindical brasileira pode ser encontrada em Comin (1995).
13. Países que a despeito das enormes diferenças que guardam entre si correspondem aos modelos de corporativismo
democrático ou societal (Schimiter, 1974). Para análises comparativas e estatísticas sobre sindicatos em diversos
países veja-se Spyropoulos (1991) and Visser (1994).

Convênio Cebrap/Finep 20
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

cal, sendo muito infreqüentes negociações e acordos de abrangência estadual, inter-estadual ou


nacional, mesmo para categorias cujos patrões são de fato nacionais, como funcionários de bancos
ou determinadas categorias de funcionários públicos federais. Por outro lado, e quase ironicamen-
te, igualmente escassa é a capacidade de regulação dos sindicatos sobre as normas e condições de
trabalho ao interior das empresas. Exceções importante podem ser registradas, como a forte pre-
sença do sindicato dos metalúrgicos nas grandes plantas montadoras de automóveis da Grande
São Paulo, sem contudo deixarem de ser exceções ao frágil contexto de ação sindical nos locais de
trabalho no Brasil.
A este respeito a Constituição brasileira de 1988 trouxe alguns avanços legais importantes,
valendo destacar: o direito razoavelmente amplo de greve, a liberdade de sindicalização para o
funcionalismo público, a liberdade de criação de centrais sindicais (que na prática já existiam desde
1983), o fim da obrigatoriedade do reconhecimento legal dos sindicatos pelo Ministério do Traba-
lho e a criação da figura do delegado sindical nas empresas com mais de 200 funcionários (curio-
samente muito pouco explorada pelos sindicatos). Entretanto, manteve intactos o princípio da
unicidade sindical, a contribuição compulsória (na verdade ampliou de um para dois o número de
contribuições desta natureza) e o instituto do Poder Normativo da Justiça do Trabalho (alvo de
análise do próximo tópico). Com isso a antiga estrutura sindical corporativa se perpetuou por mais
uma década, agora em uma versão liberalizada, segundo Rodrigues (1990) - uma vez que o grau
de controle do estado sobre os sindicatos se viu muito limitado - ou híbrida, segundo Oliveira
(1994) - por conter elementos do velho corporativismo incorporando princípios democráticos que
lhe seriam em princípio contraditórios. Para o primeiro autor, isso ofereceria uma sobrevida relati-
vamente tranqüila para os sindicatos, minando possibilidades de reformas necessárias; para o se-
gundo, o estabelecimento de uma tensão latente na estrutura resultante, quase que impondo
novas reformas.
Com efeito, nestes últimos 15 anos inúmeras vezes o diagnóstico de crise no sistema de
relações de trabalho e o debate sobre a sua reforma ocupou algum destaque nos meios políti-
cos, tendo gerado inclusive projetos de lei, entre os mais importantes o que propunha a extinção
da unicidade e dos impostos sindicais, elaborado pelo próprio governo, durante a gestão de
Fernando Collor de Mello, e os atuais projetos que tramitam no Congresso visando a extinção da
Justiça do Trabalho. Embora seja ainda cedo para proclamar o ocaso deste sistema, que já de-
monstrou notável capacidade de adaptação aos novos contextos e atores econômicos, sociais e
políticos é razoável afirmar que nunca como atualmente os ímpetos reformistas estiveram tão
aguçados. Durante a década de 80 as iniciativas mais agressivas nesta direção estiveram quase
sempre nas mãos dos atores sindicais mais progressistas (ligados a CUT), provocando enorme
reação contrária por parte do empresariado e das correntes políticas com eles afinadas - e mais
os sindicalistas de perfil tradicional - ainda pouco acostumados a conviver com sindicatos
contestadores e francamente dispostos ao conflito aberto, o que terminou resultando em mu-
danças não muito profundas na ocasião em que elas puderam se materializar, durante a Assem-
bléia Nacional Constituinte. Naquela ocasião, apenas o então pequeno Partido dos Trabalhado-

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

res, ligado à CUT, e mais um pequeno punhado de deputados liberais votaram pela extinção da
unicidade e dos impostos sindicais e pelo fim do Poder Normativo da Justiça Trabalhista. Não
custa lembrar que estes anos de redemocratização do país foram marcados por uma forte ascen-
são do movimento sindical (ao que voltaremos), especialmente de sua ala mais à esquerda. A
presente década, ao contrário, representou mudanças significativas no contexto político e
econômico do país, muitas delas responsáveis por uma reversão na tendência de crescimento do
poder sindical. E é precisamente neste contexto que as iniciativas de reforma encontram novos
atores empresariais e mesmo sindicais, que de forma cada vez mais agressiva abraçam a missão
de alterar o sistema de relações trabalhistas, não apenas no que diz respeito à estrutura sindical,
mas principalmente nos mecanismos de contratação, uso e remuneração do trabalho. E pela via
destes novos atores esse debate chega com multiplicado vigor ao coração do sistema político.
Esta discussão será desdobrada no último item desta parte geral do documento.
Um terceiro aspecto central do sistema de relações trabalhistas brasileiro, herdado da velha
legislação corporativa, é precisamente a centralidade exercida pela Justiça do Trabalho em seu
funcionamento. À JT cabe, em primeiro lugar, “zelar” pela aplicação da lei nas contendas traba-
lhistas de cunho individual. Conforme já se observou, o caráter positivo do direito trabalhista bra-
sileiro e sua espantosa meticulosidade – destinada a prever e subtrair ao âmbito das negociações
coletivas quase todos os seus possíveis conteúdos – fez da JT o circuito quase obrigatório de solu-
ção dos milhares de pequenos conflitos de interesses entre empregados e empregadores que emer-
gem todos os anos. Adicionalmente coube – e cabe até hoje - também à JT a função de tutelar as
negociações coletivas entre sindicatos de trabalhadores, empresas e organismos patronais. Embo-
ra os mecanismos de negociação, convenção e acordos coletivos estejam previstos na legislação,
eles são fortemente condicionados pelas prerrogativas de mediação e sobretudo pela existência do
Poder Normativo da JT. As negociações coletivas, no Brasil, devem ter, por definição, solução,
mesmo que compulsória. Na existência de impasses nas negociações diretas – de resto, algo con-
tingente nas relações capital-trabalho –, estas são encaminhadas para a mediação e se necessário
arbitragem da Justiça do Trabalho que tem poderes para determinar o resultado das convenções e
acordos coletivos.
O peso efetivo da intervenção da Justiça do Trabalho nos conflitos coletivos tem variado
bastante, de acordo sobretudo com as conjunturas políticas. Durante o período mais abertamente
autoritários, as negociações coletivas foram reduzidas a rituais burocráticos e os Tribunais do Tra-
balho não faziam mais do que referendar as decisões emanadas do poder executivo, em especial
nos temas relativos à regra salarial. A partir do início da abertura política (1977/78), a vigorosa
reemergência do movimento sindical provocou a disseminação das negociações diretas entre tra-
balhadores e empregadores, inaugurando um período de hibridismo no sistema de negociações
coletivas. A reação inicial do empresariado frente às mobilizações sindicais foi a de recorrer à
intervenção do Estado, seja pela via repressiva (através do Ministério do Trabalho e da força polici-
al), seja pelo recurso à Justiça do Trabalho. Entre 1978 e 1984, o dispositivo de cassação e prisão de
dirigentes e ativistas sindicais foi bastante exercitado pelo governo. A ativação do aparato repres-

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

sivo, no entanto, não foi capaz de conter a explosão de conflitos grevistas, alguns deles de grande
envergadura, e com a iminência da democratização do país o próprio empresariado passou a in-
cluir entre as suas estratégias a negociação direta com os sindicatos.
O hibridismo aludido anteriormente consiste na convivência de dois sistemas de negocia-
ções coletivas, um estatalmente controlado e outro produto das relações diretas entre empregados
e empregadores. A segunda modalidade de negociações vem prosperando nos últimos quinze
anos, notadamente pela difusão das negociações diretas entre sindicatos de trabalhadores e em-
presas. No âmbito das negociações entre sindicatos de trabalhadores e de empresários o recurso à
Justiça do Trabalho é ainda bastante significativo. Segundo Gonçalves (1994), o caráter errático da
ação da justiça trabalhista, influenciada pelos mais variados fatores políticos, torna o apelo a ela
ora atraente aos trabalhadores ora aos empresários, comportando, não obstante, sempre um certo
grau de incerteza. Até 1984, a Justiça do Trabalho tendeu a ratificar as políticas oficiais e a chancelar
as arbitrariedades cometidas contra os sindicatos. A partir de 1985, com a posse do governo civil,
a JT procura demonstrar independência frente ao poder executivo e ao empresariado assumindo
uma posição mais favorável aos trabalhadores, concedendo por diversas vezes reajustes superiores
à inflação e admitindo mecanismos de indexação dos salários contra as orientações governamen-
tais. A partir de 1990, após a edição do Plano Collor, e posteriormente com a implantação do Plano
Real (1994) essa tendência se inverte e a justiça trabalhista, a pretexto de auxiliar no combate à
inflação, passou a assumir uma postura mais “austera” frente às reivindicações dos trabalhadores.
De toda forma, a quantidade de negociações coletivas que terminam nos tribunais é bastante
expressiva e conforme o contexto pode se explicar tanto pela ofensiva dos grandes sindicatos, que
motivam o recurso à JT por parte dos agentes patronais, quanto pela fraqueza de boa parte do
sindicatos que tem na JT o único veículo capaz de assegurar sua participação nas negociações
coletivas.
O resultado do exercício destas funções foi a hipertrofia da burocracia judiciária, e, a des-
peito disso, sua crônica insuficiência e reiterada incapacidade de dar conta da demanda por solu-
ções de conflitos. Segundo a estrutura federativa da justiça brasileira, a Justiça do Trabalho se
organiza verticalmente, e se compõem de Juntas de Conciliação e Julgamento (primeira instância),
Tribunais Regionais (segunda instância) e Tribunal Superior do Trabalho (instância maior). A
tramitação de um processo na JT pode levar mais de cinco anos para chegar a sua sentença defini-
tiva. De todo o orçamento previsto para o Judiciário da União no ano de 1999, da ordem de R$ 6
bilhões, R$ 3,2 bilhões (mais da metade, portanto) destinam-se exclusivamente à Justiça do Traba-
lho, em cujos tribunais devem tramitar este ano cerca de 2 milhões de causas trabalhistas, fazendo
com que na imensa maioria dos casos os valores reclamados nestas ações sejam inferiores ao custo
14
de sua tramitação . O diagnóstico de que a Justiça do Trabalho como instrumento de solução das
contendas trabalhistas, tal como está organizada, é altamente insatisfatório é hoje razoavelmente

14. Segundo o especialista em direito trabalhista da UFMG, Antônio Álvares da Silva, autor de um dos projetos de
reforma do judiciário trabalhista, em OESP, 28/03/99.

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consensual, mas os termos para o equacionamento do problema não (como se discutirá mais
adiante).
Por fim, um quarto aspecto relevante do ponto de vista do sistema de relações trabalhistas
diz respeito à cisão do mercado de trabalho brasileiro entre o formal e o informal. De fato, o
alcance do modelo regulatório sempre foi parcial. Em seu desenho original, voltado essencialmen-
te para a normatização das relações de assalariamento urbanas em formação, a CLT excluía expli-
15
citamente o mercado de trabalho rural (então majoritário) de suas prescrições . Mesmo hoje,
quando o peso da população ocupada em atividades agropecuárias é inferior a um quarto da PEA
nacional, e depois de a Constituição de 1988 ter igualado formalmente os direitos de trabalhado-
res rurais e urbanos, a capacidade da legislação vigente de atingir as relações de trabalho no
campo é ainda muito reduzida, antes de mais nada porque ela não foi concebida para tanto e boa
parte dos vínculos que ligam os trabalhadores à terra é de natureza inteiramente diversa do
assalariamento (a pequena propriedade rural familiar, por exemplo, é ainda um vínculo predomi-
nante, ao passo que o assalariamento propriamente dito só é relevante em regiões de forte implan-
16
tação do modelo do agro-business, como São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás ). Mas a capaci-
dade regulatória deste modelo encontrou novo e poderoso limite na expansão do mercado de
trabalho informal urbano, que nunca deixou de ser relevante, mas que nesta década voltou a
responder por um volume cada vez mais expressivo das formas de ocupação no país.
Como veremos no próximo tópico, o mercado de trabalho brasileiro sofreu enormes e
aceleradas modificações nestes últimos anos, como reflexo das mudanças macroeconômicas por-
que passou o país: abertura comercial, integração regional, privatizações, desregulamentação fi-
nanceira e estabilização monetária entre as mais importantes. O novo contexto de inserção
econômica provocou efeitos sobre as empresas aqui instaladas que, embora diversos, tiveram con-
seqüências mais ou menos unívocas do ponto de vista dos impactos sobre o mercado de trabalho.
Quer se considere os setores que se reestruturaram com sucesso para enfrentar a competição
externa, quer os que sucumbiram à essa mesma competição (seja por terem falido, seja por terem
sido absorvidos por grupos estrangeiros), quer os complexos que foram privatizados, de um modo
geral os resultados foram quase sempre poupadores de mão-de-obra. Também a estabilização
monetária obrigou as empresas a adotar novas estratégias de controle sobre seus gastos com
capital variável. No contexto inflacionário os gastos com salários podiam ser facilmente controla-
dos quase que “inercialmente”, pela simples corrosão “natural” provocada pela desvalorização da
moeda. Ao eliminar este expediente, a estabilização monetária tornou muito mais imperiosa a
contenção real das folhas de pagamento, ou seja, a redução de empregos. Pelas mesmas razões,
em volume não desprezível, muitas empresas adotaram estratégias de redução de custos pela via
da precarização ou instabilização dos vínculos trabalhistas através de terceirizações, utilização de
trabalho temporário, ou simplesmente pelo descumprindo às leis trabalhistas, adotando vínculos

15. Veja-se Oliveira (1972).


16. Veja-se Veiga (1999).

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informais de trabalho. Estratégias que se não implicam necessariamente em prejuízos líquidos so-
bre o volume de emprego, certamente se refletem na piora da qualidade dos empregos remanes-
centes. E o que é mais decisivo do ponto de vista das relações trabalhistas, debilitando enorme-
mente os mecanismos de regulação do uso do trabalho, sejam os de natureza legal, sejam os de
natureza sindical. Também no bojo destas transformações ganhou muita força o debate sobre a
desregulamentação da legislação trabalhista. Na próxima seção analisamos e quantificamos mais
de perto estas mudanças no perfil do mercado de trabalho brasileiro.

O debate sobre a reforma da Legislação e do Judiciário trabalhistas

Conforme já se observou anteriormente o debate sobre a reforma do sistema de relações


trabalhistas no Brasil sofre uma importante mudança de eixo na presente década, particularmente
nos últimos cinco anos, ao mesmo tempo em que se alterou de forma significativa o poder de
iniciativa dos atores mais relevantes.
O debate sobre as reformas pode ser dividido em pelo menos três eixos preponderantes: a
estrutura sindical; a legislação trabalhista; e o papel do Poder Judiciário. Embora o sistema de
relações trabalhistas seja bastante orgânico e qualquer alteração significativa em apenas um destes
eixos muito provavelmente desencadearia direta ou indiretamente efeitos sobre os demais, nos
diferentes momentos e segundo o poder de cada ator a ênfase e as iniciativas de reformas recaí-
ram preferencialmente em um destes eixos.
Nos anos 80, no contexto de redemocratização do país, após mais de uma década de
repressão política, os sindicatos retomam suas atividades revigorados pelo enorme crescimento
industrial experimentado pelo país nas décadas precedentes, responsável pela expansão numérica
e pelo adensamento regional dos estratos de assalariados urbanos, principalmente – mas não só –
fabris e por uma nova geração de dirigentes sindicais extremamente combativa. A tônica da demo-
cratização do sistema político e da sociedade como um todo e a forte onda de mobilizações sociais
ganhou expressão no âmbito das relações trabalhistas sobretudo pelo emprenho das organizações
sindicais em se firmar como porta-vozes legítimos e reconhecidos dos trabalhadores frente ao
patronato e ao próprio Estado. Esse movimento veio embalado e foi grandemente impulsionado
seja pelo represamento de demandas acumuladas durante os anos de ditadura, seja pela agudeza
do conflito distributivo resultante das gigantescas e descontroladas taxas de inflação que sobrevi-
vem a toda a década. Esse esforço de afirmação dos sindicatos implicou no rompimento - primeiro
informal e depois formalmente, por ocasião da Constituinte – de aspectos importantes do aparato
repressivo previsto na legislação sindical original e bastante reforçado pelos governos militares. O
fim das cassações de mandatos e prisões de dirigentes sindicais, a reconquista do direito de greve,
a constituição de organismos de representação no interior das empresas, a criação de centrais
sindicais e a organização sindical dos funcionários púbicos foram alguns dos principais desafios
vencidos pelo movimento sindical brasileiro neste período e, assim, a ênfase das iniciativas de

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reforma do sistema de relações trabalhistas esteve, em grande medida, concentrada na legislação


sindical. Os setores mais à esquerda do movimento sindical (com a exceção dos partidos comunis-
tas) ostentaram inicialmente uma plataforma bastante radical de reformas, grosso modo inspirada
nas deliberações da OIT, defendendo ampla liberdade e autonomia sindicais (pluralismo sindical,
fim das contribuições obrigatórias, total liberdade de organização e atuação e completa indepen-
dência frente ao Estado, direito de greve, liberdade de negociação e contratação coletiva junto ao
patronato, extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho, salvaguardas amplas aos militan-
tes e dirigentes sindicais, direito de filiação internacional).
Os setores mais tradicionais do sindicalismo brasileiro (herdeiros diretos ou indiretos da
tradição populista vigente até os anos 60) também apresentaram algum ímpeto reformista embora
muito mais brando. Completamente dependentes da estrutura sindical oficial (sobretudo da
unicidade, das contribuições compulsórias e dos tribunais do trabalho) para subsistir e perdendo
terreno rapidamente para os setores de esquerda, suas demandas iam na direção de uma
liberalização do direito sindical (com a redução da intervenção repressiva do Estado e a ampliação
da liberdade de manifestação), mas sua postura no que diz respeito aos pilares básicos da estrutura
corporativa permaneceu totalmente conservadora. Esse conservadorismo era igualmente compar-
tilhado pela imensa burocracia do judiciário trabalhista, cuja sobrevivência poderia ser comprome-
tida por reformas que lhe subtraíssem poder e funções, e, um tanto surpreendentemente, pelos
próprios dirigentes classistas do empresariado, também acomodados ao sindicalismo oficial.
Essa coalizão de interesses conservadores e o contexto de forte ascensão do movimento
sindical, especialmente de sua ala mais aguerrida, antes que motivar o empresariado (há quase
duas décadas desabituado a negociações coletivas efetivas) e o governo (particularmente empe-
nhado em sustentar políticas salariais restritivas como base de contenção da inflação) a iniciativas
mais arrojadas de reforma, provocou atitudes bastante defensivas. O espaço aberto pela Constitu-
inte (1987-88) terminou servindo apenas para consagrar na letra da lei conquistas de caráter
liberalizante que os sindicatos já vinham obtendo na prática, mas pouco alterou de suas caracterís-
ticas básicas.
Por outro lado, o contexto ainda bastante fechado da economia brasileira atenuou as pres-
sões, especialmente sobre o empresariado, para mudanças na legislação trabalhista no sentido de
flexibilizar e baratear os custos de contratação da mão-de-obra. É fato que para os setores mais
estruturados e formalizados, sobretudo das médias e grandes indústrias a existência de um certo
conjunto de direitos legais significava peso adicional em seus custos de produção, seja diretamente,
através de impostos e benefícios (valor expandido de horas-extras, 13° salário, contribuições para
17
o FGTS , sistema de formação profissional etc.), seja indiretamente ao impor limites à extensão e
disposição da jornada de trabalho ou multas para as rescisões de contratos. Entretanto, o fato é

17. O FGTS, Fundo de garantia por Tempo de Serviço, foi criado em 1969 em substituição ao dispositivo da estabilidade
no emprego, e consiste em depósitos mensais de 8% sobre o salário do empregado que ficam em uma conta
poupança oficial e é resgatado quando este perde o emprego ou se aposenta, além de algumas ocasiões especiais,
como compra de casa própria ou casamento.

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que estes custos incidiam em volume idêntico ou muito semelhante para todas as empresas, esta-
belecendo, portanto, patamares comuns para a concorrência. Sendo isonômicos, estes custos po-
diam ser uniformemente incorporados aos preços finais dos produtos. Ademais, o intenso proces-
so inflacionário que dominou praticamente toda a década forneceu um mecanismo extremamente
eficaz de controle sobre os custos salariais. Taxas de inflação de 2 dígitos ao mês (em janeiro de
1990 ela ultrapassou os 80%) faziam com que qualquer aumento salarial determinado pelas nego-
ciações com os sindicatos ou pelas políticas salariais oficiais se esfumassem antes mesmo de serem
pagos. E acrescente-se a isso que as políticas governamentais de combate à inflação quase sempre
tiveram no controle dos salários um de seus principais lastros.
A este respeito os sindicatos se empenharam não no sentido de mudanças de fundo nas
formas de regulação do emprego, mas sim no de incrementar os direitos já existentes e estendê-
los a categorias de trabalhadores até então total ou parcialmente não cobertos por eles, caso dos
trabalhadores rurais e dos empregados domésticos. Quanto a isso, vale notar que as divergências
entre as diferentes correntes do sindicalismo brasileiro forma bem menos agudas e sua estratégia
de ação durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte foi bastante exitosa, mesmo
diante da resistência dos lobbies de interesses empresariais.
Os anos 90 configuram uma reversão radical e muito acelerada do quadro regulatório da
economia do país. A abertura comercial e financeira expõe bruscamente as empresas aqui localizadas
à concorrência externa e o problema dos custos de produção deixam de ter uma dimensão apenas
doméstica. É evidente que mesmo nos setores industriais mais concentrados e já predominantemente
compostos por capitais multinacionais, como o automobilístico, a dificuldade e muitas vezes a total
incapacidade de fazer frente aos preços dos produtos importados, uma vez suspensas as barreiras
tarifárias, derivam de múltiplos fatores, como a escala mais reduzida de produção, deficiências ou
desequilíbrios em termos de produtividade e/ou qualidade em determinados elos das cadeias
produtivas, defasagem tecnológica, piores condições de alavancagem financeira, estrutura da carga
tributária etc. Desvantagens cuja superação dificilmente se ajustariam – como de fato não se ajustaram
– ao acelerado e quase que indiscriminado calendário da abertura comercial. Nos primeiros anos da
década, ao mesmo tempo em que a abertura deslancha com maior vigor, o quadro macro-econômico
interno é de forte recessão, tornando as condições de reestruturação das empresas ainda mais
difíceis.
Embora as estratégias de reação tenham variado significativamente conforme as cadeias
produtivas, a localização, o grau de diversificação de áreas de atuação, o porte, a origem do capi-
tais e o grau de ramificação internacional das empresas, o atalho mais generalizadamente buscado
para a redução emergencial de custos concentrou-se sobre a força de trabalho. Conforme os já
,
fartos estudos sobre reestruturação em vários setores e empresas permitem afirmar estas estraté-
gias variaram desde o investimento em novas tecnologias e em qualificação da força de trabalho,
com aumentos de produtividade, até a precarização pura e simples dos contratos e das condições
de trabalho. Ademais, parte da indústria nacional simplesmente não sobreviveu ao novo contexto,
desaparecendo ou sendo absorvida por grupos estrangeiros. Em todo caso, como já se viu através

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dos dados apresentados anteriormente, entre as características dominantes do mercado de traba-


lho no país nesta década está justamente o encolhimento do emprego industrial e das modalidades
formais de contratação do trabalho em grande medida reflexos do reajustamento dos setores
produtivos à nova forma de inserção externa do país.
Este novo ambiente econômico criou, desde logo, sérios embaraços para a atuação dos
sindicatos, particularmente daqueles que fundaram suas estratégias de ação na década passada no
conflito grevista. Para que se tenha uma dimensão do impacto da mudança de cenário econômico
sobre a ação sindical, o Brasil foi nos anos 80 o país que apresentou o maior índice de conflitos
grevistas no mundo: foram mais de 12 mil greves durante este período, culminando em 1989 com
18
mais de 2 mil. A partir de 1990 estes números encolheram para menos de 10% do que eram . É
claro que o simples encolhimento do número de greves por si só não implica em redução do poder
sindical, podendo freqüentemente anunciar o oposto (Noronha, 1995). No caso brasileiro, contu-
do, a recessão, o crescimento quase contínuo das taxas de desemprego e a queda em termos reais
no valor dos salários nos primeiros anos da década sugerem claramente que o arrefecimento nos
conflitos trabalhistas tenha sido antes produto da perda – ainda que momentânea – de poder de
mobilização por parte dos sindicatos do que uma mudança voluntária de estratégia.
Mesmo a relativa estabilização econômica atingida a partir de meados de 1994, que estancou
as perdas salariais e fez com que o país voltasse a experimentar crescimento econômico – ainda que
tímido, para os seus próprios padrões históricos – não foi suficiente para reacender o potencial
mobilizatório dos sindicatos de trabalhadores. Antes de mais nada porque, como já se viu, o novo ciclo
de crescimento que tem início em 1993 e parece ter sido interrompido em 1998 não impediu que as
taxas de desemprego seguissem aumentando (ao menos nos grandes centros metropolitanos onde se
concentram os sindicatos mais poderosos). Depois, porque os novos postos de trabalho gerados neste
período foram predominantemente ocupações informais, engrossando um já formidável mercado de
trabalho sobre o qual os sindicatos não exercem qualquer influência. Boa parte destas ocupações
inclusive, as chamadas ocupações por conta-própria, não são sequer traduzíveis no formato
convencional da representação sindical por não se tratar de assalariamento.
A interrupção do processo inflacionário subtraiu ainda ao sindicatos um importante com-
bustível da ação mobilizadora. Ao longo dos anos anteriores, as negociações e acordos coletivos
sempre tiveram nos reajustes salariais de cifras estratosféricas e nos mecanismos de indexação
salarial seu carro-chefe, mesmo que ao custo de obscurecer outros importantes itens de negocia-
ção. A manutenção do poder de compra dos salários assomava a questão de sobrevivência e apro-
ximava bastante amiúde os trabalhadores de seus sindicatos, conferindo-lhes um poder singular de
negociação frente ao empresariado e ao próprio Estado. A partir de 1995, mesmo entre as catego-
rias mais organizadas, os acordos coletivos têm resultado em reajustes quando não negativos (isto
é, abaixo dos índices de inflação) em patamares pouco reluzentes da ordem de dois ou três por
cento ao ano, que nenhum sindicato ousaria apresentar a seus representados como conquistas.

18. Veja-se Noronha (1994) e Comin (1995)

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Obviamente, isto não significou que os salários tenham deixado de ser um item importante
da pauta de negociações entre capital e trabalhos. Entretanto, a dinâmica da negociação salarial
muda radicalmente de formato. Em primeiro lugar, por que praticamente deixam de existir políti-
cas salariais diretamente definidas a partir do estado. Dizemos praticamente por que os salários do
funcionalismo público, por exemplo, seguem sendo determinados pelos governos (embora não
mais de forma articulada entre os três níveis como em outros tempos) e os proventos de aposenta-
dos (cruciais para a determinação do salário mínimo, importante referência para o mercado de
trabalho) também. Contudo, para a imensa maioria dos trabalhadores a questão salarial não ape-
nas passa a depender mais da conjuntura de cada setor e empresa (perdendo parâmetros fixos e
universais como o índice de inflação), como também tende a se diluir em novas rubricas, como
participação em lucros e resultados, metas de produtividade etc., diretamente vinculadas ao de-
sempenho das empresas e por vezes até de indivíduos ou pequenos coletivos de indivíduos. Dada
a pequena penetração dos sindicatos no interior das empresas, a sua capacidade de intervenção
neste tipo de negociação tende a ser bem mais difícil do que no modelo anterior de negociação
salarial. Assim, se as questões relativas à remuneração não deixam de ser relevantes elas no entan-
to tendem a se transferir para outros espaços institucionais (formais ou não) motivando o surgimento
de novos atores e novas modalidades de barganha e pactação de interesses. É este o caso, aliás de
um dos quatro casos que estudamos na segunda parte deste trabalho.
Não é desimportante observar ainda que o fato de que uma vez que as negociações sobre
políticas salariais tendem a se estreitar e a se atomizar retira dos sindicatos o poder indireto de
influência que exerceram na regulação salarial do mercado de trabalho como um todo, mesmo
daquela parcela da mão-de-obra não coberta pela representação sindical. Enquanto os salários
foram objeto de políticas públicas abrangentes a ação reivindicativa e as conquistas dos sindicatos
mais organizados tendeu a desbordar suas categorias específicas servindo de referência e atingin-
do, ainda que com efeitos mitigados, amplos setores de assalariados, inclusive informais. Disso
resultava tanto uma maior capacidade de penetração na opinião pública dos agentes sindicais,
19
quanto, e como conseqüência disto, um maior poder de negociação frente ao Estado . Ainda que
se possa argumentar, como o fizemos anteriormente, que a dinâmica dos salários nos setores
formal e informal continuem atreladas, os mecanismos que presidem este vínculo parecem estar
cada vez mais distantes da capacidade de influência dos sindicatos.
Por outro lado, se a questão salarial – e com ela os sindicatos – perde, pelo menos em
parte, a centralidade que possuía, diluindo-se em novos formatos e modalidades de regulação, a
corrida desenfreada das empresas pela redução de custos de produção e sua especial preferência
pelo caminho da redução dos custos trabalhistas, repõe o debate sobre as reformas no plano
nacional, só que agora centrado na flexibilização das formas de contratação e uso da força de
trabalho, debate que passa a ser capitaneado não mais pelos sindicatos, mas sim pelo empresariado
com aberta adesão do atual governo brasileiro.

19. Para um desenvolvimento mais extenso deste argumento veja-se Comin e Castro (1998).

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Como os próprios dados sobre o mercado de trabalho já apresentados sugerem claramen-


te, a exigência de reformas visa não a inaugurar mas sim a aprofundar e legalizar um conjunto de
práticas já em franca disseminação, ao arrepio da atual legislação trabalhista. O esgarçamento da
CLT é hoje uma realidade para uma enorme parcela do mercado de trabalho, para o qual as
normas que regulam formalmente a contratação, demissão, remuneração, condições de trabalho,
jornada, limites de idade, restrições sanitárias entre muitos outros, tanto quanto direitos como
férias remuneradas, aposentadoria e previdência social, por exemplo já não vigem. A capacidade
– e por vezes o desejo – dos poderes públicos de intervir sobre esta desregulação tácita do
mercado de trabalho, que nunca fora realmente abrangente, tende a se circunscrever cada vez
mais a setores do capital que são justamente aqueles que se enfrentam mais diretamente com a
concorrência externa, setores cujo poder de vocalização de interesses e de pressão através e
sobre o sistema político é notório, razão que nos parece explicar a força adquirida pela nova onda
reformista.
Os alvos principais das iniciativas de reforma do modelo de regulação das relações de traba-
lho no Brasil hoje são dois, segundo entendemos: a legislação trabalhista e o Poder Judiciário.
A legislação trabalhista brasileira é considerada unanimemente pelo empresariado (tese
também esposada pelo atual governo) como extremamente rígida e excessivamente regulamenta-
da, representando fator determinante no encarecimento do custo do trabalho e portanto dos
produtos, inibindo assim as contratações. Deste diagnóstico deriva a demanda por uma ampla
flexibilização da legislação trabalhista como pré-condição para: i) incrementar a competitividade das
empresas nacionais; e ii) estimular a geração de empregos. Tal diagnóstico, inclusive, já motivou
ações concretas por parte do governo federal, como a criação do contrato temporário de trabalho,
modalidade de vínculo empregatício com menor cobertura em termos de direitos trabalhistas para o
empregado e de mais barata dissolução, mas que, entre outras coisas, por ser potencialmente
conflitante com a Constituição brasileira não parece estar se disseminado.
Essa flexibilização consiste principalmente na redução ou total extinção do corpo legal –
deixando sua permanência ou não exclusivamente a cargo das negociações diretas entre patrões
e empregados – de um conjunto heterogêneo de encargos e tributos indistintamente tratados
como custos indiretos do trabalho. Segundo a contabilidade patronal estes custos somariam mais
de cem por cento dos salários efetivamente pagos aos trabalhadores, mais aí incluem desde impos-
tos e contribuições de fato (como o Cofins, o INSS e as contribuições ao sistema de formação
profissional) até um conjunto de dispositivos que na verdade compõem o próprio salário do traba-
lhador (como as férias e os dias de descanso semanal remunerados e o FGTS). Ademais pretende-
se remover das prescrições legais todo um conjunto de normas que regulam os vínculos de traba-
lho, como a duração da jornada de trabalho, o pagamento diferencial das horas-extras, a duração
das férias anuais e a respectiva gratificação, o regime de turnos, as multas por rescisão de contra-
tos entre outras. Defende-se igualmente que tais direitos sejam retirados da Constituição e/ou da
legislação e restem apenas como objeto de livre negociação.

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A tese da flexibilização, embora ganhe bastante força no debate público, enumerando adeptos
até mesmo entre lideranças sindicais da central Força Sindical, rival da CUT, é no mínimo controversa.
Economistas insuspeitos – por suas vinculações com o governo – como José Márcio Camargo têm
demonstrado de forma bastante convincente a falta de solidez do diagnóstico que embasa a tese.
Nenhum mercado de trabalho que, como o brasileiro, exibe taxas de rotatividade de mais de 30%
ao ano no setor formal e que ainda tem uma notável capacidade de fazer oscilar os salários pode ser
considerado rígido (Camargo, 1996). Estudos de Edward Amadeo, que chegaria a ser ministro do
trabalho do atual presidente (Amadeo, 1996), Márcio Pochmann e Anselmo dos Santos (Santos e
Pochmann, 1996) e do Dieese (Dieese, 1997) contestam a tese de que os custos trabalhistas no
Brasil sejam elevados em comparação com o de países com economias mais competitivas do que a
nossa (como a Alemanha, a Itália ou mesmo o Japão, por exemplo) e cujos produtos acuam os da
indústria nacional. De toda forma, parece indiscutível que um mercado rígido e ultra-regulamentado
jamais suportaria o volume de mudanças observadas no Brasil dos anos 90, documentadas pelos
dados já apresentados.
A este respeito são agora os sindicatos, em particular aqueles ligados a CUT, que têm assumido
uma postura bastante defensiva, buscando bloquear toda e qualquer alteração que possa reduzir ou
ameaçar direitos trabalhistas já inscritos seja Constituição seja na legislação ordinária, ao mesmo
tempo em que buscam incluir estes mesmo dispositivos em seus acordos coletivos como forma de
prevenção a possíveis reformas. Ironicamente, têm entre seus poucos aliados uma parcela importante
da magistratura trabalhista interessada na manutenção do atual arcabouço normativo em que apoia
20
sua existência . Entretanto, pelo por hora, não parece ser a posição dos sindicatos o que tem
bloqueado a consecução de reformas mas muito mais à carregada e conturbada agenda de temas
que tem ocupado o Poder Legislativo nos últimos anos.
A reforma da Justiça do Trabalho não é menos controversa, embora o conjunto dos interes-
ses que convergem para que ela ocorra seja ainda mais amplo. Antes de mais nada, joga contra a JT
a própria ineficiência de sua estrutura burocrática, em cujos meandros circulam só este ano cerca de
21
três milhões de ações trabalhistas, boa parte das quais levará anos para ser julgada . Do ponto de
vista do Executivo a justiça trabalhista representa uma fonte de consumo de recursos que supera
22
todo o gasto dos demais ramos do Poder Judiciário juntos , além de que esta tem sido em diversos
momentos, obstáculo para a consecução de reformas na legislação trabalhista, como no caso dos
contratos temporários, contra os quais diversos magistrados se pronunciaram. As relações entre o
Poder Legislativo e o Judiciário não tem sido menos tensas nos últimos anos, por uma série de
razões que não cumpre narrar aqui. O fato é que recentemente o Senado brasileiro tem se mobilizado
intensamente pela reforma do Judiciário, investindo de forma particularmente virulenta contra a

20. Veja-se por exemplo a posição defendida pelo atual vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro
Almir Pazzianotto em defesa da manutenção da Justiça Trabalhista, em OESP 30.03.99.
21. OESP, 28.03.99.
22. Dos 6 bilhões de reais reservados este anos para todo o Poder Judiciário, 3,2 bilhões estão destinados à JT (OESP
28.03.99).

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23
JT . Entre as lideranças sindicais também são muito poucas as que ainda defendem o sistema
judiciário, sendo que as duas principais centrais sindicais, a CUT e a FS, são formalmente favoráveis
senão a sua extinção pura e simples a uma radical reestruturação que lhe reduza drasticamente as
atribuições e consequentemente o aparato burocrático. As maiores resistências a qualquer reforma
de fundo na estrutura do Judiciário trabalhista estão naturalmente concentradas em seu próprio
seio, mas o desgaste público deste poder é já bastante visível tanto assim que até mesmo no interior
24
da JT há correntes favoráveis a uma reformulação radical do sistema .
Considerando a enormidade da estrutura judiciária e seu enraizamento de décadas na prática
das relações entre capital e trabalho é difícil imaginar a sua completa extinção, nem deve haver de
fato quem raciocine a sério em termos tão peremptórios. Entretanto, do tripé que vimos considerando
até aqui como base do modelo brasileiro de regulação das relações capital-trabalho, embora este
não seja o mais cobiçado é sem dúvida o mais vulnerável às iniciativas de reforma. O desmonte da
legislação trabalhista vem se processando na prática e de maneira acelerada, mas para atingir o
núcleo dos setores econômicos mais modernos depende de uma transição legal e institucional que,
por assim dizer, legalize a precarização do trabalho.
Nesse momento, os sindicatos encontram-se em situação bastante desfavorável para inter-
ferir no rumo destas possíveis reformas e na incapacidade de tomar a dianteira neste processo têm
tendido a assumir uma postura defensiva, recusando mudanças no sistema que eles próprios con-
denam. A formulação mais clara, que parte da principal central sindical, a CUT, é de que toda e
qualquer reforma deve ter como ponto de partida a estrutura de representação de interesses, ou
seja, os próprios sindicatos. Coerentemente, sustentam que se é realmente desejável que o novo
sistema de regulação esteja baseado na negociação e na contratação coletiva, mais do que na
legislação, é indispensável que as novas condições para a representação e a negociação de interes-
25
ses se estabeleça antes que a velha normatividade seja implodida , do contrário a idéia de livre
negociação não passará de um aval para a liberdade de exploração da força de trabalho sem
constrangimentos. Não é esta, contudo, a tendência mais visível no cenário político atual.
A despeito disto, como veremos, os sindicatos brasileiros têm sido capazes não apenas de
adentrar as esferas já existentes de tomada de decisão como também de forçar o surgimento de
novas esferas de regulação que lhes permitam interferir na condução das políticas públicas, como
que recompondo seu poder de influência para além dos espaços tradicionais nos quais se encon-
tram um tanto acuados. É disto também que trata este trabalho.

23. Em março deste ano o Senado aprovou por maioria a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para
apurar irregularidades em vários tribunais trabalhistas (OESP, 26.03.99).
24. O principal porta-voz da corrente reformista no judiciário trabalhista é o respeitado Juiz do Trabalho Antônio
Álvares da Silva, do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais.
25. Veja-se, por exemplo, a entrevista do vice-presidente nacional da CUT onde apresenta com clareza a posição da
central (OESP, 30.03.99).

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

CAPÍTULO 2

MUDANÇAS NA ESTRUTURA DO EMPREGO

Chama atenção no caso brasileiro não apenas a extensão das mudanças quantitativas e qualita-
tivas sobre o mercado de trabalho, mas também a rapidez com que elas se deram. Se é verdade,
por exemplo, que a migração do emprego industrial para o setor de serviços (uma das tendências
importantes verificadas no Brasil, como veremos) foi uma tendência generalizada nos países de
industrialização mais antiga, não é de forma alguma irrelevante o fato de que um fenômeno que
vem se desenrolando a décadas nestes países (envolvendo passagens de coortes geracionais) tenha
se verificado aqui em apenas poucos anos, obrigando enormes contingentes de trabalhadores a se
“reciclar” profissionalmente por conta própria, uma vez que as políticas públicas com esta finalida-
de são ainda restritas. Também não é indiferente se a natureza dos empregos em serviços esteja
relacionada a setores modernos e qualificados (como tendeu a predominar nos países desenvolvi-
dos) ou a setores informais, de baixa renda, instáveis e de escassa qualificação (que tudo indica ser
a tendência no Brasil). Assim, é preciso distinguir, desde logo, a aparente “contemporaneidade”
dos fenômenos característicos do mercado de trabalho brasileiro, em sua suposta sintonia com as
tendências mundiais, de suas conseqüências concretas para a força de trabalho.
Algumas tendências mais importantes merecem destaque para efeitos do que aqui nos
26
interessa . A primeira delas, já mencionada, diz respeito à migração do emprego do setor secundá-
rio para o setor terciário. Tomando os primeiros 8 anos desta década (1991-1998), conforme se
27
pode acompanhar pela Tabela I , o emprego industrial experimentou uma perda líquida da ordem
28
de quase 600 mil postos de trabalho , encolhendo sua participação relativa no total do emprego
em mais de cinco pontos percentuais. No mesmo período, somando-se as atividades em comércio,
serviços e administração pública, pouco mais de 1 milhão e 600 mil empregos foram criados,
acrescentando à sua participação relativa percentual quase idêntico ao que fora perdido pela in-
dústria. Em 1998 estes três setores respondiam por dois terços das ocupações existentes nas me-

26. Utilizaremos como fonte de informações sobre o mercado de trabalho a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do
IBGE. Embora a Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação Seade apresente vantagens metodológicas no
que tange especialmente ao estudo do trabalho informal, optamos pela PME por duas razões: o fato de esta utilizar
a metodologia recomendada pela OIT e, portanto, possibilitar comparações internacionais; e por ser a fonte que
recobre de forma mais uniforme no tempo as 6 regiões metropolitanas brasileiras, ao passo que a PED só apresenta
uma série histórica longa e ininterrupta para a região metropolitana de São Paulo.
27. Por facilidade de edição do texto do relatório, ver tabelas e gráficos no final do texto deste capítulo.
28. Estudo da Confederação Nacional das Indústrias aponta para o período 1989-1996 cifra superior a 1 milhão de
empregos desaparecidos na indústria no país como um todo. (O Estado de São Paulo, 08.10.97 p. B4).

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

trópoles brasileira, sendo que as ocupações em “serviços” foram as que experimentaram o maior
crescimento, absoluto e relativo.
É importante notar, contudo, que este imenso setor classificado como “serviços” abriga
uma gama enorme e incrivelmente variada de atividades que incluem tanto ocupações de alta
qualificação, capazes de gerar renda mais elevada (vinculados a finanças e negócios, informática e
telecomunicações, por exemplo), cujas perspectivas de desenvolvimento são bastante sólidas, como
também uma miríade de ocupações de baixíssima capacidade de geração de valor e renda, deman-
dando pouca ou nenhuma qualificação, instáveis, precários e extremamente vulneráveis às oscila-
ções conjunturais típicas da economia brasileira.
Estudos já realizados sobre movimentação da força de trabalho entre setores demonstram
que, embora praticamente todas as atividades incluídas em “serviços” ganhem em termos de
ocupação, pelo menos no início da década são os empregos de baixa qualidade que tendem a
predominar. A partir dos dados da PME, André Urani e outros (Urani et alli, 1995) registram um
importante crescimento das ocupações em serviços de “Distribuição” (basicamente transportes e
comércio) e “Pessoais” (higiene pessoal, beleza, domésticos e assemelhados). Os serviços sociais,
como educação e saúde, experimentaram um crescimento, mas bem mais modesto, enquanto os
serviços produtivos (mais proximamente ligados às atividades industriais, e em geral associados a
ocupações de melhor qualidade, o que está por ser verificado) chegaram mesmo a reduzir sua
participação no emprego total.
Tão significativa quanto a migração do emprego do setor industrial para o setor de serviços
29
foi a conversão dos empregos formais em informais – e este é o segundo aspecto importante das
transformações que vimos assistindo no mercado de trabalho brasileiro. Até o início desta década
o vínculo formal de trabalho, ou seja, o assalariamento com registro em carteira, era a modalidade
predominante de inserção, caracterizando a situação de mais da metade dos ocupados. Durante
os primeiros anos desta década (1991 a 1998) o assalariamento formal sofre um encolhimento
contínuo em termos relativos e absolutos e, conquanto siga sendo a forma de vínculo mais impor-
tante, já não reponde sequer pela situação de metade do mercado de trabalho. As demais moda-
lidades, o vínculo empregatício informal, o trabalho por conta própria e a condição de emprega-
dor, todas experimentaram crescimento, ainda que esta última de forma apenas residual.
Especialmente notável, é a semelhança nas variações observadas nas modalidades de vín-
culo e nos setores de atividade anteriormente apresentados. A redução do número de postos de
trabalho industriais e de vínculos formais, por um lado, e, por outro, o simultâneo aumento nas
ocupações em serviços e comércio e de ocupações informais ou por conta própria, são de magni-
tude muito semelhante. Sabemos, através de estudos já realizados, que as ocupações nos setores
industriais metropolitanos brasileiro são os que apresentam as maiores taxas de formalização (car-

29. Estamos considerando aqui como informais as ocupações em que se estabelecem relações de assalariamento sem
registro em carteira de trabalho. Para uma discussão mais aprofundada sobre a questão da informalidade, ver
Oliveira (1972), Souza e Tavares (1981), Sabóia (1988) e Dedecca (1996).

Convênio Cebrap/Finep 34
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

30
teira assinada), entre 80% e 95% em 1995, sendo superadas apenas pelas do serviço público , por
oposição a índices muito maiores de informalidade em serviços e comércio (que podem mesmo
superar os 50% em alguns setores). A enorme coincidência entre estes indicadores fornece ele-
mentos para se presumir que o mesmo movimento que leva à eliminação de postos de trabalho
industriais (tendência que deve persistir) explica também a crescente informalização do mercado
de trabalho. Se a informalidade em si não é necessariamente indesejável, esse novo perfil das
ocupações pode trazer sérios embaraços para políticas de ativação e requalificação da força de
trabalho (do tipo das que analisaremos na segunda parte deste documento). Antes de tudo, é
necessário observar que o assalariamento sem carteira é uma modalidade ilegal de vínculo
empregatício que subtrai aos agentes públicos todas as formas de contribuição fiscal que são, elas
próprias, a base de praticamente todas as políticas públicas (previdência, seguro-desemprego, pro-
gramas de geração de renda, requalificação profissional etc.). Ademais, a informalidade priva os
agentes responsáveis de informações vitais para o planejamento de suas ações, uma vez que as
características e demandas destes contingentes são completamente ignoradas. Por último, a
informalidade estimula a rotatividade nos postos de trabalho (turn-over), já bastante elevada no
31
Brasil , fazendo com que os indivíduos estejam constantemente necessitando se qualificar para o
exercício de novas atividades, qualificação esta que se perde tão logo eles sejam demitidos e te-
nham que buscar novas colocações, provavelmente em outros ramos.
Importante ressaltar ainda que, de um modo geral, as ocupações formais tendem a ser
significativamente mais bem remuneradas que as informais. As variações ao longo do tempo são
muito fortes, mas durante todo este o período os assalariados com carteira (CC) nunca tiveram
seus rendimentos menos do que 30% acima dos assalariados sem carteira (SC), e 15% acima dos
trabalhadores por conta própria (CP), sendo que em determinados momentos, como em 1992,
chegaram a estar mais de 50% acima de ambos.
Interessante notar também que o ano de 1994 representa um degrau bastante nítido no
movimento de recuo dos diferencias de renda, o que sem dúvida é produto da estabilização mone-
tária. Os mecanismos de transferência de renda (ou de cessação de transferência) que se seguem
aos momentos de interrupção abrupta da inflação, especialmente num contexto de abertura co-
mercial no qual os produtos têm seus preços mais imediatamente comprimidos relativamente aos
serviços, são demasiado complexos para serem abordados aqui. Contudo, é plausível supor que os
prestadores de serviços – e entre eles boa parte do setor informal, como domésticos, vendedores
ambulantes, reparadores domésticos e a pequena construção civil – por extraírem parte de sua
renda dos segmentos formais acoplados aos setores mais modernos da economia, quando a renda
destes se contrai produz-se um efeito cascata. É o que pode estar acontecendo já a partir o primei-
ro semestre de 1998, quando os diferenciais de renda entre trabalhadores formais e por conta
própria voltam a crescer.

30. Veja-se o estudo de Barros e Mendonça (1995).


31. Idem.

Convênio Cebrap/Finep 35
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Assim mesmo, ainda que o crescimento das ocupações em serviços e comércio e no setor
informal tenha sido significativamente superior ao decréscimo observado na ocupações industriais
e formais, o mercado de trabalho brasileiro não foi capaz de gerar postos de trabalho suficientes
para absorver o crescimento de sua força de trabalho – terceiro movimento para o qual cumpre
chamar a atenção. Evidência disso foi o preocupante incremento nas taxas de desemprego verificadas
neste período, apesar inclusive da desaceleração no ritmo de crescimento do contingente dos que
ingressam no mercado.
Considerando os dados do Censo de 1991 e da Contagem de 1996, a taxa média de
crescimento da População em Idade Ativa, PIA, (10 anos ou mais) situou-se perto dos 2% no con-
junto das regiões metropolitanas, para uma taxa média de crescimento da População Economicamente
Ativa, PEA, que ficou em torno de 1,6%. Neste ínterim, a taxa média de crescimento da População
Ocupada, PO, foi de apenas 1%. Isso significa que, embora o número de indivíduos em busca de
ocupações no mercado de trabalho evolua num ritmo até inferior ao da população em idade ativa, a
economia das regiões metropolitanas não vem sendo capaz de absorvê-lo, seja por razões relacionadas
à modernização das atividades, seja por efeito da abertura comercial e das políticas de contenção de
gastos públicos, seja ainda pela inconstância nas taxas de crescimento da economia.
Seguindo uma tendência que só se acentua no Brasil desde os anos 70, a participação
feminina na PEA continua aumentando em termos relativos e absolutos, embora a um ritmo nitida-
mente mais suave. Entre 1991 e 1998, esse acréscimo foi da ordem de 2%. Na realidade quando
se observam as taxas de participação segundo o gênero descobre-se que de fato elas se mantive-
ram rigorosamente estáveis para as mulheres neste período (em torno de 44%), resultando seu
aumento de participação na PEA de uma redução importante na taxa de participação masculina,
da ordem de 6% (de 80% para 74%).
Em termos das coortes de idade é nítido o recuo na participação dos mais jovens (especial-
mente daqueles entre 15 e 17 anos), que, em si, seria de se esperar em função do aumento da
escolaridade observado nestes mesmo período que, presumivelmente, estaria a retardar seu in-
gresso no mercado de trabalho. Em compensação, o único extrato de idade que apresenta aumen-
to mais significativo (da ordem de 4%) foi os dos indivíduos entre os 40 e os 59 anos. Vale dizer: o
mercado de trabalho brasileiro vem “envelhecendo”.
Um quarto e notável aspecto das transformações do mercado de trabalho brasileiro neste
período foi, sem dúvida, o aumento de escolaridade da força de trabalho. É bem verdade que
como o perfil educacional no ponto de partida era extremamente baixo, mesmo com todo o pro-
gresso observado a estratificação atual ainda é bastante insatisfatória. De toda forma, essa tendên-
cia é em si mesma alvissareira especialmente do ponto de vista de programas de qualificação
profissional, retreinamento, empregabilidade e estímulo a geração de renda através de pequenos
empreendimentos.
O Gráfico I mostra como, em menos de uma década, a participação dos indivíduos com no
máximo 4 anos de estudo (ou seja, no máximo o primário completo) declinou em mais de 10

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

pontos percentuais (o que significou uma variação negativa da ordem de 23% em termos absolu-
tos). Esse recuo em termos relativos no peso dos menos instruídos entre as pessoas ocupadas
distribui-se pelas demais faixas de instrução, notadamente entre aqueles com entre 9 e 11 anos de
escolaridade (muito provavelmente com pelo menos o primeiro grau completo, senão o segundo).
As razões para este incremento no perfil da força de trabalho são, naturalmente, de ordem
variada. Um conjunto razoavelmente coerente de fatores, contudo, pode ajudar a explicá-lo. O
primeiro deles é de natureza, digamos, “demográfica”: as gerações mais novas estão se tornando
mais escolarizadas, substituindo paulatinamente aqueles contingentes de baixa instrução que pre-
dominaram no mercado de trabalho brasileiro até a década passada. Um segundo fator refere-se
ao crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, uma vez que estas são em
média mais escolarizadas do que os homens. Um terceiro aspecto relevante, embora de alcance
controverso, emerge das mudanças tecnológicas e organizacionais nas empresas em praticamente
32
todos os setores de atividade (da agricultura aos serviços, passando pela indústria) . Um quarto
elemento pode ser encontrado na crescente ociosidade de mão-de-obra nas metrópoles brasilei-
ras, de forma que o mercado vem se tornando tão fortemente favorável aos contratadores que
estes podem se permitir aplicar uma seletividade nos momentos de recrutamento e/ou demissão,
em termos de escolaridade, que não necessariamente espelha as “reais’ necessidades dos postos
de trabalho que estarão preenchendo ou preservando. Esta hipótese se apoia principalmente no
fato de que, como veremos logo a seguir, o crescimento do desemprego, que foi muito significati-
vo nesta década, não se abateu apenas sobre os indivíduos de menor capital educacional, mas
também sobre os portadores de alta instrução, sugerindo uma redundância crescente e generaliza-
da no mercado de trabalho brasileiro.
Passemos então à análise do desemprego, último aspecto que se deseja salientar. A década
de 90 assiste a três movimentos do desemprego: um período de ascensão nos primeiros anos,
marcados por forte recessão econômica, quando a taxa de desemprego aberto chega a quase 6%;
um segundo período de recuperação da economia e do emprego, que vai de 1993 a 1995; e um
terceiro momento de ascensão inusitado das taxas de desemprego, que na média de 1998 se
aproximava dos 8%.
A “novidade” deste último período, nada alvissareira, é de que parece se configurar no
mercado de trabalho urbano brasileiro um crescente descolamento entre performance econômica
e geração de empregos. Os dois primeiros anos deste último triênio foram um período de recupe-
ração econômica – ainda que em volume modesto para os padrões históricos brasileiros – que as
taxas de desemprego insistiram em ignorar, mantendo-se em escalada ascendente. Considerando
as previsões de recuo no PIB em 1999, e por mais que assumamos uma postura otimista em relação
aos anos seguintes, é bastante plausível trabalhar com um cenário de elevadas taxas de desempre-
go no futuro próximo. Este é um fato que deve estar presente em qualquer desenho de política

32. Dizemos que este aspecto é controverso porque de um modo geral ele se apoia em estudos de caso em empresas,
não havendo fontes de informações generalizáveis e seguras que atestem a abrangência destas mudanças.

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pública voltada para o mercado de trabalho, seja aquelas voltadas diretamente para a sua ativação,
como é o caso dos programas de geração de renda e emprego ou de políticas de desenvolvimento
regional, seja as de requalificação e recolocação profissional, que constituem os casos que analisa-
mos na segunda parte deste documento.
Neste ponto vale a pena desagregar as taxas de desemprego por regiões metropolitanas.
Isto porque tem sido muito comum a sugestão de que o desemprego só seria de fato um problema
na região metropolitana de São Paulo, em função das peculiaridades de seu parque industrial,
envelhecido e estruturalmente encarecido, que estaria cedendo empregos para outras regiões. Se
é verdade que o investimento industrial tende a se desconcentrar no Brasil, evitando o velho núcleo
paulistano, não é verdade que o desemprego seja um problema exclusivo desta região. O fenôme-
no apresenta-se igualmente – ou até mais seriamente – nas regiões metropolitanas nordestinas
abrangidas pela PME. Por outro lado, a região metropolitana do Rio de Janeiro, cuja obsolescência
industrial iniciou-se bem antes que a de São Paulo, apresenta os melhores indicadores em termos
de desemprego. Ou ainda, as regiões metropolitanas de Belo Horizonte e Porto Alegre, de indus-
trialização mais recente, apresentam taxas bem mais elevadas do que a do Rio. Portanto, se de fato
pode haver – e é provável que haja - uma correlação entre o declínio do emprego industrial e o
crescimento do desemprego, a explicação não se esgota aí. È preciso ir mais longe na busca de
elementos sistêmicos e macro-econômicos, tais como a profundidade e a velocidade da abertura
comercial, a perda de dinamismo de algumas cadeias produtivas, por um lado, e a intensa
reestruturação de outras, a integração regional, as baixas taxas de crescimento global e a estagna-
ção do setor público, que tradicionalmente alavancou a economia brasileira.
Outro argumento recorrente no debate atual é o de que a rigidez da legislação trabalhista
brasileira seria um entrave decisivo à geração de empregos. Sobre isto há já estudos convincentes
33
que sugerem no mínimo parcimônia no uso do argumento . Cumpre apontar aqui que são preci-
samente duas das regiões metropolitanas cujos mercados de trabalho são mais altamente
informalizados - ou flexíveis nos termos do debate atual – as que exibem as piores taxas de desem-
prego, no caso Recife e Salvador. Não se pretende com isso dizer que aspectos institucionais sejam
irrelevantes para a discussão do desemprego, mas tão somente que eles são no máximo acessórios
diante do cenário econômico brasileiro e de modo algum poderão resolver o problema por mais
bem equacionados que venham a ser.
Quanto aos setores de atividade, como se poderia esperar, é na indústria de transformação
que as taxas de desemprego atingem os patamares mais elevados, acima de 9%, bem acima da
média, enquanto o setor de serviços exibe as menores. Mas em todos os setores observa-se um
aumento muito expressivo no desemprego, superior a 2%, na passagem de 1997 para 1998, de tal
forma que não é possível dizer que as perdas de postos sejam localizadas setorialmente, nem
muito menos esperar que perdas em alguns setores venham a ser compensadas por ganhos em
outros. A tendência de aumento nas taxas de desemprego é generalizada.

33. Veja-se Camargo (1996) e Amadeo (1995 e 1996).

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Homens e mulheres vêm sofrendo com o aumento no desemprego, mas as mulheres foram
substancialmente mais afetadas neste período. Observe-se (Gráfico III) que no ponto de partida,
em 1991, as taxas eram praticamente idênticas. Na média do primeiro semestre de 1998 a taxa
entre os homens havia crescido cerca de 2,4%, ao passo que entre as mulheres quase 4%, resul-
tado que muito provavelmente reflete o crescimento na participação feminina na PEA, que vem
sendo superior ao dos homens como já vimos.
Também em relação à idade as taxas de desemprego subiram em proporção semelhante
para todas as coortes, de modo que a distribuição etária do desemprego se mantém. Embora os
mais jovens tenham declinado relativamente em sua participação na PEA, suas taxas de desempre-
go continuam a ser de 4 a 8 vezes maiores do que entre os mais velhos (com mais de 40 anos). As
taxas muito modestas entre os mais velhos, especialmente os de mais de 60 anos, muito provavel-
mente estão ligadas à saída destes contingentes do mercado de trabalho, por aposentadoria ou
ainda por morte, invalidez ou desistência definitiva. Já entre os mais jovens, os elevados índices
estão refletindo a maior seletividade de um mercado que está fortemente favorável a quem contra-
ta, situação que impõe barreiras cada vez maiores a quem tenta ingressar pela primeira vez despro-
vido de experiência profissional ou de uma formação adequada, fator que deve chamar a atenção
dos atores responsáveis pela formulação de políticas de emprego quanto ao caráter variado de sua
incidência.
Embora seja moeda corrente no debate a alegação de que o desemprego no Brasil está
muito relacionado com o baixo perfil educacional da força de trabalho, os dados da PME revelam
claramente o desacerto deste argumento. É justamente entre os trabalhadores de instrução mé-
dia, entre cinco e onze anos de instrução (portanto, na sua maioria com algo entre o ginásio e o
colégio) que as taxas são mais elevadas, substancialmente maiores do que entre aqueles com até
quatro anos de estudo (ou no máximo o primário completo). O único contingente que ainda apre-
senta taxas de desemprego que poderiam ser consideradas moderadas é o formado por aqueles
com tempo de escolaridade suficiente para ter atingido o nível superior. Portanto, se há uma linha
de corte relevante em termos da educação formal ela se situa num patamar muito elevado para
explicar a dinâmica geral do desemprego no Brasil, uma vez que, como sabemos, a proporção de
indivíduos com formação superior é ainda marginal. Quanto à taxa de desemprego relativamente
menor entre os indivíduos de baixa instrução, as explicações certamente são variadas e não há
ainda suporte empírico que permita respostas cabais. Este fenômeno pode estar relacionado ao
fato de que tais indivíduos se sujeitam mais facilmente a ocupações de baixa remuneração, mas há
estudos setoriais que demonstram que como em geral os trabalhadores de baixa instrução são os
mais velhos e possuem maior experiência profissional eles podem estar sendo mais poupados mes-
34
mo em setores mais “nobres” da indústria, por exemplo .
É neste cenário, decerto nada favorável, que se desenrolam hoje tanto o debate sobre a
necessidade de intervenção pública – mas também dos atores sociais, como sindicatos, e mesmo

34. É o que se passa na indústria automobilística paulista segundo Comin, Cardoso e Campos (1997).

Convênio Cebrap/Finep 39
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

privados, as próprias empresas – na solução do problema do desemprego e da pobreza, quanto o


debate acerca das mudanças institucionais que possam constituir um novo quadro de relações
trabalhistas, igualmente mais favorável. Retornaremos ao mesmo, ao final deste Relatório quando,
na Parte III, buscarmos retomar o debate sobre as implicações das transformações no mercado de
trabalho e nas formas de regulação das relações de trabalho para as novas formas de negociação
e contratualidade que parecem insinuar-se no horizonte. Antes, entretanto, avançaremos na ca-
racterização das mudanças estruturais tomando o ponto de vista dos estudos longitudinais sobre o
mercado de trabalho. A isto se dedicará a Parte II, seguinte, deste Relatório.

TABELAS E GRÁFICOS REFERIDOS NO CAPÍTULO

Tabela I – Pessoal ocupado por setor de atividade


EX.MIN IND. SIUP CON.CIV COM SERV. AD.PUB AGRO. OUT. TOTAL
Média 1991 0,2 22,2 1,2 7,2 14,6 35,7 9,7 0,8 8,5 15.081.230
Média 1992 0,2 20,5 1,2 7,5 14,6 36,6 10,1 0,8 8,5 15.010.776
Média 1993 0,2 20,2 1,2 7,1 14,9 37,1 10,1 0,7 8,4 15.202.711
Média 1994 0,2 19,7 1,1 7,2 15,1 37,7 9,9 0,8 8,2 15.600.407
Média 1995 0,2 19,5 1,0 6,9 15,3 38,6 9,6 0,8 8,1 15.975.034
Média 1996 0,2 18,2 1,0 7,1 15,3 39,6 9,8 0,6 8,1 16.335.430
Média 1997 0,2 17,5 0,9 7,0 15,4 40,2 9,8 0,6 8,4 16.383.011
Média jan-jun/98 0,2 17,1 0,9 7,0 15,1 41,0 9,7 0,5 8,6 16.249.421
Diferença (98-91) -8.544 -570.785 -33.526 47.428 264.196 1.273.256 109.240 -26.757 113.684 1.168.190
Variação (98/91) -23,6 -17,0 -19,0 4,4 12,0 23,7 7,5 -23,5 8,9 7,7
Fonte: Elaboração IPEA a partir de dados da PME/IBGE.

Tabela II – Pessoal ocupado por posição na ocupação


CC SC CP EMPRE MIS TOTAL
Média 1991 53,7 20,8 20,1 4,4 1,0 15.081.230,7
Média 1992 51,5 22,2 20,9 4,3 1,0 15.010.776,9
Média 1993 50,8 23,0 20,9 4,3 1,0 15.202.711,4
Média 1994 49,3 23,7 21,7 4,2 1,0 15.600.407,5
Média 1995 48,5 24,1 22,0 4,5 1,0 15.975.034,1
Média 1996 46,7 24,8 22,8 4,6 1,1 16.335.430,3
Média 1997 46,4 24,8 23,3 4,5 1,0 16.383.011,5
Média jan/98-jun/98 46,2 25,2 23,0 4,6 1,0 16.249.421,3
Diferença -592.350 955.216 702.128 84.937 18.260 1.168.191
Variação -7,3 30,4 23,2 12,7 12,7 7,7
Fonte: Elaboração IPEA a partir de dados da PME/IBGE.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Tabela III – Diferencial dos rendimentos dos empregados com carteira em relação aos sem carteira e por
conta própria (em %) – regiões metropolitanas
CC-SC CC-CP
Média 1991 38,01 41,15
Média 1992 52,39 58,02
Média 1993 54,05 55,93
Média 1994 47,33 38,34
Média 1995 33,28 15,84
Média 1996 34,9 16,36
Média 1997 32,81 16,86
Média jan/98-mai/98 31,9 19,79
Fonte: Elaboração IPEA a partir de dados da PME/IBGE.

Tabela III – Diferencial dos rendimentos dos empregados com carteira em relação aos sem carteira e
por conta própria (em %) – regiões metropolitanas
CC-SC CC-CP
Média 1991 38,01 41,15
Média 1992 52,39 58,02
Média 1993 54,05 55,93
Média 1994 47,33 38,34
Média 1995 33,28 15,84
Média 1996 34,9 16,36
Média 1997 32,81 16,86
Média jan/98-mai/98 31,9 19,79
Fonte: Elaboração IPEA a partir de dados da PME/IBGE.

Tabela IV – Taxa de desemprego aberto por região metropolitana - PME (%)


RJ SP PA BH RE AS TOTAL
Média 1991 3,59 5,52 4,35 4,11 5,90 5,91 4,84
Média 1992 4,04 6,51 5,51 4,81 8,46 6,77 5,78
Média 1993 4,07 5,74 4,02 4,46 8,91 6,62 5,32
Média 1994 4,11 5,42 4,13 4,29 6,81 7,06 5,06
Média 1995 3,42 5,17 4,47 3,78 5,46 6,73 4,65
Média 1996 3,65 6,29 5,92 4,64 5,66 6,84 5,43
Média 1997 3,73 6,60 5,47 5,09 5,89 7,73 5,67
Média jan/98-jun/98 5,81 8,75 7,39 7,52 8,56 9,48 7,82
Fonte: Elaboração IPEA a partir de dados da PME/IBGE.

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Tabela V – Taxa de desemprego por setor de atividade - PME (%)


IND.TR. CONS. CIV. COMÉRCIO SERVIÇOS OUTRAS
Média 1991 6,48 5,61 5,34 4,75 0,63
Média 1992 7,67 6,86 6,26 5,63 0,85
Média 1993 6,59 6,59 5,66 5,23 0,86
Média 1994 6,25 6,03 5,42 5,05 0,80
Média 1995 5,85 5,45 5,04 4,64 0,77
Média 1996 6,90 5,94 6,02 5,50 0,79
Média 1997 7,05 6,23 6,37 5,76 0,92
Média jan/98-jun/98 9,32 8,82 8,43 7,91 1,09
Fonte: Elaboração IPEA a partir de dados da PME/IBGE.

Gráfico I – População ocupada por nível de instrução –


médias anuais

50,0

40,0

30,0

20,0

10,0

0,0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

0-4 39,0 37,6 36,1 35,4 34,1 32,0 30,0 27,7


5-8 25,5 25,7 26,1 26,6 26,7 27,1 26,8 27,0
9-11 21,2 21,9 22,7 23,1 23,9 24,9 26,3 27,9
>=12 14,3 14,7 15,0 14,9 15,3 16,1 16,9 17,4
Source: IPEA-PME/IBGE (98=jan-jul)

Gráfico II –Taxas de desemprego aberto (7 das) – 1991-1998

8,00

7,00

6,00

5,00

4,00

3,00

2,00

1,00

0,00
Média 1991 Média 1992 Média 1993 Média 1994 Média 1995 Média 1996 Média 1997 Média 1998
TOTAL 4,840183191 5,780828837 5,31931711 5,064791007 4,651460571 5,433111293 5,67131915 7,600152163

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T a xa s de de s e m pre go po r gêne ro (19 9 1-19 9 8 )

10,00

8,00

6,00

4,00

2,00

0,00
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

MASC 4,81 5,63 5,15 4,82 4,53 5,01 5,28 7,17


FEM 4,89 6,03 5,59 5,45 4,84 6,08 6,26 8,75
Fonte: IPEA - PME/IBGE

Tabela X – Taxa de desemprego por grau de instrução - PME (%)


0-4 5-8 9-11 >=12
Média 1991 3,88 7,03 5,37 2,59
Média 1992 4,62 8,56 6,50 2,52
Média 1993 4,33 7,40 6,19 2,57
Média 1994 4,03 7,03 6,00 2,41
Média 1995 3,57 6,47 5,60 2,24
Média 1996 4,15 7,30 6,61 2,85
Média 1997 4,46 7,65 6,84 2,66
Média jan/98-jun/98 6,26 9,87 9,49 4,10
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PME/IBGE.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

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Convênio Cebrap/Finep 46
PARTE II

ACHADOS

Reestruturação e mobilidade dos trabalhadores:


experimentos de análise longitudinal
(prospectiva e retrospectiva) do mercado
de trabalho brasileiro nos anos 90
CAPÍTULO 3

OS DESERDADOS DA INDÚSTRIA
Reestruturação produtiva e trajetórias intersetoriais de trabalhado-
res demitidos da indústria brasileira35

INTRODUÇÃO
Por que e como acompanhar trajetórias de trabalhadores
industriais demitidos no Brasil

De há muito as ciências sociais brasileiras vêm se dedicando ao tema da reestruturação produtiva


e dos seus impactos sobre as qualificações, o emprego, os salários, as formas de produzir, as
relações de trabalho no cotidiano das empresas, as modalidades de relacionamento horizontal
entre trabalhadores e vertical entre estes e seus superiores, as relações de gênero, o papel dos
sindicatos nesse processo, dentre outros temas relevantes. Num primeiro momento, que se pode-
ria situar entre a segunda metade dos anos 80 e o início dos 90, a literatura passou a privilegiar
comparações, entre plantas e/ou entre setores de produção. Mais recentemente, pesquisadores
voltaram as suas energias para o estudo de cadeias produtivas, ante a constatação de que, em
muitos casos, a reestruturação industrial passava a adquirir um caráter sistêmico. Após anos de
pesquisa sistemática e fortemente interdisciplinar, pode-se dizer que, nesse terreno de análise, o
Brasil consolidou uma literatura abrangente e qualificada, capaz de dialogar com o que de melhor
se produz internacionalmente.
Entretanto, há uma carência de estudos a respeito dos impactos da reestruturação sobre as
opções de trabalho daquelas pessoas diretamente afetadas por ela. Em outras palavras, boa parte
dos estudos sobre reestruturação produtiva postou-se nos chãos-de-fábrica, buscando na organi-
zação social do trabalho as potencialidades ou limites à implantação das novas formas da tecnologia.
Pode-se formular numa frase a pergunta central que, tipicamente, os animou: dado que as empre-
sas estão se reestruturando para competir, e dado que este é um movimento inexorável na nova
economia globalizada, que tipo de trabalhador atende aos requisitos dos novos processos produ-
tivos? A pressuposição, quase sempre implícita, era a de que trabalhadores “adequados” encon-
trariam emprego compatível com suas qualificações e sobreviveriam nesses empregos.

35. Este capítulo, na forma em que se apresenta, foi originalmente preparado por Adalberto CARDOSO, Álvaro COMIN
e Nadya GUIMARÃES para apresentação e discussão em painel sobre “Estudos sobre Trajetórias Ocupacionais:
Avanços na América Latina”, no III Congresso Latino-americano de Sociologia do Trabalho, Buenos Aires, maio de
2000. Posteriormente foi apresentado e discutido em Workshop realizado na Universidade Estadual de Campinas
como parte da Cooperação entre IFCS e University of Manchester, em junho de 2000.
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Ora, a perspectiva teórico-metodológica aqui adotada é diversa, ainda que complementar


a esta abordagem. Acreditamos que cabe observar a estrutura mesma de oferta e demanda por
força de trabalho para desvelar as potencialidades efetivas de incorporação produtiva e social dos
trabalhadores que estão sob risco de perder ou que já perderam seus empregos em razão da
reestruturação. Em lugar de estudar os trabalhadores e as ocupações sobreviventes, nosso enfoque
se dirige aos trabalhadores tornados redundantes dados o desaparecimento ou a mudança no
conteúdo das suas antigas ocupações.
Em termos substantivos, a análise orienta-se por uma pergunta muito geral: se é verdade
que a indústria brasileira se transformou intensamente nos anos 90, aproximando-se de uma
reestruturação de tipo sistêmico, isto é, que atinge todos os elos (ou pelo menos os principais elos)
das cadeias de produção e distribuição de seus produtos; se esta reestruturação tem como um de
seus efeitos mais evidentes a destruição de postos de trabalho, com conseqüente demissão de
grande número de trabalhadores; e se isto ocorre num ambiente geral de redução do emprego
industrial e de aumento do desemprego estrutural; parece, então, estratégico argüir sobre o desti-
no empregatício dos trabalhadores dispensados, fazendo-o exatamente ali onde, no caso brasilei-
ro, tal avanço no caráter sistêmico parece mais evidente, como nas industrias química e automobi-
lística. Mais do que isso, parece essencial procurar desvendar porque determinados trabalhadores
encontram-se em posição mais frágil (e outros, mais vantajosa) no mercado de trabalho.
Este problema genérico desdobrou-se em questões mais específicas, a desafiar a
operacionalização empírica. Que trajetórias profissionais levam à exclusão do mundo fabril, e que
trajetórias permitem a reprodução e ampliação de habilidades e qualificações? Se a obtenção de
um emprego pode ser pensada como o cruzamento entre estratégias e projetos de vida dos traba-
lhadores, por um lado, e estratégias de produção dos empregadores (responsáveis imediatas pela
disponibilidade de vagas no mercado), por outro, qual o papel de cada elemento dessa equação na
determinação das chances de permanência em (ou mudança de) uma condição qualquer, como o
emprego ou o desemprego? Quais seriam os possíveis correlatos deste processo em termos das
representações subjetivas do trânsito no mercado de trabalho, bem como das suas identidades
sócio-profissionais?
O problema geral está, assim, balizado por quatro aspectos centrais: uma conjuntura de
reforma econômica neoliberal, que aprofunda e acelera a reestruturação da indústria; a especificidade
dos tecidos industriais foco da análise, objeto de reestruturação sistêmica e, por conseguinte, restritiva
das migrações intra-setoriais; uma dinâmica mais geral do mercado de trabalho no país, onde a
indústria perde espaço como empregadora e os demais setores não são capazes de absorver intei-
ramente seus egressos, com conseqüente aumento do desemprego e restrição das chances migra-
tórias dos demitidos nos programas de reestruturação; e chances diferenciais de acesso a emprego
e renda por parte de distintos segmentos da força de trabalho sob risco de desemprego, decorren-
tes de características atribuídas (sexo e idade) e adquiridas (escolaridade, qualificação on the job),
e da interação destas com a estrutura do mercado de trabalho.

Convênio Cebrap/Finep 49
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

A investigação guiou-se por uma hipótese global segundo a qual, quanto mais sistêmica a
reestruturação de um setor qualquer, maiores os riscos de perda do emprego e menores as chances
de reinserção profissional dos demitidos, de tal modo que se preservem o capital de qualificação
acumulado e a qualidade do emprego de origem. Isto porque o risco ou a efetiva perda do empre-
go, decorreriam, em primeiro lugar, da destruição de postos de trabalho (redundância) mercê da
reestruturação produtiva, fruto do desaparecimento de funções, do redesenho de antigas tarefas,
da fusão de outras, da terceirização de setores e fases dos processos de produção etc.; nesse
sentido, a demissão deveria representar a exclusão do setor reestruturado.
Entretanto, parece plausível supor que essas chances não estão distribuídas da mesma
maneira entre todos os trabalhadores. Se aos novos métodos de gestão e uso do trabalho, além
das novas tecnologias, associam-se expectativas quanto à qualificação da força de trabalho, que
valorizam a educação formal, muito mais do que o treinamento e aprendizado on the job, então
seria possível esperar um aumento, no tempo, do papel da educação na explicação das chances de
migração virtuosa, isto é, que ela preservasse ou mesmo melhorasse a posição empregatícia dos
indivíduos. O risco de perda de emprego seria maior para os menos escolarizados, e seriam piores
suas chances de retorno “virtuoso”, pela obtenção de um emprego, no mínimo, compatível com o
de origem. Do mesmo modo, como os custos de reconversão profissional são mais altos quanto
mais velho o trabalhador, já que qualquer investimento pessoal terá retorno em tempo cada vez
mais curto quanto mais se aproxima da idade de aposentar-se, era de se esperar que os mais jovens
tivessem maiores chances tanto de permanecer no emprego quanto de migrar bem, pelo inverso
da mesma razão: seus investimentos individuais poderiam ser “colhidos” em tempo mais largo,
reforçando o incentivo, imposto pelo mercado de força de trabalho, para que se (re)qualificassem
formalmente.
Perguntas e hipóteses como essas são exploradas tendo como foco os trabalhadores de
dois setores da indústria brasileira caracterizados, ambos, por sua centralidade econômica e pela
intensidade das mudanças que experimentaram nos anos 90, particularmente impactados que
foram seja pelo ajuste macroeconômico, seja pela reestruturação micro-organizacional; são eles os
complexos automobilístico e químico-petroquímico. Focalizaremos, para fins desse trabalho,
trajetórias agregadas de um grupo de seus trabalhadores, grupo esse precisamente delimitado em
termos empíricos: trata-se da coorte dos demitidos por empresas desses complexos industriais no
ano de 1989, cujos eventos de reinserção no mercado de empregos formalmente registrados serão
36
acompanhados em lapsos de tempo que variam de 7 a 9 anos . E por que justamente esta coorte?
37
Por que através dela não apenas maximizamos o número de eventos observáveis , como observa-
mos, no tempo, as vicissitudes daqueles que perderam seus empregos no exato momento em que

36. Como usamos bases experimentais de dados, a disponibilidade de informações sofre algumas variações. Para algu-
mas análises poderemos acompanhar a os eventos ocupacionais por 7 anos, seguindo a trajetória dessa coorte entre
1989 e 1995 (inclusive os limites); para outras, disporemos de informação mais atualizada e poderemos perseguí-los
por dois anos mais, acompanhando-os entre 1989 e 1997.
37. Posto que nossas bases experimentais de dados têm em 1989 o ano de início da série de eventos.

Convênio Cebrap/Finep 50
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

condições societais relevantes alteravam de modo radical as condições de competição no mercado


de trabalho. Assim, eles foram demitidos num momento imediatamente antecedente às
reorientações da política econômica dos governos Collor (abertura desordenada, reestruturação
do papel do Estado e intensa retração da atividade econômica, marcando os três primeiros anos da
década) e Fernando Henrique Cardoso (intensificação do ajuste estrutural, estabilização monetária
e o surto de crescimento econômico no momento imediatamente subseqüente ao Plano Real,
aliados à aceleração das privatizações e ao redesenho na configuração setorial que a elas se segue,
traços esses marcantes das condições de atividade das empresas e do mercado de trabalho no
miolo da década).
As trajetórias dos trabalhadores serão estudadas em dois subespaços particularmente sig-
nificativos na geografia dos setores respectivos: a química moderna (petróleo e petroquímica) do
Estado da Bahia e a automobilística (montadoras e autopeças) do Estado de São Paulo. Nesses
estados localizaram-se sítios historicamente chaves à configuração de cada um dos complexos
produtivos. Entretanto, esta não foi a principal razão da escolha. Eles nos interessam em especial
posto que tipificam as situações extremas e talvez mais representativas, para o caso brasileiro, de
mercados de trabalho estruturados sob formas distintas. Em S.Paulo, o assalariamento, as relações
formalizadas e o trabalho organizado dão a tônica, numa região que se construiu economicamen-
te ao redor da indústria (em cujo coração se situava a automobilística); nela se localiza o mais denso
e complexo tecido produtivo na geografia da atividade industrial brasileira; por tudo isto, seria
plausível esperar que a multiplicidade de ramos industriais e a tendência, hoje crescente, à
terciarização da economia regional paulista maximizassem chances para a absorção dos demitidos
em atividades que, se não preservassem a qualificação anteriormente lograda, pelo menos garan-
tissem o re-ingresso em empregos formais de qualidade. Na Bahia, e notadamente na sua Região
Metropolitana, território onde competem os egressos das empresas químicas e petroquímicas, o
mercado de trabalho sempre se estruturou com base numa ampla proporção de trabalho não-
registrado; ali, o renascimento industrial é recente e (ao menos até aqui) de frágil implantação no
tecido econômico regional, tendo tido como protagonista principal o segmento químico-
petroquímico; em casos como este, parece plausível supor que as chances de obtenção de um
emprego que preserve o capital de qualificação e a qualidade do posto de trabalho perdido tor-
nam-se bastante mais restritas, sendo que tais restrições podem resultar não apenas de caracterís-
ticas do processo de mudança setorial, ou de atributos do trabalhador, mas do perfil do mercado
de trabalho. Assim, o desenho empírico buscava ter em conta um outro aspecto, a saber, que o
impacto da reestruturação sobre as trajetórias é certamente mediado pelas condições especiais da
organização do mercado regional de trabalho no qual os indivíduos buscam a sua reinserção.
Finalmente, como em qualquer estudo empírico, nossas formulações e inferências estão
constrangidas pelo tipo de informação que manejamos. No caso brasileiro, só muito recentemente
criaram-se condições para o acompanhamento longitudinal de trajetórias ocupacionais, tomando
em conta lapsos extensos de tempo. A montagem e teste de duas bases experimentais facultou tal
possibilidade. Elas foram preparadas a partir da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e do

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Cadastro Geral de Demitidos e Admitidos - CAGED, registros administrativos de tipo compulsório


que as empresas devem fornecer ao Ministério do Trabalho (o primeiro, anualmente, a cada dia
31.12; o segundo, a cada mês), dando conta de todos os trabalhadores admitidos e demitidos no
período de referência. Os trabalhadores são caracterizados segundo variáveis básicas de perfil (ida-
de, sexo, naturalidade, escolaridade, salário, ocupação, as principais dentre elas). A existência de
um número de identificação (o registro individual no programa de seguridade social) permite
intercomunicar o que até aqui era disponibilizado na forma de bases transversais de dados, abrin-
do a possibilidade para o desenvolvimento de análises verdadeiramente longitudinais em lugar de
38
simples reiterações de análises de tipo transversal. Todavia, esta fonte contém uma limitação
especialmente importante na medida em que, pela forma de captação, apenas o emprego registrado
por estabelecimentos produtivos está nela contemplado. Em outros termos, ela pode ser conside-
rada uma boa medida das chances de reinserção no mercado formal de trabalho.
Deixando de lado o debate sobre a pertinência do recorte “formal-informal” para o estudo
do mercado de trabalho, poderíamos reconhecer que, da forma como concebida a base, o seu uso
abre possibilidades de enfoque, mas fixa limites às nossas interpretações. Assim, é certo que, usan-
do-a, passamos a ter a chance de formular e testar hipóteses de tipo longitudinal para o universo
de trabalhadores industriais brasileiros, reunindo eventos que recobrem lapsos de tempo de dura-
ção inalcançável por qualquer das bases disponíveis (PME, PNAD…). Sem embargo, estamos cons-
trangidos a cobrir, nas nossas descrições, unicamente as seqüências dos seus destinos ocupacionais
em que o trânsito se faz entre vínculos de emprego formalmente registrados pela empresa que os
co-estabelece, o que nos circunscreve aos espaços do chamado mercado formal de trabalho. Duas
perguntas se colocam: Será isto irrelevante? Será possível superar esta limitação? Passando a cada
uma delas, encerraremos a apresentação deste trabalho.
Em primeiro lugar, por que acreditamos sociologicamente relevante descrever percursos de
mobilidade restritos a eventos no mercado formal se lidamos com a realidade de um país onde são
elevados (e crescentes) os níveis de informalidade? O vínculo formal, como se sabe, era e ainda é o
passaporte para o mundo, por assim dizer, mais estável de direitos no Brasil (Werneck Vianna,
1976; Santos, 1979). Ele garante representação sindical e assegura que as relações de trabalho
serão regidas por convenções coletivas, e não apenas por contratos individuais entre patrão e
empregado; tem na CLT e, em muitos casos, na Constituição Federal o escudo protetor contra
0
arbitrariedades do empregador; minimamente, ele garante férias, 13 salário e um pecúlio na for-
ma do FGTS. Em suma, o vínculo formal traz o trabalhador à superfície da cena social, dando-lhe
visibilidade pública e conferindo estabilidade à sua relação com o Estado, via acesso regulado à
legalidade imperante, a algo que poderia ser nomeado “mínimos civilizatórios” em termos de
remuneração e direitos. A perda do emprego, se não é seguida da obtenção de um novo emprego
registrado, significa a exclusão pura e simples deste mundo estruturado dos direitos do trabalho e

38. Para maiores detalhes sobre essas bases e sobre as distintas possibilidades de séries temporais de dados, bem como
sobre as vantagens da base RAIS longitudinalizada, ver Castro et al (1997), Cardoso (1998) Castro (1998), Cardoso
(2000, no prelo).

Convênio Cebrap/Finep 52
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

a inclusão, por contrapartida, no outro mundo do trabalho, aquele informalmente regulado, invi-
sível do ponto de vista do Estado e suas instituições, provavelmente ainda mais predatório em
relação à força de trabalho ou, quando menos, assujeitando-o a condições de depredação cujos
antídotos e anteparos não estão socialmente regulados e que, por isto mesmo, carecem de formas
de controle (legal e política) institucionalmente estatuídas e legitimadas. Por tais razões dedicare-
mos a maior parte deste texto a explorar os dados que nos permitem descrever trânsito e riscos no
mercado de trabalho que expõem indivíduos à situação de saída – por curto ou longo tempo – dos
marcos regulatórios do trabalho formalmente registrado.
Mas, uma segunda pergunta é também pertinente: como contornar o limite interposto
pelas bases experimentais construídas a partir da RAIS-CAGED, de modo a podermos estimar
seqüências completas de trânsito ocupacional, aí incluído o trânsito pelo mercado informal de
trabalho? Para faze-lo, empreendemos o esforço de construir um estudo piloto, de tipo amostral,
com levantamento domiciliar, onde um dos grupos de trabalhadores foi estudado mais detidamen-
te a partir de um questionário longitudinal retrospectivo. No caso, escolhemos uma amostra alea-
tória de metalúrgicos da região do ABC (município dormitório de Diadema, S.Paulo), coração da
automobilística no Brasil, e procuramos recompor seqüências completas de trajetórias para cerca
39
de 400 casos observados nesta amostra.
Assim apresentado o percurso da construção das nossas indagações, passemos aos resulta-
dos. O texto tem a seguinte estrutura. Além desta introdução, a primeira parte traz um apanhado
das mudanças recentes nos setores automobilístico e químico. Procura-se sustentar o argumento
de que a reestruturação industrial é sistêmica em ambos. Em seguida, analisamos as trajetórias
intersetoriais no mercado formal de trabalho dos demitidos de cada setor, chamando a atenção
para aspectos convergentes e divergentes.

A reestruturação sistêmica dos complexos automobilístico


e químico-petroquímico

Quando referimos o caráter sistêmico da reestruturação que transcorre nos anos 90, como
forma de distingui-la das mudanças que tiveram lugar nos 80, estamos querendo aludir a um
movimento de transformação que ultrapassa os chãos-de-fábrica das empresas líderes e avança,
nestas, em direção a todos os âmbitos da política de produção (latu sensu), produzindo políticas e

39. O nosso programa de pesquisas contempla dois estudos piloto, planejados para serem realizados junto às duas
categorias de trabalhadores aqui estudados (metalúrgicos em S.Paulo e petroquímicos na Bahia). Na fase atual,
temos completo apenas o levantamento com metalúrgicos, mais fácil de ser produzido, visto que há uma grande
convergência entre localização das empresas (cinturão industrial do ABC) e residência dos trabalhadores, que são
em grande número e se localizam em algumas poucas cidades dormitório, todas de médio porte. Nesse caso,
amostra domiciliar aleatória é facilmente desenhada. Já no caso dos petroquímicos da Bahia, sendo eles em muito
menor número e com padrão residencial distinto (não estão segregados nos entornos do complexo industrial, mas
dispersando-se pela enorme malha urbana da cidade do Salvador) o desenho amostral teve que ser mais complexo,
requerendo maior conhecimento do universo a ser amostrado (inclusive endereços residenciais dos trabalhadores
demitidos, sorteáveis para a amostra).

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

diretrizes novas na engenharia dos processos, dos recursos, na gestão financeira e de marketing,
na gestão do trabalho, no mais das vezes iluminados pela visão soberana dos programas de quali-
dade e produtividade. Mas, queremos igualmente aludir ao fato de que este movimento de trans-
formação ultrapassa as próprias empresas líderes de cadeias produtivas e dissemina mudanças que
se fazem urgentes no seio de outras firmas que integram uma mesma rede de produtores e seus
distribuidores. Nesse sentido, o qualificativo de “sistêmico” responde à necessidade de diferencia-
lo do processo de mudanças, mais circunscrito e conservador, que tipificou os anos 80, mesmo em
sua segunda metade. Assim, o movimento que transcorreu nos 90 importou em intensa
reestruturação tecnológica e organizacional, atingindo não somente a gestão da planta mas tam-
bém os padrões de conformação do tecido industrial, por moldar novas formas de relação inter-
firmas; mas importou, ademais, em nova forma de relacionamento entre os agentes sociais destes
processos: trabalhadores, sindicatos, gerências e estado.
Desde logo, cabe sublinhar que, ao lançarmos mão do qualificativo “sistêmico”, não estamos
querendo assumir uma hipótese ingênua de convergência, que simplesmente afirme a tendência à
equalização pura e simples de padrões de produção e de gestão. É certo que estamos reconhecendo
a difusão de um novo paradigma de produção e de gerenciamento de recursos de diversa natureza –
humanos, dentre eles. Entretanto, nem de longe queremos sugerir ao leitor que os modelos normativos,
que alimentam hoje as culturas técnica e gerencial (pública e privada), sejam uniformes e tenham a
virtualidade (ignorada desde sempre, mesmo em outros modelos igualmente generalizados) de diri-
mir diferenças. Se os valores que povoam o imaginário e o discurso empresarial podem apontar nesta
direção, não estamos aqui supondo que os mesmos se tornem realidade tal como imaginados. Bem
assim, estamos cônscios dos resultados dos estudos feitos no Brasil sobre as relações inter-firmas,
eloqüentes ao documentar como os novos paradigmas de produção transformam, sim, os diversos
elos das cadeias produtivas, e, nestes, os distintos grupos de trabalhadores – mas o fazem de modo
desigual, diferenciando-os, em novas bases, antes que equalizando-os.
No que respeita aos trabalhadores e suas trajetórias, poder-se-ia dizer que tal movimento
impõe, como se verá adiante, novos cursos possíveis aos seus destinos empregatícios. Tais cursos,
entretanto, se expressam de modo seletivo, desigual, entre os vários grupos de indivíduos, segun-
do circunstâncias também diversas, dentre elas, o setor de onde se desligam, o mercado de traba-
lho no qual competem, os atributos de que são possuidores.
Tomando mais de perto o caso brasileiro, e ilustrando-o com os dois setores escolhidos,
como se poderia documentar tal movimento sistêmico de reestruturação?

40
A indústria automobilística

Na década de 1990, a indústria automobilística brasileira viveu o seu momento de mais


profundas e aceleradas transformações; a compara-lo com a sua história pregressa, foi um período
verdadeiramente revolucionário: intensa renovação produtiva baseada em novas tecnologias, so-

40. O conteúdo deste item aproveita parte da reflexão contida no primeiro capítulo de Cardoso (2000, no prelo).

Convênio Cebrap/Finep 54
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

bretudo de base microeletrônica; completa redefinição de produtos e processos; redesenho de plantas;


extensa revisão e renegociação das relações entre os diversos elos da cadeia produtiva; destruição
de postos de trabalho; criação de outros em novas bases; tudo isto de forma cada vez mais integrada
vertical e horizontalmente em todo o complexo de produção e distribuição dos produtos. É por esta
razão que se pode afirmar a existência diante de um processo de reestruturação sistêmica. Mais do
que isso, impera no setor como um todo um novo paradigma de produção, cuja inspiração mais
geral é a chamada “produção enxuta”.
Estudos de caso encontráveis em Cardoso (1995), Marx e Salerno (1995), Leite (1997), Neves
(1997), Bresciani (1997), Marx (1997) e Gitahy e Bresciani (1998), dentre outros, parecem não
deixar dúvidas quanto à intensidade da introdução de novas tecnologias brandas e duras nas
montadoras. Cada nova linha de montagem dos produtos sempre renovados resulta na incorpora-
ção de dezenas, às vezes centenas de autômatos. Todas as montadoras do país já contam com:
sistemas de trabalho em células de produção na maioria das unidades, com polivalência dos traba-
lhadores, capazes de executar várias funções; redução de níveis hierárquicos e conseqüente trans-
ferência ao trabalhador de várias responsabilidades quanto à qualidade do produto final; controle
estatístico de processo; focalização da produção e terceirização de produtos e serviços, variáveis
segundo a idade das plantas; just in time interno e externo, ainda que implantados em intensidade
diversa também segundo a idade e localização geográfica das plantas. Além disso, todas as plantas
de todas as montadoras têm certificado ISO 9000; todas têm programas mais ou menos sistemáti-
cos de melhoria contínua e de sugestões; e todas redefiniram lay out de produção, com reengenharia
de unidades inteiras. São mudanças profundas, sistêmicas, que tendem a integrar todas as unida-
des de produção segundo esquemas de cliente-fornecedor internos típicos das relações interfirmas
que passaram a se consolidar na cadeia como um todo, especialmente na segunda metade dos
anos 1990 (Addis, 1999; Leite, 1997). O resultado destes vários movimentos é o aumento estron-
doso da produtividade do trabalho na década, tal como medida pelo número de veículos por
trabalhador, que saltou de menos de 8 em 1990 para mais de 19 em 1997 (Cf. Anfavea, 1998).
Dando substância a estudos realizados por Posthuma (1991 e 1993), Gitahy e Rabelo (1991),
Addis (1994) e Abreu, Gitahy, Ramalho e Ruas (1997), dentre outros, o “censo da qualidade e
produtividade” que o Sindicato Nacional das Indústrias de Autopeças (Sindipeças) vem realizando
há alguns anos encontrou, em 1997, o seguinte quadro: das 262 empresas que compuseram sua
amostra, representativa do setor, 78% tinham ou estavam se habilitando ao certificado ISO 9000;
46% tinham o QS 9000; 74% qualificavam fornecedores; 66% adotavam o controle estatístico de
processo e outro tanto empregava alguma metodologia de análise e solução de problemas; signi-
ficativos 58% produziam just in time, enquanto 62% tinham adotado a produção em lay out
celular. As altas taxas de utilização de várias destas mudanças permitem suspeitar que muitas estão
41
sendo utilizadas pelas mesmas empresas.

41. Ver, também, CNI/SENAI (1998), que corrobora esta última afirmação.

Convênio Cebrap/Finep 55
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

O que é decisivo em relação a estes dados, porém, é que cinco anos antes o mesmo censo
industrial do Sindipeças, desta vez realizado junto a amostra menor e com maior participação de
empresas médias e grandes (51% do total, contra os 36% de 1997), havia detectado taxas bem
menores de utilização de quase todos estes novos métodos de qualidade e gestão do trabalho.
Para os itens equivalentes nos dois períodos, o ano de 1997, em que pese ter coberto mais exten-
sivamente empresas de menor porte e, por isto mesmo, teoricamente menos engajadas em pro-
gramas de reestruturação produtiva, apresentou média de utilização de inovações 20% superior
ao ano de 1992. Por outras palavras, mesmo as pequenas empresas passam por reestruturação
produtiva voltada para a qualidade, e estes indicadores parecem não deixar dúvidas quanto à
extensão e escopo das mudanças.

Tabela 1
Introdução de métodos de produção de qualidade na indústria de autopeças
Brasil, 1992 e 1997

Mudanças Implantação (%)


1992(*) 1997(**)
ISO 9000 58 78
QS 9000 46
Qualificação de fornecedores 60 74
Custos de qualidade 48 62
Auto avaliação de qualidade organizacional 58 66
Análise de modo de falha e defeito 52 68
Controle estatístico de processo 74 66
Desenvolvimento de função de qualidade 36 34
Benchmarking 54 46
Metodologia de análise e solução de problemas 32 64
Projetos de experimentos 32 34
Kanban/just in time 46 58
Lay out celular 50 62
Manutenção produtiva total 40 46
Engenharia e análise de valor 38 42
Dimensionamento geométrico e tolerância - 42
Processo de aprovação de peça de produção - 80
Planejamento avançado da qualidade do produto - 56
(*) Pesquisa em 127 empresas, sendo 62 com até 400 funcionários (48,8%); 39 com entre 401 e 1000 empregados
(30,7%); e 26 com 1001 ou mais (20,5%);
(**) Pesquisa em 262 empresas, sendo 168 com até 400 empregados (64,1%); 55 com entre 401 e 1000 empregados
(21,0%); 28 com 1001 ou mais (10,7%); e 11 sem informação sobre porte (4,2%).
Fonte: Sindipeças (1992 e 1998)

A generalização de técnicas de “produção enxuta” de inspiração japonesa na gestão da


produção não poderia deixar de refletir-se nos indicadores agregados de qualidade de emprego no
setor automobilístico. O mais importante será, talvez, a taxa de rotatividade de mão de obra, estreita
e historicamente associada a um certo tipo de uso predatório do trabalho que marcou o setor nos
anos 1970 (Humphrey, 1982) e que, como mostrou Carvalho (1993), permitiu a reestruturação de-
fensiva na década de 1980. Relações de trabalho baseadas na confiança, na transferência de respon-
sabilidades quanto à qualidade do produto final ao operador direto, em investimentos em recursos

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humanos por parte das empresas e em comprometimento do trabalhador com as metas de qualidade
e produtividade definidas por estas, são inimigas de políticas de pessoal baseadas na intensa rotatividade.
É isto que o Gráfico 1 está mostrando, de forma muito contundente. Tanto nas montadoras quanto
nas autopeças há forte tendência de queda nas taxas mensais de rotatividade, sobretudo depois de
1992. Note-se, ademais, que, nos anos 1990, os dois segmentos responderam de forma muito
semelhante aos ditames gerais do ciclo, isto é, a rotatividad diminui segundo timing equivalente e em
proporções também bastante próximas. Este é outro forte indicador da afinação das estratégias de
pessoal em todo o complexo, na direção de empregos mais estáveis.

Gráfico 1
Taxas mensais de rotatividade no setor automobilístico
Brasil, 1986-1997
6

Montadoras Autopeças

0
86

90

93

97
6

6
87

88

89

91

92

94

95

96
9

7
l- 8

l- 8

l- 9
l-8

l-8

l-9

l-9

l-9

l-9

l-9

l-9

l-9
n-

n-

n-

n-

n-
n-

n-

n-

n-

n-

n-

n-
Ju

Ju

Ju
Ju

Ju

Ju

Ju

Ju

Ju

Ju

Ju

Ju
Ja

Ja

Ja

Ja
Ja

Ja

Ja

Ja

Ja

Ja

Ja

Ja

Fonte: RAIS-MTb/Codefat

Todos estes movimentos ilustram o intenso processo de ajuste do setor automobilístico


brasileiro à nova ordem econômica regional. As políticas públicas, antes voltadas à proteção do
setor à competição, hoje visam estimular a reestruturação competitiva, enquanto orientam o
planejamento estratégico das firmas segundo um perfil almejado de inserção internacional que
assegure, no mínimo, balança comercial favorável. A sobrevivência da indústria automobilística
nacional, neste quadro, segue tratada como “razão de Estado”, e este aspecto é central à compre-
ensão da profundidade da reestruturação em curso. O Estado não garante, como antes, mercado
interno inteiramente fechado, é verdade, mas continua subsidiando o investimento do segmento
terminal do complexo e protegendo as montadoras aqui instaladas. Uma vez mais premidas pelos
custos de oportunidade, as montadoras seguem respondendo prontamente aos estímulos à ampli-
ação do parque produtivo.

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Na outra ponta, a abertura comercial, se bem que tenha sofrido refluxos na década, expôs
definitivamente a indústria autóctone à competição, especialmente o setor de suprimentos. Mais e
mais montadoras, sobretudo as que se vêm instalando em razão dos novos incentivos fiscais, estão
praticando global sourcing de peças e componentes estratégicos. Relações interfirmas marcadas
por restrição de fornecedores e ampliação do escopo dos componentes fornecidos (na direção de
conjuntos montados cada vez mais complexos) vêm reduzindo o tamanho do segmento de apoio
e, ao mesmo tempo, adensando as redes de transferência de padrões tecnológicos e de qualidade.
Como vimos antes, mais de 70% dos fabricantes de peças no país, assim como todas as montadoras,
qualificam seus fornecedores.
Neste quadro, a reestruturação sistêmica do setor automobilístico combina, de um lado,
adoção de novas tecnologias e métodos de gestão (ambos poupadores de força de trabalho) como
resultado do adensamento das relações entre firmas na cadeia como um todo; e, de outro lado,
redução do número de empresas de suprimentos, com impactos igualmente importantes sobre o
42
nível de emprego.

43
A indústria químico-petroquímica

Um cardápio de transformações igualmente intensas pode ser apresentado com respeito à


indústria química, com especificidades dignas de nota. Iniciamos pelas convergências e passamos,
em seguida, a destacar as especificidades. De comum há o fato de que os 90 foram anos de intensa
reestruturação, técnica e organizacional. As mudanças que já se prenunciavam nos 80, mas que
até então pareciam ter uma face de simples atualização tecnológica, sendo apenas potencialmente
disruptivas (SDCD e correlatos), tornaram-se, nos anos 90, prenhes de conseqüências: a introdu-
ção das tecnologias digitalizadas no âmbito do controle de processo, que tinham ficado restritas às
44
empresas de primeira geração – centrais (estatais) de matérias primas, tenderam, por um lado, a
se difundir entre as várias gerações (intermediária e final) que compõem a cadeia produtiva; mas,

42. Estes movimentos são mais intensos a partir de 1995, já que até ali a reestruturação não tinha resultado em perdas
expressivas de postos de trabalho, em parte devido a acordos coletivos ou na Câmara Setorial Automobilística e em
parte devido ao crescimento do mercado interno de veículos. Aqui, soava desafiador o vaticínio da associação
patronal mais importante do segmento montador (a Anfavea), para quem 500 das 800 empresas ainda sobreviven-
tes no setor desapareceriam até o ano 2000, ceifando alguns milhares de postos de trabalho (Gitahy e Bresciani,
1998).
43. Esta sessão aproveita seletivamente elementos já contidos em Castro e Comin (1998) e Guimarães e Campos
(1999).
44. Utiliza-se, aqui, a categoria “geração” com o sentido técnico que ela tem (entre os próprios agentes sociais) na
descrição das cadeias produtivas químico-petroquímicas: uma geração se define pela natureza do insumo que
processa e do produto que dele se extrai. Na primeira geração estão as centrais de matérias-primas que, a partir da
nafta recebida das refinarias, produz os chamados petroquímicos básicos (olefinas e aromáticos). A geração inter-
mediária, faz o processamento desses insumos, recebidos das centrais, gerando uma linha de produtos intermediá-
rios os quais, uma vez transformados pela terceira geração, assumem a forma dos produtos finais, que, por sua vez,
tornam-se componentes da produção de outras cadeias, de bens duráveis de consumo, como a automobilística. Vê-
se, assim, que as relações inter-firmas estão supostas na forma muito especial como a petroquímica se implantou no
Brasil, com escassa verticalização e concentrando em mãos do Estado toda a transformação química de produtos de
primeira geração. Este modelo começou a ser posto em cheque com as privatizações dos 90.

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por outro lado, elas passaram a ter conseqüências organizacionais importantes, maximizando o seu
potencial de economia de trabalho vivo (potencial este que se mantivera praticamente inexplorado
ao longo da segunda metade dos anos 80, em quase todos os casos). Um elevadíssimo enxugamento
de efetivos passa a ter lugar nos anos 90, fundado em políticas de pessoal articuladas a programas
de qualidade, no bojo das quais se reduz de modo intenso e rápido o emprego direto (com crescimento
igualmente intenso e rápido do trabalho terceirizado). Ele atinge o coração do setor, os pólos de
S.Paulo e Bahia, devastando postos de trabalho.

Gráfico 2
Emprego na Química-Petroquímica
Nível de emprego (1986 = 100)

120.0

100.0

80.0 80.9
Ind.quím.SP
60.0
Ind.quím.BA
40.0 40.8

20.0

0.0
1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Fonte: MTb/Codefat

Obviamente, uma redução de efetivos de tal monta não poderia ter lugar sem que se
houvessem alterado radicalmente os próprios ambientes de trabalho. De fato, intensas transfor-
mações, ocorridas particularmente nos anos 90, modificaram significativamente os padrões de uso
do trabalho. É certo que, nas indústrias de fluxo, e particularmente na petroquímica, o modelo de
gestão imperante deste sempre já distava – e muito – da média da indústria. Ele se sustentava na
gestão do trabalho de operadores de processo caracterizada pela elevada estabilização da força de
trabalho (contrariamente aos altíssimos índices de rotatividade existentes no Brasil), pela escolarização
média bastante superior ao ordinário (segundo grau com formação técnica) e por uma política de
remuneração que aliava salários em média igualmente mais elevados e benefícios extra-salariais
não desprezíveis. Tudo isto porque a natureza do trabalho supervisório em indústrias – como as
químicas – de fluxo contínuo, de alto risco e sem possibilidades de retrabalho sobre as eventuais
perdas de produção, impunha a conquista do compromisso ativo do trabalhador operacional. For-
mas de gestão – que na automobilística vieram, como vimos antes, de braços com a chamada
reestruturação produtiva, e baseadas nas políticas de qualidade – acompanhavam o segmento
químico-petroquímico desde berço e marcavam a sua especificidade.

Convênio Cebrap/Finep 59
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Que fazem então os anos 90, no caso brasileiro? Ampliam e atualizam estas características,
aproximando-nos dos padrões de uso do trabalho já experimentados for a do Brasil. Qual a condição
de possibilidade para tal? O uso extensivo das chances de reestruturação abertas pelas novas formas
digitalizadas de controle de processo. Elas permitiam novas condutas operacionais, maior interface e
imbrincamento entre tarefas de operação, laboratório e de manutenção, ampliação da automatização
de tarefas de campo, o que termina por impactar no desenho que fazem as empresas com respeito
ao conteúdo das ocupações, à nomenclatura e concepção das carreiras. Os programas de qualidade
e as novas formas de confrontar o poderio sindical nas plantas redesenham as políticas de salários e
de benefícios, buscando maior envolvimento dos trabalhadores com os novos alvos gerenciais e,
nesse sentido, afetam significativamente o escopo e espaço de relacionamento com os sindicatos.
Tais mudanças se generalizam por todas as gerações de empresas do ramo químico-
petroquímico, em tendências que passam a se exprimir, também na químico-petroquímica, de
maneira cada vez mais sistêmica. Difunde-se um padrão geral no seio da empresa, integrando
distintos setores de sua política: desenvolvimento de produtos e controle de processos, engenharia
dos mesmos e da execução na forma de sistemas internos de clientes e fornecedores, gestão do
trabalho, da qualidade, marketing, tendo como carros chefes os segmentos de política comercial e
de política de qualidade. Mas este padrão também tende a se difundir entre empresas na cadeia
tecnicamente articulada dos produtores de produtos petroquímicos, mudando de forma significa-
tiva a natureza da relação entre as firmas; de fato, ao avançar, ele ultrapassa o antigo padrão, que
dominara até os 80, de dependência compulsória entre gerações, a qual era propagada, a jusante
na cadeia, apenas com base no elo técnico do fornecimento do insumo a ser processado.
Mas, à diferença da cadeia automotiva, na químico-petroquímica a intensificação destas
mudanças está ligada direta e imediatamente a mudanças na forma de regulação do setor. Para
entende-las há que ter em mente que a expansão da indústria químico-petroquímica no Brasil se faz
no contexto de políticas de substituição de importações de insumos básicos, que ampliam a produ-
ção interna num modelo que arranja a participação empresarial e define vocações regionais para
sediar os greenfields de forma completamente centralizada pelo Estado, a partir de uma tecnoburocracia
fortemente enraizada na elite militar governante. Durante 20 anos, do início dos 70 ao início dos 90,
o modelo de gestão do setor teve no Estado o seu principal protagonista. Até o período Collor, o
Estado ali comparecia não apenas controlando o acesso de novos produtores estrangeiros ao merca-
do interno, ou concedendo incentivos (fiscais e financeiros) diversos, mas estava presente como pro-
dutor direto. Na Bahia, desenvolveu-se o experimento ideal deste modelo de gestão planejada, que
deu lugar à maior concentração petroquímica no Brasil: o chamado “modelo tripartite” que soldou a
aliança entre o Estado, o capital nacional (local, muitas vezes) e o grande capital estrangeiro; nela, o
Estado comparecia com pelo menos 1/3 da propriedade do capital, tinha papel central na gestão dos
empreendimentos e, sobretudo, regulava desde a cabeça do sistema (Petrobrás-Petroquisa) toda a
política para o setor (de importação, de preços internos, de quotas de produção internas e de expor-
tação). Num complexo sistema de participação acionária, ele detinha o comando (direto ou indireto)
das principais unidades produtivas, notadamente aquelas que eram as mais importantes para a arti-

Convênio Cebrap/Finep 60
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

culação da cadeia de produtores: o refino do petróleo e produção da nafta e a produção da primeira


geração de produtos (de fornecimento imprescindível para todo o restante da cadeis).
A redução de alíquotas (intensa e rápida) promovida pelo governo Collor (num momento
de retração do mercado interno e de crise de superprodução no mercado internacional), aliada à
redefinição de outros aspectos da política de proteção, que culminaram com a privatização do
setor (que tem seqüência no governo de Fernando Henrique Cardoso), fizeram com que a década
dos 90 fosse, também para este segmento da indústria, um momento de extrema instabilização
das estratégias estatais e gerenciais, com efeitos imediatos e claros nas políticas de efetivos. O
número de empregos diretos cai à metade na indústria químico- petroquímica baiana.

Reestruturação sistêmica e mobilidade predatória? Padrões de trajetória intersetorial


de demitidos na automobilística e na químico-petroquímica

O que permite que alguns trabalhadores permaneçam em seus empregos? O que explica,
ao contrário, que alguns sejam expulsos do setor formal? E onde buscar as causas das migrações
“virtuosas” para outros segmentos deste mesmo setor formal? Há padrões recorrentes de trajetórias
ocupacionais ou, ao contrário, os destinos empregatícios dos indivíduos são erráticos e aleatórios?
A RAIS permite lançar alguma luz sobre o movimento de indivíduos no tempo, tendo em conta a
heterogeneidade da força de trabalho, com o que podemos buscar algumas respostas. Para a
melhor compreensão da lógica que preside a análise, alguns esclarecimentos são necessários.
Parece analiticamente plausível supor que indivíduos tenham destinos empregatícios co-
muns, credores de características compartilhadas (endógenas e exógenas) que estabelecem os
limites ou condicionam percursos ocupacionais no mercado de trabalho. Características endógenas
via de regra são depreendidas das condições (notadamente oportunidades, redes) que caracteri-
zam os meios sociais dos quais se originam, condições estas que lhes provêm de um certo capital
social com o qual afluem à disputa por postos no mercado de trabalho. Nesse sentido, a teorização
sobre as características endógenas se alimenta da tradição sociológica que reconhece papel
explicativo importante aos determinantes da origem social dos indivíduos (particularmente da sua
origem de classe) no processo de fazer confluir destinos individuais.
Já as características exógenas – que também estruturam as escolhas, fazendo convergir
percursos singulares – poderiam ser recolhidas do conjunto de elementos que influem na estrutura e
na dinâmica dos próprios mercados de trabalho aos quais os indivíduos se lançam. Elas podem ser
internas ao funcionamento do mercado de trabalho (como é o caso das estratégias de empregadores
e de empregados), ou podem ser externas a este (como é o caso das políticas públicas voltadas ao
treinamento profissional). Num caso ou noutro, o campo das teorias sociológicas e econômicas (macro
ou micro fundadas) sustenta o postulado de que os mercados de trabalho têm uma relativa
previsibilidade, que resulta do seu padrão de estruturação, previsibilidade esta que restringe as opções
em termos de oportunidades de emprego e renda. Nesse sentido, os cursos ocupacionais podem ser
pensados como resultando de uma sucessão de escolhas individuais estruturalmente orientadas.

Convênio Cebrap/Finep 61
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Isto posto, o que importa para a análise que se segue é que, se o analista dificilmente pode
ter em devida conta o leque total de alternativas de ação abertas aos indivíduos, certamente pode
postular sua limitação e, em termos lógicos, esperar que indivíduos compartilhem destinos
empregatícios no tempo, justamente porque as alternativas são limitadas e os limites não estão
aleatoriamente distribuídos, isto é, não são os mesmos para todos. Sobretudo, é possível esperar
que a heterogeneidade de determinantes micro e macro resulte em trajetórias ocupacionais tam-
bém heterogêneas, porém compartilhadas por grupos inteiros de pessoas.
Para melhor nos aproximarmos deste leque de possibilidades alternativas é que fixamos,
tornando constantes, alguns elementos que podem operar como possíveis fatores de convergência
das experiências individuais, por funcionarem como estruturantes de trajetórias agregadas. Nesse
sentido, interpelamos as informações disponíveis com a seguinte indagação básica: qual o curso da
mobilidade no mercado de trabalho de indivíduos que tinham em comum algumas experiências de
partida, tais como:

(i) tinham sido, todos eles, ocupantes de postos formais, protegidos, no mercado de traba-
lho, estando empregados num mesmo setor (automobilística ou químico-petroquímica);

(ii) num mesmo ano (1989), vivem uma experiência comum: a perda dos seus empregos e a
necessidade de voltar a competir, num mesmo mercado regional de trabalho, por uma
nova ocupação registrada, no exato momento em que se intensificam as transformações
nos seus setores de origem em direção a um padrão sistêmico de reestruturação industri-
al, com efeitos (tal como indicamos acima) devastadores sobre os postos de trabalho.

Nesse sentido, nosso interrogante seria: quais foram os destinos empregatícios dessa coorte
de indivíduos, que tem em comum a vivência de uma mesma experiência, qual seja, a de terem sido
demitidos, de um mesmo setor, num mesmo ano? Observados durante sucessivos anos, quem,
quando e onde logra retornar ao trabalho registrado?
Assim formulada a pergunta, a nossa análise sobre trajetórias agregadas passa a ter no con-
ceito de coorte, e não de indivíduo, a sua unidade operacional. Acompanhando os que partilham
este mesmo fato fundador (a experiência da demissão, de um mesmo setor, num mesmo ano),
podemos avançar no esforço por desvendar os efeitos deste padrão sistêmico de reestruturação
produtiva sobre as oportunidades ocupacionais dos indivíduos atingidos pelo intenso encolhimento
de postos de trabalho nas cadeias e nos tecidos produtivos (uma das características marcantes deste
45
processo).

45. Certamente, persiste um limite na análise, tal como formulada até aqui a partir dos dados longitudinais RAIS-
CAGED, ela é cega com respeito a uma dimensão sociológica de todo relevante: como se constrói, do ponto de vista
do indivíduo, uma trajetória. Se o curso é estruturado, a partir de possibilidades restritas, que fazem confluir desti-
nos pessoais para padrões de trajetórias agregadas, isto não elimina o fato de que o indivíduo, sim, faz escolhas,
mobiliza recursos dos seus meios/redes/capitais sociais e é o agente que transforma possibilidades estruturadas em
cursos efetivos. Para melhor estuda-lo, nosso programa de pesquisa, envolve fases futuras de aproximação sucessiva
com um estudo amostral que mapeia redes, recursos (além de completar, como dissemos, a construção de trajetórias)
e um ciclo de entrevistas qualitativas em profundidade com grupos de indivíduos em situações tipo (Demazière et al,
2000)

Convênio Cebrap/Finep 62
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Visualizando o que se passa no conjunto da indústria – até mesmo para termos a possibilida-
de de melhor situar os percursos de demitidos nos setores que nos interessam, vemos que, ano após
ano, entre 1989 e 1997, o destino mais provável dos que perderam seus empregos em 1989 foi o de
46
se encontrarem for a do mercado dos empregos registrados.
Em média, nesta coorte de trabalhadores industriais demitidos em 1989, nada menos que
41% jamais lograram constituir outro vínculo formal nos 8 anos subseqüentes de trabalho; para os
homens esta proporção se reduz para 38% , enquanto que, para as mulheres, ela se eleva para
48% . Ou seja, cerca de 4 em cada 10 homens e 5 em cada 10 mulheres estariam expulsos do
circuito relativamente mais protegido do mercado de trabalho, onde espera-se que estejam locali-
zados os empregos registrados e protegidos pela legislação em vigor.

Gráfico 3
Brasil – Demitidos da Indústria em 1989

Destino: Setores de re-ingresso 89 a 97

100%

90%

80%

Outras atividades
70%
Comércio
Serviços
60%
Outras Inds.
Têxteis
(%)

50%
Químicas
Tradicionais
40%
Outras metalúrgicas
Material de transporte
30%
Fora do sistema

20%

10%

0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano

46. Estes dados resultam da primeira das bases experimentais que utilizaremos aqui – a RAISMIGRA. Na forma em que
foi gerada, ela RAISMIGRA acompanha cada um dos trabalhadores que compõem uma mesma coorte de demitidos,
checando, inicialmente em cada um dos anos subseqüentes à demissão, se ele aparece nos registros de empregados
efetuados pelas firmas na data de referência (31 de dezembro de cada ano); caso o indivíduo não apareça emprega-
do nessa data, todos os registros de movimentação anual feitos pelas empresas são revisados de modo a neles
localizar o vínculo (se houver) de maior duração em que esteve registrado este trabalhador. Desse modo, cada
indivíduo pode ter, no máximo, o registro de um vínculo por ano; esta arquitetura supõe, por isso mesmo, que a
mobilidade intra-ano pode ser considerada de pouca expressão. Para testar a validade dessa suposição, foram
produzidas, com apoio da DATAMEC, três outras pequenas bases, também experimentais, referidas, cada uma
delas, a trabalhadores metalúrgicos de S.Paulo, químicos da Bahia e têxteis do Rio de Janeiro, para as quais foram
recuperados todos os episódios registrados de mobilidade individual, aí incluídos os empregados e desempregados.
Utilizaremos uma destas bases (aquela construída para estimar mobilidade de metalúrgicos paulistas) na seção
seguinte da nossa análise. O manejo simultâneo de ambas as bases evidencia que, embora distintas em sua arquitetura
são comparáveis em seus resultados.

Convênio Cebrap/Finep 63
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

A indústria automobilística
O gráfico 4, utilizando a segunda das nossas bases experimentais, retrata as probabilidades
de sobrevivência setorial, até o ano de 1995, dos indivíduos que tiveram, em algum momento de
1989, qualquer vínculo empregatício formal no setor de material de transportes na Grande São
Paulo. A cada mês estes indivíduos são novamente observados. As variações mensais referem-se a
proporções dos mesmos indivíduos que, com o tempo, migraram de um setor a outro, ou que
migraram para fora do sistema RAIS de informações, ou que permaneceram no setor de material
de transportes. Não há como saber que proporção dos que saíram do sistema estava desemprega-
da, ou com algum emprego informal (sem carteira assinada), ou empregada por conta própria.
Mas veremos que a simples exclusão do setor formal traz conseqüências de monta para esses
trabalhadores.
Assim, 82% das pessoas que tiveram algum vínculo formal no setor de material de transportes
durante o ano de 1989 ainda estavam empregados ali em dezembro deste ano. Encontrávamos 2,3%
em outras indústrias metalúrgicas, enquanto 11% estavam fora do sistema RAIS e os demais se
47
distribuíam pelos outros setores econômicos . Ao final do período (dezembro de 1995), apenas 32%
das mesmas pessoas continuavam empregados no setor de material de transportes; 6,5% tinham
migrado para outras metalúrgicas e outro tanto encontrara emprego em outras atividades. O fato
realmente notável, porém, é que quase metade, ou mais de 47%, tinham sido expulsos não apenas do
segmento metalúrgico de transportes, mas do setor formal como um todo.
Dois comentários iniciais são necessários aqui. Em primeiro lugar, os setores de serviços e
comércio demonstraram capacidade residual de absorção dos que perderam o emprego nas indús-
trias de material de transportes ao longo do período. Se o primeiro viu sua participação no empre-
go total crescer 9,7%, e se o comércio cresceu 11% (segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do
IBGE), apesar disto o comércio esteve virtualmente fechado aos egressos daquelas indústrias (2,6%
48
ao final do período) e os serviços, ao menos em termos do emprego formal e em que pese sua
agregação com “outras atividades” por problemas de codificação (discutidos no anexo estatístico
e metodológico), absorveram menos de 10% dos migrantes.
Em segundo lugar, o setor de material de transportes no Estado de São Paulo é estrutural-
mente predatório em relação à sua força de trabalho, em especial o subsetor de autopeças (res-
ponsável pelo maior volume de emprego no início do período), mas também o segmento montador.
É isto que as proporções de expulsão do setor formal (47% de todos os trabalhadores que passaram
pelo setor em 1989) e do setor de material de transportes em particular (70% dos que tiveram
algum vínculo ali em 1989) expressam.

47. Ver Cardoso (2000, no prelo) para detalhes metodológicos com respeito à composição dos setores.
48. É preciso assinalar que, ainda com base na PME-SP, o emprego assalariado formal cresceu mais do que o emprego
assalariado sem carteira, tanto no comércio quanto nos serviços: 15,4% contra 3,3% neste último caso, e 18,6%
contra 8,7% no primeiro. Por outras palavras, a grande maioria do emprego assalariado criado nos serviços e no
comércio entre 1989 e 1995 era formal. A taxa de crescimento do emprego assalariado formal superou também a
do emprego por contra própria, que nos serviços cresceu 13% e, no comércio, 12,6%.

Convênio Cebrap/Finep 64
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Gráfico 4
Trajetórias intersetoriais dos trabalhadores empregados nas indústrias
de material de transportes em 1989
Estado de São Paulo, 1989-1995
100%
Se rviços/outras
Comé rcio
Tra d ic io na i s Out ra s ind ús t ria s
Q uí mic a
80% O u t r. m e t a lú rg ic a s

Fora do sistema
60%

O utr. mat. transporte


40%

Autope ças

20%

Montadoras

0%

Fonte: RAIS/MTb-Codefat, tabulações especiais. N=383.426 indivíduos

Uma leitura apressada, ainda que informada pela literatura existente e pelas hipóteses
centrais que guiam esta análise, poderia levar o analista a atribuir a “predação” da força de traba-
lho apenas, ou principalmente, ao processo de reestruturação produtiva, nos moldes da reconversão
tecnológica aludida na introdução, característica de revoluções industriais. Mas há evidências mui-
to fortes de que isto é apenas parte da história, talvez a menor parte. Ora, segundo a RAIS, em
dezembro de 1995 havia 32% menos empregos formais no segmento de material de transportes
de São Paulo do que em dezembro de 1989 isto é, foram fechados pouco mais de 113 mil postos
formais de trabalho. Este dado contrasta fortemente com a constatação, já adiantada, de que
quase 70% dos trabalhadores, ou mais de 250 mil pessoas do total de 383 mil que tiveram algum
vínculo formal no setor em 1989, perderam seus empregos no período, ao passo que metade, ou
mais de 190 mil pessoas, foi excluída do setor formal. Por outras palavras, os postos de trabalho
fechados no setor não explicam a expulsão dos enormes contingentes de trabalhadores que acabo
de assinalar.
É conhecido de todos a elevada magnitude das taxas de rotatividade no Brasil, certamente
dentre as mais altas do mundo, montando a 37%, em média, desde 1986 até 1995 (Cardoso,
1997; Amadeo e Camargo, 1996; Cacciamali e Pires, 1996; Montagner e Brandão, 1996; Macedo e
Chahad, 1986). Este é um aspecto saliente do uso predatório da força de trabalho na economia
brasileira, fortemente associado aos baixos salários (Baltar e Proni, 1996). Mas nas indústrias de
material de transportes a rotatividade tem sido, em média, inferior a 20% desde 1986 e cadente na

Convênio Cebrap/Finep 65
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

década de 1990, como vimos antes. Bem menor do que a encontrada no país, pois. Foi com base
nesta informação que vários autores foram levados a suspeitar que a reestruturação produtiva calcada
em métodos japoneses de gestão estava contribuindo para reduzir o uso predatório da força de
trabalho no setor, em especial nas montadoras (Cardoso, 1995; Arbix, 1996).
Tal suspeita tinha forte componente de wishfull thinking. Esta taxa de rotatividade esconde
49
algo que não se sabia e que os dados analisados aqui ajudam a aclarar , isto é, que os trabalhadores
de indústrias de material de transportes que perdem seus empregos dificilmente conseguem voltar
ao setor ou mesmo ao segmento formal da economia. O desemprego significa, para a maioria deles,
a exclusão do mundo dos empregos registrados e legalmente protegidos, tal como medido pela
RAIS. A partir de 1989, o setor como um todo sangra mês a mês, vertendo trabalhadores rumo a
outros setores e, principalmente, aos mares revoltos da informalidade ou do desemprego à
impressionante taxa média mensal de 0,73 pontos percentuais. Isto significa que, até janeiro de
1999, provavelmente todos os trabalhadores contratados 10 anos antes terão perdido seu emprego
e migrado para fora da economia formal ou para setores menos estruturados do que o industrial.
Em suma, a maior parte perderá o emprego no curso de 7 anos, e parte substancial dos que
perderem não retornará a outro emprego formal no mesmo período, sobretudo os demitidos das
montadoras. Uma das hipóteses originais de trabalho se confirma, então, com um adendo surpre-
endente: não apenas há um virtual fechamento do setor industrial aos egressos do segmento de
ponta da indústria de material de transportes (montadoras), como ainda é baixa sua taxa de retor-
no a um emprego formal qualquer. A reduzida rotatividade setorial (inferior a 20% ao ano, em
média desde 1989) e a perda de perto de 110 mil postos de trabalho não permitiriam prever estas
trajetórias excludentes, cujas conseqüências não devem ser desprezadas, seja na análise econômica
da dinâmica do mercado de trabalho, seja na análise sociológica dos destinos empregatícios dos
indivíduos. Antes de passar a elas, vejamos as probabilidades condicionais de migração intersetorial
deste contingente de trabalhadores.
Em todo o Estado de São Paulo, pouco mais de 383 mil indivíduos passaram pelo setor de
material de transportes no ano de 1989. Note-se que não se trata de 383 mil indivíduos emprega-
dos todo o ano, mas sim de 383 mil indivíduos que, em algum momento, tiveram um vínculo
formal qualquer ali em 1989. Pouco mais de 23% dos trabalhadores demitidos do setor encontra-
ram algum emprego formal, principalmente em outras metalúrgicas (6,5% em dezembro de 1995)
e em outras atividades (8%). E entre a permanência no mesmo emprego por todo o período e a
expulsão do setor formal, há várias possibilidades de migração inter e intra-setorial. No que se segue
50
analisamos apenas as três mais importantes em termos do destino migratório dos demitidos.

49. Outro achado nesta mesma direção, tomando os demitidos da indústria de transformação em todo o país, pode ser
encontrado em Caruso e Pero (1997).
50. Para investigar estas possibilidades, do universo total de empregados em 1989, sorteou-se uma amostra aleatória de
5% (destinada unicamente a facilitar a manipulação em microcomputador, depois projetada para a população) que
foi submetida a um algoritmo de classificação das trajetórias individuais apenas recentemente desenvolvido por
estudiosos do mercado de trabalho (Degenne, Lebeaux e Mounier, 1996). Este algoritmo, embora complexo em

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

A Classe 1, maior entre as geradas pela análise estatística, agrega 1/3 da população e,
nitidamente, retrata trajetórias de exclusão não apenas do segmento de material de transportes,
mas também do setor formal da economia como um todo. Já ao final de 1991, 60% estavam fora
do sistema RAIS, percentual que chegou a quase 90% em janeiro de 1993, voltando à casa dos
80% ao final do período. Uma pequena proporção conseguiu emprego em outros setores da
economia, tendo como destino mais comum a própria indústria, se bem que quase 9% tinham
encontrado emprego no setor de serviços e em outras atividades não industriais em 1995.
É interessante assinalar que, em média, estes trabalhadores tiveram 2,5 vínculos formais no
período. Mas a média esconde o fato relevante de que 44% dos membros da classe tiveram não
mais do que um vínculo empregatício formal. Apenas pouco mais de 21% tiveram dois vínculos, e
36% mais de 2. Isto quer dizer que, de forma geral, uma vez demitido o trabalhador, seu destino
mais provável é a exclusão do setor formal. Mas caso encontre outro emprego, o indivíduo terá
mais chances de ser demitido do que permanecer ali, isto é, os que conseguem permanecer for-
malmente empregados transitam muito entre os empregos. Quase metade dos indivíduos desta
classe que tinham conseguido sobrevir no mercado formal de trabalho em 1995 tiveram 4 ou mais
vínculos empregatícios de 1989 até ali.

Indústria de Material de Transporte


Classe 1: Trabalhadores redundantes em face da reestruturação
100%
Comé rci o Serviços
O utr. metal úrgicas Q uí mi ca

O utr. mat. transporte


80%

60% Autope ças

40% Fora do sistema

Montadoras

20%

0%

Fonte: RAIS/MTb-Codefat, tabulações especiais. N=120.780

seus pressupostos, é simples quanto aos procedimentos e tem dupla natureza. Primeiro, as 84 variáveis que com-
põem a base de dados, correspondentes ao ramo de atividade de lotação dos indivíduos nos meses em que foram
observados entre 1989 e 1995 (sendo cada mês uma variável), foram submetidas a uma análise fatorial de corres-
pondência múltipla, com objetivo de encontrar recorrências nas seqüências de eventos (Ver tb. Barbary, 1996).
Foram selecionados 10 eixos fatoriais e os indivíduos neste espaço foram submetidos, na segunda etapa, a procedi-
mentos de classificação hierárquica arborescente (do tipo cluster analysis). O procedimento estatístico encontra
correspondência nas expectativas teóricas já aludidas na introdução, e de fato foi capaz de agregar seqüências de
eventos de forma significativa, gerando classes ou padrões de trajetória de grande interesses descritivo e analítico.

Convênio Cebrap/Finep 67
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Avaliando os indicadores para o primeiro vínculo formal nas indústrias de material de trans-
portes em 1989, descobrimos que, ainda que o tempo médio de permanência no emprego fosse
de mais de 56 meses, a maioria estava há menos de 40 meses empregado no momento da demis-
são. Do total, apenas 8% tinham mais de 50 anos de idade em 1989, o que os credenciava à
aposentadoria. Isso permite afirmar compor-se esta classe de indivíduos ainda em idade ativa que,
com o passar do tempo, foram perdendo em curto espaço de tempo poder de barganha no mer-
cado formal de trabalho, tornando cada vez menos provável um novo emprego ou, nas poucas
vezes em que o conseguiram, isto se deu fora do setor de material de transportes.
51
Os demitidos eram egressos igualmente de empresas grandes e “pequenas” , padrão pouco
usual nas demais classes, que tendem a concentrar trabalhadores em um ou outro tipo de empre-
sa. Em termos típicos, os membros desta classe tinham, em sua maioria, 30 anos ou mais de idade,
escolaridade inferior à 8ª série, e 57% deles recebiam salários abaixo da mediana. Ademais, eram
em sua maioria homens, mas a participação do sexo feminino era superior a todas as outras classes
e também à média da população analisada. A distribuição geográfica correspondia, grosso modo,
à distribuição global, e chama a atenção o fato de que o perfil ocupacional era rigorosamente
equivalente ao da população total analisada. Finalmente, trata-se em sua maioria de operários que,
no início, tiveram ocupação típica da indústria metalúrgica.
As informações disponíveis, em especial a comparação com as outras classes, não permi-
tem construir explicações seguras sobre as razões da exclusão deste contingente de trabalhadores
do setor formal da economia. Mas se tomarmos as classes 2 a 3 como parâmetro, aquelas que
agrupam pessoas que tiveram trajetórias “virtuosas”, encontrando emprego em setores não-
metalúrgicos no correr do tempo, saltam aos olhos a renda superior dos membros da classe 1 no
primeiro vínculo, a idade mais elevada, maior presença de trabalhadores do segmento montador e,
consequentemente, de empresas com 1000 empregados ou mais, e o maior tempo de emprego
no vínculo inicial. Em média tinham estado empregados por 4,6 anos ou mais em 1989. Eram
trabalhadores, no mínimo, especializados, senhores de um saber prático adquirido na lida cotidia-
na extensa temporalmente, ao menos comparativamente às classes 2 a 3. Tudo isto sugere ser esta
classe composta, ao menos em parte, por trabalhadores tornados redundantes em face da
reestruturação produtiva e como tal foi designada aqui. O curioso, e que merece ser marcado, é
que o tempo no emprego anterior parece estar contribuindo para limitar as possibilidade de acesso
destes trabalhadores a outros postos de trabalho, uma vez demitidos. Voltaremos a isto daqui a
pouco.
Embora a transição para fora do setor formal da economia seja o caminho mais provável dos
que perdem seus empregos, já vimos que parte importante volta a ele, quase sempre em outro setor
que não o de material de transportes. As classes 2 e 3 retratam parte destes indivíduos, isto é, dos
que lograram trajetórias “virtuosas” do ponto de vista do emprego formal. Cabem algumas

51. Ao menos para os padrões do setor, onde ter menos de 1000 empregados já retira a empresa do rol das considera-
das de grande porte.

Convênio Cebrap/Finep 68
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

observações mais gerais sobre este contingente de trabalhadores. Em primeiro lugar, estas classes,
não obstante a diversidade de destinos, apresentam grande semelhança nos padrões de migração,
em termos da seqüência de saída de um e entrada em outro setor. Em segundo lugar, nos dois
casos 60% dos demitidos tiveram 4 vínculos ou mais no correr da trajetória, indicando altas taxas
de rotatividade. Há re-emprego, mas o novo vínculo quase nunca é estável. Em terceiro lugar,
repare na curva do segmento “fora do sistema” nestas duas classes. Sua participação não é nunca
inferior a 20%. Os anos de recessão de 1990 a 1992 apresentam as maiores taxas de exclusão do
setor formal, com os trabalhadores retornando gradativamente ao sistema RAIS a partir de então
até o final de 1994, para uma vez mais voltarem a ser demitidos durante o ano de 1995. Os novos
vínculos são sempre precários, pois. Por último, o timing de exclusão do setor de material de
transportes é muito semelhante, com a crise de 1990-1992 representando claro divisor de águas
excludente. Entretanto, embora os trabalhadores rodem muito entre os empregos, em cada classe
há uma certa estabilidade da “opção” setorial de destino, uma vez ocorrida a exclusão das indús-
trias de material de transportes. Nitidamente, os trabalhadores mudaram de ramo da economia, e
transitam muito entre empregos no novo ramo.

Indústria de Material de Transporte


Classe 2: Transição para o comércio

100%
Se rviços

80%
O utr. mat. transporte C omé rcio

60%

Autope ças
40%

Montadoras
20% Fora do siste ma

0%

Fonte: RAIS/MTb-Codefat, tabulações especiais. N=9.720

Convênio Cebrap/Finep 69
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

As semelhanças não param por aí. As características demográficas dos trabalhadores eram
muito próximas, de um modo geral. As empresas de origem eram em sua maioria “pequenas”.
Porcentagem expressiva (60% ou mais) estava empregada há menos tempo que a mediana (40
meses). As mulheres estavam em maior proporção do que a média da população. Em torno de 1/3
dos indivíduos teve seu primeiro emprego na cidade de São Paulo. Em torno de 1/3 tinha sido
admitido no setor de material de transportes no próprio ano de 1989. Logo, eram “neófitos” no
setor. De maneira correlata, a participação de jovens (com 29 anos ou menos) era expressivamente
superior às outras classes. E as taxas de participação de operários em ocupações típicas da indústria
metalúrgica era menores, sendo maior a participação de outras ocupações de produção.

Indústria de Material de Transporte


Classe 3: Transição para os serviços

100% C omé rci o


O utras indústri as

80%
O utr. m at. transporte

Se rvi ços
60%

Autope ças

40%

Montadoras
20%

Fora do siste ma

0%

Fonte: RAIS/MTb-Codefat, tabulações especiais. N=32.540

Cerca de 40% dos migrantes para o comércio e 43%% dos migrantes para os serviços
tinham mais do que 8 anos de estudo (contra menos de 30% dos migrantes para outras indústrias,
não retratados aqui). Migrar para o terciário, ademais, tem sua probabilidade aumentada se o
trabalhador exercia profissões não tipicamente operárias. As ocupações de escritório tinham nes-
tas classes 2 e 3 sua maior participação relativa, 19% e 14%, respectivamente, assim como era
menor a incidência de ocupações tipicamente metalúrgicas do que qualquer outra classe. Finalmen-
te, as montadoras estavam presentes em maior proporção nestas duas classes do que nas demais.
Migrar para o terciário uma vez perdido o emprego, pois, parece mais provável se o trabalhador é
mais escolarizado, menos tipicamente metalúrgico e mais jovem, enquanto a migração para outro

Convênio Cebrap/Finep 70
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setor industrial é mais comum entre trabalhadores com identidade mais nitidamente operária,
provenientes de empresas maiores e com pouco tempo de emprego.
Olhando mais detidamente os que migraram para o setor de serviços (Classe 3), nota-se que
eles eram, em média, um pouco melhor remunerados do que os demais no início, estavam no
emprego há um pouco mais de tempo e provinham de empresas um pouco maiores, além de
serem mais escolarizados do que os membros das outras classes. Tinham, no início e em termos
médios, melhor qualidade de emprego do que os demais, em especial os que migraram para o
comércio. E ao menos se medida em termos de renda, a migração para os serviços preservou a
qualidade do emprego destes trabalhadores por comparação com os demais. A relação entre a
52
renda da Classe 5 e da Classe 4 em 1989 era de 1,08, mantida idêntica em 1995 (Tabela 2) . Em
relação à Classe 3, era de 1,09 e 1,34 respectivamente, ganho relativo substancial, superior ao
conseguido por comparação com a Classe 2, cuja relação foi de 1,17 em 1989 e 1,28 em 1995. Por
outras palavras, trajetórias migratórias que redundam em empregos nos serviços, ainda que precá-
rios devido às altas taxas de rotatividade, expressas na grande quantidade de vínculos mantidos
pelos indivíduos no tempo, permitem aos trabalhadores que as vivenciam manter sua posição
relativa favorável por comparação com as trajetórias migratórias para o comércio, para outras
indústrias ou para indústrias tradicionais. Trata-se de trajetórias “virtuosas” deste ponto de vista.

Tabela 2 2:
Relação entre renda real no início e no fim da trajetória (1989-1995)

Classes
Indicadores de renda 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Renda média em 1989 (*) 548,67 458,43 492,68 496,29 539,06 641,70 592,77 606,11 707,84
Desvio padrão 543,17 432,60 482,01 575,22 578,99 600,53 504,34 538,13 477,72
Renda média em 1995 (*) 619,53 746,08 717,31 882,92 957,67 1124,33 1353,30 1367,26 2005,10
Desvio padrão 592,76 751,77 597,07 778,26 1137,32 965,96 1026,90 1121,35 1258,29
1995/1989 1,13 1,63 1,46 1,78 1,78 1,75 2,28 2,26 2,83
Fonte: RAIS/MTb-Codefat
1 53
(*) Em dólares de outubro de 1966.

Três comentários são essenciais aqui. Em primeiro lugar, as três classes de trajetória
excludente do setor de material de transportes, sem exceção, têm em comum um tempo menor de
experiência no emprego no início do período, se comparadas às classes de trajetória dos que per-
maneceram em seus empregos (não analisadas aqui). O tempo de emprego deve ser tomado como
medida da qualificação dos indivíduos, pelo que ele implica em termos de possibilidade de aprimo-

52. Para se chegar a estes valores, basta dividir a renda da Classe 5 em 1989 pela da Classe 4 no mesmo ano, obtendo-
se a primeira relação. Faz-se o mesmo para 1995 e comparam-se as duas proporções. A diferença entre as propor-
ções representa o ganho relativo de uma classe em comparação com a outra.
53. A renda média foi calculada tomando-se o valor médio em número de salários mínimos, multiplicado pelo valor
médio real do salário mínimo em dólares de agosto de 1996. Trata-se de aproximação grosseira à renda real, mas
suficiente para comparações entre estratos num mesmo ano.

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ramento de habilidades e de trânsito entre diferentes funções, em especial no trabalho reestruturado


e multifuncional, crescentemente marca do setor de material de transportes. Ao que parece, aque-
le tempo está funcionando como um bem, como um ativo tanto para o trabalhador quanto para as
54
empresas.
Em segundo lugar, nas trajetórias de expulsão do setor de material de transportes, quanto
menor o tempo anterior de emprego, maiores as chances do trabalhador encontrar um outro
emprego formal, principalmente se ele tiver menos de 30 anos de idade. Este achado não deixa de
ser surpreendente, e pode estar indicando que a experiência anterior de trabalho, se é longa o
suficiente para especializar o trabalhador e para “envelhecê-lo”, funciona como uma espécie de
condenação, como um estigma no mercado de trabalho quando este setor deixa de oferecer de
vagas e passa a desempregar. Hipótese plausível parece ser a de que uma experiência menor de
trabalho não estigmatiza o trabalhador como um especialista, habilitando-o ao aprendizado de
uma nova função num novo emprego formal, possibilidade quase sempre associada à juventude,
em especial se este emprego ocorre em outro ramo que não o de origem. O problema da reconversão
profissional, portanto, coloca-se mais intensamente para trabalhadores aí pela metade de sua vida
produtiva do que para os mais jovens.
Finalmente, neste, como na maioria dos outros casos, e de maneira também surpreenden-
te, a escolaridade inicial faz muito pouca diferença. A “qualificação” parece estar associada, antes
de tudo, à experiência anterior de trabalho, e (desde que assim entendida) quanto mais qualificado
o trabalhador, neste sentido preciso, menores as chances de que ele volte ao mercado formal de
trabalho uma vez demitido.

A indústria químico-petroquímica

Utilizando, como contraponto, os achados iniciais que reunimos com respeito à mobilidade
dos trabalhadores da indústria químico-petroquímica, ilustramos como a mobilidade de demitidos,
no mesmo momento, pode produzir destinos empregatícios razoavelmente distintos se o setor de
expulsão se inserta num tecido menos complexo em termos de classes de atividade industrial, e
num mercado onde o trabalho não-registrado já dispunha de um peso particularmente significativo.

54. De fato, do ponto de vista destas, manter o trabalhador no posto de trabalho significa investimento em recursos
humanos, gasto efetivo de “capital” na forma de qualificação do trabalhador para a tarefa e para a cultura empre-
sarial. Por conseqüência, demitir tem o sentido oposto, de perda de capital, algo tanto mais importante quanto
maior o tempo de emprego. Ademais, os custos de demissão crescem na proporção direta do tempo que o trabalha-
dor permanece empregado, em razão da multa de 40% sobre o FGTS e das possíveis conquistas sindicais em favor
de um trabalhador há muito empregado, na forma de prêmios de demissão. Há, pois, fortes incentivos para que as
empresas o retenham, de sorte que a probabilidade de demissão é inversamente proporcional ao tempo de empre-
go. Já do ponto de vista do trabalhador, a manutenção do emprego é um interesse em si mesmo em situação de
mercado de trabalho instável, como o mercado automobilístico nos anos 1990. Como discutido em outro lugar
(Cardoso, 1997), é muito pouco provável que um trabalhador se submeta voluntariamente às incertezas deste
mercado, em razão do risco de não se encontrar outro emprego e do caráter precário do emprego informal.

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Bahia Química Moderna

Destino: Setores de re-ingresso 89 a 97

100%

90%

80%

70% Outras atividades


Comércio
60% Serviços
Outras Inds.
Têxteis
(%)

50%
Química Moderna
Química Tradicional
40% Tradicionais
Outras metalúrgicas
30% Material de transporte
Fora do sistema
20%

10%

0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano

Fonte: MTb-Codefat. Base experimental Rais-migra.

No caso da indústria químico-petroquímica da Bahia, chama a atenção, logo de início, o


peso sensivelmente maior do contingente que permanece, ano após ano, fora dos registros do
sistema RAIS, vale dizer, aqueles que jamais restabelecem um outro vínculo formal de trabalho.
Eles são em número superior ao da média da indústria e formam um contingente que, a cada ano,
envolve sempre, pelo menos, a metade dos que haviam sido originalmente desligados.
55
A análise das trajetórias agregadas desses trabalhadores nos permite formular algumas
hipóteses acerca dos destinos empregatícios dessa coorte de demitidos. Em primeiro lugar, três
classes de destinos podem ser destacadas a partir da nossa análise. E não é insignificante o fato de
que estas classes sejam somente em número de 3 – o que estar imediatamente a indicar que, à
diferença do que se passa em São Paulo, as chances de re-inserção configuram-se num leque de
possibilidades sensivelmente menor (lembrados, estamos, de que, no primeiro caso, tal leque se
abria para cerca de uma dezena de destinos alternativos).
Uma similitude se apresenta. Também no caso atual, a mais ponderável dentre as possibi-
lidades de destino para os que perderam seus empregos na indústria químico-petroquímica é aquela
composta pelos que são excluídos do mercado formal de trabalho. Entretanto, mais uma diferença:
eles alcançam aqui quase 50% do total de trabalhadores demitidos, parcela sensivelmente menor

55. Feita nas mesmas bases do que se descreve na nota 18 acima, associando análise fatorial de correspondência e
análise de clusters.

Convênio Cebrap/Finep 73
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

que na automobilística paulista. Provavelmente, por força da menor diferenciação da estrutura


produtiva local, e pelo peso, relativamente menor, do segmento do mercado protegido, no total das
alternativas ocupacionais locais.
Uma parcela muito reduzida logra reingressar no setor químico moderno, configurando um
segundo percurso possível; esta trajetória virtuosa é vivida apenas por 1 em cada 10 desligados.
Finalmente, uma terceira classe de trajetória reúne o contingente restante e se distribui entre múltiplas
possibilidades de emprego, com dominância ligeira da re-inserção nos serviços.
Vejamos, nos gráficos abaixo, como se configuram cada um dos três destinos para, em
seguida, caracterizarmos o perfil daqueles agregados que perfazem cada uma destas trajetórias .

Bahia Química Moderna 1989-97


Classe 1 - Fora do Sistema (45,9%)

100%

90%

80%

70% Outras atividades


Comércio
60% Serviços
Outras Inds.
Têxteis
(%)

50%
Química Moderna
Química Tradicional
40%
Tradicionais
Outras metalúrgicas
30%
Material de transporte
Fora do sistema
20%

10%

0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano

Bahia Química Moderna 1989-97


Classe 2 - Serviços (43,8%)

100%

90%

80%

70% Outras atividades


Comércio
Serviços
60%
Outras Inds.
Têxteis
(%)

50% Química Moderna


Química Tradicional
40% Tradicionais
Outras metalúrgicas
Material de transporte
30%
Fora do sistema

20%

10%

0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano

Convênio Cebrap/Finep 74
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Os gráficos que apresentam os dados mais significativos, totalizando, ambos os percursos


pouco mais que 90% dos casos, são aqueles correspondentes às classes 1 e 2, isto é, aos expulsos
(até o final do período, vale dizer por quase uma década) do mercado dos empregos formalmente
registrados e protegidos (Classe 1) e o dos que logram re-inserir-se, em diferentes possibilidades,
com ligeiro predomínio para os serviços e com indubitável dominância, enquanto setores de aco-
lhida, para os setores não-industriais, notadamente comercio, serviços e outras atividades.
Diferentemente do gráfico correspondente à Classe 2, não há qualquer margem a dúvida
quanto ao destino dominante entre os trabalhadores grupados na Classe 1, acima apresentada:
eles não são apenas majoritários, mas o destino absolutamente dominante é o da expulsão – o que
fica nítido no Gráfico relativo a esta classe (diferentemente do da classe 2, onde a dominância na re-
inserção nos serviços não é de todo clara, estando abertas, mais claramente, múltiplas possibilida-
des de retorno, a maior parte delas para fora da indústria).

Bahia Química Moderna 1989-97


Classe 3 - Quimica Moderna (10,3%)

100%

90%

80%

70% Outras atividades


Comércio
60% Serviços
Outras Inds.
Têxteis
(%)

50%
Química Moderna
Química Tradicional
40% Tradicionais
Outras metalúrgicas
30% Material de transporte
Fora do sistema
20%

10%

0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano

Já no Gráfico que resume o terceiro destino possível dos demitidos, novamente encontra-
mos a clara dominância de uma possibilidade – a re-inserção na própria indústria química moder-
na. Esta é, sem dúvida, a trajetória virtuosa, dentre aquelas que se abrem aos demitidos, em termos
de re-inserção ocupacional. Virtuosa porque, muito provavelmente, neste caso, a re-inserção deva
preservar o capital de qualificação acumulado pelo trabalhador quando do seu vínculo anterior;
isto é provável, vez que ele consegue se manter naquele mesmo circuito do mercado de trabalho.
Certamente, não podemos dizer se, ao retornar, ele preserva os ganhos que tinha no emprego
anterior; pode ser plausível acreditar que muito provavelmente não, mas – na ausência dos dados
sobre salários (ainda não trabalhados até a fase atual da pesquisa), é temerário afirma-lo de modo
taxativo. Sabemos, pela literatura disponível, que a mobilidade inter-setorial tende a importar em

Convênio Cebrap/Finep 75
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

perdas maiores tanto mais quanto maior a distinção entre setor de origem e setor de destino (Pero,
2000). Assim, poderíamos hipotetizar que, havendo perda salarial, ela tende a ser menor que aquela
que se passaria no caso dos que têm o destino expresso na Classe 2, por exemplo. Mas, um outro
aspecto chama a atenção, neste caso: a relativa insignificância numérica deste destino virtuoso, que
atinge apenas 10% dos casos dos demitidos. Destaca-se que tal insignificância é ainda maior no
caso da indústria químico-petroquímica que no caso da automobilística, antes descrito. E, acreditamos,
não por acaso. Na moderna química baiana, a homogeneidade intra-setorial é mais nítida dado o
caráter mais sistêmico das mudanças ao interior da cadeia produtiva das empresas de primeira a
terceira geração do Pólo de Camaçari.

Grau de Instrução
100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
Fora do sistema Serviços Química moderna
IGNORADO 0,2% 0,3% 0,0%
3 GR COMPL 11,4% 9,4% 22,7%
2 GR COMPL 33,6% 33,7% 51,4%
1 GR COMPL 19,8% 21,0% 11,6%
SEM 1 GR COMPL 35,0% 35,6% 14,4%

Em termos de perfil, os gráficos que apresentamos nesta parte final parecem conter algu-
mas observações interessantes. Parece claro que as chances maiores de exclusão estão abertas
para aqueles com menor capital escolar (observe-se que este é um setor com elevado requerimen-
to de escolaridade de ingresso, muito maior que a média do mercado local). No pólo oposto do
argumento, a re-inserção na química moderna é mais plausível para os que têm mais elevado capital
escolar (70% deles possuem ao menos segundo grau completo).

Convênio Cebrap/Finep 76
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Tamanho do Estabelimento

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
Fora do sistema Serviços Química moderna
500 OU MAIS 34,0% 25,5% 37,3%
DE 250 A 499 15,5% 18,4% 19,0%
DE 50 A 249 26,2% 36,4% 34,0%
ATE 49 24,4% 19,7% 9,7%

Os trabalhadores oriundos de pequenas empresas parecem sob maior risco.


De fato, a estrutura de porte das empresas parece razoavelmente refletida (exceção das
pequenas) na estrutura dos dados de origem em termos de vínculo dos trabalhadores que perfazem
as diferentes trajetórias.

Faixa Etária

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
Fora do sistema Serviços Química Moderna
65 OU MAIS 0,9% 0,1% 0,0%
50 A 64 10,6% 2,3% 3,7%
40 A 49 18,1% 13,1% 13,0%
30 A 39 38,4% 40,0% 41,9%
25 A 29 18,1% 24,6% 25,7%
18 A 24 13,0% 19,4% 15,5%
15 A 17 0,3% 0,1% 0,2%
10 A 14 0,0% 0,0% 0,0%

Convênio Cebrap/Finep 77
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

A idade e o tempo de vínculo, se pensados ambos como indicadores de senioridade, pare-


cem funcionar em termos bastante similares ao que se adiantou na parte relativa à análise transver-
sal dos dados. A expulsão atinge trabalhadores de média idade, no auge da sua capacidade produ-
tiva; o mesmo parece ocorrer para a re-inserção com mobilidade inter-setorial. Já as trajetórias
virtuosas, de reinserção na química, valorizam a experiência, expressa seja no tempo de vínculo,
seja na idade biológica, de modo mais nítido até naquele que nesta. Este parece ser, também aqui,
um capital importante de inclusão.

Tempo de Vínculo

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
Fora do sistema Serviços Química Moderna
25 ou mais 57,9% 43,6% 57,4%
19 a 24 5,7% 7,2% 8,8%
13 a 18 7,2% 9,1% 7,9%
7 a 12 10,5% 16,1% 12,5%
4a6 8,5% 10,8% 5,3%
até 3 10,2% 13,1% 8,1%

Conclusão

A análise comprova a hipótese central que a orientou: a perda do emprego numa indústria
de material de transportes é garantia de exclusão do setor para mais de 80% dos trabalhadores
migrantes que passaram por ali em 1989. Isto sugere que as demissões estarão refletindo, no nível
mais agregado, os movimentos de reestruturação sistêmica em curso no complexo automobilístico
analisada antes. Entretanto, a destruição de postos de trabalho no período (em torno de 25% em
todo o estado de São Paulo) é insuficiente para dar conta do fato de que quase 70% da força de
trabalho foi demitida entre uma ponta e outra da janela temporal avaliada. Ao que parece, há algo
mais do que reestruturação produtiva em jogo.
Dizendo de uma vez, o trabalho industrial no setor de material de transportes, com exceção
do núcleo duro das montadoras de automóveis, das empresas de autopeças e de parte dos demais
segmentos, é efêmero, um ponto de passagem, uma situação transitiva para um vasto contingente
de trabalhadores que, a rigor, não tem sequer tempo para consolidar uma profissão. Este aspecto
é essencial e requer alguns comentários adicionais:

Convênio Cebrap/Finep 78
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

1. As demissões no setor não decorrem, como suspeita a literatura sobre reestruturação


produtiva (Cardoso, 1995; os vários artigos em Castro org., 1995; e Arbix e Zilbovicius orgs., 1997,
apenas para citar exemplos salientes), apenas da redução líquida de postos de trabalho na indús-
tria. É verdade que esta redução está ocorrendo, como vimos. A RAIS dá conta da destruição de
mais de 110 mil postos formais de trabalho no período no Estado de São Paulo. Mas isto não é
suficiente para explicar os processos em curso, isto é, não estamos diante somente de redundância
à inglesa. O que parece estar ocorrendo é a dilapidação pura e simples das habilidades e qualifica-
ções de contingentes inteiros de trabalhadores, regularmente substituídos por outros, o que lhes
veda progressivamente acesso a um emprego formal. Não deixa de ser surpreendente que isto se
dê no setor de ponta da economia brasileira, mais intensamente submetido à competição interna-
cional e que deu início muito cedo à reestruturação organizacional baseada em métodos japoneses
de gestão, vale dizer, programas de qualidade e produtividade em que a estabilidade no emprego
é uma das condições para a garantia de lealdade e consentimento do trabalhador em relação aos
objetivos empresariais. É bom frisar, isto ocorre mais intensamente no segmento de autopeças,
mas é igualmente verdade para o subsetor montador, que empregou 28% da amostra em 1989
(ou 110 mil pessoas) e apenas 16% em 1995 (60 mil pessoas), enquanto os postos de trabalho
fechados não ultrapassaram a casa dos 5 mil, segundo a mesma RAIS.
Não há elementos para afirmar, categoricamente, que esta dilapidação se está dando por
responsabilidade única dos empregadores. Entretanto, o fato de que o destino de parte substanci-
al dos demitidos é a exclusão do setor formal da economia estará resultando, muito provavelmen-
te, na perda de qualidade de emprego e vida. É muito pouco provável que os trabalhadores este-
jam trocando, voluntariamente, um emprego pelo outro. Pero (1995) demonstrou que a migração
do setor industrial para outro qualquer (comércio ou serviços, formal ou informal) representa,
56
invariavelmente, perda de renda . Pode-se supor, pois, que a maior parte da migração para fora
do setor formal esteja ocorrendo contra a vontade do trabalhador, que não encontra sustento
estável no mercado metalúrgico de força de trabalho;
2. Tudo sugere a inexistência de mercado externo secundário de força de trabalho setorial.
Se o setor demite mais de 20% de seu efetivo a cada ano, em média desde 1989 até 1995; e se o
trabalhador demitido no curso de políticas de rotatividade dificilmente encontra outro emprego em
indústrias de material de transportes (apenas 22% dos demitidos em 1989 encontraram emprego
em 1990 no setor e, em 1995, apenas 17% ainda continuavam empregados ali), então é possível
esperar que as contratações na franja do mercado de trabalho se dão em favor de trabalhadores que
nunca tiveram experiência de trabalho nessas indústrias. Não se trata de mercado secundário setorial,
pois. Está-se mais próximo do conceito clássico de exército industrial de reserva, posto que essa
indústria seleciona os empregados que predará, via rotatividade, de uma oferta abundante não ou

56. Valéria Pero chega a estes resultados com base na PME-SP. Ela demonstra que, dos mais de 25% de trabalhadores
industriais que migram para outros setores a cada ano entre 1989 e 1993, a grande maioria perde qualidade de
emprego, medida em termos da renda. No caso da migração para os serviços pessoais a perda chega a mais de 30%
de um ano a outro.

Convênio Cebrap/Finep 79
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semiqualificada de trabalhadores “generalistas”. Não o trabalhador generalista dos processos


multiqualificantes e multifuncionais de trabalho, mas o trabalhador generalista de baixa ou nenhuma
qualificação.
3. O destino da grande maioria que perde seu emprego nas indústrias de material de trans-
portes é a exclusão do mercado formal de trabalho ao longo do tempo, talvez o desemprego. Isto
é tanto mais verdadeiro quanto mais o indivíduo seja um operário típico. O trabalho operário é
efêmero e instável no setor de material de transportes, e não serve de ponte a outros setores
industriais. Ao contrário, parece vedar-lhes acesso, com raras exceções.
4. O contraponto com a indústria químico-petroquímica confirma o que havíamos encon-
trado para a automobilística e sugere a correção da nossa hipótese que liga a natureza da
reestruturação (maior ou menor sistemicidade, intra-firma e intra-cadeia) ao seu efeito, mais ou
menos devastador sobre as chances de re-inserção dos demitidos. Neste caso, onde reestruturação
mais sistêmica se combina com tecido produtivo com menor diversificação e mercado de trabalho
estruturado ao redor do trabalho dominantemente informal, o caráter devastador deste processo,
e a provável magnitude dos efeitos de perda de capital de qualificação, dos trabalhadores em
mobilidade, são particularmente significativos.
5. Um ponto relativamente lateral à discussão central deste trabalho merece destaque: ao
perder o emprego, o metalúrgico tem grandes chances de perder a identidade de trabalhador com
direitos, algo a que só o vínculo formal de trabalho faculta. O vínculo formal, como se sabe, era e
ainda é o passaporte para o mundo, por assim dizer, mais estável de direitos no Brasil (Werneck
Vianna, 1976; Santos, 1979). Ele garante representação sindical e assegura que as relações de
trabalho serão regidas por convenções coletivas, não apenas por contratos individuais entre patrão
e empregado; tem na CLT e, em muitos casos, na Constituição Federal o escudo protetor contra
0
arbitrariedades do empregador; minimamente, garante férias, 13 salário e um pecúlio na forma
do FGTS. Em suma, o vínculo formal de trabalho traz o trabalhador à superfície da cena social,
tornando-o protagonista de seu próprio destino, dando-lhe visibilidade pública e conferindo estabi-
lidade à sua relação com o Estado via acesso regulado à legalidade imperante, a algo que poderia ser
nomeado “mínimos civilizatórios” em termos de remuneração e direitos. A perda do emprego
significa, para metade dos trabalhadores do setor, a exclusão pura e simples deste mundo estruturado
dos direitos do trabalho e a inclusão, por contrapartida, no outro mundo do trabalho, aquele
informalmente regulado, invisível do ponto de vista do Estado e suas instituições, provavelmente
ainda mais predatório em relação à força de trabalho.

Convênio Cebrap/Finep 80
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

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Convênio Cebrap/Finep 84
CAPÍTULO 4

LABORIOSAS, MAS REDUNDANTES


Diferenciais de gênero nos padrões de mobilidade no
trabalho industrial no Brasil dos anos 9057

Neste texto abordo a questão da mobilidade, no mercado formal de trabalho, de traba-


lhadores e trabalhadoras demitidos da indústria brasileira nos anos 90. Com os dados aqui analisa-
dos pretendo destacar a importância dos diferenciais de gênero para a melhor compreensão do
processo de intenso trânsito ocupacional, conseqüente à instabilização dos vínculos de trabalho,
que se intensificou na última década.
Para tanto, em sua primeira parte, estabeleço o ponto de partida do argumento. Os proces-
sos de ajuste macro-econômico e reestruturação micro-organizacional alteraram o perfil da indús-
tria brasileira e colocaram-nos diante de uma nova tendência, típica dos anos 90, no que tange à
oferta de postos de trabalho: a retração persistente do nível do emprego, que não tem sido
contrarrestada sequer nos momentos de reanimação da economia. Tal tendência vai de par com
uma segunda, qual seja, a da maior seletividade no mercado de trabalho, particularmente no que
tange aos empregos mais protegidos, porque formalmente registrados.
Diante disto, a segunda parte do texto procura sistematizar achados convergentes na litera-
tura mais atual, produzidos a partir de inquéritos domiciliares, que apontam para mudanças impor-
tantes no âmbito da oferta de força de trabalho, que se expressam na crescente presença e no novo
perfil das mulheres que ingressam na atividade econômica, bem como nas condições de sua incor-
poração à população economicamente ativa. Destaco um, dentre esses traços, como o foco de atenção
no presente texto: as novas tendências do desemprego de mulheres. Tal tendência desperta o interesse
para um fenômeno que se intensificou nos anos 90: o trânsito entre situações ocupacionais.
Por isto mesmo, na terceira parte deste texto, analiso dados produzidos pelas empresas
brasileiras para o sistema de informações e cadastro geral de admitidos e demitidos do Ministério
do Trabalho e Emprego. Por meio destes dados, acompanho os eventos de mobilidade do grupo de
trabalhadoras e trabalhadores industriais demitidos no ano de 1989. Ocupados até o momento
que precede ao ajuste macro e à reestruturação micro, eles foram desafiados à busca de nova
ocupação justamente quando se contraia a oferta de empregos e crescia a seletividade no recruta-
mento. A base de dados de que disponho me permite relocalizar cada um destes trabalhadores e
trabalhadoras a cada um dos seus eventos de reingresso (entre 1989 e 1997) no mercado dos
empregos formalmente registrados.

57. Um recente exemplo deste tipo de reflexão, que mobiliza uma equipe interinstitucional de pesquisa Cebrap-Iuperj,
pode ser encontrado em Cardoso (2000).
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Com base nas informações longitudinais sobre os nove anos de mobilidade intersetorial
desses trabalhadores e trabalhadoras, procurarei discutir, na parte final deste texto, como os
diferenciais de gênero se manifestam (i) em setores da indústria sujeitos a distintos padrões (mais ou
menos sistêmicos) e variada intensidade de reestruturação (comparando automotriz e química) e (ii)
em mercados regionais de trabalho com estrutura diversa (comparando São Paulo e Bahia). O interesse
básico está em melhor conhecer os percursos - as trajetórias - dessa mobilidade. Para tanto, um
cardápio de indagações se destaca. Como se dão estes percursos, isto é, que se pode dizer do
destino dos trabalhadores industriais que perderam seus empregos, no Brasil, no alvorecer do processo
de reestruturação dos anos 90? Há variantes de gênero? Esses percursos se diferenciam conforme
o setor (sua mixidade e a natureza da reestruturação)? Diferenciam-se conforme o tipo de mercado
regional de trabalho (mais ou menos formalizado) onde a busca de emprego se faz?
O que aqui apresento são primeiros resultados em um longo programa de investigação,
ainda em curso. Com ele, se pretende abordar alguns fenômenos inquietantes, retomando a tradi-
ção dos estudos da mobilidade ocupacional no âmbito da Sociologia do Trabalho no Brasil. Ao
mesmo tempo, procura-se testar novas metodologias de abordagem, que parecem inovadoras,
especialmente pela possibilidade de reintroduzir-se o tempo como um dos elementos constitutivos
58
do desenho de pesquisa, em análises de cunho propriamente longitudinal.

1. Reestruturando as firmas e reorganizando o mercado de trabalho:


menos e piores empregos?

Os anos 90 destacaram-se, no Brasil por uma intensa transformação no trabalho industrial.


Tal transformação transparece com nitidez qualquer que seja o âmbito a partir do qual a observe-
mos: seja o das tendências do mercado de trabalho industrial, seja o das mudanças na organização
do trabalho nas plantas fabris, seja o da configuração do tecido industrial. Os seus determinantes
advieram tanto do plano micro-organizacional - refletindo as transformações tecnológicas e
gerenciais então ocorridas, como do plano macro-social, como resultado da redefinição do papel
do setor industrial na divisão social do trabalho no país. Os seus efeitos se expressam seja no plano
da re-espacialização da força de trabalho, seja nos padrões de relação entre firmas, seja nas formas
da relação de trabalho no mercado industrial. Por isto mesmo, as mudanças no volume e na natu-
reza do emprego fabril parecem se constituir em uma das características marcantes da realidade da
organização do mercado de trabalho nos tempos atuais.

58. Convém ressaltar, com Camargo (1998), que, após os primeiros meses de estabilização (mais exatamente entre
julho de 1994 e março de 1995) ocorreu um aumento não-desprezível do nível de emprego industrial, associado ao
crescimento do produto industrial, expressão de uma demanda que crescia por efeitos da própria estabilização.
Entretanto, a partir de então teve lugar uma persistente redução do nível de emprego industrial, em todas as regiões
metropolitanas brasileiras, que não se reverteu, repito, sequer com a retomada do crescimento da economia, verificada
em 1995-6. Naquele momento, os ganhos de produtividade do trabalho anularam a possibilidade de crescimento
da ocupação. Simultaneamente, entretanto, a produtividade mostrou aumento de 60 pontos percentuais, mais da
metade dos quais após o mesmo Plano (Ramos e Reis, 1997).

Convênio Cebrap/Finep 86
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

No que concerne à capacidade de absorção de trabalhadores por parte da indústria brasilei-


ra, é certo que desde os anos 80 ela já vinha se mostrado declinante. Qual, então, a novidade dos
anos 90? Os momentos de retomada do crescimento econômico já não se mostraram capazes de
contrarrestar o processo de contração do emprego industrial. Ao contrário, ele se acentuou com o
choque que deu início ao ajuste do período Collor e persistiu, mesmo naqueles anos (como 1994 e
1995) em que a economia pareceu querer arrancar em direção ao crescimento. Assim, se em 1991
a indústria de transformação ocupava quase 23% da força de trabalho das regiões metropolitanas
brasileiras, em 1996, essa participação não chegava a alcançar os 20%.
Esta reconfiguração da divisão intersetorial do trabalho está ligada ao significativo
enxugamento dos quadros de pessoal das empresas industriais. Assim, somente na primeira parte
da última década, mais exatamente entre os anos 1991-1996, o nível do emprego industrial redu-
ziu-se em 25%, metade do que após o lançamento do Plano Real, momento de recuperação do
59
crescimento setorial (Ramos e Reis (1997:13).
Mas, tão importante quanto a tendência ao encolhimento do emprego fabril foi a mudança
nas formas de uso e gerenciamento do trabalho industrial. Ampla literatura sociológica documentou
60
tais mudanças no caso brasileiro. Por essa literatura, sabemos que vários setores industriais
experimentaram transformações importantes (conquanto seletivas e de modo algum generalizáveis)
em seus processos produtivos. Sabemos, também, que a modernização das empresas não se deu no
mesmo momento, nem com igual intensidade. As estratégias de restruturação obedeceram a
constrangimentos diversos, tais como: a posição de cada empresa no mercado nacional, o seu mix
de produtos, o grau de autonomia ou subordinação das subsidiárias brasileiras face às estratégias
globais das matrizes (no caso das multinacionais), a intensidade do impacto das crises (notadamente
aquelas do 81-83 e do 91-93) sobre o desempenho econômico das firmas. Nos anos 1980 tal
reestruturação esteve longe de apresentar um caráter sistêmico, carecendo de uma integração
horizontal entre políticas tecnológicas e de gestão do trabalho. Mesmo nos anos 90, quando se
ampliou o número de empresas e de setores onde novos métodos produtivos e de gestão do trabalho
passaram a vigorar, essa modernização preservou dos oitentas o seu caráter não-sistêmico.

59. Os primeiros sinais dessas transformações já haviam sido detectados, no final dos anos 1970, por Fleury e Vargas
(1983). Eles adquirem maior nitidez nos anos 1980 e aprofundam-se nos 90, como mostram os estudos de Carvalho
(1987), Le Ven e Neves (1985), Peliano (et al, 1988), Abramo (1990), Castro (1994 e 1995), Castro e Leite (1994),
Leite (1994), Posthuma (1994), Hirata (1994), Valle (1995), Cardoso (1997), Arbix e Zilbovicius (1997), dentre
muitos outros.
60. Mais recentemente, um estudo de fôlego (Bielschowsky et al, 1999), procurou avaliar os efeitos da estabilização e
da abertura (num contexto de crescente privatização), sobre o comportamento dos investimentos privados,
notadamente na indústria. Seu resultado aponta para que, embora esses investimentos tivessem se elevado signifi-
cativamente, em especial se comparados com o desempenho medíocre da primeira parte da década, distam ainda
muito das médias alcançadas em décadas anteriores. Ao contrário, para os autores, esgotado o salto modernizante
centrado na reposição de equipamentos obsoletos (o que parece estar se configurando), tornam-se cada vez mais
graduais e de menor impacto os investimentos em reposição, redução de custos e desobstrução de “gargalos”.
Uma modernização vigorosa suporia novas unidades produtivas e novos produtos, o que tem estado ligado à
expansão do mercado interno (ou, quando muito do mercado regional, Mercosul), claramente contida pela atual
dinâmica macroeconômica, em especial no horizonte que se abre a partir das crises da segunda parte dos anos 90
(e das incertezas da integração regional no Mercosul).

Convênio Cebrap/Finep 87
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Predominantemente voltada para a renovação da gestão do trabalho, ela foi, pelo menos até
os primeiros anos da década dos anos 90, pouco efetiva no que concerne à renovação de
equipamentos (Valle, 1995). Além do mais, por ser parcimoniosa no esforço de reestruturação do
uso do trabalho, foi também seletiva na difusão dos novos métodos organizacionais, especialmen-
te aqueles que requeriam alterações de monta na organização do trabalho (Fleury e Humphrey,
1993). É verdade que, se comparados aos anos 80, eram surpreendentes os esforços de renovação
organizacional levados a termo no início dos 90, por mais que eles viessem a se afigurar parcimoniosos
61
vis-a-vis às inovações organizacionais dos anos mais recentes (Castro, 1995).
Ainda que tímida e pontualmente, a indústria brasileira passou a investir em novas tecnologias
de base micro-eletrônica, ao tempo em que redefinia os seus processos de organização e de gestão
do trabalho. Para alguns autores (como Bielschowsky et al, 1999), nos anos 90, tais investimentos
não configuraram mais que um mini-ciclo de modernizações, o qual se caracterizou pela pouca
aplicação de capitais em expansão de plantas ou em novas instalações, bem como pela grande
atenção à reposição de equipamentos obsoletos e redução de custos; essas iniciativas foram res-
ponsáveis pelos excelentes resultados em termos de rendimentos físicos e financeiros, os quais,
entretanto, não pareciam capazes de assegurar um ciclo mais robusto e de longo prazo. De qual-
quer sorte, essas inversões redundaram em uma alta produtividade do capital, em alguma amplia-
ção da competitividade internacional e nacional de certos produtos e em sensível aumento da
produtividade do trabalho. Todavia, elas implicaram igualmente em redução do nível de emprego
industrial.
Essa conjunção entre crescimento da produção, da produtividade e da competitividade
industriais, por um lado, e queda sistemática do emprego industrial, por outro, passou a se consti-
tuir num dos principais desafios aos estudiosos e aos policy-makers preocupados com o trabalho
no Brasil atual. Desafio tanto maior quando consideramos dois traços adicionais. Por um lado, o
encolhimento do emprego vem atingindo diferencialmente os grupos sociais. Vale dizer, a chama-
da “racionalização do trabalho” andou de braços com uma outra característica: a intensa seletividade
das políticas de pessoal. Tal enxugamento seletivo tem tido efeitos diversos entre segmentos soci-
ais, que se diferenciam não apenas por características aquisitivas - maior escolaridade e maior
experiência, por exemplo, mas também por características adscritas - como condição de gênero,
geracional e étnico-racial (Guimarães e Consoni, 2000).
Nesse processo, nem sempre as credenciais ligadas ao desempenho (como uma escolarização
mais elevada) se mostraram suficientes para proteger seus possuidores do efeito devastador, sobre
os seus postos de trabalho, da mudança micro-organizacional num contexto de ajuste macro-

61. O movimento de queda da fecundidade, que se prenunciara nos 60 e se intensificara a partir dos 70, continuou em
seu declínio nos anos 80 e primeira metade dos 90; assim, a taxa que alcançara 4.4 no início da década passada,
reduziu-se substancialmente, chegando a 2.5 em 1995. Esta tendência, aliada a um movimento de redução da
mortalidade e envelhecimento da população, bem como ao aumento do número de domicílios chefiados por mu-
lheres (21% em 1995, contra 15% em 1980) configura um novo perfil socio-demográfico dos grupos familiares no
Brasil, com claros efeitos sobre o ingresso de mulheres ao mercado de trabalho (Bruschini, 1998).

Convênio Cebrap/Finep 88
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

econômico. Recente análise da dinâmica do emprego nos dois mais importantes pólos da cadeia
químico-petroquímica brasileira, apontam, por exemplo, para o fato de que, conquanto mulheres
e jovens ali atuantes sejam sensivelmente mais escolarizados, foram eles os grupos mais atingidos
pela intensa queima de postos de trabalho que se verificou no segmento (Guimarães e Campos,
1999).
Ademais, é notável como a racionalização de custos amealha os seus ganhos às expensas
das novas qualidades adquiridas. Assim, nas ocupações em que tem tido lugar o movimento de
substituição de homens pouco escolarizados por mulheres com mais anos de estudo, observa-se o
pagamento de salários relativamente inferiores às novas trabalhadoras, mesmo sendo estas relati-
vamente mais instruídas (Lavinas, 1997; Guimarães e Consoni, 2000).
Este desafiante quadro, que se constitui pelo lado da oferta de postos de trabalho, torna-se
ainda mais intrigante quando o visualizamos pelo lado da oferta de trabalhadores. Isto porque, se
divisão social e intersetorial do trabalho parecem em redefinição, também a divisão sexual do
trabalho evidencia novos contornos. Um intenso ingresso feminino no mercado de trabalho se
62
destaca. Ele é correlato: (i) a mudanças importantes no comportamento demográfico , (ii) a
63
ganhos significativos de escolaridade feminina , (iii) a transformações na esfera valorativa, que
64
atualizam e redefinem papéis sociais de gênero .
Diante disto, uma indagação se impõe tanto à agenda acadêmica, quanto àquela dos policy
makers: como, num tal contexto, se redefinem as oportunidades para ingresso, qualificação, mobi-
lidade e retribuição do trabalho de grupos sociais cujos “capitais sociais de inclusão”, para dizê-lo
de algum modo, distinguem-se de modo significativo?
Alguns dados ilustrativos podem ser tomados das novas formas pelas quais as desigualda-
des de gênero se expressam, hoje, no mundo do trabalho. De fato, os recentes estudos de tipo
longitudinal sobre trajetórias dos trabalhadores industriais demitidos no pós-90, sugerem que as
estratégias empresariais de reestruturação fabril têm resultado em movimentos de migração
ocupacional que são importantes tanto pelo que revelam de mobilidade da força de trabalho da
indústria em direção aos serviços (Caruso e Pero, 1996; Pero, 1997; Caruso, Pero e Lima, 1997),
como pelo que documentam sobre os intensos processos de saída de trabalhadores, de duração
considerável e quem sabe definitiva, que batem em retirada não somente da indústria, mas do

62. Se é certo que tem crescido a escolaridade da população como um todo, paulatinamente e em todo o país, é
igualmente verdadeiro que são as mulheres as que se mostram mais escolarizadas.
63. Tais transformações – especialmente no que afetam as chances de convivência entre papéis familiares e profissionais
– são decisivas para o entendimento das decisões individuais de ingresso no mercado, por parte das mulheres; mais
além das oportunidades abertas pela demanda de força de trabalho e pela adequação das suas qualificações, elas
são um elemento decisivo. Bem assim, essa esfera valorativa é igualmente determinante – veremos em seguida –
para o entendimento dos diferenciais de remuneração e das oportunidades de mobilidade e de acesso, pelas mulhe-
res, a posições ocupacionais de prestígio e de poder.
64. E é muito importante, no caso brasileiro, termos sempre em conta a ordem de grandeza dos números, não somente
por ser esta uma diferença vis-a-vis outros países latino-americanos de menor população, como pelo que ela impor-
ta em termos de pressões sobre as políticas públicas, governamentais ou não-governamentais.

Convênio Cebrap/Finep 89
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

mercado dos empregos formalmente registrados (Castro, 1998; Cardoso, 2000). Tais movimentos
parecem ter uma intensidade que varia conforme a conjuntura, mas também conforme o setor e
conforme os atributos dos trabalhadores desligados.
Uma hipótese orienta a reflexão desenvolvida neste texto, a saber: quanto mais sistêmica a
reestruturação setorial (tanto inter-empresas, subsumindo diferentes elos da cadeia produtiva, como
intra-empresa, universalizando-se por setores/atividades na divisão do trabalho intra-fabril), meno-
res as chances de reconversão setorial dos trabalhadores desligados e maiores as dificuldades para
preservar postos de qualidade para grupos sociais em situação de maior vulnerabilidade; logo,
maiores as necessidades de políticas públicas, direcionadas a garantir e melhorar as condições de
inserção dos mesmos no trabalho industrial (Cardoso, Caruso e Castro, 1997).
Procurarei, nas partes subseqüentes, ilustrar os elementos que compõem este argumento.
Para tornar mais eloqüente a análise, os percursos de mobilidade das mulheres serão analisados
comparativamente ao destino dos homens no trabalho industrial em mudança.

2. Retomando alguns pontos de partida: os anos 90 e as novidades na


dinâmica do trabalho feminino no Brasil, à luz de dados domiciliares

Importante literatura brasileira tem frisado a existência de novas tendências no emprego de


mulheres no Brasil, a partir de cuidadosas análises dos diferentes inquéritos domiciliares levados a
cabo no Brasil (Abreu, Jorge e Sorj, 1994; Bruschini, 1994 e 1998; Lavinas, 1997; Lavinas, 1998-a
e 1998-b, dentre outros). Tais tendências, que já começavam a se delinear no final dos anos 70,
consolidaram-se nos vinte últimos anos. Dentre elas, destacaremos algumas por seu particular
interesse para a posterior descrição sobre as condições do emprego de mulheres na indústria brasileira
atual.
Em primeiro lugar, sobressai-se o aumento persistente da taxa de atividade feminina. Entre
1985 e 1995, ela se amplia de 36.9% para 53.4%, enquanto a taxa masculina pouco se altera,
passando de 76 % para 78.3%. Como resultado, as mulheres elevam em 63% a sua participação
65
na População Economicamente Ativa (PEA), crescimento este que significa, em termos absolutos,
o afluxo ao mercado de trabalho de nada menos que 12 milhões de novas mulheres em um perío-
do de apenas 10 anos (Bruschini, 1998), com um incremento anual da participação feminina na
população ocupada da ordem de 3.8% (Lavinas, 1997). Desta sorte, em termos relativos, as mu-
lheres eram, em 1995, 40.4% da força de trabalho brasileira (Bruschini, 1998)
Crescimento desta monta dificilmente se faria sem que dele resultasse uma importante
mudança no perfil daquela que participa hoje do mercado de trabalho. De fato, até os anos 70 a
mulher brasileira que disputava posições no mundo do trabalho era majoritariamente jovem, sol-

65. Observando dados para 1995, Bruschini (1998) sublinha que as maiores taxas de atividade (66%) são observadas
entre mulheres de 30 e 39 anos.

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teira e sem filhos. Hoje ela é mais velha, casada e mãe. Vale dizer, o aumento na taxa de participa-
ção feminina foi sustentado pela entrada ao mercado de trabalho das mulheres em idades mais
66
elevadas ou, por outra, pelo fato de que, ingressando mais jovens no mercado, dele não se
67
retiravam ao iniciar a sua carreira reprodutiva. Como resultado, as curvas de participação femini-
na e masculina, segundo idades, tornam-se bem mais assemelhadas em seu formato nos anos 90
68
que nos 80 (Lavinas, 1997:44).
Uma outra novidade se refere ao fato de que, se persiste, para a grande maioria das mulhe-
res, a alocação preferencial em certas atividades “femininas” (serviços pessoais, administração
pública, saúde, ensino privado), também se verificam ligeiras e sugestivas mudanças. Por um lado,
parece consolidar-se a feminização de certas atividades, como nos serviços comunitários. Por outro
lado, parecem também resultar bem sucedidas algumas incursões de mulheres em redutos de
emprego de homens, como é o caso dos serviços de reparação (ramo em que dobrou a presença
feminina entre 1985 e 1995), ou dos serviços industriais de utilidade pública (em que passam de
14% para 21% dos ocupados) ou ainda dos serviços auxiliares, onde as mulheres também dobra-
ram a sua participação (Lavinas, 1997).
No âmbito das ocupações e grupos ocupacionais, alguns sinais reveladores parecem tam-
bém se colocar. Bruschini (1998) observa que, entre 1985 e 1995, aumenta a participação femini-
na em todos os grupos ocupacionais, com a novidade de que, na administração, é importante o
afluxo de mulheres a posições de chefia. E mesmo na indústria – e em setores tradicionais, como é
o caso da têxtil – a redução no número de ocupadas anda de braços com um crescimento impor-
tante, da ordem de 62% (embora sobre uma base numérica pouco significativa), das mulheres
mestres, contramestres e técnicas. Nos serviços, cresce também o número de mulheres na posição
de proprietárias de estabelecimentos.
Boa parte destas mudanças – como o crescimento das taxas de atividade e o novo perfil
etário da mulher participante na força de trabalho, ou mesmo as transformações no padrão de
mixidade nos setores e ocupações – expressa tendências que se verificam de modo mais generali-
zado, em outros contextos societais. Todavia, o novo cenário macroeconômico e micro-
organizacional da atividade produtiva no Brasil no pós-90 (abertura da economia, estabilização
monetária, mudanças no papel produtivo e regulatório do estado, reestruturação organizacional
nas empresas e cadeias produtivas, dentre outros) conferiu uma faceta específica tanto à intensi-

66. Bem de acordo com o que argumenta Bruschini (1998) um fenômeno desta monta está a revelar não somente a
abertura de oportunidades ocupacionais, resultado de necessidades econômicas, mas – e especialmente – mudan-
ças nos planos valorativo, atitudinal e comportamental que, por pequenas que ainda sejam, expressam um consen-
so, o de que as responsabilidades familiares (até aqui ainda uma contingência a que estão sujeitas as mulheres)
deixaram de ser impeditivos para o trabalho no mercado, diferentemente do que ocorria no Brasil até os anos 70.
67. No caso dos homens, em especial entre 1985 e 1990, há uma ligeira retração das suas taxas, que se sustenta num
movimento dos jovens no sentido de permanecer fora do mercado de trabalho, alongando o seu período no sistema
escolar, movimento este que é concomitante com a expansão das taxas de atividades dos mais velhos.
68. Em especial, como no pós-96, quando serviços e comércio deixam de desempenhar o papel de produtores líquidos
de postos de trabalho, compensando o encolhimento persistente de postos na indústria (Camargo, 1998).

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dade com que estas novidades passaram a se exprimir no Brasil, como à maneira como passaram a
operar, combinando-se com as antigas desigualdades que diferenciavam oportunidades entre gru-
pos sociais de sexo. Senão, vejamos.
Vimos antes que um primeiro traço a se destacar neste novo cenário é a redefinição das
estratégias empresariais em vários setores importantes da economia, com efeitos sobre a reorgani-
zação do trabalho e, especialmente na indústria, sobre as oportunidades ocupacionais. Uma per-
gunta se torna, então, imediata: em condições de encolhimento dos postos de trabalho (crise
aguda no começo da década e intensa reestruturação produtiva no sucessivo), que efeitos se pode
reconhecer no que concerne ao emprego feminino e às chances de inclusão mais igualitária de
mulheres na atividade econômica?
Alguns autores destacam o ônus particularmente elevado que pagam as mulheres neste
processo de fechamento de oportunidades ocupacionais. Lavinas (1998) reconhece que decresce o
peso das mulheres no emprego total, mostrando que elas estariam, em média, sendo mais atingi-
das que os homens por estas mudanças. Isto é especialmente claro na indústria, onde o peso das
mulheres retrocede de 12%, em 1985, para 8%, em 1995, num movimento de crescimento nega-
tivo do emprego industrial feminino da ordem de 2.51% ao ano, contra a média de crescimento
do emprego no setor, também negativa, mas bastante menor, de 1.85% ao ano (Lavinas, 1997).
Mas, esta contra-tendência não se restringe a segmentos majoritariamente masculinos; também
na administração pública (serviços de saúde e educação, onde 8 em cada 10 trabalhadores são
mulheres) e nos serviços de comunicação as taxas de crescimento do emprego total, entre 1990 e
1995, superaram as taxas de crescimento do emprego feminino.
Lavinas (1997) sugere a hipótese de que, face à retração de oportunidades ocupacionais,
em condições de crescimento das taxas de atividade, não somente ampliam-se as taxas de desem-
prego (do que trataremos em seguida), como aumenta a competição entre sexos pela obtenção do
emprego. Com isto, alteram-se os padrões e processos que definem a mixidade da força de traba-
lho empregada. A autora sugere que “quando se contrai a oferta de emprego em atividades alta-
mente segregadas por sexo, a resposta à entrada do sexo oposto não é sempre de maior abertura
à mixidade” (p. 49-50).
No caso brasileiro, pode-se observar, durante a conjuntura de retração que marcou a primeira
metade dos anos 90: (i) um movimento de fechamento de oportunidades ocupacionais em espaços
tradicionalmente masculinos (foi o caso, por exemplo, da indústria de construção civil, ou mesmo,
como vimos, da indústria em geral), que se combina com (ii) um movimento de migração ocupacional
de trabalhadores masculinos para atividades antes predominantemente femininas (como, por
exemplo, apontamos acima com respeito aos serviços públicos de saúde e de educação).
Como bem observou Lavinas (1997), estas tendências podem estar apontando para um
resultado paradoxal e desconfortável se pensamos os horizontes da participação das mulheres no
emprego: a conjuntura de ajuste macroeconômico e reestruturação micro-organizacional parece
estar possibilitando um aumento na mixidade em alguns segmentos/ocupações tradicionalmente

Convênio Cebrap/Finep 92
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femininas (por efeito de deslocamento e absorção de homens); mas ela também parece estar
acarretando uma redução da mixidade em ocupações/setores tradicionalmente masculinos (pela
contração maior ou desaceleração maior de crescimento do emprego de mulheres).
Redução de oportunidades ocupacionais em situação de crescimento persistente das taxas
de atividades nos remete para uma segunda indagação importante: como a tendência ao incre-
69
mento nas taxas de desemprego afeta as tendências da desocupação entre homens e mulheres?
A literatura tem apontado que o recente (e persistente) crescimento de desemprego feminino,
descolado do padrão masculino, resulta da aceleração da desocupação no setor de serviços, justa-
mente aquele que não somente fora tradicionalmente mais permeável ao trabalho de mulheres,
como, na conjuntura de ajuste e reestruturação dos 90, se tornara o grande produtor de postos de
trabalho.
Ao que parece, a falta de trabalho é um problema particularmente grave para as mulheres
brasileiras que estão na população economicamente ativa. Mais ainda. A partir dos anos 90, a
desocupação torna-se muito mais forte entre as mulheres, cujas taxas de desemprego se dissociaram
do padrão até então compartilhado (embora com magnitudes diferentes) entre homens e mulheres.
Este aumento recente do desemprego feminino parece articulado a pelo menos três outros
fenômenos importantes (Lavinas, 1998). Em primeiro lugar, as mulheres apresentam uma dinâmi-
ca de ingresso no mercado de trabalho diferente dos homens. Isto porque, há ainda um contingen-
te expressivo de mulheres fora da PEA; de fato, conquanto crescentes até aqui, as suas taxas de
atividade indicam que apenas metade das mulheres entre 25-65 anos trabalha ou procura trabalho
nas áreas metropolitanas brasileiras; entre os homens, tal proporção é de cinco em cada seis (85%).
Por isto mesmo, enquanto os homens mantêm uma tendência a reduzir a sua participação na
população economicamente ativa, as mulheres, desde 1992, apresentam comportamento inverso
(Lavinas, 1998: 7)
Um segundo fator correlato da recente intensificação da desocupação feminina é a maior
sazonalidade do desemprego das mulheres vis-a-vis o desemprego dos homens. “Esta característi-
ca mais volátil do emprego feminino nos permite inferir que as mulheres estão mais sujeitas aos
postos de trabalho temporários e menos estáveis que os homens, sendo, portanto, mais sensíveis à
demanda por mão-de-obra sazonal.” (Lavinas, 1998: 10).
De fato, a maior exposição feminina a postos de trabalho precários foi fartamente
documentada. Bruschini (1998) chama a atenção para o fato de que nada menos que 40% da força
de trabalho feminina brasileira estava, em 1993, em posições ocupacionais que sugeriam a existência
de trabalho precário; conforme dados para este ano, 17% delas eram domésticas (contra 0.8% dos
homens), 13% não percebiam qualquer remuneração e 10% trabalhavam para consumo próprio.

69. Inicialmente acompanhados em suas trajetórias, segundo coortes de anos de demissão entre 1989 e 1995, posteri-
ormente a base foi atualizada, recobrindo, no momento, 7 coortes de demitidos (respectivamente entre 1989 e
1995), cada uma das quais tem o seu percurso no mercado formal de trabalho rastreado entre o ano da demissão
e o ano de 1997.

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Isto nos remete a uma terceira e última consideração importante sobre a desocupação feminina:
a heterogeneidade da condição social diferencia as mulheres, fazendo com que os riscos do desemprego
sejam maiores para as mais pobres e menos escolarizadas dentre elas. Nesse quadro conjuntural – mais
instável e desprotegido –, que se passa especificamente com o desemprego industrial? Ou, dito de
outra maneira, que se passa com os diferenciais entre homens e mulheres no que concerne ao destino
dos demitidos, às suas chances de re-inserção num novo emprego formalmente registrado?

3. O destino dos demitidos, a redundância e as chances de inserção:


diferenciais entre homens e mulheres

A flexibilidade do mercado de trabalho brasileiro tem sido analisada com bastante rigor
pela literatura acadêmica, notadamente de filiação na Economia. Tanto na sua forma alocativa
(documentada, por exemplo, tanto por Barros, Cruz, Foguel e Mendonça, 1997, como por
Montagner e Brandão, 1994), como na sua forma salarial (conforme Barros e Mendonça, 1996), a
flexibilidade parece ter sido uma característica central à organização do mercado brasileiro de
trabalho. Alguns estudos usam mesmo os padrões dominantes de flexibilidade para distinguir,
especificando, conjunturas recessivas, como a dos 80 e a dos 90 (como Amadeo et alli, 1993).
Entretanto, até aqui, as descrições dos impactos alocativos dessa flexibilidade não puderam lançar
mão de ferramentas de análise de tipo longitudinal, que lhes permitissem acompanhar com mais
precisão o destino dos demitidos. Ao contrário, era no confronto entre movimentos setoriais agre-
gados, comparados transversalmente, que os autores sustentavam as suas inferências sobre como
os ajustes na oferta dos postos de trabalho e nas condições de remuneração afetavam os destinos
dos trabalhadores individuais.
A possibilidade de um estudo de tipo longitudinal, referido a grandes agregados no mercado
de trabalho brasileiro, tornou-se realidade só muito recentemente, graças à montagem de uma nova
base de dados – a RAISMIGRA, que acompanha os episódios de mobilidade individual no mercado
formal de trabalho; na sua primeira versão, de que me utilizarei neste texto, por sua natureza
experimental, o seu desenho recobre apenas os trabalhadores industriais brasileiros que foram demitidos
70
a partir de 1989 . A RAIS-MIGRA se constituiu a partir de duas bases de registros administrativos,
70. A RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) é um registro administrativo, instituído pelo Decreto 76.900/75, o
qual determina que todas as empresas do setor formal no Brasil devem declarar ao Ministério do Trabalho as
relações de emprego que registraram durante o ano. Essa declaração deve ser feita uma vez por ano, entre janeiro
e abril, e contém informações relativas às relações de emprego formalizadas em qualquer período ao longo do ano
anterior. Dessa forma, a RAIS tenta representar um censo anual do emprego formal. São caracterizados dois tipos de
perguntas, que constituem os dois módulos em que se estrutura o instrumento de coleta da RAIS. Um referente ao
estabelecimento (código identificador, razão social, localidade, atividade econômica, natureza jurídica e número de
empregados em 31/12 do ano base e agência de depósito do FGTS) e outro referente ao empregado (características
sócio-econômicas, como: escolaridade, idade, sexo; características do vínculo ocupacional, como: tempo no empre-
go, ocupação, desligamento, natureza do vínculo, salário, causa de rescisão, entre outras). A segunda base de
origem é o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), um outro registro administrativo, instituído
pela Lei n.4923/65, que obriga as empresas a declararem junto às Delegacias Regionais do Trabalho (DRT´s) os
movimentos de admissão e demissão de trabalhadores que tenham efetuado. Ademais de registrar os montantes de
trabalhadores admitidos e/ou desligados, o CAGED, do mesmo modo que a RAIS, permite estabelecer um perfil da
empresa e do trabalhador referidos.

Convênio Cebrap/Finep 94
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

colhidos pelo governo brasileiro junto às empresas formalmente registradas: os cadastros anuais da
RAIS e os levantamentos mensais originários da Lei 4923/65, ambos de responsabilidade do Ministério
do Trabalho e Emprego. Esses cadastros apresentam certas características que os especificam e, ao
71
mesmo tempo, lhes dão alguns limites face a propósitos como os da presente análise.
As dificuldades principais da base RAISMIGRA são decorrentes da sua própria natureza. Em
primeiro lugar, a conjunção desses dois registros (RAIS e CAGED) produz uma boa aproximação à
realidade, já que permite aliar uma medida de estoque (RAIS) e medidas de movimento (CAGED) do
contingente de empregados. Mas, em segundo lugar, eles cobrem apenas os empregos formalmente
registrados. Contudo, e em terceiro lugar, sendo registros administrativos efetuados nas empresas,
têm a vantagem da compulsoriedade; entretanto, sendo obrigatórios por lei, deixa de existir a possi-
bilidade de procedimentos acadêmicos de controle da qualidade da coleta do dado.
Entre as principais vantagens da RAIS está o fato de que, através de tabulações especiais,
ela se presta a realizar análises longitudinais sobre o comportamento das empresas e dos seus
empregados. É certo que cada um dos seus painéis anuais, se tomado isoladamente, não é mais
que uma construção de tipo cross-section; tratados de maneira contígua não facultam, com seus
sucessivos painéis transversais, mais que uma análise de tipo repeated cross-section. Entretanto, se
intercomunicados - e isto é factível dado que se dispõe de uma variável de interface, o número do
72
PIS – os painéis da RAIS puderam ser transformados numa potente base longitudinal de tipo
prospectivo, de sorte que passou a ser possível acompanhar, com as mesmas variáveis de descri-
ção, um mesmo conjunto de unidades (indivíduos ou firmas, conforme se deseje), num dado lapso
73
de tempo. Isto é o que permite a RAIS-MIGRA, base de dados por primeira vez montada no Brasil
74
com estas características (Pero, 1997).

71. Número individual, de registro do trabalhador, para fins de acesso a programas de seguridade social do governo.
72. Na forma experimental em que foi inicialmente gerada, a RAISMIGRA acompanha cada um dos trabalhadores que
compõem uma mesma coorte de demitidos, checando, inicialmente em cada um dos anos subseqüentes à demis-
são, se ele aparece nos registros de empregados efetuados pelas firmas na data de referência (31 de dezembro de
cada ano); caso o indivíduo não apareça empregado nessa data, todos os registros de movimentação anual feitos
pelas empresas são revisados de modo a buscar localizar o vínculo (se houver) de maior duração em que esteve
registrado este trabalhador. Desse modo, cada indivíduo pode ter, no máximo, o registro de um vínculo por ano;
esta arquitetura supõe, por isso mesmo, que a mobilidade intra-ano pode ser considerada de pouca expressão. Para
testar a validade dessa suposição, foram produzidas, com apoio da DATAMEC, três outras pequenas bases, também
experimentais, referidas, cada uma delas, a trabalhadores metalúrgicos de S.Paulo, químicos da Bahia e têxteis do
Rio de Janeiro, para as quais foram recuperados todos os episódios registrados de mobilidade individual. A compa-
ração posterior entre trajetórias descritas a partir da RAISMIGRA (supondo mobilidade intra-ano igual a zero) e
trajetórias descritas para cada uma dessas categorias (a partir das bases completas) indicou a possibilidade de
validarmos a arquitetura da RAISMIGRA como capaz de construir estimações confiáveis de trajetórias agregadas,
mesmo supondo ser desprezível a mobilidade intra-ano (Cardoso, 2000).
73. A arquitetura da base RAISMIGRA foi originalmente concebida graças ao apoio da FINEP e da DATAMEC a projeto
desenvolvido no CIET/SENAI sob a coordenação de Luis Caruso denominado “Trajetórias inter-setoriais e ocupacionais
dos trabalhadores desligados da indústria”. Seu potencial, analisado comparativamente a outras bases de dados
disponíveis no Brasil, foi avaliado em projeto posterior, CEBRAP/Ford-ANPOCS, “Trajetórias ocupacionais, desemprego
e empregabilidade: por uma nova metodologia para análise de trajetórias ocupacionais de trabalhadores numa
nova ordem industrial”, coordenado pela autora deste texto, com co-participação de Adalberto Cardoso, Alvaro
Comin, Luis Caruso e Valéria Pero.
74. Tais trajetórias são obtidas mediante procedimentos estatísticos diversos, a saber. Inicialmente, tendo em conta o
imenso número de casos e os limites dos recursos de hardware, fez-se necessário (ao menos para algumas análises,

Convênio Cebrap/Finep 95
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Que é possível, então, dizer sobre a realidade da mobilidade dos trabalhadores industriais
brasileiros, e seus diferenciais de gênero, num contexto de intenso ajuste macroeconômico e
reestruturação micro-organizacional?
Tomarei, para ilustrar, alguns resultados da investigação mais ampla, ainda em curso. Para
tanto, escolhi uma coorte: a dos demitidos no ano de 1989; e por que? tanto porque ela provê o
mais longo período de acompanhamento da mobilidade (nove anos), como porque tal trânsito
ocupacional recobre justamente o período em que se intensificam o encolhimento do emprego
industrial, dadas as novas condições do ajusto macro e da reestruturação micro.
75
Nas Figuras 1, 2 e 3 apresento uma imagem gráfica das trajetórias ocupacionais dos
trabalhadores (total, homens e mulheres, respectivamente representados em cada figura). Esses
trabalhadores tiveram em comum um mesmo evento fundador: estando ocupados na indústria
brasileira, perderam seus empregos no ano de 1989. Os gráficos acompanham, ano a ano, a situa-
ção ocupacional dos mesmos, em termos de sua mobilidade inter-setorial.
E o que parecem sugerir estes dados? Algumas similitudes, mas outras tantas diferenças.

especialmente para todo o tratamento relativo ao Brasil como um conjunto), extrairmos amostras aleatórias a partir
das quais inferimos as tendências aqui descritas. Assim, por exemplo, as conclusões relativas ao conjunto dos
demitidos resultam de uma amostra aleatoriamente extraída com 5% dos casos (o que, ainda assim, nos deixou
com um “n” de 140.146 eventos cada vez que analisamos a mobilidade do conjunto da coorte de demitidos em
1989); já a amostra de 5% dos homens demitidos em 1989 produziu um sub-conjunto aleatoriamente definido de
98.924 eventos de mobilidade a eles relativos; finalmente, para as mulheres (tendo em conta a elevada masculinização
da indústria e nossas necessidades de desagregação), ampliamos a amostra para 15% dos casos, o que nos deixou
com um sub-total de 123.614 eventos de mobilidade das demitidas em 1989. Para identificar os padrões de
trajetórias, lançamos mão do recurso à análise fatorial de correspondência; ela nos permite analisar a enorme
matriz resultante do entrecruze entre máximo de eventos/setor de destino/casos (por exemplo, para analisarmos a
amostra do conjunto dos demitidos, a matriz de partida poderia conter 9x10x140.146 valores), de modo a saber se
há seqüências equivalentes de eventos, identificando recorrências nas trajetórias; descobertos tais padrões, podemos
classificar as trajetórias individuais segundo estas recorrências. Os fatores assim extraídos são posteriormente
utilizados numa análise de cluster que permite gerar as classes de trajetórias que perfazem cada um desses sub-
grupos de indivíduos. Finalmente, num último passo da análise, é possível inquirir sobre as características de perfil
dos indivíduos que perfazem cada uma das classes de trajetórias que são identificadas pelo procedimento antes
indicado.
75. Tais trajetórias são obtidas mediante procedimentos estatísticos diversos, a saber. Inicialmente, tendo em conta o
imenso número de casos e os limites dos recursos de hardware, fez-se necessário (ao menos para algumas análises,
especialmente para todo o tratamento relativo ao Brasil como um conjunto), extrairmos amostras aleatórias a partir
das quais inferimos as tendências aqui descritas. Assim, por exemplo, as conclusões relativas ao conjunto dos
demitidos resultam de uma amostra aleatoriamente extraída com 5% dos casos (o que, ainda assim, nos deixou com
um “n” de 140.146 eventos cada vez que analisamos a mobilidade do conjunto da coorte de demitidos em 1989);
já a amostra de 5% dos homens demitidos em 1989 produziu um sub-conjunto aleatoriamente definido de 98.924
eventos de mobilidade a eles relativos; finalmente, para as mulheres (tendo em conta a elevada masculinização da
indústria e nossas necessidades de desagregação), ampliamos a amostra para 15% dos casos, o que nos deixou com
um subtotal de 123.614 eventos de mobilidade das demitidas em 1989. Para identificar os padrões de trajetórias,
lançamos mão do recurso à análise fatorial de correspondência; ela nos permite analisar a enorme matriz resultante
do entrecruze entre máximo de eventos/setor de destino/casos (por exemplo, para analisarmos a amostra do con-
junto dos demitidos, a matriz de partida poderia conter 9x10x140.146 valores), de modo a saber se há seqüências
equivalentes de eventos, identificando recorrências nas trajetórias; descobertos tais padrões, podemos classificar as
trajetórias individuais segundo estas recorrências. Os fatores assim extraídos são posteriormente utilizados numa
análise de cluster que permite gerar as classes de trajetórias que perfazem cada um desses sub-grupos de indivíduos.
Finalmente, num último passo da análise, é possível inquirir sobre as características de perfil dos indivíduos que
perfazem cada uma das classes de trajetórias que são identificadas pelo procedimento antes indicado.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Figura 1
Brasil - Total (amostra de 5%) - Coorte de demitidos de 1989

Destino: Setores de re-ingresso 89 a 97

100%

90%

80%

Outras atividades
70%
Comércio
Serviços
60%
Outras Inds.
Têxteis
(%)

50%
Químicas
Tradicionais
40%
Outras metalúrgicas
Material de transporte
30%
Fora do sistema

20%

10%

0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano

Fonte: Ministério do Trabalho/Datamec, Rais-Migra – 1989-1997. Processamento próprio

Figura 2
Brasil - Homens (amostra de 5%) - Coorte de demitidos de 1989
Destino: Setores de re-ingresso 89 a 97

100%

90%

80%

Outras atividades
70%
Comércio
Serviços
60%
Outras Inds.
Têxteis
(%)

50%
Químicas
Tradicionais
40%
Outras metalúrgicas
Material de transporte
30%
Fora do sistema

20%

10%

0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano

Fonte: Ministério do Trabalho/Datamec, Rais-Migra – 1989-1997. Processamento próprio

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Figura 3
Brasil - Mulheres (amostra de 5%) - Coorte de demitidas de 1989

Destino: Setores de re-ingresso 89 a 97

100%

90%

80%

Outras atividades
70%
Comércio
Serviços
60%
Outras Inds.
Têxteis
(%)

50%
Químicas
Tradicionais
40%
Outras metalúrgicas
Material de transporte
30%
Fora do sistema

20%

10%

0%
origem 89 90 91 92 93 94 95 96 97
Ano

Fonte: Ministério do Trabalho/Datamec, Rais-Migra – 1989-1997. Processamento próprio

A principal dentre as similitudes diz respeito à importância indubitável expressa na prece-


dência numérica de um mesmo destino, comum a homens e mulheres: a expulsão do circuito dos
empregos formalmente registrados. Rastreados durante nove anos sucessivos (entre 1989 e 1997),
os números de identificação desses trabalhadores jamais voltaram a aparecer na nossa base de
dados, o que equivale a dizer que os mesmos jamais lograram restabelecer um novo vínculo de
trabalho formal, um trabalho “registrado em carteira”, com todos os direitos usuais de seguridade
social e com a âncora da sustentação em organizações sindicais.
E a que proporção dos trabalhadores coube um tal destino? Em média, nesta coorte de
trabalhadores industriais demitidos em 1989, nada menos que 41% jamais lograram constituir outro
vínculo formal nos 8 anos subseqüentes de trabalho; para os homens esta proporção se reduz para
37% , enquanto que, para as mulheres, ela se eleva para 48% . Ou seja, cerca de 4 em cada 10
homens e 5 em cada 10 mulheres parecem ter sido definitivamente expulsos do circuito relativamente
mais protegido do mercado de trabalho, onde provavelmente se encontram os melhores empregos.
Mas, as Figuras 2 e 3 indicam também algumas especificidades. Elas sugerem que os
percursos de homens e mulheres parecem distintos, sendo diferenciadas as suas chances de re-
inserção. Vimos, anteriormente, que é muito mais significativa a quantidade de mulheres que não
logram restabelecer um novo vínculo formalmente registrado ao longo destes 9 anos, mantendo-
se, assim, fora do circuito mais protegido do mercado brasileiro de trabalho. Vemos, ademais, uma
segunda especificidade no que diz respeito à seletividade setorial de destino: a chance de re-
inserção de mulheres é maior seja nos setores não-industriais, seja naqueles onde a mudança na

Convênio Cebrap/Finep 98
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

atividade industrial segue um padrão menos sistêmico, preservando maior heterogeneidade na


configuração do tecido produtivo e nas formas de incorporação. Tal é o caso da indústria têxtil e
das chamadas “industriais tradicionais” em geral.
Mas, o que acontece quando observamos as trajetórias inter-setoriais de homens e mulhe-
res demitidos em setores sujeitos a padrões de reestruturação distintos e a graus de mixidade
variáveis? Nossos resultados apontam para alguns aspectos de interesse.
Em primeiro lugar, quanto mais homogêneo o tecido industrial e, nesse sentido, mais
sistêmica a reestruturação, menores as chances de re-inserção dos trabalhadores demitidos. Assim,
se compararmos dois segmentos industriais - como “material de transportes” e “química” – em
dois mercados regionais distintos – como São Paulo e Bahia, salta aos olhos uma primeira observa-
ção: os níveis de exclusão são muito mais importantes ali onde o tecido produtivo é menos comple-
xo, heterogêneo e diversificado. Desse modo, o peso do conjunto dos trabalhadores expulsos do
mercado formal é ainda maior na Bahia (46%) do que em S.Paulo (39%). Em ambos os casos, são
exatamente as mulheres aquelas que expressam os índices mais elevados de saída permanente
deste circuito (52% em S.Paulo e 50% na Bahia). Mas, é interessante registrar que o impacto sobre
o emprego masculino é também relativamente muito mais significativo ali onde o tecido é menos
diversificado e a reestruturação do segmento mais sistêmica (é exatamente na química moderna,
na Bahia, onde o peso dos homens lançados para fora do circuito formal é o mais elevado, 46% da
coorte, contra 37% em S.Paulo).
Em segundo lugar, a desagregação da análise por setores e sub-espaços regionais revela
um outro resultado também interessante. As trajetórias de re-inserção são sensivelmente menos
diversificadas no caso da moderna indústria química na Bahia que no da indústria automobilística
paulista. Assim, o recurso à análise fatorial nos permitiu encontrar, no caso baiano, apenas três
padrões recorrentes de trajetórias (expulsão, reconversão para o setor serviços, ou re-emprego na
mesma indústria química); já no caso paulista tais possibilidades se ampliam significativamente,
havendo nove percursos típicos de mobilidade inter-setorial, a refletir o leque maior de chances de
inserção (recobrindo quatro outros ramos de indústrias, além do comércio, para os que se mantêm
no mercado formal). A maior diversificação e heterogeneidade do tecido produtivo maximizam as
oportunidades de re-inserção.
Entretanto – e esta poderia ser uma terceira observação comparativa – mesmo para o
contingente dos trabalhadores onde subsistem chances de continuidade no mercado de empregos
formalmente registrados, esta se faz – para a imensa maioria – com perda de qualificação prévia,
por uma mobilidade intersetorial intensa, em direção ao comércio ou aos serviços. Somente um
grupo nitidamente minoritário logra reempregar-se em seu setor de atividades original (11 em
cada 100 homens e 4 em cada 100 mulheres permanecem no setor de material de transporte em
76
S.Paulo, por exemplo).

76. Um passo subseqüente que estamos dando nesta pesquisa se dirige para indagar se tal mobilidade intersetorial se
acompanha de efeitos perversos em termos da qualidade do novo posto de trabalho, notadamente no que concerne
a perdas salariais.

Convênio Cebrap/Finep 99
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Uma quarta observação, diz respeito ao impacto dos padrões de mixidade num setor indus-
trial sobre as chances de re-inserção das mulheres. Vale dizer: naqueles ramos onde as oportunida-
des ocupacionais são marcadamente monopolizadas por homens – como é o caso da petroquímica
baiana – que ocorre com as chances de re-inserção de mulheres demitidas? Dito de outro modo, a
seletividade de gênero segue operando como um discriminante nas oportunidades ocupacionais
no re-ingresso? Tudo nos leva a crer que sim: não apenas as mulheres demitidas neste segmento
são mais fortemente levadas à expulsão do mercado de empregos formalmente registrados (50%
delas jamais restabelecem um vínculo contratual de trabalho, contra 46% dos homens), como são
bem menos aquinhoadas com a possibilidade de retorno àquele setor de onde foram demitidas
(apenas 8 em cada 100, contra 11 em cada 100, no caso dos homens). Ademais, se observamos a
seqüência da trajetória destas mulheres, o passar do tempo revela uma tendência crescente a uma
nova expulsão (i.e., à ruptura do novo vínculo firmado), muito mais acentuada que entre os ho-
mens (que logram re-inserir-se no setor químico).
Finalmente, dentre muitas possíveis linhas de continuidade nesta reflexão, uma parece par-
ticularmente importante para ser explorada. Será plausível imaginar (e interrogar os dados longitu-
dinais) sobre quão seletivo é - entre as próprias mulheres – o risco da desocupação? Isto porque,
sabemos (à luz dos dados transversais colhidos em pesquisas domiciliares), que tal risco afeta, hoje,
no Brasil, de maneira mais significativa aquelas mulheres com nível de instrução intermediário
(primeiro grau completo e segundo grau), cujas taxas praticamente dobram em relação às alta-
mente escolarizadas (com nível superior) e com relação às sem nenhum nível de escolarização
formal. Ou seja, temos evidências claras de que o grupo de mulheres mais preservado face ao
77
desemprego nos anos 90 foi aquele constituído pelas mulheres com nível superior (Lavinas, 1998).
Esta diversidade social dos riscos no mercado de trabalho, segundo recursos com freqüência
ligados à posse de credenciais de escolaridade, também se faz presente quando se trata de interpretar
quem são as mulheres que se beneficiam no curso das recentes mudanças. Ou seja, o contingente
feminino é muito heterogêneo em suas formas de inserção e, por conseqüência, em sua vulnerabilidade
no mercado de trabalho. A apropriação de rendimentos pode ser um terreno sensível para
evidenciarmos o que aqui se coloca. Tomemos, por exemplo, dois achados. Sabemos que, em média,
as mulheres recebem dois terços da renda auferida pelos homens em igual situação ocupacional.
Sabemos que os diferenciais salariais de gênero diminuíram na última década, em especial depois da
estabilização, em virtude de uma progressão mais rápida de aumento dos rendimentos femininos
78
(Lavinas, 1998-a). Entretanto, sabemos, igualmente, que este desempenho pode variar fortemente
conforme a ocupação em que se insira a mulher e o seu nível de escolaridade.
Ou seja, amplia-se a desigualdade salarial entre as mulheres. Mulheres com nível superior,
alocadas no comércio e, em menor medida, na indústria, têm sido aquelas a se beneficiar das mudanças

77. Muito embora mais recentemente (de 1996 em diante) também elas tenham se tornado algo mais vulneráveis.
78. Análise recente para alguns setores selecionados da atividade econômica, no Brasil, confirma o achado de Lavinas
(Guimarães e Consoni, 2000)

Convênio Cebrap/Finep 100


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

nos padrões de rendimentos. “Ou seja, há fortes indícios de que à medida que cresce a
homogeneidade entre trabalhadores dos dois sexos no mercado de trabalho, aumenta também a
heterogeneidade entre mulheres, algumas beneficiando-se mais do que outras dos avanços no
combate ao sexismo” (idem, p.16). Desse modo, as desigualdades que se apresentam no âmbito
do trabalho, num contexto de forte retração das oportunidades ocupacionais, não somente são
seletivas e importam em padrões de inclusão que diferenciam entre gêneros (certamente pelo peso
de caracteres adscritos, orientando a seletividade ocupacional), mas produzem padrões de inclu-
são diferenciados intra-gênero (evidenciando o peso de caracteres aquisitivos na determinação da
seletividade ocupacional e, conseqüentemente, dos padrões de exclusão ou de vulnerabilização
que se afiguram entre as próprias mulheres).
Creio que podemos, num passo subseqüente, interrogar os dados longitudinais, buscando
apoio para a hipótese da diversidade de percursos e de destinos ocupacionais entre mulheres de
origem socio-econômica distintas. Este pode ser um bom exemplo empírico para seguirmos pen-
sando sobre a complexidade do nexo que se teceu entre flexibilização do trabalho, desigualdades
e exclusão no Brasil dos anos 90.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

CAPÍTULO 5

TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS
Um Survey com Trabalhadores79

Apresentação

No presente capítulo são apresentados os resultados do survey piloto realizado com trabalhado-
res metalúrgicos moradores de Diadema. A realização de um levantamento original de trajetórias
ocupacionais tinha como propósito estender nossos estudos sobre mobilidade no mercado de
trabalho em uma direção em que as demais bases derivadas da RAIS não nos ofereciam cobertura.
Como se sabe, a RAIS é um registro administrativo mantido pelo governo federal que, a despeito
de sua enorme abrangência, restringe-se aos vínculos formais de trabalho (regidos pela CLT ou
pelos estatutos do funcionalismo público), de tal forma que as trajetórias ocupacionais construídas
a partir desta informações resultam lacunares sempre que os indivíduos deixam o mercado formal
de trabalho e passam a desempenhar ocupações informais. Dada a magnitude da informalidade na
composição do mercado de trabalho no Brasil, que responde por cerca de 50% de todas as ocupa-
ções nas regiões metropolitanas, conforme revelam as pesquisas mensais sobre emprego e desem-
prego (PME e PED), a incapacidade de produzir inferências sobre este segmento limita de forma
decisiva os estudos e a própria formulação de alternativas de políticas públicas de emprego.
Estudos quantitativos sobre trajetórias ocupacionais são bastante tradicionais em países
europeus e nos EUA, mas no Brasil praticamente não há precedentes. Por esta razão a equipe deste
projeto mantém já há três anos estreita colaboração com o Institute for Employment Research, da
Universidade de Warwick, na Inglaterra, e como o instituto Printemps, de Paris. Não obstante, a
incorporação do instrumental metodológico, pelas próprias peculiaridades que distanciam em muito
as características de nosso mercado de trabalho dos daqueles países, exigiu, desde o princípio, um
cuidadoso trabalho de adaptação e recriação das técnicas de levantamento e interpretação. Ade-
mais, os custos para a realização de surveys são extremamente elevados. Estas as razões pelas
quais consideramos estes primeiros levantamentos como pilotos experimentais que deverão servir
fundamentalmente para amadurecer o emprego da análise quantitativa de trajetórias no Brasil e
80
consolidar o terreno para futuras pesquisas .

79. Este capítulo foi especialmente preparado por Álvaro COMIN para compor o relatório final; uma primeira antecipa-
ção dos dados foi apresentada para discussão no Workshop Internacional realizado na Universidade de Campinas
como parte da Cooperação entre IFCH/UNICAMP e Universidade de Manchester, em junho de 2000. A nota
metodológica que o acompanha, como anexo, foi especialmente preparada por Paulo Henrique da SILVA, para o
presente relatório final.
80. De fato estes primeiros trabalhos foram de suma importância para a incorporação pela Pesquisa de Emprego e
Desemprego (PED) da Fundação Seade de São Paulo de um módulo sobre trajetórias que já começa a ser aplicado na
Região Metropolitana de São Paulo.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Os dados aqui analisados são, na verdade, produto de uma segunda pesquisa realizado
em dezembro de 1999. O primeiro levantamento de campo ocorreu entre setembro e outubro de
1998 e, embora tenha já nos proporcionado importantes pistas de investigação, revelou proble-
mas técnicos e metodológicos tais que optamos pela realização de uma segunda rodada de entre-
vistas após a análise cuidadosa deste material original. Mencionar estes problemas nos parece útil
para entender o percurso de nosso trabalho.
Em primeiro lugar, a definição do universo obedeceu a critérios bastante pragmáticos. A
interpretação dos movimentos que ocorrem no mercado de trabalho não pode prescindir do controle
rigoroso sobre as variáveis tanto de ordem macro-econômica (taxas de crescimento do PIB, inflação,
balança comercial, juros etc.) quanto meso e micro-econômica (desempenho setorial, políticas de
reestruturação das empresas, políticas industriais, evolução dos mercados específicos etc.). O setor
metal-mecânico e particularmente o automobilístico da região do ABC paulista é seguramente um
dos mais bem estudados no país e vem sendo objeto de pesquisas no próprio Cebrap desde pelo
81
menos o início da década de 90 , de tal forma que o conhecimento acumulado sobre todas as
variáveis pertinentes é bastante acurado e atualizado. A escolha de Diadema como circunscrição
da amostra deveu-se à alta concentração de trabalhadores do setor que moram neste município, o
que tornou o sorteio dos indivíduos e a coleta das entrevistas muito mais concentrados e, portanto,
financeiramente menos custosos. Procedeu-se ao sorteio das ruas através do cadastro oficial da
prefeitura local e em cada rua os domicílios foram selecionados de forma aleatória. O único ajuste
intencional da amostragem consistiu na sobre-representação das mulheres, que representando
apenas pouco mais de 10% dos trabalhadores no setor resultariam, pelos critérios aleatórios simples,
num número amostral insuficiente para inferências sobre diferenciais de gênero. Esta sobre-
respresentação, contudo, se fez pela expansão da amostra de forma a não prejudicar sua
representatividade, de tal modo que em vez das 400 entrevistas originalmente estimadas, foram
realizadas 440. Fora isto, o filtro adotado para inclusão na amostra foi bastante conciso: era suscetível
de inclusão todo indivíduo que houvesse trabalhado em indústrias do setor metal-mecânico nos
dez anos anteriores ao momento da aplicação. Isto porque, uma vez que estávamos interessados
nos efeitos da reestruturação setorial sobre o destino profissional dos trabalhadores, se o recorte
se fizesse apenas com trabalhadores empregados no setor no momento da entrevista introduziríamos
um viés que excluiria todos aqueles indivíduos que tendo sido expulsos do setor não mais lograram
retornar e com isto perderíamos um aspecto central da investigação.
O formato geral do questionário foi baseado na técnica de calendário, segundo a qual
busca-se preencher de forma seqüenciada todo o período de tempo considerado, mês a mês, por
extrapolação ponto a ponto de cada evento. Entretanto, devido à grande quantidade de variáveis
que se pretendeu obter para cada evento, o lay-out do questionário não seguiu a forma típica de
calendário, a planilha, mas sim a forma convencional estendida. Na prática, operou-se como se
82
cada evento na vida dos indivíduos resultasse em um questionário completo .

81. Veja-se, por exemplo, Castro (1995), Oliveira e Comin (1999) e Comin (1999).
82. Esta opção de formato foi mantida na segunda coleta, cujo questionário encontra-se em anexo.

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Na construção de bases de dados longitudinais a definição da linha de tempo é de suma


importância. Tendo como base a idade média dos trabalhadores no setor, que segundo a RAIS é de
cerca de 30 anos, resolvemos, neste primeiro survey, coletar todos os eventos da vida de cada
indivíduo, julgando que em média suas trajetórias ocupacionais não seriam muito extensas. Vale
esclarecer que por evento entendemos todos os episódios de ocupação (trabalhos de qualquer
natureza, mesmo que sem vínculo formal, de curta duração, irregular ou sem remuneração) e de
desocupação (inatividade involuntária, mesmo que sem busca ativa de ocupação), excluindo-se
portanto apenas os períodos de inatividade voluntária, que foram tomados apenas como interstícios
temporais desprovidos de conteúdo.
A opção pela linha temporal de vida completa, começando pela primeira ocupação até a
situação no momento da entrevista, revelou-se extremamente problemática. Em primeiro lugar,
embora a média etária dos indivíduos de fato beirasse os 30 anos, a dispersão quanto a esta
variável é razoável, havendo, no extremo, indivíduos com trajetórias ocupacionais superiores a 40
anos. Obviamente que sendo a memória dos indivíduos praticamente o único suporte para as
informações solicitadas, quanto maior o recuo no tempo estas tendem a se tornar menos precisas
e confiáveis; episódios de curta duração ou intermitentes têm maior possibilidade de desaparecer
frente aos estáveis e formais (obscurecendo assim exatamente um dos aspectos cruciais da investi-
gação); e a dificuldade de estabelecer datas confiáveis para o início e o fim dos eventos pratica-
mente inviabilizou a construção de trajetórias com demarcação rigorosa de tempo.
Um segundo conjunto de problemas derivou da falta de experiência da empresa contrata-
da neste tipo de coleta. A despeito de ser uma empresa já há bastante tempo em operação e com
credibilidade no mercado, o tipo de expertise necessária para este tipo survey é inteiramente distin-
to do que habitualmente se faz em matéria de pesquisa no Brasil. Insuficiências no treinamento
dos aplicadores, só posteriormente constatadas, nos convenceram que muitos dos eventos de
ocupações informais e de desocupação foram subestimados ou incompletamente coletados, quando
não simplesmente ignorados. É verdade que parte do problema teve a ver com a própria dificulda-
de de adaptação da metodologia originária de países com mercados de trabalho muito estruturados
ao contexto brasileiro. Em países com baixa rotatividade nas ocupações e sistemas de seguro-
desemprego abrangentes a condição de ocupado ou desocupado é relativamente inequívoca; de
um modo geral, os indivíduos que perdem ou abandonam seus empregos permanecem inativos
83
até encontrarem nova ocupação regular e estável . No Brasil, ao contrário, o enorme trânsito que
caracteriza a biografia ocupacional da maior parte dos indivíduos e a inconstância de muitas das
ocupações torna a fronteira entre a ocupação e a desocupação bem mais tênue. A ainda insufici-
84
ente abrangência do seguro-desemprego e o longo tempo médio de procura por emprego

83. É bem verdade que esta situação tem tendido a se reverter mesmo nos países europeus, por conta da flexibilização
das legislações trabalhistas, o que aliás explica em grande parte o interesse crescente dos pesquisadores europeus
por países como o Brasil. Na França e na Inglaterra fala-se mesmo em uma “brasilianização” de seus mercados de
trabalho como referência a crescente informalidade e precariedade das ocupações.
84. Para um estudo relacionando a mobilidade no mercado de trabalho com o funcionamento do seguro-desemprego
no Brasil, veja-se Comin e Guimarães (2000).

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

impedem tona inviável para a maioria dos indivíduos permanecer na inatividade entre uma e outra
ocupação regular. As ocupações desempenhadas nestes interstícios de desemprego, freqüentemente
irregulares, inconstantes e descontinuadas no tempo, contudo, nem sempre são percebidas pelos
próprios indivíduos como ocupações. A despeito de funcionarem como estratégias decisivas de
sobrevivência (esta pelo menos a nossa hipótese forte) os assim chamados “bicos” ou “biscates”
não são espontaneamente apontados como situações de ocupação, como trabalho. O que esta
primeira experiência de campo tornou claro é que tanto a formulação das questões quanto a ação
dos entrevistadores teriam que ser muito mais incisivas e persistentes a fim de que este tipo de
ocupação emergisse como eventos registráveis.
A ocorrência de problemas, de fato, já era presumível pelo fato de estarmos introduzindo
uma metodologia até então não utilizada no país e, de toda forma, mesmo os equívocos cometi-
dos neste primeiro experimento foram fundamentais para o aperfeiçoamento do instrumental que
estamos introduzindo. Feitos os ajustes que nos pareceram necessários voltamos a campo para
uma segunda coleta de entrevistas, em dezembro de 1999. Em anexo encontra-se uma descrição
detalhada da montagem da amostra e da realização do campo.

Resumo dos Principais resultados

1. Perfil dos entrevistados


O conjunto de 417 entrevistados resultante da amostra revela-se um pouco mais velho do
que os dados que se obtém através da RAIS para o setor no ABC como um todo. A média etária dos
entrevistados é de 40 anos (mediana idem e desvio padrão de 12), contra 33 na RAIS. Esta discre-
pância muito provavelmente tem a ver com as características do município de Diadema de ocupa-
ção antiga e estável, com taxas baixas e declinantes de crescimento nos anos 90. Da amostra
sorteada 77% tinham mais de 30 anos, 22% dos quais com idade superior a 50 anos. Mais da
metade migrantes, provenientes principalmente da região Nordeste (35%), mas há muito tempo
estabelecidos em Diadema: quase 60% dos entrevistados ali viviam há mais de 20 anos e outros
27% há pelo menos 11 anos.
Seguindo o padrão observável na RAIS, os homens são a imensa maioria do contingente de
trabalhadores deste setor: 88%. E como revelam os resultados da pesquisa são predominantemen-
te os principais provedores de seus municípios: perto de 60% sendo os únicos provedores e outros
20% responsáveis por mais da metade dos rendimentos do domicílio. Cerca de 70% dos domicíli-
85
os possuíam renda de até 10 salários mínimos , 45% recebendo não mais que 7 mínimos. Infeliz-
mente como a maior parte dos entrevistados não declina a renda em valores mas sim através da
tabela de intervalos de salários mínimos não é possível estabelecer a média dos rendimentos, mas
pela distribuição das faixas é possível supor que se trata de um universo que se encontra próximo
da média de rendimentos da população da região metropolitana de São Paulo, perto de R$ 750,00,
segundo a PED do mesmo mês em que foi realizada a pesquisa.

85. O salário mínimo no momento da entrevista equivalia a R$ 136,00.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

O grau de escolarização é relativamente alto mesmo para os padrões da metrópole paulista:


mais da metade possuía pelo menos o primeiro grau completo (cerca de 20% com o segundo grau
completo). Entre os demais um terço possuía apenas o primário completo (os primeiros 4 anos do
ensino fundamental) e perto de 13% nem isto. Como se poderia esperar pelos patamares etários
registrados a proporção dos que freqüentavam a escola no momento da pesquisa era bastante
baixa, apenas pouco mais de 10%. Finalmente, em termos de cor a proporção de brancos asseme-
lha-se à da população em geral da região, 56%, mas entre os não brancos chama a atenção para
a elevada proporção de negros, 16%, e a conseqüente menor participação de pardos, 28%, quan-
86
do pelos dados censitários a proporção de negros na região não chega a 10%.

Faixas de idade (%) Sexo (%)

mais de fem
50 até 24 12%
22% 10% 25 a 30
13%

41 a 50 masc
31 a 40
26% 88%
29%

Região de nascimento (%) Anos vivendo em Diadema (%)

menos de
5 5 a 10
demais
5% 6% 10%
Nordeste São Paulo
35% 43%

mais de 20 11 a 20
Sudeste (outros) 57% 27%
17%

86. Na questão da cor os entrevistados foram instados a se autoclassificarem com base nas categorias padrão do IBGE.

Convênio Cebrap/Finep 109


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Grau de instrução (%) Auto-identificação de cor (critério


IBGE) (%)

parda
1,5 12,5 prim. Incomp. 28%
21,1
prim. Compl.
1 grau branca
56%
34,2 2 grau preta
30,7 16%
superior

2. Análise tabular da mobilidade ocupacional

Tomando como referência as posições de partida (posição em 1989) e de chegada (posição


em 1999), condensando, portanto, a movimentação dos indivíduos, a primeira observação que
chama atenção é o fato de que praticamente quatro quintos dos indivíduos trocaram ao menos
uma vez de posição ao longo de todo o período, ou seja, a proporção de entrevistados que se
manteve estável ao da década foi de não mais que 20%. Em média os indivíduos tiveram cerca de
3 ocupações (vínculos de qualquer natureza). O movimento mais notável,.pelo volume em que
ocorreu, foi a migração para a condição de desempregado. Em 1989, apenas 1% da amostra se
encontrava nesta situação, porcentagem que ascendeu para quase 30% em 1999.
Do ponto de vista da natureza dos vínculos as relações formais de trabalho representavam
em 1989 nada menos que 90% do total das ocupações (excluídos, portanto, desempregados e
inativos), proporção que se reduz em 1999 para 68%; enquanto as ocupações por conta própria
ou autônomas tiveram seu número multiplicado por quatro ao longo do período, chegando a
representar um quarto das ocupações em 1999.

Vínculos
Freqüências VÍNCULO 1999 Total 89
desemp inativo Formal informal autônomo
desemp
VÍNCULO inativo 91,7 8,3 24
1989 formal 30,1 46,6 4,2 19,1 356
informal 23,5 52,9 11,8 11,8 17
autônomo 5,0 50,0 45,0 20
Total 99 112 207 19 79 417

Convênio Cebrap/Finep 110


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

As ocupações dos indivíduos foram coletadas de forma aberta (a descrição da ocupação


era anotada integralmente pelos entrevistadores) o que permitiu uma codificação e uma classifica-
87
ção criteriosas . Quando se observa a mobilidade controlando-a pelo tipo de ocupação descobre-
se que não apenas ela é extremamente elevada como também que os indivíduos trocam muito
freqüentemente de grupo ocupacional. È extremamente difícil estabelecer uma hierarquia para os
grupos ocupacionais de modo a se poder falar em movimentos ascendentes ou descendentes.
Como neste caso as descrições de ocupação foram manipuladas uma a uma e elas são relativa-
mente menos heterogêneas que as que se utilizam para o mercado de trabalho como um todo,
podemos nos arriscar a algumas inferências.
Os grupos de ocupação foram assim compostos:
1. trabalhadores manuais => ofícios pouco definidos ou desprovidos de um saber técnico
claramente identificável: carregadores, ajudantes gerais, faxineiros, porteiros,
embaladores, ensacadores e similares;
2. trabalhadores manuais especializados => ofícios e funções com especialização definida:
marceneiros, ferramenteiros, torneiros, pintores, eletricistas e congêneres;
3. não manuais de rotina: nesta categoria são predominantemente ligadas a atividades
comerciais: vendedores (inclusive ambulantes); balconistas, cobradores etc.
4. técnicos e profissionais => profissões que exijam explicitamente formação específica
equivalente ao segundo ou terceiro graus: desenhistas, engenheiros, programadores
etc.
Tendo em vista esta classificação, se não se pode considerá-la como estritamente hierárqui-
ca é razoavelmente confiável afirmar que as migrações de 1 para 2 e de 1, 2, ou 3 para 4 são
ascendentes e, inversamente, as passagens de 4 para 1, 2 ou 3 e de 2 para 1 sejam descendentes.
A ambigüidade que persiste diz respeito ao caráter pouco transparente, em termos sociais, das
funções aqui classificadas no grupo 3. Considerando que agrupa principalmente trabalhadores no
comércio é bastante duvidoso que a passagem de 2 para 3 (ou mesmo de 1 para 3) implique em
mobilidade ascendente, sendo provável em muitos casos até que se trate do oposto. Testes de
consistência levando em conta os níveis de remuneração, por exemplo, seriam necessários para
estabelecer com maior clareza o lugar deste grupamento na escala, contudo informações retroativas
sobre renda, especialmente antes da estabilização monetária no segundo semestre de 1994 são
extremamente imprecisas e provavelmente não ofereceriam resultados confiáveis.
A tabela que se segue expõe a síntese da mobilidade tabular da amostra nas duas pontas
da linha de tempo. Note-se, em primeiro lugar, que a proporção dos trabalhadores que trocam de
grupo ocupacional ao longo do período é bastante elevada, mais de 60%; e que, com exceção dos
trabalhadores manuais especializados e dos técnicos e profissionais (estes em números absolutos

87. O esquema de classificação aqui adotado é uma adaptação do bem conhecido esquema de classes de Goldthorpe e
Erikson (1991), especialmente o capítulo 2.

Convênio Cebrap/Finep 111


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

muito reduzidos para oferecer consistência estatística), nos quais cerca de metade dos trabalhado-
res se mantém no mesmo grupo ocupacional ao fim do período (caselas verdes) nos dois outros
grupos a proporção dos que migram é amplamente majoritária. Considerando que os grupos 2
(provavelmente) e 4 (certamente) concentram os trabalhadores mais qualificados a sua menor
mobilidade ocupacional não apenas faz sentido como pode ser um indicador positivo de não re-
gressão profissional destes indivíduos. Como se vê, a maior parte dos membros destes dois grupos
que mudam de posição entre 1989 e 1999 vão parar no desemprego, o que talvez se explique
justamente pela sua maior esperança de reconquistar uma colocação dentro de sua ocupação
original. Mesmo assim não é nada desprezível a proporção de trabalhadores cuja trajetória pode
ser presumida como descendente.

ATUAL
Tipos de ocupação
não téc.e
Mobilidade tabular - 1989/1999 manual Total 89
desemp inativo manual manual profis-
Percentuais qualif.
rotina sionais
desemp. 25,0 0,0 25,0 50,0 0,0 0,0 4
inativo 14,8 0,0 29,6 44,4 7,4 0,0 27
manual 35,5 0,0 24,6 23,9 14,5 0,0 138
POSIC89
manual qualif. 27,4 0,0 7,5 51,6 11,8 1,1 186
n manual rotina 19,1 0,0 14,9 29,8 31,9 4,3 47
téc.e profissionais 28,6 0,0 0,0 14,3 7,1 50,0 14
Total 99 118 64 159 60 11 416

Apenas como exercício especulativo, se desconsiderarmos todos os desempregados e inativos


e contabilizarmos apenas as situações em que o sentido da mobilidade pode ser confiavelmente
estabelecido (de 1 para 2 e de 1, 2, ou 3 para 4 ascendentes; de 4 para 1, 2 ou 3 e de 2 para 1
descendentes) as trajetórias ascendentes corresponderiam a cerca de 22%, as descendentes 9% e as
demais, quase 60%, à condição de estabilidade, como se ver pela tabela que se segue. Isso obvia-
mente por que estamos desconsiderando as situações de desemprego (que não constituem de per si
uma condição ocupacional). Se a passagem de qualquer grupo ocupacional para a de desemprego
for considerada como descenso as trajetórias deste tipo chegam a quase 40% do total.

SENTIDO DA MOBILIDADE
Freqüencia Percentual
Descen. 23 8,6
Estável 153 57,0
Valid.
Ascen. 57 21,7
Total 268 100

Convênio Cebrap/Finep 112


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

3. Padrões de mobilidade setorial

A construção de clusters de trajetórias com base nos setores de atividade revela-se consis-
tente com os padrões encontrados na RAIS, oferecendo ainda a possibilidade de alguns
aprofundamentos. Através da análise fatorial de correspondência chegou-se a sete clusters de
trajetórias. É claro que como na maior parte dos casos os números absolutos são muito pequenos
para suportar valor estatisticamente representativo, o recurso aqui é sobretudo empregado como
forma de estilizar tipologias de trajetórias, tornando-as visivelmente mais inteligíveis. As classes
obtidas foram as seguintes (seguidas do número de casos):
Classe 1 – Comércio = 15
Classe 2 – Indústrias químicas = 22
Classe 3 – Serviços = 35
Classe 4 – Desempregados = 72
Classe 5 – Metalúrgicas = 153
Classe 6 – Outras indústrias = 35
Classe 7 – Material de Transportes = 80
Como se pode ver Os grupos mais numerosos são: o dos trabalhadores com passagens
mais recorrentes e/ou duradouras pela indústria metalúrgica; o dos da indústria automobilística; e,
finalmente, o dos desempregados. Compõem ainda clusters numericamente mais alentados os
trabalhadores nas indústrias químicas, nas “outras indústrias” (ou indústrias tradicionais), nos ser-
viços e no comércio. Embora a circulação entre os setores industriais e o desemprego seja o circuito
mais comum neste universo de trabalhadores há uma tendência persistente a que o volume dos
que encontram ocupação na indústria (qualquer que seja o subsetor) se reduza a partir de 1995. Se
no começo do período estudado (janeiro de 1989) esta amostra era composta fundamentalmente
por operários industriais (os que tinham empregos no comércio e nos serviços não chegavam a
5%), a participação de todos os setores industriais encolhe até dezembro de 1999 e a proporção
dos que se encontram empregados nos serviços e no comércio chega aos 20%.
Como o survey recolhe também as ocupações não constituídas por vínculos formais de
assalariamento a relação entre ocupação e desocupação se torna mais precisa do que na RAIS. Para
efeitos da análise setorial os inativos (por serem poucos) foram emglobados pelos desempregados.
A segunda constatação importante é a de que a migração para os setores não industriais tem
representado também, majoritariamente, a passagem das ocupações formais para as informais
(seja o assalariamento sem registro, seja a ocupação por conta-própria ou autônoma). Como vi-
mos, os assalariados formais, que representavam 90% dos vínculos existentes em 1989 viram-se
reduzidos a cerca de 50% da amostra em dezembro de 1999 (movimento muito semelhante ao
88
que se verifica globalmente com o mercado de trabalho da região metropolitana de São Paulo ).

88. Veja-se PME/IBGE (www.ibge.gov.br) e PED/SEADE (www.seade.gov.br).

Convênio Cebrap/Finep 113


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Esta queda no número de vínculos, como também já se viu, foi “compensada” antes de tudo pelas
situações de desemprego e, a seguir, principalmente em favor dos trabalhadores autônomos. Em
outras palavras, neste universo o declínio do emprego formal está ligado mais a uma mudança
efetiva nas formas de inserção ocupacional do que a uma mera mudança no estatuto legal dos
vínculos de assalariamento.

Distribuição setorial da amostra, mês a mês, jan 89 - dez 99 (N=412)

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
JUN89

SET90

JUL91

DEZ91

MAI92

OUT9

JUN94

SET95

JUL96

DEZ96

MAI97

OUT9

JUN99
JAN89

NOV8

ABR9

FEV91

MAR9

AGO9

JAN94

NOV9

ABR9

FEV96

MAR9

AGO9

JAN99

NOV9
Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Comércio Automotiva Outros

A correlação entre setor de atividade e modalidade de vínculo de trabalho é bastante eleva-


da. Os trabalhadores dos clusters da indústria química, metalúrgica e de material de transportes
(setores mais modernos) têm trajetórias predominantemente cobertas por vínculos de assalariamento
formal. Nos setores industriais tradicionais a ocorrência de situações de trabalho por conta-própria
é muito mais freqüente: cerca de um quarto dos trabalhadores deste cluster esteve a maior parte
do tempo nesta condição (note-se que também aqui não é o assalariamento informal que se des-
taca). Quase todos os trabalhadores com trajetórias no comércio vivem a maior parte do tempo
como autônomos (vendedores ambulantes, principalmente) e nos serviços, embora a condição de
autônomo seja também a mais freqüente, há uma maior ocorrência tanto do vínculo formal, quan-
to do assalariamento informal (na verdade este é o único cluster em que esta última forma de
vínculo ocorre de forma mais significativa).
Assim, as trajetórias concentradas nos setores industriais mais modernos, por um lado, e no
comércio, por outro, compõem dois grupos internamente bastante homogêneos e nitidamente
distintos do ponto de vista das formas de inserção ocupacional (as primeiras marcadas pelo
assalariamento formal e as segundas pela condição de conta-própria). Seria de se presumir, neste
caso, uma baixa intersecção entre estes dois universos ocupacionais. Com efeito, tomando o cluster
dos trabalhadores com trajetórias concentradas na indústria de material de transportes como ex-
pressivo do primeiro universo, na primeira metade do período coberto (janeiro de 89 a junho de

Convênio Cebrap/Finep 114


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

1994) a circulação observada tende ou para os demais setores industriais ou para o desemprego,
sugerindo que neste período os indivíduos expelidos do setor se mantêm em um circuito ocupacional
adjacente, ou simplesmente na inatividade à espera de uma possibilidade de retorno, não sendo a
ruptura de trajetória, de toda forma, o padrão predominante. No final do período, contudo, a
parcela dos que migram para os serviços e para o comércio se amplia nitidamente, e aqui uma
possível mudança no padrão destas trajetórias pode estar se esboçando. Vale chamar a atenção
para as características deste grupo: é o mais homogêneo do ponto de vista etário, tendo 80% dos
indivíduos concentrados na faixa de 30 a 50, excluindo assim as classes de idade mais problemáti-
cas do ponto de vista de inserção profissional (jovens e velhos); é o que concentra a maior propor-
ção de brancos (2/3) e a menor de negros (7,5%); uma forte proporção de migrantes (especialmen-
te nordestinos), a maioria, porém, estabelecidos em Diadema há mais de 20 anos; predominam os
trabalhadores manuais especializados, 1/3 deles com vínculos contínuos de mais de 6 anos na
ocupação que tinham em 1989; e, por fim, este grupo exibe uma das maiores taxas de desempre-
go aberto em dezembro de 1999 (21%). Seu perfil educacional, entretanto, não apresenta discre-
pâncias relevantes frente às médias do conjunto dos entrevistados: um quarto de indivíduos com
segundo grau completo, um quarto com primeiro grau completo, pouco mais de um terço com
apenas o primário completo e 12,5% com menos do que isso. Mas é o grupo que apresenta, de
longe, a melhor composição em termos de renda em dezembro de 1999: 2/3 ganhando acima de
7 salários mínimos.
Algo semelhante (até mais acentuado), em termos das trajetórias, se observa entre os tra-
balhadores do cluster das indústrias químicas, que na primeira metade do período, provém ou
circulam principalmente pela indústria metalúrgica (ou o desemprego) e na segunda metade já
apresentam migração mais significativa para o comércio e os serviços. O cluster dos trabalhadores
nas indústrias metalúrgicas é o único que no final do período apresenta migração predominante
para o desemprego (e em segundo lugar para as indústrias tradicionais) e não para algum dos
setores terciários. Trata-se de um grupo de trabalhadores mais velhos (mais da metade acima dos
40 anos); com equilíbrio entre brancos e não brancos; predominantemente trabalhadores manuais
especializados e quase 30% de desempregados em dezembro de 1999. Vale notar que estes dois
clusters são os que apresentam perfil educacional mais elevado, com cerca de 60% dos trabalha-
dores com pelo menos primeiro grau completo. Em contraste com seu melhor perfil educacional,
os químicos, por exemplo, surpreendentemente estão concentrados nos estratos mais baixos de
renda (metade deles situados entre 1 e 5 mínimos); os metalúrgicos em uma posição intermediária
(concentração principal entre 5 e 10 mínimos), mas de toda forma inferior à dos trabalhadores do
cluster automobilístico. Note-se portanto, que a relação entre instrução e renda é menos linear do
que se poderia supor à priori.
O cluster dos trabalhadores no comércio é composto, principalmente, por indivíduos em-
pregados na indústria metalúrgica no início do período e que logo nos primeiros anos migraram
para o comércio, não mais retornando à indústria. A idéia de que tenham sido definitivamente
expulsos do emprego industrial é reforçada pelo seu perfil etário: é o cluster mais velho de todos:

Convênio Cebrap/Finep 115


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

40% dos indivíduos tinham mais de 50 anos em dezembro de 1999; migrantes há muito estabele-
cidos em Diadema, a maioria se encontrava empregada há mais de 10 anos no vínculo registrado
em 1989 (portanto operários com longa inserção no setor metalúrgico); divisão equivalente entre
brancos e não brancos; quase todos autônomos (especialmente ambulantes) em 1999; é o cluster
que apresenta a menor taxa de desocupação, apenas 6,7%, na ocasião da entrevista. A condição
de autônomo, contudo, oculta uma maior heterogeneidade do ponto de vista da remuneração:
este é o grupo que apresenta a maior concentração de ocupados na faixa de 1 a 3 mínimos e de 10
a 15 mínimos (nos dois casos 3 vezes mais do que a média geral), exibindo uma estrutura bem
polarizada, mais do que permitiria supor seu perfil educacional não muito distante da média (ape-
nas com uma proporção mais elevada de trabalhadores com menos do que o primário completo).
Os indivíduos que se agrupam nos clusters de serviços e de indústrias tradicionais (veja-se
gráficos com trajetórias abaixo) apresentam trajetórias mais heterogêneas entre si. Os trabalhado-
res do cluster de serviços transitam na primeira metade do período privilegiadamente entre a in-
dústria metalúrgica e a automobilística e na segunda metade, embora pareça crescer a fixação nos
serviços mesmo, a ocorrência de migrações para a indústria metalúrgica segue sendo significativa
(a automobilística desaparece). Assim que, em 1999, entre eles havia pouco mais de metade de
trabalhadores autônomos e um terço de assalariados formais; e como já se observou este é o único
cluster com uma proporção de assalariados informais mais significativa. Pelo menos para parte
deste grupo a migração da indústria para os serviços não parece ter um caráter definitivo. Quando
na condição de conta-própria as ocupações que predominam aqui são as de prestação de serviços
de manutenção e reparação, como pedreiros, pintores, marceneiros e mecânicos de automóveis,
ocupações em que as chances de se verificar um aproveitamento da experiência fabril são maiores
do que, por exemplo, no comércio (e isto talvez corrobore a hipótese de que este seja um padrão
menos definitivo de migração para fora da indústria). São os trabalhadores mais jovens, maioria
entre 25 e 40 anos; metade deles nascidos em São Paulo e composta por trabalhadores manuais
especializados; a maioria não estava ainda trabalhando em 1989 ou possuía vínculos de menos de
3 anos então. São, portanto, trabalhadores em sua maioria percorrendo ainda a primeira metade
de suas vidas ocupacionais. A proporção de desocupados em 1999 era bastante baixa, apenas 6%
(característica comum dos que buscam ocupações fora da indústria). Embora jovens, exibem o
perfil educacional mais baixo: quase 2/3 não possuem mais que o primário completo; e apresentam
a maior concentração nas faixas inferiores de renda (2/3 abaixo de 5 mínimos em 1999).
O perfil dos trabalhadores do cluster das indústrias tradicionais é mais ou menos semelhan-
te ao dos serviços: indivíduos mais jovens (2/3 entre 25 e 40 anos) e com trajetórias um pouco mais
heterogêneas; só que neste caso a migração da indústria é predominantemente para a situação de
desemprego (e não para os serviços ou a indústria metalúrgica); um quarto deles encontrava-se em
desemprego aberto em dezembro de 1999. Além disto possuem um perfil educacional mais eleva-
do e os que estavam ocupados em 1999 se concentravam nos estratos intermediários de renda
(entre 5 e 10 mínimos). Talvez por seu melhor perfil educacional, ou por terem estado empregados
mais tempo na indústria com salários melhores (ou as duas coisas) parecem resistir mais à migração
para fora do setor industrial preferindo a situação de desocupação temporária.

Convênio Cebrap/Finep 116


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

4. As classes de trajetórias

Classe 1 - Comércio (N=15)

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
JAN89 SET89 MAI90 JAN91 SET91 MAI92 JAN93 SET93 MAI94 JAN95 SET95 MAI96 JAN97 SET97 MAI98 JAN99 SET99

Desempregados Metalúrgicas Outras Indústrias Comércio Automotiva

Trabalhadores mais velhos (40% mais de 50); maioria nascida fora do estado de São Paulo,
mas vivendo há mais de 20 anos em Diadema; equivalência entre brancos e não brancos; três
quartos na situação de autônomos na ocasião da entrevista (maior concentração, especialmente
ambulantes), apenas 6,7% desempregados; trabalhadores não manuais de rotina; a maioria em-
pregada a mais de 10 anos em 1989.

Classe 2 - Químicas (N=22)

100%

80%

60%

40%

20%

0%
JUN89

JUN94

JUN99
MAI92

SET95
SET90

JUL91

DEZ91

OUT9

JUL96

DEZ96

MAI97

OUT9
JAN89

NOV8

ABR9

FEV91

NOV9

ABR9

FEV96

MAR9
MAR9

JAN94

JAN99

NOV9
AGO9

AGO9

Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Comércio Automotiva

Trabalhadores com idade concentrada entre os 30 e os 50; maioria nascida no estado de


São Paulo; quase metade vivendo há mais de 20 anos em Diadema; equivalência entre brancos e
não brancos; 60% com vínculo de assalariamento formal na ocasião da entrevista (22% desem-
pregados); maior grupo: manuais especializados (23%) e maior concentração de profissionais e
técnicos (18%) entre todos os setores; a grande maioria não estava empregada ou estava a menos
de 3 anos empregada em 1989; 1/4 de desempregados na ocasião da entrevista.

Convênio Cebrap/Finep 117


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Classe 3 - Serviços (N=35)

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%
10%

0%
JUN89

SET90

JUN94

SET95

JUN99
FEV91

JUL91

DEZ91

MAI92

OUT9

FEV96

JUL96

DEZ96

MAI97

OUT9
ABR9

MAR9

NOV9

ABR9

MAR9

NOV9
JAN89

NOV8

AGO9

JAN94

AGO9

JAN99
Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Automotiva

Maioria dos indivíduos com idade entre 25 e 40 anos; mais da metade nascida fora do
estado (Nordeste principalmente); mais da metade vivendo há mais de 20 anos em Diadema; mai-
oria de autônomos (54%) e um terço de assalariados formais; maioria manual especializado (pinto-
res de parede, pedreiros, marceneiros); maioria não estava empregada ou estava a menos de 3
anos no vínculo de 89; 6% de desempregados em 1999.

Classe 4 - Desempregados (N=72)

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
JUN89

JUN94

JUN99
DEZ91

OUT9
SET90

JUL91

MAI92

OUT9

SET95

JUL96

DEZ96

MAI97
JAN89

NOV8

ABR9

FEV91

MAR9

NOV9

ABR9

FEV96

MAR9

NOV9
JAN94

JAN99
AGO9

AGO9

Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Comércio Automotiva

Concentra os indivíduos dos dois extremos das faixas etárias; quase 40% com até 24 anos
(a maior concentração entre todas as classes), a maioria tendo ingressado no mercado de trabalho
mais recentemente; e perto de 30% com mais de 50 anos; mais da metade nascida no estado de
SP (um terço no Nordeste); 2/3 de brancos (maior participação entre os setores); a maioria estava
desempregada no momento da entrevista (50%) e 1/3 tinha registro formal (principalmente como

Convênio Cebrap/Finep 118


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

trabalhadores manuais, especializados ou não); a imensa maioria não trabalhava em 89 e 13%


estava há mais de 6 anos no emprego na época.

Classe 5 - Metalúrgicas (N=153)

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
JUN89

SET90

JUN94

SET95

JUN99
JUL91

MAI92

OUT9
FEV91

DEZ91

OUT9

FEV96

JUL96

DEZ96

MAI97
JAN89

NOV8

ABR9

MAR9

AGO9

JAN94

NOV9

ABR9

MAR9

AGO9

JAN99

NOV9
Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Comércio Automotiva Outros

Mais da metade com idade superior a 40 anos; maioria nascida fora de SP (Nordeste e
outros estados do Sudeste); maioria vivendo há pelo menos 11 anos em Diadema; ligeira maioria
de brancos; maioria de assalariados formais (55,5%) e desempregados (27,5%) na ocasião da
entrevista; maior proporção de manuais especializados, tanto no começo como no fim do período;
1/3 com mais de 6 anos no emprego de 1989; 27% desempregados em 99.

Classe 6 - Outras indústrias (N=35)

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
JUN89

JUN94

JUN99
JUL96
SET90

JUL91

DEZ91

MAI92

OUT9

SET95

DEZ96

MAI97

OUT9
JAN89

NOV8

ABR9

MAR9

NOV9

ABR9

FEV96

MAR9

JAN99

NOV9
FEV91

JAN94
AGO9

AGO9

Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Comércio Automotiva

Convênio Cebrap/Finep 119


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Dois terços dos indivíduos com idade entre 25 e 40 anos; mais da metade nascida fora do
estado, mas quase todos vivendo há mais de 11 anos em Diadema; ligeira maioria de brancos;
43% de assalariados formais e 25% de autônomos; maioria de manuais especializados na ocupa-
ção atual; possuíam vínculos predominantemente entre 1 e 3 anos no emprego em 89; 25% de
desempregados em 99.

Classe 7- Automotiva (N=80)

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
JUN89

JUN94

JUN99
JUL91

DEZ91

MAI92

JUL96

MAI97
SET90

OUT9

SET95

DEZ96

OUT9
ABR9

MAR9

NOV9
JAN89

NOV8

ABR9

FEV91

MAR9

JAN94

NOV9

FEV96

JAN99
AGO9

AGO9
Desempregados Metalúrgicas Químicas Outras Indústrias Serviços Comércio Automotiva Outros

Quase 80% dos indivíduos com idade entre os 30 e os 50 (classe mais homogênea deste
ponto de vista); quase dois terços nascidos fora do estado (principalmente Nordeste); 60% vivendo
há mais de 20 anos em Diadema; dois terços de brancos e apenas 7,5% de negros (menor partici-
pação entre as classes); dois terços de assalariados formais e maioria de manuais especializados na
ocupação atual; um terço com mais de 6 anos no emprego em 1989; um terço manteve o mesmo
vínculo durante todo o período; 21% de desempregados em 99.

Referências Bibliográficas

Castro, Nadya A. (org.) (1995) A máquina e o equilibrista. Inovações na indústria automobilística


brasileira. São Paulo, Paz e Terra.
Oliveira, Francisco de e Comin, Alvaro A. (orgs.) (1999) Os cavaleiros do antiapocalipse. Trabalho
e política na indústria automobilística. São Paulo, Entrelinhas.
Comin, Alexandre (1999) De volta para o futuro. São Paulo, Anna Blume.
Comin, Alvaro A. e Guimarães, Nadya A. (2000) “Mobilidade setorial, diversidades de gênero e
acesso ao seguro-desemprego. Brasil nos anos 90”. Relatório de pesquisa encomendado pela
Cepal.
Goldthorpe, john H. e Erikson, Robert (1991) The constant flux. A study of class mobility in in-
dustrial societies. Oxford, Claredon Press.

Convênio Cebrap/Finep 120


ANEXO 1

QUESTIONÁRIO LONGITUDINAL
Pesquisa Diadema
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Abordagem Inicial
Bom dia/tarde/noite. Eu sou da Brasmarket-pesquisas. Nós estamos realizando uma
pesquisa sobre emprego e mercado de trabalho aqui em Diadema. Posso lhe fazer algumas
perguntas?

Filtros:
A) Há alguém nesta casa que seja metalúrgico ou que tenha trabalhado em empresa
metalúrgica nos últimos 10 anos?

1. SIM (o próprio entrevistado, vá para a ABERTURA)


2. SIM (outra pessoa do domicílio -- PROSSIGA COM A B)
3. NÃO (AGRADEÇA E ENCERRE)

B) Eu poderia falar com esta pessoa?

1. Sim -- vá para a ABERTURA


2. Não, não está (agradeça e encerre)
3. Não, outra razão (agradeça e encerre)

ABERTURA: uma vez diante do metalúrgico ou do ex-metalúrgico, diga exatamente o


texto abaixo.

Nós estamos fazendo uma pesquisa sobre a história da vida profissional dos metalúrgicos
aqui em Diadema, com o objetivo de colaborar com programas de treinamento e
aperfeiçoamento profissional do Senai e de outras instituições profissionalizantes. Essas
entrevistas serão analisadas em conjunto, como números. Os nomes dos participantes não serão
divulgados. A sua participação é muito importante para o sucesso deste trabalho. Vou fazer
perguntas sobre a sua vida profissional nos últimos 10 anos. O Sr.(a.) aceitaria participar?

C) Podemos começar?
1. Sim
2. Não (mas aceita agendar para depois)
3. Não definitivo (agradeça e encerre)

D) Código
1. Papel – B
2. Envelope – D
3. Lápis – P
4. Elástico – A
5. Grampos - V

Convênio Cebrap/Finep 122


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

ENTREVISTA

Entrevista Nº Evento Nº

DADOS PESSOAIS E FAMILIARES

01. Ano do nascimento: __________________

02. Mês do nascimento: __________________

03. Dia de nascimento: ___________________

04. Sexo do(a) entrevistado(a)


1. Masculino
2. Feminino

05. Em que estado o(a) Sr(a). nasceu?


1 AC – Acre 15 PB – Paraíba
2 AL – Alagoas 16 PE – Pernambuco
3 AM – Amazonas 17 PI – Piauí
4 AP – Amapá 18 PR – Paraná
5 BA – Bahia 19 RJ - Rio de Janeiro
6 CE – Ceará 20 RN - Rio Grande do Norte
7 DF - Distrito Federal 21 RO – Rondônia
8 ES - Espírito Santo 22 RR – Roraima
9 GO – Goiás 23 RS - Rio Grande do Sul
10 MA – Maranhão 24 SC - Santa Catarina
11 MG - Minas Gerais 25 SE - Sergipe
12 MS - Mato Grosso do Sul 26 SP - São Paulo
13 MT - Mato Grosso 27 TO - Tocantins
14 PA – Pará 28 EX - Exterior / Em outro país

06. Em que cidade o(a) Sr(a). nasceu?

____________________________________________________
07. Foi na zona rural ou na sede de município?
1 Rural
2 Sede do Município

08. Há quantos tempo o(a) Sr(a). mora aqui em Diadema? ___anos

09. _____ meses

Convênio Cebrap/Finep 123


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

10. Qual é o seu estado civil?


1 casado/amigado/amasiado/vive com alguém
2 solteiro (nunca casou ou viveu com alguém)
3 separado/divorciado/desquitado
4 viúvo

11. Quem são as pessoas que vivem atualmente com o(a) Sr(a).?

PERGUNTA 11A PERGUNTA 11B PERGUNTA 11C


Habitante Idade Instrução
Pai
Mãe
Esposa (o)
Filho 1
Filho 2
Filho 3
Filho 4
Filho 5
Filho 6
Outro parente1
Outro parente 2
Amigo (a) 1
Amigo (a) 2

12. Caso os pais não sejam habitantes da mesma casa, indagar:

PERGUNTA 12A PERGUNTA 12B


Habitante Idade Instrução
Pai
Mãe

13. Tem algum filho que não mora com o Sr(a)


1. Sim
2. Não (pular para a 15)

PERGUNTA 14A PERGUNTA 14B PERGUNTA 14C


Habitante Idade Instrução
Filho 1
Filho 2
Filho 3
Filho 4
Filho 5
Filho 6

Convênio Cebrap/Finep 124


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

15. Somando aquilo que ganham todas as pessoas que moram em sua casa, o(a) Sr(a).
poderia informar de quanto aproximadamente é a renda total do seu domicílio?
1. Não sabe
2. Não respondeu
3. R$ ______________________ (pular para a pergunta 17)

16. (Para os que não quiseram responder): O(a) Sr(a). poderia pelo menos informar em
qual destas faixas de renda sua casa se enquadraria?

1. Menos de 1 salário mínimo/ menos de R$ 136,00


2. De 1 até 3 salários mínimos/ de R$ 136,00 a R$ 408,00
3. Mais de 3 até 5 salários mínimos/ mais de R$ 408,00 a R$ 680,00
4. Mais de 5 até 7 salários mínimos/ mais de R$ 680,00 a R$ 952,00
5. Mais de 7 até 10 salários mínimos/ mais de R$ 952,00 a R$ 1.360,00
6. Mais de 10 até 15 salários mínimos/ mais de R$ 1.360,00 a R$ 2.040,00
7. Mais de 15 até 20 salários mínimos/ mais de R$ 2.040,00 a R$ 2.720,00
8. Mais de 20 salários mínimos/ mais de R$ 2.720,00
9. Não sabe realmente
10. Não quis responder mesmo assim
11. Não sabe avaliar em faixas

17. Quanto aproximadamente os seus ganhos pessoais representam da renda total da sua
casa? (na maior parte do tempo em que permaneceu nesta ocupação)
1. Tudo ou praticamente tudo
2. Mais da metade, mas não tudo
3. Aproximadamente a metade
4. Menos da metade
5. Nada ou muito pouco
6. Não Sabe
7. Não respondeu

18. o Sr(a). está estudando atualmente?


1. Sim
2. Não (pular para a 18b)

(Somente para quem respondeu SIM na pergunta 18)


18a. Sim. Qual série?
1. 1ª série 1º grau/primário
2. 2ª série 1º grau/primário
3. 3ª série 1º grau/primário
4. 4ª série 1º grau/primário
5. 5ª série 1º grau/ 1ª ginásio
6. 6ª série 1º grau/2ª ginásio
7. 7ª série 1º grau/3ª ginásio
8. 8ª série 1º grau/4ª ginásio
9. 1ª série 2º grau/colegial
10. 2ª série 2º grau/ colegial
11. 3ª série 2º grau/colegial
12. Pelo menos a 1ª do Superior
13. Superior completo

Convênio Cebrap/Finep 125


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

16. Mobral

(Somente para quem respondeu NÃO na pergunta 18)


18b. Não. Qual foi a última série escolar que o(a) Sr(a). concluiu?
1. 1ª série 1º grau/primário
2. 2ª série 1º grau/primário
3. 3ª série 1º grau/primário
4. 4ª série 1º grau/primário
5. 5ª série 1º grau/ 1ª ginásio
6. 6ª série 1º grau/2ª ginásio
7. 7ª série 1º grau/3ª ginásio
8. 8ª série 1º grau/4ª ginásio
9. 1ª série 2º grau/colegial
10. 2ª série 2º grau/ colegial
11. 3ª série 2º grau/colegial
12. Pelo menos a 1ª do Superior
13. Superior completo
14. Nenhuma, é analfabeto
15. Nenhuma, mas sabe ler e escrever
16. Mobral

19. O Sr(a). está trabalhando atualmente? Tem qualquer tipo de ocupação remunerada,
mesmo que irregular ou por conta própria? (APENAS PARA O PRIMEIRO EVENTO)
Sim. [Vá para a 20]

Não. [Prossiga]

19a. Há quanto tempo o Sr(a). está sem exercer qualquer ocupação remunerada?

_________________________ meses

19b. Por que é que o Sr(a) não está trabalhando?

1. Não quer trabalhar no momento


2. Não encontra trabalho
3. Só encontra trabalhos que não lhe interessam/agradam
4. Por motivo de doença
5. Por razões familiares/pessoais (cuidar dos filhos ou parentes etc.)
6. Está aposentado
7. Outros: _______________________________________________
_______________________________________________________________

Convênio Cebrap/Finep 126


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

19c. Neste período em que o Sr(a). está sem uma ocupação, o Sr. (a) tem procurado
trabalho?
1. Sim, freqüentemente (pelo menos uma vez por semana no último mês)
2. Sim, às vezes/ algumas vezes (pelo menos uma vez no último mês)
3. Sim, mas já faz tempo que não procura (mais de um mês)
4. Não, por que não quer voltar a trabalhar
5. Não, por que está desanimado
6. Não, por motivo de doença
7. Não por razões familiares
8. Outros._________________________________________________
________________________________________________________________

19d. E qual foi o seu último trabalho? [Prosseguir com a 20]

20. Há quanto tempo o Sr(a). está/esteve neste trabalho/ocupação/emprego?


_____ anos e _____ meses
Início: ___/___
Fim: ___/___

21. E o que o(a) Sr(a). faz/fazia então [ABERTA]? Descrição detalhada da ocupação ou da
tarefa desempenhada
____________________________________________________________
____________________________________________________________

Convênio Cebrap/Finep 127


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

22. Qual é/era a atividade dessa empresa? O que é que se faz/fazia lá?
(Codificado pelo entrevistador)

Ramos de atividade
01. Extração Mineral
10. Ind. Minerais não metálicos
11. Ind. Metalúrgica
12. Ind. Mecânica
13. Ind. Material elétrico e de comunicações
14. Ind. Material de Transporte
15. Ind. Madeira
16. Ind. Mobiliário
17. Ind. Papel e papelão
18. Ind. de borracha
19. Ind. Couros e peles e similares
20. Ind. Química
21. Ind. farmacêuticos e veterinários
22. Perfumaria, sabões velas
23. Ind. Plásticos
24. Ind. Têxtil
25. Ind. Vestuário, calçados, artefatos de tecidos
26. Ind. Alimentos
27. Ind. Bebidas
28. Ind. Fumo
29. Ind. Editorial e gráfica
30. Outras indústrias
31. Indústrias de utilidade pública
32. Ind. Construção civil
40. Agricultura e criação animal
50. Serviços de transporte
51. Serviços de comunicações / Informática
52. Serviços Alojamento e alimentação
53. Serviços de reparação, manutenção e conservação
54. Serviços pessoais
55. Serviços Comerciais
56. Serviços. Diversões
57. Escritórios de gerência e administração
58. Serviços médicos, odontológicos e veterinários
59. Entidades financeiras
60. Comércio atacadista
61. Comércio varejista
63. Comércio, incorporação e administração de imóveis
64. Ensino
65. Serviços domésticos (faxineira, cozinheira, babá)
69. Atividades não especificadas ou não classificadas
70. Cooperativas
80. Fundações e entidades sem fins lucrativos
90. Administração pública direta e autárquica
98. Bicos/Trabalhos não regulares
99. Outros. Especificar___________________________________________

Convênio Cebrap/Finep 128


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

[ATENÇÃO: NO PRIMEIRO EVENTO – OCUPAÇÃO ATUAL – PULAR DIRETO


PARA 34A]

23. Em que estado do país o(a) Sr(a). morava nessa época?


1 AC – Acre 15 PB – Paraíba
2 AL – Alagoas 16 PE – Pernambuco
3 AM – Amazonas 17 PI – Piauí
4 AP – Amapá 18 PR – Paraná
5 BA – Bahia 19 RJ – Rio de Janeiro
6 CE – Ceará 20 RN – Rio Grande do Norte
7 DF – Distrito Federal 21 RO – Rondônia
8 ES – Espírito Santo 22 RR – Roraima
9 GO – Goiás 23 RS – Rio Grande do Sul
10 MA – Maranhão 24 SC – Santa Catarina
11 MG – Minas Gerais 25 SE – Sergipe
12 MS – Mato Grosso do Sul 26 SP – São Paulo
13 MT – Mato Grosso 27 TO – Tocantins
14 PA – Pará 28 EX - Exterior / Em outro país

24. E em qual cidade do estado? - Pergunta Aberta


99 - Exterior / Outro País/ QUAL?________________________

25. Durante o tempo em que exercia essa ocupação, com quem o(a) Sr(a). morava?
1. Sozinho
2. Com os pais
3. Com os amigos
4. Com esposa e/ou filhos
5. Outros parentes. Especificar ______________________________________
6. No local de trabalho
7. Outros. Especificar _________________________

26. Mudou de casa ou de domicílio durante o período de duração dessa ocupação?


1. Sim (Segue)
2. Não (pule para 28)

27. Com quem passou a morar?


1. Sozinho
2. Com os pais
3. Com os amigos
4. Com esposa e/ou filhos
5. Outros parentes. Especificar ________________________
6. No local de trabalho
7. Outros. Especificar ____________________________

28. Quando passou a trabalhar nessa essa ocupação, o(a) Sr(a). estava estudando?
1. Não (pular para pergunta 30)
2. Sim

Convênio Cebrap/Finep 129


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

29. Que ano o(a) Sr(a) estava estudando?


1. Sim, 1ª série 1º grau/primário
2. Sim, 2ª série 1º grau/primário
3. Sim, 3ª série 1º grau/primário
4. Sim, 4ª série 1º grau/primário
5. Sim, 5ª série 1º grau/ 1ª ginásio
6. Sim, 6ª série 1º grau/2ª ginásio
7. Sim, 7ª série 1º grau/3ª ginásio
8. Sim, 8ª série 1º grau/4ª ginásio
9. Sim, 1ª série 2º grau/colegial
10. Sim, 2ª série 2º grau/ colegial
11. Sim, 3ª série 2º grau/colegial
12. Sim, Superior
13. Mobral
14. Cursos técnicos / profissionalizantes
15. Cursos complementares (inglês, informática, música etc.)

30. Qual era a última série concluída naquele momento?


1. 1ª série 1º grau/primário
2. 2ª série 1º grau/primário
3. 3ª série 1º grau/primário
4. 4ª série 1º grau/primário
5. 5ª série 1º grau/ 1ª ginásio
6. 6ª série 1º grau/2ª ginásio
7. 7ª série 1º grau/3ª ginásio
8. 8ª série 1º grau/4ª ginásio
9. 1ª série 2º grau/colegial
10. 2ª série 2º grau/ colegial
11. 3ª série 2º grau/colegial
12. Pelo menos a 1ª do Superior
13. Superior completo
14. Nenhuma/Mobral

(Somente para quem respondeu não na pergunta 28)


31. Enquanto trabalhava nesta ocupação o Sr(a) retomou os estudos ?
1. Sim
2. Não (Pular para a pergunta 33)

Convênio Cebrap/Finep 130


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

32. Até que série concluiu?


1. 1ª série 1º grau/primário
2. 2ª série 1º grau/primário
3. 3ª série 1º grau/primário
4. 4ª série 1º grau/primário
5. 5ª série 1º grau/ 1ª ginásio
6. 6ª série 1º grau/2ª ginásio
7. 7ª série 1º grau/3ª ginásio
8. 8ª série 1º grau/4ª ginásio
9. 1ª série 2º grau/colegial
10. 2ª série 2º grau/ colegial
11. 3ª série 2º grau/colegial
12. Uma ou algumas séries do Superior sem chegar ao diploma
13. Superior completo
14. Nenhuma

(somente para quem respondeu não na pergunta 31)


33. Não continuou estudando, por quê?
01. Não, por incompatibilidade com o trabalho
02. Não, por decisão pessoal
03. Não, outra razão / motivo. Especificar ____________________

34 Nesta ocupação o Sr(a) era:


1. recebia salário e tinha carteira assinada
2. recebia salário, mas não tinha carteira assinada
3. era funcionário público concurso, estável
4. era funcionário público celetista, com carteira assinada
5. era autônomo, prestava serviços mas não tinha vínculo com a empresa
6. Conta própria, dono do próprio negócio – (pular para a 36)
7. Serviços domésticos (diarista, mensalista, etc.) (pular para a 37)

35. Mais ou menos quantas pessoas trabalhavam no mesmo estabelecimento?


1. até 5 pessoas
2. De 06 até 10
3. De 11 até 20
4. De 21 até 50
5. De 51 até 100
6. De 101 a 200
7. De 201 a 500
8. mais de 500

Convênio Cebrap/Finep 131


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Somente para quem respondeu 6 –“conta própria/Dono do próprio negócio” na


pergunta 34

36. Nessa atividade o Sr(a):


1. trabalhava sozinho ou com sócio(s), por conta própria, utilizando máquina, instrumento ou
ferramentas próprias

2. trabalhava sozinho ou com sócio(s), por conta própria, utilizando máquina, instrumento ou
ferramentas de outras pessoas

3. trabalhava, por conta própria, utilizando máquina, instrumento ou ferramentas próprias e


tinha empregados ou ajudantes.

4. trabalhava sozinho ou com sócio(s), por conta própria, utilizando máquina, instrumento ou
ferramentas de outras pessoas e tinha empregados ou ajudantes.

37. Nesta ocupação, o(a) Sr(a). comandava/chefiava outras pessoas, quantas?


1. Não
2. Sim. Quantas? ___________

38. Quantas horas mais ou menos o(a) Sr(a) trabalhava por semana?
Informe as horas semanais. _____________________

39. E de que forma o(a) Sr(a). era remunerado?

A. Assalariados/ Domésticos:
1. Por Hora
2. Por dia
3. Por semana
4. Por mês
5. Por produção/peça
6. Por tarefa
7. Sem remuneração
9. Outras formas. Especificar _______________________

B: Conta-Própria/ autônomos e empregadores


10. Por serviço/ produto/ venda de produto
11. Por empreitada/ tarefa
12. Por tempo (hora, dia, semana etc.)
13. Com os lucros do negócio
14. Sem remuneração
15. Outras formas. Especificar __________________

Convênio Cebrap/Finep 132


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

40. Além do(a) Sr(a), quem mais contribuía para a renda da casa?
(Se o entrevistado não teve renda, perguntar: Quem contribuía para a renda da casa?)
0. Ninguém (pule a próxima)
1. Esposa/esposo
2. Pais
3. Filhos
4. Outros parentes.
5. Outros. Especificar __________________________________

( Somente a partir do segundo evento )


41. Considerando a sua renda nesta ocupação e somando tudo o que as pessoas que
moravam com o(a) Sr(a). ganhavam, o(a) Sr(a). diria que seus rendimentos
representavam:
1. A maior parte da renda da casa
2. Mais ou menos a metade da renda da casa
3. A menor parte da renda da casa
4. Nessa ocupação não era remunerado

42. Como o(a) Sr(a). ficou sabendo deste trabalho? (MÚLTIPLA)


1. Agência de emprego
2. Anúncio em jornal
3. Tabuleta na porta da empresa
4. Escola/curso de treinamento
5. Sindicato (amigos, boletim, diretor)
6. Associação de bairro, religiosa, desportiva, etc.
7. Indicação de amigos
8. Indicação de familiares
9 Outras. Especificar _____________________

43. Quanto tempo o(a) Sr(a). esteve procurando trabalho até conseguir esta ocupação?
Anos________ / Meses________

(Para donos do próprio negócio e/ou conta-própria pula para 55)


44. Para conseguir este emprego, havia exigências de Escolaridade mínima?. Se sim, qual?
1. Primário completo
2. Ginásio completo
3. Ginásio técnico completo
4 Colegial completo
5. Colegial técnico completo
6. Superior completo ou mais
7. Não havia exigências de escolaridade mínima

Convênio Cebrap/Finep 133


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

45. Para conseguir este emprego, havia exigências de formação profissional específica?
1. Não havia exigências de formação profissional específica
1. Sim

46. Para conseguir este emprego, havia exigências de experiência profissional anterior
específica?
1. Não havia exigências de experiência profissional anterior específica
2. Sim, havia

47. Para conseguir este emprego, havia exigências de carta de referência?.


1. Não havia exigências de carta de referência
2. Sim, havia.

48. Para conseguir este emprego, havia exigências de atestado de antecedentes criminais?.
1. Não havia exigências de atestado de antecedentes criminais
2. Sim, havia.

49. Para conseguir este emprego, havia limite de idade?. Se sim, de quantos?
1. Não havia limite de idade
2. Sim, havia. Especificar de quantos anos ________________

50. Para conseguir este emprego, havia exigências de boa aparência?.


1. Não havia exigências de boa aparência
2. Sim, havia.

51. Para arranjar este trabalho o Sr. teve que realizar algum tipo de Concurso/prova de
conhecimentos gerais?
1. Não
2. Sim

52. Para arranjar este trabalho o Sr. teve que realizar algum tipo de Concurso/prova de
conhecimentos específicos para a função?
1. Não
2. Sim

53. Para arranjar este trabalho o Sr. teve que passar por alguma entrevista?
1. Não
2. Sim

54. Para arranjar este trabalho o Sr. necessitou de ajuda ou indicação de pessoas ligadas à
empresa/empregador/cliente ou com contatos lá dentro?
1. Não
2. Sim

Convênio Cebrap/Finep 134


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

(PARA O PRIMEIRO EVENTO: SE ESTIVER TRABALHANDO PULAR PARA 77)

55. Em que ano o(a) Sr(a). deixou de exercer esta ocupação/saiu deste emprego?
Especificar o ano. _________________

56. Em que mês do ano o(a) Sr(a). deixou de exercer esta ocupação/saiu deste emprego?
Especificar o mês. _________________

57. Neste momento, o(a) Sr(a). exercia a mesma função / realizava o mesmo trabalho que
quando entrou?
1. Sim. (Pular para a pergunta 60)
2. Não.

58. Por favor, descreva o que fazia antes de sair.


_______________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________

59. Por quê o(a) Sr(a). deixou este trabalho?


1. Foi demitido
2. Pediu demissão/pediu para ser demitido/fez acordo
3. Aposentou-se
4. Acidente de trabalho ou doença profissional
5. Arranjou ocupação/emprego melhor
6. Mudou o local de residência
7. Por razões de saúde não relacionadas ao trabalho
8. Gravidez/ cuidar dos filhos/ pais ou parentes
9. Por que estava insatisfeito com o trabalho/ocupação
10. outros motivos. Especificar ___________________

60. Ao sair, o(a) Sr(a). tinha outra ocupação em vista?


1. Sim
2. Não (Pular para pergunta 63)

Convênio Cebrap/Finep 135


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

61. Conseguiu se colocar nesta ocupação?


1. Sim imediatamente (até 1 mês) VÁ PARA A PERGUNTA 20 E COMECE UM NOVO
EVENTO
2. Sim, depois de algum tempo (mais de 1 mês, segue)
2. Não (segue)

62. Por quanto tempo o(a) Sr(a). ficou sem uma atividade regular?
digite os meses. _________________
(se o entrevistado responder em dias arredondar para meses)

63. Como o(a) Sr(a). fez para se manter neste período? - MÚLTIPLA
1. Seguro desemprego
2. Com o que recebeu ao sair do emprego anterior
3. Poupança, patrimônio próprio
4. Trabalho da esposa/esposo
5. Trabalho de outros membros da família (inclusive filhos)
6. Ajuda de parentes (fora do domicílio)
7. Ajuda de amigos
8. Entidades de assistência social (igreja etc.)
9. Fazendo bicos
10. Através de empréstimos em bancos ou similares
11 Outros.

64. Procurou trabalho neste período?


1. Sim
2. Não (pular para pergunta 66)

65. Como o(a) Sr(a). procurava trabalho? MÚLTIPLA


1. Em agências de emprego
2. Através de anúncios em jornal
3. Indo às empresas/ empregadores
4. No sindicato (amigos, boletim, diretor)
5. Em associações de bairro, religiosas, desportivas, etc. (amigos, boletim, dirigentes,
padre/pastor etc.)
6. Perguntado a amigos
7. Recorrendo a familiares
8 Outras: descrever _______________________________________

66. Durante este período, o(a) Sr(a).


1. Retornou aos estudos
2. Fez algum curso de aperfeiçoamento profissional relacionado com o emprego anterior
1. Fez algum curso de aperfeiçoamento profissional relacionado com o emprego pretendido
2. Não retomou os estudos

67. Neste período em que esteve desempregado, o(a) Sr(a). exerceu algum tipo de atividade
remunerada, mesmo que apenas eventualmente?
1. Sim. (prossiga)
2. Não. (Pular para 77)

68. Quantas atividades o(a) Sr(a) exerceu nesse período de desemprego?

Convênio Cebrap/Finep 136


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

1. Uma.
2. Mais de uma. Especificar quantas __________________________

69. Descreva esta(s) atividade(s).


______________________________________________________________
______________________________________________________________

70. Destas atividades, qual delas o(a) Sr(a). diria que era a mais importante, levando em
conta o tempo que Sr(a). se dedicava e o que recebia? (Esta pergunta só é respondida por
quem respondeu a opção 2 da pergunta 68).
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________

71. Onde o(a) Sr(a). desempenhava esta atividade?


1. No próprio domicílio
2. No domicílio de outros.
3. Em estabelecimento (loja, fábrica, oficina etc.)
4. Em lugares públicos (rua, praia, praça etc.)
5. Outros. Especificar _______________________________________

72. No desempenho desta atividade, o(a) Sr(a).:


1. Trabalhava sozinho/ por conta própria recebendo diretamente dos clientes/fregueses
2. Trabalhava ajudando outra(s) pessoa(s) que lhe pagavam
3. Trabalhava por conta própria auxiliado por outras pessoas a quem o(a) Sr(a). pagava
4. Trabalhava por conta própria auxiliado por parentes ou amigos que não eram remunerados.

73. Quantas horas por semana o(a) Sr(a). gastava com essas atividades?
1. Informe as horas semanais. _____________

74. Como o(a) Sr(a). era pago?


1. Por hora
2. Por dia
3. Por semana
3. Por mês
4. Por produção/peça
5. Por tarefa/serviço prestado
6. Sem regularidade na remuneração
7. Outros: especificar. _______________________________________

75. Naquele período, além do(a) Sr(a)., quem mais contribuía para a renda da casa?
1. Esposa / esposo
2. Pais
3. Filhos
4. Outros parentes. Especificar ____________________
5. Outros. Especificar ___________________________
6. Ninguém (Vá para a 77 - RETOMADA)

Convênio Cebrap/Finep 137


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

76. Considerando a sua renda naquele período e somando tudo o que as pessoas que
moravam com o(a) Sr(a). ganhavam, o(a) Sr(a). diria que seus rendimentos
representavam:
1. Toda a renda da casa
2. A maior parte da renda da casa
3. Mais ou menos a metade da renda da casa
4. A menor parte da renda
5. Outras proporções. Especificar _____________________

RETOMADA: - (gancho para o próximo evento)

77. Antes deste emprego/ocupação qual foi seu trabalho anterior? [RECUAR
APENAS ATÉ O INÍCIO DA OCUPAÇÃO QUE O INDIVÍDUO EXERCIA EM 1989]

NOVA OCUPAÇÃO

VOLTE PARA A PERGUNTA 20 E COMECE UM NOVO EVENTO

DEPOIS QUE A VIDA PROFISSIONAL TIVER TERMINADO, FAÇA


AS PERGUNTAS ABAIXO:

78. Como o Sr. se definiria em termos de “cor” ou “raça”? (ABERTA).


_______________________________________________________________

79. E se usarmos a classificação oficial do Censo do IBGE, como o Sr. identificaria a sua
cor ou raça neste cartão?
1. Branca;
2. Preta;
3. Amarela;
4. Indígena;
5. Parda.

80. Para encerrar, o Sr(a) poderia informar o nº da sua inscrição no PIS [ESSA
INFORMAÇÃO SE ENCONTRA NA CARTEIRA PROFISSIONAL]:
_______________________

Convênio Cebrap/Finep 138


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

ENTREVISTADOR
Entrevistador:
Nº de sorteio da rua:
Nº de ordem do domicílio:
Nº de domicílios contados até achar metalúrgico ou ex-metalúrgico:
Data da entrevista:
Hora da entrevista:

ENTREVISTADO (anotar apenas no final da entrevista, para que não


haja recusa por causa da identificação).

Nome Completo do entrevistado:


Endereço:
Telefone(s) para eventual checagem da entrevista:

Convênio Cebrap/Finep 139


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

ANEXO
89
NOTA TÉCNICA SOBRE O SURVEY COM METALÚRGICOS EM DIADEMA

Apresentação

Foi solicitado à Brasmarket, empresa especializada em pesquisas sociais, a


realização de do trabalho de campo relativo ao survey com trabalhadores
metalúrgicos e ex-metalúrgicos, residentes no município de Diadema, para um es-
tudo sobre trajetórias profissionais. O questionário apresentado pelo Cebrap envol-
via 84 questões (incluindo os filtros) e cerca de 70 dessas perguntas seriam feitas
em média três vezes para cada entrevista.
Como é fácil de perceber, tal estudo apresenta dificuldades que foram su-
peradas durante a preparação do campo, mas dada à novidade da experiência des-
te tipo de survey para os que coordenaram o campo, algumas decisões tidas como
razoáveis à época do estudo podem ser revistas em trabalhos posteriores, em espe-
cial o procedimento de seleção da amostra. Por esta razão, todos os procedimentos
são cuidadosamente relatados neste anexo ao Capítulo 5, de modo a dar ao Leitor
melhores condições de crítica dos dados nele utilizados e de avaliação sobre as
condições ou chances de replicação de um estudo similar.

89. Esta nota técnica foi especialmente preparada por Paulo Henrique da SILVA para o relatório final do Projeto, em
dezembro de 2000.

Convênio Cebrap/Finep 140


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

MAPA1
BAIRROS DE DIADEMA SEGUNDO IBGE

GRANDE SÃO PAULO

C
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Convênio Cebrap/Finep 141


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Amostra

A preparação da amostra ficou a cargo de Ricardo Martins, pesquisador da


Brasmarket, que também ficou como responsável geral pelo campo, de modo a pro-
mover as alterações no plano original que se fizessem necessárias.
Deparamo-nos com uma fraca base de informações sobre a distribuição e a
composição da população em estudo. Com base na Rais, podemos caracterizar os
metalúrgicos de Diadema em um dado momento no tempo, mas temos dificuldades
de fazer essa caracterização para os indivíduos que um dia foram metalúrgicos dentro
do período em estudo.
As informações disponíveis estavam agregadas para todo o município e com
base nelas não tínhamos como saber a distribuição dos metalúrgicos segundo as regi-
ões da cidade e se havia alguma diferença na caracterização desses indivíduos entre
os moradores dos diversos bairros.
A solução encontrada para tornar o mais aleatória possível a seleção dos en-
trevistados foi um sorteio das ruas de Diadema e já no campo verificar a existência de
indivíduos com o perfil desejado.
De um total de 1.149 ruas foram sorteadas 200 nas quais deveriam ser feitas
duas entrevistas por rua e um lote de outras 100 ruas para a reposição daquelas que
não moravam metalúrgicos ou ex-metalúrgicos.

Convênio Cebrap/Finep 142


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

MAPA 2
RUAS SORTEADAS

Embora tenhamos seguido esse procedimento da forma mais estrita possível, ele apresen-
tou problemas, dentre os quais destacamos:

Ruas
Ruas Sorteadas
Sorteadas

Amostra
Reposição

Convênio Cebrap/Finep 143


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

a. A inexistência de indivíduos com o perfil na rua selecionada e na de reposição. Esse


problema não foi tão grave abrangendo principalmente o bairro de Inamar;
b. A rua sorteada não era residencial. Esse problema foi bastante grave e responsável pela
maior parte das substituições de ruas durante o campo;
c. Um grande número de ruas não incluídas no sorteio por não fazerem parte da malha
digital de Diadema disponível no momento da pesquisa.
A distribuição assim obtida está razoavelmente dispersa pelo território de Diadema, mas
apresenta alguma discrepância com relação à população total dos bairros, mas é claro que a popu-
lação do estudo – metalúrgicos e ex-metalúrgicos – não se distribui necessariamente da mesma
forma que a população em geral.

Tabela 1 – Distribuição da população e das Entrevistas por Bairro

POPULAÇÃO Sexo
Total% Masculino Feminino
TOTAL (%)
N % N %
Campanario 29.186 9,03 9,93 34 9,3% 7 14,6%
Canhema 20.079 6,21 8,23 33 9,0% 1 2,1%
Casagrande 31.676 9,80 3,15 11 3,0% 2 4,2%
Distrito Centro 39.003 12,07 7,75 30 8,2% 2 4,2%
Conceição 31.059 9,61 12,35 44 12,1% 7 14,6%
STRITO Eldorado 31.372 9,71 5,57 21 5,8% 2 4,2%
Inamar 20.412 6,32 0,24 1 ,3%
Piraporinha 20.110 6,22 2,18 8 2,2% 1 2,1%
Serraria 22.432 6,94 1,94 7 1,9% 1 2,1%
Taboão 46.846 14,50 22,76 84 23,0% 10 20,8%
Vila Nogueira 30.941 9,58 25,91 92 25,2% 15 31,3%
Fonte: IBGE– Contagem 1996 e Survey

Tabela 2 – Renda Média dos Entrevistados por Bairro

Renda em
Distrito
Reais

Campanário 812,56
Canhema 1.143,08
Casa Grande 1.127,00
Centro 970,81
Conceição 1.049,85
Eldorado 684,24
Piraporinha 602,17
Serraria 1.197,14
Taboão 1.212,64
Vila Nogueira 854,91
Total 988,61
Fonte: Survey

Convênio Cebrap/Finep 144


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

MAPA 3
DISTRIBUIÇÃO DOS ENTREVISTADOS

 
  

  
 
   
 
        

 
 


  

  

    
 


  
    

 
   






    

   
 
     
    

 
   
    
 

    
      
   

 

 
 
  

 






  
 



 


 
 
  

 

 
 
 

  
   

 
 
 

 
 
 

 

 
  

 



 
   
  
   
   

 

 
   
    


  
 


 


 
 





Endereço do Entrevistado
 por Sexo



 
Homens (367)
Mulheres (48)

 
  

 




BAIRRO


 


Segundo População

40.100 a 46.900
33.400 a 40.100
1 2
26.700 a 33.400
0

kilometers 20.000 a 26.700

Convênio Cebrap/Finep 145


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Equipe e Treinamento

A equipe de campo foi composta por vinte entrevistadores três supervisores de campo e
um supervisor geral, além de um membro da equipe do Cebrap que acompanhou o processo. Nem
todos os entrevistadores trabalharam durante todo o período de coleta.
O treinamento foi realizado durou três dias em quatro períodos de quatro horas cada.
1. No primeiro dia foi feita uma apresentação do questionário, do material de coleta dos dados e
descrição do procedimento de entrevista. Neste momento as principais dificuldades foram:
- A definição precisa do que seria um evento e o que seria uma atividade apenas eventu-
al
- Classificação dos ramos de atividade, principalmente a distinção entre industrias mecâ-
nica, metalúrgica e material de transporte; têxtil e vestuário; madeira e mobiliário.
- Alguns saltos do questionário que não estavam bem descritos na versão apresentada
aos entrevistadores.
2. No segundo dia foram solucionadas algumas dúvidas pendentes do dia anterior principalmen-
te quanto ao momento de iniciar um novo evento e na hipótese de novos eventos surgirem
durante a entrevista. Também forma feitas simulações com os entrevistados aplicando o ques-
tionário uns aos outros (por sorte todos tinham um número grande de eventos a descrever).
3. No terceiro e último dia no período da manhã forma feitas novas simulações que transcorre-
ram com maior fluidez que no dia anterior. No período da tarde a equipe foi até Diadema onde
foram realizadas algumas entrevistas para verificar o tempo médio e cada entrevistas e as
dificuldades em campo, para agilizar o procedimento e aumentar o número de entrevistas
foram entrevistadas quaisquer pessoas que tenha trabalhado com carteira assinada no período
de 89 a 99 sem a preocupação de selecionar os metalúrgicos. Foram feitas dez entrevistas em
três regiões da cidade. No local foram discutidas as dificuldades encontradas.

Material e Procedimento

Os entrevistadores iam a campo com um questionário, uma planilha para o acompanha-


mento dos eventos, uma planilha para a coleta dos dados e um disco para a classificação da cor do
entrevistado. Os supervisores possuíam um mapa geral de Diadema e um mapa da região onde
seriam feitas as entrevistas ambos em formato A3 com anotação das ruas sorteadas.
As equipes compostas por cinco entrevistadores e um supervisor eram distribuídas pela
cidade em áreas previamente selecionadas numa reunião pela manhã. Ao chegar numa rua sorteada
o entrevistador ia de porta em porta procurando por pessoas dentro do perfil, em 50% das ruas o
entrevistador começava pelo centro da rua e caminhava para uma das suas extremidades e nos
outros 50% a procura era iniciada por alguma das extremidades.

Convênio Cebrap/Finep 146


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

O supervisor geral, que também foi o responsável pela amostra circulava entre as
equipes durante o dia acompanhando o desenvolvimento dos trabalhos e indicando a necessidade
de inclusão de ruas não sorteadas e socializando os problemas encontrados pelas equipes.
Quando um domicílio era selecionado o entrevistador recolhia em primeiro lugar a lista dos
eventos na planilha de acompanhamento em quase todos os casos o entrevistado estava com a
Carteira de Trabalho à mão facilitando o trabalho; para cada evento da planilha a parte pertinente
do questionário era aplicada e os dados passados para a planilha de dados.
Imediatamente após o fim a entrevista o material coletado era entregue ao coordenador da
equipe que conferia o tempo gasto no entrevista, o correto preenchimento de todos os relatórios
(planilha de dados e planilha de acompanhamento dos eventos) e anotava qualquer ocorrência
anômala que não fora discutida nas reuniões anteriores. Os problemas que surgiam eram discuti-
dos com todos os coordenadores e entrevistadores ao final do dia.

Duração do trabalho de campo

O trabalho de campo foi executado entre os dias 12 e 23 de dezembro de 1999. Essa etapa
durou quatro dias a mais do que o previsto. Inicialmente pretendíamos encerrar os trabalhos no
segundo fim de semana do campo (19 e 18 de dezembro), mas a baixa produtividade nos primei-
ros dias forçou a ampliação do prazo até o dia 23.

Transcrição das planilhas

As planilhas de dados foram digitadas na sede da Brasmarket por quatro digitadores du-
rante cinco dias, durante meio período em cada dia um dos digitadores se dedicava a conferir a
digitação da manhã e da tarde anterior. No último dia cerca de um terço das entrevistas foram
conferidas por um dos digitadores.

Informações básicas relativas aos levantamentos de campo 1 e 2

Seguem-se as informações básicas relativas aos levantamentos de dados efetuados: o pri-


meiro deles em dezembro de 1997 e o segundo em dezembro de 1999; este último – pelo qual
iniciamos a listagem, forneceu o material empírico utilizado nas análises relatadas no Capítulo 5.

Convênio Cebrap/Finep 147


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

INFORMAÇÕES RELATIVAS AO SEGUNDO LEVANTAMENTO DE CAMPO DE


DEZEMBRO DE 1999

RUAS SORTEADAS 1

ACESSO A USINA DE COMPOSTAGEM R BERLIM


AV AGUA FUNDA R BERNARDO GUIMARAES
AV ALMIRO SENA RAMOS R BERNARDO LOBO
AV ANTONIO MARINO R BEZERRA DE MENEZES
AV ANTONIO PIRANGA R BITUVA
AV ANTONIO SYLVIO CUNHA BUENO R BRUNO SPINOSA
AV BRASILIA R CACAO
AV DA ENCARNACAO R CALANGO
AV DAS NACOES R CALCARIO
AV FAGUNDES DE OLIVEIRA R CANARIO
AV FREI AMBROSIO OLIVEIRA LUZ R CARAPICU
AV FUKUICHI NAKATA R CARLOS GOMES
AV HENRIQUE DE LEO R CARLOS SPERA
AV MARIO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE R CARLOS WEBER
AV PIRAMIDE R CENTAURO
AV ROBERTO GORDON R CHILE
AV SAO JOSE R CIDADE DE MAUA
AV TORO R CIDADE DE RIBEIRAO PIRES
AV VISCONDE DE RIO BRANCO R CINCO
EST DE BAIXO R COM JANUARIO DA C BARBOSA
EST PARTICULAR R CRISTOVAO COLOMBO
EST REVENCAR R DANIEL SIPIONI POLVERINI
PASS PADRE ANTONIO HADDAD R DAS JABUTICABEIRAS
R AIRUOCA R DAS PALMAS
R ALFENAS R DAS PALMEIRAS
R ALTAIR R DAS PITANGUEIRAS
R ALZIRA R DAS SERINGUEIRAS
R ANA MARIA R DELTA
R ANA MIRANDA R DEPUTADO EMILIO CARLOS
R ANITA MAFALTI R DJALMA B COSTA
R ANTONIETA MERCEDES CAMPAGNA R DO PROGRESSO
R ANTONIO CARLOS LUZ R DO VEREADOR
R ANTONIO PALOMBO R DOLOMITA
R ANTONIO PEDROZELLI R DONA MARIA LEITE
R ANTONIO QUINTINO ARANTES R DOS BOTOCUDOS
R ANTONIO SANCHES MORENO R DOS CARIRIS
R APAIARI R DOS CRISANTEMOS
R ARABAIANA R DOS MIOSOTIS
R ARACARI R DOS SIGNOS
R ARACI R DR CANDIDO FONTOURA
R ARARUAMA R DR JOSE DE MASCARENHAS
R ARTHUR ALVES PEREIRA R EDUARDO W BUTLER
R ARTUR BERNARDES R EL SALVADOR
R AUSTRIA R EMIR MACEDO NOGUEIRA
R BAHIA R FERNANDO MARTINES
R BARAO DE MARAJO R FRANCISCO JANETTA
R BEBEDOURO R GAL RODON
R BELEM R GOIAS
R BENEDITO FERNANDES R GUARICANCA

Convênio Cebrap/Finep 148


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

RUAS SORTEADAS 1 (cont.)


R HAYA R PURUS
R IGARAPE R QUINTINO BOCAIUVA
R IGUAPE R RECIFE
R IGUASSU R RENATO BARBOSA
R IMARES R RIGEL
R IOTA R SALGADO DE CASTRO
R ITU R SANTA BERNADETE
R JARUPA R SANTA EFIGENIA
R JOAO CORREA DE SA R SANTA EUNICE
R JOAO RAMALHO R SANTA HELENA
R JOAO THEODORO GINESI R SANTA IZABEL
R JOAQUIM GONCALVES LEDO R SANTA JOANA DARC
R JOHANN KUZULITZ R SAO FRANCISCO DE ASSIS
R JOSE CARVALHO DA CRUZ R SAO GABRIEL
R JULIO DANTAS R SAO JOAQUIM
R JURUBATUBA R SAO RAFAEL
R KARL MARX R SCHUBERT
R KORAJAS R SEBASTIAO A BENANI
R LAZARA QUEIROS LIMA R SEBASTIAO BARBOSA OLIVEIRA
R LIRA R SERGIO LUIZ
R LISBOA R SERRA DA BORBOREMA
R LOUIS PASTEUR R SERRA DA MANGABEIRA
R MACAHUBA R SERRA DAS VERTENTES
R MANAUS R SETE
R MAR ADRIATICO R SETE DE SETEMBRO
R MAR MEDITERRANEO R SONIA MARIA
R MARCO ANTONIO R SORVEIRA
R MARIA DE LOURDES R TAQUARI
R MARTIM AFONSO R THOME DE SOUZA
R MOEMA R TIGUASSU
R NAVAL R TILIA
R OCUPACAO R TUPA
R OITO DE OUTUBRO R TUPINAMBAS
R OLIVEIRA CRUZ R TURMALINAS
R OSVALDO DE OLIVEIRA R UIRAPURU
R OUTONO R VERDI
R PADRE BENTO DIAS PACHECO R VEREADOR RUBENS OLIVEIRA
R PADRE DAMIAO E TUCANO R VERIM
R PADRE INACIO SIQUEIRA R VICENTE A ZARA
R PARACATU R VICENTE BELINI
R PARAGUAI R VIENA
R PARAMIRIM R VILSON DUARTE DE SOUZA
R PEDRO LOPES DE SOUZA R VINTE E UM
R PINHEIRO MACHADO R VINTE E UM DE ABRIL
R PORTO RICO R VISCONDE DE TAUNAY
R POTI R VIVALDI
R PRES BERNARDES R WAGNER
R PRES VARGAS TV ARAPANES
R PROCION VE ANTONIO JOAQUIM
R PROF RUBENS OSCAR GUELLI VE BOLOIDAS
R PUCCINI VE PERNAMBUCO

Convênio Cebrap/Finep 149


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

RUAS SORTEADAS 2 – REPOSIÇÃO

AV CASA GRANDE R EVARISTO FERREIRA DA VEIGA


AV CENTRAL R FOMALHATI
AV CONCEICAO R FRANCISCO M DA SILVA
AV FERRAZ ALVIM R FREI CANECA
AV FUNDIBEM R GAMA
AV MARILIA R GETULIO VARGAS
AV NOSSA SENHORA DOS NAVEGANTES R GUILHERME AUGUSTO
AV PAPAIZ R HEROINA N DE MELO
AV PRESTES MAIA R INDAIA
EST DO ALVARENGA R INGLATERRA
MARGINAL DOS MONTEIROS R JEQUITIBAS
PASS FREI DAMIAO R JOAO FERNANDES DE OLIVEIRA
R ABAETE R JOSE CARNEIRO CAMPOS
R ALBATROZ R LIMA BARRETO
R AMERICO VESPUCIO R MAL JUAREZ TAVORA
R ANITA R MARIO DAVELLI
R ANTONIO PADULA R MODESTO ALVARES DIAS
R ARAPONGAS R MONTEVIDEO
R ARARANGUA R NAGASAKI
R ARMELIM A F COUTINHO R OSAKA
R ASPILCUETA NAVARRO R PADRE MARCELINO CHAMPAGNAT
R BACH R PAES LEME
R BAEPENDY R PAGEU
R BAGRE R PEDRO AMERICO
R BAIACU R PLINIO SALGADO
R BANDEIRANTES R POTIRA
R BARAO DE CAMARAJIBE R PURUBORAS
R BARAO DE COTEGIPE R SANTO IVO
R BARAO DE GUARAPUAVA R SAO FRANCISCO DE SALLES
R BILAC R SAO PAULO
R CAMARAO R SAPUCAIA
R CARAMUJO R SEBASTIAO FERREIRA LEITE
R CARAPEBA R SERRA ACARAI
R CARMINE R REG FEIJO R SERRA DE JARAGUA
R CAVIUNA R SETE DE ABRIL
R CIRENAICA R TIBIRICA
R COTOVIA R UMUARAMA
R CRISTOVAO JAQUES R VALENTIN DA FONSECA
R DAS MACIEIRAS R VENEZUELA
R DAS PEROLAS R VENUS
R DO SOL R VEREADOR JOAO G LIMA
R DO VERAO R VINTE E CINCO DE MAIO
R DOM JOAQUIM NAZARE R VIRGINIA
R DOM MARCOS DE NORONHA R VITAL BRASIL
R DONA DIVINA PEREIRA CHAVES TV ARARAS
R DOS IPES TV BEM TE VI
R DOS MIRANDAS TV ERICO VERISSIMO
R DR MANOEL DE ABREU TV FELIX
R ERICO VERISSIMO TV GERVADO
R ESPIGA VE MATO GROSSO

Convênio Cebrap/Finep 150


PLANILHA PARA ACOMPANHAMENTO DOS EVENTOS
(amostra)

Convênio Cebrap/Finep
O Sr(a). Poderia dizer quais foram as suas ocupações profissionais nesses últimos dez anos, começando
pelo presente ?
Estamos interessados tanto nos empregos regulares que o Sr(a). teve, como também nas ocupações
eventuais ou mesmo nos períodos em que o Sr(a). esteve desempregado.
Início Final
N.º Evento Duração
Mês Ano Mês Ano
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

151
MAPA4
AMOSTRA DE MAPA DE REGIÃO PARA OS COORDENADORES

IIIIRIIR
LLLIIIAIIAA

M
AAATTTTT

MMM
B
BB
BB
BAA SIIILIILL AAA
PPPA
SSS U
UU

AAAAAAM
A
AAS R
RRUUPPP

RR
A
AA RRU

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RRR
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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

CARTÃO PARA CLASSIFICAÇÃO DE COR (Pergunta 79)

DADOS DA CARTA DIGITAL DE DIADEMA UTILIZADA PARA O SORTEIO DE RUAS


E NA ANÁLISE DA DISPERSÃO DOS PONTOS

FICHA TÉCNICA
BASE: DIADEMA
DIGITALIZAÇÃO: PLANIMETRICA
NÍVEIS DIGTALIZADOS: EIXO,FUNDO,HIDROGRAFIA,PONTOS
NOTÁVEIS,PRAÇAS,TEXTO DE BAIRROS
FONTE: EMPLASA
ESCALA: 1:10.000
TIPO DE LEVANTAMENTO: AEROFOTOGAMÉTRICO
ANO: 1992
SISTEMA DE PROJEÇAO: UTM
DATUM VERTICAL:
DATUM HORIZONTAL: CÓRREGO ALEGRE
MERIDIANO CENTRAL: 45 W
PONTOS DE CONTROLE: GEOREFERENCIADO (GRID NA CARTA)
ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO:
FONTE ULTIMA ATUAL.: PREFEITURA
NUMERAÇÃO: LISTA TELEFÔNICA - 1997
Fonte:

Convênio Cebrap/Finep 153


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

INFORMAÇÕES RELATIVAS À PRIMEIRA VERSÃO DO LEVANTAMENTO DE CAMPO


DEZEMBRO DE 1997

DISTRIBUIÇÃO DAS ENTREVISTAS EM DIADEMA

Método: sorteio de ruas com rastreamento de entrevistados segundo filtro “A”


Quotas: 30% de mulheres (para obter nº suficiente de casos para análise por gênero)
Nº de ruas sorteadas: 100
Orientação para o rastreamento:
i. máximo de 04 entrevistas por rua
ii. apenas uma entrevista por domicílio

Quadro geral da distribuição


Região Bairros % eleitorado* Entrevistas Total Entr. Acréscimo
H-70% M-30%
Campanário 25 11
1 Norte Taboão, 27 25 11 108 6
Cantema 25 11
2 Leste V. Nogueira 36 15 5
Casagrande 25 35 14 100
3 Sul Eldorado 15 42 18 60 4
Conceição 10 4
4 Oeste Serraria 11 9 5 42 2
Inamar 9 5
5 Centro Centro 22 64 26 90 6
Total 100 280 120 400 23
* Fonte: Instituto Diadema de Estudos Municipais (Censo econômico municipal – 1995, TRE-1996).

Convênio Cebrap/Finep 154


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

(No final do campo foram acrescentadas 23 entrevistas, visando aumentar nº de ativos na amostra)

DETALHAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO

Foram sorteadas duas amostras de 100 ruas. Parte dessas ruas não foram sorteadas na
carta digital, porque ela não traz zonas de ocupação/urbanização mais recentes. Essas ruas (ruas,
vielas, travessas, etc) foram definidas aleatoriamente em campo, mas segundo indicações prévias
do pessoal do Instituto Diadema de Estudos Municipais sobre a localização das “áreas recentes”.
As ruas “sem denominação” sorteadas foram substituídas por ruas adjacentes com deno-
minação.
Como desde logo do início do campo notou-se que 100 ruas seriam pouco, optou-se por
considerar as duas listas como uma só.
A seguir, os mapas e a lista das ruas.

Convênio Cebrap/Finep 155


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

PESQUISA DE TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS

AMOSTRAS DE RUAS DO MUNICÍPIO DE DIADEMA

Município
Município de
de Diadema

1ª Amostra

Convênio Cebrap/Finep 156


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Código Logradouro Código Logradouro

162121 R DOS PESCADORES 161542 R BAGRE


162131 ESTR PEDREIRA ALVARENGA 154747 ESTR DE BAIXO
162154 ESTR SEM DENOMINACAO 154695 R GUAICURUS
161571 R ANEQUIM 161274 AV HENRIQUE DE LEO
161497 R CALAFATE 161254 R EMIR MACEDO NOGUEI
161490 R CACHALOTE 154188 R LIRA
161624 ESTR SEM DENOMINACAO 154985 AV MARGINAL CORREGO DOS MONTEI
161449 AV MARILIA 154494 R VENUS
161310 R TEYUPA 155693 R TOQUIO
161304 R ITAPUA 155665 R COLOMBIA
161601 ESTR SEM DENOMINACAO 156778 R MARTINS FONTES
161593 AV AFRANIO PEIXOTO 155710 R JOAO PAULO I
161598 R MAR DAS FILIPINAS 155637 R PANAMA
161588 R MAR BALTICO 155882 R ARMANDO PINELLI
154127 R ANTONIO DE ALMEIDA SOARES 155901 AV LUIZ CARLOS PRESTES
155285 R ALTINHO ARANTES 157107 R PARAGUACU
153576 R FREI CANECA 155574 R FRANCA
153547 AV DA IDA CERAFI MAGRINI 155563 R IRLANDA
161219 AV CASA GRANDE 155413 AV D JOAO VI
154060 R INCO 155829 R JAU
154312 R BARTOLOMEU DE GUSMAO 155820 R TORQUATO J RODRIGUES
155259 R DOMINGOS AZEVEDO 155060 R AMELIA EUGENIA
155253 R PE INACIO SIQUEIRA 155723 R ORENSE
155523 R DAS PITANGUEIRAS 157126 R JURUA
164075 R JOSE FERREIRA 157149 AV TIETE
154869 R CARLOS GOMES 157148 AV TIETE
155645 R VIENA 155944 R CARANDA
154646 R CARAMURU 158314 PR CARANDA
155584 ROD DOS IMIGRANTES 161704 R MACAHUBA
155343 R VINTE E SETE DE MARCO 157231 R GAIVOTA
161248 R BR DE COTEGIPE 155398 R AURELIO PEREIRA DA SILVA
161819 R S RAFAEL 155352 R ANITA
161791 R S MARCOS 155361 R VINTE E OITO DE SETEMBRO
161788 R LIDIA BLANK 154269 R ANTONIO PADULA
154938 R MANUEL DA NOBREGA 155492 R STA MARTA
155037 R REG FEIJO 155458 R YAMAGATA
161960 R CHARLES GOMES DE FRANCA 155415 AV D JOAO VI
161737 R SA DE MACAE 156749 R GUSTAVO BARROS
155841 AV MARIA LEONOR 153890 R DR MIGUEL COUTO
154406 AV ELDORADO 153659 AV PIRAPORINHA
164825 ROD DOS IMIGRANTES 153634 R CARIRIS
154508 R JUPITER 153682 R JOHANN KUZOLITZ
154225 R BENEDITO FERNANDES 153688 R BARTIRA
161402 R SIRIO 153592 R PE FRANCISCO DE AZEVEDO
161347 R DOS MANACAS 153588 R FREI VICENTE DO SALVADOR
154720 R ARAGUAIA 153861 R SEM DENOMINACAO
154542 R GUARANI 154034 AV CASA GRANDE
154627 ESTR DO PEDREGULHO 154121 R D FERNANDO SARDINHA
161424 R GUAPIRICICA 153612 R MARIA HELENA
161562 R ARAMACA 153589 R FREI VICENTE DO SALVADOR

Convênio Cebrap/Finep 157


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Município
Municípiode
deDiadema

2ª Amostra
( reserva )

Convênio Cebrap/Finep 158


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Código Logradouro Código Logradouro

162118 R SEM DENOMINACAO 154762 LG QUATRO


162119 ESTR MARIA HELENA 154757 R DENISE MORI SANTALUCIA
161622 ESTR SEM DENOMINACAO 154736 R BOROROS
161606 ESTR DOS PEREIRAS 161992 R DO FICO
161460 R GEORGES GABRAIL 154773 R ARMELIN A F COUTINHO
161514 R BIJUPIRA 154766 R UM
161530 R JOAO ANTONIO DE ARAUJO 154833 R LUIZ DE AGASSIS
161617 ESTR SEM DENOMINACAO 154829 AV DR ULYSSES GUIMARAES
155279 R GOIAS 161293 R DOS MIRANDAS
153575 R ANTONIO QUINTINO ARANIES 154215 R AFONSO PENA
161221 AV ELDORADO 154426 PR NSRA DAS GRACAS
161212 R SEM DENOMINACAO 155700 R SEM DENOMINACAO
154142 R PAU DO CAFE 155670 R ESTADOS UNIDOS
154156 R STO ESTEFANO 157165 AV AGUA FUNDA
154257 AV ALBERTO JAFET 155896 AV PRESTES MAIA
155222 R BERNARDO LOBO 155961 R RIO PARDO
155521 R DAS PITANGUEIRAS 157105 R ARARANGUA
156758 R JOAQUIM GONCALVES LEDO 157330 R JURUA
154848 R BILAC 157108 R ITAPICURU
154515 R BILAC 155569 R ESPANHA
155388 RA 155440 R VINTE E CINCO DE DEZEMBRO
161931 R VISC DE TABORAI 155475 R STA BERNADETE
161919 PR ARNALDO FARIA 155826 R JOSE MAGNANI
161923 R GASPAR RICARDO 155719 R ORENSE
161908 R ANGRA DOS REIS 155969 R PURUS
161897 R OSWALDO CRUZ 157331 R SEM DENOMINACAO
155109 R CIDADE DE SUZANO 158309 R CASTANHEIRO
154932 R MANUEL DA NOBREGA 158311 R SEM DENOMINACAO
154948 R ORIENTE MONTI 155381 R NICARAGUA LIBRE
154785 R DO TANQUE 155152 R DOZE DE OUTUBRO
154953 R GRACIOSA 155377 R IAIA
155052 R S LUIS 155330 R CRISTOVAO COLOMBO
155044 R FELIPE CAMARAO 156785 AV ALMIRO SENA RAMOS
155065 R AMELIA EUGENIA 155515 R DAS CEREJEIRAS
155718 R ORENSE 155520 R DAS PITANGUEIRAS
161876 AV ALDA 155486 R STA EUNICE
154900 R ARLINDO BETTIO 155480 R FUJIYAMA
154898 AV SETE DE SETEMBRO 155456 R YAMAGATA
161708 R BAEPENDY 155466 R YOKOHAMA
161258 R VINTE 153870 R NATALINO FABRINI
154915 R CASTRO ALVES 153864 TR ROBERTO
154614 R LEOPOLDO RUSCIOLETTI FRANCA 164100 AV PIRAPORINHA
154608 AV POETA FRANCISCO DAS CHAGAS 153550 AV DA IDA CERAFI MAGRINI
161399 R SEM DENOMINACAO 153651 AV PIRAPORINHA
154543 R GUARANI 154337 R ANDRE VIDAL DE NEGREIROS
154626 R LUIZ ANTONIO VIVEIROS 154037 AV CASA GRANDE
154588 R DA DIVINA P CHAVES 154131 AV CASA GRANDE
161414 R DAS SERINGUEIRAS 154122 R FREI HENRIQUE SOARES
162011 R ANEQUIM 153571 R GEORG REXROTH
161967 R CORIFEU DE AZEVEDO

Convênio Cebrap/Finep 159


PARTE III

HORIZONTES

Desafios e possibilidades de construção de uma


nova contratualidade no âmbito das relações de
trabalho no Brasil
Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

CAPÍTULO 6

MOBILIDADE SETORIAL, DIVERSIDADES DE GÊNERO E


ACESSO AO SEGURO-DESEMPREGO
Vicissitudes do trabalho no Brasil dos 9090

INTRODUÇÃO

Os achados até aqui reunidos e apresentados especialmente na Parte II dês te Relatório dedica-
ram-se a identificar e analisar padrões de mobilidade de demitidos da indústria; trabalhadores que
mantiveram um contrato formal de trabalho e o perderam. Mas, poderíamos argumentar,
exatamente por isto eles são especialmente eloqüentes: eles ilustram as vicissitudes do trânsito e
destino dos melhor aquinhoados dentre os assalariados, porque insertos em setores com elevadíssima
formalização e proteção das relações de trabalho, com escolaridade e salários maiores que a média
do mercado. Diríamos, então, explorando o potencial interpretativo desses dados: se os melhor
aquinhoados apresentam destinos tão incertos e tão intensa mobilidade após rompido o vínculo de
trabalho, que lição este achado pode deixar para a discussão dos instrumentos de política pública,
tal como até aqui focalizados?
Na análise que se segue, tomaremos como exemplo um desses instrumentos – o seguro-
desemprego – quiçá um daqueles de maior potencial de proteção para os que rompem vínculos de
trabalho.
É indispensável, veremos na análise que se segue a respeito do programa de seguro-
desemprego, levar em consideração o caráter segmentado e hierarquizado do mercado de tra-
balho brasileiro, segmentação esta que freqüentemente escapa às discussões voltadas à elabora-
ção e implementação dos programas de apoio. A situação de inserção feminina no mercado de
trabalho assume características particularmente desafiadoras, na medida em que assistimos, nesta
última década, em paralelo ao permanente incremento de seu ingresso no mercado, à sobreposição
dos tradicionais fatores de discriminação, associados agora a uma segmentação interna ao pró-
prio grupo de gênero, a justificar uma maior sofisticação tanto na forma de analisar o problema
quanto, e talvez sobretudo, no que diz respeito à formulação de políticas sociais compensatóri-
as. Por isto mesmo, a nossa análise vai perseguir este último ponto de vista ao tomar a aplicação
do seguro-desemprego sistematicamente do ponto de vista das diferenças de acesso entre ho-
mens e mulheres.

90. Este capítulo, na forma em que se apresenta, foi preparado por Alvaro COMIN e Nadya GUIMARÃES, tendo sido
inicialmente discutido no Congresso Internacional da LASA - Latin American Studies Association, no painel sobre
“Reestruturação, desenvolvimento e sustentabilidade na América Latina”, realizado em Miami, em março de 2000.

Convênio Cebrap/Finep 161


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

O seguro-desemprego e a segmentação do mercado de trabalho

Programas institucionais de proteção variam em sua cobertura, no tempo e no espaço, em


função da forma como classificam, nomeiam e reconhecem os que a eles se qualificam enquanto
beneficiários. O “desemprego”e o “desempregado” são noções igualmente sujeitas a tal constru-
ção normativo-institucional, socialmente erigida. De fato, a noção de desemprego sofre importan-
tes alterações no tempo e sua definição tem implicações diretas sobre a avaliação dos programas
que pretendem fazer frente ao problema. Como bem salienta Maurice Comte (1995), neste século
o trabalho assalariado deixa gradualmente de se identificar com a situação de máxima insegurança
(característica dos indivíduos que já não possuem nada além da própria força de trabalho para
vender no mercado) para adquirir o status de direito, ao qual estão ligadas (ainda que apenas
idealmente) uma série de salvaguardas sociais. Com o que o próprio conceito de desemprego,
originalmente associado à desocupação incidental e involuntária daqueles trabalhadores “habitu-
ais”, vai se constituindo também em uma representação social em larga medida desvinculada do
mercado de trabalho strictu sensu e de seus desajustes cíclicos. Modernamente a condição de
desemprego é definida antes de mais nada pelo “desejo” dos indivíduos de exercer alguma ocupa-
ção remunerada que, por qualquer razão, não pode se efetivar. Logo, o rol de personagens que se
incluem sob o rótulo de “desempregados” tende a se tornar muito mais variado.
Nomeando-os então, nos países de primeira industrialização, tradicionalmente o desem-
prego esteve associado à condição transitória de desocupação da força de trabalho primária (ho-
mens, adultos, com ofício definido, já inseridos no mercado de trabalho). Em conformidade, o
seguro-desemprego operou de início fundamentalmente como política anti-cíclica, visando preser-
var a estabilidade do mercado de trabalho (atenuando os efeitos depressivos sobre os salários) e
poupar os trabalhadores de dificuldades nos momentos de recessão ou de baixo crescimento da
atividade econômica.
Nesses países, a expansão e a diferenciação interna do mercado de trabalho, ocorrida na
segunda metade deste século (especialmente com o ingresso maciço de mulheres), afetaram a
noção original de desemprego, extrapolando largamente o universo de força de trabalho primária.
O desemprego deixa, crescentemente, de ser uma condição “acidental” daqueles trabalhadores
habitualmente empregados, para atingir situações bem mais variadas, como o desemprego de
longo prazo (associado a situações mais estruturais de desocupação em massa), o desemprego
tecnológico (que elimina categorias profissionais), o desemprego setorial (associado à restruturação
ou desaparecimento de setores econômicos) ou o desemprego de inserção (de jovens e mulheres
que encontram barreiras de ingresso – ou retorno após um longo afastamento, no caso destas - no
mercado de trabalho). Assim, condição de desemprego deixa de estar necessariamente associada à
perda cíclica do emprego, e passa a vincular-se muito mais genericamente, como já se disse, ao
descompasso entre o desejo e/ou a necessidade de estar trabalhando (qualquer que seja o seg-
mento social) e a ausência de postos de trabalho adequados às aspirações destes indivíduos. Da
mesma forma, as políticas de seguro-desemprego têm seu escopo bastante ampliado em termos
de abrangência e cobertura.

Convênio Cebrap/Finep 162


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Paralelamente, os problemas de adequação entre oferta e demanda ganham relevância na


concepção destas políticas, que tendem a enfocar aspectos mais amplos do que o simples suporte
financeiro aos desempregados. O agenciamento de emprego, as medidas de coerção e incentivo
direto às empresas para que não demitam, as chamadas políticas afirmativas em relação a grupos
especialmente desprivilegiados (negros, mulheres, deficientes físicos etc.) e a formação/requalificação
profissional passam a compor itens centrais da agenda das políticas de emprego, em alguns casos
(como na Suécia) absorvendo inclusive mais recursos do que o seguro-desemprego propriamente
91
dito .
No Brasil, o programa de seguro-desemprego é relativamente recente, instituído que foi
apenas em 1986. Em sua forma atual (em vigência desde 1990, portanto já há uma década) tem
uma concepção razoavelmente ampla, prevendo a associação do benefício financeiro ao
agenciamento de emprego e a programas de retreinamento profissional. Na prática, contudo, tem
funcionado quase exclusivamente como fonte de reposição de renda, uma vez que o SINE, Sistema
Nacional de Emprego, principal entidade oficial responsável pelo retreinamento e recolocação dos
92
desempregados opera de forma extremamente incipiente .
A definição do escopo de abrangência do programa, ou seja, a delimitação dos critérios
para o acesso ao benefício, esclarecem sobre a noção de desemprego que lhe está implícita. Em
sua primeira versão, que vigorou entre 1986 e 1989, para ser candidato ao seguro-desemprego o
trabalhador (desde que demitido sem justa causa) deveria ter mantido um vínculo formal de traba-
lho (e comprovadamente contribuído para a Previdência Social) por pelo menos 36 meses nos
últimos 4 anos (os seis últimos dos quais exercidos ininterruptamente). Neste caso, o requerente
teria direito a um benefício equivalente a 50% do último salário, em se tratando de trabalhadores
93
que recebessem até 3 salários mínimos (com piso inferior de 70% de um SM) e um salário mínimo
e meio para quem recebesse acima dos 3 SM. Isso por um prazo máximo de quatro meses, com
carência de dezoito meses para nova inscrição no programa. Vale notar que neste primeiro forma-
to o trabalhador só poderia ingressar com recurso ao benefício depois de sessenta dias de encerra-
do o último vínculo empregatício. Neste intervalo inicial de quatro anos o pico em termos de
atendimento ocorreu em 1989, quando apenas 26% do total de trabalhadores demitidos sem
justa causa ao longo do ano puderam ser beneficiados e ainda assim com um grau de reposição
médio da renda de 50%, chegando a 70% para quem recebesse até 1 SM (Azeredo, 1998).

91. Veja-se Bernardes (1999).


92. É bem verdade que há outras modalidades de incentivo de natureza pública a programas de formação profissional,
como os apoiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), mas quando muito só indiretamente vinculados às
políticas de seguro-desemprego. Para uma visão panorâmica consulte-se as duas coletâneas organizadas por Olivei-
ra (1998a, 1998b).
93. Devido à magnitude do processo inflacionário que dominou o país dos anos 80 até 1994, fazer comparações
rigorosas com valores de rendimentos entre períodos é tarefa complexa e trabalhosa. Para os propósitos específicos
deste artigo basta que se tenha em mente que o valor de referência do seguro-desemprego (ou seja, o salário
mínimo - SM) é o mesmo praticado no mercado de trabalho formal. Atualmente (janeiro de 2000) o valor do salário
mínimo é de 136,00 reais, ou aproximadamente US$ 73,50.

Convênio Cebrap/Finep 163


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

A partir de 1990, os requisitos foram relativamente afrouxados: para ter direito ao benefí-
cio o trabalhador deveria ter contribuído por quinze meses nos últimos dois anos, fazendo jus,
assim, a um benefício equivalente a 80% da média dos últimos 3 meses para quem ganhasse até
3 SM (sendo o valor de um SM o piso); para quem recebesse entre 3 e 5 SM, 80% de 3 SM e mais
50% sobre a parcela que excedesse a este valor; e para os que ganhassem mais de 5 SM benefício
fixo de 3 SM. O trabalhador que se enquadrasse nestas exigências passaria a ter direito a requerer
o seguro sete dias após a cessação do vínculo empregatício, sendo que o período máximo de
extensão do benefício manteve-se em quatro meses, com carência reduzida para dezesseis meses.
Neste período, o percentual de beneficiários em relação ao total de demitidos sem justa causa
ampliasse-se, chegando a quase 40% (Azeredo, 1998).
Note-se que, a partir de então, para aqueles trabalhadores com rendimento médio de 3
SM, o índice de reposição da renda ficou, sempre em média, em 80%, chegando a 100% para
aqueles que percebessem apenas 1 SM; para os trabalhadores com rendimento médio entre 3 e
5 SM o índice de reposição passou a ser de 68% do salário anterior; para as faixas superiores o
índice retrocedeu progressivamente, chegando, por exemplo para aqueles que recebam 10 SM,
a menos de 20%. Esse sistema claramente constitui um desincentivo para as faixas de maior
rendimento, tendendo conseqüentemente a concentrar os gastos com os mais pobres dentre os
assalariados.
Em 1992 foi criado o seguro desemprego especial, com o objetivo de ampliar o universo de
atendimento. Passaram a existir 3 faixas de possíveis requerentes. Sempre considerando os últimos
36 meses como referência, trabalhadores que tivessem contribuídos entre seis e 11 meses teriam
direito a 3 meses do benefício; trabalhadores contribuintes por períodos de 12 e 23 meses recebe-
riam durante 4 meses; e trabalhadores com tempo de contribuição acumulado de mais de 23
meses fariam jus a cinco meses de cobertura. A partir de 1994, esse formato tornou-se definitivo
e, exceto por algumas mudanças temporárias, vigora até hoje (Azeredo, 1998). Com isto, as taxas
de atendimento cresceram substancialmente, chegando a beneficiar quase dois terços dos traba-
lhadores demitidos sem justa causa em 1996.
Assim consolidado em seu formato, algumas características do seguro desemprego no
Brasil podem ser destacadas, a saber:
a) O programa volta-se basicamente para as situações de desemprego causadas pela perda
imediata do emprego, não cobrindo por exemplo, as situações de indivíduos (mulheres
especialmente) que tenham se mantido afastados do mercado de trabalho (em razão,
por exemplo, do ciclo reprodutivo), ou que estejam tentando um primeiro ingresso (caso
dos jovens) ;
b) O tipo de cobertura, de três a cinco meses no máximo, com carência de dezesseis e
necessariamente vinculado a um período de contribuição recente, tende a excluir os
indivíduos atingidos pelo desemprego de longa duração, privilegiando a situação dos
que estão mais firmemente aderidos ao mercado formal de trabalho;

Convênio Cebrap/Finep 164


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

c) O vínculo com a contribuição previdenciária exclui, ademais, os assalariados do setor


informal e os trabalhadores por conta-própria, que juntos constituem praticamente a
metade do mercado de trabalho brasileiro, mesmo que desempenhem tais ocupações
de forma regular e por períodos prolongados. Não custa lembrar que são justamente
estes trabalhadores os que percebem em média menores rendimentos, além de estarem
privados dos benefícios e direitos associados ao emprego formal, como o Fundo de
94
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a multa rescisória ;
d) Cobre apenas as situações de demissão sem justa causa, excluindo portanto as demais
formas de desligamento, como a demissão voluntária (que muitas vezes pode estar as-
sociada a fatores que escapam à vontade propriamente dita do trabalhador, como a
necessidade de mudança de domicílio, doenças familiares etc.) e a demissão justificada;
e) do ponto de vista da alocação de recursos, tendo em vista o desiderato de políticas
distributivas, pode ser considerado, senão ideal, pelo menos progressivo, na medida em
que a forma de definição do quantum de reposição da renda anterior claramente bene-
ficia os trabalhadores de remuneração mais baixa (repondo em melhor proporção sua
renda quanto menor o salário anterior), chegando mesmo a desincentivar a busca do
seguro por indivíduos de faixas salariais mais elevadas que presumivelmente podem lan-
çar mão de outras fontes de recursos para mitigar as situações de desocupação, porém;
f) ao favorecer os trabalhadores com trajetórias mais prolongadas (a duração do benefício
é tanto maior quanto mais tempo o indivíduo tenha mantido vínculo ou vínculos formais
de trabalho), pode operar no sentido de excluir exatamente os mais vulneráveis dentre
os mais pobres. Vale lembrar que os indivíduos com maior tempo de inserção em ocupa-
ções formais acumulam um patrimônio relativamente maior através do FGTS e da multa
rescisória já referidos.
Em resumo, apesar de ter grau e abrangência de cobertura razoavelmente amplos (como
veremos, algo próximo da metade dos trabalhadores demitidos sem justa causa) e atingir de fato
os estratos menos aquinhoados dos assalariados, a política brasileira de seguro-desemprego ainda
privilegia o que se poderia chamar de “mercado primário” da força de trabalho (principalmente
homens adultos já de alguma forma inseridos no mercado formal), deixando de atender a inúme-
ras situações de desemprego que atingem contingentes de indivíduos especialmente vulneráveis e
carentes (como mulheres e jovens).
A descrição da distribuição do seguro segundo algumas características básicas dos
beneficiários pode ajudar a qualificar melhor este diagnóstico. As informações que se seguem

94. O FGTS consiste em uma poupança formada por depósitos compulsórios mensais que o empregador deve efetuar
em uma conta especial em nome do empregado, no valor de 8% do salário deste, o que lhe permite acumular cerca
de um salário por ano trabalhado. Esse fundo pode ser sacado pelo trabalhador em condições especiais, tais como:
a demissão sem justa causa, a aposentadoria ou ainda em situações extraordinárias como a da aquisição de imóvel
próprio para moradia. Além disto, também nos caos de demissão sem justa causa o trabalhador deve receber multa
rescisória equivalente a 40% do que lhe foi depositado pelo empregador por conta do FGTS.

Convênio Cebrap/Finep 165


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

privilegiam o recorte de gênero, associando-o sempre a outras variáveis dada a especial importân-
cia que, como vimos, adquire o desemprego entre contingentes de mulheres, mais vulneráveis,
também, às dificuldades de re-inserção no mercado formal após o desligamento de postos prote-
gidos (tal como exemplificamos para a indústria).
O Tabela I abaixo compara a evolução do número de trabalhadores demitidos sem justa
causa e o número de benefícios distribuídos pelo programa de 1993 a 1997 (último ano disponível
pela RAIS) e a Figura VII traz os números do programa até o primeiro semestre de 1999. Após um
período de rápida ascensão no número de trabalhadores atendidos, entre 1993 e 1995, provavel-
mente fruto das alterações no escopo do programa que descrevemos acima (incorporando indiví-
duos com tempo de contribuição de seis meses em diante) o volume de benefícios estabilizou-se
num patamar um pouco abaixo dos 4,5 milhões por ano, em 1996 e 1997.
Ao contrário do número de benefícios concedidos pelo programa, o de trabalhadores de-
mitidos sem justa causa oscilou fortemente, de um mínimo de 6 milhões e 300 mil em 1993 até
10,5 milhões em 1997, fazendo com que a taxa de atendimento do sistema também variasse
bastante, de até perto de 65%, em 1996, para pouco mais de 40%, em 1997. A taxa de atendi-
mento entre as mulheres é sempre superior à dos homens, conquanto em proporções quase insig-
nificantes. É bastante difícil por hora conjeturar sobre as razões dessa relativa inflexibilidade na
curva dos benefícios, mas de toda forma, quaisquer que sejam os motivos, o fato é que a acelera-
ção no ritmo das demissões, observada em 1995 e especialmente em 1997, não foi acompanhada
por uma ampliação da cobertura do programa.
É importante salientar também que, neste período, não apenas o volume de demissões
cresceu mas, sobretudo, aumentaram os indicadores de desemprego. Entre 1993 e 1998, o de-
semprego aberto medido pela PME/IBGE saltou de perto de 6% para mais de 8,5% apenas nas seis
regiões metropolitanas brasileiras. Tomando os extremos do período, uma variação de 9% na
população economicamente ativa, convive com variação correspondente a apenas 6,7% entre os
ocupados,, o que representou um acréscimo bruto de quase meio milhão de desempregados só
nos mercados de trabalho das seis principais regiões metropolitanas. Dessa forma, o número de
desempregados sofreu uma variação da ordem de 55%; 47% no caso dos homens e 68% no das
95
mulheres .

95. Fonte: PME/IBGE; 1993 a 1998.

Convênio Cebrap/Finep 166


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Tabela I
Trabalhadores demitidos sem justa causa, benefícios do
Seguro-desemprego e taxa de atendimento
Brasil 1993-1997
1993 1994 1995 1996 1997
Trabalhadores demitidos sem justa causa
MASC 4.647.923 4.843.911 5.972.784 4.841.275 7.406.746
FEM 1.672.434 1.732.655 2.307.160 1.887.971 3.169.179
TOTAL 6.320.357 6.576.566 8.279.944 6.729.246 10.575.925
Trabalhadores demitidos sem justa causa (%)
MASC 73,5 73,7 72,1 71,9 70,0
FEM 26,5 26,3 27,9 28,1 30,0
Benefícios do seguro-desemprego
MASC 2.385.288 2.924.035 3.380.464 3.081.061 3.069.998
FEM 914.390 1.106.000 1.360.258 1.279.018 1.330.335
TOTAL 3.299.678 4.030.035 4.740.722 4.360.079 4.400.333
Benefícios do seguro-desemprego (%)
MASC 72,3 72,6 71,3 70,7 69,8
FEM 27,7 27,4 28,7 29,3 30,2
Taxa de atendimento (demitidos/benefícios) (%)
MASC 51,3 60,4 56,6 63,6 41,4
FEM 54,7 63,8 59,0 67,7 42,0
TOTAL 52,2 61,3 57,3 64,8 41,6

Figura VII



  
  

  
 
  
 
      
  
   

 
 

 
  

  


 



   

 
   
 

 

  

   
  
 
   

  
    
    

  
  
 


   
  
 

    

        
  

  


  
 
  

 


   
 


   


 
  
   
 
 

   

 
  
 
 
    
  


  


  

  


 

  
 
 

    

    
  
    
 

 

   

  
 


 

 
 


 
 






Endereço do Entrevistado
 por Sexo




  Homens (367)











Mulheres (48)


BAIRRO


 


Segundo População

40.100 a 46.900
33.400 a 40.100
1 2
26.700 a 33.400
0

kilometers 20.000 a 26.700

A Figura VII mostra que a participação feminina no total de segurados permaneceu pratica-
mente estável ao longo do período (ligeiro aumento de 3 pontos percentuais entre os extremos),
representando perto de 30% do total de beneficiários. Essa proporção é idêntica à que se observa

Convênio Cebrap/Finep 167


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

96
no total de demitidos, segundo a RAIS , mas inferior ao de sua participação média na PEA, que na
década ficou um pouco acima dos 40%; valendo salientar novamente que a taxa de desemprego
entre as mulheres cresceu mais aceleradamente nesse período, estando 1,5 ponto percentual aci-
ma da taxa masculina em 1998 (7,17% para os homens contra 8,75% para as mulheres, nas
regiões metropolitanas).
As variações no tempo não são muito expressivas também no que diz respeito às caracte-
rísticas individuais desagregadas por sexo, como se pode ver a seguir.Os homens são os que em
maior proporção se beneficiam do seguro após períodos mais curtos de emprego formal; ou, por
outra, as mulheres que acorrem ao seguro provém, em sua maioria, de vínculos formais mais
prolongados. Com efeito, quando se observa a movimentação geral das demissões, por meio da
RAIS, a proporção de homens nas faixas mais curtas de tempo de permanência no último emprego
é relativamente mais acentuada do que a das mulheres. Por outro lado, a RAIS-Migra revela que
(pelo menos entre os trabalhadores demitidos da indústria), no período 1993-1997, os homens
estiveram em média 30,5 meses empregados com vínculos formais (aproximadamente metade do
tempo), contra 23,5 meses entre as mulheres (menos de 40% do tempo) e ainda tiveram - sempre
em média - 2,1 vínculos empregatícios contra 1,5 das mulheres. A maior mobilidade (entrada e
saída) dos homens no mercado de trabalho formal (com mais vínculos de menor duração) pode
ajudar a explicar também a sua maior participação entre os beneficiários do seguro-desemprego,
até por que, como já vimos na seção anterior, uma vez demitidas, as chances de retorno ao merca-
do formal são significativamente menores para as mulheres.

Figura VIII

Seguro-desemprego, sexo e tempo de emprego

100%

80%

60%

40%

20%

0%
M F M F M F M F M F M F M F
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

até 5,9 6,0 a 11,9 12,0 a 23,9 24,0 a 35,9 36,0 a 59,9 60,0 a 119,9 120 ou +

96. Os dados aqui apresentados da RAIS e da RAIS-Migra cobrem apenas o período 1993 a 1997, em razão da sua
disponibilidade atual. Vale lembrar que a RAIS-Migra considera apenas os demitidos da indústria.

Convênio Cebrap/Finep 168


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

O grosso dos beneficiários, quase três quartos em média, encontra-se nas faixas mais bai-
xas de renda (até 3 SM), mas a proporção de mulheres nas faixas inferiores (até 2 SM) é sempre
significativamente maior que a dos homens. Também aqui, as características da distribuição do
seguro-desemprego parecem refletir de perto as do mercado formal de trabalho. O perfil do uni-
verso total de demitidos, exibido pela RAIS, mostra com clareza que a participação feminina declina
proporcionalmente à medida que aumentam as faixas de remuneração. Considerando a distribui-
ção média dos demitidos no período 1993-1997, de 70% para os homens e 30% para as mulhe-
res, observa-se que elas chegam a representar 40% dos demitidos nas faixas de menor rendimento
(até 2 SM) e não mais do que 25% no topo da escala salarial (acima de 10 SM). Considerando a já
apontada propensão do programa a atender os demitidos de menor rendimento, de certa forma,
seria de esperar que isso provocasse uma maior representação proporcional das mulheres entre os
atendidos, o que não se observa.

Figura IX

Seguro-desemprego, sexo e faixa salarial

100%

80%

60%

40%

20%

0%
M F M F M F M F M F M F M F
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

ATE 1,00 1,01 a 2,00 2,01 A 3,00 3,01 A 5,00 5,01 A 10,00 + DE 10,0

Como já se poderia esperar pelo que sabemos das características históricas do mercado de
trabalho brasileiro, apesar dos menores rendimentos, as mulheres são, em média, bastante mais
escolarizadas do que os homens, havendo tendência em ambos os sexos para uma redução gradu-
al da participação das faixas de menor instrução no total de beneficiários; fenômeno que, grosso
modo, corresponde ao que se passa tanto com o perfil geral dos demitidos quanto com a PEA,
conforme já se observou na primeira seção deste artigo. Vale recordar que, também entre a força
de trabalho desempregada, a proporção de indivíduos com maior instrução vem crescendo mais
rapidamente, sendo inclusive bem mais elevada entre os indivíduos que possuem entre cinco e
onze anos de estudo do que entre aqueles que não possuem mais do que quatro.

Convênio Cebrap/Finep 169


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Figura X

S eg uro-d esem p rego , sexo e in strução

100%

80%

60%

40%

20%

0%
M F M F M F M F M F M F M F
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

analf 4.s er inc om p 4 a 7 s er 1 grau c om p 2.gr c om p s up c om p ou não

Em termos da origem setorial dos beneficiários, as maiores discrepâncias entre gêneros,


dada a predominância masculina, encontra-se nos setores de construção civil (bastante compreen-
sível) e agropecuária (de mais difícil explicação), compensadas pela maior presença feminina no
comércio e serviços e, entre os anos de 1993 e 1997, também na indústria (onde, como vimos, as
mulheres foram significativamente mais afetadas pelos processos de enxugamento do que os ho-
mens). Note-se, contudo, que a participação de beneficiários provenientes deste último setor de
atividade é declinante a partir de 1996, o que é razoável em face da redução relativa do emprego
na indústria, mas preocupante quando se considera que é justamente neste setor que a taxa de
desemprego atingiu o mais alto patamar no final do período considerado (9,3%).

Figura XI

Seguro-desemprego, sexo e setores selecionados

100%

80%

60%

40%

20%

0%
M F M F M F M F M F M F M F
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

IND C. CIVIL COM SERVS AGROP.

Convênio Cebrap/Finep 170


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Além disso, as mulheres são relativamente mais jovens do que os homens, declinando
sensivelmente sua participação a partir dos 40 anos e estando quase ausentes na faixa acima dos
50 anos, tanto no universo de beneficiários quanto (de modo menos agudo) no do total de demi-
tidos, segundo a RAIS. Fato que sugere que, para as mulheres, a possibilidade de permanecer no
mercado de trabalho formal diminui mais rapidamente do que para os homens à medida em que
avança a idade.
Figura XII

Seguro-desemprego, sexo e idade

100%

80%

60%

40%

20%

0%
M F M F M F M F M F M F M F
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

10 A 14 15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 64 65 e +

Considerações finais

Retomando a breve discussão feita no início desta última seção, é necessário reiterar que as
noções de emprego e desemprego, como noções socialmente construídas que são, estão sujeitas,
no longo termo, a alterações de escopo. Bem assim como as políticas públicas que procuram
enfrentar o problema, que ademais sofrem as readequações que a própria prática prolongada e as
contingências políticas e econômicas lhe impõem. Nesse sentido, pode-se dizer que o programa
brasileiro de seguro-desemprego é ainda recente para que se possa formular conclusões defini-
tivas.
Entre aquelas até aqui adiantadas, cumpre enfatizar que a forte correspondência encontra-
da entre o perfil dos desempregados do setor formal e o dos beneficiários do seguro-desemprego
está a sugerir que o programa talvez esteja demasiadamente voltado para um tipo específico de
desempregado: indivíduos que, tendo estado empregados por algum tempo no setor formal da

Convênio Cebrap/Finep 171


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

economia, em ocupações de baixa remuneração, perderam seus empregos e supostamente volta-


rão, também em curto espaço de tempo e por conta própria, para o mercado de trabalho formal.
Com relação a essa modalidade de desempregado é possível dizer que o programa apresenta
resultados positivos uma vez que, mesmo não tendo atendido à totalidade dos demitidos, privile-
giou os de menor faixa de rendimento.
Entretanto, suas discrepâncias frente ao perfil do mercado de trabalho e do desemprego
como um todo são evidentes e consideráveis. Parte expressiva do problema da desocupação não
pode ser enfrentado pelo programa já que está associada ao setor informal da economia, cuja
magnitude, já se disse, alcança a metade do mercado de trabalho no país, com propensão a se
ampliar,. Tal incapacidade resulta tanto da simples inadequação de escopo, dado que o programa
não foi desenhado para alcançar o trabalho não-registrado, seja porque os fundos para o seguro-
desemprego provém fundamentalmente das receitas do setor formal. Da mesma forma, contin-
gentes específicos de indivíduos (como jovens, mulheres e até mesmo idosos), que buscam sua
primeira inserção no mercado de trabalho ou apresentam trajetórias distintas das convencional-
mente aceitas como “típicas” (por que nunca tiveram um vínculo formal, ou há muito tempo já
não trabalham) também não são alcançados pelo programa.
È verdade que nem todo o problema da desocupação (seja no que qualificamos hoje de
setor informal, seja de estratos específicos da população) pode ou deve necessariamente ser resol-
vido por políticas de emprego visando a ocupação assalariada formal. Inúmeras modalidades de
ocupação capazes de gerar renda e condições adequadas de vida podem ser estimuladas, assim
como determinados grupos sociais podem e devem ser desestimulados a ingressar, permanecer ou
regressar ao mercado de trabalho. Entre as primeiras encontram-se os programas de geração de
renda que nos últimos anos vêm ganhando espaço em variadas esferas do poder público. Seu alvo
principal é o estímulo a pequenos e micro empreendimentos individuais, familiares ou cooperati-
vos, preferencialmente encabeçados por pessoas de baixa renda e o instrumento mais difundido
são os financiamentos subsidiados por fundos públicos. É o caso do Proger, Proger-Rural e Pronaf
(sustentados pelo FAT e realizados em parceria pelos três níveis de governo) e o dos “bancos do
povo”, normalmente de iniciativa municipal (o mais conhecido deles o de Porto Alegre, no extremo
97
Sul do país ). Este tipo de empreendimento tem a vantagem de se viabilizar com montantes
muito pequenos de recursos e, além de fornecer opção de renda a seus donos, constitui boa fonte
98
de novas ocupações . Trata-se, contudo, de uma opção limitada na medida em que tais negócios
em geral são de baixa produtividade e têm se mostrado demasiadamente vulneráveis aos azares do
mercado, apresentando uma taxa de sobrevivência no tempo bastante reduzida. Entre as políticas
de desestímulo à participação no mercado de trabalho as mais importantes estão relacionadas com
o retardamento da entrada de crianças e jovens, por meio, sobretudo, do estímulo à ampliação da

97. Sobre esta experiência veja-se Utzig (1996)


98. Para uma investigação abrangente e recente sobre os programas federais de geração de emprego e renda consulte-
se Ibase (1999)

Convênio Cebrap/Finep 172


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

formação escolar. Programas de provimento de renda mínima associados à escolarização dos filhos
de famílias pobres, como o que foi implantado no Distrito Federal entre 1995 e 1998, por exemplo,
apresentam resultados promissores na hipótese de virem a se disseminar.
No âmbito das iniciativas diretamente voltadas para a (re)inserção de desempregados no
mercado de trabalho há dois terrenos de especial importância, o da qualificação profissional e o do
agenciamento/intermediação de emprego, normalmente associados aos mecanismos de reposição
de renda na maior parte dos países mais desenvolvidos. No primeiro caso, os programas de forma-
ção e requalificação profissional já vêm ganhando bastante destaque nos últimos anos no Brasil. O
principal foco de irradiação destes programas é o FAT, que também é o responsável pela execução
do seguro-desemprego. No geral, o FAT repassa recursos para que outras entidades (sindicatos,
associações profissionais, universidades, escolas profissionalizantes, prefeituras e órgão públicos)
realizem ações na área de qualificação profissional. Esse modelo descentralizado tem a vantagem
de oferecer flexibilidade para que as ações se adaptem a contextos específicos, conferindo um
caráter bastante plural ao programa, além de engajar e comprometer os mais diversos atores
sociais na tomada de decisões e na sua execução. Todavia, a pulverização das iniciativas nesta área
contrasta com o modelo centralizado e homogêneo do programa de seguro-desemprego, tornan-
do bem mais difícil a sua conjugação num sistema mais integrado que atinja simultaneamente os
mesmos indivíduos potencializando suas chances de inserção profissional.
O mesmo pode ser dito – e até com mais ênfase – no que diz respeito ao Sistema Nacional
de Emprego (SINE) responsável pelo encaminhamento e recolocação de desempregados. Embora
sua atuação seja desigual, com poucas exceções (o estado do Ceará parece ser a mais conspícua
delas) o SINE deixa muito a desejar seja na sua função específica, seja na articulação que lhe deveria
99
caber das políticas de combate ao desemprego . O caminho da integração dessas três frentes de
atuação no combate ao desemprego, que a experiência internacional parece recomendar enfatica-
mente, ainda está quase todo por ser percorrido. Algumas iniciativas inovadoras como a da recém-
fundada agência de emprego do ABC, apontam nesta direção e cabe esperar por seus resultados
concretos. Da mesmo forma, estudar a combinação do seguro-desemprego com os programas de
geração de renda, por exemplo, pode ampliar a eficácia de ambos e aumentar o leque de possibi-
lidades a que os indivíduos em busca de ocupação podem lançar mão, permitindo inclusive a
combinação de estratégias familiares que se reforcem mutuamente.
No que diz respeito ao programa do seguro-desemprego, dado que sob o rótulo de “de-
sempregado” ocultam-se, na verdade, fenômenos de natureza e causas muito distintas, parece
bastante razoável presumir que a flexibilização e diversificação de suas linhas de atendimento seria
mais que recomendável. Para dar conta das modalidades particulares de desemprego que atingem
contingentes específicos de trabalhadores, como jovens e mulheres, é indispensável entender
corretamente as causas de suas dificuldades de inserção e elaborar programas especiais, que po-

99. Veja-se Guimarães (1998) e Azeredo (1998).

Convênio Cebrap/Finep 173


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

dem ir da simples complementação de renda para trabalhadores com remuneração insuficiente e/


ou trabalho parcial, até os incentivos e coerções legais diretas às empresas para que apliquem
critérios especiais a estes contingentes ao contratar e demitir trabalhadores. Igualmente interes-
sante pode ser o desenvolvimento de programas que associem treinamento profissional e
agenciamento de emprego através de convênios diretos com as empresas de modo que os critérios
de recrutamento sejam compartilhados pelos agentes formadores, ampliando as possibilidades de
inserção destes grupos específicos, mulheres em particular. No caso dos jovens, ainda, uma opção
pode ser a dos programas de estágios profissionais monitorados pelos agentes formadores e/ou
responsáveis pela colocação, de modo a garantir o caráter formador destas modalidades de con-
trato de trabalho, impedindo que se transformem em meros expediente de aviltamento de mão-
de-obra barata.
Enfim, um olhar de gênero permite melhor avaliar limites de políticas de proteção ao traba-
lhador, especialmente àqueles mais vulneráveis às transições no mercado de trabalho, decisivas
num contexto de retração dos empregos de qualidade.

Referências bibliográficas
Barros, Ricardo; Corseuil, Carlos Henrique e Foguel, Miguel. 1999. “Os incentivos adversos e a
focalização dos programas de proteção ao trabalhador no Brasil”, Comunicação apresentada ao
seminário sobre “O Sistema Brasileiro de Proteção Social ao Desenpregado”, S. Paulo, 4.11.99,
MTE, FIPE/FEA, FIESP/CIESP.
Amadeo, E. R.Paes de Barros, J.M. Camargo, R.Mendonça, V.Pero, A.Urani. Human Resources in
the Adjustment Process, PIEA, Textos para Discussão317, outubro de 1993.
Azeredo, Beatriz (1998) “Políticas Públicas de geração de emprego no Brasil: limites e possibili-
dades”. In: Oliveira, Marco Antônio (org.) (1998a). Reforma do Estado e políticas de emprego no
Brasil. Campinas, Unicamp-IE.
Camargo, José Marcio. 1998. Produtividade e preços relativos: o mercado de trabalho no perío-
do pós-estabilização. Rio de Janeiro, Senai-Dn-Ciet, 39 pp.
Comte, Maurice (1995) “Três milhões de desempregados”. In: Besson, Jean-Louis A Ilusão das
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FAT. Relatórios. MTb, Secretaria de Políticas de Emprego e Salário (versão em CD-ROM).
Oliveira Marco Antônio (org.) (1998b). Economia & Trabalho: textos básicos. Campinas,
Unicamp-IE.
Oliveira, Marco Antônio (org.) (1998a). Reforma do Estado e políticas de emprego no Brasil.
Campinas, Unicamp-IE.
Urani, André. 1995. “Crescimento e geração de emprego e renda no Brasil’, Lua Nova, N.35,
1995, pp. 5-38.
Utzig, Luis Eduardo (1996) “Notas sobre o governo do PT em Porto Alegre”. In: Novos Estudos
(45), São Paulo, Cebrap.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

CAPÍTULO 7

POR UM JOGO DE SOMA POSITIVA?


Conciliando competitividade e proteção ao emprego em experiências
inovadoras de negociação no Brasil100

Como vimos ao longo de todo o texto que antecedeu, os anos 90 foram e seguem sendo
um período de forte ajuste sobre o emprego. Este ajuste se caracteriza por intensa migração de
força de trabalho do setor industrial para os setores de serviços (Caruso e Pero, 1996; Pero, 1997;
Caruso, Pero e Lima, 1997), pela informalização dos vínculos empregatícios (Cardoso, 1998; Cas-
tro, 1998) e pela cristalização de patamares elevados de desemprego (Dedecca, 1997 e 1998;
Dedecca e Montagner, 1996; Pochmann, 1998). A perda de postos de trabalho no setor industrial
deriva tanto dos ganhos de produtividade - fruto de processos de reorganização dos modelos de
gestão da produção e dos investimentos em novas tecnologias (Bielschowsky et al, 1998; Ramos e
Reis, 1997), quanto do desaparecimento de parte da indústria nacional - quer por força da concor-
rência externa, acirrada com a abertura comercial e com a integração regional, quer por efeito dos
movimentos de concentração de capitais (um bom exemplo pode ser encontrado na indústria
brasileira de auto-peças, em Posthuma, 1994).
Do ponto de vista das relações trabalhistas e sindicais, as mudanças no cenário político e
econômico induziram a importantes reorientações. Se, por um lado, o aumento do desemprego, a
redução do emprego fabril e difusão de vínculos informais e instáveis de trabalho têm imposto
fortes obstáculos à ação dos sindicatos, por outro, o contexto de rápida modernização e de estabi-
lização da economia motivou um enorme ampliação da agenda de negociações entre trabalhado-
res, empregadores e estado, reduzindo o grau de conflitividade aberta (grevista especialmente) e
acentuando o papel da negociação nos acordos coletivos.
No plano mais geral das relações sindicais e trabalhistas ganham centralidade no Brasil
(assim como na maioria das economias desenvolvidas) as questões relativas à regulamentação do
trabalho. A legislação brasileira - que data dos anos 40 e que, a despeito de ser extremamente
minuciosa, nunca chegou a ser integral e universalmente aplicada -, é alvo hoje de acirrado debate,
sofrendo críticas tanto do patronato, quanto dos sindicatos de trabalhadores. O sentido da moder-
nização que cada ator pretende imprimir às eventuais reformas, naturalmente, é bastante diverso.
Grosso modo, o empresariado e o governo federal defendem uma desregulamentação de parte

100. Este texto foi preparado por Nadya Araújo GUIMARÃES e Álvaro COMIN, com a consultoria de Márcia de Paula
LEITE, tendo sido originalmente discutido em Seminário promovido pela Columbia University e New York University,
dedicada ao tema “Decentralization, Equity and Local Development: Brazil and Beyond”; University of Columbia-
ILAIS, New York, 2-3 de abril de 1999.

Convênio Cebrap/Finep 175


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

dos direitos associados ao vínculo empregatício que torne mais flexível e barato o uso da mão-de-
obra pelas empresas, sustentando que aí se encontra um aspecto decisivo para o incremento da
competitividade dos produtores brasileiros, competitividade esta que seria a base de garantia para
a geração futura de empregos. Os sindicatos de trabalhadores, por sua vez, tendem majoritaria-
mente à defesa da extensão e universalização de direitos trabalhistas e sociais e ao aumento dos
rendimentos dos mais pobres o que, além dos aspectos de justiça social, operaria como forma de
expandir o mercado interno, sustentando o crescimento econômico e a geração de empregos. A
despeito das divergências entre os atores, no plano regulatório mais geral esse é sem dúvida um
dos aspectos mais importantes em torno do qual se desenrolam o debate e as negociações que
relacionam políticas de competitividade e emprego.
A evolução das negociações, por seu turno, é bastante desigual, conforme um conjunto de
fatores de ordem política, econômica e regional. De modo sucinto, estes fatores têm a ver com a
estrutura das cadeias produtivas (grau de concentração e internacionalização dos capitais) e com a
forma como estas se inserem na economia em abertura (mais ou menos bem sucedidas); com as
dimensões das empresas; com o tipo de mão-de-obra que utilizam (mais ou menos qualificadas e
remuneradas); com o grau de sofisticação dos produtos e os mercados a que se destinam; com o
caráter mais ou menos protecionista das políticas públicas setoriais e com a força das organizações
de trabalhadores.
Um traço de confluência parece, entretanto, se depreender: a reconfiguração na agenda
das demandas que afluem às negociações coletivas, reflexo da coexistência entre, por um lado, a
intensa reestruturação a que fizemos referência até aqui e, por outro, um período de estabilidade
monetária que se seguiu à adoção do Plano Real. Essa agenda transita da pressão por recompor o
poder de compra dos salários (típica das conjunturas de elevada inflação e marcante nos anos 80)
para a necessidade de negociar itens relativos à proteção dos postos de trabalho (face à intensa
reestruturação) e garantia da qualidade destes, em especial no que concerne à preservação das
condições de empregabilidade dos trabalhadores (Dieese, 1998).
“Empregabilidade” passa a ser uma palavra-chave na nova conjuntura dos 90, marcando o
discurso da política governamental e o contra-discurso sindical. O velho conceito que a Sociologia
mantem no seu jargão desde Ledrut (1965), reaparece como um campo de disputa semântica que
tem, curiosamente, por detrás de si um elemento catalizador: a vigência de uma nova “cultura
normativa do trabalho”, que transfere para o terreno da qualificação e formação profissional gran-
de parte dos esforços dos agentes no sentido de definirem políticas dirigidas à preservação do
101
volume e do acesso dos trabalhadores aos postos de qualidade.
A alteração no campo do que se negocia anda de braços com a introdução de novos
terrenos de pactuação, com a construção de novas institucionalidades que fazem intervir agentes
distintos em espaços sócio-institucionais igualmente diversos, muito mais amplos que o formal-

101. Em outra oportunidade (Castro, 1997) já nos detivemos em caracterizar melhor a natureza e a emergência desta
cultura normativa do trabalho.

Convênio Cebrap/Finep 176


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

mente previsto na legislação trabalhista brasileira: câmaras setoriais envolvendo estado, empresá-
rios e sindicatos em torno à negociação de interesses em cadeias e complexos produtivos; foruns
tripartites de gestão de fundos públicos, com participação eqüânime de sindicatos, patronato e
governo; articulação de agentes visando políticas de desenvolvimento regional sustentado e pre-
servação local de postos de trabalho no contexto dos movimentos de reespacialização da indústria.
Estas iniciativas desafiam a nossa capacidade de entendimento e impõem que, pelo seu conheci-
mento, repensemos a riqueza de formas de concertação que hoje se abrem em diferentes âmbitos,
no plano sub-nacional, de forma a aliar o desafio da competitividade com a necessidade de eqüidade
e preservação das condições de sustentabilidade social das mudanças econômicas.
Buscando cobrir esta diversidade de situações no âmbito de uma reflexão ainda inicial,
apresentaremos aqui quatro estudos de caso para sustentar nossa hipótese de que atores tradicio-
nais se defrontam agora com novos terrenos e novas experiências de pactuação, descentralizada e
inovadora frente ao marco regulatório das negociações coletivas no Brasil. Estas situações diversas
procuram abranger desde experiências restritas ao âmbito de uma empresa, a iniciativas de natu-
reza setorial, regional e nacional.
Para ilustrar os novos tipos de micro-negociação, tecidos no âmbito da empresa, apresen-
taremos o caso do “Programa de Qualificação para a Empregabilidade”, iniciativa gerencial em
curso há três anos em uma grande multinacional do setor químico, administrado conjuntamente
por representantes da empresa, dos trabalhadores e do sindicato. Embora ele não se destinasse à
geração de empregos, uma vez que a empresa atravessava intenso processo de reestruturação,
tem como objetivo declarado aumentar o capital de capacitação de seus funcionários, ampliando
suas chances de recolocação, seja na própria empresa seja no mercado de trabalho externo.
Um segundo caso que julgamos relevante pelo seu caráter abrangente e inovador é o da
Câmara Regional do ABC. Trata-se de um conjunto articulado de foruns de negociação onde têm
assento sindicatos de trabalhadores, empresários, prefeituras municipais e representantes da soci-
edade civil. Na pauta, o desenvolvimento regional sustentável e a contribuição desses atores locais
para um gerenciamento local virtuoso dos problemas desencadeados pela abertura da economia
brasileira e globalização das cadeias produtivas locais. Os municípios envolvidos nesta iniciativa são
alguns dos mais importantes entre os que compõem o cinturão industrial da Grande São Paulo,
municípios estes que estão sendo profundamente atingidos pelas recentes mudanças da política
econômica brasileira, notadamente via descentralização de incentivos fiscais e financeiros à
reespacialização da atividade produtiva. Em face dos deslocamentos do investimento industrial
102
para regiões de tipo greenfield, no bojo da recente e intensa “guerra fiscal” parte importante do
desafio posto para esta região de cerca de 2 milhões de habitantes está em produzir uma reconversão
econômica rumo a serviços modernos, que garantam a manutenção e a criação de postos de
trabalho igualmente de elevada qualidade.

102. Na verdade, o deslocamento industrial reflete tanto a busca de maxização da vantagens fiscais e financeiras,
quanto a minimização do custo político da instalação de plantas em regiões de forte presença sindical, notadamente
nos chãos-de-fábrica de empresas poderosas, o que tem permitido aos sindicatos expandir , generalizando, as
conquistas arrancadas nas fábricas de maior mobilização operária.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Finalmente, dois casos de negociações tripartites completariam nosso estudo. Trata-se de


dois programas nacionais, gestados e geridos no âmbito do maior fundo público que mobiliza
recursos para o planejamento de ações no âmbito do trabalho – o Fundo de Amparo ao Trabalha-
103
dor (FAT). A gestão deste fundo é também realizada de modo tripartite, por trabalhadores,
empresários e representantes do governo. Podem experiências inovadoras de gerenciamento
multipartite de fundos centralmente administrados produzir casos virtuosos de negociação de inte-
resses com efeitos compensatórios positivos no que concerne à proteção ao trabalho e, mais ainda,
respeitando vocações dos agentes e especificidades setoriais e locais? Dessa experiência retirare-
mos nossos casos três e quatro.
O terceiro caso se refere ao “Programa de Geração de Emprego e Renda” (Proger). Ele se
constitui numa linha de crédito subsidiado, voltada para micro e pequenas empresas, cujo propó-
sito é a ampliação de seus recursos tecnológicos, a capacitação técnica de seus proprietários e
trabalhadores e a melhoria de suas condições de inserção nos mercados em que atuam. Abrange
desde atividade rurais e industriais até empresas de construção civil e de serviços. A contrapartida
pelas taxas subsidiadas de juros está exatamente no compromisso de geração de empregos for-
mais; isto porque, toda a concepção do programa está assentada no diagnóstico, de resto verda-
deiro, de que são as micro e pequenas empresas as maiores geradoras de postos de trabalho no
Brasil. A arquitetura do gerenciamento é complexa na medida em que destinação final dos recur-
sos é definida por Comissões Municipais de Emprego, criadas para este fim e igualmente geridas
por trabalhadores, empresários e representantes dos poderes locais.
O quarto e último caso ilustrativo retiraremos do âmbito de um segundo programa do FAT
– o Planfor (Plano Nacional de Formação Profissional). O Planfor consiste em linhas de crédito
especiais (no mais das vezes a fundo perdido) destinadas a ações em formação profissional desen-
volvidas por empresas, sindicatos de trabalhadores e entidades da sociedade civil. A concepção do
programa tem um desafio que lhe dá sentido: o da empregabilidade. Para tanto, ele se dirige seja
para atualização profissional de trabalhadores empregados, evitando que percam seus empregos,
seja para aumentar o capital de empregabilidade de desempregados ou jovens que desejem entrar
no mercado de trabalho, multiplicando suas chances de colocação. Dada a enorme abrangência
deste programa, escolhemos uma das suas experiências mais bem sucedidas – a do Programa
“Integrar”, que vem sendo desenvolvido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
Metalúrgicos, ligada à CUT – Central Única dos Trabalhadores. Bem sucedida e desafiadora na
medida em que nos coloca diante de uma incômoda questão: como pode um dos braços da central
sindical brasileira de trajetória mais confrontacional, justamente o braço que abriga o sindicalismo
metalúrgico, berço do “novo sindicalismo” do ABC, estar tão fortemente empenhado num pro-
grama de qualificação profissional, movido por uma plataforma governamental voltada para a

103. Este é um fundo público com orçamento de perto de 8 bilhões de reais (cerca de 7 bilhões de dólares) que, além
de gerir os recursos do seguro-desemprego, opera linhas de crédito exclusivamente voltadas para a geração de
empregos e qualificação profissional.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

empregabilidade? Que sentido adquire a negociação da qualificação profissional quando esta apare-
ce esposada por sindicalismo tão fortemente cioso da sua autonomia e capacidade de crítica à
política governamental, notadamente no que concerne aos efeitos social e politicamente perversos
da reestruturação industrial em curso?
Com estas escolhas pretendemos recobrir minimamente tanto a diversidade de esferas em
que se operam as negociações em torno da modernização e da geração de empregos, quanto a
pluralidade de setores econômicos e de agentes que lideram tais projetos. Ademais, entendemos
que, com estes casos, estaremos dando conta de algumas das mais inovadoras e bem sucedidas
experiências em curso no país. Eles serão apresentados, do mais micro ao mais macro (em termos
de âmbito de abrangência); do mais próximo ao padrão convencional da negociação trabalhista
(gerências e trabalhadores buscam negociar os seus interesses, diversamente mobilizados na con-
secução dos alvos empresariais) ao mais distante dela (sindicatos atuando em formação educacio-
nal de cidadãos; gerências e trabalhadores participando em iniciativas de planejamento do desen-
volvimento regional sustentável).

Caso 1: Empregabilidade e consentimento: uma nova moeda-de-troca para as


negociações no nível da empresa? O caso do “Programa de Qualificação
para a Empregabilidade”

Nosso primeiro caso diz respeito a um programa, de iniciativa gerencial, que vem sendo
desenvolvido por uma empresa química que é parte de um dos maiores conglomerados químico-
farmacêuticos no mundo. Instalada em 1919, a planta onde se desenvolve tal programa foi a
primeira unidade brasileira construída por este potente grupo multinacional; por isto mesmo, a sua
história nos permitiria, de fato, um verdadeiro ensaio de arqueologia industrial, dada a convivência
de gerações tecnológicas e práticas organizacionais, numa unidade fabril que é mais propriamente
um condomínio industrial de diversas linhas de produtos. Entretanto, a sua estratégia de negócios
sempre foi flexível e no seu horizonte sempre esteve presente a possibilidade de ágil reconversão,
até por ser ela uma unidade multi-produtos, líder no mercado nacional, mas também fortemente
ligada às estratégias internacionais do seu grupo de negócios.
Com 495 trabalhadores, sua força de trabalho equivale, hoje, à metade do contingente
com que iniciou os anos 90. Ademais, foi um dos principais focos da ação sindical no complexo
químico-petroquímico brasileiro em que se situa, com o recorde (no seu grupo empresarial) de 7
greves num período de 10 anos. Denomina-la-emos, daqui por diante, a “Química”.
O processo de abertura comercial afetou-a de maneira bastante peculiar. Isto porque, em-
bora tivesse sido sempre hegemônica nas linhas de produtos em que competia no mercado brasi-
leiro, a Empresa não desconhecia os efeitos da concorrência. A entrada de novos competidores,
nos anos 90, não a abalou; afinal, por pertencer a um dos maiores grupos mundiais no ramo,
sempre esteve de algum modo inserida na acirrada disputa por mercados internacionais. Na verda-

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de, o processo de abertura comercial fez com que a empresa aprofundasse o caráter global das suas
estratégias de negócios, sob estímulo da sua matriz. Deste modo, embora tenha sofrido algumas
perdas com a abertura, foi capaz de responder rapidamente ao novo cenário, mantendo o controle
sobre os seus mercados.
Em termos da gestão dos negócios, a abertura da economia brasileira promoveu a
descentralização no âmbito da planta, passando cada uma de suas principais atividades a se repor-
tar a departamentos corporativos de negócios autônomos e virtualmente internacionalizados. O
modelo de gestão organizacional, por sua vez, viu-se diretamente afetado por essa estratégia. Na
medida em que cada atividade principal teria de responder por sua perfomance junto a instâncias
que já não se localizavam na planta (e de certo modo nem no país), as direções das unidades
104
produtivas foram dotadas de grande autonomia de gestão organizacional. Daí resultam trajetórias
de reorganização razoavelmente distintas (com resultados em termos de ganhos de produtividade
também desiguais), mas que, apesar disso, procuraram, todas elas, fazer face a um mesmo conjun-
to de desafios, uma vez que partilhavam uma herança comum.
Esses desafios estavam concentrados em duas frentes, aparentemente contrapostas ou,
quando menos, que se tensionavam mutuamente:
„ a primeira delas consistia na necessidade de reduzir drástica e rapidamente os custos
fixos da produção, em meio a um cenário inicial (1990-1992) altamente adverso, carac-
terizado por recessão, inflação, política de juros elevados e câmbio crescentemente
defasado, resultados das (desastradas) tentativas do governo Collor de controlar a infla-
ção. Neste cenário, novos investimentos produtivos, seja em capital fixo, seja em expan-
são da produção, estavam desde logo descartados. O ajuste possível, tal como vislum-
brado pelas direções das várias unidades, foi o mesmo, conquanto executado com su-
cesso bastante desigual: redução de efetivos.
„ O segundo desafio resultava da dificuldade de se construir um novo arranjo regulatório
que norteasse a relação entre os atores; isto porque, falira o arranjo anterior, baseado
na estabilidade de emprego e no confinamento do conflito à questão salarial. Desafiava
este objetivo a própria natureza do período, marcado pela eliminação de postos de
trabalho (de empregos, portanto) e pela presença de uma organização sindical que, se
não estava organicamente enraizada (já que não fora capaz de implantar comissões de
fábrica), contava com uma evidente fidelidade dos empregados. Além disso, a Empresa
estava implantada no reduto de um sindicato bastante poderoso, e que não se podia
simplesmente ignorar.
Diante deste duplo desafio, é evidente que o primeiro seria preponderante; e assim foi. Ao
longo desta década, foram eliminados cerca de 50% dos empregos existentes em 1989, mantido
praticamente intacto o volume de produção. Tal com em outros casos na indústria brasileira dos

104. Três, ao todo, responsáveis por quatro linhas de produtos, os quais podem chegar a quinze ou vinte, dependendo
do momento.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

90, e na indústria química em particular (Castro e Comin, 1998), a qualidade e a qualificação foram
os canais inicialmente buscados para a fabricação de alguma outra forma de consenso e constru-
105
ção de um novo marco regulatório, condizente com as novas necessidades.
Tudo indica que, até pelo menos 1994, estes esforços não foram capazes sequer de ame-
nizar o clima extremamente conflagrado que caracterizava a história dessa fábrica. As dificuldades
do conglomerado com uma de suas mais importantes plantas levou-o a iniciativas gerenciais mais
ousadas. Em 1995, um novo superintendente assume a direção da empresa com o propósito explí-
cito de apaziguar as relações trabalhistas e sindicais. A descentralização da gestão entre as unida-
des foi aprofundada, buscando-se estreitar o contato entre os gestores das unidades e os operado-
res. Uma espécie de “reforma branca” na estrutura de carreiras, já iniciada aos poucos, foi acelera-
da, visando a redução dos níveis hierárquicos, a redistribuição de tarefas, e a homogeneização, em
termos de status ao menos, do corpo de operadores que, em sua maioria, passou a ostentar o
106
título (e o salário) mais elevado da carreira .
A necessidade de prosseguir com os planos de enxugamento, entretanto, não favorecia a
constituição de um clima organizacional mais pacífico. As demissões “à moda antiga”, ou seja,
determinadas unilateralmente pelas gerências e seguindo exclusivamente o script da legislação
brasileira, a CLT (aviso prévio de um mês e indenização proporcional ao FGTS), geravam enorme
insatisfação interna. A tradição de baixa rotatividade da empresa, bem ou mal, gerara um compro-
misso de “pertencimento à casa” por parte dos trabalhadores, freqüentemente aludido como
suporte da convivência no período anterior (anos 80). E além disso, uma vez abandonada, haja
visto a urgência em demitir, acabava por fornecer farta munição ao sindicato em suas campanhas
hostis à empresa. Como conciliar redução de efetivos e produção do consentimento?
Por um lado, através de um conjunto de políticas de apoio ao trabalhador em vias de ser
desligado, um cardápio de medidas práticas que, ao fim e ao cabo, consistiam na introdução de
paliativos aos efeitos imediatos do processo de demissão: pagamento de verbas rescisórias além do
previsto em lei; manutenção de determinados benefícios, como seguro saúde, por alguns meses
após a demissão; consultoria de outplacing (em geral para os níveis gerenciais); financiamento para
aquisição de equipamento necessário para o desempenho de atividades autônomas (eventualmen-
te para a própria “Química”); cursos de inglês e informática. Naturalmente, estes eram arranjos
que, em sua maior parte, eram feitos ad hoc, caso a caso, e negociados ou sugeridos ao funcioná-
rio de acordo com sua situação e perfil individuais. Tais políticas, por isto mesmo, escapavam de

105. Opção seguramente impulsionada pela enorme proeminância que passavam a assumir os engenheiros, agora os
responsáveis por praticamente toda a política de gestão de pessoal (inclusive a de admissão e demissão). A rápida
substituição da geração de operadores que estavam na planta há 15, 20 anos (e cuja “cultura” já não se podia
mudar, segundo todos os depoimentos colhidos) foi justificada em nome da qualidade, que se passava a buscar
através do incremento do nível educacional dos trabalhadores, possível apenas com a absorção de jovens (“os mais
velhos já não querem aprender”).
106. Utilizamos a expressão “reforma branca” porque, a despeito de se haver processado um reforma de fato na
estrutura de carreiras (simiplificada sobremaneira), formalmente ela se manteve intacta, conservando a mesma
nomenclatura.

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normatizações explícitas, driblando, assim, as negociações coletivas tal como institucionalizadas


(nas quais, certamente, o sindicato buscaria se introduzir); ademais, não consolidavam acordos
formais, ou mesmo tácitos, que impusessem jurisprudências ao futuro.
Tal como descrito até aqui, o processo em nada se diferenciaria do que algumas outras
empresas puseram em ação, no esforço por reduzir custos de uma forma eficiente num contexto
de fraca proteção ao trabalho organizado, e que também minimizasse o custo político da insurrei-
ção sindical, numa base onde o sindicalismo era particularmente ativo. Onde, então, a novidade?
Precisamente, na outra face destas novas políticas; na face que se dirigia aos trabalhadores
que poderíamos denominar “sobreviventes”, para os quais se desenvolveu um “Programa de Qua-
107
lificação para a Empregabilidade” . Esse programa se constituiu numa sorte de reinvenção gerencial
do espaço da “ação coletiva”, dotado agora de formalidade, ao modo de uma quase
institucionalidade O programa teve origem nos escalões corporativos da empresa (em sua matriz
brasileira), embora não tenha sido originalmente concebido para a esta unidade. Pelo contrário,
segundo os depoimentos, temia-se que o programa fracassasse, se fosse ali implantado, justamen-
te pelo caráter historicamente conflitivo das relações trabalhistas e sindicais nesta planta.
Prevaleceu, contudo, a avaliação inversa, sustentada pela nova direção da “Química” e por
alguns dos quadros de RH da matriz brasileira responsáveis pela elaboração original do projeto. O
apaziguamento nas relações trabalhistas na planta deveria ser buscado através de mecanismos de
envolvimento seja dos trabalhadores, seja do sindicato, capazes de comprometê-los de alguma
forma com as mudanças gerencias em curso. Ou seja, sabia-se que as transformações não chega-
vam ao fim com o enxugamento de 50% da força de trabalho, ocorrido do 90 até o 97. Por isto
mesmo, haveria que preparar o contingente sobrevivente para as ocorrências futuras, ampliando-
lhes a competência para sobreviver a postos de trabalho cuja naatureza deveria se transformar e,
mesmo, capacitando-os a caso não sobrevivessem a novas mudanças e não pudessem ser realocados
na empresa, virem a relocalizar-se no mercado regional de trabalho com menor dificuldade. O PQE,
claramente, é assumido como um expediente orientado para esta finalidade: apaziguar relações
trabalhistas, envolvendo trabalhadores com as mudanças gerenciais em curso e dotando-os de um
maior capital de empregabilidade para sobreviver às mesmas.
Essa afirmação é sustentada pelos próprios depoimentos colhidos junto a quadros da em-
presa responsáveis pela implementação do programa (e, curiosamente, apenas parcialmente pelos
sindicalistas), que reafirmaram sempre que “o processo”, ou seja, a formação de um novo espaço
de interlocução, era tão ou mais importante que seus “resultados”, o eventual aprimoramento
profissional dos trabalhadores.
O ponto de partida do programa foi a realização de uma ampla pesquisa entre os funcioná-
rios da planta, abrangendo todas as áreas e níveis hierárquicos, voltada para mapear o conjunto
das competências possuídas pelos efetivos (independentemente do seu status na empresa), identi-

107. Doravante também referido como PQE.

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ficando suas qualificações educacionais e técnicas, além de habilidades informais não necessaria-
108
mente relacionadas ao desempenho de suas funções na empresa (conhecimentos de música,
línguas, artesanato etc.).
Pouco antes da realização da pesquisa, foi criado um comitê paritário para gerenciamento
do PQE, formado por dois representantes da empresa (uma da área de Relações Industriais e outro
109
da Gerência de Qualidade), dois funcionários (indicados através de “consultas informais” ) e dois
representantes do sindicato.
Uma campanha de esclarecimento e divulgação precedeu a realização da pesquisa. O co-
mitê pouca influência teve na concepção da pesquisa, cujo desenho e realização, entretanto, fo-
ram conduzidos com autonomia pelos pesquisadores contratados. Sua participação, de fato, deve-
ria ter início nos trabalhos de interpretação de seus resultados e no planejamento da continuidade
do programa.
Uma vez concluída a coleta de informações sobre o perfil dos trabalhadores e suas expec-
tativas, o comitê passou a ter funções mais dinâmicas. Interpretar os resultados da pesquisa e
socializá-los foi a tarefa subseqüente. Dada a própria concepção do projeto, esse processo de
socialização deveria servir para mobilizar e envolver os funcionários, mais do que simplesmente
divulgar resultados. Com esse objetivo, procedeu-se à criação de de 15 grupos de 30 pessoas (o
que perfaz quase 100% do efetivo total de 450 empregados); de cada um dos grupos foram
escolhidas 4 pessoas para participar das discussões sobre os resultados e posteriormente atuarem
como multiplicadores das mesmas junto aos colegas. Pretendia-se, com isso, que as conclusões
desta primeira fase dos trabalhos ganhassem legitimidade ao serem filtradas e apresentadas pelos
próprios funcionários, efeito que talvez não se verificasse se o vetor de comunicação fossem os
dirigentes da empresa ou mesmo os pesquisadores contratados externamente. Esses grupos co-
meçaram a operar, aparentemente com significativa adesão dos trabalhadores.
Não é casual que o PQE tenha inspiração em experiências de retreinamento profissional
de trabalhadores levadas a cabo de forma pactuada entre sindicatos e empresas norte-america-
nos. O propósito de envolver o sindicato neste arranjo é parte vital da iniciativa, dada a penetra-
ção deste na planta; por outra parte, a maneira ambígua como este se engajou é bastante
expressiva. O sindicato da categoria não hesitou em indicar os dois nomes requisitados pela
empresa para compor o comitê paritário, mas, ao que tudo indica, pouca energia investiu em
participar do programa. Segundo os próprios representantes entrevistados, vários eram os mo-

108. A pesquisa foi realizada por um grupo de pesquisadores de reconhecida competência acadêmica, escolhidos
também (cf. depoimento dos gestores do Programa) por seu trânsito e lgitimidade política junto ao movimento
sindical. Consistiu na aplicação de um questionário padrão entre todos os funcionários (com retorno de mais de
90%), entrevistas em profundidade com uma amostra de trabalhadores e discussões em grupo focais. Não cita-
mos o relatório final, por razões de sigilo, para não identificar a empresa.
109. Quanto ao caráter informal da escolha/indicação há consenso nos depoimentos, mas evidentemente que, neste
caso, a direção da empresa qualifica estes funcionários de “representantes”, considerando o processo de escolha
satisfatoriamente democrático, enquanto os sindicalistas os consideram “indicados” uma vez que não houve um
processo eleitoral formal.

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tivos pelos quais o sindicato não podia deixar de se integrar à iniciativa da empresa. Em primeiro
lugar, uma atitude de simples rechaço poderia ser traduzida, perante os funcionários da empre-
sa, como falta de interesse por uma temática que claramente se constitui em um problema vital
para todos – a empregabilidade. Em segundo lugar, alegam que o sindicato jamais deveria deixar
de ocupar os espaços que se lhe abrem para influir nas políticas de pessoal da empresa. Além do
mais, se o programa de fato pudesse render algum tipo de benefício para os empregados, era
necessário explorar a possibilidade.
Por outro lado, enorme desconfiança caracteriza a avaliação que os representantes sindi-
cais fazem do programa, o que em parte justifica seu empenho relativamente tímido em participar
do comitê. Para eles, a empresa só tomava uma iniciativa destas porque esperava auferir ganhos,
que provavelmente seriam derivados da maior qualificação dos trabalhadores e sua conseqüente
disponibilidade para exercer um número maior de funções, substituindo, ao fim e ao cabo, os seus
próprios companheiros. Isso não deveria desmerecer a importância, evidente para os trabalhadores
individuais, de adquirir novas qualificações; mas estes não deveriam perder de vista que a motiva-
ção original do programa respondia a interesses da empresa, e não dos empregados.
Note-se que, com isto, os sindicalistas viam no programa, direta ou indiretamente,
virtualidades que nem sequer seus implementadores pretendiam. Para os sindicalistas, o programa
resultaria de uma necessidade concreta da empresa de requalificar tecnica e profissionalmente
seus funcionários, visando a polivalência, a redução de quadros e os conseqüentes ganhos de
110
produtividade e competitividade.
A filiação cutista do sindicato (com todo o corolário aí implicado e bem conhecido) e a
tradição de conflitos com a empresa também se interpuseram entre os sindicalistas e a participação
no programa. Ilustra esta afirmação um episódio ocorrido no segundo semestre de 1996, quando
tinha início o trabalho de discussão dos resultados da pesquisa junto aos trabalhadores da fábrica.
Este era, coincidentemente, o momento da campanha para a sucessão da direção sindical na re-
gião, e os sindicalistas enfrentavam uma oposição oriunda da própria Central, de inclinação mais
radical; estes opositores se utilizaram da participação do sindicato no PQE como peça de campa-
nha, sublinhando o caráter duvidoso do comportamento do sindicato que se punha a “colaborar”
com a empresa. Temerosos das repercussões políticas de sua participação, os representantes sindi-
cais optaram por se afastar temporariamente das reuniões do comitê, até que se verificassem as
eleições. De modo que, até o momento em que nossa pesquisa acompanhou os trabalhos do PQE
na empresa, a participação sindical vinha sendo bastante irregular, por vezes quase ocasional;
entretanto, o simples fato de existir uma representação sindical, especialmente por não ser este um
sindicato de tradição “colaboracionista”, tendeu a conferir grande legitimidade ao programa.

110. Como já deve ter ficado claro, contudo, o PQE não foi concebido apenas como um vetor de requalificação e
aperfeiçoamento técnico-operacional dos trabalhadores, mas como veículo para a difusão de uma nova cultura
organizacional baseada no consenso e não mais no conflito. De certo modo, a desconfiança dos sindicalistas
“errou o alvo” por superestimar as intenções do programa.

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A título de conclusão, é possível caracterizar a experiência do PQE como um expediente


razoavelmente eficiente de recomposição do ambiente organizacional, pela via do consenso, em
pleno movimento de enxugamento de efetivos. Através dele, a empresa procurou criar novas for-
mas institucionais de pactuação, desvinculadas das formas mais tradicionais de representação de
interesses, “roubando” assim ao sindicato a iniciativa neste terreno, sem excluí-lo, contudo. Pelo
contrário, comprometeu trabalhadores e sindicato com a sua agenda (o enxugamento e o aumen-
to da produtividade), apresentando-a sob a forma de um desafio comum e irrechaçável (a qualifi-
cação para a empregabilidade). Jogou, assim, para trabalhadores e sindicato parte da responsabi-
lidade pela construção de compromissos coletivos com o processo de reestruturação. Sua única
contrapartida à priori foi a de acolher e institucionalizar a sua participação. No curso do processo,
ela se dispunha a manter-se aberta a discutir medidas de estímulo à empregabilidade, usando
mecanismos internos de realocação e retreinamento e mecanismos externos de participação nos
foros empresariais e na Câmara Regional do Grande ABC – de que trataremos em seguida - para
dar maior efetividade ao que pudesse ser acordado no plano interno e micro-fabril.
É cedo ainda para avaliar a eficiência do PQE em termos dos objetivos que lhe imputamos
aqui. Não é desprezível, porém, o fato de que nestes últimos anos nenhum conflito coletivo tenha
ocorrido na empresa, após quase uma década de greves anuais. É certo que outros fatores devem
estar concorrendo para este clima de “paz; os altos índices de desemprego, somados à queda
abrupta nas taxas de inflação, muito possivelmente são fatores intervenientes de grande importân-
cia a explicar a redução no ímpeto grevista deste como de outros sindicatos brasileiros. O fato,
porém, é que a “Química” vem sustentando um clima de distensão interna nas relações com seus
funcionários, ao mesmo tempo em que realiza importantes mudanças organizacionais, enxuga e
principalmente recicla seus efetivos, substituindo a velha geração de operadores, muito compro-
metida com a antiga cultura organizacional da empresa - e não casualmente também com o sindi-
cato - por um novo coletivo que se espera constituir campo fértil para a nova “filosofia gerencial”
que se deseja vir a consolidar.

Caso 2: Gestão local e sustentabilidade do desenvolvimento regional: novos alvos para


velhos atores reciclados? A experiência da Câmara Regional do Grande ABC

A região do Grande ABC, formada pelos municípios de São Bernardo do Campo, Santo
André, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, situa-se no
Sudeste da Grande São Paulo, representando o centro econômico mais dinâmico da Região Metro-
politana da Grande São Paulo.
Seu desenvolvimento remonta ao início do processo de industrialização do Estado de São
Paulo, tendo se constituído num importante espaço industrial desde a primeira metade do século
atual, como resultado do espraiamento da indústria paulista ao longo do eixo da Estrada de Ferro
Santos-Jundiaí, graças à sua localização privilegiada entre a capital e o porto de Santos. Foi, contu-

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do, a implementação do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, na segunda metade dos
anos 50, que deu à região o perfil de cinturão industrial da Grande São Paulo; a partir de então, e
aproveitando-se das vantagens locacionais então disponíveis (proximidade do mercado consumi-
dor, facilidade de acesso ao porto de Santos, abundância de terra e mão-de-obra), instalou-se na
região o parque industrial automotivo, bem como o pólo petroquímico de Capuava, entre muitas
outras atividades econômicas que vinham dinamizar a industrialização precedente. Eles formaram
o coração de dois dentre os maiores complexos industriais brasileiros: o automotivo e o químico.
Apesar do grande crescimento econômico experimentado desde os anos 50, e que se tornou
a base das altas taxas de crescimento industrial que marcaram a economia brasileira nas décadas
seguintes, a região vem experimentando recentemente um acelerado processo de crise que se expressa
na diminuição do volume de emprego, na queda do rendimento médio da população, na redução da
participação no PIB industrial brasileiro. No que diz respeito ao volume total do emprego, por exemplo,
observa-se, nos sete municípios, uma redução da ordem de 35% entre 1987 e 1996 (Abramo e
Leite, 1998); só no ano de 1998, cerca de 12.000 postos de trabalho foram fechados na região, que
apresenta uma taxa de desemprego de 19,7%, superior inclusive à da Região Metropolitana da
111
Grande São Paulo . Assiste-se, também, a uma queda significativa no que se refere à sua participação
no produto industrial brasileiro: de 9% em 1980, para 8% em 1995 (Paulino, 1998).
Embora alguns destes traços estejam presentes em outras regiões brasileiras (e este é, sem
dúvida, o caso da contração do emprego formal, da ampliação do emprego e da fragilização dos
vínculos de trabalho), no caso do Grande ABC eles formam parte de uma conjuntura de crise que,
para ser melhor entendida, deve ser vista em sua conexão com dois outros fatores que vêm atuando
sobre a região: (i) a abertura do mercado e globalização das cadeias produtivas, com profundas
implicações para a estrutura industrial local e (ii) a perda de vantagens comparativas regionais, seja
pelo esgotamento de parte importante dos seus recursos locacionais, seja pela elevação do custo
locacional relativo, financeiro e/ou político.
Vejamos. No que se refe ao primeiro item, a abertura econômica e a queda das tarifas
alfandegárias, em condições de intensa apreciação cambial, impactaram sobre o setor de autopeças
e de máquinas, provocando, entre as empresas de maior porte, um grande movimento de fusões e
aquisições por similares estrangeiras que traziam as suas regras de outsourcing; isto se conectou à
grande mortalidade de empresas, especialmente entre as de médio e pequeno porte, com uma
redução significativa de postos de trabalho. Convém lembrar, também, a tendência à
desverticalização e à terceirização para os pequenos fornecedores sobreviventes de parcelas im-
portantes da produção, o que tendeu a provocar a diminuição dos empregos mais bem remunera-
dos e o aumento do trabalho informal.
Já no que diz respeito à perda das vantagens comparativas locais, esta reflete a forma
predatória do desenvolvimento alcançado no período anterior, responsável pelo aparecimento de

111. Conforme dados gerados pela PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego, inquérito amostralde base domiciliar
levado a cabo pela Fundação Seade - Sistema Estadual de Análise de Dados do Estado de São Paulo.

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uma série de deseconomias de aglomeração, tais como: trânsito caótico, enchentes, escassez e alto
preço da água industrial, poluição ambiental, terrenos supervalorizados, etc.. A este conjunto de
fatores se somou a tendência à reespacialização da produção, à busca de greenfields por parte das
empresas na tentativa de encontrar novas vantagens locacionais, que lhes permitissem tirar proveito
da guerra fiscal entre estados e municípios e escapar da presença de um sindicalismo combativo.
Esta síndrome de características encarregou-se de difundir entre as empresas a convicção
de que a região estaria impondo altos custos à produção. Tal convicção ganhou foros de truísmo,
tornando cada vez mais corrente, na região, uma expressão que a sintetizava: “o custo ABC”.
Nesse contexto, não somente diminuíam os novos investimentos na produção industrial, como
ocorria um relativo esvaziamento da indústria local, particularmente evidente, a partir de 1994,
quando o Governo Federal desativou a Câmara Setorial do Complexo Automotivo, que havia dado
um novo dinamismo à produção do setor nos dois anos anteriores.
A resposta que a região vem dando à crise – a consolidação de uma Câmara Regional no
Grande ABC -, embora ainda seja por demais recente para evidenciar resultados concretos, é tão
inovadora quanto promissora. Ela se apóia na significativa densidade institucional que caracteriza a
região, a qual se expressa na existência de sindicatos organizados, representativos, solidamente
enraizados na base e portadores de uma importante experiência negociadora; de lideranças em-
presariais que também desenvolveram, ao longo do tempo, uma destacada capacidade de negoci-
ação; e de governos municipais comprometidos com programas inovadores de gestão em varias
áreas.
Conforme explicitaram Abramo e Leite,
“essa densidade institucional é resultado de um complexo processo de constitui-
ção de atores e de espaços de interlocução e negociação que teve lugar na região nos
últimos 20 anos e que pode ser dividido em 3 etapas. A primeira delas vai de 1978 a 1990
e está marcada por uma intensa dinâmica de conflito/negociação entre empresários e sin-
dicatos. Nesse período os sindicatos, principalmente nos setores metalúrgico, químico e
petroquímico, aprofundam seu conhecimento sobre a organização e as condições de tra-
balho, as características dos setores produtivos, fortalecem sua organização, ampliam sua
capacidade negociadora. Produz-se assim um importante processo de aprendizagem e mútuo
reconhecimento de interlocutores, tanto para trabalhadores como para empresários. A
luta sindical é basicamente distributiva e o âmbito principal de definição dos atores e de
constituição de espaços de negociação é a empresa e o setor. O segundo momento se
localiza nos inícios dos anos 90, a partir da abertura comercial impulsionada pelo Governo
Collor e pelo aprofundamento da crise econômica, em especial no setor automobilístico. A
marca mais importante desse período foi a criação da Câmara Setorial da Indústria Auto-
mobilística, importante experiência de negociação tripartite entre o governo (nacional e
estadual), empresários e sindicatos a nível de cadeia produtiva. Os sindicatos assumem uma
posição muito mais propositiva, não apenas no sentido de defender seus níveis de empre-
go e remuneração, seus direitos de organização e representação e suas condições de traba-
lho, como também no sentido de discutir a crise e o futuro da indústria automobilística,
assumindo-se como atores que também tinham parte de responsabilidade quanto a esse
futuro. O terceiro momento tem lugar a partir do final de 1996 e está marcado pela preocu-
pação dos atores mais significativos (principais sindicatos, empresários e, governo do Estado
de São Paulo, governos municipais e organismos representativos da sociedade civil) de fazer

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frente à crise que ameaça, não mais agora apenas um complexo produtivo (por mais importante
que esse pudesse ser em termos da economia local e inclusive nacional), mas sim o conjunto
da região” (Abramo e Leite, 1998: 16-18).
É certo que as experiências de cooperação inter-institucional com vistas à gestão local têm
uma história peculiar na região. Ela remonta à criação de dois outros institutos, eles mesmos
testemunhos da densidade institucional a que fizemos refeerência:
(i) o Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings, criado em
112
dezembro de 1990, congregando os sete municípios do chamado Grande ABC , e
(quando este Consórcio entrou em letargia, entre 1993 e 1996, pela chegada às
prefeituras de uma nova leva de administradores pouco afeitos a este tipo de prática)
(ii) o Fórum da Cidadania do Grande ABC que, congregando mais de cem entidades da
sociedade civil como associações empresariais, sindicatos de trabalhadores, grupos
ecológicos, associações de moradores etc, renovou um conjunto de compromissos
113
de caráter regional (Daniel, 1997).
Entretanto, é certo que a concepção da Câmara Regional foi fortemente inspirada pela
experiência da Câmara Setorial do Complexo Automotivo, não por acaso enraizada na mesma
dinâmica política dos atores do ABC.
Institutos governamentais de regulação, a concepção de câmaras setoriais inovara, no iní-
cio dos anos 90, no seu escopo, na sua natureza e nos seus resultados (Cardoso e Comin,1995;
Arbix, 1996; Mello e Silva, 1997). No que concerne ao escopo, cada câmara deveria ter por foco de
intervenção um complexo produtivo, envolvendo todos os atores responsáveis pela cadeia de pro-
dução. Ali tinham assento produtores finais e seus fornecedores, reunidos numa instância de for-
mação consensual de diretrizes que os forçava a negociar interesses. Se é certo que tal negociação
não eliminava os efeitos de assimetrias existentes na distribuição de poder na cadeia de produto-
res, ela certamente ampliava franjas para negociar soluções entre esses desiguais que minimizassem
ou, quando menos, administrassem essa desigualdade. Mais ainda, o escopo da intervenção
regulatória das câmaras tinha, como sua grande novidade, a presença dos sindicatos de trabalha-
dores do complexo correspondente. Com isso, entendimentos usualmente bilaterais, até então
tecidos nas ante-salas da burocracia governamental envolvendo estado e empresas, passavam à
114
esfera pública e nela incluíam representantes dos trabalhadores.

112. O Consórcio foi criado com a finalidade de: (i) representar o conjunto dos municípios que o integram em matéria
de interesse comum, perante quaisquer outras entidades de direito público e privado, nacionais e internacionais;
(ii) planejar, adotar e executar projetos, obras e outras ações destinadas a promover, melhorar e controlar a infra-
estrutura física da região; e (iii) promover formas articuladas de planejamento do desenvolvimento regional, crian-
do mecanismos conjuntos para consultas, estudos, execução, fiscalização e controle de atividades.
113. O salto mais significativo em direção à Câmara se deu, entretanto, ainda em 1996 quando o governo do Estado de
São Paulo lançou publicamente a idéia de criação de uma Câmara Regional para o Grande ABC com a participação
dos governos municipais e da comunidade local a fim de estimular o desenvolvimento econômico regional. Con-
forme explicita Daniel, a eleição dos sete novos prefeitos contribuiu para que os governos locais voltassem a
encarar as questões intermunicipais como fundamentais para o futuro de seus próprios municípios.
114. Este, e os oito parágrafos seguintes foram tomados empréstimo de Castro (1997).

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Da novidade de escopo resultou uma definição igualmente inovadora quanto à própria nature-
za desse instituto de regulação setorial. Abandonavam-se as antigas experiências dos organismos
estatais com representação de agentes (tal como fora exercida no âmbito dos órgãos de desenvolvi-
mento regional, ou dos conselhos de política pública), avançando-se para a definição de um ente
público de natureza tripartite que, com independência vis-a-vis à burocracia estatal (apenas um dos
três agentes), propunha diretrizes setoriais num amplo espectro: política tecnológica e de investimen-
to, estratégias competitivas, políticas de financiamento, estratégias de preços e de distribuição face a
horizontes almejados para o perfil da demanda e, finalmente, políticas de emprego, salários e de
negociação dos efeitos do intenso ajuste estrutural sobre a incorporação e uso do trabalho.
Finalmente, prescindindo mesmo de qualquer consideração quanto aos efeitos reais da
atuação das câmaras, a sua mera existência criou novas possibilidades de regulação à nível setorial
das relações industriais no Brasil. De fato, constituiu-se, por primeira vez no país, a possibilidade de
uma esfera pública de negociação das relações de trabalho, onde trabalhadores e empresários
pudessem discutir algo mais que meros instrumentos defensivos face a conjunturas de confisco de
salários por inflação selvagem, como acontecera até o final dos anos 80. Na pauta passavam a
estar as diretrizes de política industrial e do trabalho que, refletindo as novas realidades das rela-
ções sociais de trabalho nos chãos-de-fábrica, a estes retornavam enquanto determinantes de seus
desenvolvimentos futuros.
Essa novidade em âmbito setorial teve lugar num contexto de grandes transformações
115
também no micro-cosmos das empresas. Por um lado, a abertura comercial em meio à crise
econômica do início dos anos 90 expôs as firmas brasileiras a novos padrões de competitividade,
com pressões sobre custos e qualidade, que afetaram as suas estratégias competitivas, políticas de
investimento e modalidades de gestão do negócio. Seus resultados foram imediatos e avassaladores
seja sobre as políticas de efetivos (com sucessivas ondas de demissões e sub-contratações), seja
sobre as relações de trabalho e as práticas de negociação das intensas mudanças organizacionais.
O transcurso dessas mudanças e os seus impactos no nível concreto do dia-a-dia do traba-
lho fabril não estão inscritos ex ante como parte da natureza mesma do processo de reestruturação.
Nesse sentido, convém assumir a necessária distância crítica, seja do ufanismo daqueles que reco-
nhecem uma virtualidade intrínseca à reestruturação, atribuindo-lhe a capacidade de “democrati-
zar” os locais de trabalho, seja do catastrofismo de outros tantos que vêm nos chamados “ambi-
entes reestruturados” o bem-sucedido ardil de um agente social (o capital) que, por fim, subordina
inteiramente (ao dominar ideologicamente) o sujeito trabalhador.
Ao contrário, essas transformações têm sujeitos sociais – plurais e ativos – a sustentá-las. Assim,
somente no âmbito da política, vale dizer, da negociação dos distintos interesses sociais em torno à
reestruturação, se inscrevem a possibilidade e o curso das mudanças na contratação do trabalho. E

115. Das quais, o caso 1, antes relatado, se constitui num excelente exemplo, a indicar como novos contextos de
competição e novos paradigmas organizacionais podem dar lugar a experiências inovadoras, mesmo que limita-
das, de constituição de novas institucionalidades.

Convênio Cebrap/Finep 189


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

quanto a isso, que fatos novos surgiram no Brasil dos anos 90? Parece que o principal deles diz respeito
à possibilidade de que a negociação direta entre empregadores e empregados se expresse num modo
distinto ao que transcorrera no Brasil sob intervencionismo autoritário do estado, intervencionismo este
que informou a estratégia desenvolvimentista no longo período de construção industrial substitutiva,
seja sob a égide de governos civis populistas (como os de Vargas), seja bancado por governos militares
(como os que se seguiram ao Golpe de 1964). Tal novidade redefiniu não apenas os termos da relação
entre sindicato e empresa, mas igualmente entre estes e o Estado.
A novidade, por sua substância, se localizaria agora na possibilidade de um jogo onde
interesses podem ser contratados. Vale dizer, eles não têm que ser equacionados num modelo de
dupla saída, onde apenas se tenha no horizonte (i) ou a possibilidade da subjugação completa do
antagonista nos moldes de um autoritarismo despótico garantido por um estado interventor e
autoritário (até mesmo na instituição de direitos); (ii) ou a necessidade da recusa permanente a
qualquer sorte de contratação, que faz da belicosidade (anti-estatal e anti-patronal) um elemento
definidor de cada ação política do trabalho organizado.
Por sua forma, a novidade dos anos 90 estaria na constituição de novas institucionalidades,
seja à nível meso (setorial), seja à nível micro (da firma). Tais novidades institucionais abriram a
possibilidade de um espaço público de construção de uma outra espécie de contratualidade no
plano das relações industriais.
Ao nível meso, a experiência das câmaras setoriais documentou essas novas condições de
contratação onde Estado, trabalhadores e empregadores (tanto quanto distribuidores e consu-
midores) podem vir a se tornar agentes sociais de igual importância vis-a-vis a sociedade e um
novo contrato social. O ocaso da experiência de nenhum modo lhe retirou a importância. As
câmaras foram, certamente, o mais importante experimento à nível meso (das cadeias produti-
vas) que se teve oportunidade de empreender no Brasil dos nossos dias. A sua mera existência
documenta que a efetividade de novos modelos paradigmáticos põe em questão agentes soci-
ais, terrenos de negociação e expectativas de conduta antes assentes na regulação das condi-
ções de trabalho. Ao fazê-lo, abre caminho para novos experimentos de regulação; alguns tão
avançados quanto as câmaras em seu esforço por trazer a regulação para um espaço público da
pactuação entre iguais.
Tal se verifica hoje com a novidade da Câmara Regional do ABC (Bresciani, 1997; Abramo
e Leite, 1998), extensão, para o âmbito da gestão local, da possibilidade de pactação de interesses
sociais distintos e por vezes até mesmo divergentes, que contempla forte envolvimento sindical
em temas até então circunscritos aos artífices das políticas urbana e metropolitana.
116
Além do ímpeto sindical presente no seu nascedouro – que via na proposta uma forma de
117
contornar a derrota política sofrida pela Câmara Automotiva com a saída do governo federal –a

116. E que continua igualmente vigoroso até o momento.


117. Conforme declaração de um sindicalista, o pensamento que os mobilizou para a criação da Câmara baseava-se
num vaticínio, que era ao mesmo tempo um desafio: “se o governo federal esvaziou as Câmaras Setoriais, vamos
apostar nas Câmaras Regionais, apoiadas nos governos locais”.

Convênio Cebrap/Finep 190


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

proposta de uma Câmara Regional retoma, assim, duas características centrais da experiência anterior:
o enfoque centrado no conceito de cadeia produtiva e o esforço de construção de um espaço
público de expressão e negociação de diferentes interesses.
Ao mesmo tempo, como elucidaram Abramo e Leite (1998: 18)), a Câmara Regional
representa um avanço significativo em relação a essa experiência pregressa em três sentidos. Em
primeiro lugar, o tripartismo agora se amplia a um multipartismo; é interessante destacar que a
herança da experiência do multipartismo não vai se dar apenas neste nível regional, como o
documenta a Câmara do Grande ABC, mas também em nível nacional, na inovadora iniciativa de
gestão multipartite de fundos públicos ligados ao emprego e à qualificação, como o FAT, de que
trataremos em seguida.
Em segundo lugar, a visão das cadeias produtivas se enriquece: essas passam a ser pensa-
das como partes constitutivas de um território, que, por sua vez, é visto não apenas como um
âmbito meramente geográfico ou administrativo, mas sim como um espaço socialmente organiza-
do (Albuquerque, 1997); a novidade meso-setorial se torna agora meso-regional. E, em terceiro
lugar, a preocupação com o futuro de determinados setores produtivos se incorpora à tentativa de
definição de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento econômico local.
Este tripé de características confere um sentido ainda maior à novidade da Câmara do
Grande ABC. Isto porque nela comparecem, com participação decisiva, antigos atores que tinham
no local de trabalho, na planta produtiva – e não na região e na sua dinâmica –, o solo comum a
partir do qual teciam formas de negociação. Desse modo, a Câmara Regional, por seu referente
espacial, vai mudar os termos da pactação e o tipo de intervenção que nela farão os sindicatos,
tanto patronais quanto de trabalhadores.
Em parte porque neste novo espaço institucional, o alvo é outro – e mais amplo – que o da
produção, da competitividade e do reparto dos ganhos, haja visto que ela foi concebida com o
objetivo de aglutinar forças governamentais e da sociedade civil na escolha e implementação de
ações regionais que viessem a promover, de modo integrado, o desenvolvimento econômico e
social da região. E, por isto mesmo, é outro – e igualmente mais amplo – o leque dos atores que
formam decisões: além de empresários e sindicatos, a Câmara congrega prefeituras dos municípios
do Grande ABC, o governo do Estado de São Paulo, o conjunto dos parlamentares da região no
nível municipal, estadual e federal, o pré-existente Fórum da Cidadania do Grande ABC, e grande
número de entidades civis organizadas.
Por isto mesmo, seus resultados responsabilizam os agentes tradicionais do mundo do
trabalho com temáticas mais amplas e concernentes ao planejamento local. Uma rápida vista de
olhos pode exemplificar a extensão da ação da Câmara Regional. Qual tem sido o seu percurso em
termos de realizações logradas nestes seus três breves anos de existência?
Numa primeira fase, a Câmara buscou assenhorando-se da realidade regional: promoveu
seminários, estudos sócio-econômicos, diagnósticos das diferentes cadeias produtivas, além da criação
de vinte Grupos Temáticos de Trabalho, voltados para a análise de problemas específicos e propostas

Convênio Cebrap/Finep 191


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

de soluções. Esse conjunto de estudos, debates e negociações deu origem a dois grandes acordos:
118
o primeiro em novembro de 1997 e o segundo em agosto de 1998.
Evidentemente, nem todas as cláusulas foram concretizadas até o momento, assim como
nem todas caminharam com a mesma velocidade. Entre as que mais avançaram cabe destacar a
criação da Agência de Desenvolvimento Econômico, a implantação de Sistemas de Retenção de
119
Águas Pluviais, as obras no Sistema Viário, a Revisão da Lei dos Mananciais e a formulação do
Plano Regional de Qualificação Profissional.
Convém lembrar, entretanto, que juntamente com os esforços de implementação destes
acordos, os agentes sociais envolvidos na Câmara continuaram o trabalho de levantamento de
problemas e busca de soluções, o qual redundou numa segunda rodada de acordos, em número
de 12, assinados em agosto de 1998, muitos dos quais tentam avançar a partir do patamar atingi-
do em novembro de 1997. Dentre estes, alguns dizem respeito diretamente à competitividade
120
econômica regional e à proteção/geração de postos de trabalho , a saber:

118. O primeiro Acordo Regional compôs-se de oito termos de compromisso visando:


(i) Constituir a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC com a missão de concentrar as informações
sócio-econômicas da região, conduzindo as ações de marketing regional e coordenando ações técnico-financeiras
de apoio e fomento às empresas tendo em vista promover o desenvolvimento econômico regional sustentado;
(ii) Implantar sistemas de retenção de águas pluviais nos municípios do Grande ABC, inseridos na Bacia Hidrográfica
do Alto Tamanduateí, com o objetivo de combater as enchentes na região;
(iii) Executar obras no sistema viário do Grande ABC, abrangendo o sistema Anchieta-Imigrantes e a Rodovia Índio
Tibiriçá;
(iv) Propiciar a revisão da lei nº 9472/96, visando melhorar as condições para o desenvolvimento de atividades indus-
triais não poluentes, compatíveis com a proteção aos mananciais;
(v) Promover a modernização tecnológica das micro, pequenas e médias empresas, numa visão setorial em consonân-
cia com as vocações tradicionais e novas da região do ABC, através da viabilização de financiamento e juros
menores e implementação de programas de apoio à difusão tecnológica e qualificação profissional;
(vi) Formular e executar um plano regional de qualificação profissional para 235 mil trabalhadores até o ano 2000 e
implementar o observatório permanente de situação de emprego;
(vii) Estabelecer cooperação técnica, visando o planejamento integral e integrado, envolvendo elaboração, implementação
e acompanhamento de programas e projetos (regional e municipal), bem como de pesquisa e intercâmbio de
informações e dados para fomento e desenvolvimento de atividades turísticas e culturais na região do Grande
ABC;
(viii) Integrar a Câmara do Grande ABC ao Movimento Regional “Criança Prioridade 1” que visa garantir a criação e o
fortalecimento dos instrumentos de captação de recursos, objetivando uma rede de serviços em prol da criança e
do adolescente na região do Grande ABC.
119. A modificação pretendida na Lei dos mananciais justificava-se em função de que a Lei que entrou em vigor em
1996 (9472/96) impedia o desenvolvimento de qualquer tipo de atividade industrial nas áreas de mananciais que
correspondem no caso do ABC a 56% do território da região. A aprovação, em meados do ano passado, do
Projeto de Lei elaborado no âmbito da Câmara altera o zoneamento industrial metropolitano, permitindo a im-
plantação de indústrias de pequeno porte, não poluidoras, em áreas de segunda categoria no contexto de legisla-
ção de proteção aos mananciais hídricos.
120. Outros, estão indiretamente ligados à a,pliação das condições de competitividade regional ou ao restabelecimento
das vantagens comparativas do ABC, como sejam: melhoria do transporte coletivo regional (através de melhorias
no trem metropolitano e desenvolvimento de projetos visando a instalação de um metrô de superfície); vinculação
ao Programa Integrado de Transportes Urbanos do Governo do Estado de São Paulo; tratamento de efluentes
industriais; ampliação do sistema de controle e drenagem de águas pluviais; ampliação da oferta habitacional da
região; implementação de um hospital regional de referência; fortalecimento do Movimento Regional “Criança
Prioridade 1”.

Convênio Cebrap/Finep 192


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

(i) Implementação do Pólo Tecnológico do Grande ABC, com o objetivo de aumentar a


competitividade dos setores automotivo e petroquímico (através da criação de centros
de Pesquisa e Desenvolvimento articulados com as Universidades da região) e de outros
setores alvos que seriam, em um primeiro momento, objeto de programas de apoio e
difusão tecnológica (plástico, química, manufatura mecânica, moveleiro e meio-ambi-
ente).
(ii) Aumento da competitividade das cadeias produtivas: desenvolver um amplo processo
de sensibilização das micro e pequenas empresas no sentido de promover a sua moder-
nização tecnológica, assim como implementar um Fundo de Aval com o objetivo de
ampliar e agilizar as fontes de financiamento dirigidas a esse setor.
(iii) Qualificação e requalificação de mão-de-obra para o setor petroquímico (através de
a
recursos do FAT), com o objetivo de incentivar a atração de empresas plásticas de 3
geração, o que se justifica pela existência de um importante pólo petroquímico na re-
121
gião.
(iv) Revitalização do setor moveleiro, através da incorporação de novos modelos de gestão
que contemplem o desenvolvimento científico e tecnológico, a qualificação profissional
e o marketing industrial, propiciando a criação de um centro de desenvolvimento de
design com o objetivo de aumentar a qualidade e a competitividade do setor.
(v) Ampliação da oferta de empregos no setor comércio (através da garantia de condições
adequadas para o seu funcionamento aos domingos).
Sem dúvida, houve ainda pouco tempo para que esses acordos pudessem ser implementados.
Mas, será que isto nos autorizaria a considerá-los como meros elementos da retórica política de
administradores municipais em busca de sua re-eleição? Arriscaríamos dizer que não, exemplificando
com dois alvos regionais, particularmente importantes para a regulação das relações no mundo do
trabalho em intensa reestruturação: as políticas para aumento da competitividade nas cadeias
produtivas localmente sediadas e o plano regional de qualificação profissional. Vejamos.
O aumento da competitividade das cadeias produtivas vem sendo proposto principalmente
através da modernização tecnológica das micro, pequenas e médias empresas, a ser obtido por
meio do acesso a financiamento com baixos juros e programas de apoio e qualificação profissional.
O principal instrumento para isso seria o fundo de aval, criado com o objetivo de facilitar o acesso
122
das micro e pequenas empresas aos recursos governamentais administrados a partir do BNDES.

121. Nesse sentido, esse acordo também visa fortalecer a cadeia representada pelas petroquímicas de primeira e segun-
da geração e pela indústria de plástico de terceira geração.
122. O Fundo de Aval, já aprovado, terá uma verba inicial de R$ 10 milhões, destinados a garantir 70% dos créditos a
serem obtidos pelas empresas junto às linhas de financiamento dos seguintes órgãos do governo federal: BNDES-
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, Finep- Financiadora de Projetos, FAT- Fundo de Amparo ao
Trabalhador, bem como o Fundo de Investimentos de Crédito Produtivo Popular de São Paulo. O seu agente
financeiro será a Nossa Caixa-Nosso Banco.

Convênio Cebrap/Finep 193


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Visando enfrentar o problema de falta de cooperação entre as empresas, detectado pelo


Diagnóstico e Perspectivas das Cadeias Petroquímica e Automotiva no ABC (encomendado a uma
equipe de consultores atraídos de instituição universitária regional), a Câmara vem implementando
uma série de medidas voltadas ao fortalecimento da cooperação entre as mesmas, entre as quais
destaca-se a formação do Grupo de Sinergia do Setor Químico e Petroquímico, que vem
implementando uma série de ações integradas entre as empresas no que se refere a serviços de
123
refeições, transporte, manutenção, assistência médica, logística, etc...
No que concerne ao “Plano regional de qualificação profissional”, as principais metas,
atualizadas para 1998, são:
a) qualificar 235 mil trabalhadores até o ano 2000;
b) instalar centros públicos de formação profissional; c) criar seis “Postos de Atenção ao
Trabalhador”;
c) desenvolver a empregabilidade dos trabalhadores através do: i) aumento da escolarida-
de média da população; ii) melhoria da qualidade dos programas de formação profissi-
onal existentes, adaptando-os às novas necessidades da região, bem como aos setores
124
“de nítida vocação regional”; iii) desenvolvimento de programas de formação profis-
sional para os setores emergentes da região; iv) preservação e melhoria das escolas
técnicas da região; v) contribuição com a formação para a cidadania.
Entre as principais idéias que orientam esses acordos, continua destacando-se a preocupa-
ção com a “redução do custo ABC”. Esta redução está sendo pensada não apenas e nem princi-
palmente com relação aos custos do trabalho, mas sim de maneira mais sistêmica, ou seja, incluin-
do medidas no sentido da flexibilização de impostos, investimentos no sistema viário e na infra-
estrutura, formação e qualificação profissional, aperfeiçoamento das redes escolar, de saúde e de
transportes públicos (Abramo e Leite, 1998: 22).
Enfim, embora ainda muito recente, a proposta de desenvolvimento econômico local em vigor
no Grande ABC se mostra extremamente promissora como instrumento de enfrentamento dos problemas
que se abatem sobre a região, entre os quais destaca-se o do desemprego. A busca de resolução dos
problemas das deseconomias de aglomeração, de fortalecimento das cadeias produtivas e de
desenvolvimento de novas vocações, como forma de transformar o “Custo ABC” em “Benefício ABC”
125
e assim sustar o processo de desindustrialização vem dando um novo ânimo à região , o qual poderá
rapidamente amenizar os problemas mais graves com que a região se depara no momento atual.

123. Segundo entrevista realizada com um gerente de uma grande empresa do setor, a realidade hoje já é bastante
diferente da encontrada quando da elaboração do diagnóstico. De acordo com um sindicalista do setor metalúrgico,
o mesmo vem começando a ser observado na cadeia automotiva, onde as empresas vêm iniciando discussões de
ações integradas no que se refere ao fornecimento de refeições e outros serviços comuns a várias empresas.
124. No momento, já foi formulado o projeto de qualificação profissional do setor de transformação plástica (aguar-
dando a liberação de verba por parte do FAT para entrar em funcionamento) e encontra-se em andamento a
formulação de outro para o setor moveleiro.
125. Apesar de inexistirem novos investimentos significativos na região nos últimos anos, muitas empresas, especial-
mente do setor automotivo, estão revendo seus planos de saída do ABC..

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

Caso 3 - A gestão tripartite de fundos públicos para a geração de emprego e renda


(o PROGER)

Desde 1995 vêm sendo implantados em todo o Brasil programas de fomento a negócios de
pequeno porte, com o propósito de estimular alternativas de geração de renda e empregos. Estes
programas são sustentados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador-FAT, que é um fundo de cerca
de 8 bilhões de dólares anuais, constituído através de contribuições trabalhistas de empresas e
empregados e é o responsável pela gestão de programas de enorme alcance como o Seguro-
Desemprego (cerca de 4 bilhões por ano) e o Planfor. O FAT e os programas por ele geridos cons-
tituem uma novidade do ponto de vista institucional: trata-se de um fundo dirigido de forma
tripartite (organismos empresariais, centrais sindicais e representantes de variadas esferas de go-
verno), arranjo de escassa e recente tradição no Brasil.
Os programas de geração de renda (PGRs) consistem basicamente na disponibilização de
linhas de crédito subsidiado (com juros inferiores a 5% a.a., bastante baixos para os padrões bra-
sileiros), voltadas para pequenos empreendimentos que, pelo menos idealmente, podem ser for-
mais ou informais, coletivos, familiares ou individuais. Em princípio, estes programas não se esgo-
tam apenas no crédito, mas compreendem também atividades de capacitação, seja dos proprietá-
rios seja de seus funcionários, bem como a vinculação do apoio financeiro à geração de empregos.
Os PGRs se dividem em duas linhas básicas, uma voltada para o meio rural (Proger-Rural e Pronaf-
Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar) e outra para o meio urbano (Proger-Programa
de Geração de Emprego e Renda), subdividida em quatro linhas: a) micro e pequenas empresas; b)
recém-formados; c) cooperativas; e d) setor informal). A intermediação financeira do programa fica
126
a cargo dos bancos públicos federais.
Entre janeiro de 1995, quando teve início o programa, e agosto de 1998, última apuração
disponível, foram aplicados nestes programas cerca de 5,5 bilhões de reais (o que até aquele mo-
mento equivalia aproximadamente à mesma quantia em dólares americanos), uma quantia, como
se vê, bastante razoável, considerando o porte das atividades visadas. Esse montante foi distribuí-
do entre 910 mil beneficiários, resultando em uma média de 6 mil reais por operação. Quantia
aparentemente modesta, mas de impacto não desprezível, especialmente nas atividades agro-
pecuárias das regiões mais pobres. Foram justamente as operações das linhas de crédito rurais que
consumiram a maior parte dos recursos, quase três quartos, para quase 770 mil operações. Em
compensação, as operações no meio urbano, 142 mil, apresentaram uma média de valores bem
superior, 10 mil reais.
Juntas, as regiões Sul (50%) e Nordeste (28%), áreas onde a pequena e média propriedades
rurais ainda têm um peso muito significativo, receberam quase 80% do total de recursos empregados.
Os PGRs brasileiros possuem uma arquitetura institucional razoavelmente complexa, que
encerra ao mesmo tempo suas melhores virtualidades e suas principais fragilidades. O desafio que
126. Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal (CEF), Banco do Nordeste Brasileiro (BNB) e Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Convênio Cebrap/Finep 195


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

se pretendeu enfrentar era o de concretizar um programa ao mesmo tempo vasto e descentralizado,


assegurando o papel dos principais agentes envolvidos em todas as esferas. A estrutura tripartite,
caraterística do órgão de cúpula responsável pelos programas, deveria se estender a todas as esferas
de gestão e controle, agregando ainda novos agentes sociais. A fórmula institucional criada para
nuclear essas ramificações foram as Comissões de Emprego. De início, criaram-se Comissões Estaduais
de Emprego (CCEs) em todas as unidades da federação, a partir das quais seriam estruturadas as
Comissões Municipais (CMEs).
Estas comissões são (ou deveriam ser) compostas primordialmente por representantes de
sindicatos, organizações patronais e representantes do poder público local (prefeitura ou governo
estadual, conforme o caso), em proporção idêntica. A essas comissões seriam agregados novos
agentes (a critério dos membros “natos”), tais como órgãos técnicos (DIEESE, Sebrae e universidades),
associações civis (de moradores, de produtores rurais, de comerciantes, de desempregados ou
sem-terra) e até mesmo representantes das instituições financeiras responsáveis pelos programas.
As funções das comissões são, em princípio, bastante amplas: definir as linhas prioritárias
de investimento de acordo com o perfil, a vocação e as potencialidades da região; definir o perfil
dos beneficiários; apreciar a relevância e a viabilidade dos projetos; coordenar ações de acompa-
nhamento e suporte ao desenvolvimento dos empreendimentos financiados; acompanhar os re-
sultados das operações em função dos alvos dos programas (geração de renda e empregos); fisca-
lizar a ação dos agentes financeiros; e prestar contas da performance dos programas.
Esse conjunto de ações não necessariamente tem que ser desempenhado diretamente pe-
las comissões, até porque estas, de um modo geral, não possuem estrutura própria e nem se deseja
que a possuam a fim de que todos os recursos dos programas sejam concentrados na atividade fim
(financiamentos). Às comissões cabe construir e gerenciar redes de colaboradores e entidades
conveniadas que ofereçam o suporte adequado às suas ações. Destacam-se nestas funções os
SINEs (agências públicas de empregos do governo brasileiro, com estrutura descentralizada), o
Sebrae (entidade privada de apoio aos micro e pequenos empresários), os próprios sindicatos de
trabalhadores (que freqüentemente possuem alguma estrutura de assessoria técnica), a Anteag
(Associação Nacional de trabalhadores em Empresas de Auto-Gestão) e diversas universidades
públicas e privadas.
Neste período que estamos estudando, foram criadas 2.293 comissões municipais de empre-
go, o que corresponde a cerca de 40% do número existente de municípios no Brasil (5.513). Aparen-
temente um resultado extraordinário para tão pouco tempo, não fossem os indícios de que boa parte
delas possui uma existência muito incipiente, quando não apenas formal (voltaremos a isso).
Embora ainda seja um pouco prematuro para elaborar juízos muito taxativos a respeito dos
PGRs, algumas observações gerais podem ser feitas a título de avaliação de resultados bem como
127
de seus principais obstáculos.

127. Os comentários que se seguem são fruto de participação de um dos autores deste texto (Alvaro Comin) na “Pesquisa
Nacional de Avaliação do Proger, Proger Rural e Pronaf”, financiada pelo próprio FAT e executada por um instituto
independente de investigação, o Ibase - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, do Rio de Janeiro.

Convênio Cebrap/Finep 196


Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

A concepção mais geral dos programas parece desde logo acertada. Sabemos que, no Brasil,
os pequenos empreendimentos são responsáveis por uma fatia extremamente relevante dos
empregos. Considerando 2,6 milhões de pequenas e micro-empresas, com até 10 funcionários,
elas empregam cerca de 25% da força de trabalho no Brasil, segundo dados da Receita Federal,
que abrangem apenas empreendimentos formais. Entretanto, como demonstra um recente estu-
do do Simpi (Sindicato das Médias e Pequenas Empresas), a taxa de mortalidade destas empresas é
assustadoramente elevada. Entre 1988 e 1998, das mais de 5 milhões de pequenas empresas
128
abertas, cerca de 78% não sobreviveram . Portanto, um programa de estímulo a este tipo de
negócio, se bem sucedido, parece bastante promissor do ponto de vista da geração (e manuten-
ção) de postos de trabalho.
Com efeito, os dados preliminares parecem confirmar que, no universo de empreendimen-
tos beneficiados pelas linhas de crédito especial, a taxa de mortalidade é significativamente menor,
bem como a taxa de inadimplência. Da mesma forma, nos empreendimentos rurais estima-se que
cada operação de crédito tenha gerado (no período de sua duração), em média, 3 ocupações, o
que significaria um custo de aproximadamente 1.250 reais por ocupação criada. Em que pese o
caráter ainda aproximativo destes dados, eles soam animadores. O efeito destes pequenos créditos
parece ser, pelo menos a curto prazo, muito mais efetivo sobre as atividades agro-pastoris, do que
sobre as atividade urbanas, nas quais o Proger por si só, de um modo geral, não parece ser sufici-
ente para explicar o sucesso ou fracasso dos empreendimentos, uma vez que ele raramente é a
principal fonte de recursos.
Parte do problema pode estar num relativo descolamento entre a concepção dos progra-
mas e as características dos intermediadores financeiros. No caso das atividades rurais, o principal
agente financeiro, o Banco do Nordeste do Brasil, já bastante habituado a lidar com este tipo de
tomador de crédito (também o caso do Banco do Brasil), abraçou o programa de forma bastante
destemida, viabilizando operações com contratos simples e rápidos e poucas exigência de garanti-
as e não parece estar sofrendo com taxas de inadimplência mais elevadas do que a do mercado
como um todo. Já nas atividades urbanas, os agentes financeiros (Banco do Brasil e Caixa Econômica
Federal), até por força das políticas de incremento à rentabilidade que pretendem aproximá-los da
performance dos bancos privados, tenderam a tratar essas linhas de crédito com o mesmo grau de
exigência que devotam às linhas convencionais, ou seja, exigindo garantias de até 14% sobre o
valor dos créditos, depósitos e contrapartidas (como compra de seguros, cartões de crédito etc.) e
meticulosas especificações cadastrais dos possíveis tomadores. Com isso, não apenas os progra-
mas tiveram um alcance muito menor como, ao que tudo indica, atingiram um público de perfil
socio-econômico muito mais elevado do que o pretendido originalmente.
O caso de São Paulo é bastante expressivo deste deslocamento. Ali as operações do Banco
do Brasil atingiram em média a casa dos 25 mil reais e beneficiaram quase totalmente empreendi-
mentos de médio porte e já estabelecidos, servindo no mais das vezes como fonte meramente

128. O Estado de São Paulo, 09.08.98.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

subsidiária de crédito a empresas com acesso mais amplo ao mercado financeiro. Assim, os impac-
tos do programa seja em termos de geração de novos negócios, seja em termos de fortalecimento
de atividades já existentes mas precárias parece ter sido residual. Também o resultado em termos
de geração de empregos soa bastante duvidoso e de difícil aferição.
Essa aparente primazia dos agentes financeiros na definição do alvo dos programas já
sugere uma segunda ordem de problemas, esta de natureza institucional. Tal situação só pode se
sustentar mediante a inação ou a precariedade das instâncias que deveriam ser as verdadeiras
gestoras dos programas, as Comissões de Emprego. Como se disse, a sua complexa arquitetura
institucional é sua virtú e ao mesmo tempo o seu calcanhar de Aquiles. Com efeito, os estudos
realizados parecem apontar para resultados bastante mais promissores naquelas localidades onde
as comissões realmente se instalaram e operam. Entretanto, esse parece ser o caso de uma minoria
de municípios e mesmo de estados, de tal modo que o maior ou menor sucesso destes programas
está ainda grandemente condicionado pela capacidade dos seus atores, sociais e políticos, fortale-
cerem-se a ponto de gerenciá-los.
Nesse sentido, introduzimos com o nosso último caso, uma experiência que parece até aqui
particularmente exitosa de desenho e implementação de programa, financiado por este mesmo
fundo público de administração multipartite e executado pela mais importante organização nacio-
nal de sindicatos metalúrgicos: a Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT. Um programa
voltado a uma política sindical de qualificação profissional – o Programa Integrar.

Caso 4 – Da formação política à formação profissional; da formação profissional ao res-


gate da cidadania: a aposta cutista na formação profissional –
O Programa Integrar

Formação profissional, certamente, não foi uma preocupação do movimento sindical brasi-
leiro. Formação de quadros, sim; qualificação de militantes, sem dúvidas. Por isto mesmo, e até
bem pouco tempo, nem de longe a temática da qualificação parecia fazer parte do repertório
129
sindical.
o
Entretanto, em 1995, a partir das resoluções aprovadas no 3 . Congresso Nacional dos
Metalúrgicos da CNM/CUT foi criado o “Programa Integrar”. O objetivo deste programa continha
uma novidade frente às práticas do movimento sindical daquele momento: “desenvolver e planejar
a formação profissional e resgatar as relações entre sindicato e trabalhadores desempregados.”
(CNM/CUT, 1998: 13)

129. Ou, por outra, quando presente, tinha o estatuto de elemento de denúncia: presente, por assim dizer, pela ausên-
cia, assumia o tom do discurso, bem ao gosto da “bravermania”, que dominou os ambientes acadêmicos e
sindicais; ao capital se imputava a perda progressiva e irreversível da qualificação do trabalhador.

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O Programa nasceu de avaliações sobre o desemprego e a reestruturação produtiva,


realizadas por pesquisa informal com desempregados do Estado de São Paulo, visando conhe-
cer suas expectativas em relação a um curso de formação profissional. A princípio, não existia
ainda, no movimento sindical, uma discussão conceitual e pedagógica sistemática a respeito;
havia apenas a constatação de que se tinha “um baixo grau de escolaridade da força de tra-
balho, uma má utilização das verbas públicas para programas de requalificação, uma forte
crítica à formação técnica compartimentada, tinha-se a idéia de que o projeto de formação
profissional deveria buscar a integração do trabalhador com a nova realidade da produção e
que deveriam formar o trabalhador dentro de um amplo conceito de cidadania, e não adestrá-
130
lo.” (Idem: 12)
Embora nascido de uma experiência com trabalhadores desempregados, o Programa não se
ateve a eles. Na verdade, se construiu em torno de dois eixos: um nacional, que atua na formação
de trabalhadores empregados; e um referente a Projetos Estaduais de requalificação profissional de
trabalhadores desempregados. “ […] enquanto o programa para empregados está focado para a
empresa, para a negociação e contratação da qualificação como item da agenda sindical, o programa
para desempregados tem como foco a geração de emprego e renda, e reinserção dessas pessoas
numa sociedade digna.” (Idem:44)
Três premissas básicas nortearam a criação do Programa Integrar:
· „ O reconhecimento do valor do conhecimento acumulado pelos trabalhadores em sua
trajetória de vida.
o
„ A necessidade de aliar a formação técnica à certificação de 1 . grau.
„ A necessidade de melhor equacionar a análise da questão da geração de emprego e
renda, já que os desempregados, com freqüência, se colocavam a seguinte questão:
Para que qualificar, se não se tem emprego?
Nesse ponto, as especificidades da abordagem cutista à geração do emprego e ao acesso à
qualificação profissional começam a ser perceptíveis. Isto porque, uma das preocupações centrais
foi
“ […] não transformar o programa em um movimento de reivindicação por
emprego, e sim trabalhar no sentido de tensionar as instituições, até mesmo os sindica-
tos, para que elas passassem a discutir o problema e procurassem alternativas de geração
de novos postos de trabalho. Tensionar as instituições não significa dizer que a CNM/
CUT tem a tarefa de desenvolver um projeto acabado de formação e requalificação pro-
fissional para o país. Até porque a solução do emprego não está na formação profissional
e também não é um problema individual. É de âmbito estrutural, fruto de um poder
econômico excludente, e não responsabilidade do trabalhador. Portanto, necessita de
saídas coletivas.” (Idem:13)

130. Procuraremos, na descrição do programa, dos seus objetivos e metodologia, seguir de perto os termos como a
CNM o caracteriza em seus documentos oficiais.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

O Programa desenvolveu uma metodologia refinada, que se diferencia conforme as suas


duas grandes linhas de atuação. No que diz respeito às suas ações junto a trabalhadores emprega-
dos, esta metodologia comporta dois instrumentos principais, a saber:
a) Desenvolvimento de Pesquisa Participativa (feita em parceria com instituição universitá-
ria brasileira) que permite o levantamento das necessidades dos trabalhadores no que
concerne ao acompanhamento e construção da sua intervenção no processo de
reestruturação produtiva das empresas. A pesquisa é negociada com as empresas e o
levantamento de dados realizado por equipes de sindicalistas dessas fábricas, com su-
porte técnico da instituição universitária. A partir dos resultados da pesquisa tem lugar
o processo de negociação dos percursos formativos adequados às necessidades dos
trabalhadores dessas unidades produtivas. A pesquisa está sendo realizada em 15 em-
presas.
b) Diagnóstico da realidade das transformações técnico-organizacionais dos diversos setores
que compõe o ramo metalúrgico, abordando quatro pontos: o grau de reestruturação
produtiva e de inovações tecnológicas nestes diversos setores, desagregando a análise
segundo as regiões do país; as estratégias de negócio das empresas desses setores; a
natureza do tratamento dado à questão da formação profissional nessas regiões e setores,
tanto do ponto de vista patronal quanto público; o impacto desse processo sobre a
negociação das relações e das condições de trabalho.
Tanto o Diagnóstico como a Pesquisa Participativa para Negociação sobre Formação Profis-
sional foram expressamente concebidos com a pretensão de inovar, institucionalizando no Brasil
uma prática bipartite de negociação na questão da formação profissional, ou seja, colocando a
qualificação profissional como um ponto na agenda das negociações entre capital e trabalho, a
partir dos chãos-de-fábrica. ( Idem: 41)
No que diz respeito às suas ações junto a trabalhadores desempregados, esta metodologia
comporta uma importante especificidade, a saber:
“o Programa Integrar funciona a partir de parcerias estabelecidas entre a CNM/
CUT, universidades e o poder Público [ visando criar ] alternativas aos cursos de formação
oficiais. É um curso que, ao contrário de formar exclusivamente para a produção, forma os
trabalhadores com base nos princípios da cidadania, associando a experiência adquirida
em anos de fábrica com o conhecimento técnico e formal. Além disso, cria um espaço de
reflexão e mobilização de desempregados em busca de novos caminhos para a sobrevivên-
cia e atuação política .”(Idem: 2)
Assim, longe de se travestir numa agência de treinamento e/ou informação e/ou colocação
profissional, o programa almeja a organização dos trabalhadores em redes de cooperativas, unida-
des solidárias de produção ou serviços, microempresas e empresas de autogestão, para garantir
um conjunto de atividades capaz de assegurar coletivamente a sua vida. Pretende, assim, vir a
estabelecer uma forma de solidariedade com os desempregados que, por meio das atividades
agenciadas a partir do programa, encontram meio de sobrevivência. Nesse esforço coletivo, o
programa mobiliza a colaboração de municípios, governos, sindicatos, ONGs e universidades.

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

“Na dimensão cultural, os alunos passam a entender melhor o significado da


reestruturação produtiva e se conscientizar de que eles podem e devem lutar pela sua
reinserção no mercado de trabalho a partir de uma nova postura. Portanto, o programa
visa capacitar os trabalhadores para poderem absorver conteúdos abstratos, raciocínios
lógicos, para a possibilidade de trabalhar com símbolos, gráficos, etc. Na dimensão política,
o programa procura desenvolver um conjunto de ações que envolva o maior número de
instituições e grupos sociais para enfrentar o desemprego, a precarização dos contratos de
trabalho e as novas exigências de qualificação.” ( Idem: 15)
Ademais, preservando a sua raiz no movimento sindical, o programa entende que existiri-
am três eixos aos quais a formação profissional deveria estar diretamente relacionada:
· „ à ação sindical, com o fortalecimento da organização nos locais de trabalho, luta pela
manutenção do emprego, contratação coletiva e capacitação de dirigentes.
· „ à ação de cidadania, com a revitalização do movimento social, capacitação dos sindica-
tos para intervenção nas políticas públicas e luta contra o desemprego.
· „ à ação pedagógica, buscando a superação do treinamento ocupacional ou da forma-
ção puramente instrumental e construção de um novo processo educativo.
Bem assim, tendo em conta que a modernização do processo produtivo coloca
crescentemente como um requisito sine qua non níveis cada vez mais elevados de escolaridade,
torna-se necessário assegurar a certificação equivalente ao ensino formal, integrando a este o
ensino técnico, na certeza de que só a certificação garante a participação massiva e, ao mesmo
tempo, baixos índices de evasão.
Considerando a implementação do programa, segundo dados de 1998, haviam 53 núcleos
“Integrar” distribuídos pelo território brasileiro. Certamente, o Estado de São Paulo concentra
quase a metade destes (23), muito embora a participação crescente do Rio de Janeiro (13) e Rio
Grande do Sul (10) já indiquem uma presença mais expressiva também em outros estados. Apesar
disto, é no Sul-Sudeste que se localiza a quase totalidade destes núcleos (50), reflexo, por si mes-
mo, da concentração das indústrias metalúrgicas e, também, da força dos sindicatos da categoria.
Desde 1996, quando iniciou suas atividades em São Paulo, até o final de 1998, 205.000
pessoas já haviam participado das diversas atividades promovidas pelo Programa Integrar nos nove
estados. Para 1999, a projeção é de que mais de 450 mil trabalhadores sejam atendidos nos cursos
regulares, oficinas e laboratórios pedagógicos, cursos de geração de trabalho e renda e de
informática.
Para dar maior concretude a estes dados, tomaremos apenas os três principais estados de
implantação do programa, S.Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Em São Paulo, há 23 núcleos em 19 cidades com 46 turmas, que têm como principais
resultados:
„ Em dois anos de funcionamento, o programa passou de um total de 780 alunos no
curso regular, em 1997, para 1580 em 1999. A ampliação dos cursos na área de
Informática, atingindo também os mais jovens, resultou em quase 5 mil inscritos. Uma
média de 930 novas matrículas a cada dois meses.

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„ A primeira parte do programa, relativa ao desenvolvimento e organização na área educa-


cional, foi consolidada com sucesso. O desafio passa a ser a busca de alternativas solidárias
para o retorno dos trabalhadores para o mercado de trabalho.
· „ O programa atinge 19 cidades e tem o propósito de estender sua oferta curricular para
o o
o 2 . grau nos mesmos moldes do faz com o 1 . grau.
· „ Em 1997, o Integrar formou 400 alunos/trabalhadores e, em 1998, formou 980.
No Rio de Janeiro, onde há 13 núcleos, com 26 turmas, e onde o programa teve início em
setembro de 1997, os principais resultados são:
„ Em todo o estado, são 910 alunos, cuja formatura está prevista para fevereiro de 1999.
„ Diversas parcerias foram estabelecidas com empresários e instituições no RJ para que
os alunos tenham acesso a oportunidades de emprego. É o Termo de Compromisso
pelo qual as empresas se comprometem a, sempre que possível, contratar alunos do
Integrar.
No Rio Grande do Sul, onde há 10 núcleos e 20 turmas, seus principais resultados, acumu-
lados a partir de 1997, são:
o
· „ Certificação de 1 . grau de 422 alunos/trabalhadores; destes, cerca de 60% estão in-
corporados ao mercado formal de trabalho.
· „ Há atualmente no estado cerca de trinta experiências alternativas de trabalho e renda.
Uma pesquisa diagnóstico está sendo realizada para subsidiar o desenvolvimento e a
qualificação destas ações.
· „ Por seus resultados, o programa recebeu o prêmio de educação RS 98, concedido pelo
Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul.
· „ Recebeu, ainda, destaque dentro do Banco de Ações Educacionais do Ministério da
Educação (MEC) e constará de publicação especial do ministério.
Certamente, um programa de tal natureza e envergadura seria inconcebível fora de duas
condições contextuais que cremos básicas.
Em primeiro lugar, uma nova forma do sindicalismo brasileiro encarar não somente as
transformações em curso nas empresas, como o seu lugar no seio das mesmas. O êxito desta nova
forma de agir coloca-nos diante de um paradoxo da atuação recente do movimento sindical brasi-
leiro.
Por um lado, ele se mostra cada vez mais efetivo no sentido de fazer-se incluir e configurar
os novos espaços multipartites de deliberação e de formulação de políticas públicas. Neste traba-
lho, chamamos a atenção para alguns desses espaços: Câmara Setorial, Câmara Regional, Progra-
mas de Geração de Emprego e Renda, Programa de Formação Profissional, Fundo de Amparo ao
Trabalhador, etc. Por outro lado, e paradoxalmente, denota uma escassa capacidade de fazer valer
ganhos nas negociações coletivas e um relativo empobrecimento dos foruns tradicionais de nego-

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

ciação, tal como tem destacado mais recentemente o Dieese (1998), a partir de análises do seu
banco de acordos e pautas.
Nesse sentido, qual seria o dado novo, a configurar um primeiro contexto? Uma tendência
crescente a se fazer representar – e negociar interesses – nas novas esferas tripartites governamen-
tais, por um lado; uma tendência a penetrar searas – embora fora da fábrica – onde a luta pela
hegemonia e restauração da capacidade de represenrar interesses desborda do âmbito do cotidia-
no de trabalho e passa mais além, para as condições de vida, cidadania, especialmente através do
131
campo da educação e formação profissional.
Nunca antes observamos, como agora no caso brasileiro, tão intenso envolvimento sindi-
cal, e do sindicalismo mais ativo na tradição confrontacionista do 78, com práticas a que o movi-
mento estivera pouco afeito: programas de suplementação educacional, de formação profissional
e treinamento, que associam conhecimento, formação política e incremento de chances de
empregabilidade, como é o caso do Integrar.
Será este um indicativo de que – desafiado pelo êxito das iniciativas gerenciais – o movi-
mento sindical brasileiro avança em direção a uma nova feição identitária, com novas práticas que
buscam recuperar a adesão do trabalhador individual e reconverter os ganhos políticos recente-
mente logrados pelas gerências? Será esta uma explicação contextual suficientemente forte para
explicar a amplitude e pujança de iniciativas como as do “Programa Integrar”?
Uma segunda condição contextual poderia ser a novidade da intervenção estatal nas polí-
ticas públicas de geração de emprego e renda, por um lado, e de formação profissional, por outro.
No caso 3, tratamos o exemplo do Proger, mostrando como a sua complicada arquitetura
organizacional era portadora de uma virtude, que lhe inoculava o caráter de novidade em termos
das formas institucionais de descentralizar ações nesse campo. Atraindo parceiros até então pouco
afeitos ao âmbito das políticas públicas (como, por exemplo, os sindicatos), o Proger demonstrava
um potencial de êxito tanto maior quanto mais enraizadas estavam as suas estruturas estaduais e
municipais de gestão, as suas Comissões de Emprego.
No caso do Pograma Integrar, acreditamos que a sua natureza e envergadura dependem,
também, e em grande medida, de uma nova abordagem da ação governamental com respeito à
forma de produção da política pública em qualificação profissional.
Diante da meta de ampliar a oferta de educação profissional no período de 1995-1998 de
forma a atingir, no seu final, pelo menos 20% da população economicamente ativa brasileira (o que
equivale ao número de 15 milhões de trabalhadores), qualificando-os ou requalificando-os, novamente
numa arquitetura especial se formou. A concepção e implementação do PLANFOR tem lugar de
forma descentralizada, por meio de planos estaduais de qualificação, coordenados pelas secretarias

131. O que aqui descrevemos com respeito ao sindicalismo cutista, tem se tornado um fato também entre trabalhado-
res de outras tendências sindicais, muito embora em programas com abordagens (políticas e pedagógicas de
conteúdo diverso). Vide Dieese (1998)

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Reestruturação, qualificação e seletividade: as bases sócio-institucionais de uma nova contratualidad no âmbito do trabalho

estaduais de trabalho. Tais planos estaduais, uma vez elaborados pelas secretarias são submetidos à
aprovação das comissões estaduais de emprego, mais uma vez acionadas como agentes de legitimação
social das diretrizes locais. E nelas têm assento os nossos atores sociais clássicos: representantes
patronais e sindicais. Do mesmo modo, é multipartite o forum que define a alocação dos recursos
que financiam todas estas iniciativas – o Conselho do Fundo de Amparo ao Trabalhador.
O resultado deste esforço significa um verdadeiro salto qualitativo no campo da
formação profissional no país. Em relação ao número de treinados, enquanto que em 1994 e
1995 ele alcançou, respectivamente, 83 mil e 153 mil trabalhadores, em 1996 esse número supera
a casa do milhão, com um crescimento de quase 800% sobre o ano anterior. Em relação aos
gastos, onde os montantes despendidos haviam sido de 15 milhões de reais em 1994 e 28 milhões
de reais em 1995, atingiu-se em 1996 a um valor de 226 milhões de reais, com crescimento supe-
132
rior a 800% sobre o último ano (Azeredo, 1998).
Esses resultados parecem testemunhar que a descentralização do gerenciamento, o
envolvimento de atores críticos no âmbito do trabalho e a atenção às especificidades das suas
postulações podem estar tendo efeitos verdadeiramente inovadores em termos dos estreitos limi-
tes das políticas macro-societais de estímulo à preservação dos empregos e de proteção da quali-
dade destes, políticas estas que parecem explorar, no caso brasileiro atual, os limites do que é
possível ser feito em condições de lento crescimento da atividade econômica.

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132. Esse crescimento simultâneo do número de treinandos e do investimento global em qualificação permitiu que o
gasto por treinando atingisse a quantia de 190 reais em 1996. Esse valor significa apenas um ligeiro acréscimo em
relação aos dois anos anteriores, quando foi de 179 reais em 1994 e de 184 reais em 1995.

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