Você está na página 1de 15

Universidade Federal de Minas Gerais

Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

Mapa da capital Argel, com os principais locais de confrontos entre a FLN e o exército
francês na “batalha de Argel”, entre 1956 e 1957 (Fonte: Wikimedia Commons)

ARGÉLIA, 1957
Os condenados da terra

Entre 1954 e 1962, na Argélia, transcorre movimentos e mobilizações interna-


a mais longa e sangrenta guerra de cionais pela independência das colônias
libertação anticolonial do continente africanas. A Argélia, localizada no norte
africano da década, no auge dos do continente africano, no Magrebe,

1
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

“Um só herói, o povo”: pichação política em muro na cidade de Argel (Marc Riboud, 1962)

separada do território francês europeu esforços de partidos nacionalistas desde


apenas pelo Mar Mediterrâneo, é uma meados da década de 1940.
colônia francesa desde o início do século
Nesse contexto de inflexibilidade da
XIX, com uma relevante população de
política francesa, a Frente de Libertação
colonos franceses e seus descendentes
Nacional da Argélia (FLN) comanda uma
franco-argelinos brancos.
insurreição armada de grandes
Em virtude dos antigos interesses proporções contra o governo colonial, que
econômicos enraizados e das pressões só irá terminar em 1962 com o
políticas exercidas pela população de reconhecimento da independência
colonos franceses sobre o governo argelina após o esgotamento militar e
metropolitano, a França tem adotado uma diplomático da França no conflito. A
postura muito mais inflexível com a guerra de libertação da Argélia tem sido
Argélia do que com o restante dos um importante fator de pressão política
territórios de seu império colonial pela independência de outras colônias
africano, recusando-se a encetar africanas, porque as potências imperiais
qualquer negociação visando à indepen- europeias temem que a África inteira se
dência, a despeito dos significativos radicalize e se transforme em uma imensa

2
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

Colonas francesas e colonizadas árabes nas ruas de Argel (Raymond Depardon, 1961)

Argélia se as independências não forem população de colonos europeus chega


negociadas rapidamente. perto de um milhão de pessoas, contra
quase 9 milhões de habitantes
colonizados de origem árabe e berbere,

A colonização francesa e os pieds-noirs majoritariamente muçulmanos, que


formam uma massa economicamente e
A Argélia é o território colonial francês na politicamente marginalizada.
África com a mais antiga e numeri-
camente mais expressiva presença de Os colonos franceses e “pieds-noirs”

colonos franceses, tanto de migrantes dedicam-se tradicionalmente a diversas

franceses que vão à Argélia com o ocupações. Possuem postos no governo

prospecto de enriquecimento fácil na colonial, tendo acesso privilegiado aos

colônia quanto de descendentes dos cargos da administração pública, e

migrantes originais, que são designados também exercem profissões liberais

pejorativamente na França, nos anos (como médicos, advogados ou

1950, pela expressão caracteristicamente jornalistas). A elite econômica colonial

racista de pieds-noirs (“pés-pretos”). A detém empresas de mineração e,

3
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

principalmente, grandes propriedades lisonjeira, mas muito concreta e real, de


agrícolas de exportação, localizadas em como funciona a política de sua República
áreas férteis no litoral desapropriadas das fora da Europa.
populações árabes e berberes que
Nas zonas rurais, a administração
originalmente as ocupavam. Os principais
francesa funciona por intermédio de
produtos dessas propriedades coloniais
autoridades árabes e berberes indicadas
são a produção vitivinícola, as frutas
pelo poder colonial para administrar as
cítricas e as azeitonas, enquanto a
douar-djemâas, como eram chamados em
produção de alimentos de subsistência
árabe os conselhos municipais e
para consumo local (como grãos) ocorre
assembleias de anciãos. Essas lideranças
apenas em regiões camponesas árabes e
árabes e berberes indicadas regulam a
berberes em localidades menos férteis,
cobrança de impostos no campo e o
nas montanhas e nas margens do Saara.
recrutamento da mão-de-obra para as
Os colonos são um grupo propriedades rurais de colonos, e nem
economicamente poderoso, que exerce sempre detêm legitimidade diante da
um lobby significativo sobre o governo população comum. Sua autoridade às
metropolitano francês, sobretudo no
sentido da preservação de políticas
coloniais que garantam seus privilégios
econômicos e políticos. A despeito de
alguns intelectuais de orientação política
democrática ou à esquerda (que vivem em
constante ambiguidade diante de seus
múltiplos privilégios como colonos e de
sua distância em relação às populações
muçulmanas), a maior parte dos colonos
professa agendas políticas abertamente
conservadoras, racistas e com tendências
fascistas que nem sempre são bem vistas
na política doméstica metropolitana,
pretensamente “democrática”. Os colonos
argelinos fornecem à opinião pública
Pequeno comércio em Argel (Sergio
francesa uma imagem muito pouco Larrain, 1959)

4
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

vezes é desafiada por assembleias ou listas argelinos e a uma reorientação


djemâas informais que subsistiram ideológica para um programa político
durante o período colonial, tornando-se socialista, inspirado tanto pela Indochina
fontes de articulação da resistência quanto pelo Egito e pela difusão do
popular. socialismo africano e do socialismo pan-
árabe nos anos 1950.

O nacionalismo anticolonial argelino


Os movimentos nacionalistas
encontra-se profundamente articulado,

Desde a década de 1940, sobretudo do ponto de vista internacional, tanto aos

depois da segunda guerra mundial, da movimentos pan-africanos que ganham

criação da ONU e do 5º Congresso Pan- corpo durante os anos 1950 quanto aos

Africano de Manchester em 1945, movimentos pan-árabes. De fato, os

partidos nacionalistas que defendem a nacionalistas argelinos têm instrumen-

independência dos territórios africanos talizado tanto um discurso de

sob dominação europeia surgiram e se pertencimento ao mundo africano (com

multiplicaram em todo o continente, e a delegações diplomáticas enviadas aos

Argélia não é uma exceção. Em 1946 principais congressos de lideranças

foram criados dois partidos nacionalistas: africanas e com apoio técnico à luta

a União Democrática do Manifesto armada em outras regiões africanas)

Argelino (UDMA), e o Movimento pelo quanto de inscrição no mundo árabe, em

Triunfo das Liberdades Democráticas meio a um processo de lutas anticoloniais

(MTLD). Ambos defendem majorita- em todas essas regiões.

riamente liberdades políticas e têm apoio


A religião islâmica, em contraposição ao
das burguesias nacionais árabes, com um
cristianismo francês, é um fator
programa político moderado. Buscaram
uma via de negociação com o governo
francês, sem terem obtido sucesso
considerável. A inflexibilidade francesa,
aliada ao sucesso da luta armada
anticolonial na Indochina (outro antigo
território colonial francês no Sudeste
Asiático), levou a uma progressiva
radicalização dos movimentos naciona- Guerrilheiros da FLN fazendo suas preces
(Kryn Taconis, 1957)

5
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

importante de mobilização popular da comanda atualmente a guerra de


luta anticolonial argelina, mas os libertação e constituiu, desde então, um
dirigentes dos movimentos partidários e governo provisório para a Argélia
da luta armada esforçam-se para manter independente.
um viés secular e laico em suas
A eclosão da luta armada na Argélia
reivindicações. A despeito disso, tensões
precipitou em 1956 a negociação da
significativas emergem, de quando em
independência para o Marrocos e a
quando, entre lideranças seculares e
Tunísia, outras duas colônias francesas
socialistas (que buscam uma
vizinhas no Magrebe, embora a França
modernização dos costumes e um
tenha insistido em manter a dominação
igualitarismo social) e bases populares
colonial sobre a Argélia. Desde então, o
islamizadas (que defendem amiúde uma
Marrocos e especialmente a Tunísia têm
ordem social religiosa e a preservação de
funcionado como bases logísticas de
costumes e hierarquias sociais islâmicas).
apoio para a FLN e como sedes do governo
provisório da Argélia independente. O
exército francês procura, nem sempre
A Frente de Libertação Nacional e a
com muito sucesso, impedir a
luta armada

Diante da ineficácia das vias políticas


institucionais, uma das facções do MTLD,
conhecida como Comitê Revolucionário
de Unidade e de Ação (CRUA), com apoio
político e logístico egípcio, pôs em prática
em 1954 um plano de insurreição armada
contra a administração colonial,
formando a Armada de Libertação
Nacional e dividindo o país em seis
distritos militares denominados wilayas.
Em menos de um ano, o número de
militantes subiu de meros 2 mil para cerca
de 13 mil, e a Armada de Libertação
Nacional reestruturou-se na Frente de
Libertação Nacional (FLN), a qual Guerrilheiros da FLN no Djebel Oum Skek,
na fronteira tunisiana (Kryn Taconis, 1957)

6
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

movimentação dos guerrilheiros e dos criando milícias nas cidades e no campo e


militantes ao longo dessas fronteiras, que aumentando dramaticamente o derrama-
são extensas, montanhosas e de difícil mento de sangue e os embates entre
vigilância. árabes, berberes e franceses, numa
escalada de violência cujos efeitos se
A reação do governo francês diante da
mostrarão irreversíveis e forçarão a
eclosão da luta armada tem sido a adoção
maior parte dos colonos franceses a
de uma brutal repressão militar, com o
abandonar o país após a independência.
emprego das Forças Armadas francesas
em massacres e bombardeios contra Diante disso, a FLN tem adotado uma
comunidades civis de camponeses estratégia de luta de guerrilha nas cidades
argelinos suspeitas de abrigar e nas zonas rurais. No interior, sobretudo
guerrilheiros. O emprego da tortura nas regiões montanhosas dos Montes
contra civis e guerrilheiros argelinos é Atlas (os djebel), acampamentos de
corriqueiro e sistemático, e tem atraído a guerrilheiros movem-se pelo país fugindo
condenação da opinião pública francesa e do exército e destruindo alvos militares e
internacional. Em 1956, o governo propriedades rurais de colonos franceses
colonial decidiu armar os civis franceses, que dão suporte ao exército colonial.

A “batalha de Argel”

A área de ocupação colonial francesa,


próxima ao litoral, é dividida em três
grandes zonas administrativas: Oran,
Argel e Constantine (do oeste para o
leste). Argel é a principal cidade e capital
administrativa da colônia, sendo ainda o
local dos mais violentos enfrentamentos
urbanos entre a FLN e as forças policiais e
militares francesas.

A cidade divide-se em duas áreas


urbanisticamente muito distintas entre si:

A kasbah de Argel (Sergio Larrain, 1959) por um lado, há a zona baixa e o centro

7
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

Confronto de manifestantes com as Forças Armadas na rua Michelet, no centro de Argel


(Nicolas Tikhomiroff, 1960)

colonial “europeu”, habitado constante controle policial de acesso


predominantemente por colonos entre o centro e a Kasbah.
europeus. É construída à imagem das
Argel é palco de uma série de
cidades francesas, com ruas e avenidas
manifestações, protestos públicos e
largas para circulação de automóveis,
greves contra o governo colonial, com
praças públicas e saneamento básico, e é
brutal repressão policial. Como parte de
adjacente ao porto. Nas partes altas da
suas ações de guerrilha, a FLN organiza na
cidade ficam as almedinas, como são
cidade células de militantes encarregados
conhecidos os bairros árabes e berberes.
de assassinar autoridades policiais e
São bairros insalubres, com
militares francesas envolvidas em
infraestrutura de saneamento, transpor-
massacres. Ademais, bombas são
tes e energia deficientes e grande número
detonadas pela FLN em cafés e
de residências construídas umas sobre as
estabelecimentos públicos frequentados
outras em vielas estreitas e escuras. Em
por colonos, com o duplo propósito de
Argel, o mais importante desses bairros
assassinar autoridades policiais e fazer
árabes, e o mais próximo do centro
pressão sobre o governo colonial. Os
europeu, é a Kasbah. No contexto das
ataques a bomba suscitaram reações
agitações da guerra de libertação, há

8
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

clandestinas das forças policiais, com uma


série de contra-atentados a bomba na
Kasbah, a fim de intimidar e assassinar
militantes da FLN, dando origem a uma
escalada de explosões na cidade que tem
vitimado grande número de civis, árabes
e franceses, entre 1956 e 1957. Essas
táticas levam os guerrilheiros da FLN a
serem considerados “terroristas”, motivo
pelo qual até mesmo grupos políticos
franceses metropolitanos de esquerda,
simpatizantes à causa argelina, têm
repudiado as ações da FLN. Frantz Fanon
(Fonte: Wikimedia Commons)

O mapa interativo sua atuação profissional, teve a


oportunidade de tratar tanto pacientes
Conheça melhor a história e a geografia da colonizados quanto colonos e policiais, e
Argélia na década de 1950 explorando o deixou em sua obra vários registros de
mapa interativo abaixo: casos clínicos, incluindo este que pode ser
lido no documento a seguir.
Mapa interativo Argélia em 1957
Frantz Fanon – Delírio de acusação e
conduta suicida de um jovem argelino
Fonte primária: Os casos clínicos de
Frantz Fanon
Leitura obrigatória
Frantz Fanon foi um psicanalista negro
nascido na Martinica (uma colônia FANON, Frantz. Argelia se quita el velo. In:
francesa no Caribe), que emigrou para a Sociología de una revolución. México:
Ediciones Era, 1968, p. 19-49.
Argélia em 1953 para assumir o cargo de
psiquiatra-chefe no hospital colonial de O texto também pode ser acessado em

Blida. Juntou-se à FLN assim que começou uma tradução para o inglês neste link.

a luta armada, tornando-se um dos mais


importantes intelectuais do nacionalismo
argelino e do pan-africanismo. Durante

9
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

Algumas sugestões de personagens combatentes armados, a FLN possui em


seus quadros jornalistas (que escreviam o
Os personagens que irão participar da
jornal oficial da frente, o El Moudjahid,
ficção histórica neste cenário podem
publicado na Tunísia), médicos,
pertencer a qualquer grupo social da
professores e instrutores, mensageiros,
época (da Argélia ou de fora dela), desde
espiões, transportadores clandestinos de
que tenham algum motivo plausível para
armas e insumos médicos e uma variada
estarem na região de Argel em 1957. Você
gama de agentes. As mulheres têm papel
pode propor personagens “típicos” ou
ativo dentro da FLN: nas cidades, elas
representativos de algum grupo social, ou
costumam servir como mensageiras e
pode imaginar personagens particulares,
carregam as armas e explosivos usados
idiossincráticos, indivíduos incomuns ou
nas ações de combate.
de alguma forma distantes dos padrões
sociais hegemônicos da época, ainda que
plausivelmente inseridos nas sociedades
então existentes. Considere as seguintes
possibilidades:

Militantes da FLN: os militantes


associados à FLN exercem uma ampla
gama de ocupações revolucionárias, para
além da luta armada propriamente dita.
Os moudjahidin (“combatentes”, em
árabe) são soldados armados, que
recebem treinamento militar de guerrilha
nas montanhas (as djebel) e atacam alvos
militares, mantendo-se sempre em
movimento para evitar bombardeios e
confrontos diretos com as forças
Colonizados em manifestação pública em
francesas. Nas cidades, os combatentes Constantine (Erich Lessing, 1958)
organizam-se em pequenas células
semiautônomas, de modo que cada um Proletariado urbano: as almedinas são
tem contato direto com poucos outros habitadas por uma expressiva população
combatentes, a fim de evitar delações de árabe e berbere de colonizados urbanos
muitos nomes sob tortura. Para além de que exercem trabalhos mal remunerados

10
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

nas cidades coloniais, como os de Colonos franceses: nas cidades,


carregadores, estivadores, trabalhadores constituem a maior parte da população
industriais e da construção civil, que habita os centros coloniais, e ocupam
funcionários de companhias comerciais e os postos econômicos de maior
oficiais nos cargos inferiores da remuneração nas empresas e na
administração colonial. Há um administração colonial. Possuem também
substancial “lumpenproletariado” que direitos políticos ampliados em relação
vive de pequenos serviços informais às aos colonizados árabes e berberes, como
margens da economia urbana. Muitos são cidadania metropolitana e uma
apoiadores informais da FLN, embora não representação política desproporcional
sejam militantes filiados nem na Assembleia Nacional Francesa. Muitos
combatentes. Há ainda uma elite árabe são franceses de nascimento que vieram
intermediária que dirige um pequeno em busca de oportunidades econômicas,
comércio local (normalmente no ramo do mas há um número ainda maior de
varejo de produtos importados) e ocupa colonos nascidos na Argélia,
cargos intermediários da administração. pejorativamente chamados de “pieds-
noirs”. Nas zonas rurais, costumam

Soldados franceses em patrulha (Nicolas Tikhomiroff, s/d)

11
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

administrar grandes propriedades Forças Armadas francesas à Argélia. Os


agrícolas nas regiões mais férteis e métodos de atuação das forças armadas
próximas da costa, muitas das quais são ainda mais brutais e violentos do que
funcionam como bases de apoio logístico os da polícia local, e incluem o uso
das forças armadas francesas no sistemático da tortura e os massacres de
enfrentamento com a FLN. populações civis nas zonas rurais. Tanto
polícia quanto forças armadas exercem
Camponeses (fellagah): a população
vigilância constante nas cidades e
colonizada nas zonas rurais ocupa
controles de acesso e movimentação
pequenas comunidades agrícolas
entre os centros e as almedinas.
familiares, especialmente nas zonas mais
áridas e menos férteis, próximas do Saara Jornalistas e correspondentes interna-
(que ocupa toda a porção meridional do cionais: a expressiva repercussão
território). Essas comunidades internacional da guerra de libertação
organizam-se por meio de clãs e linhagens anticolonial na Argélia, num contexto de
patrilineares, com os homens mais velhos aceleração do processo de negociação das
exercendo autoridade sobre os mais independências em outros territórios
jovens, e com assembleias populares (as africanos, atraiu numerosos jornalistas,
djemâas, as maiores das quais são fotógrafos e representantes diplomáticos
controladas por lideranças apontadas de outras nações. A guerra tem
pelo poder colonial francês) em prejudicado significativamente a imagem
povoações maiores para tratar de internacional da França e mesmo a
assuntos coletivos. Há populações árabes popularidade doméstica do governo,
(sobretudo mais ao norte) e berberes desgastado com o envio de tropas e com
(predominantes nas regiões mais as denúncias de tortura, de modo que há
meridionais), com predomínio do Islã em constante hostilidade entre as forças
todos os segmentos sociais. policias e militares e esses profissionais
internacionais.
Polícia e forças armadas: a polícia
colonial argelina é composta tanto por
colonos franceses quanto por argelinos
Fontes complementares:
árabes e berberes, estes nas patentes mais
baixas. Com a intensificação dos conflitos A depender do perfil do personagem que
com a FLN, a polícia foi reforçada com o você decidir elaborar, é desejável
envio de tropas de paraquedistas das aprofundar aspectos específicos da

12
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

história da Argélia e da luta anticolonial HRBEK, Ivan. A África setentrional e o


chifre da África. In: MAZRUI, Ali A. (Ed.).
na região a partir de leituras temáticas
História geral da África: VIII: África desde
complementares. Veja abaixo algumas 1935. 2ª ed. rev. Trad. MEC/Centro de
Estudos Afro-Brasileiros da UFSC. São
sugestões de aprofundamento e selecione
Paulo/Brasília: Cortez/UNESCO, 2011, p.
aquelas que mais se encaixarem em seus 151-190.
interesses e no perfil de seu personagem. Este capítulo do último volume da coleção
História Geral da África da UNESCO
oferece um panorama, eminentemente
Material audiovisual
narrativo, a respeito dos processos de

A batalha de Argel (Dir. Gillo Pontecorvo, independência em todo o norte da África,


1966) abordando em linhas gerais os casos da
Longa-metragem ítalo-argelino, gravado Argélia, Tunísia e Marrocos. Um bom
na Argélia e com elenco argelino, narra a ponto de partida para uma visão geral das
história de um núcleo de militantes da independências nessa porção do
FLN em Argel, em confronto com as forças continente.
policiais e militares francesas. Foi
MACMASTER, Neil. The roots of
baseado em fatos e em trajetórias de
insurrection: the role of the Algerian
pessoas reais, embora seja uma recriação village assembly (Djemâa) in peasant
resistance, 1863-1962. Comparative
ficcional dos eventos.
studies in society and History, Cambridge:
Cambridge University Press, v. 55, n. 2, p.
419-447, abr. 2013.
Este artigo explora o papel das
Historiografia
assembleias populares rurais árabes e

YAZBEK, Mustafa. A revolução argelina. berberes, as djemâas, na construção do


São Paulo: Ed. UNESP, 2010. apoio popular à luta anticolonial nas
Este pequeno livro traz uma visão regiões rurais, abordando os papeis
panorâmica de síntese da luta de ambíguos que essas instituições podiam
libertação anticolonial argelina, exercer.
contemplando desde os movimentos
nacionalistas político-partidários do REIS, Raissa Brescia dos. África
imaginada: história intelectual, pan-
início do século XX até as crises políticas africanismo, nação e unidade africana na
do Estado nacional argelino após a Présence Africaine (1947-1966). Belo
Horizonte: 2018. 515 f. Tese (Doutorado
independência. em História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal
de Minas Gerais; École Doctorale de
l’Université de Bordeaux-Montaigne.

13
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

A tese de doutorado de Raissa Brescia dos Publicada em 1959, em meio à guerra de


Reis investiga os debates intelectuais e libertação, esta obra do militante da FLN
políticos realizados na revista francesa Frantz Fanon (de onde foi extraída a
Présence Africaine, principal veículo de leitura obrigatória deste cenário) dedica-
divulgação de ideias pan-africanistas do se especificamente à luta anticolonial
mundo colonial francês no período. argelina, analisando as relações sociais
Embora a revista tenha contado mais com entre os argelinos e os colonos e as
colaboradores das colônias ao sul do transformações culturais e nos costumes
Saara, a obra oferece um bom panorama a ao longo da luta anticolonial. Nesta obra
respeito do contexto intelectual pan- essencialmente otimista, Fanon defende
africano de língua francesa em que os que a luta anticolonial estaria provocando
movimentos argelinos se inseriam. uma transformação completa na cultura
argelina. Para quem preferir, há também
uma tradução para o inglês sob o título de

Fontes primárias A dying colonialism.

Como a independência da Argélia ainda é MEMMI, Albert. Retrato do colonizado


precedido de Retrato do colonizador.
tema pouco estudado na historiografia de Prefácio Jean-Paul Sartre. Trad. Marcelo
língua portuguesa, faz-se imprescindível Jacques de Moraes. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007.
o recurso às fontes primárias, incluindo
Albert Memmi foi um intelectual
aqui as obras de Frantz Fanon e Albert
tunisiano e esta obra foi originalmente
Memmi, dois dos principais intelectuais
publicada em 1957, em meio às lutas
anticoloniais do continente africano no
anticoloniais no Magrebe. Dividida em
período. Fontes documentais de época,
duas partes, ela apresenta um perfil
embora exijam sempre uma leitura crítica
psicológico e ideológico dos colonos
muito bem fundamentada em métodos
franceses no Magrebe, seguido de um
historiográficos, trazem sempre um nível
perfil dos colonizados.
e uma riqueza de detalhes que
dificilmente se encontra em obras FANON, Frantz. Em defesa da
historiográficas de caráter mais analítico. revolução africana. Lisboa: Livraria Sá
da Costa Editora, 1980.
FANON, Frantz. Sociología de una Esta coletânea póstuma de escritos do
revolución. Cidade do México: Ediciones militante da FLN Frantz Fanon traz, na
Era, 1968.
quarta e quinta partes, um conjunto de
textos escritos pelo autor no periódico

14
Universidade Federal de Minas Gerais
Departamento de História
HIS094 – História da África
Prof. Alexandre A. Marcussi

oficial da FLN, o El Moudjahid. Nesses independências africanas e os riscos dos


textos, Fanon aborda questões de novos nacionalismos emergentes.
formação ideológica mais geral e Embora não se refira especificamente à
estabelece relações entre a luta na Argélia, abordando o continente africano
Argélia, a política doméstica francesa e as como um todo, este clássico do
lutas pela independência em outros pensamento pan-africano baseia-se, em
territórios africanos. boa medida, na experiência direta de
Fanon com a luta anticolonial da FLN. O
FANON, Frantz. Os condenados da terra. 2ª
ed. Pref. Jean-Paul Sartre. Trad. José quinto capítulo traz numerosos relatos de
Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: casos clínicos colhidos durante a atuação
Civilização Brasileira, 1979.
de Fanon na Argélia, incluindo a fonte
Última obra publicada em vida por Frantz primária deste cenário.
Fanon, é um abrangente tratado sobre as

15

Você também pode gostar