Você está na página 1de 13

OS PARADIGMAS DO PENSAMENTO CARTESIANO E DO PENSAMENTO SISTÊMICO

THE PARADIGM OF CARTESIAN THINKING AND SYSTEMIC THINKING

Sessão temática: Epistemologia e Pesquisa Sistêmica


.

AGUIAR, Ranieri Roberth Silva de (UFSC).


Doutorando em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC).
ranieriaguiar@gmail.com

ALVES, João Bosco da Mota (UFSC).


Doutor em Engenharia Elétrica (UFSC).
jbosco@inf.ufsc.br

CASAES, Júlio César Costa (UFSC).


Doutorando em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC).
julio.casaes@pos.ufsc.br

DANDOLINI, Gertrudes Aparecida (UFSC).


Doutor em Engenharia da Produção (UFSC).
gertrudes.dandolini@ufsc.br

FERNANDES, Roberto Fabiano (UFSC).


Doutorando em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC).
robertofabiano.fernandes@gmail.com

SOUZA, João Artur (UFSC).


Doutor em Engenharia da Produção (UFSC).
joao.artur@ufsc.br

Resumo
O presente artigo analisa a dinâmica da abordagem científica através da análise de
paradigmas do Pensamento Cartesiano e do Pensamento Sistêmico, bem como as
contribuições da teoria da ação comunicativa de Habermas como proposta de articulação
entre filosofia, ciência e mundo. O referencial teórico deste trabalho construiu-se por meio
da busca sistemática dos estudos relevantes sobre esse tema, avaliando-os criticamente e
sintetizando-os.

Palavras-chave: Pensamento Cartesiano, Pensamento Sistêmico, Paradigmas.

Abstract
This article seeks to analyze the dynamics of the scientific approach by analyzing
paradigms of Cartesian Thinking and Systems Thinking and the contributions of
communicative action theory of Habermas and proposed links between philosophy, science
and world. The theoretical framework of this work was composed through systematic search.
We chose this type of search for understanding that their implementation provides gather

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
systematically all the treated theme, and critically evaluate and synthesize relevant studies
on this subject.

Keywords: Linear Thinking, Systems Thinking, Paradigms.

1. INTRODUÇÃO

As transformações que ocorrem na sociedade, juntamente com a produção


avassaladora de informações, modificaram valores, crenças, conceitos e ideias acerca da
realidade, agregando fatores complexos ao nosso dia-a-dia. Estes fatores não podem mais
ser resolvidos somente por um modelo de pensamento. Essas mudanças estão diretamente
relacionadas à complexidade ativa das ciências, bem como à vivência e experiência do
observador. À medida que avançamos e aprofundamos com novos conhecimentos, os
pressupostos básicos de boa parte do que se ensina e se pratica ficam naturalmente
desatualizados, devido à complexidade existente. A forma cartesiana de pensar, que
perdurou por séculos, já não consegue fornecer as respostas que a emergência da pós-
modernidade necessita.
Para Assmann (1998), a própria evolução histórica faz com que os paradigmas
modifiquem-se naturalmente, pois não há paradigma permanente. Segundo Vasconcellos
(2010), o tempo todo olhamos o mundo por meio de paradigmas. Eles funcionam como
filtros, selecionando o que percebemos e reconhecemos, levando-nos a recusar, não aceitar
ou não utilizar os dados que não combinam com as expectativas por eles criadas.
O paradigma cartesiano é um dos paradigmas mais lineares para solução de
problemas. Segundo Koontz, O´Donnell e Wehrich (1995) nessa abordagem, os problemas
tem uma solução única, e que essa solução não afetará a organização como um todo, e sim,
apenas, a área do problema.
Já o Paradigma sistêmico é uma abordagem que pressupõe os problemas como
complexos, e que as soluções empregadas afetam não somente uma parte da organização,
mas também a afeta como um todo. O foco do problema não é visto como uma
singularidade, mas como um todo e inter-relacionado. Neste caso, pode existir uma
pluralidade de caminhos a seguir, assim como diversas conclusões e soluções.
Neste sentido, este artigo tem o intuito de apresentar um esboço dos modos do
pensar cartesiano e sistêmico, como paradigmas e identificar algumas de suas
características, para isso, realizou-se uma busca sistemática da literatura sobre o assunto.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Paradigma

Hoje, as definições que são apresentadas sobre a palavra paradigma tem um sentido
muito vago. Associa-se a muitos assuntos e as diversas formas de vê-los. Segundo a
análise etimológica, a palavra paradigma origina-se do vocábulo latino “paradigma” e
aparece no grego como “paradeigma”. A sua tradução mais próxima para a língua inglesa é
“exemplo”
Para Marcondes (2002), a visão platônica define paradigma como “um modelo,
um tipo exemplar, que se encontra em um mundo abstrato, e do qual existem instâncias,

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
como cópias imperfeitas, em nosso mundo concreto”. Segundo Kuhn (2003), as diversas
formas de ver o mundo são chamadas de paradigmas, que são apresentadas em duas
formas:
1) Como uma matriz disciplinar, composta por um conjunto de teorias, regras,
modelos, padrões, aplicações, instrumentos, métodos, compromissos, crenças e
valores de determinada comunidade científica;
2) Como exemplos compartilhados, que permitem ao cientista olhar para
determinado objeto, e reconhecer semelhanças de outros objetos.
Kuhn (2003) entende que os grandes progressos de uma ciência só acontecem
quando os seus próprios paradigmas são desafiados e substituídos por novos paradigmas.
A maioria dos cientistas, durante toda sua carreira, ocupa-se com operações de limpeza do
paradigma estabelecido. Elas constituem o que o autor chama de ciência normal. “Na
ciência, um paradigma raramente é suscetível de reprodução. O paradigma é um objeto a
ser melhor articulado e precisado em condições novas e mais rigorosas” (KUHN, 2003, p.
44).
A Figura 1 apresenta graficamente que as mudanças de paradigmas sempre mantem
parte do paradigma que deixou de funcionar. A esta parte é dado o nome de realizações
permanentes.
Neste mesmo sentido, entende-se que os paradigmas estão em todos os aspectos
de nossas vidas, sejam eles religiosos, profissionais, educacionais, sociais e científicos. Um
dos grandes problemas relacionados ao paradigma é quando ele se torna o único modo de
ver e de fazer, impossibilitando de observar outras oportunidades que se encontram entorno
da questão. Para este problema, Vasconcellos (2002) atribui o nome de “paralisia de
paradigma”. Essa paralisia de paradigma pode nos levar ao predomínio da razão sobre a
emoção, da tecnociência sobre as ciências humanas, a exaltação de valores e
comportamentos inerentes à vida mecânica como hierarquia, controle, estabilidade,
individualismo, competitividade, sobrevivência, etc.

FIGURA 1 – REALIZAÇÕES PERMANENTES QUE


SOBREVIVEM À QUEBRA DE PARADIGMAS

Fonte: Adaptado Matheus (2005).

Também não se pode esquecer das grandes conquistas obtidas no campo


tecnológico com a visão de mundo mecanicista (que nas últimas décadas evoluiu para uma

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
visão econômica de mundo). Porém, este modelo tem deixado enormes problemas para a
humanidade, como a exclusão social, econômica, chegando até as mudanças climáticas. No
entanto, toda essa mudança pode estar direcionada para um novo paradigma, com novos
conhecimentos, valores e padrões de comportamentos. Bohm (1977) entendia estes
problemas como uma crise de significado, chamando-os de “a doença do pensamento”. Ele
também percebeu que a prática do diálogo era a forma mais adequada das pessoas criarem
significado compartilhado sobre o que pensavam, evitando a visão fragmentada, que
normalmente se tem acerca dos problemas humanos evidenciados na forma do pensamento
cartesiano.

2.2. Pensamento Cartesiano ou Linear

A visão fragmentada do pensamento linear (linear cartesiano ou pensamento


binário), Marriotti (2007) vê como de extrema importância, pois ele é útil em determinadas
circunstâncias relacionadas à vida mecânica e inadequado em situações que envolvam
complexidade.
Para Senge (1990) aprendemos desde muito cedo a desmembrar os problemas e a
fragmentar o mundo. Aparentemente, isso torna tarefas e assuntos complexos mais
administráveis, em troca, pagamos um preço oculto muito alto. Não conseguimos perceber
as consequências das nossas ações; perdemos a noção intrínseca de conexão com o todo.
Esse é um dos reflexos da forma de pensamento cartesiano.
Pensamento linear é sem dúvida o mais predominante modo do homem pensar, tem
suas raízes em Aristóteles (322 a.C.) e é “sacralizado” com Descartes (1650 d.C.) na
modernidade. Sustentado pela lógica binária, esse tipo de pensamento identifica os opostos
de um dado fenômeno e a partir deles desenvolve correlações que sustentarão a formulação
de um dado conhecimento.
Segundo Mariotti (2007), o pensamento linear começou a ser sistematizado há 2.500
anos por Aristóteles (384-322 a.c), Platão (427-428 a.c), Parmênides (530-450 a.c) e outros
pensadores gregos. Muito tempo depois, este modelo foi consolidado pela ciência moderna
durante o século XVII. Dentre seus formuladores, os que tiveram maior expressão foram o
físico Isaac Newton e o filósofo René Descartes, os quais conceberam a ideia que existia
uma realidade única e objetiva, independente da nossa vontade (que provoca frases do tipo:
“já estava assim quando eu cheguei” ou “as coisas são assim mesmo, desde que o mundo é
mundo”). O universo, segundo estes pensadores, é uma máquina (daí o termo
"mecanicismo" – paradigma newtoniano-cartesiano).
Ainda segundo Mariotti (2007), nessa mesma época, surgiram as correntes culturais
que sustentaram esse paradigma e moldaram o funcionamento da sociedade moderna,
entre elas: a Revolução Industrial e Científica; o Iluminismo; o Renascimento e o
Positivismo. Dessa maneira que a administração científica de Taylor e Fayol, em busca da
eficiência do homem-máquina, montou o sistema produtivo da era industrial, ou seja, como
as pessoas deveriam se encaixar nas organizações.
Alicerçado pela filosofia analítica que utiliza amplamente a matemática e se insere no
âmbito das ciências naturais, o pensamento cartesiano também é baseado principalmente
em uma experiência anterior, um padrão ou modelo pré-estabelecido pelo indivíduo ou em
um conhecimento específico assimilado. No entendimento de Ackoff (1981), em processos
de decisão, pensar linearmente significa utilizar a forma sequencial: avaliar; julgar e
escolher.

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
Andrade (2006) afirma que os modelos analíticos e lineares podem ser considerados
como termos equivalentes, pois se concentram em relações de causa e efeito. Segundo o
autor, um modelo linear está restrito a situações em que há:
I. Razoável grau de estruturação dos problemas;
II. Razoável estabilidade do sistema;
III. Baixo grau de complexidade dinâmica;
IV. Baixo grau de influência das percepções de diferentes indivíduos a partir de
distintos interesses.
Para Ackoff (1981) as principais características que fundamentam a concepção de
modelos cartesianos são:
I. Análise: entendimento pela verificação separada das partes;
II. Reducionismo: parte-se da análise de causas particulares em direção as
causas gerais;
III. Determinismo: todas as inter-relações entre os fenômenos podem ser
reduzidas a relações de causa-efeito simples; e
IV. Mecanicismo: cada componente se relaciona de modo serial ou aditivo
contribuindo para o funcionamento do todo.
De forma sintética Jung et al. (2009) indicam as principais características dos
sistemas lineares:
I. Sequencialidade;
II. Inter-relação de causa-efeito;
III. Fechamento; e
IV. Hierarquia;
Ainda segundo os autores, o principal fator que contribuiu para o insucesso desses
modelos foi não considerar as variáveis sociais. Há, portanto, a necessidade de um
pensamento que não fragmente a realidade, mas que a entenda como um sistema no
estudo dos conjuntos, padrões e totalidades. Também definido por Wilden (1972), como os
modos em que acontecem as relações ou as conexões entre os elementos e as relações
entre as relações.

2.3. Pensamento Sistêmico

Esse tipo de pensamento é mais recente, surgiu no século XX, mais precisamente a
partir de 1920, na área da biologia, com Goldstein e a noção do organismo compreendido
como um sistema. A sua abordagem está mais próxima da filosofia continental, que é mais
voltada para a razão e para a história das ideias. Também é chamado pensamento não
linear, por ter surgido em contraposição ao reducionismo do pensamento linear ou
cartesiano.
Para Maximiano (2002), sistema é um conjunto de partes ou elementos que formam
um todo unitário ou complexo e evidencia que o todo é maior que o conjunto das partes. O
termo sistêmico desperta uma grande variedade de significados, isso se deve ao fato que
teorias emergentes tratam de questões interdisciplinares (biologia, cibernética, física,

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
química, economia, ciências sociais), com as diferentes disciplinas, formulando "teorias
sistêmicas" próprias e adaptando os conceitos-chave a um novo elenco conceitual.
Na verdade, um momento-chave deste processo é a contribuição de Von Bertalanffy
(2008), que a partir de uma perspectiva biológica propôs a ideia de sistemas abertos,
modificando o modo mecanicista de pensar no qual considera as organizações como
sistemas fechados. Deste modo, empregou as explicações do paradigma biológico na
construção de explicações organizacionais.
Para Tarride e Zuñiga (2010), o paradigma sistêmico considera a complexidade
como uma propriedade de certo tipo de sistema, e que consequentemente permite a
classificação de todos os sistemas em níveis hierárquicos que vão desde os mais simples
aos mais complexos. Já Maximiano (2002), diz que o enfoque sistêmico é a melhor
ferramenta para lidar com a complexidade existente no atual mundo do trabalho, pois este
possibilita visualizar a interação de componentes que se agregam em totalidades ou em
conjuntos complexos, assim como entender a multiplicidade e interdependência das causas,
as variáveis dos problemas complexos, e também criar soluções para os problemas. Para
Mario Bunge (2003), qualquer coisa é um sistema ou um componente de sistema.
Neste sentido, o pensamento sistêmico interliga as partes, diminui a distância entre
elas, e permite pensar o conjunto (sistema), sem perder de vista todos os seus
componentes. O modelo permite que na articulação entre as partes, possam surgir novas
propriedades (ideias novas), o que seria impossível de visualizar a partir do pensamento
linear. Em suma, pode-se dizer que a análise das partes em separado revela um
conhecimento. A análise das partes em relação com o todo, revela um conhecimento com
propriedades novas, e por fim, a compreensão do todo, também revela um conhecimento
com propriedades novas.
Estas propriedades para Vasconcellos (2002) são definidas em três dimensões
articuladas em um novo paradigma da ciência que é o pensamento sistêmico:
• Complexidade: Segundo Waldrop (1992), a complexidade é um fenômeno
intermediário entre a ordem e o caos. Para Johnson (2001), a complexidade é
uma lente útil que possibilita o exame a fundo. A sua dinâmica, em termos
operacionais, torna a forma de um mecanismo de retroalimentação
compensatória que entra em função ao perturbar um sistema;
• Instabilidade: são os fenômenos imprevisíveis, é a definição de um mundo em
processo de tornar-se;
• Intersubjetividade: reconhece que não existe uma realidade independente de
um observador e que o conhecimento científico é uma construção social, em
espaços consensuais, por diferentes sujeitos/observadores.
Por fim, as características sistêmicas identificadas por Jung et al (2009) são: i)
circularidade; ii) abertura; e, iii) adaptabilidade.
As características de um modelo sistêmico, visam que as propriedades das partes
devem ser compreendidas dentro de um contexto maior onde exista feedback, conexões e
interdependências (FREITAS, 2005).
Senge (1990) define níveis em que podem ser descritas e compreendidas as
situações complexas da realidade.
Quando se analisa os dados presentes na realidade, desta forma, e por meio deles
se tomam decisões, pratica-se o pensamento sistêmico, pois se entende, que os resultados

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
não são acontecimentos fortuitos, mas sim um produto natural do sistema.
A partir da visualização da realidade por meio dos níveis do pensamento de Senge
(1990), Andrade (1997) cria uma ilustração, a qual representa um roteiro básico para
perceber e entender as estruturas da realidade (Figura 2).

FIGURA 2 – OS NÍVEIS DO PENSAMENTO


SISTÊMICO - METÁFORA DO ICEBERG

Fonte: Andrade (1997).

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O referencial teórico deste trabalho construiu-se por meio da busca sistemática.


Optou-se por este tipo de pesquisa, na perspectiva que sua aplicação proporciona a reunião
de forma sistemática, os estudos relevantes sobre um assunto específico. Também se
entende, que a busca sistemática é uma das partes da revisão sistemática.
As revisões sistemáticas diferem de outros tipos de revisões porque possuem uma
estrutura para obter uma dimensão global, minimizar a possibilidade de vieses e garantir sua
confiabilidade. As revisões não refletem a visão dos autores, nem se baseiam em uma
seleção parcial da literatura, mas contêm as referências conhecidas de ensaios sobre uma
intervenção em particular, e um resumo completo da evidência disponível. É uma
metodologia de pesquisa desenvolvida para obter e avaliar um grupo de estudos em um
tópico focado de pesquisa (BIOLCHINI et al., 2005).
A busca sistemática é utilizada para facilitar a elaboração das diretrizes na execução
da pesquisa, e extremamente útil para prover os direcionamentos na tomada de decisão.
Além disso, as buscas sistemáticas contribuem para o planejamento de pesquisas atuais e
futuras.
Segundo Kitchenham (2004), a busca sistemática é um meio de identificar, avaliar e
interpretar todo o estudo disponível e relevante sobre uma questão de pesquisa, um tópico
ou um fenômeno de interesse. As buscas sistemáticas reúnem, de forma organizada,
grande quantidade de resultados de pesquisas e auxiliam na explicação de diferenças
encontradas entre estudos primários que investigam a mesma questão.
Além disso, pode ser reconstruída segundo os passos utilizados, o que se configura
um fato importante, pois pode continuar em momento futuro com inclusão de novas
pesquisas nas bases utilizadas. Na Figura 3, é apresentada a sequência de passos que
foram adotados no procedimento e na realização da busca sistemática para o referido artigo.

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
Também foram seguidas as etapas de planejamento, execução, análise e relatorias
recomendadas por Clarke e Oxman (2001).

FIGURA 3 – PASSOS ADOTADOS NA BUSCA SISTEMÁTICA

Fonte: Adaptado de Clarke e Oxman (2001).

Neste trabalho, o objetivo da busca sistemática foi de levantar os principais conceitos


e definições sobre os assuntos “paradigmas”, “pensamento cartesiano” e “pensamento
sistêmico”, bem como os modelos propostos pela literatura para o tema. Para isso, foram
considerados artigos publicados em revistas e journals científicos que apresentam estudos
empíricos referentes ao tema encontrados na base de dados Scopus.
Sobre esta base de dados, o que se pode afirmar é que ela é a maior base de
resumos e referências bibliográficas de literatura científica revisada por pares, com mais de
18.000 títulos, de 5.000 editoras internacionais. Também pode-se afirmar que a Scopus
permite uma visão multidisciplinar da ciência e integra a maioria das fontes relevantes para
a pesquisa básica, aplicada através de fontes da web, mas com conteúdo científico,
periódicos de acesso aberto, memórias de congressos e conferências. É atualizado
diariamente e contêm artigos de mais de 3.000 revistas.
As buscas também podem ser realizadas por ferramentas mais populares, porém
com os conteúdos científicos. Creswell (2010), afirma que outras bases de dados podem ser
consideradas na busca como, por exemplo, a base de dados gratuita Google Scholar ou
Google Acadêmico. Desta forma, entende-se que a busca sistemática adquire um ganho na
busca de artigos que não estão disponíveis para leitura (ou download) na base de dados
Scopus, mas encontram-se disponíveis na internet.
Mesmo com toda a caracterização das ferramentas descritas, considerou-se esta
busca sistemática como parcial, por não se estender a outras bases de dados e por não

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
promover algumas análises e meta-análises.
Quanto aos critérios adotados para a realização da etapa da coleta de dados, foram
seguidos os seguintes critérios de inclusão e exclusão:
• Artigos que trazem a relação entre “paradigmas” e os tipos de pensamento
cartesiano e sistêmico;
• Considerados somente as pesquisas empíricas, qualitativa, quantitativa ou
mista.
O procedimento de localizar e selecionar os estudos potenciais na base de dados
Scopus e Google Scholar seguiu os seguintes critérios:
• Busca por palavras-chave: i) paradigm; ii) cartesian thinking; e, iii) systemic
thinking;
• Seleção de artigos que contenham título, resumo, palavras-chave do artigo,e
as palavras-chave de busca;
• Busca por tipo de documento article;
• Seleção de artigos disponíveis e que contenham texto na íntegra;
• Realização de nova triagem, conforme os critérios de inclusão.
Para fins de confiabilidade e repetibilidade do método, as buscas foram efetuadas
durante os meses de abril e maio de 2014. Na primeira busca realizada na base de dados
Scopus foram encontradas 15.099 publicações sobre paradigma, nas áreas de Ciências
Sociais e multidisciplinar. No total foram encontradas 27 áreas de interesse sobre este
assunto desde o ano de 1952.
Na segunda busca foi utilizada a palavra-chave “cartesian thinking”. Nesta, obteve-se
1.076 publicações, em 27 áreas diferentes, dentre as quais escolheu-se as áreas de
Multidisciplinaridade e Ciências Sociais.
Na terceira busca foi utilizada a palavra-chave “systemic thinking”. Nesta, obteve-se
983 publicações, em 27 áreas diferentes, dentre as quais, se escolheu também as áreas
Multidisciplinares e Ciências Sociais.
Por fim, foi realizada a busca inter-relacionada as palavras paradigm, cartesian
thinking e systemic thinking. Nesta busca, foram utilizados os descritores da seguinte
consulta (TITLE-ABS-KEY-AUTH(paradigm) AND TITLE-ABS-KEY(cartesian thinking) AND
TITLE-ABS-KEY(systemic thinking)), resultando em 2 publicações
Além desta pesquisa, foi realizado um estudo exploratório, em bases de dados a
procura de livros, teses e dissertações que tivessem relação direta com o assunto, no intuito
de elucidar ainda mais o estudo sobre o tema. Ambos os resultados das buscas foram
analisados para construção deste trabalho. Ao todo, foram selecionadas 23 obras, sendo 6
artigos, 1 dissertação e 16 livros. Após a leitura dos documentos chegou-se a seleção final
de obras. Assim, a abordagem metodológica adotada caracteriza-se como um estudo
exploratório e descritivo, feito mediante a busca sistemática da literatura.
Neste sentido, este artigo busca na literatura os conceitos que envolvem os
paradigmas de pensamento cartesiano e sistêmico e suas características, visando o
entendimento de como estas abordagens são utilizadas. Uma teoria científica é válida
quanto mais estiver aberta a fatos novos que possam tornar falsos os princípios e conceitos
em que se baseia. Para Popper (1978), o valor de uma teoria mede-se não pela sua

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
verdade, mas pela possibilidade de ser falsa. A falseabilidade garantiria a ideia do progresso
científico como solução para o chamado problema da indução.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como uma forma de síntese, é apresentado o Quadro 1, proposto pelos autores


Tarride e Zuñiga (2010), onde são mostradas as diferenças dos princípios encontrados entre
os paradigmas cartesiano e sistêmico, seguindo o viés de que nestes paradigmas existem
requisitos que influenciam no pensamento organizacional. Neste quadro foram
acrescentadas outras características abordadas no decorrer do artigo. De forma alguma se
pretende englobar todas as características referentes às duas formas de pensar, mas,
levantar algumas características comumente elencadas quando abordam os dois
paradigmas.

QUADRO 1 – DIFERENÇAS DE PRINCÍPIOS ENTRE OS PARADIGMAS


Paradigma Cartesiano Paradigma Sistêmico
Universalidade Universalidade: onde as hipóteses
enunciadas são capazes de explicar
qualquer evento particular.
Tempo é reversível e os sistemas são Tempo é irreversível e os sistemas são
degradáveis evolutivos
Causalidade linear: o princípio da ação e Causalidade circular: princípio de
reação apresenta de forma única, sem nunca feedback/retroativo
considerar a possibilidade de que a mesma
ação possa gerar outra reação e muito menos
do que uma reação é a causa de uma ação.
Realidade é ordenada O sistema é ordenado
Objeto é isolado do seu meio ambiente Objeto é relacionado ao seu meio
ambiente: onde as partes deixam de ser
unidades isoladas, como no paradigma
linear, para constituir componentes.
O observador é independente do objeto: A O observador define o objeto: Enquanto
ciência pressupõe a existência de uma no paradigma cartesiano, as organizações
realidade independente do observador, são objetos independentes do observador,
composto por seres inter-relacionados e no paradigma sistêmico é o observador
fenômenos, exibindo regularidades suscetíveis que os define.
conhecidas pelo ser humano.
Fechamento e hierarquia Abertura e adaptabilidade
Fonte: Tarride e Zuñiga (2010)

Como é possível perceber, a busca do pensamento sistêmico visa ultrapassar a


compartimentação de entendimentos e evidenciar as possibilidades de articulações dos
conhecimentos.

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
Durante a busca sistêmica verificou-se a Teoria da Ação Comunicativa, onde o
filósofo Alemão Jürgen Habermas (1929) traz sua contribuição para a problemática dos
paradigmas. Para Habermas, devemos abandonar o paradigma da consciência a que muitos
pesquisadores encontram-se presos, em prol de um paradigma da comunicação
(Pinto,1995). Pois o modelo que subordina o objeto ao sujeito é por si só um paradigma
insustentável na medida em que conduz o sujeito ao individualismo e a busca solitária da
compreensão dos fenômenos da natureza, bem como suas leis gerais.
Habermas propôs um novo paradigma que trata a racionalidade científica para além
do modelo fenomenológico que ele chama de modelo comunicativo.
Nesse modelo, dois mundos são possíveis de serem percebido: o mundo da vida que
é comunicativamente ativo; e o mundo dos sistemas, no qual os modos de produção são
estabelecidos. Deve-se, também, entender a palavra sistema no contexto habarmasiano,
como a organização estratégica, econômica e política onde se impõe as macroestruturas
sociais da modernidade, e não a visão sistêmica proposta especificamente por Bertalanffy
(2008).
O Mundo do Sistema para Habermas corresponde ao mundo simbólico da vida.
Assim, ele propõe de forma interdisciplinar que a filosofia, a ciência e o mundo se articulem
comunicativamente na busca pelo conhecimento, de modo que se possa construir uma nova
racionalidade, a partir do encontro dessas três realidades, sem que haja a negação de uma
pela outra. Ou seja, olhar para a realidade na totalidade de suas interações mútuas, o que
pressupõe uma abordagem baseada em observações no nível da experiência de cada um e
que são ao mesmo tempo comunicadas e consideradas, sem, contudo, abrir mão da crítica.
Neste sentido, percebe-se que a Teoria da Ação Comunicativa pode ser considerada
um desdobramento ou até mesmo um viés do pensamento sistêmico, indicando assim, a
necessidade de ser tratada especificamente em outros trabalhos de pesquisa.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do estudo realizado foi possível levantar algumas diferenças entre os
princípios do paradigma cartesiano e do paradigma sistêmico. Desta forma, pode-se
categorizar o paradigma cartesiano como reducionista. Já o paradigma sistêmico tem como
ponto forte a articulação entre as partes, que proporciona novas propriedades para o
conjunto. No entanto, não se entende que este ou aquele paradigma seja o melhor, pois se
assim o fosse, realizaríamos uma escolha também reducionista.
Consideramos que tanto um paradigma quanto o outro, produz saberes úteis e
importantes. A integração desses paradigmas, isto é, religando os seus conjuntos de
saberes permitirá uma compreensão mais apurada da complexidade do mundo real.
Há possibilidades de se explorar os demais saberes a partir de estudos mais
detalhados sobre a Teoria do Agir Comunicativo ou Ação Comunicativa de Habermas, que
contribui para o debate ao trazer para a discussão a necessidade do uso de diferentes
abordagens interdisciplinares para observação da realidade. Uma vez que esta teoria, do
mesmo modo, se utiliza de múltiplos conhecimentos para explicá-la, e de métodos diversos
para enfrentar os problemas emergentes, a fim de dispor de mais, e melhores,
oportunidades de formular perguntas válidas e de encontrar possíveis respostas.
Portanto, a pesquisa realizada permite verificar que existem diversas formas de
construir soluções para os problemas complexos, que surgem à medida que o mundo se

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
torna mais interconectado, por meio do aprendizado oriundo dos conhecimentos envolvidos
em cada um dos paradigmas abordados.

REFERÊNCIAS

ACKOFF, R. L. Creating the corporate future. Hoboken, NJ: John Willey & Sons, 1981.

ANDRADE, A.; SELEME, A.; RODRIGUES, L.. H.; SOUTO, R.. Pensamento sistêmico
caderno de campo. Porto Alegre, Bookman, 2006.

ANDRADE, A.. Pensamento sistêmico: Um roteiro básico para perceber as estruturas da


realidade organizacional. READ – Revista Eletrônica de Administração. Vol. 3, nr. 2. Jul –
Ago – 1997. Disponível em:
<http://read.adm.ufrgs.br/edicoes/download.php?cod_artigo=197&cod_edicao=34>. Acesso
20/05/2014.
ASSMANN, H. Metáforas novas para reencontrar a educação. São Paulo: Unimep,
1998.

BIOLCHINI, J., MIAN, P. G., NATALI, A. C., TRAVASSOS, G.H., Systematic Review in
Software Engineering: Relevance and Utility. Relatório Técnico ES-679/05, COPPE/UFRJ,
Rio de Janeiro, Brasil, 2005.

BOHM, D. Thought as a system. Londres : Routledge, 1977.

BUNGE, M. Emergence and convergence: Qualitative novelty and the unity of


knowledge. University of Toronto Press, 2003. 330 p.

CLARKE M; OXMAN AD, editors. The logistics of doing a review. Cochrane Reviewers'
Handbook 4.1 [updated March 2001]; Appendix 3a. In: Review Manager (RevMan)
[Computer program]. Version 4.1. Oxford, England: The Cochrane Collaboration, 2001.
Anais eletrônicosH Disponível em: URL: <http://www.cochrane.org/handbook/232-
planning-topic-and-scope-review.> Acesso em 15 abr. 2012.

CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e mistos. 3.


ed. – Porto Alegre: Artmed, 2010.

FIEDLER, R. C. P. A teoria da ação comunicativa de Habermas e uma nova proposta de


desenvolvimento e emancipação do humano. Revista da Educação. Guarulhos, SP, v. 1, p.
93-100, 2006. Disponível em:
<ww.revistas.ung.br/index.php/educacao/article/download/24/17 > Acesso em: 10 jul. 2015

FREITAS, W. B. As teorias do caos e da complexidade na gestão estratégica. 2005.


Dissertação (Mestrado em Administração) - Programa de Mestrado em Administração -
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 2005.

HABERMAS J. Teoria da Ação Comunicativa. 2º ed. Madrid:Taurus 1998.

JOHNSON, S. Emergence: the connected lives of ants, brains, cities, & software. New
York: Scribner. 2001.

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.
JUNG, C. F.; CATEN, C. S. T.; ECHEVESTE, M. E. S.; RIBEIRO, J. L. D. Análise Estrutural
e Síntese das Características Lineares e Sistêmicas de Modelos de Desenvolvimento de
Produto. Revista Liberato, Novo Hamburgo, RS, v. 10, p. 103-114, 2009.

KITCHENHAM, B. Procedures for Performing Systematic Reviews. Joint Technical Report


Software Engineering Group, Department of Computer Science Keele University, United
King and Empirical Software Engineering, National ICT Australia Ltd, Australia. 2004.

KOONTZ, H.; O’DONNELL, C.; WEHRICH, H. Administração: fundamentos da teoria e


da ciência. Pioneira: São Paulo, 1995.

KUHN, T.S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e
Nelson Boeira. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003 (Coleção Debates, 115).

MARCONDES, D. A crise de paradigmas e o surgimento da modernidade. In; BRANDÃO,


Zaia (org.). A crise de paradigmas e a educação. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.
(Coleção questões a nossa época, 35).

MARIOTTI, H. Pensamento Complexo: suas implicações à liderança, à aprendizagem e


ao desenvolvimento sustentável. São Paulo: Atlas, 2007.

MATHEUS, R. F. A Estrutura das Revoluções Científicas: resumo crítico detalhado.


ABR/2005. Disponível em: <http://www.rfmatheus.com.br/doc/revolucaocientificav2.3.pdf>.
Acesso em: <14/4/2012>.

MAXIMIANO, A. C. A. Teoria geral da administração: da revolução urbana à revolução


digital. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

PINTO, J. M. R. A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas: conceitos básicos e


possibilidades de aplicação à administração escolar. Paidéia, Ribeirão Preto, SP, n. 8-9,
Aug. 1995. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
863X1995000100007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 Jun. 2014.

POPPER, K. A Lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1978.


SENGE P. M. A Quinta Disciplina: Arte e prática da organização que aprende. 20ª Ed.,
Rio de Janeiro: Best Seller, 1990.
TARRIDE, M. I.; ZUÑIGA, M. Requirements of complexity for complex organizational
conceptions. Kybernetes, Vol. 39 Iss: 7, pp.1112 – 1127. 2010.

VASCONCELLOS, M. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas:


Papirus, 2002.

VON BERTALANFFY, L. Teoria Geral dos Sistemas. 5a. Ed., São Paulo:Vozes; 2008.

WILDEN, A. System and Structure. Essays in communication and exchange. 2a. Ed.
Londres: Tavistock Publications, 1972.

WALDROP, M. M. Complexity: the emerging science at the edge of order and chaos.
New York, NY: Touchstone, 1992.

11º Congresso Brasileiro de Sistemas: O Pensamento sistêmico e a interdisciplinaridade: debates e discussões.


Anais. Franca, 29 e 30 de outubro de 2015.

Você também pode gostar