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LITERATURA 39

Módulo 26 1ª Série

Romantismo no Brasil: a prosa

Você acha que paixão, amor e romance andam


sempre juntos?
Sabe-se que a palavra “paixão” – do latim passio -onis – quer
dizer martírio, sofrimento. Repare: a paixão de Joana d’Arc, a paixão
de Cristo... Assim, teoricamente, quem escreve ou diz que está
apaixonado afirma estar sofrendo por algo ou em virtude de alguma
coisa – ou mais, assegura estar gostando de sofrer. Desse modo, em

©iStockphoto.com/Todor Tsvetkov
inúmeros romances, amar significa sofrer. Daí a afirmação “sem
sofrimento, não há romance.”
Já o termo “romance”, como gênero, é originado a partir
do vocábulo medieval romanço – língua falada no processo de
variação cronológica do latim, na qual eram diversas histórias sobre
fantasias e aventuras eram contadas. Mais tarde, as composições
transformaram-se em romances de cavalarias.
Como gênero literário, esse romance foi passando por
processos de metamorfoses até chegar ao que conhecemos a partir Objetivos:
do século XVIII – texto em prosa com diversas particularidades; C5 – Obter um panorama da ascensão do romance;
e são essas que você aprenderá neste módulo. – observar como a estrutura desse gênero acontece.

1. A ascensão do romance autores nacionais também começaram a se arriscar na escrita de


romances, importando a estrutura dos romances estrangeiros e
Nos módulos iniciais sobre Romantismo, foi possível constatar tentando adicionar a ela elementos nacionais.
que a literatura romântica tinha como principal público-alvo a
Disponível em: <perlbal.hi-pi.com>.
burguesia. Foi visto também, que essa burguesia, diferentemente
da nobreza – a quem se destinava a arte produzida até então –
contava com níveis de escolaridade baixos, o que a deixava distante
A novela televisiva
da cultura letrada. Ela ansiava, então, por uma literatura menos
rebuscada, que, em vez de remeter a elementos da Antiguidade História dividida em partes, apresentada gradativamente
clássica, enfocasse o seu tempo. e contada de modo que sempre mantenha aquele que a
acompanha curioso para ver o que ainda está por vir, isso lhe faz
Pode-se atribuir principalmente a esse fato a ascensão do
lembrar alguma coisa? Sim, as telenovelas se aproximam muito
gênero romance, cuja origem remonta de tempos mais antigos – na
dos romances folhetinescos. A explicação para isso é simples:
Idade Média, havia os romances de cavalaria, por exemplo –, mas
quando surgiram, elas se basearam justamente na estrutura dos
que não havia até então assumido uma posição de grande destaque
folhetins. A ideia deu certo e, assim como aconteceu com os
na literatura. As narrativas que antes eram feitas basicamente
romances românticos em sua época, os folhetins televisivos
por meio das epopeias, preocupadas em contar, de forma solene,
caíram no gosto do público. As mais populares lançam moda,
grandes feitos ocorridos no passado, passaram, então, a ser feitas
viram assunto frequente nas rodas de conversa e fazem o país
nos romances, que estavam voltados, mais para o presente e para
parar para acompanhar o capítulo final. O exemplo mais recente
os fatos do cotidiano, tudo com linguagem simples.
disso foi a telenovela Avenida Brasil, de 2013, transmitida pela
No que diz respeito ao Brasil, a popularidade atingida pelo Rede Globo.
romance foi impulsionada ainda pela leitura de romances estran-
geiros, que eram traduzidos e publicados pelos jornais brasileiros Além dos aspectos estruturais, as telenovelas importaram
na forma de folhetim. Isso significa que os capítulos eram publi- dos folhetins até mesmo características temáticas. Faça um
cados pouco a pouco, mantendo o suspense e fazendo com que as esforço para se lembrar de uma telenovela que não apresentasse
pessoas não deixassem de comprar os periódicos. Com o tempo, mocinho, mocinha, uma história de amor envolvendo os dois
observando o sucesso atingido por esses folhetins estrangeiros, os e um vilão que tenta atrapalhá-la. Conseguiu?
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1ª Série Módulo 26

1.1 A estrutura do romance: revisão dos 1.1.3 Enredo


elementos essenciais da narrativa É chamada de enredo a trama que é apresentada ao leitor, ou
seja, a história que é contada. Dentro de uma narrativa tradicional,
Antes de começar a estudar os elementos que constroem
o enredo mantém certa regularidade estrutural. Ele conta, primeira-
romance, é interessante desfazer um erro muito comum. Diferente-
mente, com uma introdução, na qual se tem o primeiro contato com
mente do que muitas pessoas acreditam, quando se fala em romance,
os personagens e com os contextos em que estão inseridos. Após a
não se está referindo necessariamente a uma história de amor. Dá-se
introdução, há algum conflito, fato que perturba a ordem inicial-
o nome de romance a toda narrativa longa em prosa, que, por
mente instaurada. Depois dele, há o desenvolvimento de ações
conta de sua maior extensão, pode desenvolver vários núcleos
que culminam no clímax, justamente o ponto alto da narrativa, no
narrativos, contar com um grande número de personagens e,
qual os impasses surgidos anteriormente são resolvidos. Por fim, a
se necessário, estender-se por uma sequência de tempo longa.
história encaminha-se para o seu desfecho.
Trata-se, portanto, de uma definição que leva em consideração a
estrutura e não o conteúdo. É devido a isso que é possovel falar, por Nos romances românticos, como a ação é sempre muito
exemplo, em romance romântico sem ser redundante. privilegiada, é comum que o enredo conte com vários conflitos e
com muitas reviravoltas. Isso permite que o herói realize as mais
Já que se trata de uma narrativa, o romance sempre vai
incríveis – e, às vezes, inverossímeis – peripécias até chegar ao
apresentar os cinco elementos da narração, isto é, narrador,
desfecho da narrativa, quase sempre com um final feliz.
personagem, enredo, tempo e espaço. Embora isso já tenha sido
estudado, é interessante fazer uma revisão antes de iniciar o estuda 1.1.4 Tempo
da prosa romântica.
Quando se narra uma história, conta-se uma série de fatos que
1.1.1 Narrador se sucedem dentro de uma linha cronológica. Por isso, o elemento
tempo é essencial dentro de uma narrativa e fica claro por meio
O narrador é a entidade responsável por contar a história. Ele
dos advérbios e locuções adverbiais utilizados para demarcá-lo.
pode tanto ser alguém que participa ativamente da trama quanto
alguém que está de fora das ações da narrativa, apenas observando- Nos romances românticos, o tempo mais utilizado é o linear,
-as. No primeiro caso, a história será contada em primeira pessoa isto é, aquele que segue o fluxo natural do tempo, ordenando
(foco narrativo em 1a pessoa). No segundo, a trama será apresentada cronologicamente as ações. Além disso, os escritores românticos
e desenvolvida em terceira pessoa (foco narrativo em 3a pessoa). lançavam mão de flashbacks sempre que fosse necessário retomar
um fato do passado importante para o desenrolar da narrativa.
Quando o foco narrativo é em 1a pessoa, o narrador pode ser um
personagem principal (narrador protagonista) ou um personagem 1.1.5 Espaço
secundário (narrador coadjuvante). No caso do foco narrativo em O espaço é o lugar em que se passam as ações da narrativa. Além
3a pessoa, o narrador pode apenas contar aquilo que está ao alcance de servir como cenário da história (função contextualizadora), o
de seus olhos (narrador observador) ou ter conhecimento irrestrito espaço pode influenciar diretamente na narrativa e nos personagens
sobre a história (narrador onisciente). Neste segundo caso, o (função simbólica).
narrador tem acesso até mesmo aos sentimentos e pensamentos Nos romances românticos, o espaço é, geralmente, idealizado.
dos personagens. Geralmente, quando o foco narrativo é em 1a Além disso, ele é o principal fator utilizado para classificar os
pessoa, o narrador é mais subjetivo, podendo contar a história de romances, que são divididos em quatro tipos: romance urbano ou
modo mais parcial. Por sua vez, quando o foco narrativo é em 3a de costumes, romance regional, romance indianista e romance
pessoa, é comum que o narrador apresente maior objetividade, histórico.
sendo geralmente mais confiável. Será usado o fragmento a seguir, extraído do romance O Guarani,
1.1.2 Personagem de José de Alencar, para visualizar algumas peculiaridades da prosa
romântica, sugeridas nos tópicos anteriores:
O personagem é o ser que desempenha as ações da narrativa.
Ele tanto pode ser o personagem principal, que protagoniza a O Guarani
trama, quanto um personagem secundário, que contribui para a
O braço de Loredano estendeu-se sobre o leito; porém a mão
narrativa, mas não ocupa a posição de maior destaque.
que se adiantava e ia tocar o corpo de Cecília estacou no meio do
Esse personagem principal, além de contar com alguém ou movimento, e subitamente impelida foi bater de encontro à parede.
alguma coisa que a ele se opõe (o antagonista), pode ser classificado
Uma seta, que não se podia saber de onde vinha, atravessara o
em herói clássico, anti-herói ou herói moderno.
espaço com a rapidez de um raio, e antes que se ouvisse o sibilo forte
No caso dos romances românticos, o tipo de herói mais presente e agudo pregara a mão do italiano ao muro do aposento.
é o herói clássico, isto é, aquele que representa o heroísmo tradi-
O aventureiro vacilou e abateu-se por detrás da cama; era
cional, seguindo um código de honra socialmente aceito e sendo um
tempo, porque uma segunda seta, despedida com a mesma força e
exemplo a ser seguido. Geralmente, o antagonista é o personagem ou
a mesma rapidez, cravava-se no lugar onde há pouco se projetava
a circunstância que impede esse herói de ficar junto de sua amada.
a sombra de sua cabeça.
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Passou-se então, ao redor da inocente menina adormecida na Eram então perto de quatro horas; pouco tardava para
isenção de sua alma pura, uma cena horrível, porém silenciosa. amanhecer; as estrelas já iam se apagando a uma e uma; e a noite
Loredano, nos transes da dor por que passava, compreendera começava a perder o silêncio profundo da natureza quando dorme.
o que sucedia; tinha adivinhado naquela seta que o ferira a mão O índio fechou por fora a porta do quarto que dava para o
de Peri; e sem ver, sentia o índio aproximar-se terrível de ódio, de jardim, e metendo a chave na cintura, sentou-se na soleira como
vingança, de cólera e desespero pela ofensa que acabava de sofrer cão fiel que guarda a casa de seu senhor, resolvido a não deixar
sua senhora. ninguém aproximar-se.
Então o réprobo teve medo; erguendo-se sobre os joelhos Aí refletiu sobre o que acabava de passar; e acusava-se a si
arrancou convulsivamente com os dentes a seta que pregava sua mesmo de ter deixado o italiano penetrar no aposento de sua
mão à parede, e precipitou-se para o jardim, cego, louco e delirante. senhora: Peri porém caluniava-se, porque só a Providência podia ter
Nesse mesmo instante, dois segundos talvez depois que a última feito nessa noite mais do que ele; porque tudo quanto era possível à
flecha caíra no aposento, a folhagem do óleo que ficava fronteiro inteligência, à coragem, à sagacidade e à força do homem, o índio
à janela de Cecília agitou-se e um vulto embalançando-se sobre havia realizado.
ALENCAR, José de. O guarani (adaptado).
o abismo, suspenso por um frágil galho da árvore, veio cair
sobre o peitoril. O trecho lido reflete bem o ritmo de aventura imposto à
Aí agarrando-se à ombreira saltou dentro do aposento com uma narrativa romântica e tão ao gosto dos leitores da época. Contudo,
agilidade extraordinária; a luz dando em cheio sobre ele desenhou não são poucos os momentos em que a falta de verossimilhança
o seu corpo flexível e as suas formas esbeltas. prevalece. O que dizer do personagem Loredano ser surpreendido,
Era Peri. no silêncio da madrugada, com uma flechada na mão, e não emitir
sequer um grito de susto ou mesmo dor? E o sono insistente da
O índio avançou-se para o leito, e vendo sua senhora salva
jovem Ceci, que permanece inalterável mesmo diante de tanto
respirou; com efeito a menina, a meio despertada pelo rumor da
alvoroço em seu quarto? Peri, uma vez lá dentro, faz uma verdadeira
fugida de Loredano, voltara-se do outro lado e continuara o sono
faxina, mesmo com a iluminação precária.
forte e reparador como é sempre o sono da juventude e da inocência.
Por falar nos personagens, a idealização é a máxima possível:
Peri quis seguir o italiano e matá-lo, como já tinha feito aos
Ceci, ainda que adormecida, é notoriamente exaltada, e Peri, além
seus dois cúmplices; mas resolveu não deixar a menina exposta a
de ter um parágrafo inteiro somente para enaltecer seu nome, é
um novo insulto, como o que acabava de sofrer, e tratou antes de
destacado por impressionante destreza física e caráter inabalável.
velar sobre sua segurança e sossego.
Importante também é chamar a atenção para a participação tenden-
O primeiro cuidado do índio foi apagar a vela, depois fechando ciosa do narrador, ao deixar claro, no último parágrafo, que torce
os olhos aproximou-se do leito e com uma delicadeza extrema pelo protagonista, qualificando-o acima de tudo e de todos. Embora
puxou a colcha de damasco azul até ao colo da menina. o foco da narrativa seja o de terceira pessoa, a subjetividade
Parecia-lhe uma profanação que seus olhos admirassem as romântica contamina a imparcialidade esperada.
graças e os encantos que o pudor de Cecília trazia sempre vendados;
pensava que o homem que uma vez tivesse visto tanta beleza, nunca
mais devia ver a luz do dia.
Grandes nomes da literatura: José de Alencar
Depois desse primeiro desvelo, o índio restabeleceu a ordem no
aposento; deitou a roupa na cômoda, fechou a gelosia e as abas da Quem nunca ouviu falar ©Wikimedia Commons

janela, lavou as nódoas de sangue que ficaram impressas na parede de José de Alencar? O escritor
e no soalho; e tudo isto com tanta solicitude, tão sutilmente, que cearense, responsável por criar
não perturbou o sono da menina. personagens que entraram
Quando acabou o seu trabalho, aproximou-se de novo do para o imaginário popular,
leito, e à luz frouxa da lamparina contemplou as feições mimosas como Iracema, Peri e Ceci, é
e encantadoras de Cecília. o principal de nossos autores
românticos. É também o
Estava tão alegre, tão satisfeito de ter chegado a tempo de
único deles que conseguiu
salvá-la de uma ofensa e talvez de um crime; era tão feliz de vê-la
passear pelos quatro tipos de
tranquila e risonha sem ter sofrido o menor susto, o mais leve
romances: urbano, regional, histórico e indianista. Além da
abalo, que sentiu a necessidade de exprimir-lhe por algum modo
ficção, Alencar também foi autor de crônicas, dramaturgo e
a sua ventura.
escreveu críticas. É, portanto, dono de uma vasta e diversificada
Nisto seus olhos abaixando-se descobriram sobre o tapete da obra, na qual se destacam livros como Iracema, O guarani,
cama dois pantufos mimosos forrados de cetim e tão pequeninos Senhora, Lucíola, O gaúcho e As minas de prata.
que pareciam feitos para os pés de uma criança; ajoelhou e beijou-os
com respeito, como se fossem relíquia sagrada.
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1ª Série Módulo 26

04 A ficção romântica é repleta de sentimentalismos, inquieta-


ções, amor como única possibilidade de realização, personagens
burgueses idealizados, culminando sempre com o habitual “... e
01 A produção romântica em prosa pode ser classificada como: foram felizes para sempre”.

(A) romance exótico; romance urbano; romance de costumes; Assinale a alternativa que não corresponde a essa afirmação:
romance medieval.
(B) romance romântico; romance de costumes; romance de (A) O amor constitui o objetivo fundamental da existência e o
aventura; romance regionalista. casamento, o fim último da vida.
(C) romance nacionalista; romance ultrarromântico; romance (B) Não há defesa intransigente do casamento e da continência
condoreiro; romance histórico. sexual anterior a ele.
(D) romance urbano; romance gótico; romance social; romance (C) A frustração amorosa leva, incondicionalmente, à morte.
regionalista. (D) Os protagonistas são retratados como personagens belos, puros
(E) romance indianista; romance de costumes; romance regiona- e corajosos.
lista; romance histórico. (E) A economia burguesa determina os gostos e a maneira de ver
o mundo ficcional romântico.
02
Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela. 05 A respeito do Romantismo no Brasil, pode-se afirmar que:
Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o
(A) sua ação nacionalista deu origem às condições políticas que
cetro; foi proclamada a rainha dos salões. propiciaram a nossa independência.
Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos (B) coincidiu com o momento decisivo de definição da nacionali-
noivos em disponibilidade. dade e colaborou para que isso ocorresse.
(C) espelhou sempre as influências estrangeiras, em nada aprovei-
Era rica e formosa. tando os costumes e a cor locais.
Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de (D) foi decisivo para o amadurecimento dos sentimentos nativistas
alabastro; dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no que culminaram na Inconfidência Mineira.
prisma do diamante. (E) ganhou relevo apenas na poesia, talvez por falta de talentos no
cultivo da ficção.
Quem não se recorda da Aurélia Camargo, que atravessou
o firmamento da Corte como brilhante meteoro, e apagou-se de
repente no meio do deslumbramento que produzira o seu fulgor?
ALENCAR, José de. Senhora (adaptado).

Texto I
Esse trecho inicia a caracterização de uma das personagens do
Escreverei minhas Memórias, fato mais frequentemente do
romance. Trata-se de um tipo de caracterização romântica? Por quê?
que se pensa observado no mundo industrial, artístico, científico e
03 Leia, com atenção, os trechos seguintes, que caracterizam as sobretudo no mundo político, onde muita gente boa se faz elogiar
diferentes preocupações temáticas de José de Alencar: e aplaudir em brilhantes artigos biográficos tão espontâneos, como
os ramalhetes e as coroas de flores que as atrizes compram para que
I. Procura focalizar a corte; retrata a vida burguesa da época, lhos atirem na cena os comparsas comissionados.
utilizando histórias de amor como assunto das narrativas.
Eu reputo esta prática muito justa e muito natural; porque não
II. Foi uma das soluções encontradas pelo escritor brasileiro
para repetir aqui a proposta europeia de volta ao passado. A compreendo amor e ainda amor apaixonado mais justificável do
civilização indígena representou literariamente o aspecto mais que aquele que sentimos pela nossa própria pessoa.
autêntico de nossa nacionalidade. O amor do eu é e sempre será a pedra angular da sociedade
III. Pretende trazer à tona figuras históricas ou até figuras lendárias, humana, o regulador dos sentimentos, o móvel das ações, e o farol do
situando-as em seu tempo e momentos reais.
futuro: do amor do eu nasce o amor do lar doméstico, deste o amor
IV. Retrata diferentes partes do país, focalizando seus hábitos,
costumes, linguagem e tradições, sempre em oposição aos do município, deste o amor da província, deste o amor da nação,
valores urbanos da corte. anéis de uma cadeia de amores que os tolos julgam que sentem e
tomam ao sério, e que certos maganões envernizam, mistificando
Tais características referem-se, respectivamente, aos romances: a humanidade para simular abnegação e virtudes que não têm
no coração e que eu com a minha exemplar franqueza simplifico,
(A) históricos, indianistas, urbanos, regionalistas. reduzindo todos à sua expressão original e verdadeira, e dizendo,
(B) regionalistas, históricos, indianistas, urbanos.
lar, município, província, nação, têm a flama dos amores que lhes
(C) indianistas, históricos, regionalistas, urbanos.
(D) urbanos, indianistas, regionalistas, históricos. dispenso nos reflexos do amor em que me abraso por mim mesmo:
(E) urbanos, indianistas, históricos, regionalistas. todos eles são o amor do eu e nada mais. A diferença está em
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simples nuanças determinadas pela maior ou menor proporção dos Nesse instante assomava à porta um parente nosso, o Rev.do
interesses e das conveniências materiais do apaixonado adorador Padre Carlos Peixoto de Alencar, já assustado com o choro
de si mesmo. que ouvira ao entrar – vendo-nos a todos naquele estado de
MACEDO, Joaquim Manuel de. Memórias do sobrinho de meu tio. São Paulo:
25 aflição, ainda mais perturbou-se:
Companhia das Letras, 1995 (adaptado).
— Que aconteceu? Alguma desgraça? Perguntou arre-
batadamente.
01 No texto, o uso da primeira pessoa na escrita das Memórias
tem um efeito de: As senhoras, escondendo o rosto no lenço para ocultar do
Padre Carlos o pranto e evitar seus remoques, não proferiram
(A) construir uma narrativa impessoal e neutra. 30 palavra. Tomei eu a mim responder:
(B) seguir o modelo típico do texto jornalístico.
— Foi o pai de Amanda que morreu! Disse, mostrando-lhe
(C) manifestar no discurso a opinião do destinatário.
(D) expressar na forma o ponto de vista do narrador. o livro aberto.
Compreendeu o Padre Carlos e soltou uma gargalhada,
02 O primeiro parágrafo do texto de Joaquim Manuel de Macedo como ele as sabia dar, verdadeira gargalhada homérica, que
antecipa que o conteúdo de suas memórias será: 35 mais parecia uma salva de sinos a repicarem do que riso
humano. E após esta, outra e outra, que era ele inesgotável,
(A) um brilhante artigo biográfico sobre personalidades mundanas.
quando ria de abundância de coração, com o gênio prazenteiro
(B) uma visão muito favorável às ações do narrador autobiográfico.
(C) uma observação sobre o mundo industrial, artístico, científico de que a natureza o dotara.
e político. Foi essa leitura contínua e repetida de novelas e romances
(D) um ressentimento contra os perigos do memorialismo nos 40 que primeiro imprimiu em meu espírito a tendência para
meios artísticos. essa forma literária [o romance] que é entre todas a de minha
predileção?
03 No esquema de prioridades estabelecidas pelo narrador do
texto, a primazia é: Não me animo a resolver esta questão psicológica, mas
creio que ninguém contestará a influência das primeiras
(A) do lirismo sobre a objetividade. 45 impressões.
(B) do romantismo sobre o Realismo.
ALENCAR, José de. Como e por que sou romancista. Campinas: Pontes, 1990 (adaptado).
(C) do amor do eu sobre o amor da nação.
(D) das conveniências materiais sobre os interesses pessoais.
04 A reação do Padre Carlos é muito diferente daquela que apre-
Texto II sentam as senhoras diante da “morte” do personagem, situação que,
no texto, é demarcada também pelo emprego de certas palavras.
Como e porque sou romancista
A diferença entre a reação das senhoras e a do Padre Carlos é
Minha mãe e minha tia se ocupavam com trabalhos de indicada pelo uso das seguintes palavras:
costuras, e as amigas para não ficarem ociosas as ajudavam.
Dados os primeiros momentos à conversação, passava-se à (A) consolo – riso.
leitura e era eu chamado ao lugar de honra. (B) lágrimas – desgraça.
(C) homérica – inesgotável.
5 Muitas vezes, confesso, essa honra me arrancava bem a (D) comoção – gargalhada.
contragosto de um sono começado ou de um folguedo querido;
já naquela idade a reputação é um fardo e bem pesado. 05
Lia-se até a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes “— Foi o pai de Amanda que morreu! Disse, mostrando-lhe
que eu era obrigado à repetição. Compensavam esse excesso o livro aberto.
10 as pausas para dar lugar às expansões do auditório, o qual Compreendeu o Padre Carlos e soltou uma gargalhada...”
desfazia-se em recriminações contra algum mau personagem, (l. 33)
ou acompanhava de seus votos e simpatias o herói perseguido.
Uma noite, daquelas em que eu estava mais possuído do De acordo com o texto, a compreensão que o padre teve da situação
livro, lia com expressão uma das páginas mais comoventes da foi possível pela combinação das palavras do narrador com:
15 nossa biblioteca. As senhoras, de cabeça baixa, levavam o lenço
ao rosto, e poucos momentos depois não puderam conter os (A) um gesto simultâneo à fala.
soluços que rompiam-lhes o seio. (B) um senso apurado de humor.
(C) uma opinião formada sobre a família.
Com a voz afogada pela comoção e a vista empanada pelas (D) um conhecimento prévio do problema.
lágrimas, eu também cerrando ao peito o livro aberto, disparei
20 em pranto e respondia com palavras de consolo às lamentações
de minha mãe e suas amigas.
44 LITERATURA
1ª Série Módulo 26

Os textos acima correspondem a épocas distintas. A partir desta


constatação, em ambos, percebe-se a utilização de uma mesma
temática, mas com tratamentos distintos. Explique, com suas
01 próprias palavras, a concepção de amor presente nos textos de
Joaquim Manuel de Macedo e de Carlos Drummond de Andrade.
Texto I
Já era tarde. Augusto amava deveras, e pela primeira vez em 02
sua vida; e o amor, mais forte que seu espírito, exercia nele um “Ele era o inimigo do rei”, nas palavras de seu biógrafo, Lira
poder absoluto e invencível. Ora, não há ideias mais livres que as Neto. Ou, ainda, “um romancista que colecionava desafetos, azucri-
do preso; e, pois, o nosso encarcerado estudante soltou as velas da nava D. Pedro II e acabou inventando o Brasil”. Assim era José de
barquinha de sua alma, que voou, atrevida, por esse mar imenso Alencar (1829-1877), o conhecido autor de O guarani e Iracema,
da imaginação; então começou a criar mil sublimes quadros e em tido como o pai do romance no Brasil. Além de criar clássicos da
todos eles lá aparecia a encantadora Moreninha, toda cheia de literatura brasileira com temas nativistas, indianistas e históricos, ele
encantos e graças. foi também folhetinista, diretor de jornal, autor de peças de teatro,
Viu-a, com seu vestido branco, esperando-o em cima do advogado, deputado federal e até ministro da Justiça. Para ajudar
rochedo, viu-a chorar, por ver que ele não chegava, e suas lágrimas na descoberta das múltiplas facetas desse personagem do século
queimavam-lhe o coração. XIX, parte de seu acervo inédito será digitalizada.

MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Ática, 1997, p. 125 (adaptado). História Viva, n. 99, 2011.

Texto II Com base no texto, que trata do papel do escritor José de Alencar
e da futura digitalização de sua obra, depreende-se que:
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria (A) a digitalização dos textos é importante para que os leitores
que amava Joaquim que amava Lili possam compreender seus romances.
(B) o conhecido autor de O guarani e Iracema foi importante porque
que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, deixou uma vasta obra literária com temática atemporal.
Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, (C) a divulgação das obras de José de Alencar, por meio da digi-
talização, demonstra sua importância para a história do Brasil
Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J.
Imperial.
Pinto Fernandes (D) a digitalização dos textos de José de Alencar terá importante
que não tinha entrado na história. papel na preservação da memória linguística e da identidade
nacional.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, p. 19. (E) o grande romancista José de Alencar é importante porque se
destacou por sua temática indianista.

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LITERATURA 45

Módulo 27 1ª Série

Romantismo no Brasil: romance


histórico e romance indianista

Você já imaginou passar de grande guerreiro


nacional a vítima da desigualdade social?
Não é novidade comentar que a população indígena foi vítima da
colonização portuguesa no Brasil. Também não é novidade afirmar
que ainda há desafios a serem superados em busca da igualdade a
acessos e direitos. Assim, de modo contrário ao pensamento de uma
parte da sociedade, seus objetivos não consistem em caçar e pescar,
mas em ter condições dignas de vida: saúde, educação, moradia e
todos os artefatos que fazem parte da vida moderna.
De tempos em tempos, existe um esquecimento midiático

©iStockphoto.com/Uwe Zänker
quanto a essas questões. Entretanto, hoje, a pauta jornalística
voltou-se ao grupo, pois o genocídio contínuo dos índios encontra-
-se em realidade oficial, tornando-se protagonista quando se trata
de demarcação de áreas indígenas. Conforme você viu em módulos
anteriores, a literatura brasileira, em contextos até mesmo embrio-
nários, como o Quinhentismo, preocupou-se em inserir os índios
em seus registros. É claro que a crítica social a favor do grupo não
se fez presente em toda a história dessa arte no Brasil. Objetivos:
– Observar as principais características do romance histórico e
Neste recorte do Romantismo – prosa indianista –, fase em que C5 indianista na literatura brasileira;
o vocábulo “idealização” é personagem principal, das três etnias que
– observar a visão do índio como herói nacional.
formavam o povo brasileiro, o índio tornou-se herói, pois buscou-se
a afirmação de uma cultura nacional. O branco, nesse caso, não foi
o escolhido por ser “o colonizador” e era necessária uma postura descompromissado com críticas em seu benefício, assumiu o papel
anti-lusitana. Além disso, o negro era um dos pilares econômicos de herói na literatura – veremos, neste módulo, como isso aconteceu
daquele contexto. Dessa forma, o índio, completamente na prosa romântica.

1. O romance indianista primeira fase romântica, a natureza ocupava um lugar de destaque


nos romances românticos que giravam em torno do índio, e estava
No módulo 21, foi estudada a primeira fase da poesia romântica, a serviço da exaltação dos traços nativos. Ela, sempre exuberante,
também conhecida como nacionalista ou indianista. Nela, a figura era utilizada não só como um cenário, mas também como base
do índio ganhou destaque graças à tentativa empreendida pelos para a descrição dos personagens. Na famosa passagem do romance
poetas românticos de consolidação da identidade nacional, que Iracema, de José de Alencar, destacada abaixo, isso fica claro:
ocorria principalmente por meio da exaltação dos elementos
nativos. No entanto, esse indianismo não ficou restrito à poesia, “Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte,
estando presente também nos romances românticos. nasceu Iracema.
Neles, o índio ocupou um espaço que, nos romances europeus, Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais
pertencia ao cavaleiro medieval. A moral e as virtudes conferidas negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
ao índio na prosa romântica o aproximavam do herói clássico, O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha
mas o distanciavam dos nativos de carne e osso de nossa terra. recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Por conta disso, ao transformar o índio em um verdadeiro “cavaleiro Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o
medieval de tanga”, os romances indianistas pecavam, muitas vezes, sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da
pela falta de verossimilhança. grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas
Também é uma característica da prosa indianista a presença a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.”
marcante da natureza. Assim como ocorria nos poemas da
ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 15.
46 LITERATURA
1ª Série Módulo 27

No romance, Moacir, filho da índia Iracema com o português

©Wikimedia Commons
Martim, é o primeiro cearense. Não é o caso de Iracema, mas na
maioria dos romances indianistas, essa miscigenação entre índios
e brancos é vista de forma positiva, como resultado de uma
relação pacífica entre colonizador e colonizado. No entanto, é
preciso ressaltar que essa relação pacífica era fruto muito mais de
uma idealização romântica do que de correspondência com a
realidade: o processo de colonização era marcado principalmente
pela barbárie, havendo pouco espaço para a paz.
Também é interessante notar como os romances indianistas,
preocupados em contar a formação do povo brasileiro, excluíram
do processo o negro. Hoje sabe-se que tanto negros quanto brancos
Iracema, por Antônio Parreiras e índios foram primordiais para a formação do povo brasileiro.

As características da personagem Iracema são apresentadas


por meio da comparação com elementos naturais: os lábios são Sobre Macunaíma
comparados ao mel, os cabelos, à graúna – pássaro de cor muito O início do século XX foi marcado, no campo das artes, pelo
negra – e à palmeira. Nos dois parágrafos seguintes, as aproximações espírito dessacralizador defendido pelos artistas modernistas,
continuam e cumprem o papel não só de apresentar a natureza como logo você estudará. Nesse período, muitos defenderão
exuberante, mas também de, por meio das relações estabelecidas uma revisão crítica da nossa história, mitos e símbolos, dentre
entre ela e a personagem, fazer de Iracema mais uma das belezas eles a figura do índio, uma das que mais passaram a limpo.
inigualáveis da pátria. “Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de
Além disso, alguns romances indianistas também tentaram dar Catarina de Médicis e genro de D. António de Mariz” vociferava
conta da história da formação do povo brasileiro, apresentando-o Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropófago em clara
como resultado da miscigenação entre índios e portugueses. O alusão aos índios descritos pelos primeiros colonizadores e aos
trecho abaixo, do romance Iracema, ilustra isso. personagens de José de Alencar. Ele pregava uma “devoração”
das culturas europeia, indígena e africana para se chegar a uma
“Iracema, sentindo que se lhe rompia o seio, buscou a margem
síntese de nossa verdadeira identidade.
do rio, onde crescia o coqueiro.
Estreitou-se com a haste da palmeira. A dor lacerou suas Outro notório exemplo foi a criação do personagem
entranhas; porém logo o choro infantil inundou sua alma de júbilo. Macunaíma, anti-herói concebido pelo também escritor
A jovem mãe, orgulhosa de tanta ventura, tomou o tenro filho modernista Mario de Andrade para o livro homônimo. Nele,
nos braços e com ele arrojou-se às águas límpidas do rio. Depois o autor descreve o índio de forma bem distanciada daquele
suspendeu-o à teta mimosa; seus olhos então o envolviam de idealizado do período romântico, apresentando certos defeitos,
tristeza e amor. como o fato de ser preguiçoso, safado, mentiroso, traidor,
— Tu és Moacir, o nascido de meu sofrimento. dentre outros. Na obra, Andrade ainda promove uma grande
homenagem ao multiculturalismo de nossa nação, sem negli-
A ará, pousada no olho do coqueiro, repetiu Moacir; e desde
genciar nossas raízes tupiniquins.
então a ave amiga unia em seu canto ao nome da mãe, o nome do
filho.
O inocente dormia; Iracema suspirava: 1.1 Os romances indianistas de
— A jati fabrica o mel no tronco cheiroso do sassafrás; toda a José de Alencar
lua das flores voa de ramo em ramo, colhendo o suco para encher os
São de José de Alencar os três principais romances indianistas
favos; mas ela não prova sua doçura, porque a irara devora em uma
brasileiros: O guarani, Iracema e Ubirajara, considerados para a
noite toda a colmeia. Tua mãe também, filho de minha angústia,
história da Literatura Brasileira os elementos da Trilogia Indianista
não beberá em teus lábios o mel de teu sorriso.
do autor. Cada um deles se volta para períodos diferentes da
A jovem mãe passou aos ombros a larga faixa de macio
formação do povo brasileiro. A história de Ubirajara se passa em
algodão, que fabricara para trazer o filho sempre unido ao flanco;
um momento anterior à chegada dos portugueses no Brasil. Iracema
e seguiu pela areia o rasto do esposo, que há três sóis se partira. Ela
dá conta do momento inicial da colonização portuguesa. Por fim, O
caminhava docemente para não despertar a criancinha, adormecida
guarani se concentra no momento em que o processo de ocupação
como o passarinho sob a asa materna.”
das terras conquistadas já estava mais avançado.
ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 100 (adaptado).
Romantismo no Brasil: romance histórico e romance indianista LITERATURA 47
Módulo 27 1ª Série

1.1.1 O guarani Altivo, nobre, radiante da coragem invencível e do sublime


heroísmo de que já dera tantos exemplos, o índio se apresentava
O guarani, publicado em 1857, é a obra inaugural da ficção
só em face de duzentos inimigos fortes e sequiosos de vingança.
indianista brasileira. Ela gira em torno da história de amor entre
Peri, índio goitacá, e Cecília, filha de um fidalgo português que se Caindo do alto de uma árvore sobre eles, tinha abatido dois; e
mudou para o Brasil. Ceci e sua família vivem em uma fortaleza volvendo o seu montante como um raio em torno de sua cabeça,
na Serra dos Órgãos, lugar que abriga não só portugueses ilustres abriu um círculo no meio dos selvagens.
como também homens inescrupulosos em busca de ouro e prata, Então encostou-se a uma lasca de pedra que descansava sobre
os mercenários. uma ondulação do terreno, e preparou-se para o combate mons-
O principal conflito do romance decorre da morte acidental de truoso de um só homem contra duzentos.
uma índia aimoré, causada por Diogo, irmão de Cecília. Por conta A posição em que se achava o favorecia, se isso é possível à vista
disso, a tribo aimoré, em busca de vingança, ataca a fortaleza, bem de uma tal disparidade de número: apenas dois inimigos podiam
no momento em que uma rebelião contra D. Antônio de Mariz, atacá-lo de frente.
pai de Cecília, irrompe. A rebelião é liderada por Loredano, um Passado o primeiro espanto, os selvagens bramindo atiraram-se
dos mercenários, que almejava saquear a casa e raptar a mocinha. todos como uma só mole, como uma tromba do oceano, contra o
Sem ver outra saída, D. Antônio incube Peri de salvar a sua filha, índio que ousava atacá-los a peito descoberto.
mas não sem antes convertê-lo ao cristianismo. Durante a fuga, Houve uma confusão, um turbilhão horrível de homens que se
Peri e Ceci são surpreendidos por um dilúvio. É quando o índio repeliam, tombavam e se estorciam; de cabeças que se levantavam
conta a Ceci uma lenda indígena segundo a qual Taimandaré e sua e outras que desapareciam; de braços e dorsos que se agitavam e se
esposa se salvaram de um dilúvio abrigando-se em uma copa de contraiam, como se tudo isto fosse partes de um só corpo, membros
palmeira – justamente o lugar em que o casal se encontrava. Após de algum monstro desconhecido debatendo-se em convulsões.
descerem, eles tiveram filhos e repovoaram o mundo. No final do
No meio desse caos via-se brilhar aos raios do sol com reflexos
romance, tudo indica que o destino de Peri e Ceci seria o mesmo.
rápidos e luzentes a lâmina do montante de Peri, que passava e
Traçando um paralelo entre ficção e História, pode-se relacionar
repassava com a velocidade do relâmpago quando percorre as
esse novo mundo habitado a partir da miscigenação entre o índio
nuvens e atravessa o espaço.
e o branco com o Brasil.
Um coro de gritos, imprecações e gemidos roucos e abafados,
O guarani é um romance romântico bastante prototípico: há
confundindo-se com o choque das armas, se elevava desse pande-
uma história de amor que encontra vários obstáculos – dentre
mônio, e ia perder-se ao longe nos rumores da cascata.
eles o fato de os amantes pertencerem a mundos muito diferentes
Houve uma calma aterradora; os selvagens imóveis de espanto
–, além de contar com um protagonista altamente idealizado. Na
e de raiva suspenderam o ataque; os corpos dos mortos faziam uma
história, Peri faz qualquer coisa para manter a segurança e garantir
barreira entre eles e o inimigo.
a felicidade de Ceci. O amor entre o índio e a moça branca até hoje
habita o imaginário coletivo. Peri abaixou o seu montante e esperou; seu braço direito
fatigado desse enorme esforço não podia mais servir-lhe e caía
O fragmento a seguir foi retirado desse romance:
inerte; passou a arma para a mão esquerda.
“Todos com os olhos fitos, os sentidos aplicados, contavam Era tempo.
ver o inimigo aparecer a cada momento e se preparavam para cair O velho cacique dos aimorés se avançava para ele sopesando
sobre ele com a audácia e ímpeto de ataque que distinguia a raça a sua imensa clava crivada de escamas de peixe e dentes de fera;
dos aimorés. alavanca terrível que o seu braço possante fazia jogar com a ligeireza
Um segundo se passou nesta expectativa inquieta. da flecha.
O estalido que a princípio tinham ouvido cessou completa- Os olhos de Peri brilharam; endireitando o seu talhe, fitou no
mente; e os selvagens, cobrando-se do susto, voltaram aos seus selvagem esse olhar seguro e certeiro, que não o enganava nunca.
trabalhos, convencidos de que tinham sido iludidos por algum O velho, aproximando-se, levantou a sua clava e, imprimindo-
vago rumor na floresta. -lhe o movimento de rotação, ia descarregá-la sobre Peri e abatê-lo;
Mas o inimigo caiu no meio deles, subitamente, sem que não havia espada nem montante que pudesse resistir àquele choque.
pudessem saber se tinha surgido do seio da terra, ou se tinha O que passou-se então foi tão rápido, que não é possível
descido das nuvens. descrevê-lo; quando o braço do velho volvendo a clava ia atirá-la, o
Era Peri. montante de Peri lampejou no ar e decepou o punho do selvagem;
mão e clava foram rojar pelo chão.
48 LITERATURA
1ª Série Módulo 27

O velho selvagem soltou um bramido, que repercutiu ao longe

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pelos ecos da floresta, e levantando ao céu o seu punho decepado
atirou as gotas de sangue que vertiam, sobre os aimorés, como
conjurando-os à vingança.
Os guerreiros lançaram-se para vingar o seu chefe; mas um
novo espetáculo se apresentava aos seus olhos.
Peri, vencedor do cacique, volveu um olhar em torno dele, e
vendo o estrago que tinha feito, os cadáveres dos aimóres amon-
toados uns sobre os outros, fincou a ponta do montante no chão
e quebrou a lâmina. Tomou depois os dois fragmentos e atirou-os
ao rio.
Então passou-se nele uma luta silenciosa, mas terrível para
quem pudesse compreendê-la. Tinha quebrado a sua espada, porque
não queria mais combater; e decidira que era tempo de suplicar a
vida ao inimigo.
Mas quando chegou o momento de realizar essa súplica,
conheceu que exigia de si mesmo uma coisa sobre-humana, uma
coisa superior às suas forças. Segue abaixo uma das cantigas de amor medievais – que
exemplificam tal relação estabelecida pelo amor cortês:
Ele, Peri, o guerreiro invencível, ele, o selvagem livre, o senhor
das florestas, o rei dessa terra virgem, o chefe da mais valente nação “Senhora minha, desde que vos vi,
dos Guaranis, suplicar a vida ao inimigo! Era impossível. lutei para ocultar essa paixão
Três vezes quis ajoelhar, e três vezes as curvas de suas pernas que me tomou inteiro o coração;
distendendo-se como duas molas de aço o obrigaram a erguer-se. mas não o posso mais e decidi
Finalmente a lembrança de Cecília foi mais forte do que a sua que saibam todos meu grande amor,
vontade.
a tristeza que tenho, a imensa dor
Ajoelhou.”
que sofro desde o dia em que vos vi.”

O romance indianista apresenta como grande fonte 1.1.2 Iracema


inspiradora os romances de cavalaria da Europa. O período Em Iracema, publicado em 1865, José de Alencar apresenta
histórico que corresponde à Idade Média foi muito revisitado uma explicação poética para a fundação do Ceará. Segundo o
por escritores europeus, principalmente por ser um período romance, ele é fruto da relação amorosa entre Iracema, índia
marcado pela luta e consolidação da independência de muitas da tribo dos Tabajaras, e Martim, um colonizador português. A
nações, encontrando na figura do cavaleiro medieval o ideal história de amor dos dois tem como obstáculo alguns fatores,
de heroísmo a ser exaltado. No Brasil, o resgate do período dentre eles o fato de Iracema ser a guardiã do segredo de jurema, o
medieval não era possível, por não o termos vivenciado. Ainda que a obrigava a manter-se virgem, e o amor de Irapuã, chefe dos
assim, os parâmetros europeus foram mantidos, com algumas guerreiros Tabajaras.
adaptações, a fim de conferir “cor local” à nossa produção em
Mesmo com todos os empecilhos, Iracema e Martim ficam
prosa, como a encarnação do espírito cavalheiresco na pessoa
juntos. Os dois têm um filho, Moacir, descrito no livro como
do índio.
o primeiro cearense. A origem do Ceará pode, na verdade, ser
No que se refere à questão amorosa, os típicos laços de estendida para o Brasil e até mesmo para a América – o próprio
vassalagem entre homem e mulher, tão ao gosto medieval, nome Iracema é um anagrama de América –, onde a formação do
também foram reproduzidos. Uma vez “vassalo” de sua povo também se deu por meio da miscigenação.
amada “suserana”, o homem deveria seguir uma espécie de
Iracema não conta, porém, com um final feliz: pouco depois de
“cartilha” do amor cortês, ou seja, um disciplinado código
dar à luz Moacir, Iracema morre. Essa parte do livro pode ser lida
de conduta a ser cumprido por parte do homem para com o
como uma visão simbólica do processo de colonização português,
seu respectivo objeto de desejo. Havia a inclusão de regras,
no qual muitos índios morreram. Lendo nas entrelinhas, identifica-
como promessa de honra e fidelidade; idealização máxima;
-se um processo de formação que se deu à custa da morte de muitos
abdicação de bens, conforto e fama; submissão, devoção e
nativos. O trecho a seguir se refere justamente ao momento da
discrição absolutas.
morte da índia:
Romantismo no Brasil: romance histórico e romance indianista LITERATURA 49
Módulo 27 1ª Série

“Iracema não se ergueu mais da rede onde a pousaram os aflitos Destaque para duas obras de José de Alencar: As minas de prata,
braços de Martim. O terno esposo, em quem o amor renascera romance dividido em dois volumes, publicados em 1865 e 1866, que
com o júbilo paterno, a cercou de carícias que encheram sua alma conta a história de bandeirantes e aventureiros que partem rumo
de alegria, mas não a puderam tornar à vida: o estame de sua flor ao sertão em busca de metais preciosos; e A guerra dos mascates,
se rompera. publicada em 1873, que reconstitui o confronto homônimo entre
— Enterra o corpo de tua esposa ao pé do coqueiro que tu Olinda e Recife.
amavas. Quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará
que é tua voz que fala entre seus cabelos.

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01 O indianismo de nossos poetas românticos é:

(A) uma forma de apresentar o índio em toda a sua realidade


objetiva; o índio como elemento étnico da futura raça brasileira.
(B) um meio de reconstruir o grave perigo que o índio representava
durante a instalação da capitania de São Vicente.
(C) um modelo francês seguido no Brasil; uma necessidade de
exotismo que em nada difere do modelo europeu.
(D) um meio de eternizar liricamente a aceitação, pelo índio, da
nova civilização que se instalava.
(E) uma forma de apresentar o índio como motivo estético;
idealização com simpatia e piedade; exaltação da bravura, do
heroísmo e de todas as qualidades morais superiores.
Iracema (1881), de José Maria de Medeiros
02 O índio, em alguns romances de José de Alencar, como Iracema
O doce lábio emudeceu para sempre; o último lampejo e Ubirajara, é:
despediu-se dos olhos baços.
(A) retratado com objetividade, em uma perspectiva rigorosa
Poti amparou o irmão na grande dor. Martim sentiu quanto um e científica.
amigo verdadeiro é precioso na desventura; é como o outeiro que (B) idealizado sobre o pano de fundo da natureza, da qual é o
abriga do vendaval o tronco forte e robusto do ubiratã, quando o herói épico.
cupim lhe broca o âmago. (C) pretexto episódico para descrição da natureza.
(D) visto com o desprezo do branco preconceituoso, que o consi-
O camucim, que recebeu o corpo de Iracema, embebido de dera inferior.
resinas odoríferas, foi enterrado ao pé do coqueiro, à borda do rio. (E) representado como um primitivo feroz e de maus instintos.
Martim quebrou um ramo de murta, a folha da tristeza, e deitou-o
no jazigo de sua esposa. 03 Explique como a natureza foi utilizada no processo de caracte-
-rização do personagem indígena.
A jandaia pousada no olho da palmeira repetia tristemente:
— Iracema!
Leia o texto e responda às questões 04 e 05.
Desde então os guerreiros pitiguaras, que passavam perto
da cabana abandonada e ouviam ressoar a voz plangente da ave Iracema
amiga, afastavam-se, com a alma cheia de tristeza, do coqueiro Além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte,
onde cantava a jandaia. nasceu Iracema.
E foi assim que um dia veio a chamar-se Ceará o rio onde crescia Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais
o coqueiro, e os campos onde serpeja o rio.” negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 108. O favo da jati não era doce como o seu sorriso; nem a baunilha
recendia no bosque como seu hálito perfumado.
2. O romance histórico Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o
sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da
Dentre os quatro tipos de romances românticos, o romance
grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas
histórico foi o que contou com menor número de adeptos. Ele
a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
aborda questões ainda ligadas ao Período Colonial. Nesse sentido,
os romances históricos se aproximam dos romances indianistas, ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará.

diferenciando-os o fato de que aqueles não apresentam como


elemento central o índio.
50 LITERATURA
1ª Série Módulo 27

04 Ao caracterizar Iracema, José de Alencar relaciona-a a Quando eu for embora para bem distante,
elementos da natureza, pondo aquela em relação a esta em uma E chegar a hora de dizer adeus,
posição de:
Fica nos meus braços só mais um instante,
(A) equilíbrio. Deixa os meus lábios se unirem aos seus.
(B) dependência.
Índia, levarei saudade
(C) complementaridade.
(D) vantagem. Da felicidade
Que você me deu.
05 Para descrever Iracema, Alencar emprega palavras que apelam
principalmente:
Índia, a sua imagem
(A) à razão. Sempre comigo vai;
(B) aos sentidos.
Dentro do meu coração,
(C) aos sentimentos.
(D) à fantasia. Flor do meu Paraguai
FLORES, J. A; GUERRERO, M. O e FORTUNA, José. IN: Sucessos Inesquecíveis de Cascatinha
e Inhana. LP 0.34.405.432, Phonodisc, 1987.

Texto III
Texto I A índia e o traficante
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, Noite malandra, um luar de espelho,
nasceu Iracema. No meio da terra a índia colhe o brilho,
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais Som de suor, cheirada musical,
negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
Palmeira que se verga em meio ao vendaval.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha
Sentia macia floresta,
recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Bolívia, montanha, seresta...
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o
sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da Índia guajira já colheu sua noite
grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas
Volta para a tribo meio injuriada,
a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Uma figueira numa encruzilhada
(...)
Felina, um olho de paixão danada,
Iracema saiu do banho; o aljôfar d’água ainda a roreja, como à
doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, Era Leão, famoso traficante,
empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com Um outdoor, bandido elegante,
o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste. Que a levou para um apart-hotel
ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. Que tem em Cuiabá.

Texto II Índia, na estrada, largou a tribo


Índia Comprou um vestido, aprendeu a atirar,
Índia seus cabelos nos ombros caídos, Índia virada, alucinada pelo cara-pálida do Pantanal,
Negros como a noite que não tem luar; Índia guajira e o traficante
Seus lábios de rosa para mim sorrindo Loucos de amor, trocavam o seu mel,
E a doce meiguice desse seu olhar. Era um amor tipo 45,
Índia da pele morena, E tiroteios rasgando o vestido,
Sua boca pequena Em quartos de motel.
Eu quero beijar. Explode o amor, adiós para o pudor,
Guajira e o traficante passam a escancarar,
Índia, sangue tupi,
Rolam papéis, nos bares, nos bordéis,
Tem o cheiro da flor;
Os dois de Bonnie and Clyde, assunto dos cordéis,
Vem, que eu quero te dar
Maíra, pivete, amazônia,
Todo meu grande amor.
Esqueceu Tupã, a sem-vergonha...
Romantismo no Brasil: romance histórico e romance indianista LITERATURA 51
Módulo 27 1ª Série

Dentro de um Cessna, bebendo champagne e rica, anuncia a raça inteligente e ilustrada. Não é obrigando-a a
Leão e seu bando a fazem sua chefona, estacionar que hão de manter e polir as qualidades que porventura
ornem uma língua qualquer; mas sim fazendo que acompanhe o
Índia fichada, retrata falada,
progresso das ideias e se molde às novas tendências do espírito, sem
A loto esperada pelos federais, contudo perverter a sua índole a abastardar-se.”
Mas ela gosta de fotografia José de Alencar

E vira capa dos jornais do dia,


Além do romance de que foi retirado o texto, José de Alencar
Enquanto espera uma tonelada da pura alegria. escreveu:

Índia, sujeira, foi dedurada (A) “Inocência”, cuja ação se passa no sertão, onde mora Pereira, que
divide as mulheres entre prostitutas e “famílias”, estas as filhas
Por um sertanista que era amigo seu,
e esposas mantidas isoladas em casa, pois, se vissem homem
Índia traída – “mim tô passada” – que não o pai ou marido, fatalmente se igualariam às prostitutas
Ela lamentava num mal português, devido a sua condição de fêmeas, por definição depravadas.
(B) “O seminarista”, romance passional que discute a instituição
A índia, deu um ganho, num Landau negro, do celibato clerical: o Padre Eugênio, retornando à cidade natal,
Chapa oficial, que era da Funai, sente reacender-se uma antiga paixão; apesar de tentar resistir,
Passou batido pela fronteira, acaba por cair em tentação, e a quebra do voto de castidade o
leva à loucura.
Uma rajada de metralhadora... (C) “A moreninha”, narrativa de intriga simples e temática mundana,
Morta no Paraguai! em que os sentimentos e motivações jamais adquirem profundi-
dades impróprias para a conversação em sociedade na presença
DUSEK, Eduardo; GÓES, Luiz Carlos. Dusek na Sua. LP 829218-1. PolyGram, 1986.
de mocinhas e senhoras respeitáveis.
(D) “Ubirajara”, um de seus romances voltados para a recriação
01 Uma comparação entre os textos permite perceber que a do passado do Brasil, narrando os feitos heróicos de um índio
indígena é focalizada a partir de diferentes perspectivas e pontos de capaz de permanecer impassível enquanto formigas saúvas lhe
vista, e caracterizada de distintas maneiras. No fragmento indianista devoram a mão, em uma das provas a que se submete para fazer
de Alencar, o narrador a vê como pura e intocada, espontânea, jus à mão de sua pretendida.
remota e longínqua, em um desdobramento saudosista do “bom (E) “Memórias de um sargento de milícias”, que apresenta o
selvagem”; na guarânia de José Fortuna, é a mulher objeto de um quotidiano da “arraia-miúda” do Rio de Janeiro, composta
amor sublimado e da qual o eu poemático parece se despedir com de personagens permanentemente em luta pela satisfação das
antecipada saudade; em A índia e o traficante, é mostrada de modo necessidades humanas mais elementares e sempre ávidos de
a revelar a conduta aventureira e degenerada, em uma relação de gozar os momentos de sorte favorável.
“amor bandido” com um fora da lei. Com base nessas observações,
interprete as diferentes implicações simbólicas na caracterização 05 Os epílogos dos romances Iracema e O Guarani, de José de
das personagens nos versos “Flor do meu Paraguai!” e “Morta no Alencar e o fragmento de Maíra, de Darcy Ribeiro (autores iden-
Paraguai!” tificados com a temática de fundação do nacional – séculos XIX
e XX) podem ser considerados metáforas para a compreensão de
02 O herói tradicional na literatura é personagem que possui, nossa origem.
entre outras qualidades positivas, beleza, equilíbrio, força física,
magnanimidade e virtudes morais que lhe propiciam atos de Texto I
grandeza às vezes sobre-humanos, apresentando-se como modelo
extraordinário de comportamento. Já o anti-herói não costuma Era sempre com emoção que o esposo de Iracema revia as
ser belo e equilibrado, faltam-lhe qualidades físicas e virtudes, plagas, onde fora tão feliz e as verdes folhas a cuja sombra dormia
revelando-se uma criatura em crise. Sua debilidade, às vezes, é a formosa tabajara.
realçada no sentido de fazê-lo assemelhar-se às pessoas comuns. Muitas vezes ia sentar-se naquelas doces areias, para cismar e
Com base nesse princípio, releia A índia e o traficante e, a seguir, acalentar no peito a agra saudade.
responda em que medida a personagem feminina do poema-anção
pode ser considerada anti-heroica. A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro; mas não repetia
já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sobre a terra. José de
03 Explique por que a presença de estrangeirismos, gírias e expres- Alencar. “Iracema”.
sões vulgares, tão recorrentes no texto, colaboram para firmar essa
O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face. Fez-se no semblante
feição anti-heroica da personagem.
da virgem um ninho de castos rubores e lânguidos sorrisos: os
04 lábios abriram como as asas purpúreas de um beijo soltando o vôo.
“A língua é a nacionalidade do pensamento como a pátria é a A palmeira arrastada pela torrente impetuosa fugia... E sumiu-se
nacionalidade do povo. Da mesma forma que instituições justas e no horizonte...
racionais revelam um povo grande e livre, uma língua pura, nobre José de Alencar. O Guarani.
52 LITERATURA
1ª Série Módulo 27

Texto II O índio, que ao movimento da onça acurvara ligeiramente os


Afinal, tudo está claro. Na verdade apenas representei e ainda joelhos e apertava o forcado, endireitou-se de novo; sem deixar a
represento aqui um papel, segundo aprendi. Não sou, nunca fui sua posição, nem tirar os olhos do animal, viu a banda que parara
nem serei jamais Isaías. A única palavra de Deus que sairá de mim, à sua direita.
queimando a minha boca, é que eu sou Avá, o tuxauarã, e que só Estendeu o braço e fez com a mão um gesto de rei, que rei
me devo a minha gente Jaguar da minha nação Mairum. das florestas ele era, intimando aos cavaleiros que continuassem a
Darcy Ribeiro
sua marcha.
ALENCAR, José de. O Guarani. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964.
Pela leitura desses fragmentos, constata-se que os textos de José de
Alencar e Darcy Ribeiro traduzem, sob pontos de vista diferentes: Texto II
Formava os meus planos de evasão. Não podia ficar por ali.
(A) a afirmação de uma etnia brasileira advinda da existência cordial
entre as duas culturas. Teria sorte nos outros lugares, com gente estranha. Com o meu
(B) a efetiva resistência da cultura indígena em se submeter à cultura avô cada vez mais perto do fim, o Santa Rosa seria um inferno. As
europeia. noites tinham milhares de horas para as minhas insônias. Apagava
(C) o surgimento do mito fundador da miscigenação das duas o candeeiro de gás e a luta deitava-se comigo na rede.
culturas, pela morte dos protagonistas.
Não fumava, e nenhum livro com força de me prender. Que
(D) a impossibilidade de enunciar a plena harmonização entre as
culturas europeia e indígena. doença da vontade era aquela que me deixava ao léu, pano mole
(E) a inauguração do mito fundador da nacionalidade brasileira sujeito a todas as ventanias. Quando começava a dormir, era manhã.
por meio da miscigenação. A vassoura da negra varrendo a casa chiava desde as cinco horas.
Ficava então sem coragem de me levantar. Ouvia o gado saindo
para o pastoreador, os chocalhos batendo, os urros tristes das vacas
que deixavam os bezerros no cercado. O ar frio da madrugada dava-
-me sono, mas o barulho de tudo acordado não teria consideração
Texto I pelos meus nervos.
Nesse instante erguia a cabeça e fitava os olhos numa sebe Preocupava-se com doenças. Há anos que não se repetiam
de folhas que se elevava a vinte passos de distância, e se agitava aqueles ataques. Uma vez no colégio e aquele. A epilepsia fazia-me
imperceptivelmente. terror. Procurava mudar a atenção para outras coisas, e era a doença
Ali por entre a folhagem, distinguiam-se as ondulações que me dominava. Nos meus tempos de menino, ainda sabia correr
felinas de um dorso negro, brilhante, marchetado de pardo; às desses inimigos perniciosos. Um incidente qualquer me desviava
vezes viam-se brilhar na sombra dois raios vítreos e pálidos, que deles. Já tinha procurado um médico de Recife.
semelhavam os reflexos de alguma cristalização de rocha, ferida Seria um histérico, como ele se dissera, que uma vida metódica
pela luz do sol. corrigiria. E ali estava no Santa Rosa, sem extravagância, com a
Era uma onça enorme; de garras apoiadas sobre um grosso mais parada existência que poderia arranjar um homem na Terra.
ramo de árvore, e pés suspensos no galho superior, encolhia o corpo, E chegou-se a crise, aquela insônia e aquela insatisfação, e o
preparando o salto gigantesco. corpo amolecido de quem tivesse passado o dia no trabalho bruto.
Batia os flancos com a larga cauda, e movia a cabeça mons- Corpo mole de manhã à noite. A carne de sol do almoço amargava-
truosa, como procurando uma aberta entre a folhagem para -me na boca. As moscas me deixam uma impressão horrível. A casa
arremessar o pulo; uma espécie de riso sardônico e feroz contraia- estava cheia delas que chega do aperreio, matando-as com jornais.
-lhe as negras mandíbulas, e mostrava a linha de dentes amarelos; Cobria-me na rede e com pouco mais lá vinha uma, passando pelo
as ventas dilatadas aspiravam fortemente e pareciam deleitar-se já meu nariz.
com o odor do sangue da vítima. E quando tocava, um calafrio percorria-me da cabeça aos pés.
O índio, sorrindo e indolentemente encostado ao tronco seco, (...)
não perdia um só desses movimentos, e esperava o inimigo com a
Botava papéis com breu para aprisioná-las. Ficava atento
calma e serenidade do homem que contempla uma cena agradável:
às manobras, que faziam para morrer. Era a única coisa que me
apenas a fixidade do olhar revelava um pensamento de defesa.
seduzia ali: aquele espetáculo miserável, ver o suicídio das moscas.
Assim, durante um curto instante, a fera e o selvagem mediram- Andavam por cima do papel estendido com outras já pregadas no
-se mutuamente, com os olhos nos olhos um do outro; depois o breu. Davam uma volta por fora e quando vinham era de uma vez
tigre agachou-se, e ia formar o salto, quando a cavalgata apareceu para se desgraçar. Parecia que elas fugiam como se quisessem criar
na entrada da clareira. coragem. E avançavam para o precipício.
Então o animal, lançando ao redor um olhar injetado de sangue,
REGO, José Lins do. Banguê. Rio de Janeiro: José Olympio. p. 20-1, 1969.
eriçou o pelo, e ficou imóvel no mesmo lugar, hesitando se devia
arriscar o ataque.
Romantismo no Brasil: romance histórico e romance indianista LITERATURA 53
Módulo 27 1ª Série

01 Assinale a alternativa falsa: 02 Justapõem-se, a seguir, segmentos dos textos caracterizadores


dos seus respectivos protagonistas. Assinale o par de segmentos
(A) Os atributos dos protagonistas se projetam e se refletem que efetua a síntese da caracterização dos protagonistas e realiza a
simbolicamente nas imagens de seus respectivos adversários oposição mais integral entre eles:
onça e mosca.
(B) Os protagonistas vivem, respectivamente, as experiências de (A) “Um índio na flor da idade” × “seria um histérico”.
domínio sobre o real exterior e de aprisionamento no interior (B) “a beleza inculta da graça, da força e da inteligência” × “corpo
da angústia. mole de manhã à noite”.
(C) O texto de José Lins do Rego se identifica mais com um ideal (C) “Talhe delgado e esbelto como um junco selvagem” × “corpo
de estilo “nobre” do que o texto de José de Alencar. amolecido de quem tivesse passado o dia no trabalho bruto”.
(D) Os textos criam uma correlação, respectivamente, entre espaço (D) “Fez com a mão um gesto de rei, que rei das florestas ele era” ×
aberto e vida de ação e participação em ter espaço fechado e “pano mole sujeito a todas as ventanias”.
vida de inércia e fuga. (E) “A pupila negra, móbil, cintilante” × “a mais parada existência
(E) No texto de José de Alencar existe mais preocupação descritiva que poderia arranjar um homem na Terra”.
do que no texto de José Lins do Rego.

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LITERATURA 54

Módulo 28 1ª Série

Romantismo no Brasil: romance urbano

Você já contou o segredo de alguém?


Sem dúvidas, a fofoca é uma atitude abominável e perigosa.
Essa é uma das principais causas de desentendimentos entre amigos,

©iStockphoto.com/selimaksan
familiares, cônjuges em seus mais variados contextos. Entretanto, se
alguém contou algo e você passou a mensagem a um terceiro, tenha
certeza: a fofoca lhe trará prejuízos.
Justamente esses costumes corriqueiros e particulares de uma
vida na cidade que irão permear o romance romântico urbano. Aqui,
o dia a dia do leitor, com suas particularidades de casamentos mal
resolvidos, amores não correspondidos e fofocas entre amigos é
colocado em pauta. Para o grupo leitor – majoritariamente feminino
Objetivos:
– ver suas realidades retratadas na literatura era um deleite. Desse
– Observar as principais características relacionadas à construção
modo, problemas e valores vividos por uma burguesia urbana C5 do texto literário neste momento;
obtiveram êxito na consolidação e amadurecimento do romance. – observar os aspectos urbanos na obra literária.

1. O romance urbano
A elite e a literatura
Adotado pela burguesia como seu gênero preferido, o romance
alcançou grande popularidade no século XIX. A receita de seu A elite brasileira era o principal público-alvo dos romances
sucesso incluía uma linguagem simples – ao alcance de uma elite românticos, com destaque para as mulheres. Se antes elas
que tinha dinheiro, mas não necessariamente erudição –, e um dependiam majoritariamente das leituras em voz alta feitas por
enredo que se ancorava no presente e nos fatos do cotidiano. À alguém letrado, no início do século XIX, já era significativo o
burguesia, agradava muito ver o seu mundo retratado nos livros, e número de mulheres alfabetizadas. Com isso, o seu interesse
justamente isso garantiu que os romances urbanos ou de costumes pelos romances aumentou ainda mais, assim como o interesse
fossem os mais lidos. dos escritores por elas. Uma das principais consequências disso
é o fato de o narrador romântico se dirigir geralmente à
Os romances urbanos retratavam o dia a dia do leitor. Eles
leitora, fazendo dela seu principal interlocutor. Os enredos
possibilitavam a discussão de questões sobre valores do seu tempo,
também eram pensados para agradá-las, e não são raras as
traçando, portanto, um interessante panorama da época. Como não
heroínas românticas que eram leitoras assíduas.
poderia deixar de ser, geralmente giravam em torno de um herói
e uma heroína apaixonados, que, para ficarem juntos, deveriam Os autores român-

©iStockphoto.com/kentarcajuan
superar os mais diversos obstáculos. Além disso, tinham a cidade ticos buscavam, por
como grande cenário, principalmente o Rio de Janeiro, e como meio dos romances
protagonista, a elite brasileira. urbanos, produzir uma
literatura com a qual a
elite brasileira se iden-
©iStockphoto.com/benoitb

tificava. Além disso,


muitas vezes faziam
de seus romances um
verdadeiro “manual de boas maneiras”, trazendo orientações
sobre como ela deveria se comportar nas mais diversas
situações, algo importante para uma sociedade ainda em
formação. Neles, também havia espaço para a reflexão: ao fazer
dos livros espelhos dos hábitos da sociedade, abria-se espaço
para que eles fossem questionados e possivelmente modifi-
cados. Senhora, de Jose de Alencar, é um desses romances.
Romantismo no Brasil: romance urbano LITERATURA 55
Módulo 28 1ª Série

1.1 Principais autores — Sim, deve partir... vá... Talvez encontre aquela a quem jurou
amor eterno... Ah! Senhor! Nunca lhe seja perjuro.
1.1.1 Joaquim Manuel de Macedo — Se eu a encontrasse!
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) era médico por — Então?... Que faria?...
formação, mas deu aula de História e Geografia do Brasil no
— Atirar-me-ia a seus pés, abraçar-me-ia com eles e lhe diria:
tradicional colégio Pedro II. Dedicou-se também ao jornalismo e
à política. Macedo foi o escritor de A Moreninha, considerado o “Perdoai-me, perdoai-me, senhora, eu já não posso ser vosso esposo!
primeiro romance romântico com qualidade literária. Antes dele, Tomai a prenda que me deste...”
algumas tentativas já haviam sido feitas, mas nenhum outro livro E o infeliz amante arrancou debaixo da camisa um breve, que
satisfez o público como esse. convulsivamente apertou na mão.
A popularidade advinha de
©Wikimedia Commons

— O breve verde!..., exclamou D. Carolina, o breve que contém


certos elementos que viraram a esmeralda!
marca de suas obras. Macedo
— Eu lhe diria, continuou Augusto: “Recebei este breve que já
produzia romances leves,
não devo conservar, porque eu amo outra que não sois vós, que é
marcados pelo bom humor e por
mais bela e mais cruel do que vós!...”
uma linguagem coloquial. Além
disso, investia no suspense, algo A cena estava se tornando patética; ambos choravam e só
imprescindível para os folhetins. passados alguns instantes, a inexplicável Moreninha pôde falar e
Também não podia faltar em responder ao triste estudante.
suas narrativas um amor difícil — Oh! Pois bem, disse; vá ter com sua antiga desposada, repita-
ou impossível, além de alguma -lhe o que acaba de dizer, e se ela ceder, se perdoar, volte que eu
revelação surpreendente. O autor serei sua... esposa.
conseguia contrapor muito bem — Sim... eu corro... Mas meu Deus, onde poderei achar essa
momentos de tensão com os de comicidade, tornando a leitura de moça a quem não tornei a ver, nem poderei conhecer?... Onde,
seus livros muito agradável. meu Deus?... Onde?...
Seu principal romance, A Moreninha, conta a história de amor E tornou a deixar correr o pranto por um momento suspenso.
de Carolina e Augusto. Quando ainda muito jovens, conheceram-se
— Espere, tornou D. Carolina, escute, senhor. Houve um dia,
na praia e uniram-se para ajudar um moribundo. Para retribuir a
quando minha mãe era viva, em que eu também socorri um velho
ajuda, o homem realizou um casório simbólico, no qual Carolina e
moribundo. Como o senhor e sua camarada, matei a fome de sua
Augusto trocaram presentes. Ela deu a ele um botão de esmeralda,
família e cobri a nudez de seus filhos; em sinal de reconhecimento
e ele deu a ela um camafeu de ouro. Além disso, prometeram um
também este velho me fez um presente; deu-me uma relíquia
ao outro que, mais tarde, casariam-se de verdade.
milagrosa que, asseverou-me ele, tem o poder uma vez, na vida de
Anos depois, Augusto e seus amigos, Filipe, Fabrício e quem a possui, de dar o que se deseja. Eu cosi essa relíquia dentro
Leopoldo, vão à casa da avó de Filipe – localizada em Paquetá, de um breve; ainda não lhe pedi coisa alguma, mas trago-a sempre
uma ilha próxima ao Rio de Janeiro – passar o Dia de Sant’Ana. O comigo; eu lha cedo... tome o breve, descosa-a, tire a relíquia e à
amigo aposta com os demais que eles iriam se apaixonar por suas mercê dela talvez encontre sua antiga amada. Obtenha o seu perdão
primas ou por sua irmã, cujo apelido era Moreninha. Augusto e me terá por esposa.
aceita a aposta e fica estabelecido que quem perdesse iria escrever
— Isto tudo me parece um sonho, respondeu Augusto, porém,
a história da derrota.
dê-me, dê-me esse breve!
O jovem se apaixonou pela irmã de Filipe, mas o juramento
A menina, com efeito, entregou o breve ao estudante, que
feito sete anos atrás para outra menina os impede de ficar juntos.
começou a descosê-lo precipitadamente. Aquela relíquia, que se dizia
Porém, no final, Augusto descobriu, por meio do camafeu, que a
milagrosa, era sua última esperança; e, semelhante ao náufrago que no
Moreninha era, na verdade, Carolina, a menina por quem tinha se
derradeiro extremo se agarra à mais leve tábua, ele se abraçava com ela.
apaixonado e para quem prometeu amor eterno. O final é, portanto,
Se faltava a derradeira capa do breve.., ei-la que cede e se descose
feliz. O jovem perdeu a aposta e cumpriu o prometido: escreveu
alta uma pedra... e Augusto, entusiasmado e como delirante, cai aos
uma narrativa, que é o próprio romance A Moreninha.
pés de D. Carolina, exclamando:
— O meu camafeu!...O meu camafeu!...
Leia o trecho abaixo, no qual a revelação surpreendente é feita:
A senhora D. Ana e o pai de Augusto entraram nesse instante
na gruta e encontraram o feliz e fervoroso amante de joelhos e a
D. Carolina deixou cair uma lágrima e falou ainda, mas já com
dar mil beijos nos pés da linda menina, que também por sua parte
voz fraca e trêmula:
chorava de prazer.
56 LITERATURA
1ª Série Módulo 28

— Que loucura é esta? – perguntou a senhora D. Ana. generoso dote. Após ser trocada, Aurélia passa a desprezar todos
— Achei minha mulher!... bradava Augusto; encontrei minha os homens e se vinga de Seixas por meio de uma grande herança
mulher! ... Encontrei minha mulher! recebida com a morte de seu avô.
— Que quer dizer isto, Carolina?... O trecho que se segue foi retirado do romance e traz um dos
momentos de confronto entre Aurélia e Seixas:
— Ah! Minha boa avó!... respondeu a travessa Moreninha
ingenuamente; nós éramos conhecidos antigos. — O senhor não retribuiu meu amor e nem o compreendeu.
Supôs que eu lhe dava apenas a preferência entre outros namorados,
MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Ática, s. d. p. 144-6.
e o escolhia para herói dos meus romances, até aparecer algum
casamento, que o senhor moço, honesto, estimaria para colher à
sombra o fruto de suas flores poéticas. Bem vê que eu o distingo
A Moreninha dos outros, que ofereciam brutalmente mas com franqueza e sem

©Wikimedia Commons
rebuço, a perdição e a vergonha.
Seixas abaixou a cabeça.
— Conheci que não amava-me, como eu desejava e merecia ser
amada. Mas não era sua a culpa e só minha que não soube inspirar-lhe
a paixão, que eu sentia. Mais tarde, o senhor retirou-me essa mesma
afeição com que me consolava e transportou-a para outra, em quem
não podia encontrar o que eu lhe dera, um coração virgem e cheio de
paixão com que o adorava. Entretanto, ainda tive forças para perdoar-
-lhe e amá-lo.
A moça agitou então a fronte com uma vibração altiva:
— Mas o senhor não me abandonou pelo amor de Adelaide
Ilha de Paquetá, 1885 e sim pelo seu dote, um mesquinho dote de trinta contos! Eis o
Grande parte do romance A Moreninha se passa na Ilha de que não tinha o direito de fazer, e que jamais lhe podia perdoar!
Paquetá. A ilha, localizada no interior da Baía de Guanabara, Desprezasse-me embora, mas não descesse da altura em que o
faz parte da cidade do Rio de Janeiro. O acesso até ela é feito, havia colocado dentro de minha alma. Eu tinha um ídolo; o senhor
principalmente, por meio de barcas, que partem da Praça XV, abateu-o de seu pedestal, e atirou-o no pó. Essa degradação do
no centro da cidade. Um de seus principais pontos turísticos homem a quem eu adorava, eis o seu crime; a sociedade não tem
é justamente a Pedra da Moreninha, localizada na praia da leis para puni-lo, mas há um remorso para ele. Não se assassina
Guarda, que recebeu o seu nome após o cenário ter sido assim um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a
utilizado no romance de Joaquim Manuel de Macedo. descrença e o ódio.
Além de A Moreninha, seu primeiro e mais famoso Seixas que tinha curvado a fronte, ergueu-a de novo, e fitou os
romance, Macedo escreveu outros 17. Neles, procurou repetir olhos da moça. Conservava ainda as feições contraídas e gotas de
os elementos que o consagraram em sua narrativa de estreia. suor borbulhavam na raiz dos seus belos cabelos negros.
Em nenhum deles conseguiu, porém, alcançar o mesmo sucesso. — A riqueza que Deus me concedeu chegou já tarde; nem
ao menos permitiu-me o prazer da ilusão, que têm as mulheres
enganadas. Quando a recebi, já conhecia o mundo e suas misérias;
1.1.2 José de Alencar já sabia que a moça rica é um arranjo e não uma esposa; pois
José de Alencar foi um dos autores que mais contribuiu para bem, disse eu, essa riqueza servirá para dar-me a única satisfação
que os romances urbanos caíssem no gosto do público. Muito além que ainda posso ter neste mundo. Mostrar a esse homem que
de apenas contar histórias de amor, as narrativas alencarianas não soube me compreender, que a mulher o amava, e que alma
conseguiam propor reflexão sobre assuntos importantes à época, perdeu. Entretanto ainda eu afagava uma esperança. Se ele recusa
como o casamento por interesse ou as pressões sociais exercidas pelo nobremente a proposta aviltante, eu irei lançar-me a seus pés.
dinheiro. Em seus romances urbanos, também pode-se destacar Suplicar-lhe-ei que aceite a minha riqueza, que a dissipe se quiser;
os perfis femininos existentes: as heroínas de Alencar têm como consinta-me que eu o ame. Esta última consolação, o senhor a
característica em comum a força e a determinação, elementos arrebatou. Que me restava? Outrora atava-se o cadáver ao homicida,
que não as impedem, porém, de se entregarem ao amor. para expiação da culpa; o senhor matou-me o coração; era justo
Dentre os muitos romances urbanos escritos pelo autor, três que o prendesse ao despojo de sua vítima. Mas não desespere,
podem ser destacados: Lucíola, Diva e Senhora. Este último conta a o suplício não pode ser longo: este constante martírio a que
história de Aurélia Camargo e Fernando Seixas. Quando jovens, os estamos condenados acabará por extinguir-me o último alento;
dois se apaixonam, mas têm de se separar por questões financeiras. o senhor ficará livre e rico.
Seixas, que sempre guardou o desejo de ascender socialmente ALENCAR, José de. Senhora. 23 ed. São Paulo: Ática, 1992.
de maneira rápida, casa-se com uma jovem que lhe oferece um
Romantismo no Brasil: romance urbano LITERATURA 57
Módulo 28 1ª Série

05 José de Alencar, na variedade de romances que escreveu


(urbanos, indianistas, de costumes, históricos, perfis de mulher),
pretendia construir:
01 Em linhas gerais, o romance A Moreninha, de Joaquim Manoel
de Macedo, é: (A) uma obra romanesca com os aspectos fundamentais da vida
brasileira.
(A) o relato de uma história de fidelidade ao amor de infância, na (B) o novo romance brasileiro.
sociedade brasileira do século XIX. (C) uma descrição da capacidade criativa do escritor brasileiro.
(B) a crônica de um caso amoroso ocorrido em fins do século XVII (D) uma oposição ao romance brasileiro sem qualidade literária
nas imediações do Rio de Janeiro. que o precedeu.
(C) uma história baseada no problema da escravidão, na sociedade (E) uma história indianista do Brasil.
brasileira do Segundo Império.
(D) a história dramática de uma heroína às voltas com um amor
impossível.
(E) uma história que mostra a oposição roça/corte no século
passado, por meio de um episódio amoroso.
01
02 Tema bastante recorrente nas literaturas românticas portu- “Beijei na areia os sinais de teus passos, beijei os meus braços
guesa e brasileira, o amor impossível aparece em personagens que que tu havias apertado, beijei a mão que te ultrajara num momento
encarnam o modelo romântico, cujas características são: de loucura, e os meus próprios lábios que roçaram tua face num
beijo de perdão. Abençoei este sofrimento!... Era alguma coisa de ti,
(A) o sentimentalismo e a idealização do amor.
um ímpeto de tua alma, a tua cólera e indignação, que tinham ficado
(B) os jogos de interesses e a racionalidade.
(C) o subjetivismo e o nacionalismo. em minha pessoa e entravam em mim para tomar posse do que te
(D) o egocentrismo e o amor subordinado a interesses sociais. pertencia. Pedi a Deus que tornasse indelével esse vestígio de tua
(E) a introspecção psicológica e a idealização da mulher. ira, eu me santificara como uma cousa tua! (...) Quero guardar-me
toda só para ti. Vem, Augusto: eu te espero. A minha vida terminou;
03 Que característica do Romantismo percebemos na descrição começo agora a viver em ti.”
abaixo?
ALENCAR, José de. Diva. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p. 121.

“A alvura de sua tez fresca e pura escurecia o mais fino jaspe [...]
O texto citado é um trecho do último capítulo de Diva, romance de
A seiva dessa mocidade, o viço dessa alma não se expandia no rubor Alencar que, ao lado de Senhora e Lucíola, forma a trilogia de perfis
da cútis, mas no olhar ardente e esplêndido dos grandes olhos negros femininos. Trata-se de uma carta escrita por Emília, protagonista
e no sorriso mimoso dos lábios que eram um primor da natureza.” da estória, ao jovem médico Augusto. A partir da leitura do texto,
indique as características românticas presentes no fragmento,
(A) O nacionalismo que, entre nós, expressou-se, sobretudo, pelo justificando com exemplos.
tratamento positivo dado às mulheres brasileiras.
(B) A idealização no modo de apresentar as personagens. 02 Leia, com atenção, o fragmento a seguir para responder à
(C) O desvendamento do mundo psicológico das personagens que, questão.
em nosso Romantismo, é traço prenunciador do Realismo.
(D) O panteísmo, que consiste em relacionar traços humanos com “Todas as raças, desde o caucasiano sem mescla, até o africano
atributos de Deus. puro; todas as posições, desde as ilustrações da política, da fortuna
(E) O uso da natureza como reflexo dos sentimentos do narrador,
ou do talento, até o proletário humilde e desconhecido; todas as
produzindo a animização, ou, em outras palavras, a prosopo-
peia. profissões, desde o banqueiro até o mendigo; (...) É uma festa
filosófica essa festa da Glória! Aprendi mais naquela meia hora de
04 Leia o trecho abaixo e assinale a alternativa que identifica os observação do que nos cinco anos que acabava de desperdiçar em
elementos românticos do trecho citado de Senhora, de José de Olinda com uma prodigalidade verdadeiramente brasileira. A lua
Alencar: vinha assomando pelo cimo das montanhas fronteiras; descobri
nessa ocasião, a alguns passos de mim, uma linda moça, que parara
“As cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio um instante para contemplar no horizonte as nuvens brancas
das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal.” esgarçadas sobre o céu azul e estrelado. Admirei-lhe do primeiro
olhar um talhe esbelto e de suprema elegância.(...) Ressumbrava na
(A) A perspectiva recatada e a afinidade entre sentimento e sua muda contemplação doce melancolia, e não sei que laivos de
natureza.
tão ingênua castidade, que o meu olhar repousou calmo e sereno
(B) A vida como teatro e a intensa religiosidade.
(C) A natureza sem defeitos e o amor idealizado. na mimosa aparição.”
(D) A noite enquanto símbolo e a música como pano de fundo para ALENCAR, José de. Lucíola.
o amor.
(E) A linguagem rebuscada e a idealização amorosa.
58 LITERATURA
1ª Série Módulo 28

A partir do fragmento, e considerando o romance como um todo, — Eu o escrevi logo depois do nosso casamento; pensei que
pode-se afirmar que: morresse naquela noite, disse Aurélia com um gesto sublime.
Seixas contemplava-a com os olhos rasos de lágrimas.
(A) a cena amorosa, em Alencar, é sempre emoldurada pela matéria
sociocultural brasileira. — Esta riqueza causa-te horror? Pois faz-me viver, meu
(B) pode-se observar, nessa cena, a superioridade da província Fernando. É o meio de a repelires. Se não for bastante, eu a dissiparei.
sobre a Metrópole.
***
(C) desde o primeiro momento, Paulo percebe a condição social
de Lúcia. As cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio
(D) a referência à questão racial comprova o Naturalismo dessa das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal.
obra.
ALENCAR, José de. Senhora, 7a ed. Rio de Janeiro: J. Olympio. Brasília: INL,
(E) o romance urbano, como é o caso de Lucíola, é o único cultivado p. 338-340, 1977.
no Romantismo brasileiro.
03 O texto narra o desfecho de um conhecido romance, Senhora,
Texto para as questões 03, 04 e 05. centrado no casamento por dinheiro. Ao longo da narrativa, as
relações do casal vão sendo minadas: Seixas, o marido, torna-se
Seixas recuou um passo até o meio do aposento e fez uma obsessivo com a história da compra e Aurélia, a mulher, emocio-
profunda cortesia, à qual Aurélia respondeu. Depois atravessou nalmente enrijecida.
lentamente a câmara nupcial agora iluminada. Quando erguia o
A alternativa correta quanto ao desfecho da trama é:
reposteiro ouviu a voz da mulher.
— Um instante! disse Aurélia. (A) A situação permanece tensa e não resolvida.
— Chamou-me? (B) A situação do casal se reequilibra por força do amor.
(C) A situação sofre um novo desequilíbrio: Seixas cede; Aurélia,
— O passado está extinto. Estes onze meses, não fomos nós que não.
os vivemos, mas aqueles que se acabam de separar, e para sempre. (D) Aurélia exige de Seixas uma prova de amor para a restauração
Não sou mais sua mulher; o senhor já não é meu marido. Somos do equilíbrio conjugal.
dois estranhos. Não é verdade? (E) Seixas condiciona a restauração do equilíbrio conjugal ao
testamento de Aurélia.
Seixas confirmou com a cabeça.
— Pois bem, agora ajoelho-me eu a teus pés, Fernando, e suplico- 04 Assinale afirmação que não está presente no texto de José de
-te que aceites meu amor, este amor que nunca deixou de ser teu, Alencar:
ainda quando mais cruelmente ofendia-te.
(A) O testamento era prova do desinteresse pecuniário de Aurélia.
A moça travara das mãos de Seixas e o levara arrebatadamente
(B) Seixas fora vítima de humilhação no passado.
ao mesmo lugar onde cerca de um ano antes ela infligira ao mancebo (C) Seixas reconciliou-se com Aurélia por causa do testamento feito
ajoelhado a seus pés a cruel afronta. por ela.
— Aquela que te humilhou, aqui a tens abatida, no mesmo lugar (D) A declaração amorosa de Aurélia põe fim à longa e dolorosa
onde ultrajou-te, nas iras de sua paixão. Aqui a tens implorando seu repressão de sentimentos.
(E) Seixas considerava a fortuna de Aurélia um obstáculo à reali-
perdão e feliz porque te adora, como o senhor de sua alma.
zação amorosa do casal.
Seixas ergueu nos braços a formosa mulher, que ajoelhara a seus
pés; os lábios de ambos se uniam já em férvido beijo, quando um 05 A passagem que contém animização típica da linguagem do
pensamento funesto perpassou no espírito do marido. Ele afastou Romantismo é:
de si com gesto grave a linda cabeça de Aurélia, iluminada por uma
aurora de amor, e fitou nela o olhar repassado de profunda tristeza. (A) “As cortinas cerram-se, e as auras da noite, acariciando o seio
das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal.”
— Não, Aurélia! Tua riqueza separou-nos para sempre. (B) “A moça desprendeu-se dos braços do marido, correu ao
A moça desprendeu-se dos braços do marido, correu ao toucador, e trouxe um papel lacrado que entregou a Seixas.”
toucador, e trouxe um papel lacrado que entregou a Seixas. (C) “Não sou mais sua mulher, o senhor já não é meu marido.
Somos dois estranhos.”
— O que é isto, Aurélia? (D) “Seixas recuou um passo até o meio do aposento e fez uma
— Meu testamento. profunda cortesia, à qual Aurélia respondeu.”
(E) “Era efetivamente um testamento em que ela confessava o
Ela despedaçou o lacre e deu a ler a Seixas o papel. Era efetiva-
imenso amor que tinha ao marido e o instituía seu universal
mente um testamento em que ela confessava o imenso amor que herdeiro.”
tinha ao marido e o instituía seu universal herdeiro.
Romantismo no Brasil: romance urbano LITERATURA 59
Módulo 28 1ª Série

— Hoje... agora mesmo. Nestas coisas Tobias não cochila: com


licença de meu senhor, eu cá sou doutor nisto; meus parceiros
Texto para as questões 01 e 02. me chamam orelha de cesto, pé de coelho e boca de taramela. Vá
dizendo o que quiser que em menos de dez minutos minha senhora
Ah! maldito crioulo... estava-lhe o todo dizendo para o que sabe tudo; o recado de meu senhor é uma carambola que, batendo
servia!... Pinta na tua imaginação, Augusto, um crioulinho de 16 no meu ouvido, vai logo bater no da senhora D. Joaninha.
anos, todo vestido de branco, com uma cara mais negra e mais — Pois dize-lhe que o moço que se sentar na última cadeira da
lustrosa do que um botim envernizado, tendo dois olhos belos, 4a coluna da superior, que assoar-se com um lenço de seda verde,
grandes, vivíssimos e cuja esclerótica era branca como o papel em quando ela para ele olhar, se acha loucamente apaixonado de sua
que te escrevo, com lábios grossos e de nácar, ocultando duas ordens beleza, etc.; etc.; etc.; etc.
de finos e claros dentes, que fariam inveja a uma baiana; dá-lhe a — Sim, senhor, eu já sei o que se diz nessas ocasiões: o discurso
ligeireza, a inquietação e rapidez de movimento de um macaco e fica por minha conta.
terás feito ideia desse diabo de azeviche, que se chama Tobias.
— E amanhã, ao anoitecer, espera-me na porta de tua casa.
Não me foi preciso chamá-lo. Bastou um movimento de olhos
— Pronto, lesto e agudo, repetiu de novo o crioulo.
para que o Tobias viesse a mim, rindo-se desavergonhadamente.
Levei-o para um canto. — Eu recompensar-te-ei, se fores fiel.
— Tu pertences àquelas senhoras que estão no camarote, a cuja — Mais pronto, mais lesto e mais agudo!
porta te encostavas?... perguntei. — Por agora toma estes cobres.
— Sim, senhor, me respondeu ele, e elas moram na rua de... — Ó, meu senhor! prontíssimo, lestíssimo e agudíssimo.
n.º... ao lado esquerdo de quem vai para cima. MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha, 5ª edição. São Paulo: Ática, p. 18-19, 1973.

— E quem são?...
01 Essa cena de A Moreninha descreve, por meio de uma carta,
— São duas filhas de uma senhora viúva, que também aí está, como Fabrício conheceu Joana, no Teatro São Pedro de Alcântara.
e que se chama a Ilma. Sra. D. Luísa. O meu defunto senhor era A fluência e vivacidade de estilo do personagem Fabrício, que pede
negociante e o pai de minha senhora é padre. a Augusto “pinte a cena na imaginação”, imprimem ao texto um
— Como se chama a senhora que está vestida de branco? conjunto de efeitos típicos da própria teatralidade.

— A Sra. D. Joana... tem 17 anos e morre por casar. Com base nesse comentário, aponte e explique o funcionamento de:
— Quem te disse isso?...
a. pelo menos um elemento do enunciado que revele essa “pintura
— Pelos olhos se conhece quem tem lombrigas, meu senhor!...
teatralizada da cena.
— Como te chamas? b. um procedimento da enunciação que revele a proximidade do
— Tobias, escravo de meu senhor, crioulo de qualidades, fiel texto com a linguagem específica do teatro.
como um cão e vivo como um gato.
02 No fragmento que lhe apresentamos, Joaquim Manuel de
O maldito do crioulo era um clássico a falar português. Eu Macedo transfere ao personagem Fabrício a visão racista e o
continuei. preconceito de cor vigente na sociedade brasileira de sua época.
— Hás de levar um recado à Sra. D. Joana. Nessa linha depreciativa, são várias as caracterizações que definem
Tobias em sua figura e personalidade. Releia o texto e faça o que se
— Pronto, lesto e agudo, respondeu-me o moleque. pede.
— Pois toma sentido.
a. Explique como se dão as características de figura e personali-
— Não precisa dizer duas vezes.
dade do jovem escravo.
— Ouve. Das duas uma: ou poderás falar com ela hoje ou só b. Justifique sua resposta, citando pelo menos um exemplo de
amanhã... cada caso.
LITERATURA 60

Módulo 29 1ª Série

Romantismo no Brasil: romance regionalista

Você já assistiu a um filme e o ator não te


convenceu de seu papel?
Sabe-se que o ofício de atores e artistas em geral é, em muitos
casos, transformar um contexto subjetivo em algo real, mais
palpável. No entanto, quando isso é mal feito, repare que uma chuva
de críticas cai sobre eles. Isto é extremamente comum nesse círculo
de pessoas – alguém que tem por objetivo imitar outro, seja real ou
não, e não consegue. Desse modo, sua atuação parece forçada e não
convence o público. Isso não foi muito diferente do recorte de nossa

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produção literária que será abordado neste módulo. Ainda imersos
em influências artísticas europeias, os autores do romance regional
brasileiro foram obrigados a construir seus próprios modelos – para
que suas atuações transpostas em palavras não parecessem forçadas.
Como consequência, começamos a expandir o olhar do público
leitor em relação às fronteiras do Brasil. Ganhamos, assim, mais Objetivos:
– Estudar as principais características desse momento literário no
autonomia e nosso país passou a ser mais reconhecido como fonte
de inspiração cultural. Será justamente o romance regionalista que
C5 Brasil;
– observar as características das principais regiões do Brasil na obra
estudaremos neste módulo. literária.

1. O romance regionalista contavam com a educação disponível – para uma minoria – nos
Além dos romances indianistas, históricos e urbanos, também centros urbanos. Neles, como mostram os próprios romances,
faziam parte da prosa romântica os romances regionalistas. Preo- ainda havia muito espaço para pensamentos retrógrados, como
cupados em explorar os quatro cantos do país, esses romances a completa submissão das mulheres ou a crença de que a leitura
colocavam em cena paisagens e personagens de um Brasil era uma atividade muito perigosa.
desconhecido para aqueles que habitavam os centros urbanos.
Assim, cumpriam um dos desejos do Romantismo: aumentar o Por fim, a inexistência de um modelo estrangeiro no qual
conhecimento do brasileiro acerca de seu próprio país, apresentando os escritores de romances regionalistas pudessem se apoiar fez
a ele os mais diversos sotaques, etnias e culturas nele presentes. com que esse tipo de narrativa fosse uma experiência realmente
Enquanto os espaços privilegiados pelos romances urbanos nova. Dessa forma, eles não só contribuíam para a expansão dos
eram os das capitais, os romances regionalistas se concentravam conhecimentos sobre o Brasil, mas também para a autonomia
em áreas mais remotas do território nacional, como o interior de nossa literatura.
do Nordeste ou os pampas gaúchos. Com isso, traziam à tona
costumes e valores muito diferentes dos que estavam presentes
1.1 Principais autores
nas cidades, além de uma natureza diversificada e exuberante.
1.1.1 Visconde de Taunay
A região Centro-Oeste foi desbravada por Alfredo d’Escragnolle
O público leitor
Taunay (1843-1899). Mais conhecido como Visconde de Taunay, era
É interessante destacar que os personagens trazidos pelos militar. Graças às viagens realizadas a trabalho, ele conhecia muito
romances regionalistas não eram, porém, quem compunha o seu bem o território nacional. Foi na exuberância do sertão do Mato
público leitor. Este continuava a ser o mesmo das outras obras Grosso que resolveu apostar em seu romance Inocência, conside-
românticas, ou seja, a elite das cidades. Os lugares descritos por rado por muitos o principal dos romances regionalistas brasileiros.
essas narrativas, embora ricos em diversos outros aspectos, não
Romantismo no Brasil: romance regionalista LITERATURA 61
Módulo 29 1ª Série

— Eu quero, murmurou ela, voltar para o meu quarto.

©Wikimedia Commons
E encostando-se à parede, com passo vacilante se encaminhou
para dentro.
Ficara sombrio o capataz.
De sobrecenho carregado, recostara-se à mesa e fora, com a
vista, seguindo aquela a quem já chamava esposa.
Sentou-se defronte dele Pereira com ar de admiração.
— E que tal? exclamou por fim... Ninguém pode contar com
mulheres, iche!
Nada retorquiu o outro.
— Sua filha, indagou ele de repente com voz muito arrastada
e parando a cada palavra, viu alguém?
Descorou o mineiro e quase a balbuciar:
— Não... isto é, viu... mas todos os dias... ela vê gente... Por que
me pergunta isso?
— Por nada...
— Não... explique-se... Você faz assim uma pergunta que me
deixa um pouco... anarquizado. Este negócio é muito, muito sério.
Dei-lhe palavra de honra que minha filha haverá de ser sua mulher...
a cidade já sabe e... comigo não quero histórias... É o que lhe digo.
— Está bom, replicou ele, nada de percipitações. Toda a vida
fui assim... Já volto; vou ver onde pára o meu cavalo.
E saiu, deixando Pereira entregue a encontradas suposições.

Inocência conta a história do amor impossível entre Cirino, um Decorreram dias, sem que os dois tocassem mais no assunto
prático de farmácia que se apresenta como médico, e Inocência, que lhes moía o coração. Ambos, calmos na aparência, viviam vida
jovem de família tradicional do sertão do Mato Grosso. Os dois se comum, visitavam as plantações, comiam juntos, caçavam e só se
conhecem por intermédio de Pereira, pai de Inocência, que oferece separavam à hora de dormir, quando o mineiro ia para dentro e
abrigo a Cirino em troca da cura de sua filha, vítima da malária. Manecão para a sala dos hóspedes.
Com a convivência, os dois se apaixonam. A realização amorosa Inocência não aparecia.
é impedida, porém, pelo fato de Inocência já estar prometida a Mal saia do quarto, pretextando recaída de sezões: entretanto,
Manecão, homem violento que põe fim à história de amor dos não era o seu corpo o doente, não; a sua alma, sim, essa sofria morte
jovens. e paixão; e amargas lágrimas, sobretudo à noite, lhe inundavam o
Segue um trecho da obra Inocência. rosto.
“Descrever o abalo que sofreu Inocência ao dar, cara a cara com — Meus Deus, exclamava ela, que será de mim? Nossa Senhora
Manecão fora impossível Debuxaram-se-lhe tão vivos na fisionomia da Guia me socorra. Que pode uma infeliz rapariga dos sertões
o espanto e o terror, que o reparo, não só da parte do noivo, como contra tanta desgraça? Eu vivia tão sossegada neste retiro, amparada
do próprio pai habitualmente tão despreocupado, foi repentino. por meu pai... que agora tanto medo me mete... Deus do céu,
— Que tem você? perguntou Pereira apressadamente. piedade, piedade.

— Homem, a modos, observou Manecão com tristeza, que E de joelhos, diante de tosco oratório alumiado por esguias velas
meto medo a senhora dona... de cera, orava com fervor, balbuciando as preces que costumava
recitar antes de se deitar.
Batiam de comoção os queixos da pobrezinha: nervoso estre-
mecimento balanceava-lhe o corpo todo. Uma noite, disse ela:

A ela se achegou o mineiro e pegou-lhe no braço. — Quisera uma reza que me enchesse mais o coração... que
mais me aliviasse o peso da agonia de hoje...
— Mas você não tem febre?... Que é isto, rapariga de Deus?
E, como levada de inspiração, prostrou-se murmurando:
Depois, meio risonho e voltando-se para Manecão:
— Minha Nossa Senhora mãe da Virgem que nunca pecou, ide
— Já sei o que é... Ficou toda fora de si... vendo o que não
adiante de Deus. Pedi-lhe que tenha pena de mim... que não me
contava ver... Vamos, Nocência, deixe-se de tolices.
deixe assim nesta dor cá de dentro tão cruel. Estendei a vossa mão
62 LITERATURA
1ª Série Módulo 29

sobre mim. Se é crime amar a Cirino, mandai-me a morte. Que Prosseguiu então Inocência com muita rapidez, as faces
culpa tenho eu do que me sucede? Rezei tanto, para não gostar deste incendiadas de rubor:
homem! Tudo... tudo... foi inútil! Por que então este suplício de todos — Conto-lhe tudo papai... Não me queira mal... Foi um sonho...
os momentos? Nem sequer tem alívio no sono? Sempre ele... ele! O outro dia, antes de Manecão chegar, estava sesteando e tive um
Às vezes, sentia Inocência em si ímpetos de resistência: era a sonho... Neste sonho, ouviu, papai? minha mãe vinha descendo
natureza do pai que acordava, natureza forte, teimosa. do céu... Coitada! estava tão branca que metia pena... Vinha bem
— Hei de ir, dizia então com olhos a chamejar, à igreja, mas de limpa, com um vestido todo azul... leve, leve!
rastos! No rosto do padre gritarei: Não, não!... Matem-me... mas — Sua mãe? balbuciou Pereira tomando de ligeiro assombro.
eu não quero... — Nhor-sim, ela mesma...
Quando a lembrança de Cirino se lhe apresentava mais viva, — Mas você não a conheceu! Morreu, quando você era
estorcia-se de desespero. A paixão punha-lhe o peito em fogo... pequetita...
— Que é isto, Santo Deus? Aquele homem me teria botado um — Não faz nada, continuou Inocência, logo vi que era minha
mau olhado? Cirino, Cirino, volta, vem tomar-me... leva-me!... eu mãe... Olhava para mim tão amorosa!... Perguntou-me: Cadê seu
morro! Sou tua, só tua... de mais ninguém. pai? Respondi com medo: Está na roga; quer mecê, que ele venha?
E caía prostrada no leito, sacudida por arrepios nervosos. — Não, me disse ela, não é preciso; diga-lhe a ele que eu vim
Um dia, entrou inesperadamente Pereira e achou-a toda até cá, para não deixar Manecão casar com você, porque há de ser
lacrimosa. infeliz... muito!... muito!...
Vinha sereno, mas com ar decidido. — E depois? perguntou Pereira levantando a cabeça com ar
— Que tem você, menina, perguntou ele, meio terno, de alguns sombrio, girando os olhos.
dias para cá? — Depois... disse mais... Se esse homem casar com você, uma
Inocência encolheu-se toda como uma pombinha que se sente grande desgraça há de entrar... nesta casa que foi minha e onde não
agarrar. haverá mais sossego. Bote seu pai bem sentido nisso. E sem mais
palavra, sumiu-se como uma luz que se apaga.
Puxou-a brandamente o pai e fê-la sentar no seu colo.
Cravou Pereira olhar inquiridor na filha.
— Vamos, que é isto, Nocência? Por que se socou assim no
quarto?... Manecão lá fora a toda a hora está perguntando por você... Uma suspeita lhe atravessou o espírito.
Isto não bonito... É, ou não, o seu noivo? — Que sinal tinha sua mãe no rosto?
Redobraram as lágrimas. Inocência empalideceu.
— Mulher não deve atirar-se a cara dos homens... mas também Levando ambas as mãos à cabeça e prorrompendo em ruidoso
é bom não se canhar assim... É de enjoada... Um marido quase, pranto, exclamou:
como ele já é... — Não sei... eu estou mentindo... Isto tudo é mentira! mentira!
De repente o pranto de Inocência cessou. Não vi minha mãe!... Perdão, minha mãe, perdão!
Desvencilhou-se dos braços do pai e, de pé diante dele, E, caindo de bruços sobre a cama, ficou imóvel com os cabelos
encarou-o com resolução: espargos pelas espáduas.
— Papai, sabe por que tudo isto? Contemplou-a Pereira largo tempo sem saber que pensar, que
— Sim. dizer.
— É porque eu... não devo... Súbito se inclinou sobre o corpo da filha e ao ouvido lhe
segredou com muita energia:
— Não devo o quê?
— Nocência, daqui a bocadinho Manecão chega da roça... você
— Casar.
há de ir para a sala... se não fizer boa cara, eu a mato.
Arregalou Pereira os olhos e de espanto abriu a boca.
E erguendo a voz:
— Que? perguntou ele elevando muito a voz...
— Ouviu? Eu a mato!... Quero antes vê-la morta, estendida, do
Compreendeu a pobrezinha que a lata ia travar-se. Era chegado que... a casa de um mineiro desonrada...
o momento.
Às pressas saiu do quarto, deixando Inocência na mesma
Revestiu-se de toda coragem. posição.
— Sim, meu pai, este casamento não deve fazer-se. — Pois bem, murmurou ela, já que é preciso... morra eu!”
— Você está doida? observou Pereira com fingida tranquilidade.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. Ed. São Paulo: Ática, 2001.
Romantismo no Brasil: romance regionalista LITERATURA 63
Módulo 29 1ª Série

O sucesso de Inocência se deve, entre outros fatores, a uma contra o castelhano Barreda, homem responsável pelo assassinato
interessante contraposição entre realidade e ficção existente na de seu pai. O juramento só pode ser cumprido em idade adulta,
obra. Embora a história de amor entre os jovens fosse fictícia, os durante a Guerra dos Farrapos. Também faz parte do enredo a
costumes e valores trazidos por ela eram muito verdadeiros. O história de amor entre Manuel Canho e Catita.
interior do Brasil realmente era, assim como retratado por Taunay,

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extremamente tradicionalista e patriarcal. Outro dado do romance
que condizia com a realidade era a linguagem. No livro, a fala dos
personagens é marcada por expressões características do sertão
mato-grossense.

1.1.2 Franklin Távora


João Franklin da Silveira Távora (1842-1888) foi um autor
cearense de diversos talentos: além de romancista, atuava como
contista, crítico, teatrólogo, historiador e advogado. Em 1876, lançou
a teoria da “literatura do Norte”, por meio da qual defendia que
apenas essa região apresentava os elementos realmente brasileiros.
Ele contrapunha ao que chamava de “literatura do Sul”, cujo
principal expoente era José de Alencar. A esse autor, Franklin Távora
fazia duras críticas: afirmava que Alencar se apoiava em modelos
Em O sertanejo, de 1875, a história se passa em Quixeramobim,
estrangeiros, além de desconhecer muitos dos cenários descritos.
no Ceará. O personagem principal, Arnaldo Loredo, é filho de um
Em O Cabelereira, seu vaqueiro da região. Quando ainda criança, Arnaldo se apaixona
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principal romance, o autor por Flor, filha do capitão-mor Gonçalo Pires Campelo. Durante a
conta a história de José Gomes, história, Arnaldo se ocupa em defender a amada dos mais diversos
o “Cabeleira”. O personagem perigos.
principal, um bandido, passa No trecho a seguir, o protagonista arrisca sua vida para salvar
por uma drástica mudança Dona Flor de um perigo imediato, provocado por um incêndio.
ao se apaixonar por Luisinha, A ação nos faz lembrar, sem esforço, cenas típicas das lendas
uma amiga de infância a qual cavalheirescas da Idade Média:
encontra em uma fuga. A rege- “O incêndio, causado por alguma queimada imprudente,
neração por meio do amor propagava-se com fulminante rapidez pelas árvores mirradas que
sofrida por Cabeleira possibilita não passavam então de uma extensa mata de lenha. A labareda,
que Távora sustente a tese de como a língua sanguinolenta da hidra, lambia os galhos ressequidos,
que o bandido poderia ter um que desapareciam tragados pela fauce hiante do monstro.
destino diferente caso crescesse com condições de vida mais No seio do denso pegão do fumo, que já submergia toda a
favoráveis. selva, rebolcava-se o incêndio como um ninho de serpentes, que
Os temas trazidos por Franklin Távora – a seca, a miséria e o se arremetiam furiosas, enristando o colo, brandindo a cauda e
cangaço, por exemplo – serão retomados alguns anos depois por desferindo silvos medonhos.
autores modernistas como Graciliano Ramos, Jorge Amado e José Ao mesmo tempo parecia que a tormenta percorria a floresta e
Lins do Rego. Por conta disso, Távora é conhecido como fundador a devastava. Ouvia-se muir o vento, agitado pelo ressolho ardente e
do regionalismo do Nordeste, veia da ficção brasileira que ainda ruidoso das chamas; um trovão soturno repercutia nas entranhas da
iria gerar muitos outros frutos. terra, e a cada instante, no meio do constante estridor da ramagem,
reboavam com os surdos baques dos troncos altaneiros os estertores
1.1.3 José de Alencar da floresta convulsa.
Do meio desse torvelinho, o dragão de fogo se arremessava
Acostumado a escrever histórias ambientadas na capital, José de desfraldando as duas asas flamantes, cujo bafo abrasado já crestava
Alencar desloca seu olhar para áreas mais remotas em seus romances as faces mimosas de D. Flor, e a revestiam de reflexos purpúreos.
regionalistas. Eles trazem como característica em comum a presença Entre as duas torrentes ígneas que transbordavam inundando
de personagens marcados pela superação das dificuldades impostas o campo e não tardavam sossobrá-lo, a donzela não desanimou, e
por um cenário adverso. Dentre os quatro romances regionalistas fez um supremo esforço para arrancar seu cavalo do estupor que
escritos por ele, podemos destacar dois: O gaúcho e O sertanejo. lhe causava o terror do incêndio.
O romance O gaúcho, publicado em 1870, conta a história de Negros rolos de fumo, porém, a envolveram, e sufocada pelo
Manuel Canho, sobrinho de Bento Gonçalves. Ele jura vingança vapor ela sentiu desfalecer-lhe a vida.
64 LITERATURA
1ª Série Módulo 29

Então com um gesto de sublime resignação cruzou as mãos Arrojou-se o mancebo intrepidamente nessa voragem. Estrei-
ao peito, reclinou a linda fronte, e abandonou-se à morte cruel tando com o braço direito o corpo da donzela cujo busto envolvera
que vinha ceifar-lhe sem piedade a primícia de sua beleza, quando em seu gibão de couro, com um leve aceno da mão esquerda
apenas desabrochava. suspendia pelas rédeas o bravo campeador que, de salto em salto,
Nenhum grito lhe rompeu do seio nessa tremenda angústia; transpôs aquelas torrentes de fogo, como tantas vezes sobrepujara
com o nobre pudor das almas altivas recalcou o supremo gemido, e os rios caudalosos, abarrotados pelas chuvas do inverno.
em seus lábios mimosos a voz feneceu exalando apenas esta palavra, Fustigado pelas chamas que já o atingiam, e instigado também
que resumia toda a sua aflição: do exemplo, o baio, saindo afinal do torpor que dele se apossara,
— Jesus!… O corpo desmaiado resvalou pelo flanco do baio, disparou à cola do brioso campeador; porém, menos intrépido e
mas não chegou a cair. Um braço robusto o suspendeu quando já ágil, muitas vezes tropeçou no braseiro, donde a custo pôde safar-se.
a fralda do roupão de montar arrastava pelo chão. Para rodear a coluna de fogo que lhe cortava o caminho da
Apenas o sertanejo conheceu o perigo em que se achava a fazenda, teve o sertanejo de dar grande volta, que o levou aos fundos
da habitação, completamente deserta nesse momento, pois todos
donzela, rompeu-lhe do seio um grito selvagem, o mesmo grito
os moradores e gente do serviço, avisados pelo toque da trombeta,
que fazia estremecer o touro nas brenhas e que dava asas ao seu haviam acorrido para o terreiro da frente a receber os donos e
bravo campeador. festejar a chegada.
No mesmo instante achava-se perto da moça, a quem tomara Saltou o mancebo em terra sem esperar auxílio, e atravessando
nos braços. Para salvá-la era preciso voltar antes de fechar-se o a varanda deitou o corpo desfalecido de D. Flor no longo canapé
círculo de fogo, que já o cingia por todos os lados com exceção da de couro adamascado, que ornava a sala principal.
estreita nesga de terra por onde acabava de passar. Compôs rapidamente, mas com extrema delicadeza, as amplas
dobras da saia de montar, para que não ofendessem o casto recato
Não houve de sua parte a mínima demora; o campeador
da donzela, descobrindo-lhe a ponta do pé, nem desconsertassem
devorou o espaço, e não se poderia dizer que chegara, pois sem a graciosa postura dessa linda imagem adormecida. Com os olhos
parar voltara sobre os pés. Mas o incêndio tinha as asas do dragão; enlevados na contemplação da formosa dama, agitava como leque
retrocedendo, achou-se o sertanejo em face de um bulcão de chamas a aba de seu chapéu do couro, refrescando-lhe o rosto.”
que o investia.
ALENCAR, José de. O sertanejo. 13 ed. São Paulo: Ediouro, s/d.
As duas trombas de fogo, que desfilavam pelo campo fora, se
haviam encontrado, não frente a frente, mas entrelaçando-se, de Tanto em O gaúcho quanto em O sertanejo, o que se destaca
modo que deixavam ainda, de espaço em espaço, restingas de mato é o cuidado de José de Alencar em retratar os valores e costumes
poupadas pelas chamas. da região, além de apresentar as suas características naturais e
especificidades linguísticas.

A variação linguística Nos dias de hoje, continua presente a preocupação com a


Se você já viajou para outros estados do Brasil ou tem algum manutenção do patrimônio linguístico brasileiro por meio da
colega que veio de uma região diferente da sua, deve ter reparado exaltação da variação linguística regional. No Enem, por exemplo,
que nós, brasileiros, falamos a mesma língua, mas não necessa- pelo menos duas habilidades têm essa variação como um dos
riamente da mesma forma. De região para região, e até mesmo de focos. São elas: a habilidade 20, que fala sobre a “importância
estado para estado, percebemos variações lexicais (vocabulário) do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da
e fonológicas (sotaque). Longe de serem um aspecto negativo identidade nacional”; e a habilidade 25, que exalta a importância
ou um elemento que dificulta a comunicação, essas variações de “reconhecer, em textos de diferentes gêneros, as marcas
são justamente o que torna a nossa língua um sistema tão rico. linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais,
regionais e de registro”.
Porém, esse fenômeno não é uma exclusividade de nossa época.
Já no século XIX, e antes mesmo dele, as mudanças eram visíveis.
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Os autores românticos, inclusive, estavam a elas atentos, como


deixam claro os seus romances regionais. Neles, a preocupação
com a linguagem é recorrente e aparece principalmente por meio
da tentativa de reproduzir o modo de falar típico da região que
escolhiam para retratar. Muito além de manter a verossimilhança,
o cuidado com a linguagem vai ao encontro do projeto romântico
de construção da identidade nacional. A afirmação de nossa
língua como uma língua rica e diferente, em diversos aspectos, da
língua portuguesa de Portugal era um importante passo em nosso
processo de emancipação cultural.
Romantismo no Brasil: romance regionalista LITERATURA 65
Módulo 29 1ª Série

05 Em relação aos personagens – típicos do romance regionalista,


pode-se dizer que:
Texto I
(A) apresentam perfeita integração com a natureza que os cerca.
É a tarde que chega. (B) são jovens, belos, fortes e vivem de acordo com os costumes
Desperta então o viajante; esfrega os olhos; distende preguiço- burgueses.
samente os braços; boceja; bebe um pouco d’água; fica uns instantes (C) constituíam o verdadeiro herói americano, visto a influência
sentado, a olhar de um lado para outro, e corre afinal a buscar o de sua cultura nativa.
(D) são jovens que buscam apenas a superação de problemas
animal, que de pronto encilha e cavalga.
financeiros.
(...) (E) são heróis mais realistas, visto que se casam por interesses
Quanta melancolia baixa à terra com o cair da tarde! econômicos.
(...)
Quem viaja atento às impressões íntimas, estremece, mau
grado seu, ao ouvir nesse momento de saudades o tanger de um
sino muito, muito ao longe, ou o silvar distante de uma locomotiva 01
impossível. São insetos ocultos na macega que trazem essa ilusão,
O sertão e o sertanejo
por tal modo viva e perfeita que a imaginação, embora desabusada
e prevenida, ergue o voo e lá vai por estes mundos afora a doidejar Ali começa o sertão chamado bruto. Nesses campos, tão
e a criar mil fantasias, diversos pelo matiz das cores, o capim crescido e ressecado pelo
ardor do Sol transforma-se em vicejante tapete de relva, quando
***
lavra o incêndio que algum tropeiro, por acaso ou mero desenfado,
Espalham-se, por fim, as sombras da noite.
ateia com uma faúlha do seu isqueiro. Minando à surda na touceira,
O sertanejo que de nada cuidou, que não ouviu as harmonias
da tarde, nem reparou nos esplendores do céu, que não viu a tristeza queda a vívida centelha. Corra daí a instantes qualquer aragem, por
a pairar sobre a terra, que de nada se arreceia, consubstanciado débil que seja, e levanta-se a língua de fogo esguia e trêmula, como
como está com a solidão, para, relanceia os olhos ao derredor de si que a contemplar medrosa e vacilante os espaços imensos que se
e, se no lagar pressente alguma aguada, por má que seja, apeia-se, alongam diante dela. O fogo, detido em pontos, aqui, ali, a consumir
desencilha o cavalo e reunindo logo uns gravetos bem secos, tira
com mais lentidão algum estorvo, vai aos poucos morrendo até se
fogo do isqueiro, mais por distração do que por necessidade.
extinguir de todo, deixando como sinal da avassaladora passagem
Sente-se deveras feliz. Nada lhe perturba a paz do espírito ou o
bem-estar do corpo. Nem sequer monologa, como qualquer homem o alvacento lençol, que lhe foi seguindo os velozes passos. Por toda
acostumado a conversar. a parte melancolia; de todos os lados tétricas perspectivas. É cair,
porém, daí a dias copiosa chuva, e parece que uma varinha de fada
TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle Visconde de. Inocência. São Paulo: Ática, 2010.
andou por aqueles sombrios recantos a traçar às pressas jardins
encantados e nunca vistos. Entra tudo num trabalho íntimo de
Texto II
espantosa atividade.
A metáfora romântica mais simples é sempre a que se funda
sobre alguma correlação entre paisagem e estado de alma. TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle Visconde de. Inocência. São Paulo Ática, 2010.
Alfredo Bosi
O romance romântico teve fundamental importância na formação
01 Em que frase do texto de Taunay, o narrador, por meio do da ideia de nação. Considerando o trecho acima, é possível reco-
emprego do discurso indireto livre, confirma a afirmativa do nhecer que uma das principais e permanentes contribuições do
professor Bosi? Romantismo para construção da identidade da nação é a:

02 Retire do texto o adjetivo que caracteriza o estado de alma do (A) possibilidade de apresentar uma dimensão desconhecida da
sertanejo, que se apresenta em desarmonia com a natureza. natureza nacional, marcada pelo subdesenvolvimento e pela
falta de perspectiva de renovação.
03 Em que parágrafo o narrador comenta uma outra característica (B) consciência da exploração da terra pelos colonizadores e pela
do Romantismo comumente denominada evasão? Transcreva esse classe dominante local, o que coibiu a exploração desenfreada
trecho. das riquezas naturais do país.
(C) construção, em linguagem simples, realista e documental, sem
04 Aponte a afirmativa que apresenta um traço comum do romance fantasia ou exaltação, de uma imagem da terra que revelou o
regionalista: quanto é grandiosa a natureza brasileira.
(D) expansão dos limites geográficos da terra, que promoveu o
(A) Retrato da vida na corte. sentimento de unidade do território nacional e deu a conhecer
(B) Divulgação de aspectos locais do interior. os lugares mais distantes do Brasil aos brasileiros.
(C) Descrição dos costumes burgueses. (E) valorização da vida urbana e do progresso, em detrimento do
(D) Valorização de termos de origem indígena. interior do Brasil, formulando um conceito de nação centrado
(E) Reconstituição do passado histórico do país. nos modelos da nascente burguesia brasileira.
66 LITERATURA
1ª Série Módulo 29

02 Era o nariz fino, um bocadinho arqueado; a boca pequena, e o


Inocência queixo admiravelmente torneado. Ao erguer a cabeça para tirar o
braço de sob o lençol, descera um nada a camisinha de crivo que
Depois das explicações dadas ao seu hóspede, sentiu-se o vestia, deixando nu um colo de fascinadora alvura, em que ressaltava
mineiro mais despreocupado. um ou outro sinal de nascença.
— Então, disse ele, se quiser, vamos já ver a nossa doentinha. Razões de sobra tinha, pois, o pretenso facultativo7 para sentir
— Com muito gosto, concordou Cirino. a mão fria e um tanto incerta, e não poder atinar com o pulso de
tão gentil cliente.
E, saindo da sala, acompanhou Pereira, que o fez passar por
duas cercas e rodear a casa toda, antes de tomar a porta do fundo, TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle Visconde de. Inocência. São Paulo: Ática, 2010.

fronteira a magnífico laranjal, naquela ocasião todo pontuado das Vocabulário


brancas e olorosas flores. 1
graúna: pássaro de plumagem negra, canto melodioso e hábitos eminentemente
sociais.
— Neste lugar, disse o mineiro apontando para o pomar, todos 2
livro de horas: livro de preces.
os dias se juntam tamanhos bandos de graúnas1, que é um barulho 3
secundou: respondeu.
4
lavrados: na província de Mato Grosso, colares de contas de ouro e adornos
dos meus pecados. Nocência gosta muito disso e vem sempre coser
de ouro e prata.
debaixo do arvoredo. É uma menina esquisita... 5
lobrigar: enxergar.
6
escabelo: assento.
Parando no limiar da porta, continuou com expansão: 7
facultativo: médico.
— Nem o Sr. imagina... Às vezes, aquela criança tem lembranças
e perguntas que me fazem embatucar... Aqui, havia um livro de A caracterização de Inocência confirma só parcialmente a idea-
lização da heroína romântica. Indique uma característica que
horas2 da minha defunta avó... Pois não é que um belo dia ela me
Inocência apresenta em comum com as heroínas românticas e outra
pediu que lhe ensinasse a ler? ... Que ideia! Ainda há pouco tempo que a torna diferente dessas heroínas.
me disse que quisera ter nascido princesa... Eu lhe retruquei: E
sabe você o que é ser princesa? Sei, me secundou3 ela com toda a 03
clareza, é uma moça muito boa, muito bonita, que tem uma coroa — Nem o Sr. imagina... Às vezes, aquela criança tem lembranças
de diamantes na cabeça, muitos lavrados4 no pescoço e que manda e perguntas que me fazem embatucar... Aqui, havia um livro de horas
nos homens... Fiquei meio tonto. E se o Sr. visse os modos que tem da minha defunta avó... Pois não é que um belo dia ela me pediu que
com os bichinhos?! ... Parece que está falando com eles e que os lhe ensinasse a ler?... Que ideia! Ainda há pouco tempo me disse
entende... (...) que quisera ter nascido princesa... Eu lhe retruquei: E sabe você o
Quando Cirino penetrou no quarto da filha do mineiro, era que é ser princesa? Sei, me secundou ela com toda a clareza, é uma
quase noite, de maneira que, no primeiro olhar que atirou ao moça muito boa, muito bonita, que tem uma coroa de diamantes
redor de si, só pôde lobrigar5, além de diversos trastes de formas na cabeça, muitos lavrados no pescoço.
antiquadas, uma dessas camas, muito em uso no interior; altas e
TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle Visconde de. Inocência. São Paulo: Ática, 2010.
largas, feitas de tiras de couro engradadas. (...)
Mandara Pereira acender uma vela de sebo. Vinda a luz, O trecho apresentado faz referência a crenças e valores de Inocência
aproximaram-se ambos do leito da enferma que, achegando ao e de seu pai, Pereira.
corpo e puxando para debaixo do queixo uma coberta de algodão
Apresente dois traços do comportamento de cada um desses
de Minas, se encolheu toda, e voltou-se para os que entravam.
personagens que revelam a diferença de valores entre eles. Em
— Está aqui o doutor, disse-lhe Pereira, que vem curar-te de vez. seguida, indique a modalidade de romance em que tais personagens
— Boas noites, dona, saudou Cirino. se inserem.
Tímida voz murmurou uma resposta, ao passo que o jovem, Texto I
no seu papel de médico, se sentava num escabelo6 junto à cama
O gaúcho
e tomava o pulso à doente. Caía então luz de chapa sobre ela,
iluminando-lhe o rosto, parte do colo e da cabeça, coberta por um Quantos seres habitam as estepes americanas, sejam homem,
lenço vermelho atado por trás da nuca. animal ou planta, inspiram nelas uma alma pampa. Tem grandes
virtudes essa alma. A coragem, a sobriedade, a rapidez são indígenas
Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era Inocência
da savana.
de beleza deslumbrante.
No seio dessa profunda solidão, onde não há guarida para
Do seu rosto, irradiava singela expressão de encantadora
defesa, nem sombra para abrigo, é preciso afrontar o deserto
ingenuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno que, a custo,
com intrepidez, sofrer as privações com paciência, e suprimir as
parecia coar por entre os cílios sedosos a franjar-lhe as pálpebras,
distâncias pela velocidade.
e compridos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces.
Romantismo no Brasil: romance regionalista LITERATURA 67
Módulo 29 1ª Série

Até a árvore solitária que se ergue no meio dos pampas é tipo 04 A obra O gaúcho, de José de Alencar, é uma das mais famosas
dessas virtudes. Seu aspecto tem o que quer que seja de arrojado do regionalismo romântico e elabora um interessante painel
e destemido; naquele tronco derreado, naqueles galhos convulsos, sociocultural do estado do Rio Grande do Sul, numa época muito
próxima da Guerra dos Farrapos, ocorrida em 1935. O enredo é
na folhagem desgrenhada, há uma atitude atlética. Logo se conhece
composto, inclusive, por famosas personagens históricas, como o
que a árvore já lutou com o pampeiro e o venceu. Uma terra seca e
militar brasileiro Bento Gonçalves. Tendo por base os dois primeiros
poucos orvalhos bastam à sua nutrição. A árvore é sóbria e feita às parágrafos do fragmento anterior, explique o que representou para
inclemências do sol abrasador. Veio de longe a semente; trouxe-a o o público leitor da época o contato com esse romance de cunho
tufão nas asas e atirou-a ali, onde medrou. É uma planta emigrante. regionalista.
Como a árvore, são a ema, o touro, o corcel, todos os filhos
05 Em relação ao terceiro parágrafo, aponte a figura de linguagem
bravios da savana. Nenhum ente, porém, inspira mais energica-
no qual ele é estruturado e discorra sobre a importância dessa
mente a alma pampa do que o homem, o gaúcho. De cada ser que mesma figura para o projeto ficcional do Romantismo regionalista.
povoa o deserto, torna ele o melhor; tem a velocidade da ema ou
de corça; os brios do corcel e a veemência do touro.
O coração, fê-lo a natureza franco e descortinado como a vasta
coxilha; a paixão que o agita lembra os ímpetos do furacão; o mesmo
bramido, a mesma pujança. A esse turbilhão do sentimento era
Inocência
indispensável uma amplitude de coração, imensa como a savana.
— Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo! Se não tomam
ALENCAR, José de. O gaucho. 3. ed. São Paulo: Ática, 1998.
estado, ficam jururus e fanadinhas...: se casam podem cair nas
mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias! Ih meu
Texto II
Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo... São redomas
Tal é o pampa de vidro que tudo pode quebrar... Enfim, minha filha, enquanto
Esta palavra originária da língua quíchua significa simples- solteira, honrou o nome de meus pais... O Manecão que se aguente,
mente o plaino; mas sob a fria expressão do vocábulo está viva e quando a tiver por sua... Com gente de saia não há que fiar... Cruz!
palpitante a ideia. Pronunciai o nome, com o povo que o inventou. botam famílias inteiras a perder, enquanto o demo esfrega um olho.
Não vedes no som cheio da voz, que reboa e se vai propagando Esta opinião injuriosa sobre as mulheres é em geral corrente
expirar no vago, a imagem fiel da savana a dilatar-se por horizontes nos nossos sertões e traz como consequência imediata e prática,
infindos? Não ouvis nessa majestosa onomatopeia repercutir a além da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento
surdina profunda e merencória da vasta solidão? convencionado entre parentes muito chegados para filhos de menor
Nas margens do Uruguai, onde a civilização já babujou a idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos, mal se
virgindade primitiva dessas regiões, perdeu o pampa seu belo suspeita possibilidade de qualquer intriga amorosa entre pessoa
nome americano. O gaúcho, habitante da savana, dá-lhe o nome da família e algum estranho.
de campanha.
TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle Visconde de. Inocência. São Paulo: Ática, 2010.
ALENCAR, José de. Obras Completas. 3v. Rio de Janeiro: Ed. Aguidar 1959.

Vocabulário: 01 O fragmento anterior reproduz uma opinião do personagem


Indígenas: nativas. Pereira, pai de Inocência, do romance de nome homônimo, a
Derreado: curvado, arqueado.
respeito das mulheres. Tendo por base o último parágrafo, indique
Pampeiro: vento que sopra do sul da Argentina e pode atingir o Rio Grande
do Sul. o foco narrativo estabelecido pelo narrador e explique se a postura
Medrou: cresceu. adotada pelo mesmo condiz ou não com a de uma narrativa
Brio: dignidade, honradez. tradicional.
Coxilha: campina com pequenas elevações arredondadas.
Estepe e savana: vastas planícies. 02 É possível estabelecermos alguma relação entre a idealização
Merencório: melancólico.
Reboa: fazer eco, repercutir.
feminina, tão comum no período romântico, e o comentário
Babujar: corromper, viciar. proferido por Pereira, sobre as mulheres?
LITERATURA 68

Módulo 30 1ª Série

Romantismo no Brasil: prosa romântica não-convencional

Você já ouviu a famosa frase: Malandro é


malandro, mané é mané?
Estamos familiarizados com o “jeitinho brasileiro” – é consi-
derado malandro quem o pratica. Hoje, aplicar uma conotação
negativa a tal expressão é bastante comum. Mas você sabe como
isso apareceu na literatura e tornou essa característica inerente ao
comportamento de algumas pessoas de nossa sociedade?

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Diferentemente do que aconteceu nos romances tipicamente
urbanos, Manuel Antônio de Almeida, escritor de Memórias de
um sargento de milícias, expôs em sua obra, a partir de recursos
extremamente bem-humorados, a vida mais humilde da população
brasileira do século XIX. Seu protagonista é um malandro extrema-
mente simpático, que pratica diversas aventuras ao longo do enredo.
Suas malandragens, então, são o centro da narrativa. Desvinculado
de padrões estéticos e estilísticos – como idealizações e heróis sem
defeitos – Almeida revoluciona a prosa romântica com sua literatura
Objetivos:
não convencional e se distancia dos padrões estéticos visto nas obras
– Observar as principais características dessa particularidade do
até então. Neste módulo, estudaremos as principais características C5 romance romântico.
dessas obras. – observar a modificação dos padrões estéticos das obras literárias.

1. Prosa romântica não convencional Segue um trecho retirado do romance:

A divisão, para fins didáticos, da literatura em escolas literárias, Os leitores devem já estar fatigados de histórias de travessuras de
faz, muitas vezes, com que algumas obras sejam reduzidas a uma criança; já conhecem suficientemente o que foi o nosso memorando
lista de características que podem ser facilmente decoradas. No em sua meninice, as esperanças que deu, e o futuro que prometeu.
entanto, embora as obras de autores de um mesmo estilo literário Agora vamos saltar por cima de alguns anos, e vamos ver realizadas
possuam elementos afins, não se pode deixar de considerar a algumas dessas esperanças. Agora começam histórias, se não mais
existência de um estilo individual, bem como a possibilidade do importantes, pelo menos um pouco mais sisudas.
advento de obras que se distanciam das características do Como sempre acontece a quem tem muito onde escolher, o
movimento literário em que se inserem. pequeno, a quem o padrinho queria fazer clérigo mandando-o a
Coimbra, a quem a madrinha queria fazer artista metendo-o na
No Romantismo, esse é
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Conceição, a quem D. Maria queria fazer rábula arranjando-o em


o caso de Memórias de um
algum cartório, e a quem enfim cada conhecido ou amigo queria
sargento de milícias, de Manuel
dar um destino que julgava mais conveniente às inclinações que nele
Antônio de Almeida. Situada
descobria, o pequeno, dizemos, tendo tantas coisas boas, escolheu
no início do século XIX, a
a pior possível: nem foi para Coimbra, nem para a Conceição,
história tem como protagonista
nem para cartório algum; não fez nenhuma dessas coisas, nem
o malandro Leonardo, filho de
também outra qualquer: constituiu-se um completo vadio, vadio-
Leonardo Pataca com Maria
-mestre, vadio-tipo.
das Hortaliças, portugueses
que se conheceram no navio O padrinho desesperava com isso vinte vezes em cada dia
rumo ao Brasil. Logo após por ver frustrado seu belo sonho, porém não se animava mais a
o nascimento de Leonardo, contrariar o afilhado, e deixava-o ir à sua vontade.
Maria trai seu marido e foge ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Ateliê Editorial,
para Portugal. Leonardo passa, então, a ser criado pelo seu padrinho, 2003.

um barbeiro, com a ajuda de sua madrinha, uma parteira.


São várias as características que fazem de Memórias de um
sargento de milícias um romance romântico não convencional,
a começar pela falta de idealização amorosa e de idealização
Romantismo no Brasil: prosa romântica não-convencional LITERATURA 69
Módulo 30 1ª Série

da mulher. Além disso, diferentemente do que era comum nos como o inglês Lord Byron, o americano Edgar Allan Poe e o francês
romances urbanos, ele tem como cenário não o Rio de Janeiro das Charles Baudelaire, alguns autores românticos investiram em uma
elites burguesas, mas aquele das classes mais baixas. A linguagem literatura que trazia à tona elementos como a loucura, o macabro,
utilizada se distancia da linguagem romântica, marcada pelo exagero o vício e o sexo. Os principais expoentes brasileiros dessa prosa
e pela utilização excessiva de figuras de linguagem. Por fim, a “maldita” foram Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães.
narrativa é marcada por um particular bom humor. Contrapondo-se ao racionalismo, eles produziram uma literatura
que se preocupava justamente em perscrutar os lados mais ilógicos
Outro bom exemplo de prosa romântica não convencional é a e sombrios da mente humana.
novela Jupira, de Bernardo Guimarães. Embora tenha produzido

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obras que seguiam a cartilha romântica, como o romance A escrava
Isaura, o autor sempre mostrou talento para a sátira e para o humor.
Até mesmo poemas pornográficos fazem parte de sua produção.
Em Jupira, ele conta a história da índia homônima, filha de mãe
índia com pai branco.
Distanciando-se do indianismo tradicional, Guimarães foge da
idealização do índio ao apresentar uma protagonista cujo caráter
pode ser questionado em muitos momentos da trama. Jupira é uma
personagem vingativa, que não mede esforços para conseguir o que
quer, chegando, inclusive, a cometer assassinato. A questão da misci-
genação também é trabalhada de forma crítica pelo autor: Jupira vive
entre a mata e a cidade, identificando-se ora com a cultura indígena,
de sua mãe, ora com a cultura do branco, de seu pai.
Essa é uma das obras que fazem Bernardo Guimarães ser
apontado como um antecipador da estética realista. Além do baixo Selo de 1949, nos Estados Unidos, com a imagem de Allan Poe
grau de idealização, a linguagem utilizada pelo autor se distancia
das metáforas e hipérboles largamente utilizadas pelos românticos. Das obras góticas produzidas no Romantismo brasileiro,
merece destaque Noite na taverna, de Álvares de Azevedo. Nela,
O trecho abaixo, que narra o assassinato do índio Baguari por
o autor reuniu uma série de contos que, embora apresentem certa
Jupira, é um bom exemplo disso:
independência, estão ligados uns aos outros por um fio narrativo.
Apenas se havia afastado umas quatro ou cinco braças da canoa, Como indica seu título, a obra é ambientada em uma taverna, lugar
Jupira toma o arco, e acocha-lhe uma flecha, que foi cravar-se na no qual grupos de homens se reúnem para beber e conversar. Eles
espádua. O índio arrancou um rugido de dor, e afundou-se por um começam, então, a contar algum episódio de sua vida. Cada uma
momento, apenas surgiu de novo à tona d’água, nova flecha voou do dessas narrativas constitui um dos contos que compõem o livro, as
arco de Jupira e foi cravar-se na outra espádua do índio. Nenhuma quais apresentam temas bizarros como necrofilia, antropofagia
das flechas, porém, havia penetrado muito fundo, e nem lhe tolhiam e incestos.
o movimento dos braços; o índio, enfurecido, lançou-se sobre a
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canoa, a qual, também não sendo governada, vinha rapidamente


sobre ele, levada pela torrente. Quem o visse então com aquelas duas
hastes emplumadas sobre o dorso, cuidaria ver um dragão alado
arrojando-se sobre a canoa para devorar a infeliz menina. Jupira,
que o esperava de pé, com um feroz sorriso de triunfo, deixou-o
chegar, e quando o índio enfurecido ia deitar a mão ao bordo da
pequena igara, descarregou-lhe com toda a força o remo sobre a
cabeça e arrebatou-lhe o crânio. O índio desapareceu, e foi surgir
um pouco abaixo à flor d’água entre uma multidão de peixes que,
saltitando, devoravam o sangue e os miolos que escorriam do crânio
do desventurado cacique.
GUIMARÃES, Bernardo. Jupira.

2. A prosa gótica
Outro tipo de prosa que encontrou espaço, ainda que reduzido,
no Romantismo, foi a gótica. Inspirados em escritores estrangeiros
Álvares de Azevedo
70 LITERATURA
1ª Série Módulo 30

O trecho abaixo pertence a um dos contos do livro, cujo estrangeira. Dessa forma, ao investir em textos teatrais, o Roman-
narrador é o personagem Solfieri: tismo dava um passo à frente no tão almejado processo de formação
da literatura brasileira.
Eu me encostei à aresta de um palácio. A visão desapareceu no
escuro da janela e daí um canto se derramava. Não era só uma voz Assim como acontecia com os romances românticos, o principal
melodiosa: havia naquele cantar um como choro de frenesi, um público das peças teatrais românticas eram os membros da corte.
como gemer de insânia: aquela voz era sombria como a do vento a Além de ser uma grande diversão em tempos de escassas formas de
noite nos cemitérios cantando a nênia das flores murchas da morte. entretenimento, o sucesso do teatro também pode ser creditado ao fato
de que muitas pessoas não sabiam ler. Dessa forma, assistir a peças era
Depois o canto calou-se. A mulher apareceu na porta. Parecia
uma interessante alternativa à leitura de livros.
espreitar se havia alguém nas ruas. Não viu a ninguém – saiu. Eu
segui-a. Muitos autores românticos enveredaram, em suas peças, para
A noite ia cada vez mais alta: a lua sumira-se no céu, e a chuva os temas históricos. É o caso de Gonçalves Dias. Além de ser o
caía as gotas pesadas: apenas eu sentia nas faces caírem-me grossas principal nome da poesia da primeira geração romântica, foi autor de
lágrimas de água, como sobre um túmulo prantos de órfão. textos dramáticos. Distanciando-se do indianismo recorrente em sua
Andamos longo tempo pelo labirinto das ruas: enfim ela parou: literatura, o autor produziu textos teatrais que lidavam com questões
estávamos num campo. mais universais, como Leonor de Mendonça, o principal deles.
Aqui, ali, além eram cruzes que se erguiam de entre o ervaçal. Outro poeta romântico a se interessar pelos textos teatrais foi
Ela ajoelhou-se. Parecia soluçar: em torno dela passavam as aves Álvares de Azevedo. Sua única peça produzida, Macário, coloca em
da noite. cena uma realidade com a qual o autor estava muito acostumado:
Não sei se adormeci: sei apenas que quando amanheceu a das repúblicas de estudantes de São Paulo. Pertencente à face
achei-me a sós no cemitério. Contudo a criatura pálida não fora Caliban do poeta, a peça trazia à tona a atmosfera “mal do século”,
uma ilusão – as urzes, as cicutas do campo santo estavam quebradas muito presente nas obras da segunda geração romântica. Além disso,
junto a uma cruz. também estava em consonância com a produção gótica de Álvares
O frio da noite, aquele sono dormido a chuva, causaram-me de Azevedo. O diálogo entre Macário, personagem principal que
uma febre. No meu delírio passava e repassava aquela brancura de dá nome à peça, e Satã é prova disso.
mulher, gemiam aqueles soluços e todo aquele devaneio se perdia José de Alencar, prolífico escritor de romances, também
num canto suavíssimo... se interessou pelos textos dramáticos. Assim como ocorria em
Um ano depois voltei a Roma. Nos beijos das mulheres nada seus romances urbanos, Alencar colocou em discussão questões
me saciava: no sono da saciedade me vinha aquela visão. brasileiras importantes. Um exemplo disso são suas duas principais
Uma noite, e após uma orgia, eu deixara dormida no leito peças, Mãe e O demônio familiar, que trazem como principal tema
dela a condessa Barbara. Dei um último olhar àquela forma nua e a escravidão.
adormecida com a febre nas faces e a lascívia nos lábios úmidos,
Embora Gonçalves Dias,

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gemendo ainda nos sonhos como na agonia volutuosa do amor.
Álvares de Azevedo e José de
– Saí. – Não sei se a noite era límpida ou negra – sei apenas que a
Alencar tenham produzido
cabeça me escaldava de embriaguez. As taças tinham ficado vazias
importantes peças românticas,
na mesa: nos lábios daquela criatura eu bebera até a última gota o
nenhum deles alcançou, nesse
vinho do deleite.
meio, tanto sucesso quanto
Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas
Martins Pena. Fundador da
passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As
comédia brasileira, seus textos
luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era
teatrais eram leves e bem-
o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte
-humorados. Era por meio do
na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos
riso que ele criticava uma série
mal apertados... Era uma defunta! ... e aqueles traços todos me
de elementos da realidade Martins Pena
lembraram uma ideia perdida. . —Era o anjo do cemitério? Cerrei
brasileira.
as portas da igreja, que, ignoro por que, eu achara abertas. Tomei o
É possível observar como isso acontece no texto abaixo,
cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo.”
retirado de sua peça O juiz de paz na roça. Nele, coloca-se em xeque
a integridade do juiz, que faz uso de sua posição de autoridade
AZEVEDO, Álvares de. Noite na taverna. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br>. para beneficiar a si mesmo. Mesmo se passando no século XIX, a
discussão é bastante atual.
3. Teatro romântico
Escrivão: (lendo) Diz João de Sampaio que, sendo ele senhor
Os autores românticos se ocuparam também com a produção
absoluto de um leitão que teve a porca mais velha da casa, aconteceu
de peças teatrais. No Brasil, o teatro, assim como as outras mani-
que o dito acima referido leitão furasse a cerca do Sr. Tomás pela
festações artísticas, apresentava grande dependência da produção
Romantismo no Brasil: prosa romântica não-convencional LITERATURA 71
Módulo 30 1ª Série

parte de trás, e com sem-ceremônia que tem todo o porco, fossasse 02 Das alternativas abaixo, indique a que contraria as caracterís-
a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. juiz, que o ticas mais significativas do romance Memórias de um sargento de
leitão, carece agora advertir, não tem culpa, porque nunca vi um milícias, de Manuel Antônio de Almeida:
porco pensar como o cão, que é outra qualidade de alimária e que (A) Romance de costumes que descreve a vida da coletividade
pensa às vezes como um homem. Para V. Sa não pensar que minto, urbana do Rio de Janeiro, na época de D. João VI.
lhe conto uma história: a minha cadela Troia, aquela mesma que (B) Narrativa de malandragem, já que Leonardo, personagem
escapou de morder a V. Sa naquela noite, depois que lhe dei uma principal, encarna o tipo do malandro amoral que vive o
tunda nunca mais comeu na cuia com os pequenos. Mas vou a presente, sem qualquer preocupação com o futuro.
(C) Livro que se liga aos romances de aventura, marcado por
respeito de dizer que o Sr. Tomás não tem razão em querer ficar com
intenção crítica contra a hipocrisia, a venalidade, a injustiça e
o leitão só porque comeu três ou quatro cabeças de nabo. Assim,
a corrupção social.
peço a V. S.a que mande entregar-me o leitão. E.R.M. (D) Obra considerada de transição para um novo estilo de época,
Juiz: É verdade, Sr. Tomás, o que o Sr. Sampaio diz? ou seja, o Realismo/Naturalismo.
Tomás: É verdade que o leitão era dele, porém agora é meu. (E) Romance histórico que pretende narrar fatos de tonalidade
heroica da vida brasileira, como os vividos pelo Major Vidigal,
Sampaio: Mas se era meu, e o senhor nem mo comprou, nem ambientados no tempo do rei.
eu lho dei, como pode ser seu?
Tomás: É meu, tenho dito. 03 Sobre o romance Memórias de um sargento de milícias, de
Sampaio: Pois não é, não senhor. (Agarram ambos no leitão e Manuel Antônio de Almeida, é correto afirmar:
puxam, cada um para sua banda.)
(A) Trata-se de uma obra com evidentes convicções políticas de
Juiz: (levantando-se) Larguem o pobre animal, não o matem! ordem liberal, com descrições minuciosas da vida campestre
Tomás: Deixe-me, senhor! do século XIX. É justamente pelo seu processo descritivo
Juiz: Sr. Escrivão, chame o meirinho. (os dois apartam-se) que o livro vem sendo caracterizado como paradigmático do
Espere, Sr. Escrivão, não é preciso. (assenta-se) Meus senhores, só Realismo brasileiro, sobretudo pela crítica que faz ao trabalho
escravo.
vejo um modo de conciliar esta contenda, que é darem os senhores
(B) O fio condutor da narrativa é o trabalho escravo. Nesses termos,
este leitão de presente a alguma pessoa. Não digo com isso que a obra, conduzida segundo os preconceitos vigentes em torno
mo deem. do casamento, do dinheiro e da vida política, tem em seu herói,
Tomás: Lembra Vossa Senhoria bem. Peço licença a Vossa Leonardo Pataca, o símbolo do povo brasileiro.
Senhoria para lhe oferecer. (C) O fio condutor da narrativa é o trabalho escravo. Nesses termos,
a obra, de cunho fortemente regional, procura retratar o sertão
Juiz: Muito obrigado. É o senhor um homem de bem, que não
bruto, criando tipos populares e folclóricos. Suas mulheres e
gosta de demandas. E que diz o Sr. Sampaio? homens são marcados pela perpétua sujeição à necessidade,
Sampaio: Vou a respeito de dizer que se Vossa Senhoria aceita, sentida como destino a ser cumprido por cada um.
fico contente. (D) Por se ambientar numa época pretérita (o Rio de Janeiro sob
Juiz: Muito obrigado, muito obrigado! Faça o favor de deixar o domínio de D. João VI), o método de composição do livro
ver. Ó homem, está gordo, tem toucinho de quatro dedos! Com aproxima sua narrativa da crônica histórica. Além disso, há nele
um aspecto representativo da sociedade da época: a construção
efeito! Ora, Sr. Tomás, eu que gosto tanto de porco com ervilha!
dos personagens, especialmente Leonardo, “filho de uma pisadela
Tomás: Se Vossa quer, posso mandar algumas. e de um beliscão”, segundo os tipos e costumes do Rio antigo.
Juiz: Faz-me muito favor. Tome o leitão e bote no chiqueiro (E) A partir da vida de Leonardo, “filho de uma pisadela e de um
quando passar. Sabe aonde é? beliscão”, o leitor pode se informar sobre a condição familiar
brasileira do século XIX nos meios rurais e urbanos. Os traços
Tomás: (tomando o leitão) Sim senhor.
de composição da narrativa, visceralmente românticos, têm
Juiz: Podem se retirar, estão conciliados.” por temática a crítica ao trabalho escravo.
PENA, Martins. O juiz de paz na roça. Disponível em: <www.bdteatro.ufu.br>.
04 Sobre a literatura gótica, podemos afirmar que:

(A) idealiza os personagens e faz uso da natureza como reflexo dos


sentimentos do narrador.
(B) prioriza a observação da realidade e critica as futilidades da
01 O teatro brasileiro tem Martins Pena como um dos seus mais vida na corte.
significativos representantes. Suas obras caracterizam-se por: (C) rompe com alguns padrões românticos vigentes e se contrapõe
ao racionalismo.
(A) reproduzir os autos religiosos do século XVI.
(D) alcançou grande sucesso ao refletir o cotidiano de seus leitores.
(B) usar, como modelo, as tragédias clássicas.
(E) exalta o subjetivismo e as paixões idealizadas.
(C) realizar uma comédia de costumes.
(D) demonstrar forte influência do teatro romântico francês.
(E) construir suas peças em versos livres.
72 LITERATURA
1ª Série Módulo 30

05 É correto afirmar que a novela Jupira, de Bernardo Guimarães: (A) manifesta os sentimentos antilusitanos do autor, que enfatiza
a grosseria dos portugueses em oposição ao refinamento dos
(A) filia-se à tradicional corrente indianista romântica ao apresentar brasileiros.
uma protagonista feminina sensual e idealizada. (B) revela os preconceitos sociais do autor, que retrata de maneira
(B) corrobora com o ideal de amor romântico ao apresentar uma cômica as classes populares, mas de maneira respeitosa a
heroína que faz qualquer coisa para ficar ao lado de seu amado. aristocracia e o clero.
(C) contrapõe-se ao indianismo tradicional ao retratar uma heroína (C) reduz as relações amorosas a seus aspetos sexuais e fisiológicos,
cujo principal traço é a covardia. conforme os ditames do Naturalismo.
(D) critica o Romantismo ao demonstrar que o índio não merece (D) opõe-se ao tratamento idealizante e sentimental das relações
ser protagonista dos romances românticos. amorosas, dominante do Romantismo.
(E) contrapõe-se ao indianismo tradicional ao retratar o nativo de (E) evidencia a brutalidade das relações inter-raciais, própria do
forma menos idealizada. contexto colonial escravista.

03

Os leitores estarão lembrados do que o compadre dissera


Leia o texto a seguir e responda às questões 01 e 02.
quando estava a fazer castelos no ar a respeito do afilhado, e
Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo pensando em dar-lhe o mesmo ofício que exercia, isto é, daquele
algibebe¹ em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se porém do negócio, e arranjei-me, cuja explicação prometemos dar. Vamos agora cumprir
viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, a promessa.
alcançou o emprego de que o vemos empossado, o que exercia, Se alguém perguntasse ao compadre por seus pais, por seus
como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no parentes, por seu nascimento, nada saberia responder, porque nada
mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria de hortaliça, sabia a respeito. Tudo de que se recordava de sua história reduzia-se
quitandeira das praças de Lisboa, saloia² rechonchuda e bonitona. a bem pouco.
O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua Quando chegara à idade de dar acordo da vida achou-se em
mocidade mal apessoado, e sobretudo era maganão³. Ao sair do casa de um barbeiro que dele cuidava, porém que nunca lhe disse
Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo se era ou não seu pai ou seu parente, nem tampouco o motivo por
fingiu que passava distraído junto dela, e com o ferrado sapatão que tratava da sua pessoa. Também nunca isso lhe dera cuidado,
assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se nem lhe veio a curiosidade de indagá-lo.
já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e
Esse homem ensinara-lhe o ofício, e por inaudito milagre
deu-lhe também em ar de disfarce um tremando beliscão nas costas
também a ler e a escrever. Enquanto foi aprendiz passou em casa do
da mão esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os
seu... mestre, em falta de outro nome, uma vida que por um lado se
usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer
parecia com a do fâmulo1, por outro com a do filho, por outro com
passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de
a do agregado, e que afinal não era senão vida de enjeitado, que o
serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam
leitor sem dúvida já adivinhou que ele o era. A troco disso dava-lhe
os dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo
o mestre sustento e morada, e pagava-se do que por ele tinha já feito.
de muitos anos.
Vocabulário
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. 1
fâmulo: empregado, criado.

Vocabulário: ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias.


1
algibebe: mascate, vendedor ambulante.
2
saloia: aldeã das imediações de Lisboa. Neste excerto, mostra-se que o compadre provinha de uma situação
3
maganão: brincalhão, jovial, divertido. de família irregular e ambígua. No contexto do livro, as situações
desse tipo:
01 No excerto, o narrador incorpora elementos da linguagem usada
pela maioria dos personagens da obra, como se verifica em: (A) caracterizam os costumes dos brasileiros, por oposição aos dos
imigrantes portugueses.
(A) “aborrecera-se porém do negócio”. (B) são apresentadas como consequência da intensa mestiçagem
(B) “de que o vemos empossado”. racial, própria da colonização.
(C) “rechonchuda e bonitona”. (C) contrastam com os rígidos padrões morais dominantes no Rio
(D) “envergonhada do gracejo”. de Janeiro oitocentista.
(E) “amantes tão extremosos”. (D) ocorrem com frequência no grupo social mais amplamente
representado.
02 Neste excerto, o modo pelo qual é relatado o início do relacio- (E) começam a ser corrigidas pela doutrina e pelos exemplos do
namento entre Leonardo e Maria: clero católico.
Romantismo no Brasil: prosa romântica não-convencional LITERATURA 73
Módulo 30 1ª Série

04 — O cólera! e que importa? Não há por ora vida bastante nas


veias do homem? Não borbulha a febre ainda às ondas do vinho?
Escrivão: Pois Vossa Senhoria não sabe despachar? Não reluz em todo o seu fogo a lâmpada da vida na lanterna do
Juiz: Eu? Ora, essa é boa! Eu entendo cá disso? Ainda quando crânio?
é algum caso de umbigada, passe; mas casos sérios é outra coisa. — Vinho! vinho! Não vês que as taças estão vazias e bebemos
Eu lhe conto o que me ia acontecendo um dia. Um meu amigo me o vácuo, como um sonâmbulo?
aconselhou que, todas as vezes que eu não soubesse dar despacho,
1
Arnold-o-louro: herói de um dos romances europeus avidamente lidos por
que desse o seguinte: “Não tem lugar”. Um dia, apresentaram-me
Álvares de Azevedo. O uso desses nomes confere um “ar” europeu ao texto.
um requerimento de certo sujeito, queixando-se que sua mulher 2
Tieck: escritor romântico europeu.
não queria viver com ele, etc. Eu, não sabendo que despacho dar, dei 3
Saturnal: típica festa romana em homenagem ao deus Saturno. Em tais festas,
havia muita libertinagem e, no texto, tem o sentido de orgia.
o seguinte: “Não tem lugar”. Isto mesmo é o que queria a mulher;
porém o marido fez uma bulha de todos os diabos; foi à cidade, AZEVEDO, Álvares. Noite na taverna.
Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000. p. 565.
queixou-se ao presidente, e eu estive quase não quase suspenso.
Nada, não me aconteceu outra. Com base nos conhecimentos da obra Noite na taverna, de Álvares
Escrivão: Vossa Senhoria não se envergonha, sendo um juiz de Azevedo, é correto afirmar:
de paz? (A) Histórias como as narradas em Noite na taverna foram respon-
Juiz: Envergonhar-me de quê? O senhor ainda está muito de sáveis por um aspecto do Realismo que tematizava a imagem da
cor. Aqui para nós, que ninguém nos ouve, quantos juízes de direito virgem idealizada, inatingível pelo seu comportamento guiado
há por estas comarcas que não sabem onde têm sua mão direita, pelo recato, simplicidade e pureza.
(B) Todo o livro é marcado pelo abandono dos ideais românticos.
quanto mais juízes de paz ... E além disso, cada um faz o que sabe.
De modo irônico, as narrativas que compõem esse livro
defendem os valores de pureza campestre, impensáveis na vida
PENA, Martins. “O juiz de paz na roça”. In: O noviço. São Paulo:
O Estado de São Paulo/Klick Editora, 1997. p.126-127. urbana do Brasil oitocentista.
(C) As narrativas desse livro retratam de forma ideal a sociedade
Esse trecho de Martins Pena faz lembrar que, nos textos das peças burguesa brasileira do século XIX e são um importante exemplo
teatrais: do Realismo/Naturalismo que se anunciava no país.
(D) A obra assinala a história de mulheres pobres, animalizadas
(A) torna-se imprescindível que a narração assuma a terceira pessoa, pelo estilo de vida norteado por instintos. Refere-se também
de modo a configurar um narrador onisciente. aos dados biográficos do autor, que teria convivido com essas
(B) a tensão dramática deriva da alternância entre o ponto de vista mulheres nos anos em que residiu em São Paulo para estudar.
do narrador e a perspectiva dos personagens. (E) Noite na taverna reúne histórias nas quais comparecem todas
(C) não há ganho estético com a busca dos efeitos estilísticos as formas de horror: necrofilia, incesto, fratricídio. Desde seu
usualmente promovidos pelo discurso indireto livre. início, observa-se a imagem da morte como atavio da beleza,
(D) o narrador busca interpretar o mais fielmente possível o que um dos traços capazes de produzir o belo terrível e corrompido.
pensa ou proclama cada uma dos personagens.
(E) a encenação a que se destinam leva a que todas as frases se
formulem como discurso direto dos personagens.

05
Uma noite do século Texto I
— Silêncio, moços! Acabai com essas cantilenas horríveis! Não O garimpeiro
vedes que as mulheres dormem ébrias, macilentas como defuntos? Lúcia tinha dezoito anos, seus cabelos eram da cor do jacarandá
Não sentis que o sono da embriaguez pesa negro naquelas pálpebras brunido, seus olhos também eram assim, castanhos bem escuros.
onde a beleza sigilou os olhares da volúpia? Este tipo, que não é muito comum, dá uma graça e suavidade
— Cala-te, Johann! enquanto as mulheres dormem e Arnold-o- indefinível à fisionomia.
-louro1 cambaleia e adormece murmurando as canções de orgia de Sua tez era o meio termo entre o alvo e o moreno, que é, a meu
Tieck2, que música mais bela que o alarido da saturnal3? Quando as ver, a mais amável de todas as cores. Suas feições, ainda que não
nuvens correm negras no céu como um bando de corvos errantes, eram de irrepreensível regularidade, eram indicadas por linhas
e a lua desmaia como a luz de uma lâmpada sobre a alvura de uma suaves e harmoniosas. Era bem feita, e de alta e garbosa estatura.
beleza que dorme, que melhor noite que a passada ao reflexo das Retirada na solidão da fazenda paterna, desde que saíra da
taças? escola, Lúcia crescera como o arbusto do deserto, desenvolvendo em
— És um louco, Bertram! Não é a lua que lá vai macilenta: é o plena liberdade todas as suas graças naturais, e conservando ao lado
relâmpago que passa e ri de escárnio às agonias do povo que morre... dos encantos da puberdade toda a singeleza e inocência da infância.
aos soluços que seguem as mortualhas do cólera!
Lúcia não tinha uma dessas cinturas tão estreitas que se possam
abranger entre os dedos das mãos; mas era fina e flexível. Suas mãos
74 LITERATURA
1ª Série Módulo 30

e pés não eram dessa pequenez e delicadeza hiperbólica, de que os Lágrimas a ele? Fora loucura! Que durma, e que durma com suas
romancistas fazem um dos principais méritos das suas heroínas; lembranças negras! revivam: acordem apenas os miosótis abertos,
mas eram benfeitos e proporcionados. naquele pântano! Sobreague naquele não ser o eflúvio de alguma
Lúcia não era uma dessas fadas de formas aéreas e vaporosas, lembrança pura!
uma sílfide ou uma bayadère1, dessas que fazem o encanto dos — Bravo! Bravíssimo! Claudius, estás completamente bêbedo!
salões do luxo. Tomá-la-íeis antes por uma das companheiras de Bofé que estás romântico!
Diana, a caçadora, de formas esbeltas, mas vigorosas, de singelo — Silêncio, Bertram! Certo que esta não é uma lenda para
mas gracioso gesto. inscrever-se após das vossas: uma dessas coisas que se contem com
Todavia era dotada de certa elegância natural, e de uma delica- os cotovelos na toalha vermelha, e os lábios borrifados de vinho e
deza de sentimentos que não se esperaria encontrar em uma roceira. saciados de beijos... Mas que importa?
1
Bayadère (francês): dançarina das Índias, dançarina de teatro. Vós todos, que amais o jogo, que vistes um dia correr naquele
abismo uma onda de ouro – redemoinhar-lhe no fundo, como
GUIMARÃES, Bernardo. O garimpeiro.
Rio de Janeiro: B.L. Garnier Livreiro – Editor do Instituto, 1872. p. 14-16. um mar de esperanças que se embate na ressaca do acaso, sabeis
melhor que vertigem nos tonteia então: ideais melhor a loucura que
01 Na descrição da beleza das mulheres, os escritores nem sempre nos delira naqueles jogos de milhares de homens, onde fortuna,
se restringem à realidade, mesclando aspectos reais e ideais. Uma aspirações, a vida mesma vão-se na rapidez, de uma corrida, onde
das características do Romantismo, a esse respeito, era a forte
todo esse complexo de misérias e desejos, de crimes e virtudes que
tendência para a idealização, embora nem todos os ficcionistas a
adotassem como regra dominante. Com base nessas informações, se chama a existência se joga numa parelha de cavalos!
releia atentamente o quarto parágrafo do fragmento de O Ggarim- AZEVEDO, Álvares de. Noite na taverna. Porto Alegre: L&PM, 2006. p. 57.
peiro e identifique na descrição da personagem Lúcia uma atitude
crítica do narrador ao idealismo romântico. 02 No Romantismo, o artista traz à tona o seu mundo interior
com plena liberdade. Isso se faz presente na obra Noite na taverna,
Texto II em que cada narrador-personagem revela a sua trajetória de vida
marcada por amores frustrados ou proibidos, pelo sofrimento e
Nessa torrente negra que se chama a vida, e que corre para
pela presença frequente da morte.
o passado enquanto nós caminhamos para o futuro, também Considere o fragmento no todo do capítulo “Claudius Hermann” e
desfolhei muitas crenças, e lancei despidas as minhas roupas mais teça um comentário sobre o enfoque romântico dado pelo narrador-
perfumadas, para trajar a túnica da Saturnal! O passado é o que foi, -personagem ao amor e à vida. Exemplifique suas afirmações com
é a flor que murchou, o sol que se apagou, o cadáver que apodreceu. fatos da narrativa.

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