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VEJA.

com: Choque de Civilizações Page 1 of 1

O abismo entre dois mundos


Desafio para o Islã e para o Ocidente
é conviver com diferenças
Dez charges colocaram o mundo em clima de alerta em 2006. Publicadas num pequeno jornal
da pacata Dinamarca no final do ano anterior, as ilustrações representavam a imagem do
profeta Maomé - o que não é aceito pela religião islâmica. Seria um episódio breve não tivesse
desencadeado uma histérica reação diplomática dos países muçulmanos, boicotes econômicos,
multidões enfurecidas e ameaças de morte, que mostraram que o fosso de valores, idéias e
Galerias de fotos
hábitos entre o mundo islâmico e o Ocidente se aprofundou perigosamente. Desde a Guerra
• Conflito
Fria, não se via com tanta clareza a existência de dois mundos crescentemente hostis e que,
• Convivência
rapidamente, esquecem o muito que têm em comum exacerbando o pouco, mas fundamental,
• Modernização
que os separa.
Destaques
• Infográficos O fanatismo religioso tem diminuído as chances de diálogo entre Ocidente e o Islã. O convívio
• Frases poderia ser harmonioso e mutuamente enriquecedor não fosse o fato de que o poder crescente
• Perguntas e respostas dos fanáticos esmaga os mais moderados e transigentes. O caso das charges é exemplar por
• Cronologia ter colocado em foco alguns dos mais agudos pontos de ruptura entre os dois lados: liberdade
• Arquivo VEJA de expressão, direitos humanos e o que o americano Samuel P. Huntington, professor de
Harvard, chamou de "choque de civilizações". A questão que se coloca atualmente é: a religião
do Islã é ou não compatível com a sociedade moderna e secular?

Boa parte da incompatibilidade do mundo muçulmano com o Ocidente moderno se explica pela
noção de que no Islã político não deve haver separação entre vida pública e vida privada, entre
religião e política. O diálogo fica difícil com quem se recusa a aceitar que as escolhas humanas
possam estar acima das leis que considera emanadas por seu deus. Do lado ocidental, a
invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003, parece feita sob medida para reforçar o
sentimento generalizado entre os muçulmanos de que o mundo os persegue.

Expressões desse conflito podem ser vistas ainda em outros episódios recentes. De tempos em
tempos, os terroristas da Al Qaeda apareceram na televisão com ameaças de novos atentados
em sua jihad contra os "cruzados" e judeus. O Irã e seu presidente-bomba ameaçam
desenvolver um arsenal nuclear para derrotar o "satã" - sim, o Ocidente e seus valores. Em
setembro de 2006, protestos clamando por sangue explodiram em ruas do Oriente Médio depois
que o papa Bento XVI fez um simples comentário acerca de um texto medieval que criticava a
disposição de Maomé ao conflito. Recuando apenas alguns anos, encontramos a sentença de
morte decretada pelo aiatolá Khomeini contra o escritor britânico Salman Rushdie, por
considerar o livro Os Versos Satânicos uma "blasfêmia".

Os crimes e as ameaças são, obviamente, obra de fanáticos, mesmo quando ocupam altos
cargos em Estados islâmicos. Desde o 11 de Setembro - um divisor de águas da História e outro
marco do choque atual -, um esforço enorme é feito por muçulmanos e não-muçulmanos para
separar o fanatismo de Osama bin Laden da fé moderada e pacífica da maioria dos
muçulmanos. Afinal, ocidentais e islâmicos estão fadados à convivência. A influência do mundo
moderno penetra no cotidiano de muçulmanos e vice-versa. Prova disso são os sopros de
modernidade que atravessam nações como Líbano e Turquia - ainda que os tropeços ainda
sejam graves. Outro exemplo da coexistência é a adaptação de seguidores de Alá residentes
nos Estados Unidos e também no Brasil. Só na Europa, vivem mais de 15 milhões de
muçulmanos.

O Ocidente olha para o mundo muçulmano com desconfiança. Teme suas encrencas, suas
mulheres cobertas de véus e seus homens-bombas. O mundo muçulmano tem sido
contaminado, nas últimas décadas, por uma versão fantasiosa do mundo ocidental, divulgada
pelos mulás nas mesquitas: um lugar eficiente, mas sem Deus e, portanto, sem alma. Não há
nenhuma razão insuperável pela qual muçulmanos e ocidentais não possam conviver
pacificamente. Isso exigiria que cada parte examinasse suas idéias sobre a outra. Em especial,
contudo, os muçulmanos precisariam encontrar um jeito de se ajustar à vida moderna.

http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/choque_civilizacoes/contexto01.html 19/3/2009

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