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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

A URBANIZAÇÃO CORPORATIVA DE CAMPINAS-SP E O


PLANEJAMENTO URBANO: UMA ANÁLISE DO USO DO TERRITÓRIO
E DA REGIONALIZAÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO POPULAR NO
PLANO DIRETOR A PARTIR DAS MAIORES OCUPAÇÕES DE
TERRAS URBANAS DA CIDADE

HELENA RIZZATTI1

RESUMO
Apresentamos nesse artigo uma análise da urbanização corporativa da cidade de Campinas-SP a
partir do estudo do uso do território nas duas maiores ocupações de terras urbanas da cidade.
Buscamos mostrar de que maneira a regionalização utilizada para a participação popular no Plano
Diretor, em vigor, dificulta a compreensão dos problemas urbanos existentes nas diferentes parcelas
da cidade. Para tal, analisamos duas regionalizações utilizadas no plano, as Macrozonas e as
Administrações Regionais; apresentamos as duas ocupações urbanas estudadas e a maneira como a
população residente nessas ocupações encontrou para acessar os serviços de saúde e educação
próximos de sua moradia e possível, em grande medida, através da constituição de contra-
racionalidades e da densidade comunicacional. Buscamos, assim, apontar como a regionalização é
um elemento importante para a realização de uma participação popular realmente eficaz no
planejamento urbano.
Palavras-chave: urbanização corporativa, regionalização, ocupações urbanas, Campinas/SP.

Abstract
We present in this paper an analysis of corporate urbanization of the city of Campinas-SP from the
study of land use in the two largest occupations of urban land in the city. We seek to show how the
regionalization used for popular participation in the Master Plan in force, hinders the understanding of
urban problems existing in different parts of the city. For this purpose, we analyze two regionalizations
used in the plan, namely the macrozones and Regional Administrations; we present both studied
urban occupations and the way the resident population in these occupations found to access health
and education services nearby their houses, and made possible largely through the setting up of
counter-rationalities and communication density. We seek thus point as regionalization is an important
component in the creation of a truly effective popular participation in urban planning.
Key-words: corporate urbanization, regionalization, urban occupations, Campinas/SP

1
Mestra em Geografia pelo Instituto de Geociências da Unicamp, bolsista de Apoio Técnico CNPq
pelo projeto “Círculos de informações e dinâmicas do território brasileiro no período atual” e
assistente de coordenação do Observatório Permanente dos Conflitos Urbanos de Campinas/SP
ambos coordenados pela Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva e realizados no Geoplan, na
Unicamp. E-mail de contato: helenarizzattifonseca@gmail.com.br

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1 - Introdução
Apresentamos nesse trabalho uma análise da urbanização corporativa
(SANTOS, 2008) da cidade de Campinas-SP no período, entre 1990 e 2014, em que
as ocupações de terras urbanas se adensam na cidade (CANO & BRANDÃO, 2002;
MESTRE, 2009). Essas ocupações urbanas realizam um novo uso do território2
(SANTOS & SILVEIRA, 2001) redefinindo os fluxos cotidianos para ter acesso aos
serviços de saúde e educação públicos e exigem, do planejamento urbano, uma
leitura do território que permita a compreensão desses novos usos e fluxos.
Consideramos que, sendo o Plano Diretor a „lei maior‟ do planejamento da
cidade, faz-se necessário uma Participação Popular balizada por uma regionalização
que permita o entendimento das áreas de escassez, ou rarefação, de serviços e
infraestruturas urbanos. Para chegar a isso, expomos a maneira como as
populações residentes nessas grandes ocupações de terras urbanas de Campinas-
SP encontraram para acessar esses serviços urbanos (RIZZATTI, 2014). E notamos
como esse acesso é possível, em grande medida, pela constituição de contra-
racionalidades3 (SANTOS, 1996) e de densidade comunicacional (idem).
Assim, através da contabilização dos fixos públicos instalados na cidade e da
elaboração dos fluxos realizados pela população para acessá-los, mostraremos
como a regionalização utilizada no Plano Direto, em vigor, praticamente ignora esse
uso do território ao realizar um planejamento urbano que fortalece a metrópole
corporativa (SANTOS, 1990; SOUZA, 2008) em detrimento da população de baixa
renda residente na cidade. Trata-se, então, do que entendemos como uma

2
Tanto a ordem, quanto a contra-ordem constituem o „território usado‟ (M. SANTOS & SILVEIRA,
2001), podem construir ações, saberes e normas que são ascendentes, por partir do lugar, e
desalienadoras, por partir da reflexão crítica do cotidiano. A racionalidade e a contra-racionalidade
constituem, então, as possibilidades de uso do território.
3
As contra-racionalidades se tratam de novos usos dados aos objetos e até da situação de vida que
os pobres são obrigados a levar por não terem acesso à diversos direitos, e essa sobrevivência é
realizada através da criação de uma nova racionalidade. Como escreve Santos (1996, p.243) “Essas
contra-racionalidades se localizam, de um ponto de vista social, entre os pobres, os migrantes, os
excluídos, as minorias; de um ponto de vista econômico, entre as atividades marginais, tradicional ou
recentemente marginalizadas; e, de um ponto de vista geográfico, nas áreas menos modernas e mais
„opacas‟, tornadas irracionais para usos hegemônicos. [...]. O que muitos consideram, adjetivamente,
como „irracionalidade‟ e, dialeticamente, como „contra-racionalidade‟, constitui, na verdade, e
substancialmente, outras formas de racionalidade, racionalidades paralelas, divergentes e
convergentes ao mesmo tempo”.

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regionalização como ferramenta (RIBEIRO, 2004), por ser reprodutora da


organização do território em prol dos interesses hegemônicos.
Esse trabalho é composto pela metodologia utilizada na análise onde também
explicamos as duas regionalizações estudadas: as Macrozonas e as Administrações
Regionais. Na sequência, como parte do desenvolvimento, apresentamos as duas
ocupações de terras urbanas estudadas e, por fim, explicamos a maneira como a
população residente nelas faz para acessar os fixos de saúde e educação da cidade
demonstrando como as Administrações Regionais se aproximam mais do cotidiano
da população e do uso que ela faz do território, em detrimento das Macrozonas que
foi a regionalização utilizada para a realização da participação popular.

2 – Metodologia
Ao analisarmos a história das sucessivas transformações da cidade de
Campinas nota-se a constituição de uma importante densidade técnica, científica e
informacional (SANTOS, 1994) ao longo do século XX. Campinas participa
ativamente da nova divisão territorial do trabalho fundada na variável informação,
acolhendo objetos (formas geográficas) e ações (com destaque para as normas)
condizentes com esta nova vaga de modernizações (SOUZA, 2008). De maneira
indissociável a essa modernização de partes da cidade intensifica-se a periferização
da população de baixa renda; indissociabilidade característica da urbanização
corporativa (SANTOS, 1993). Hoje, Campinas está entre as quinze cidades
brasileiras com maior número absoluto de população residente em favelas e
ocupações (IBGE, 2010). Configura-se, assim, um espaço urbano que abriga as
modernizações, mas incapaz de responder às necessidades de grande parte da sua
população e, desse modo, reprodutor de uma pobreza estrutural (SANTOS, 2000).
As ocupações de terras urbanas, cada vez mais presentes nas metrópoles e
grandes cidades do Brasil a partir do início da década de 1980 (RODRIGUES,
1988), são manifestações dessa urbanização corporativa em andamento no país.
Entendemos as ocupações urbanas como a rápida ação de construção de moradias
em terrenos privados e públicos dentro do perímetro urbano pela população de baixa
renda possível por um planejamento prévio para escolha do local, do momento e da
forma como ocorrerá a ocupação, para construí-la e para mantê-la (SOUZA, 2006)

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possibilitando um novo uso do território. Esta forma de habitação na cidade se


diferencia das favelas pois estas costumam ocorrer de modo individual e lento, com
a chegada esparsa de famílias de baixa renda que constroem seu barraco para
viver.
As ocupações urbanas podem ser compreendidas como formas-conteúdo
reveladoras da crise profunda em que vive a sociedade brasileira, devido a uma
histórica estrutura sócio-espacial desigual que tem como um de seus pilares a
valorização sem controle do espaço urbano – voltada a atender os interesses do
capital e corroborada pelo Estado (CORRÊA, 2000).
Ao mesmo tempo, nas ocupações ocorrem ações com grande capacidade de
resistência ao funcionamento ideal do mercado imobiliário da cidade em que se
instalam; pois podem alterar a dinâmica de valorização e desvalorização dos
terrenos urbanos. Além disso, as populações residentes nessas ocupações, os
agentes hegemonizados do processo de globalização, precisam criar e improvisar
formas de adquirir água, sistema de despejo de esgoto, luz elétrica; assim como
maneiras de acessar fixos de saúde, educação, lazer, entre outras necessidades
para sobrevivência. Essas resistências, as quais chamaremos nesse trabalho de
contra-racionalidades (SANTOS, 1996), são necessárias devido à rarefação dos
sistemas de engenharia nos diversos meio ambientes construídos das grandes
cidades e metrópoles corporativas, ou seja, constituem-se contra-racionalidades nos
limites da racionalidade do sistema econômico e político hegemônico.
Essa urbanização corporativa em andamento em Campinas possibilitou a
constituição de densidade técnica, informacional e comunicacional. As duas
primeiras são compreendidas, de acordo com Santos (1996, p. 203), como os
diversos graus de artifício e de exterioridade, enquanto a densidade comunicacional
refere-se ao “tempo plural do cotidiano partilhado, é o tempo conflitual da co-
presença” (ibidem). Trata-se de compreender o cotidiano, a comunicação e o saber
local4 (SANTOS, 1999). Com base nessas densidades é possível distinguir os
espaços luminosos, com alta densidade técnica e informacional, logo, mais aptos
para atrair atividades tecnológicas e de capital intensivo, em contraposição aos

4
De acordo com M. Santos (1999, p. 17) “o espaço teria uma quinta dimensão, a do cotidiano, que
permitiria exatamente chegar à ideia de ação comunicacional”.

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espaços opacos (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 264), entre esses dois extremos há
uma gama de situações.
Em Campinas essas diferentes densidades podem ser definidas, grosso
modo, com uma Macrorregião Norte rica com boa infraestrutura urbana e empresas
de tecnologia de ponta; e uma Macrorregião Sul pobre e carente de infraestrutura e
serviços urbanos básicos (CANO & BRANDÃO, 2002). Essa Macrorregião Sul se
constitui, assim, numa extensa zona opaca da cidade e é nela que se localizam as
duas ocupações de terras urbanas que analisamos nessa pesquisa, denominadas
como região do Parque Oziel e região do Jardim Campo Belo.
Entre esses altos índices de riqueza, concentrada numa parcela do território e
da população, e os altos índices de pobreza absoluta, concentrada em outra grande
parcela da cidade, coloca-se o desafio para a análise, pois é preciso pormenorizar
as diferenças intraurbanas, as diferenças dentro da desigualdade (SPÓSITO, 2011)
e consideramos a regionalização um dos caminhos metodológicos para tal análise.
Como escrevemos (MESTRE & FONSECA, 2011, p. 36) as regionalizações
“como processo intermediário entre os regionalismos e a afirmação da região,
produzem ideologias, que buscam legitimidade ou autonomia para servir de
emissoras ou de alvo para políticas específicas”. É por isso que 'regionalizar', como
destaca Ribeiro (2004), não é apenas um ato técnico, envolve uma gama de ações e
agentes manifestados historicamente por setores dominantes locais, governos e,
hoje, empresas globais.
Ribeiro (2004) diferencia a "regionalização como fato" que independe da
ação hegemônica do presente e a "regionalização como ferramenta" dessa mesma
ação. Na primeira definição, a regionalização é compreendida a partir de um esforço
de periodização e, na segunda, se entende a região tal como é, hoje, objeto do
Estado, das corporações e dos movimentos sociais. A região encarna os interesses
dos agentes diversos e a influência das esferas da vida coletiva. Essa expressão
espacial que é um fato, pode também ser objeto de delimitação visando implementar
uma ação.
Acerca disso, o desafio é de criar uma regionalização democrática, baseada
no conflito, no exercício da política, pois como nos fala Ribeiro (2004, p. 202): a
regionalização representa para os atores sociais uma indispensável informação nas

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relações sócio-espaciais diárias, na medida em que os atos cotidianos reiteram ou


questionam a configuração dos lugares, uma condição estratégica na constituição
das contra-racionalidades, na construção de alianças políticas e em lutas por
recursos territorializados.
Para isso, analisamos, nas periferias estudadas, um elemento do cotidiano da
população que participa, mas não delimita, um novo uso do território possível
através da troca de informações na vivência do lugar, ou seja, da densidade
comunicação: os fixos públicos5. Iniciamos essa análise na próxima parcela desse
texto.

2.1 – As regionalizações utilizadas no Plano Diretor de Campinas/SP de 2006


Para esse trabalho analisaremos duas regionalizações utilizadas no Plano
Diretor em vigor: as Macrozonas e as Administrações Regionais.
Campinas é composta por nove Macrozonas, é a regionalização utilizada
como base das ações da Secretaria de Planejamento Urbano e Meio Ambiente
(SEPLAMA) e utilizada para orientar a participação popular através da elaboração
dos Planos Locais de Gestão (PLG). Estes são os diagnósticos que mais se
aproximam do cotidiano dos lugares, pois foram elaborados a partir de reuniões
realizadas em cada Macrozona convocando-se a população residente na área para
exporem os gargalos infraestruturais e de serviços de onde moram. Em documento
da SEPLAMA é indicado a seguinte diretriz dessa regionalização: “O
macrozoneamento é uma divisão do município que considerou as características
físico-territoriais ambientais e urbanísticas de cada região”. Apresentamos essa
regionalização, na Figura 1, destacando as duas ocupações urbanas analisadas.

5
Santos (1987) destaca como importante variável para o estudo da urbanização do período atual a
acessibilidade aos serviços públicos como garantia de uma cidadania completa, sendo mesmo um
direito territorial. Segundo o aturo “Olhando-se o mapa do país, é fácil constatar extensas áreas
vazias de hospitais, postos de saúde, escolas secundárias e primárias, informações geral e
especializada, enfim, áreas desprovidas de serviço essenciais à vida social e à vida individual. (...). O
valor do indivíduo depende, em larga escala, do lugar onde está (...). Em nosso país, o acesso aos
bens e serviços essenciais, públicos e até privados é tão diferencial e contrastante, que uma grande
maioria de brasileiros, no campo e na cidade, acaba por ser privada desses bens e serviços” (idem,
pp. 43 e 111).

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Figura 2 – As Macrozonas da cidade de Campinas-SP e as ocupações de terras urbanas estudadas


Fonte: Seplan (2011) Elaboração cartográfica: Helena Rizzatti (2014)

Toda a zona opaca de Campinas, a Macrorregião Sul da cidade, é composta


pelas Macrozonas 5, 6, 7, com uma grande parte da Macrozona 4 e uma pequena
parte da Macrozona 9. A Macrozona 5 (Área Prioritária de Requalificação) equivale à
maior periferia pobre da cidade constituída através de loteamentos clandestinos e
pequenas ocupações urbanas, na década de 1980 e 1990, que também sofre com a
escassez de infraestrutura e serviços urbanos. Na parcela da Macrozona 4 (Área de
Urbanização Prioritária) se localizam os bairros mais antigos da cidade dotados de
boa infraestrutura e serviços urbanos, e é onde se localiza uma das ocupações
analisadas: a região do Parque Oziel. E a Macrozona 7 (Área de Influência
Aeroportuária) foi delimitada foco na existência do aeroporto e é onde se localiza a
outra ocupação urbana estudada: a região do Jardim Campo Belo.
Na sequência, trazemos a regionalização das Administrações Regionais
(ARs) e Subprefeituras. Nesse parcelamento da cidade trabalha a Secretaria de
Infraestrutura e as próprias Administrações Regionais. Estas são o órgão
responsável por averiguar, relatar e, quando possível, solucionar pequenos
problemas reclamados pelos moradores dos bairros que pertencem à sua jurisdição

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como, por exemplo, a inserção de novas famílias no catálogo dos programas de


transferências de renda; a pavimentação de vias que tenham sofrido danos; o corte
de grama; entre outros. Essas funções destinadas às ARs faz com que esse órgão
seja próximo da população que atendem, pois os próprios administradores vão até
as áreas para resolver problemas urbanos de sua alçada. São, ao todo, catorze ARs
e quatro Subprefeituras que delimitam os distritos da cidade. Na Figura 2
apresentamos essa regionalização e destacamos as áreas estudadas.

Figura 3 – Divisão em Administrações Regionais e Subprefeituras de Campinas-SP e as ocupações


urbanas estudadas. Fonte: Seplan (2011) Elaboração cartográfica: Helena Rizzatti (2014)

Como é possível observar, as ocupações analisadas pertencem à


Administração Regional 06. Esta AR é constituída por quarenta bairros nos quais
vive uma população de aproximadamente 120 mil pessoas, com 14 ocupações e 13
favelas. Consideramos que esse contingente populacional é maior, pois ao
entrevistarmos as lideranças das Associações de Moradores que compõem essa
área as mesmas indicaram números superiores de população.

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3 – Desenvolvimento: As duas maiores ocupações de terras urbanas da cidade


de Campinas/SP
As duas ocupações de terras urbanas analisadas se localizam nas margens
da Rodovia Santos Dumont, distam dez quilômetros uma da outra e foram
ocupadas, simultaneamente, em fevereiro de 1997. Ambas se deram através da
previa organização das lideranças sociais da cidade, que tinham conhecimento da
ociosidade desses grandes loteamentos de terrenos privados. Os líderes tiveram
auxílio do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) para o momento da
ocupação quando é necessário um alto contingente de pessoas para realizar
atividades de muito consumo de energia, como carpir o mato e montar os barracos
com rapidez. Para a manutenção dessa estrutura inicial da ocupação, as próprias
lideranças se organizaram e contaram com a ajuda de algumas parcelas da
sociedade de Campinas como, por exemplo, aquelas ocupadas com as redes de
distribuição de frutas e verduras que doam alimentos, com a doação de remédios e
sopas comunitárias feitas por instituições religiosas e por moradores dos bairros
majoritariamente de baixa renda próximos a essas ocupações, entre outros.
A região do Jardim Campo Belo é composta hoje por dezenove bairros
(relativamente homogêneos entre si), tem aproximadamente cinquenta mil pessoas,
está distante quinze quilômetros do centro da cidade, foi loteada no final da década
de 1950 e se manteve praticamente vazia até a ocupação. Apenas um bairro se
constituiu desde então e de forma regular. A maior parte dos loteamentos dessa
área da cidade foi mantida vazia para fins de uso para a expansão do Aeroporto
Internacional de Viracopos localizado a menos de três quilômetros da região. A
definição da área para futura expansão desse macrofixo de transporte ocorreu na
década de 1970 e teve início, propriamente, apenas em 2008. Nesse entremeio
ocorreu a ocupação e o adensamento populacional na área.
Há hoje nesta região dois módulos de saúde, cada um com capacidade de
atender a 6 mil pessoas, e três centros de saúde, cada um com capacidade de
atender a 12 mil pessoas tendo, ao todo, capacidade de atender a 48 mil pessoas,
porém funcionam apenas alguns dias da semana e em horário comercial. Além
disso, esses fixos não possuem médicos especializados e não têm capacidade de
atender às emergências sendo necessário, nesses casos, que a população se dirija

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aos hospitais instalados em regiões distantes dessa área. Esses fixos estão
instalados em quatro bairros e haviam apenas dois deles antes da implantação do
Projeto Vip Viracopos. Em relação aos fixos de educação, há quatro EMEI (Escola
Municipal de Educação Infantil), duas EMEF (Escolas Municipal de Ensino
Fundamental), duas Naves Mães (creches municipais) e quatro Escolas Estaduais.
Não foi possível verificar qual a capacidade de atendimento de cada um desses
fixos, porém mais de mil crianças da região estudam na cidade de Indaiatuba, que
pertence à Região Metropolitana de Campinas e faz fronteira com os bairros da
região, e uma parcela dos adolescentes se dirige para as escolas de outros bairros
de Campinas. Dentre esses fixos de educação havia apenas três instalados antes do
Projeto.
A região do Parque Oziel, por sua vez, é composta por quatro bairros
(bastante heterogêneos entre si) e conta com aproximadamente trinta mil pessoas;
foi loteada no início da década de 1980, está distante apenas cinco quilômetros do
centro da cidade e seu parcelamento foi em lotes de grandes proporções, logo,
voltados para a implantação de imóveis comerciais ou residenciais de alto padrão.
Na madrugada em que ocorreu essa os ocupantes construíram, em poucas horas,
uma igreja e uma escola em busca de intimidar o poder público local de passar com
tratores por cima desses fixos de alto valor simbólico para a maior parte da
população da cidade.
Há na região do Parque Oziel apenas uma escola com parceria municipal e
estadual que atende do Ensino Fundamental ao Ensino para Jovens e Adultos (EJA)
com capacidade infinitamente inferior à necessária para atender às 30 mil pessoas
residentes na área. Há ainda dois módulos de saúde que, ao todo, têm capacidade
de atender apenas 12 mil pessoas.

3.1 – O uso do território pela população residente nas ocupações para acessar
os fixos de saúde e educação
Ambas ocupações se instalaram no início do ano de 1997 e até o ano de
2007, já com uma população de aproximadamente 80 mil pessoas ao todo, não
receberam nenhum tipo de auxílio do poder público local. A partir de 2007, foi
implantado o Projeto Social Vip Viracopos, com financiamento do governo federal

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através do Programa de Urbanização de Assentamentos Precários do Programa de


Aceleração do Crescimento – Favelas, que instalou tanto infraestrutura quanto
serviços urbanos formais nessas ocupações. Mesmo com a implantação desse
programa são escassos os serviços urbanos para atender toda a população
residente nesses lugares. Devido a essa escassez os moradores, com o apoio dos
servidores públicos, redefiniram as áreas a serem atendidas pelos fixos de saúde e
educação próximos das ocupações.
A problemática que a regionalização por Macrozonas causa é notável na
distribuição dos fixos de educação e saúde, pois, como é visível na Figura 1, as
duas ocupações estudadas estão incluídas em diferentes Macrozonas, ou seja,
quando foi realizada a Participação Popular nessas áreas a região do Parque Oziel
participou das reuniões da Macrozona 4 que é, majoritariamente, uma zona
luminosa; enquanto a região do Jardim Campo Belo participou das reuniões da
Macrozona 7 que tem foco na existência do aeroporto Viracopos. Com isso, não
houve uma constatação, por parte do poder público local, da carência dessas áreas
de maneira coerente com seus cotidianos. Devido a isso, as populações dessas
áreas foram alterando os locais onde iam para terem acesso aos postos de saúde e
escolas. E quando analisamos esses novos pontos frequentados por elas notamos
que todos fazem parte da mesma Administração Regional a qual ambas pertencem:
a AR 06. Essa regionalização também é a que nos pareceu, através dos trabalhos
de campo, a mais próxima da população residente nas ocupações, pois os
Administradores Regionais visitam diariamente as áreas para resolver os problemas
de infraestrutura urbana que são responsáveis.
Com isso, apesar dessa proximidade da população com essas
Administrações, não foi com base nela que os PLGs, que exigem um conhecimento
do cotidiano das áreas para ser bem elaborado, foram confeccionados. Se isso
tivesse ocorrido as duas ocupações estudadas deveriam ser consultadas
conjuntamente, pois pertencem a mesma AR e não pertencem a mesma Macrozona.
Contraditoriamente com a implantação do Projeto Vip-Viracopos ambas foram
atendidas conjuntamente o que mostra um conhecimento por parte do poder público
local dessa proximidade cotidiana dessas áreas. Logo, o impedimento dessa união
para a consulta popular nos parece intencional.

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Ou seja, a população das ocupações juntos dos servidores públicos


reorganizam os fluxos para terem acesso aos postos de saúde e escolas mais
próximos de onde moram. Ao analisarmos esses fluxos notamos que coadunam com
uma das regionalizações utilizadas no Plano Diretor de Campinas: as
Administrações Regionais. Entretanto, essa regionalização não é utilizada para a
participação popular no Plano Diretor.

4 – CONCLUSÃO
Na análise realizada nesse trabalho foi possível notar que a regionalização
utilizada para a participação popular no Plano Diretor de Campinas/SP assegura os
projetos e ações hegemônicos. A fluidez territorial, a concentração de investimentos
e a separação dos melhores e dos “outros” pedaços da cidade desenham, assim,
topologias isoladas (MESTRE, 2009) intensificando a fragmentação urbana e
reduzindo a cidadania da população de baixa renda.
Consideramos, assim, importante a definição de uma regionalização,
principalmente quando esta baseia a participação popular, que compreenda o uso
do território por parte da população. E, para isso, observar os fluxos realizados para
acessar os fixos de saúde e educação pode ser uma boa estratégia. Faz-se
necessário que o poder público compreenda melhor os diferentes lugares que
formam a cidade e as relações estabelecidas entre eles. Dessa forma, possibilita-se
uma regionalização que dê voz à população das cidades e metrópoles brasileiras.

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