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DE 9 A 12 DE OUTUBRO
HELENA RIZZATTI1
RESUMO
Apresentamos nesse artigo uma análise da urbanização corporativa da cidade de Campinas-SP a
partir do estudo do uso do território nas duas maiores ocupações de terras urbanas da cidade.
Buscamos mostrar de que maneira a regionalização utilizada para a participação popular no Plano
Diretor, em vigor, dificulta a compreensão dos problemas urbanos existentes nas diferentes parcelas
da cidade. Para tal, analisamos duas regionalizações utilizadas no plano, as Macrozonas e as
Administrações Regionais; apresentamos as duas ocupações urbanas estudadas e a maneira como a
população residente nessas ocupações encontrou para acessar os serviços de saúde e educação
próximos de sua moradia e possível, em grande medida, através da constituição de contra-
racionalidades e da densidade comunicacional. Buscamos, assim, apontar como a regionalização é
um elemento importante para a realização de uma participação popular realmente eficaz no
planejamento urbano.
Palavras-chave: urbanização corporativa, regionalização, ocupações urbanas, Campinas/SP.
Abstract
We present in this paper an analysis of corporate urbanization of the city of Campinas-SP from the
study of land use in the two largest occupations of urban land in the city. We seek to show how the
regionalization used for popular participation in the Master Plan in force, hinders the understanding of
urban problems existing in different parts of the city. For this purpose, we analyze two regionalizations
used in the plan, namely the macrozones and Regional Administrations; we present both studied
urban occupations and the way the resident population in these occupations found to access health
and education services nearby their houses, and made possible largely through the setting up of
counter-rationalities and communication density. We seek thus point as regionalization is an important
component in the creation of a truly effective popular participation in urban planning.
Key-words: corporate urbanization, regionalization, urban occupations, Campinas/SP
1
Mestra em Geografia pelo Instituto de Geociências da Unicamp, bolsista de Apoio Técnico CNPq
pelo projeto “Círculos de informações e dinâmicas do território brasileiro no período atual” e
assistente de coordenação do Observatório Permanente dos Conflitos Urbanos de Campinas/SP
ambos coordenados pela Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva e realizados no Geoplan, na
Unicamp. E-mail de contato: helenarizzattifonseca@gmail.com.br
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1 - Introdução
Apresentamos nesse trabalho uma análise da urbanização corporativa
(SANTOS, 2008) da cidade de Campinas-SP no período, entre 1990 e 2014, em que
as ocupações de terras urbanas se adensam na cidade (CANO & BRANDÃO, 2002;
MESTRE, 2009). Essas ocupações urbanas realizam um novo uso do território2
(SANTOS & SILVEIRA, 2001) redefinindo os fluxos cotidianos para ter acesso aos
serviços de saúde e educação públicos e exigem, do planejamento urbano, uma
leitura do território que permita a compreensão desses novos usos e fluxos.
Consideramos que, sendo o Plano Diretor a „lei maior‟ do planejamento da
cidade, faz-se necessário uma Participação Popular balizada por uma regionalização
que permita o entendimento das áreas de escassez, ou rarefação, de serviços e
infraestruturas urbanos. Para chegar a isso, expomos a maneira como as
populações residentes nessas grandes ocupações de terras urbanas de Campinas-
SP encontraram para acessar esses serviços urbanos (RIZZATTI, 2014). E notamos
como esse acesso é possível, em grande medida, pela constituição de contra-
racionalidades3 (SANTOS, 1996) e de densidade comunicacional (idem).
Assim, através da contabilização dos fixos públicos instalados na cidade e da
elaboração dos fluxos realizados pela população para acessá-los, mostraremos
como a regionalização utilizada no Plano Direto, em vigor, praticamente ignora esse
uso do território ao realizar um planejamento urbano que fortalece a metrópole
corporativa (SANTOS, 1990; SOUZA, 2008) em detrimento da população de baixa
renda residente na cidade. Trata-se, então, do que entendemos como uma
2
Tanto a ordem, quanto a contra-ordem constituem o „território usado‟ (M. SANTOS & SILVEIRA,
2001), podem construir ações, saberes e normas que são ascendentes, por partir do lugar, e
desalienadoras, por partir da reflexão crítica do cotidiano. A racionalidade e a contra-racionalidade
constituem, então, as possibilidades de uso do território.
3
As contra-racionalidades se tratam de novos usos dados aos objetos e até da situação de vida que
os pobres são obrigados a levar por não terem acesso à diversos direitos, e essa sobrevivência é
realizada através da criação de uma nova racionalidade. Como escreve Santos (1996, p.243) “Essas
contra-racionalidades se localizam, de um ponto de vista social, entre os pobres, os migrantes, os
excluídos, as minorias; de um ponto de vista econômico, entre as atividades marginais, tradicional ou
recentemente marginalizadas; e, de um ponto de vista geográfico, nas áreas menos modernas e mais
„opacas‟, tornadas irracionais para usos hegemônicos. [...]. O que muitos consideram, adjetivamente,
como „irracionalidade‟ e, dialeticamente, como „contra-racionalidade‟, constitui, na verdade, e
substancialmente, outras formas de racionalidade, racionalidades paralelas, divergentes e
convergentes ao mesmo tempo”.
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2 – Metodologia
Ao analisarmos a história das sucessivas transformações da cidade de
Campinas nota-se a constituição de uma importante densidade técnica, científica e
informacional (SANTOS, 1994) ao longo do século XX. Campinas participa
ativamente da nova divisão territorial do trabalho fundada na variável informação,
acolhendo objetos (formas geográficas) e ações (com destaque para as normas)
condizentes com esta nova vaga de modernizações (SOUZA, 2008). De maneira
indissociável a essa modernização de partes da cidade intensifica-se a periferização
da população de baixa renda; indissociabilidade característica da urbanização
corporativa (SANTOS, 1993). Hoje, Campinas está entre as quinze cidades
brasileiras com maior número absoluto de população residente em favelas e
ocupações (IBGE, 2010). Configura-se, assim, um espaço urbano que abriga as
modernizações, mas incapaz de responder às necessidades de grande parte da sua
população e, desse modo, reprodutor de uma pobreza estrutural (SANTOS, 2000).
As ocupações de terras urbanas, cada vez mais presentes nas metrópoles e
grandes cidades do Brasil a partir do início da década de 1980 (RODRIGUES,
1988), são manifestações dessa urbanização corporativa em andamento no país.
Entendemos as ocupações urbanas como a rápida ação de construção de moradias
em terrenos privados e públicos dentro do perímetro urbano pela população de baixa
renda possível por um planejamento prévio para escolha do local, do momento e da
forma como ocorrerá a ocupação, para construí-la e para mantê-la (SOUZA, 2006)
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De acordo com M. Santos (1999, p. 17) “o espaço teria uma quinta dimensão, a do cotidiano, que
permitiria exatamente chegar à ideia de ação comunicacional”.
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espaços opacos (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 264), entre esses dois extremos há
uma gama de situações.
Em Campinas essas diferentes densidades podem ser definidas, grosso
modo, com uma Macrorregião Norte rica com boa infraestrutura urbana e empresas
de tecnologia de ponta; e uma Macrorregião Sul pobre e carente de infraestrutura e
serviços urbanos básicos (CANO & BRANDÃO, 2002). Essa Macrorregião Sul se
constitui, assim, numa extensa zona opaca da cidade e é nela que se localizam as
duas ocupações de terras urbanas que analisamos nessa pesquisa, denominadas
como região do Parque Oziel e região do Jardim Campo Belo.
Entre esses altos índices de riqueza, concentrada numa parcela do território e
da população, e os altos índices de pobreza absoluta, concentrada em outra grande
parcela da cidade, coloca-se o desafio para a análise, pois é preciso pormenorizar
as diferenças intraurbanas, as diferenças dentro da desigualdade (SPÓSITO, 2011)
e consideramos a regionalização um dos caminhos metodológicos para tal análise.
Como escrevemos (MESTRE & FONSECA, 2011, p. 36) as regionalizações
“como processo intermediário entre os regionalismos e a afirmação da região,
produzem ideologias, que buscam legitimidade ou autonomia para servir de
emissoras ou de alvo para políticas específicas”. É por isso que 'regionalizar', como
destaca Ribeiro (2004), não é apenas um ato técnico, envolve uma gama de ações e
agentes manifestados historicamente por setores dominantes locais, governos e,
hoje, empresas globais.
Ribeiro (2004) diferencia a "regionalização como fato" que independe da
ação hegemônica do presente e a "regionalização como ferramenta" dessa mesma
ação. Na primeira definição, a regionalização é compreendida a partir de um esforço
de periodização e, na segunda, se entende a região tal como é, hoje, objeto do
Estado, das corporações e dos movimentos sociais. A região encarna os interesses
dos agentes diversos e a influência das esferas da vida coletiva. Essa expressão
espacial que é um fato, pode também ser objeto de delimitação visando implementar
uma ação.
Acerca disso, o desafio é de criar uma regionalização democrática, baseada
no conflito, no exercício da política, pois como nos fala Ribeiro (2004, p. 202): a
regionalização representa para os atores sociais uma indispensável informação nas
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Santos (1987) destaca como importante variável para o estudo da urbanização do período atual a
acessibilidade aos serviços públicos como garantia de uma cidadania completa, sendo mesmo um
direito territorial. Segundo o aturo “Olhando-se o mapa do país, é fácil constatar extensas áreas
vazias de hospitais, postos de saúde, escolas secundárias e primárias, informações geral e
especializada, enfim, áreas desprovidas de serviço essenciais à vida social e à vida individual. (...). O
valor do indivíduo depende, em larga escala, do lugar onde está (...). Em nosso país, o acesso aos
bens e serviços essenciais, públicos e até privados é tão diferencial e contrastante, que uma grande
maioria de brasileiros, no campo e na cidade, acaba por ser privada desses bens e serviços” (idem,
pp. 43 e 111).
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aos hospitais instalados em regiões distantes dessa área. Esses fixos estão
instalados em quatro bairros e haviam apenas dois deles antes da implantação do
Projeto Vip Viracopos. Em relação aos fixos de educação, há quatro EMEI (Escola
Municipal de Educação Infantil), duas EMEF (Escolas Municipal de Ensino
Fundamental), duas Naves Mães (creches municipais) e quatro Escolas Estaduais.
Não foi possível verificar qual a capacidade de atendimento de cada um desses
fixos, porém mais de mil crianças da região estudam na cidade de Indaiatuba, que
pertence à Região Metropolitana de Campinas e faz fronteira com os bairros da
região, e uma parcela dos adolescentes se dirige para as escolas de outros bairros
de Campinas. Dentre esses fixos de educação havia apenas três instalados antes do
Projeto.
A região do Parque Oziel, por sua vez, é composta por quatro bairros
(bastante heterogêneos entre si) e conta com aproximadamente trinta mil pessoas;
foi loteada no início da década de 1980, está distante apenas cinco quilômetros do
centro da cidade e seu parcelamento foi em lotes de grandes proporções, logo,
voltados para a implantação de imóveis comerciais ou residenciais de alto padrão.
Na madrugada em que ocorreu essa os ocupantes construíram, em poucas horas,
uma igreja e uma escola em busca de intimidar o poder público local de passar com
tratores por cima desses fixos de alto valor simbólico para a maior parte da
população da cidade.
Há na região do Parque Oziel apenas uma escola com parceria municipal e
estadual que atende do Ensino Fundamental ao Ensino para Jovens e Adultos (EJA)
com capacidade infinitamente inferior à necessária para atender às 30 mil pessoas
residentes na área. Há ainda dois módulos de saúde que, ao todo, têm capacidade
de atender apenas 12 mil pessoas.
3.1 – O uso do território pela população residente nas ocupações para acessar
os fixos de saúde e educação
Ambas ocupações se instalaram no início do ano de 1997 e até o ano de
2007, já com uma população de aproximadamente 80 mil pessoas ao todo, não
receberam nenhum tipo de auxílio do poder público local. A partir de 2007, foi
implantado o Projeto Social Vip Viracopos, com financiamento do governo federal
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4 – CONCLUSÃO
Na análise realizada nesse trabalho foi possível notar que a regionalização
utilizada para a participação popular no Plano Diretor de Campinas/SP assegura os
projetos e ações hegemônicos. A fluidez territorial, a concentração de investimentos
e a separação dos melhores e dos “outros” pedaços da cidade desenham, assim,
topologias isoladas (MESTRE, 2009) intensificando a fragmentação urbana e
reduzindo a cidadania da população de baixa renda.
Consideramos, assim, importante a definição de uma regionalização,
principalmente quando esta baseia a participação popular, que compreenda o uso
do território por parte da população. E, para isso, observar os fluxos realizados para
acessar os fixos de saúde e educação pode ser uma boa estratégia. Faz-se
necessário que o poder público compreenda melhor os diferentes lugares que
formam a cidade e as relações estabelecidas entre eles. Dessa forma, possibilita-se
uma regionalização que dê voz à população das cidades e metrópoles brasileiras.
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