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GAROTAS MODOS E MODAS:

A CIVILIDADE E A ESTÉTICA FEMININA NA COLUNA GAROTAS NOS ANOS


DOURADOS.

Daniela Queiroz Campos ∗


Graduanda em História pela Udesc
daniqcampos@hotmail.com

RESUMO: A partir da segunda metade do século XX, as revistas passam a funcionar


como suporte material de textos e imagens que atuam como veículos de propagação de
normas e preceitos caracterizadores de regras de civilidade. O presente trabalho visa
investigar saberes destinados às meninas/mulheres veiculados a Coluna Garotas da
revistas “O Cruzeiro”, cujo discurso produzido aproxima a educação da mulher às
práticas de civilidade. Defende-se, assim, que os textos da citada coluna disseminaram
novos hábitos de conduta e novos padrões de estética na educação de meninas/mulheres
pautados pelos valores do progresso e da civilização.

ABSTRACT: As we can notice, after the second half of the Twentieth Century, the
magazines start to work as a supporting material of texts and images, which are
characterized as spreaders of civility norms and rules.
The present work has the objective to analyze the knowledge transmitted to girls and
women in the article Garôtas in the Cruzeiro magazine. The speech approaches those girls
and women to education and civility norms.
Therefore, we defend the idea that those texts in the article spread new behaviors of
thoughts and new esthetics patterns in the education of the readers of the magazine,
influenced for the values of progress and civility.

Palavras chaves: civilidade, estética feminina, Garotas

Key Words: civility, aesthetic feminine, Garotas

No Brasil do século XIX, os manuais de etiqueta e civilidade começam a ser


editados. As transformações urbanas em decorrência da vinda da Corte portuguesa em
1808 marcam o “pano de fundo para as transformações nos modos dos comportamentos da


Aluna da oitava fase de História da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina). Bolsista
PIBIC/CNPq. Trabalho integrado ao Projeto “ SABERES IMPRESSOS. Imagens de Civilidade em textos
escolares e não- escolares: composição e circulação (décadas de 50 a 70 do século XX)”. Coordenação da
Profª Drª Maria Teresa Santos Cunha/Departamento de História/UDESC. (mariatsc@gmail.com)
‘boa sociedade’ do Rio de Janeiro ao longo do século XIX” 1 . Com a leitura dos manuais,
muitos membros da ‘boa sociedade’ brasileira pretendiam “nivelar-se a seus pares
europeus e distinguir-se do resto da população” 2 .
Percebe-se, assim, ao longo de todo o século XIX e principalmente da primeira
metade do século XX, a edição e a reedição de inúmeros manuais de civilidade e etiqueta
no país. Segundo Rainho (1995), os anúncios de jornais da época colocavam os manuais
como indispensáveis àqueles que desejassem ser bem sucedidos na sociedade.
Entretanto, no momento que esses impressos chegam ao Rio de Janeiro, as normas
de etiqueta e civilidade já se encontravam bastante difundidas nas sociedades européias.
Elias (1994) mostra que, a partir da Civilidade Pueril de Erasmo, datado de 1530, até o
século XIX as normas de conduta, de civilidade e de etiqueta já apresentava ampla
divulgação e difusão por toda Europa. Logo, suas edições e leituras encontravam-se em
declínio. Apenas uma burguesia em ascensão realizava a leitura daquelas normas bastante
difundidas nas nações européias.

[...] como os membros das corte gostavam de designar, em sentido amplo


ou restrito, a qualidade específica de seu próprio comportamento, e com
os quais comparavam o refinamento de suas maneiras sociais, seu
‘padrão’, com as maneiras de indivíduos mais simples e socialmente
inferiores. 3

Para Jacques Revel (1991), o culto da civilidade transforma-se em uma civilidade


depreciada a partir da transição lenta e gradual de um “sistema de convivência que
distingue o pequeno número” 4 para um modelo válido para todos. A função da civilidade
naquele momento era de distinção social.

Quando os códigos se revelam demasiadamente acessíveis e difundidos


por toda a parte, a civilidade começa a apagar os privilégios das elites.
Face ao perigo que representava um eventual nivelamento das condutas, a
civilidade é depreciada e torna-se um mero sinônimo de polidez. 5

Com a grande difusão e circulação dos manuais de civilidade, inclusive nos meios
rurais, no decorrer do século XVIII e na primeira metade do século XIX, este perde seu
propósito.

1
RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A distinção e suas normas: leituras e leitores dos manuais de
civilidade – Rio de Janeiro, século XIX. In: Acervo: Revista do Arquivo Nacional. Rio de Janeiro: v.8,
número 01/02, janeiro/deszembro 1995. p.139.
2
idem
3
Elias, Norbert. O processo civilizador.v.1. Uma história dos costumes. 2ªd.RJ: Jorge Zahar Edit.: 1994. p.
54.
4
REVEL, Jacques. “Os usos da civilidade”. In: História da Vida Privada. São Paulo: Cia. das Letras, 1991,
vol. 3, p.203.
5
RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. Op. Cit., p.144.
Se, no Brasil do século XIX, surgem as primeiras edições de manuais de civilidade e
etiqueta, é a partir do século XX, com a urbanização das grandes cidades, que eles começam
a ser amplamente difundidos. Pode-se perceber um grande número de edições e reedições de
manuais principalmente na primeira metade do século XX.
Ao realizar uma pesquisa específica sobre Manuais de Civilidade, Cunha (2006) 6
argumenta que, principalmente a partir da segunda metade do século XX, para além dos
manuais, outros impressos largamente difundidos funcionavam como suportes materiais de
textos e imagens atuando como veículos de propagação de normas e preceitos
caracterizadores de regras de civilidade. Entre estes meios propagadores de normas e
preceitos encontram-se textos escolares e textos não escolares. Este trabalho propõe-se a
analisar textos não escolares, sem caracterização do título específico de “manuais de
civilidade”, que circularam como práticas de leitura entre meninas e mulheres, na década
de 1950, e perceber um processo de codificação de regras e padrões desejados informado
por diferentes saberes e discursos,.
O estudo procura problematizar a produção de um discurso que aproxima a
educação da mulher e as práticas de civilidade. O exame dos textos da revista “O
Cruzeiro”, notadamente a secção Garotas, disseminaram novos hábitos de conduta e de
vida na educação de meninas e mulheres, pautados pelos valores do progresso e da
civilização. Busca-se situar tais leituras em meio a um conjunto de práticas discursivas
voltadas à preparação das meninas e mulheres na sua condição de cidadãs. Segundo Cunha
(2006) “a civilidade, entendida aqui como uma experiência histórica e contingencialmente
constiuída, representa um intenso esforço de codificação e controle dos comportamentos
para conter as sensações e movimentos do corpo e da alma, o que era um dos objetivos a
serem alcançadas com a educação feminina. Este estudo pretende, assim, abarcar outros
dispositivos textuais que não levavam o título específico de “manuais de civilidade”, mas
que em seus textos e imagens visuais estavam carregados de normas e valores que
‘ditaram’ padrões de civilidade do período e que, pela leitura, fora ou dentro da escola,
educaram”.
Elias afirma que, no século XVIII, o conteúdo da palavra civilidade foi “absorvido e
ampliada em um nono conceito, na expressão de uma nova forma de autoconsciência, o
conceito de civilization. Cortesia, civilidade e civilização assinalam três estágios de
desenvolvimento social, indicam qual sociedade fala e é interpelada”7
Nota-se que, naquele momento histórico, as normas civilidade estão reverberando em
diversos impressos que não somente os “manuais de civilidade”, dentre os quais pode-se
citar os livros escolares –cartilhas, revistas de variedades, revistas femininas, no cinema,
teatro, música. Pontualmente, o trabalho pretende analisar referida construção em uma
coluna da revista O Cruzeiro.
A Revista O Cruzeiro começa a ser editada no ano de 1928 é somente no ano de
1983 se secção suas edições. A revista de maior circulação nacional em meado do século
XX chegou a ter uma tiragem de ate 1 milhão de exemplares em edições especiais. Todavia
em edições normais sua tiragem superava os meio milhões de exemplares na década de
1950, época qual a população brasileira não passava de 50 milhões de habitantes. Assim

6
Cunha,Maria Teresa Santos. “Saberes Impressos. Educação e Civilidades em textos escolares e não-
escolares
Projeto de Pesquisa/ CNPQ 478925-2006-9 .
7
Elias, Norbert. O processo civilizador.v.1. Uma história dos costumes. 2ªd.RJ: Jorge Zahar Edit.: 1994. p.
112.
“No Brasil da década de 50, a revista O Cruzeiro se destacava como um dos meios de
comunicação mais importantes da época.” 8 .
Segundo Gonçalo Junior a revista fazia-se presente em um sem números de lares de
classe média urbana. “Por isso aparecer em suas páginas – de um modo positivo e negativo
– implicava em alcançar notoriedade instantânea.” 9 .
Na década de 1950, a revista O Cruzeiro destacava-se como um dos meios de
comunicação mais importantes no âmbito nacional. Considerada uma revista de variedade
de grande circulação nacional, esta fazia-se presente em inúmeros lares da classe média
urbana e era direcionada à leitura de toda a família. O Cruzeiro trazia a cada edição várias
páginas dedicadas às mulheres, como a seção de cartas e conselhos Da Mulher para a
Mulher, sob a responsabilidade de Maria Teresa, a seção de Elegância e Beleza de Elza
Marzullo entre outras. Podemos percebe que as colunas voltadas para as mulheres/meninas
também estavam presentes na revista O Cruzeiro. E “em geral, as idéias desta seção
seguiam as mesmas linhas das veiculadas pelas revistas femininas contemporâneas.
Pautavam-se pela moral tradicional...” 10 .
Carla Bassanezi (1995) entende as revistas femininas como uma das melhores portas
de entradas das normas sociais vigentes em um dado período. A partir da análise de textos
e ilustrações da Revista O Cruzeiro durante os Anos Dourados, percebem-se regras de
comportamentos, que caracterizam este período de “modernidade” nas imagens e nos
papéis desempenhados pelas mulheres daquele período. Segundo a mesma autora:

As revistas femininas veiculam o que é considerado próprio do “mundo


feminino” pelos seus contemporâneos. Seu conteúdo é marcado pela
história. Nunca surgem como idéias revolucionárias, não abrem
caminhos, mas também não podem ficar muito distantes das
transformações de seu tempo, pois correm o risco de perder o se público
leitor. Ao mesmo tempo, as revistas são capazes de formar gostos,
opiniões, padrões de consumo Acabam servindo muitas vezes como
guias de ação, conselheiras persuasivas e companheiras de lazer. 11

As colunas femininas da revista O Cruzeiro, especificamente a seção de cartas e


conselhos Da Mulher para a Mulher, destacam-se por seguirem a mesma linha das demais
revistas direcionadas ao público feminino da época. Ou seja, seguem a linha de uma moral
tradicional da época, em que à mulher eram reservadas características como a doçura, a
pureza e a vocação para o casamento e para os trabalhos doméstico. Entretanto, a mesma
revista trazia em sua secção de humor a Coluna Garotas, presente nas páginas do impresso

8
BASSANEZI, Carla. e URSINI, Lesley Bombonatto. O Cruzeiro e as Garotas. In: Cadernos Pagu (4)
1995. p. 243.

9
JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil – Moda e imprensa, 1933-1980. São Paulo: CLUQ-
Clube dos Quadrinhos, 2004.
10
BASSANEZI, Carla. e URSINI, Lesley Bombonatto. O Cruzeiro e as Garotas. In: Cadernos Pagu (4)
1995. p. 245.
11
BASSANEZI, Carla. Virando as Páginas, Revendo as Mulheres: Revistas Femininas e relações
homem-mulher, 1945-1964. p.15.
durante quase trinta anos, de 1938 a 1964, ilustrada por Alceu Penna e com texto de A.
Ladino, entre 1938 e 1957, e de Maria Luiza Castelo Branco, a partir de 1957.
A seção bem humorada representa a “expressão da vida moderna” urbana no Brasil
dos anos cinqüenta e acaba por direcionar/ditar regras e ensinar toda uma geração de
mulher.(de classe média, escolarizadas, urbanas). Mas “se as moças da época podiam
inspirar-se nas garotas da revista para se comportarem e se vestir, as garotas tinham como
referência as moças de seu tempo (tal como eram percebidas por seus criadores)” 12 . Na
análise do impresso, pode-se perceber nesta parte da revista - as Garotas do Alceu - que
eram lidas e apropriadas 13 pelas meninas e mulheres da década de 1950 era a partir dessas
meninas e mulheres que Alceu Penna se inspirava para a elaboração de suas personagens.
“Na verdade as revistas femininas não são o espelho fiel (ou mesmo distorcido) d’ A
Realidade (sic), apenas contêm uma visão desta (ao mesmo tempo em que fazem parte da
própria realidade social.” 14 . Elas expressam o ideal de mulher de seus criadores, ideal este
apropriado por aquelas mulheres que lhes eram contemporâneas. Desta maneira, a coluna é
influenciada e influencia o comportamento da mulheres daqueles Anos Dourados. Assim a
conformação e a circulação desses preceitos no discurso da coluna eram poderiam
funcionar como ícones da construção de um imaginário.
Sendo O Cruzeiro uma revista de grande circulação nacional pode-se considerar que as
Garotas de Alceu acaba por construir imaginários, modelar condutas e divulgar normas de
civilidade e padrões estéticos para um grande números de leitores, homens e mulheres que
pertenciam principalmente às classes médias e altas urbanas do país. Pois, se por um lado a
mulheres eram as protagonistas da coluna e os homens aparecem como meros co-
adjuvantes, por outro, a coluna cria todo um imaginário para homens e mulheres acerca de
uma mulher moderna.
Nesse impresso, constata-se a construção de um modelo a ser seguido, com normas e
padrões estabelecidos. Naquelas duas páginas semanais produzia-se um discurso que
pretendia normatizar práticas educação da mulher no âmbito da civilidade que se julgava
conveniente legitimar. Por exemplo, se de um lado o manual de Etiqueta convencional -
Guia de Boas Maneiras de Marcelino de Carvalho - pregava que o álcool era indispensável
uma vida social, porém jovens senhoritas não deveriam bebê-lo em excesso, no máximo
uma taça de vinho, nos textos a normativa era outra. Na coluna intitulada Garotas e
Whiskey de 21 de fevereiro de 1953 aparece o segundo texto:

As garotas, nossas avós, não conheciam o uísque. Moças daqueles


tempos só bebiam laranjada e lá uma vez ou outra um calicezinho de
licor. Mas hoje é muito diferente. Qualquer garota que se preze discute
sobre uísque e ingere quatro ou cinco doses consecutivas. O preço é alto,
mas como não são as criaturinhas que pagam haja scotch... 15

Podemos perceber a partir deste fragmento de coluna que as normas estabelecidas são
mais permissíveis do que os Manuais de Civilidade Convencionais da época . E apesar do
texto não levar em sua caracterização o título específico de “manual de civilidade”. Em sua

12
BASSANEZI, Carla. e URSINI, Lesley Bombonatto. O Cruzeiro e as Garotas. In: Cadernos Pagu (4)
1995. p. 250.
13
Utilizo o conceito de apropriação trabalhado por Roger Chartier para História da Leitura (A História
Cultural. P.136).
14
BASSANEZI, Carla. e URSINI, Lesley Bombonatto. O Cruzeiro e as Garotas. In: Cadernos Pagu (4) 1995.
p. 250.
15
Coluna Garotas - Garotas e Whiskey. Revista O Cruzeiro - edição de 21 de fevereiro de 1953. Acervo de
Obras raras da Biblioteca do Estado de Santa Catarina.
leitura nota-se codificado um conjunto de regras e padrões desejados e informados por
diferentes saberes e discursos. A coluna inaugura a disseminação de novos hábitos de
pensamento e vida na educação de mulheres, uma mulher, agora, moderna urbana. Na
colunas sobre namoros Garotas e os namorados de 12 de junho de 1954 A. Ladino escreve
o segundo verso:
Quem quiser que me condene,
mas não banco a Irene
que é firme com o Lorival,
todos merecem cuidados,
que o dia é dos namorados,
16
não singular, mas plural...

Comparada com a secção Da Mulher para a Mulher de Maria Tereza podemos


perceber uma grande diferença de comportamento e conduta em relação a namoros e
flertes. Nesta Coluna da edição de 8 de outubro de 1954 existe um subitem na coluna
chamado de Tática Feminina, no qual Maria Tereza escreve que

Há moças que gostam de um rapaz mas, como não são correspondidas,


namoram com outros. Onde está o senso disso? Não vêem que é
completamente ilógico namorar sem gostar? Não vêem que ao
namorarem outro, cortam qualquer chance do verdadeiro eleito se
aproximar? 17

Lendo atenciosamente estes dois trechos da revista O Cruzeiro é nítida as diferenças


de condutas disseminadas pelas colunas femininas e pelas disseminadas por Alceu e A.
Ladino nas garotas. Percebe-se que as garotas reverberam uma nova mulher que surgia no
âmbito nacional naqueles Anos Dourados.
O período denominado anos dourados destaca-se por uma modernização do cenário
urbano.

Depois da Segunda Guerra Mundial, o país viveu um momento de


ascensão da classe média. Ampliava-se, sobretudo para as populações
urbanas, as possibilidades de acesso à informação, ao lazer e ao
consumo. O carro popularizou-se, assim como a piscina de clubes, o
cinema, as excursões e as viagens. Jovens podiam passar mais tempos
juntos e a guarda dos pais, baixou. Filmes americanos seduziram
brasileiros... As revistas femininas tinham então o papel de modelar no
que dizia respeito a vida amorosa. Revistas como Querida, Vida
Doméstica, Você, Jornal das Moças ou secções femininas no o Cruzeiro
tinham um tremendo impacto como formadores de opinião. 18

As Garotas acompanharam toda uma transformação ocorrida no país e no mundo em


meados do século XX. Desta maneira, nota-se a construção de todo um ideário de mulher
moderna, de civilidade moderna e de um novo padrão de estética no impresso. As Garotas
acabam por acompanhar três gerações de mulheres e homens. A revista de variedade, por
16
Coluna Garotas - Garotas e Namorados.Revista O Cruzeiro - edição de 12 de junho de 1954. Acervo de
Obras raras da Biblioteca do Estado de Santa Catarina.
17
Coluna da Mulher para a Mulher. Revista O Cruzeiro – edição de 8 de outubro de 1954. Acervo de Obras
raras da Biblioteca do Estado de Santa Catarina.
18
PIORE, Mary Del. História do amor no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2005. p.282.
sua grande circulação nacional, é considerada um meio impresso largamente difundido
funcionando com suporte material de textos e imagens. Propaga, assim, normas e preceitos
que caracterizam a civilidade nesta nova vida urbana e moderna brasileira do pós Segunda
Guerra.
É neste cenário que constrói-se a coluna as Garotas. E, apesar de a coluna estar
dentro de uma revista de variedade voltada para toda a família, um tanto conservadora,
podemos perceber uma grande diferença das normas difundidas e aceitas pelas Garotas. As
demais colunas voltadas para a mulher de O Cruzeiro e as outras revistas femininas da
época difundem normas e padrões muito mais rígidos. A construção do discurso tanto
textual quanto iconográfico na coluna é no mínimo muito mais permissível. O conjunto de
normas contido naquele impresso muitas vezes estava à frente não só de outras colunas e
revistas, mas também das atitudes mostradas no cinema e na moda da época. Pode-se
considerá-la, por isso, um tanto ousada em relação aos valores cristãos no Brasil da década
de cinqüenta.
Todavia, cabe aqui ressaltar que mesmo a coluna trazendo normas de civilidade mais
maleáveis e inovadoras para as mulheres, estas normas estão presentes em todas as
colunas. Pois, se estas normas e preceitos são maleáveis, são também indispensáveis. As
Garotas, sem sombras de dúvidas, são bastante ousadas e apesar de não se enquadrarem
exatamente nos padrões propostos pelas demais colunas da revistas, segundo os ideais de
“boa moça” eram consideradas “moças de família”. Consta, na coluna normas de civilidade
que permitiam a mulher, de certa maneira, ousar e mesmo assim permanecer dentro do
padrão imposto por aquela sociedade.
Durante a pesquisa, mapeou-se (na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina) e
catalogou-se a Coluna Garotas, durante a década de cinqüenta, a fim de tecer uma análise
dos textos e imagens. Pela História da Leitura, considera-se o impresso como um
construtor de imaginários, modelador de condutas, divulgador de normas de civilidade nos
meios em qual este atua.
A pesquisa não analisa somente os textos do impresso, mas também suas ilustrações.
Para isto, pretende-se analisá-las segundo Chartier, como um discurso, e não texto, uma
vez que a mesma segue uma lógica gráfica.

A imagem [...] não é uma prática disseminada, é silenciosa, não é sequer


um texto. Creio que querer analisá-la com o texto é uma perspectiva
teoricamente equivocada, porque a lógica de construção da imagem ou de
decifração da imagem não é a mesma da texto. Parece-me que a lógica
gráfica e a lógica textual não se identificam.

A lógica textual é necessariamente uma lógica linear, a escrita se


descreve através de ordem seqüencial. E a leitura, inclusive quando se da
de um fragmento para o outro, é uma leitura seqüencial. A Observação de
um quadro não esta organizada segundo esta ordem seqüencial. È algo
com uma lógica própria e que não se identifica com a lógica textual. Há
uma questão de diferentes planos, de diferentes entradas. 19

A partir da decifração das imagens das garotas desenhadas por Alceu Penna,
depreende-se não só normas de civilidades, mas também uma nova estética feminina
vigente. Os gestos delicados são uma marca da coluna - seja bebendo, fumando, praticando
esportes, indo as compras, a praia, falando mal uma das outra. Enfim, mesmo em situações
que poderiam ser condenadas por outras revistas femininas, as meninas e mulheres, em

19
CARTIER, Roger. Conversa com Roger Chartier por Isabel Lustosa. Texto sem publicação.
Garotas, são sempre representadas com uma postura de mulheres de família e com uma ar
de mulher moderna.
As ilustrações de Alceu marcam principalmente uma nova estética feminina. Estética
esta que vem se construindo, segundo Mônica Schpun, desde o início do século XX. Mary
Del Priore destaca que os homens – pelo menos de elite- não desejam mais uma Cinderela,
com um corpo-ampulheta comprimido por espartilhos e com nádegas e seios projetados,
nem ao menos sonhavam mais com seus pezinhos minúsculos. “As mulheres abandonavam
a couraça vestimentar que as tinha simbolicamente protegido do desejo masculino, no
século anterior.” 20 No início do século XX, mesmo que a princípio mal vistas, crescia o
número de mulheres nas práticas de atividades físicas. Os ginásios e professores de
educação física pareciam se multiplicar e os médicos vinham chamando a atenção para a
importância e as vantagens dessas atividades.
As mulheres passaram a abandonar penteados ornamentais, passavam a frisar, alisar
e cortar seus cabelos. Um sem numero de acessórios e aparatos são abandonados “Nascia
uma nova mulher”21 . Uma mulher que segue novos padrões estéticos.

No início do século XX tem início a moda da mulher magra. Não foi uma
moda, foi também o desabrochar de uma mística da magreza, uma
mitologia da linha, uma obsessão pelo emagrecimento; tudo isso
temperado pelo uso de roupas mais próximas do corpo... Os cabelos
curtos, as pernas finas, os seios pequenos eram percebidos por muitos
homens como negação da feminilidade... Insidiosamente, a norma
estética emagrecer, endurecer, masculinizar o corpo da garçonne,
deixando, pelo menos nas páginas de revistas, a “ampulheta para trás. 22

Todo esse novo comportamento esportivo e essa estética magra é notada na coluna.
Em toda a década estudada é marcante a presença do esporte, seja ele o tênis, a natação, a
caminhada, a corrida ou a pedalada, na coluna de Alceu Penna. E esses eventos esportivos
não são destacados unicamente pelo novo desenho do corpo, mas destacam-se
principalmente como uma nova ocasião de encontros, o espaço para de o flert, para a
escolha de um namorado, ou mesmo de um futuro marido. São inúmeras as colunas de As
Garotas que abordam o Jóquei Clube, por exemplo.
O corpo magro é uma das características mais marcantes daquelas personagens. As
Garotas do Alceu são a grosso modo magras. Os cabelos também já não são mais tão
ornamentados, elas não exibem aqueles longos comprimentos de madeixas, nem penteados
ardilosos – como diria Maria Luiza, um rabo de cavalo, um coque simples, nada além
disso. As roupa é um dos mais ousados elemento da coluna. Roupas justas, curtas, trajes de
banho. Segundo o jornalista Gonçalo Junior não raramente Alceu Penna sofreu com a
censura, os anunciantes da revista lutavam contra uma erotização das garotas.
Durante aqueles Anos Dourados as Garotas encantaram seus leitores ao disseminar
novas práticas de estética e de condutas. Sagazes, ardilosas, atrevidas conquistaram um
grande cartaz. As garotas conquistaram mulheres e homens por uma incrível dicotomia,
nem meninas nem mulheres, nem mal faladas nem pudicas elas representavam um novo
ideário feminino que de uma forma bastante suave e doce acabava por conquistar e de certa
maneira modificar preceitos de toda uma sociedade.

20
PIORE, Mary Del. História do amor no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2005. p.282.
21
idem. p.244.
22
Idem. P.245 e 246.
Estudar a coluna permite visibilizar e historicizar outros impressos que trazem em
seus textos e em suas imagens versões sobre os padrões de condutas, normas de etiqueta,
preceitos normativos e padrões estéticos a serem seguidos. A coluna Garotas mesmo que
de forma indireta traz reverberadas um conjunto de normas e condutas, mesmo que de
forma indireta, acaba sendo de alguma maneira apropriada por seus leitores. O texto de A.
Ladino e de Maria Luiza e as ilustrações de Alceu Penna constroem uma subjetividade e
criam lugares de memória que estudados através da História Cultural e da Leitura.

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