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1a Serie Apostila Literatura Vol 6 PDF
1a Serie Apostila Literatura Vol 6 PDF
Módulo 26 1ª Série
©iStockphoto.com/Todor Tsvetkov
inúmeros romances, amar significa sofrer. Daí a afirmação “sem
sofrimento, não há romance.”
Já o termo “romance”, como gênero, é originado a partir
do vocábulo medieval romanço – língua falada no processo de
variação cronológica do latim, na qual eram diversas histórias sobre
fantasias e aventuras eram contadas. Mais tarde, as composições
transformaram-se em romances de cavalarias.
Como gênero literário, esse romance foi passando por
processos de metamorfoses até chegar ao que conhecemos a partir Objetivos:
do século XVIII – texto em prosa com diversas particularidades; C5 – Obter um panorama da ascensão do romance;
e são essas que você aprenderá neste módulo. – observar como a estrutura desse gênero acontece.
Passou-se então, ao redor da inocente menina adormecida na Eram então perto de quatro horas; pouco tardava para
isenção de sua alma pura, uma cena horrível, porém silenciosa. amanhecer; as estrelas já iam se apagando a uma e uma; e a noite
Loredano, nos transes da dor por que passava, compreendera começava a perder o silêncio profundo da natureza quando dorme.
o que sucedia; tinha adivinhado naquela seta que o ferira a mão O índio fechou por fora a porta do quarto que dava para o
de Peri; e sem ver, sentia o índio aproximar-se terrível de ódio, de jardim, e metendo a chave na cintura, sentou-se na soleira como
vingança, de cólera e desespero pela ofensa que acabava de sofrer cão fiel que guarda a casa de seu senhor, resolvido a não deixar
sua senhora. ninguém aproximar-se.
Então o réprobo teve medo; erguendo-se sobre os joelhos Aí refletiu sobre o que acabava de passar; e acusava-se a si
arrancou convulsivamente com os dentes a seta que pregava sua mesmo de ter deixado o italiano penetrar no aposento de sua
mão à parede, e precipitou-se para o jardim, cego, louco e delirante. senhora: Peri porém caluniava-se, porque só a Providência podia ter
Nesse mesmo instante, dois segundos talvez depois que a última feito nessa noite mais do que ele; porque tudo quanto era possível à
flecha caíra no aposento, a folhagem do óleo que ficava fronteiro inteligência, à coragem, à sagacidade e à força do homem, o índio
à janela de Cecília agitou-se e um vulto embalançando-se sobre havia realizado.
ALENCAR, José de. O guarani (adaptado).
o abismo, suspenso por um frágil galho da árvore, veio cair
sobre o peitoril. O trecho lido reflete bem o ritmo de aventura imposto à
Aí agarrando-se à ombreira saltou dentro do aposento com uma narrativa romântica e tão ao gosto dos leitores da época. Contudo,
agilidade extraordinária; a luz dando em cheio sobre ele desenhou não são poucos os momentos em que a falta de verossimilhança
o seu corpo flexível e as suas formas esbeltas. prevalece. O que dizer do personagem Loredano ser surpreendido,
Era Peri. no silêncio da madrugada, com uma flechada na mão, e não emitir
sequer um grito de susto ou mesmo dor? E o sono insistente da
O índio avançou-se para o leito, e vendo sua senhora salva
jovem Ceci, que permanece inalterável mesmo diante de tanto
respirou; com efeito a menina, a meio despertada pelo rumor da
alvoroço em seu quarto? Peri, uma vez lá dentro, faz uma verdadeira
fugida de Loredano, voltara-se do outro lado e continuara o sono
faxina, mesmo com a iluminação precária.
forte e reparador como é sempre o sono da juventude e da inocência.
Por falar nos personagens, a idealização é a máxima possível:
Peri quis seguir o italiano e matá-lo, como já tinha feito aos
Ceci, ainda que adormecida, é notoriamente exaltada, e Peri, além
seus dois cúmplices; mas resolveu não deixar a menina exposta a
de ter um parágrafo inteiro somente para enaltecer seu nome, é
um novo insulto, como o que acabava de sofrer, e tratou antes de
destacado por impressionante destreza física e caráter inabalável.
velar sobre sua segurança e sossego.
Importante também é chamar a atenção para a participação tenden-
O primeiro cuidado do índio foi apagar a vela, depois fechando ciosa do narrador, ao deixar claro, no último parágrafo, que torce
os olhos aproximou-se do leito e com uma delicadeza extrema pelo protagonista, qualificando-o acima de tudo e de todos. Embora
puxou a colcha de damasco azul até ao colo da menina. o foco da narrativa seja o de terceira pessoa, a subjetividade
Parecia-lhe uma profanação que seus olhos admirassem as romântica contamina a imparcialidade esperada.
graças e os encantos que o pudor de Cecília trazia sempre vendados;
pensava que o homem que uma vez tivesse visto tanta beleza, nunca
mais devia ver a luz do dia.
Grandes nomes da literatura: José de Alencar
Depois desse primeiro desvelo, o índio restabeleceu a ordem no
aposento; deitou a roupa na cômoda, fechou a gelosia e as abas da Quem nunca ouviu falar ©Wikimedia Commons
janela, lavou as nódoas de sangue que ficaram impressas na parede de José de Alencar? O escritor
e no soalho; e tudo isto com tanta solicitude, tão sutilmente, que cearense, responsável por criar
não perturbou o sono da menina. personagens que entraram
Quando acabou o seu trabalho, aproximou-se de novo do para o imaginário popular,
leito, e à luz frouxa da lamparina contemplou as feições mimosas como Iracema, Peri e Ceci, é
e encantadoras de Cecília. o principal de nossos autores
românticos. É também o
Estava tão alegre, tão satisfeito de ter chegado a tempo de
único deles que conseguiu
salvá-la de uma ofensa e talvez de um crime; era tão feliz de vê-la
passear pelos quatro tipos de
tranquila e risonha sem ter sofrido o menor susto, o mais leve
romances: urbano, regional, histórico e indianista. Além da
abalo, que sentiu a necessidade de exprimir-lhe por algum modo
ficção, Alencar também foi autor de crônicas, dramaturgo e
a sua ventura.
escreveu críticas. É, portanto, dono de uma vasta e diversificada
Nisto seus olhos abaixando-se descobriram sobre o tapete da obra, na qual se destacam livros como Iracema, O guarani,
cama dois pantufos mimosos forrados de cetim e tão pequeninos Senhora, Lucíola, O gaúcho e As minas de prata.
que pareciam feitos para os pés de uma criança; ajoelhou e beijou-os
com respeito, como se fossem relíquia sagrada.
42 LITERATURA
1ª Série Módulo 26
(A) romance exótico; romance urbano; romance de costumes; Assinale a alternativa que não corresponde a essa afirmação:
romance medieval.
(B) romance romântico; romance de costumes; romance de (A) O amor constitui o objetivo fundamental da existência e o
aventura; romance regionalista. casamento, o fim último da vida.
(C) romance nacionalista; romance ultrarromântico; romance (B) Não há defesa intransigente do casamento e da continência
condoreiro; romance histórico. sexual anterior a ele.
(D) romance urbano; romance gótico; romance social; romance (C) A frustração amorosa leva, incondicionalmente, à morte.
regionalista. (D) Os protagonistas são retratados como personagens belos, puros
(E) romance indianista; romance de costumes; romance regiona- e corajosos.
lista; romance histórico. (E) A economia burguesa determina os gostos e a maneira de ver
o mundo ficcional romântico.
02
Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela. 05 A respeito do Romantismo no Brasil, pode-se afirmar que:
Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o
(A) sua ação nacionalista deu origem às condições políticas que
cetro; foi proclamada a rainha dos salões. propiciaram a nossa independência.
Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos (B) coincidiu com o momento decisivo de definição da nacionali-
noivos em disponibilidade. dade e colaborou para que isso ocorresse.
(C) espelhou sempre as influências estrangeiras, em nada aprovei-
Era rica e formosa. tando os costumes e a cor locais.
Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de (D) foi decisivo para o amadurecimento dos sentimentos nativistas
alabastro; dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no que culminaram na Inconfidência Mineira.
prisma do diamante. (E) ganhou relevo apenas na poesia, talvez por falta de talentos no
cultivo da ficção.
Quem não se recorda da Aurélia Camargo, que atravessou
o firmamento da Corte como brilhante meteoro, e apagou-se de
repente no meio do deslumbramento que produzira o seu fulgor?
ALENCAR, José de. Senhora (adaptado).
Texto I
Esse trecho inicia a caracterização de uma das personagens do
Escreverei minhas Memórias, fato mais frequentemente do
romance. Trata-se de um tipo de caracterização romântica? Por quê?
que se pensa observado no mundo industrial, artístico, científico e
03 Leia, com atenção, os trechos seguintes, que caracterizam as sobretudo no mundo político, onde muita gente boa se faz elogiar
diferentes preocupações temáticas de José de Alencar: e aplaudir em brilhantes artigos biográficos tão espontâneos, como
os ramalhetes e as coroas de flores que as atrizes compram para que
I. Procura focalizar a corte; retrata a vida burguesa da época, lhos atirem na cena os comparsas comissionados.
utilizando histórias de amor como assunto das narrativas.
Eu reputo esta prática muito justa e muito natural; porque não
II. Foi uma das soluções encontradas pelo escritor brasileiro
para repetir aqui a proposta europeia de volta ao passado. A compreendo amor e ainda amor apaixonado mais justificável do
civilização indígena representou literariamente o aspecto mais que aquele que sentimos pela nossa própria pessoa.
autêntico de nossa nacionalidade. O amor do eu é e sempre será a pedra angular da sociedade
III. Pretende trazer à tona figuras históricas ou até figuras lendárias, humana, o regulador dos sentimentos, o móvel das ações, e o farol do
situando-as em seu tempo e momentos reais.
futuro: do amor do eu nasce o amor do lar doméstico, deste o amor
IV. Retrata diferentes partes do país, focalizando seus hábitos,
costumes, linguagem e tradições, sempre em oposição aos do município, deste o amor da província, deste o amor da nação,
valores urbanos da corte. anéis de uma cadeia de amores que os tolos julgam que sentem e
tomam ao sério, e que certos maganões envernizam, mistificando
Tais características referem-se, respectivamente, aos romances: a humanidade para simular abnegação e virtudes que não têm
no coração e que eu com a minha exemplar franqueza simplifico,
(A) históricos, indianistas, urbanos, regionalistas. reduzindo todos à sua expressão original e verdadeira, e dizendo,
(B) regionalistas, históricos, indianistas, urbanos.
lar, município, província, nação, têm a flama dos amores que lhes
(C) indianistas, históricos, regionalistas, urbanos.
(D) urbanos, indianistas, regionalistas, históricos. dispenso nos reflexos do amor em que me abraso por mim mesmo:
(E) urbanos, indianistas, históricos, regionalistas. todos eles são o amor do eu e nada mais. A diferença está em
Romantismo no Brasil: a prosa LITERATURA 43
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simples nuanças determinadas pela maior ou menor proporção dos Nesse instante assomava à porta um parente nosso, o Rev.do
interesses e das conveniências materiais do apaixonado adorador Padre Carlos Peixoto de Alencar, já assustado com o choro
de si mesmo. que ouvira ao entrar – vendo-nos a todos naquele estado de
MACEDO, Joaquim Manuel de. Memórias do sobrinho de meu tio. São Paulo:
25 aflição, ainda mais perturbou-se:
Companhia das Letras, 1995 (adaptado).
— Que aconteceu? Alguma desgraça? Perguntou arre-
batadamente.
01 No texto, o uso da primeira pessoa na escrita das Memórias
tem um efeito de: As senhoras, escondendo o rosto no lenço para ocultar do
Padre Carlos o pranto e evitar seus remoques, não proferiram
(A) construir uma narrativa impessoal e neutra. 30 palavra. Tomei eu a mim responder:
(B) seguir o modelo típico do texto jornalístico.
— Foi o pai de Amanda que morreu! Disse, mostrando-lhe
(C) manifestar no discurso a opinião do destinatário.
(D) expressar na forma o ponto de vista do narrador. o livro aberto.
Compreendeu o Padre Carlos e soltou uma gargalhada,
02 O primeiro parágrafo do texto de Joaquim Manuel de Macedo como ele as sabia dar, verdadeira gargalhada homérica, que
antecipa que o conteúdo de suas memórias será: 35 mais parecia uma salva de sinos a repicarem do que riso
humano. E após esta, outra e outra, que era ele inesgotável,
(A) um brilhante artigo biográfico sobre personalidades mundanas.
quando ria de abundância de coração, com o gênio prazenteiro
(B) uma visão muito favorável às ações do narrador autobiográfico.
(C) uma observação sobre o mundo industrial, artístico, científico de que a natureza o dotara.
e político. Foi essa leitura contínua e repetida de novelas e romances
(D) um ressentimento contra os perigos do memorialismo nos 40 que primeiro imprimiu em meu espírito a tendência para
meios artísticos. essa forma literária [o romance] que é entre todas a de minha
predileção?
03 No esquema de prioridades estabelecidas pelo narrador do
texto, a primazia é: Não me animo a resolver esta questão psicológica, mas
creio que ninguém contestará a influência das primeiras
(A) do lirismo sobre a objetividade. 45 impressões.
(B) do romantismo sobre o Realismo.
ALENCAR, José de. Como e por que sou romancista. Campinas: Pontes, 1990 (adaptado).
(C) do amor do eu sobre o amor da nação.
(D) das conveniências materiais sobre os interesses pessoais.
04 A reação do Padre Carlos é muito diferente daquela que apre-
Texto II sentam as senhoras diante da “morte” do personagem, situação que,
no texto, é demarcada também pelo emprego de certas palavras.
Como e porque sou romancista
A diferença entre a reação das senhoras e a do Padre Carlos é
Minha mãe e minha tia se ocupavam com trabalhos de indicada pelo uso das seguintes palavras:
costuras, e as amigas para não ficarem ociosas as ajudavam.
Dados os primeiros momentos à conversação, passava-se à (A) consolo – riso.
leitura e era eu chamado ao lugar de honra. (B) lágrimas – desgraça.
(C) homérica – inesgotável.
5 Muitas vezes, confesso, essa honra me arrancava bem a (D) comoção – gargalhada.
contragosto de um sono começado ou de um folguedo querido;
já naquela idade a reputação é um fardo e bem pesado. 05
Lia-se até a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes “— Foi o pai de Amanda que morreu! Disse, mostrando-lhe
que eu era obrigado à repetição. Compensavam esse excesso o livro aberto.
10 as pausas para dar lugar às expansões do auditório, o qual Compreendeu o Padre Carlos e soltou uma gargalhada...”
desfazia-se em recriminações contra algum mau personagem, (l. 33)
ou acompanhava de seus votos e simpatias o herói perseguido.
Uma noite, daquelas em que eu estava mais possuído do De acordo com o texto, a compreensão que o padre teve da situação
livro, lia com expressão uma das páginas mais comoventes da foi possível pela combinação das palavras do narrador com:
15 nossa biblioteca. As senhoras, de cabeça baixa, levavam o lenço
ao rosto, e poucos momentos depois não puderam conter os (A) um gesto simultâneo à fala.
soluços que rompiam-lhes o seio. (B) um senso apurado de humor.
(C) uma opinião formada sobre a família.
Com a voz afogada pela comoção e a vista empanada pelas (D) um conhecimento prévio do problema.
lágrimas, eu também cerrando ao peito o livro aberto, disparei
20 em pranto e respondia com palavras de consolo às lamentações
de minha mãe e suas amigas.
44 LITERATURA
1ª Série Módulo 26
MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Ática, 1997, p. 125 (adaptado). História Viva, n. 99, 2011.
Texto II Com base no texto, que trata do papel do escritor José de Alencar
e da futura digitalização de sua obra, depreende-se que:
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria (A) a digitalização dos textos é importante para que os leitores
que amava Joaquim que amava Lili possam compreender seus romances.
(B) o conhecido autor de O guarani e Iracema foi importante porque
que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, deixou uma vasta obra literária com temática atemporal.
Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, (C) a divulgação das obras de José de Alencar, por meio da digi-
talização, demonstra sua importância para a história do Brasil
Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J.
Imperial.
Pinto Fernandes (D) a digitalização dos textos de José de Alencar terá importante
que não tinha entrado na história. papel na preservação da memória linguística e da identidade
nacional.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, p. 19. (E) o grande romancista José de Alencar é importante porque se
destacou por sua temática indianista.
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LITERATURA 45
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quanto a essas questões. Entretanto, hoje, a pauta jornalística
voltou-se ao grupo, pois o genocídio contínuo dos índios encontra-
-se em realidade oficial, tornando-se protagonista quando se trata
de demarcação de áreas indígenas. Conforme você viu em módulos
anteriores, a literatura brasileira, em contextos até mesmo embrio-
nários, como o Quinhentismo, preocupou-se em inserir os índios
em seus registros. É claro que a crítica social a favor do grupo não
se fez presente em toda a história dessa arte no Brasil. Objetivos:
– Observar as principais características do romance histórico e
Neste recorte do Romantismo – prosa indianista –, fase em que C5 indianista na literatura brasileira;
o vocábulo “idealização” é personagem principal, das três etnias que
– observar a visão do índio como herói nacional.
formavam o povo brasileiro, o índio tornou-se herói, pois buscou-se
a afirmação de uma cultura nacional. O branco, nesse caso, não foi
o escolhido por ser “o colonizador” e era necessária uma postura descompromissado com críticas em seu benefício, assumiu o papel
anti-lusitana. Além disso, o negro era um dos pilares econômicos de herói na literatura – veremos, neste módulo, como isso aconteceu
daquele contexto. Dessa forma, o índio, completamente na prosa romântica.
©Wikimedia Commons
Martim, é o primeiro cearense. Não é o caso de Iracema, mas na
maioria dos romances indianistas, essa miscigenação entre índios
e brancos é vista de forma positiva, como resultado de uma
relação pacífica entre colonizador e colonizado. No entanto, é
preciso ressaltar que essa relação pacífica era fruto muito mais de
uma idealização romântica do que de correspondência com a
realidade: o processo de colonização era marcado principalmente
pela barbárie, havendo pouco espaço para a paz.
Também é interessante notar como os romances indianistas,
preocupados em contar a formação do povo brasileiro, excluíram
do processo o negro. Hoje sabe-se que tanto negros quanto brancos
Iracema, por Antônio Parreiras e índios foram primordiais para a formação do povo brasileiro.
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pelos ecos da floresta, e levantando ao céu o seu punho decepado
atirou as gotas de sangue que vertiam, sobre os aimorés, como
conjurando-os à vingança.
Os guerreiros lançaram-se para vingar o seu chefe; mas um
novo espetáculo se apresentava aos seus olhos.
Peri, vencedor do cacique, volveu um olhar em torno dele, e
vendo o estrago que tinha feito, os cadáveres dos aimóres amon-
toados uns sobre os outros, fincou a ponta do montante no chão
e quebrou a lâmina. Tomou depois os dois fragmentos e atirou-os
ao rio.
Então passou-se nele uma luta silenciosa, mas terrível para
quem pudesse compreendê-la. Tinha quebrado a sua espada, porque
não queria mais combater; e decidira que era tempo de suplicar a
vida ao inimigo.
Mas quando chegou o momento de realizar essa súplica,
conheceu que exigia de si mesmo uma coisa sobre-humana, uma
coisa superior às suas forças. Segue abaixo uma das cantigas de amor medievais – que
exemplificam tal relação estabelecida pelo amor cortês:
Ele, Peri, o guerreiro invencível, ele, o selvagem livre, o senhor
das florestas, o rei dessa terra virgem, o chefe da mais valente nação “Senhora minha, desde que vos vi,
dos Guaranis, suplicar a vida ao inimigo! Era impossível. lutei para ocultar essa paixão
Três vezes quis ajoelhar, e três vezes as curvas de suas pernas que me tomou inteiro o coração;
distendendo-se como duas molas de aço o obrigaram a erguer-se. mas não o posso mais e decidi
Finalmente a lembrança de Cecília foi mais forte do que a sua que saibam todos meu grande amor,
vontade.
a tristeza que tenho, a imensa dor
Ajoelhou.”
que sofro desde o dia em que vos vi.”
“Iracema não se ergueu mais da rede onde a pousaram os aflitos Destaque para duas obras de José de Alencar: As minas de prata,
braços de Martim. O terno esposo, em quem o amor renascera romance dividido em dois volumes, publicados em 1865 e 1866, que
com o júbilo paterno, a cercou de carícias que encheram sua alma conta a história de bandeirantes e aventureiros que partem rumo
de alegria, mas não a puderam tornar à vida: o estame de sua flor ao sertão em busca de metais preciosos; e A guerra dos mascates,
se rompera. publicada em 1873, que reconstitui o confronto homônimo entre
— Enterra o corpo de tua esposa ao pé do coqueiro que tu Olinda e Recife.
amavas. Quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará
que é tua voz que fala entre seus cabelos.
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01 O indianismo de nossos poetas românticos é:
04 Ao caracterizar Iracema, José de Alencar relaciona-a a Quando eu for embora para bem distante,
elementos da natureza, pondo aquela em relação a esta em uma E chegar a hora de dizer adeus,
posição de:
Fica nos meus braços só mais um instante,
(A) equilíbrio. Deixa os meus lábios se unirem aos seus.
(B) dependência.
Índia, levarei saudade
(C) complementaridade.
(D) vantagem. Da felicidade
Que você me deu.
05 Para descrever Iracema, Alencar emprega palavras que apelam
principalmente:
Índia, a sua imagem
(A) à razão. Sempre comigo vai;
(B) aos sentidos.
Dentro do meu coração,
(C) aos sentimentos.
(D) à fantasia. Flor do meu Paraguai
FLORES, J. A; GUERRERO, M. O e FORTUNA, José. IN: Sucessos Inesquecíveis de Cascatinha
e Inhana. LP 0.34.405.432, Phonodisc, 1987.
Texto III
Texto I A índia e o traficante
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, Noite malandra, um luar de espelho,
nasceu Iracema. No meio da terra a índia colhe o brilho,
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais Som de suor, cheirada musical,
negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
Palmeira que se verga em meio ao vendaval.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha
Sentia macia floresta,
recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Bolívia, montanha, seresta...
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o
sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da Índia guajira já colheu sua noite
grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas
Volta para a tribo meio injuriada,
a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Uma figueira numa encruzilhada
(...)
Felina, um olho de paixão danada,
Iracema saiu do banho; o aljôfar d’água ainda a roreja, como à
doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, Era Leão, famoso traficante,
empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com Um outdoor, bandido elegante,
o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste. Que a levou para um apart-hotel
ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. Que tem em Cuiabá.
Dentro de um Cessna, bebendo champagne e rica, anuncia a raça inteligente e ilustrada. Não é obrigando-a a
Leão e seu bando a fazem sua chefona, estacionar que hão de manter e polir as qualidades que porventura
ornem uma língua qualquer; mas sim fazendo que acompanhe o
Índia fichada, retrata falada,
progresso das ideias e se molde às novas tendências do espírito, sem
A loto esperada pelos federais, contudo perverter a sua índole a abastardar-se.”
Mas ela gosta de fotografia José de Alencar
Índia, sujeira, foi dedurada (A) “Inocência”, cuja ação se passa no sertão, onde mora Pereira, que
divide as mulheres entre prostitutas e “famílias”, estas as filhas
Por um sertanista que era amigo seu,
e esposas mantidas isoladas em casa, pois, se vissem homem
Índia traída – “mim tô passada” – que não o pai ou marido, fatalmente se igualariam às prostitutas
Ela lamentava num mal português, devido a sua condição de fêmeas, por definição depravadas.
(B) “O seminarista”, romance passional que discute a instituição
A índia, deu um ganho, num Landau negro, do celibato clerical: o Padre Eugênio, retornando à cidade natal,
Chapa oficial, que era da Funai, sente reacender-se uma antiga paixão; apesar de tentar resistir,
Passou batido pela fronteira, acaba por cair em tentação, e a quebra do voto de castidade o
leva à loucura.
Uma rajada de metralhadora... (C) “A moreninha”, narrativa de intriga simples e temática mundana,
Morta no Paraguai! em que os sentimentos e motivações jamais adquirem profundi-
dades impróprias para a conversação em sociedade na presença
DUSEK, Eduardo; GÓES, Luiz Carlos. Dusek na Sua. LP 829218-1. PolyGram, 1986.
de mocinhas e senhoras respeitáveis.
(D) “Ubirajara”, um de seus romances voltados para a recriação
01 Uma comparação entre os textos permite perceber que a do passado do Brasil, narrando os feitos heróicos de um índio
indígena é focalizada a partir de diferentes perspectivas e pontos de capaz de permanecer impassível enquanto formigas saúvas lhe
vista, e caracterizada de distintas maneiras. No fragmento indianista devoram a mão, em uma das provas a que se submete para fazer
de Alencar, o narrador a vê como pura e intocada, espontânea, jus à mão de sua pretendida.
remota e longínqua, em um desdobramento saudosista do “bom (E) “Memórias de um sargento de milícias”, que apresenta o
selvagem”; na guarânia de José Fortuna, é a mulher objeto de um quotidiano da “arraia-miúda” do Rio de Janeiro, composta
amor sublimado e da qual o eu poemático parece se despedir com de personagens permanentemente em luta pela satisfação das
antecipada saudade; em A índia e o traficante, é mostrada de modo necessidades humanas mais elementares e sempre ávidos de
a revelar a conduta aventureira e degenerada, em uma relação de gozar os momentos de sorte favorável.
“amor bandido” com um fora da lei. Com base nessas observações,
interprete as diferentes implicações simbólicas na caracterização 05 Os epílogos dos romances Iracema e O Guarani, de José de
das personagens nos versos “Flor do meu Paraguai!” e “Morta no Alencar e o fragmento de Maíra, de Darcy Ribeiro (autores iden-
Paraguai!” tificados com a temática de fundação do nacional – séculos XIX
e XX) podem ser considerados metáforas para a compreensão de
02 O herói tradicional na literatura é personagem que possui, nossa origem.
entre outras qualidades positivas, beleza, equilíbrio, força física,
magnanimidade e virtudes morais que lhe propiciam atos de Texto I
grandeza às vezes sobre-humanos, apresentando-se como modelo
extraordinário de comportamento. Já o anti-herói não costuma Era sempre com emoção que o esposo de Iracema revia as
ser belo e equilibrado, faltam-lhe qualidades físicas e virtudes, plagas, onde fora tão feliz e as verdes folhas a cuja sombra dormia
revelando-se uma criatura em crise. Sua debilidade, às vezes, é a formosa tabajara.
realçada no sentido de fazê-lo assemelhar-se às pessoas comuns. Muitas vezes ia sentar-se naquelas doces areias, para cismar e
Com base nesse princípio, releia A índia e o traficante e, a seguir, acalentar no peito a agra saudade.
responda em que medida a personagem feminina do poema-anção
pode ser considerada anti-heroica. A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro; mas não repetia
já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sobre a terra. José de
03 Explique por que a presença de estrangeirismos, gírias e expres- Alencar. “Iracema”.
sões vulgares, tão recorrentes no texto, colaboram para firmar essa
O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face. Fez-se no semblante
feição anti-heroica da personagem.
da virgem um ninho de castos rubores e lânguidos sorrisos: os
04 lábios abriram como as asas purpúreas de um beijo soltando o vôo.
“A língua é a nacionalidade do pensamento como a pátria é a A palmeira arrastada pela torrente impetuosa fugia... E sumiu-se
nacionalidade do povo. Da mesma forma que instituições justas e no horizonte...
racionais revelam um povo grande e livre, uma língua pura, nobre José de Alencar. O Guarani.
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LITERATURA 54
Módulo 28 1ª Série
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familiares, cônjuges em seus mais variados contextos. Entretanto, se
alguém contou algo e você passou a mensagem a um terceiro, tenha
certeza: a fofoca lhe trará prejuízos.
Justamente esses costumes corriqueiros e particulares de uma
vida na cidade que irão permear o romance romântico urbano. Aqui,
o dia a dia do leitor, com suas particularidades de casamentos mal
resolvidos, amores não correspondidos e fofocas entre amigos é
colocado em pauta. Para o grupo leitor – majoritariamente feminino
Objetivos:
– ver suas realidades retratadas na literatura era um deleite. Desse
– Observar as principais características relacionadas à construção
modo, problemas e valores vividos por uma burguesia urbana C5 do texto literário neste momento;
obtiveram êxito na consolidação e amadurecimento do romance. – observar os aspectos urbanos na obra literária.
1. O romance urbano
A elite e a literatura
Adotado pela burguesia como seu gênero preferido, o romance
alcançou grande popularidade no século XIX. A receita de seu A elite brasileira era o principal público-alvo dos romances
sucesso incluía uma linguagem simples – ao alcance de uma elite românticos, com destaque para as mulheres. Se antes elas
que tinha dinheiro, mas não necessariamente erudição –, e um dependiam majoritariamente das leituras em voz alta feitas por
enredo que se ancorava no presente e nos fatos do cotidiano. À alguém letrado, no início do século XIX, já era significativo o
burguesia, agradava muito ver o seu mundo retratado nos livros, e número de mulheres alfabetizadas. Com isso, o seu interesse
justamente isso garantiu que os romances urbanos ou de costumes pelos romances aumentou ainda mais, assim como o interesse
fossem os mais lidos. dos escritores por elas. Uma das principais consequências disso
é o fato de o narrador romântico se dirigir geralmente à
Os romances urbanos retratavam o dia a dia do leitor. Eles
leitora, fazendo dela seu principal interlocutor. Os enredos
possibilitavam a discussão de questões sobre valores do seu tempo,
também eram pensados para agradá-las, e não são raras as
traçando, portanto, um interessante panorama da época. Como não
heroínas românticas que eram leitoras assíduas.
poderia deixar de ser, geralmente giravam em torno de um herói
e uma heroína apaixonados, que, para ficarem juntos, deveriam Os autores român-
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superar os mais diversos obstáculos. Além disso, tinham a cidade ticos buscavam, por
como grande cenário, principalmente o Rio de Janeiro, e como meio dos romances
protagonista, a elite brasileira. urbanos, produzir uma
literatura com a qual a
elite brasileira se iden-
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1.1 Principais autores — Sim, deve partir... vá... Talvez encontre aquela a quem jurou
amor eterno... Ah! Senhor! Nunca lhe seja perjuro.
1.1.1 Joaquim Manuel de Macedo — Se eu a encontrasse!
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) era médico por — Então?... Que faria?...
formação, mas deu aula de História e Geografia do Brasil no
— Atirar-me-ia a seus pés, abraçar-me-ia com eles e lhe diria:
tradicional colégio Pedro II. Dedicou-se também ao jornalismo e
à política. Macedo foi o escritor de A Moreninha, considerado o “Perdoai-me, perdoai-me, senhora, eu já não posso ser vosso esposo!
primeiro romance romântico com qualidade literária. Antes dele, Tomai a prenda que me deste...”
algumas tentativas já haviam sido feitas, mas nenhum outro livro E o infeliz amante arrancou debaixo da camisa um breve, que
satisfez o público como esse. convulsivamente apertou na mão.
A popularidade advinha de
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— Que loucura é esta? – perguntou a senhora D. Ana. generoso dote. Após ser trocada, Aurélia passa a desprezar todos
— Achei minha mulher!... bradava Augusto; encontrei minha os homens e se vinga de Seixas por meio de uma grande herança
mulher! ... Encontrei minha mulher! recebida com a morte de seu avô.
— Que quer dizer isto, Carolina?... O trecho que se segue foi retirado do romance e traz um dos
momentos de confronto entre Aurélia e Seixas:
— Ah! Minha boa avó!... respondeu a travessa Moreninha
ingenuamente; nós éramos conhecidos antigos. — O senhor não retribuiu meu amor e nem o compreendeu.
Supôs que eu lhe dava apenas a preferência entre outros namorados,
MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Ática, s. d. p. 144-6.
e o escolhia para herói dos meus romances, até aparecer algum
casamento, que o senhor moço, honesto, estimaria para colher à
sombra o fruto de suas flores poéticas. Bem vê que eu o distingo
A Moreninha dos outros, que ofereciam brutalmente mas com franqueza e sem
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rebuço, a perdição e a vergonha.
Seixas abaixou a cabeça.
— Conheci que não amava-me, como eu desejava e merecia ser
amada. Mas não era sua a culpa e só minha que não soube inspirar-lhe
a paixão, que eu sentia. Mais tarde, o senhor retirou-me essa mesma
afeição com que me consolava e transportou-a para outra, em quem
não podia encontrar o que eu lhe dera, um coração virgem e cheio de
paixão com que o adorava. Entretanto, ainda tive forças para perdoar-
-lhe e amá-lo.
A moça agitou então a fronte com uma vibração altiva:
— Mas o senhor não me abandonou pelo amor de Adelaide
Ilha de Paquetá, 1885 e sim pelo seu dote, um mesquinho dote de trinta contos! Eis o
Grande parte do romance A Moreninha se passa na Ilha de que não tinha o direito de fazer, e que jamais lhe podia perdoar!
Paquetá. A ilha, localizada no interior da Baía de Guanabara, Desprezasse-me embora, mas não descesse da altura em que o
faz parte da cidade do Rio de Janeiro. O acesso até ela é feito, havia colocado dentro de minha alma. Eu tinha um ídolo; o senhor
principalmente, por meio de barcas, que partem da Praça XV, abateu-o de seu pedestal, e atirou-o no pó. Essa degradação do
no centro da cidade. Um de seus principais pontos turísticos homem a quem eu adorava, eis o seu crime; a sociedade não tem
é justamente a Pedra da Moreninha, localizada na praia da leis para puni-lo, mas há um remorso para ele. Não se assassina
Guarda, que recebeu o seu nome após o cenário ter sido assim um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a
utilizado no romance de Joaquim Manuel de Macedo. descrença e o ódio.
Além de A Moreninha, seu primeiro e mais famoso Seixas que tinha curvado a fronte, ergueu-a de novo, e fitou os
romance, Macedo escreveu outros 17. Neles, procurou repetir olhos da moça. Conservava ainda as feições contraídas e gotas de
os elementos que o consagraram em sua narrativa de estreia. suor borbulhavam na raiz dos seus belos cabelos negros.
Em nenhum deles conseguiu, porém, alcançar o mesmo sucesso. — A riqueza que Deus me concedeu chegou já tarde; nem
ao menos permitiu-me o prazer da ilusão, que têm as mulheres
enganadas. Quando a recebi, já conhecia o mundo e suas misérias;
1.1.2 José de Alencar já sabia que a moça rica é um arranjo e não uma esposa; pois
José de Alencar foi um dos autores que mais contribuiu para bem, disse eu, essa riqueza servirá para dar-me a única satisfação
que os romances urbanos caíssem no gosto do público. Muito além que ainda posso ter neste mundo. Mostrar a esse homem que
de apenas contar histórias de amor, as narrativas alencarianas não soube me compreender, que a mulher o amava, e que alma
conseguiam propor reflexão sobre assuntos importantes à época, perdeu. Entretanto ainda eu afagava uma esperança. Se ele recusa
como o casamento por interesse ou as pressões sociais exercidas pelo nobremente a proposta aviltante, eu irei lançar-me a seus pés.
dinheiro. Em seus romances urbanos, também pode-se destacar Suplicar-lhe-ei que aceite a minha riqueza, que a dissipe se quiser;
os perfis femininos existentes: as heroínas de Alencar têm como consinta-me que eu o ame. Esta última consolação, o senhor a
característica em comum a força e a determinação, elementos arrebatou. Que me restava? Outrora atava-se o cadáver ao homicida,
que não as impedem, porém, de se entregarem ao amor. para expiação da culpa; o senhor matou-me o coração; era justo
Dentre os muitos romances urbanos escritos pelo autor, três que o prendesse ao despojo de sua vítima. Mas não desespere,
podem ser destacados: Lucíola, Diva e Senhora. Este último conta a o suplício não pode ser longo: este constante martírio a que
história de Aurélia Camargo e Fernando Seixas. Quando jovens, os estamos condenados acabará por extinguir-me o último alento;
dois se apaixonam, mas têm de se separar por questões financeiras. o senhor ficará livre e rico.
Seixas, que sempre guardou o desejo de ascender socialmente ALENCAR, José de. Senhora. 23 ed. São Paulo: Ática, 1992.
de maneira rápida, casa-se com uma jovem que lhe oferece um
Romantismo no Brasil: romance urbano LITERATURA 57
Módulo 28 1ª Série
“A alvura de sua tez fresca e pura escurecia o mais fino jaspe [...]
O texto citado é um trecho do último capítulo de Diva, romance de
A seiva dessa mocidade, o viço dessa alma não se expandia no rubor Alencar que, ao lado de Senhora e Lucíola, forma a trilogia de perfis
da cútis, mas no olhar ardente e esplêndido dos grandes olhos negros femininos. Trata-se de uma carta escrita por Emília, protagonista
e no sorriso mimoso dos lábios que eram um primor da natureza.” da estória, ao jovem médico Augusto. A partir da leitura do texto,
indique as características românticas presentes no fragmento,
(A) O nacionalismo que, entre nós, expressou-se, sobretudo, pelo justificando com exemplos.
tratamento positivo dado às mulheres brasileiras.
(B) A idealização no modo de apresentar as personagens. 02 Leia, com atenção, o fragmento a seguir para responder à
(C) O desvendamento do mundo psicológico das personagens que, questão.
em nosso Romantismo, é traço prenunciador do Realismo.
(D) O panteísmo, que consiste em relacionar traços humanos com “Todas as raças, desde o caucasiano sem mescla, até o africano
atributos de Deus. puro; todas as posições, desde as ilustrações da política, da fortuna
(E) O uso da natureza como reflexo dos sentimentos do narrador,
ou do talento, até o proletário humilde e desconhecido; todas as
produzindo a animização, ou, em outras palavras, a prosopo-
peia. profissões, desde o banqueiro até o mendigo; (...) É uma festa
filosófica essa festa da Glória! Aprendi mais naquela meia hora de
04 Leia o trecho abaixo e assinale a alternativa que identifica os observação do que nos cinco anos que acabava de desperdiçar em
elementos românticos do trecho citado de Senhora, de José de Olinda com uma prodigalidade verdadeiramente brasileira. A lua
Alencar: vinha assomando pelo cimo das montanhas fronteiras; descobri
nessa ocasião, a alguns passos de mim, uma linda moça, que parara
“As cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio um instante para contemplar no horizonte as nuvens brancas
das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal.” esgarçadas sobre o céu azul e estrelado. Admirei-lhe do primeiro
olhar um talhe esbelto e de suprema elegância.(...) Ressumbrava na
(A) A perspectiva recatada e a afinidade entre sentimento e sua muda contemplação doce melancolia, e não sei que laivos de
natureza.
tão ingênua castidade, que o meu olhar repousou calmo e sereno
(B) A vida como teatro e a intensa religiosidade.
(C) A natureza sem defeitos e o amor idealizado. na mimosa aparição.”
(D) A noite enquanto símbolo e a música como pano de fundo para ALENCAR, José de. Lucíola.
o amor.
(E) A linguagem rebuscada e a idealização amorosa.
58 LITERATURA
1ª Série Módulo 28
A partir do fragmento, e considerando o romance como um todo, — Eu o escrevi logo depois do nosso casamento; pensei que
pode-se afirmar que: morresse naquela noite, disse Aurélia com um gesto sublime.
Seixas contemplava-a com os olhos rasos de lágrimas.
(A) a cena amorosa, em Alencar, é sempre emoldurada pela matéria
sociocultural brasileira. — Esta riqueza causa-te horror? Pois faz-me viver, meu
(B) pode-se observar, nessa cena, a superioridade da província Fernando. É o meio de a repelires. Se não for bastante, eu a dissiparei.
sobre a Metrópole.
***
(C) desde o primeiro momento, Paulo percebe a condição social
de Lúcia. As cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio
(D) a referência à questão racial comprova o Naturalismo dessa das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal.
obra.
ALENCAR, José de. Senhora, 7a ed. Rio de Janeiro: J. Olympio. Brasília: INL,
(E) o romance urbano, como é o caso de Lucíola, é o único cultivado p. 338-340, 1977.
no Romantismo brasileiro.
03 O texto narra o desfecho de um conhecido romance, Senhora,
Texto para as questões 03, 04 e 05. centrado no casamento por dinheiro. Ao longo da narrativa, as
relações do casal vão sendo minadas: Seixas, o marido, torna-se
Seixas recuou um passo até o meio do aposento e fez uma obsessivo com a história da compra e Aurélia, a mulher, emocio-
profunda cortesia, à qual Aurélia respondeu. Depois atravessou nalmente enrijecida.
lentamente a câmara nupcial agora iluminada. Quando erguia o
A alternativa correta quanto ao desfecho da trama é:
reposteiro ouviu a voz da mulher.
— Um instante! disse Aurélia. (A) A situação permanece tensa e não resolvida.
— Chamou-me? (B) A situação do casal se reequilibra por força do amor.
(C) A situação sofre um novo desequilíbrio: Seixas cede; Aurélia,
— O passado está extinto. Estes onze meses, não fomos nós que não.
os vivemos, mas aqueles que se acabam de separar, e para sempre. (D) Aurélia exige de Seixas uma prova de amor para a restauração
Não sou mais sua mulher; o senhor já não é meu marido. Somos do equilíbrio conjugal.
dois estranhos. Não é verdade? (E) Seixas condiciona a restauração do equilíbrio conjugal ao
testamento de Aurélia.
Seixas confirmou com a cabeça.
— Pois bem, agora ajoelho-me eu a teus pés, Fernando, e suplico- 04 Assinale afirmação que não está presente no texto de José de
-te que aceites meu amor, este amor que nunca deixou de ser teu, Alencar:
ainda quando mais cruelmente ofendia-te.
(A) O testamento era prova do desinteresse pecuniário de Aurélia.
A moça travara das mãos de Seixas e o levara arrebatadamente
(B) Seixas fora vítima de humilhação no passado.
ao mesmo lugar onde cerca de um ano antes ela infligira ao mancebo (C) Seixas reconciliou-se com Aurélia por causa do testamento feito
ajoelhado a seus pés a cruel afronta. por ela.
— Aquela que te humilhou, aqui a tens abatida, no mesmo lugar (D) A declaração amorosa de Aurélia põe fim à longa e dolorosa
onde ultrajou-te, nas iras de sua paixão. Aqui a tens implorando seu repressão de sentimentos.
(E) Seixas considerava a fortuna de Aurélia um obstáculo à reali-
perdão e feliz porque te adora, como o senhor de sua alma.
zação amorosa do casal.
Seixas ergueu nos braços a formosa mulher, que ajoelhara a seus
pés; os lábios de ambos se uniam já em férvido beijo, quando um 05 A passagem que contém animização típica da linguagem do
pensamento funesto perpassou no espírito do marido. Ele afastou Romantismo é:
de si com gesto grave a linda cabeça de Aurélia, iluminada por uma
aurora de amor, e fitou nela o olhar repassado de profunda tristeza. (A) “As cortinas cerram-se, e as auras da noite, acariciando o seio
das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal.”
— Não, Aurélia! Tua riqueza separou-nos para sempre. (B) “A moça desprendeu-se dos braços do marido, correu ao
A moça desprendeu-se dos braços do marido, correu ao toucador, e trouxe um papel lacrado que entregou a Seixas.”
toucador, e trouxe um papel lacrado que entregou a Seixas. (C) “Não sou mais sua mulher, o senhor já não é meu marido.
Somos dois estranhos.”
— O que é isto, Aurélia? (D) “Seixas recuou um passo até o meio do aposento e fez uma
— Meu testamento. profunda cortesia, à qual Aurélia respondeu.”
(E) “Era efetivamente um testamento em que ela confessava o
Ela despedaçou o lacre e deu a ler a Seixas o papel. Era efetiva-
imenso amor que tinha ao marido e o instituía seu universal
mente um testamento em que ela confessava o imenso amor que herdeiro.”
tinha ao marido e o instituía seu universal herdeiro.
Romantismo no Brasil: romance urbano LITERATURA 59
Módulo 28 1ª Série
— E quem são?...
01 Essa cena de A Moreninha descreve, por meio de uma carta,
— São duas filhas de uma senhora viúva, que também aí está, como Fabrício conheceu Joana, no Teatro São Pedro de Alcântara.
e que se chama a Ilma. Sra. D. Luísa. O meu defunto senhor era A fluência e vivacidade de estilo do personagem Fabrício, que pede
negociante e o pai de minha senhora é padre. a Augusto “pinte a cena na imaginação”, imprimem ao texto um
— Como se chama a senhora que está vestida de branco? conjunto de efeitos típicos da própria teatralidade.
— A Sra. D. Joana... tem 17 anos e morre por casar. Com base nesse comentário, aponte e explique o funcionamento de:
— Quem te disse isso?...
a. pelo menos um elemento do enunciado que revele essa “pintura
— Pelos olhos se conhece quem tem lombrigas, meu senhor!...
teatralizada da cena.
— Como te chamas? b. um procedimento da enunciação que revele a proximidade do
— Tobias, escravo de meu senhor, crioulo de qualidades, fiel texto com a linguagem específica do teatro.
como um cão e vivo como um gato.
02 No fragmento que lhe apresentamos, Joaquim Manuel de
O maldito do crioulo era um clássico a falar português. Eu Macedo transfere ao personagem Fabrício a visão racista e o
continuei. preconceito de cor vigente na sociedade brasileira de sua época.
— Hás de levar um recado à Sra. D. Joana. Nessa linha depreciativa, são várias as caracterizações que definem
Tobias em sua figura e personalidade. Releia o texto e faça o que se
— Pronto, lesto e agudo, respondeu-me o moleque. pede.
— Pois toma sentido.
a. Explique como se dão as características de figura e personali-
— Não precisa dizer duas vezes.
dade do jovem escravo.
— Ouve. Das duas uma: ou poderás falar com ela hoje ou só b. Justifique sua resposta, citando pelo menos um exemplo de
amanhã... cada caso.
LITERATURA 60
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produção literária que será abordado neste módulo. Ainda imersos
em influências artísticas europeias, os autores do romance regional
brasileiro foram obrigados a construir seus próprios modelos – para
que suas atuações transpostas em palavras não parecessem forçadas.
Como consequência, começamos a expandir o olhar do público
leitor em relação às fronteiras do Brasil. Ganhamos, assim, mais Objetivos:
– Estudar as principais características desse momento literário no
autonomia e nosso país passou a ser mais reconhecido como fonte
de inspiração cultural. Será justamente o romance regionalista que
C5 Brasil;
– observar as características das principais regiões do Brasil na obra
estudaremos neste módulo. literária.
1. O romance regionalista contavam com a educação disponível – para uma minoria – nos
Além dos romances indianistas, históricos e urbanos, também centros urbanos. Neles, como mostram os próprios romances,
faziam parte da prosa romântica os romances regionalistas. Preo- ainda havia muito espaço para pensamentos retrógrados, como
cupados em explorar os quatro cantos do país, esses romances a completa submissão das mulheres ou a crença de que a leitura
colocavam em cena paisagens e personagens de um Brasil era uma atividade muito perigosa.
desconhecido para aqueles que habitavam os centros urbanos.
Assim, cumpriam um dos desejos do Romantismo: aumentar o Por fim, a inexistência de um modelo estrangeiro no qual
conhecimento do brasileiro acerca de seu próprio país, apresentando os escritores de romances regionalistas pudessem se apoiar fez
a ele os mais diversos sotaques, etnias e culturas nele presentes. com que esse tipo de narrativa fosse uma experiência realmente
Enquanto os espaços privilegiados pelos romances urbanos nova. Dessa forma, eles não só contribuíam para a expansão dos
eram os das capitais, os romances regionalistas se concentravam conhecimentos sobre o Brasil, mas também para a autonomia
em áreas mais remotas do território nacional, como o interior de nossa literatura.
do Nordeste ou os pampas gaúchos. Com isso, traziam à tona
costumes e valores muito diferentes dos que estavam presentes
1.1 Principais autores
nas cidades, além de uma natureza diversificada e exuberante.
1.1.1 Visconde de Taunay
A região Centro-Oeste foi desbravada por Alfredo d’Escragnolle
O público leitor
Taunay (1843-1899). Mais conhecido como Visconde de Taunay, era
É interessante destacar que os personagens trazidos pelos militar. Graças às viagens realizadas a trabalho, ele conhecia muito
romances regionalistas não eram, porém, quem compunha o seu bem o território nacional. Foi na exuberância do sertão do Mato
público leitor. Este continuava a ser o mesmo das outras obras Grosso que resolveu apostar em seu romance Inocência, conside-
românticas, ou seja, a elite das cidades. Os lugares descritos por rado por muitos o principal dos romances regionalistas brasileiros.
essas narrativas, embora ricos em diversos outros aspectos, não
Romantismo no Brasil: romance regionalista LITERATURA 61
Módulo 29 1ª Série
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E encostando-se à parede, com passo vacilante se encaminhou
para dentro.
Ficara sombrio o capataz.
De sobrecenho carregado, recostara-se à mesa e fora, com a
vista, seguindo aquela a quem já chamava esposa.
Sentou-se defronte dele Pereira com ar de admiração.
— E que tal? exclamou por fim... Ninguém pode contar com
mulheres, iche!
Nada retorquiu o outro.
— Sua filha, indagou ele de repente com voz muito arrastada
e parando a cada palavra, viu alguém?
Descorou o mineiro e quase a balbuciar:
— Não... isto é, viu... mas todos os dias... ela vê gente... Por que
me pergunta isso?
— Por nada...
— Não... explique-se... Você faz assim uma pergunta que me
deixa um pouco... anarquizado. Este negócio é muito, muito sério.
Dei-lhe palavra de honra que minha filha haverá de ser sua mulher...
a cidade já sabe e... comigo não quero histórias... É o que lhe digo.
— Está bom, replicou ele, nada de percipitações. Toda a vida
fui assim... Já volto; vou ver onde pára o meu cavalo.
E saiu, deixando Pereira entregue a encontradas suposições.
Inocência conta a história do amor impossível entre Cirino, um Decorreram dias, sem que os dois tocassem mais no assunto
prático de farmácia que se apresenta como médico, e Inocência, que lhes moía o coração. Ambos, calmos na aparência, viviam vida
jovem de família tradicional do sertão do Mato Grosso. Os dois se comum, visitavam as plantações, comiam juntos, caçavam e só se
conhecem por intermédio de Pereira, pai de Inocência, que oferece separavam à hora de dormir, quando o mineiro ia para dentro e
abrigo a Cirino em troca da cura de sua filha, vítima da malária. Manecão para a sala dos hóspedes.
Com a convivência, os dois se apaixonam. A realização amorosa Inocência não aparecia.
é impedida, porém, pelo fato de Inocência já estar prometida a Mal saia do quarto, pretextando recaída de sezões: entretanto,
Manecão, homem violento que põe fim à história de amor dos não era o seu corpo o doente, não; a sua alma, sim, essa sofria morte
jovens. e paixão; e amargas lágrimas, sobretudo à noite, lhe inundavam o
Segue um trecho da obra Inocência. rosto.
“Descrever o abalo que sofreu Inocência ao dar, cara a cara com — Meus Deus, exclamava ela, que será de mim? Nossa Senhora
Manecão fora impossível Debuxaram-se-lhe tão vivos na fisionomia da Guia me socorra. Que pode uma infeliz rapariga dos sertões
o espanto e o terror, que o reparo, não só da parte do noivo, como contra tanta desgraça? Eu vivia tão sossegada neste retiro, amparada
do próprio pai habitualmente tão despreocupado, foi repentino. por meu pai... que agora tanto medo me mete... Deus do céu,
— Que tem você? perguntou Pereira apressadamente. piedade, piedade.
— Homem, a modos, observou Manecão com tristeza, que E de joelhos, diante de tosco oratório alumiado por esguias velas
meto medo a senhora dona... de cera, orava com fervor, balbuciando as preces que costumava
recitar antes de se deitar.
Batiam de comoção os queixos da pobrezinha: nervoso estre-
mecimento balanceava-lhe o corpo todo. Uma noite, disse ela:
A ela se achegou o mineiro e pegou-lhe no braço. — Quisera uma reza que me enchesse mais o coração... que
mais me aliviasse o peso da agonia de hoje...
— Mas você não tem febre?... Que é isto, rapariga de Deus?
E, como levada de inspiração, prostrou-se murmurando:
Depois, meio risonho e voltando-se para Manecão:
— Minha Nossa Senhora mãe da Virgem que nunca pecou, ide
— Já sei o que é... Ficou toda fora de si... vendo o que não
adiante de Deus. Pedi-lhe que tenha pena de mim... que não me
contava ver... Vamos, Nocência, deixe-se de tolices.
deixe assim nesta dor cá de dentro tão cruel. Estendei a vossa mão
62 LITERATURA
1ª Série Módulo 29
sobre mim. Se é crime amar a Cirino, mandai-me a morte. Que Prosseguiu então Inocência com muita rapidez, as faces
culpa tenho eu do que me sucede? Rezei tanto, para não gostar deste incendiadas de rubor:
homem! Tudo... tudo... foi inútil! Por que então este suplício de todos — Conto-lhe tudo papai... Não me queira mal... Foi um sonho...
os momentos? Nem sequer tem alívio no sono? Sempre ele... ele! O outro dia, antes de Manecão chegar, estava sesteando e tive um
Às vezes, sentia Inocência em si ímpetos de resistência: era a sonho... Neste sonho, ouviu, papai? minha mãe vinha descendo
natureza do pai que acordava, natureza forte, teimosa. do céu... Coitada! estava tão branca que metia pena... Vinha bem
— Hei de ir, dizia então com olhos a chamejar, à igreja, mas de limpa, com um vestido todo azul... leve, leve!
rastos! No rosto do padre gritarei: Não, não!... Matem-me... mas — Sua mãe? balbuciou Pereira tomando de ligeiro assombro.
eu não quero... — Nhor-sim, ela mesma...
Quando a lembrança de Cirino se lhe apresentava mais viva, — Mas você não a conheceu! Morreu, quando você era
estorcia-se de desespero. A paixão punha-lhe o peito em fogo... pequetita...
— Que é isto, Santo Deus? Aquele homem me teria botado um — Não faz nada, continuou Inocência, logo vi que era minha
mau olhado? Cirino, Cirino, volta, vem tomar-me... leva-me!... eu mãe... Olhava para mim tão amorosa!... Perguntou-me: Cadê seu
morro! Sou tua, só tua... de mais ninguém. pai? Respondi com medo: Está na roga; quer mecê, que ele venha?
E caía prostrada no leito, sacudida por arrepios nervosos. — Não, me disse ela, não é preciso; diga-lhe a ele que eu vim
Um dia, entrou inesperadamente Pereira e achou-a toda até cá, para não deixar Manecão casar com você, porque há de ser
lacrimosa. infeliz... muito!... muito!...
Vinha sereno, mas com ar decidido. — E depois? perguntou Pereira levantando a cabeça com ar
— Que tem você, menina, perguntou ele, meio terno, de alguns sombrio, girando os olhos.
dias para cá? — Depois... disse mais... Se esse homem casar com você, uma
Inocência encolheu-se toda como uma pombinha que se sente grande desgraça há de entrar... nesta casa que foi minha e onde não
agarrar. haverá mais sossego. Bote seu pai bem sentido nisso. E sem mais
palavra, sumiu-se como uma luz que se apaga.
Puxou-a brandamente o pai e fê-la sentar no seu colo.
Cravou Pereira olhar inquiridor na filha.
— Vamos, que é isto, Nocência? Por que se socou assim no
quarto?... Manecão lá fora a toda a hora está perguntando por você... Uma suspeita lhe atravessou o espírito.
Isto não bonito... É, ou não, o seu noivo? — Que sinal tinha sua mãe no rosto?
Redobraram as lágrimas. Inocência empalideceu.
— Mulher não deve atirar-se a cara dos homens... mas também Levando ambas as mãos à cabeça e prorrompendo em ruidoso
é bom não se canhar assim... É de enjoada... Um marido quase, pranto, exclamou:
como ele já é... — Não sei... eu estou mentindo... Isto tudo é mentira! mentira!
De repente o pranto de Inocência cessou. Não vi minha mãe!... Perdão, minha mãe, perdão!
Desvencilhou-se dos braços do pai e, de pé diante dele, E, caindo de bruços sobre a cama, ficou imóvel com os cabelos
encarou-o com resolução: espargos pelas espáduas.
— Papai, sabe por que tudo isto? Contemplou-a Pereira largo tempo sem saber que pensar, que
— Sim. dizer.
— É porque eu... não devo... Súbito se inclinou sobre o corpo da filha e ao ouvido lhe
segredou com muita energia:
— Não devo o quê?
— Nocência, daqui a bocadinho Manecão chega da roça... você
— Casar.
há de ir para a sala... se não fizer boa cara, eu a mato.
Arregalou Pereira os olhos e de espanto abriu a boca.
E erguendo a voz:
— Que? perguntou ele elevando muito a voz...
— Ouviu? Eu a mato!... Quero antes vê-la morta, estendida, do
Compreendeu a pobrezinha que a lata ia travar-se. Era chegado que... a casa de um mineiro desonrada...
o momento.
Às pressas saiu do quarto, deixando Inocência na mesma
Revestiu-se de toda coragem. posição.
— Sim, meu pai, este casamento não deve fazer-se. — Pois bem, murmurou ela, já que é preciso... morra eu!”
— Você está doida? observou Pereira com fingida tranquilidade.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. Ed. São Paulo: Ática, 2001.
Romantismo no Brasil: romance regionalista LITERATURA 63
Módulo 29 1ª Série
O sucesso de Inocência se deve, entre outros fatores, a uma contra o castelhano Barreda, homem responsável pelo assassinato
interessante contraposição entre realidade e ficção existente na de seu pai. O juramento só pode ser cumprido em idade adulta,
obra. Embora a história de amor entre os jovens fosse fictícia, os durante a Guerra dos Farrapos. Também faz parte do enredo a
costumes e valores trazidos por ela eram muito verdadeiros. O história de amor entre Manuel Canho e Catita.
interior do Brasil realmente era, assim como retratado por Taunay,
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extremamente tradicionalista e patriarcal. Outro dado do romance
que condizia com a realidade era a linguagem. No livro, a fala dos
personagens é marcada por expressões características do sertão
mato-grossense.
principal romance, o autor por Flor, filha do capitão-mor Gonçalo Pires Campelo. Durante a
conta a história de José Gomes, história, Arnaldo se ocupa em defender a amada dos mais diversos
o “Cabeleira”. O personagem perigos.
principal, um bandido, passa No trecho a seguir, o protagonista arrisca sua vida para salvar
por uma drástica mudança Dona Flor de um perigo imediato, provocado por um incêndio.
ao se apaixonar por Luisinha, A ação nos faz lembrar, sem esforço, cenas típicas das lendas
uma amiga de infância a qual cavalheirescas da Idade Média:
encontra em uma fuga. A rege- “O incêndio, causado por alguma queimada imprudente,
neração por meio do amor propagava-se com fulminante rapidez pelas árvores mirradas que
sofrida por Cabeleira possibilita não passavam então de uma extensa mata de lenha. A labareda,
que Távora sustente a tese de como a língua sanguinolenta da hidra, lambia os galhos ressequidos,
que o bandido poderia ter um que desapareciam tragados pela fauce hiante do monstro.
destino diferente caso crescesse com condições de vida mais No seio do denso pegão do fumo, que já submergia toda a
favoráveis. selva, rebolcava-se o incêndio como um ninho de serpentes, que
Os temas trazidos por Franklin Távora – a seca, a miséria e o se arremetiam furiosas, enristando o colo, brandindo a cauda e
cangaço, por exemplo – serão retomados alguns anos depois por desferindo silvos medonhos.
autores modernistas como Graciliano Ramos, Jorge Amado e José Ao mesmo tempo parecia que a tormenta percorria a floresta e
Lins do Rego. Por conta disso, Távora é conhecido como fundador a devastava. Ouvia-se muir o vento, agitado pelo ressolho ardente e
do regionalismo do Nordeste, veia da ficção brasileira que ainda ruidoso das chamas; um trovão soturno repercutia nas entranhas da
iria gerar muitos outros frutos. terra, e a cada instante, no meio do constante estridor da ramagem,
reboavam com os surdos baques dos troncos altaneiros os estertores
1.1.3 José de Alencar da floresta convulsa.
Do meio desse torvelinho, o dragão de fogo se arremessava
Acostumado a escrever histórias ambientadas na capital, José de desfraldando as duas asas flamantes, cujo bafo abrasado já crestava
Alencar desloca seu olhar para áreas mais remotas em seus romances as faces mimosas de D. Flor, e a revestiam de reflexos purpúreos.
regionalistas. Eles trazem como característica em comum a presença Entre as duas torrentes ígneas que transbordavam inundando
de personagens marcados pela superação das dificuldades impostas o campo e não tardavam sossobrá-lo, a donzela não desanimou, e
por um cenário adverso. Dentre os quatro romances regionalistas fez um supremo esforço para arrancar seu cavalo do estupor que
escritos por ele, podemos destacar dois: O gaúcho e O sertanejo. lhe causava o terror do incêndio.
O romance O gaúcho, publicado em 1870, conta a história de Negros rolos de fumo, porém, a envolveram, e sufocada pelo
Manuel Canho, sobrinho de Bento Gonçalves. Ele jura vingança vapor ela sentiu desfalecer-lhe a vida.
64 LITERATURA
1ª Série Módulo 29
Então com um gesto de sublime resignação cruzou as mãos Arrojou-se o mancebo intrepidamente nessa voragem. Estrei-
ao peito, reclinou a linda fronte, e abandonou-se à morte cruel tando com o braço direito o corpo da donzela cujo busto envolvera
que vinha ceifar-lhe sem piedade a primícia de sua beleza, quando em seu gibão de couro, com um leve aceno da mão esquerda
apenas desabrochava. suspendia pelas rédeas o bravo campeador que, de salto em salto,
Nenhum grito lhe rompeu do seio nessa tremenda angústia; transpôs aquelas torrentes de fogo, como tantas vezes sobrepujara
com o nobre pudor das almas altivas recalcou o supremo gemido, e os rios caudalosos, abarrotados pelas chuvas do inverno.
em seus lábios mimosos a voz feneceu exalando apenas esta palavra, Fustigado pelas chamas que já o atingiam, e instigado também
que resumia toda a sua aflição: do exemplo, o baio, saindo afinal do torpor que dele se apossara,
— Jesus!… O corpo desmaiado resvalou pelo flanco do baio, disparou à cola do brioso campeador; porém, menos intrépido e
mas não chegou a cair. Um braço robusto o suspendeu quando já ágil, muitas vezes tropeçou no braseiro, donde a custo pôde safar-se.
a fralda do roupão de montar arrastava pelo chão. Para rodear a coluna de fogo que lhe cortava o caminho da
Apenas o sertanejo conheceu o perigo em que se achava a fazenda, teve o sertanejo de dar grande volta, que o levou aos fundos
da habitação, completamente deserta nesse momento, pois todos
donzela, rompeu-lhe do seio um grito selvagem, o mesmo grito
os moradores e gente do serviço, avisados pelo toque da trombeta,
que fazia estremecer o touro nas brenhas e que dava asas ao seu haviam acorrido para o terreiro da frente a receber os donos e
bravo campeador. festejar a chegada.
No mesmo instante achava-se perto da moça, a quem tomara Saltou o mancebo em terra sem esperar auxílio, e atravessando
nos braços. Para salvá-la era preciso voltar antes de fechar-se o a varanda deitou o corpo desfalecido de D. Flor no longo canapé
círculo de fogo, que já o cingia por todos os lados com exceção da de couro adamascado, que ornava a sala principal.
estreita nesga de terra por onde acabava de passar. Compôs rapidamente, mas com extrema delicadeza, as amplas
dobras da saia de montar, para que não ofendessem o casto recato
Não houve de sua parte a mínima demora; o campeador
da donzela, descobrindo-lhe a ponta do pé, nem desconsertassem
devorou o espaço, e não se poderia dizer que chegara, pois sem a graciosa postura dessa linda imagem adormecida. Com os olhos
parar voltara sobre os pés. Mas o incêndio tinha as asas do dragão; enlevados na contemplação da formosa dama, agitava como leque
retrocedendo, achou-se o sertanejo em face de um bulcão de chamas a aba de seu chapéu do couro, refrescando-lhe o rosto.”
que o investia.
ALENCAR, José de. O sertanejo. 13 ed. São Paulo: Ediouro, s/d.
As duas trombas de fogo, que desfilavam pelo campo fora, se
haviam encontrado, não frente a frente, mas entrelaçando-se, de Tanto em O gaúcho quanto em O sertanejo, o que se destaca
modo que deixavam ainda, de espaço em espaço, restingas de mato é o cuidado de José de Alencar em retratar os valores e costumes
poupadas pelas chamas. da região, além de apresentar as suas características naturais e
especificidades linguísticas.
02 Retire do texto o adjetivo que caracteriza o estado de alma do (A) possibilidade de apresentar uma dimensão desconhecida da
sertanejo, que se apresenta em desarmonia com a natureza. natureza nacional, marcada pelo subdesenvolvimento e pela
falta de perspectiva de renovação.
03 Em que parágrafo o narrador comenta uma outra característica (B) consciência da exploração da terra pelos colonizadores e pela
do Romantismo comumente denominada evasão? Transcreva esse classe dominante local, o que coibiu a exploração desenfreada
trecho. das riquezas naturais do país.
(C) construção, em linguagem simples, realista e documental, sem
04 Aponte a afirmativa que apresenta um traço comum do romance fantasia ou exaltação, de uma imagem da terra que revelou o
regionalista: quanto é grandiosa a natureza brasileira.
(D) expansão dos limites geográficos da terra, que promoveu o
(A) Retrato da vida na corte. sentimento de unidade do território nacional e deu a conhecer
(B) Divulgação de aspectos locais do interior. os lugares mais distantes do Brasil aos brasileiros.
(C) Descrição dos costumes burgueses. (E) valorização da vida urbana e do progresso, em detrimento do
(D) Valorização de termos de origem indígena. interior do Brasil, formulando um conceito de nação centrado
(E) Reconstituição do passado histórico do país. nos modelos da nascente burguesia brasileira.
66 LITERATURA
1ª Série Módulo 29
Até a árvore solitária que se ergue no meio dos pampas é tipo 04 A obra O gaúcho, de José de Alencar, é uma das mais famosas
dessas virtudes. Seu aspecto tem o que quer que seja de arrojado do regionalismo romântico e elabora um interessante painel
e destemido; naquele tronco derreado, naqueles galhos convulsos, sociocultural do estado do Rio Grande do Sul, numa época muito
próxima da Guerra dos Farrapos, ocorrida em 1935. O enredo é
na folhagem desgrenhada, há uma atitude atlética. Logo se conhece
composto, inclusive, por famosas personagens históricas, como o
que a árvore já lutou com o pampeiro e o venceu. Uma terra seca e
militar brasileiro Bento Gonçalves. Tendo por base os dois primeiros
poucos orvalhos bastam à sua nutrição. A árvore é sóbria e feita às parágrafos do fragmento anterior, explique o que representou para
inclemências do sol abrasador. Veio de longe a semente; trouxe-a o o público leitor da época o contato com esse romance de cunho
tufão nas asas e atirou-a ali, onde medrou. É uma planta emigrante. regionalista.
Como a árvore, são a ema, o touro, o corcel, todos os filhos
05 Em relação ao terceiro parágrafo, aponte a figura de linguagem
bravios da savana. Nenhum ente, porém, inspira mais energica-
no qual ele é estruturado e discorra sobre a importância dessa
mente a alma pampa do que o homem, o gaúcho. De cada ser que mesma figura para o projeto ficcional do Romantismo regionalista.
povoa o deserto, torna ele o melhor; tem a velocidade da ema ou
de corça; os brios do corcel e a veemência do touro.
O coração, fê-lo a natureza franco e descortinado como a vasta
coxilha; a paixão que o agita lembra os ímpetos do furacão; o mesmo
bramido, a mesma pujança. A esse turbilhão do sentimento era
Inocência
indispensável uma amplitude de coração, imensa como a savana.
— Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo! Se não tomam
ALENCAR, José de. O gaucho. 3. ed. São Paulo: Ática, 1998.
estado, ficam jururus e fanadinhas...: se casam podem cair nas
mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias! Ih meu
Texto II
Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo... São redomas
Tal é o pampa de vidro que tudo pode quebrar... Enfim, minha filha, enquanto
Esta palavra originária da língua quíchua significa simples- solteira, honrou o nome de meus pais... O Manecão que se aguente,
mente o plaino; mas sob a fria expressão do vocábulo está viva e quando a tiver por sua... Com gente de saia não há que fiar... Cruz!
palpitante a ideia. Pronunciai o nome, com o povo que o inventou. botam famílias inteiras a perder, enquanto o demo esfrega um olho.
Não vedes no som cheio da voz, que reboa e se vai propagando Esta opinião injuriosa sobre as mulheres é em geral corrente
expirar no vago, a imagem fiel da savana a dilatar-se por horizontes nos nossos sertões e traz como consequência imediata e prática,
infindos? Não ouvis nessa majestosa onomatopeia repercutir a além da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento
surdina profunda e merencória da vasta solidão? convencionado entre parentes muito chegados para filhos de menor
Nas margens do Uruguai, onde a civilização já babujou a idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos, mal se
virgindade primitiva dessas regiões, perdeu o pampa seu belo suspeita possibilidade de qualquer intriga amorosa entre pessoa
nome americano. O gaúcho, habitante da savana, dá-lhe o nome da família e algum estranho.
de campanha.
TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle Visconde de. Inocência. São Paulo: Ática, 2010.
ALENCAR, José de. Obras Completas. 3v. Rio de Janeiro: Ed. Aguidar 1959.
Módulo 30 1ª Série
A divisão, para fins didáticos, da literatura em escolas literárias, Os leitores devem já estar fatigados de histórias de travessuras de
faz, muitas vezes, com que algumas obras sejam reduzidas a uma criança; já conhecem suficientemente o que foi o nosso memorando
lista de características que podem ser facilmente decoradas. No em sua meninice, as esperanças que deu, e o futuro que prometeu.
entanto, embora as obras de autores de um mesmo estilo literário Agora vamos saltar por cima de alguns anos, e vamos ver realizadas
possuam elementos afins, não se pode deixar de considerar a algumas dessas esperanças. Agora começam histórias, se não mais
existência de um estilo individual, bem como a possibilidade do importantes, pelo menos um pouco mais sisudas.
advento de obras que se distanciam das características do Como sempre acontece a quem tem muito onde escolher, o
movimento literário em que se inserem. pequeno, a quem o padrinho queria fazer clérigo mandando-o a
Coimbra, a quem a madrinha queria fazer artista metendo-o na
No Romantismo, esse é
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da mulher. Além disso, diferentemente do que era comum nos como o inglês Lord Byron, o americano Edgar Allan Poe e o francês
romances urbanos, ele tem como cenário não o Rio de Janeiro das Charles Baudelaire, alguns autores românticos investiram em uma
elites burguesas, mas aquele das classes mais baixas. A linguagem literatura que trazia à tona elementos como a loucura, o macabro,
utilizada se distancia da linguagem romântica, marcada pelo exagero o vício e o sexo. Os principais expoentes brasileiros dessa prosa
e pela utilização excessiva de figuras de linguagem. Por fim, a “maldita” foram Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães.
narrativa é marcada por um particular bom humor. Contrapondo-se ao racionalismo, eles produziram uma literatura
que se preocupava justamente em perscrutar os lados mais ilógicos
Outro bom exemplo de prosa romântica não convencional é a e sombrios da mente humana.
novela Jupira, de Bernardo Guimarães. Embora tenha produzido
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obras que seguiam a cartilha romântica, como o romance A escrava
Isaura, o autor sempre mostrou talento para a sátira e para o humor.
Até mesmo poemas pornográficos fazem parte de sua produção.
Em Jupira, ele conta a história da índia homônima, filha de mãe
índia com pai branco.
Distanciando-se do indianismo tradicional, Guimarães foge da
idealização do índio ao apresentar uma protagonista cujo caráter
pode ser questionado em muitos momentos da trama. Jupira é uma
personagem vingativa, que não mede esforços para conseguir o que
quer, chegando, inclusive, a cometer assassinato. A questão da misci-
genação também é trabalhada de forma crítica pelo autor: Jupira vive
entre a mata e a cidade, identificando-se ora com a cultura indígena,
de sua mãe, ora com a cultura do branco, de seu pai.
Essa é uma das obras que fazem Bernardo Guimarães ser
apontado como um antecipador da estética realista. Além do baixo Selo de 1949, nos Estados Unidos, com a imagem de Allan Poe
grau de idealização, a linguagem utilizada pelo autor se distancia
das metáforas e hipérboles largamente utilizadas pelos românticos. Das obras góticas produzidas no Romantismo brasileiro,
merece destaque Noite na taverna, de Álvares de Azevedo. Nela,
O trecho abaixo, que narra o assassinato do índio Baguari por
o autor reuniu uma série de contos que, embora apresentem certa
Jupira, é um bom exemplo disso:
independência, estão ligados uns aos outros por um fio narrativo.
Apenas se havia afastado umas quatro ou cinco braças da canoa, Como indica seu título, a obra é ambientada em uma taverna, lugar
Jupira toma o arco, e acocha-lhe uma flecha, que foi cravar-se na no qual grupos de homens se reúnem para beber e conversar. Eles
espádua. O índio arrancou um rugido de dor, e afundou-se por um começam, então, a contar algum episódio de sua vida. Cada uma
momento, apenas surgiu de novo à tona d’água, nova flecha voou do dessas narrativas constitui um dos contos que compõem o livro, as
arco de Jupira e foi cravar-se na outra espádua do índio. Nenhuma quais apresentam temas bizarros como necrofilia, antropofagia
das flechas, porém, havia penetrado muito fundo, e nem lhe tolhiam e incestos.
o movimento dos braços; o índio, enfurecido, lançou-se sobre a
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2. A prosa gótica
Outro tipo de prosa que encontrou espaço, ainda que reduzido,
no Romantismo, foi a gótica. Inspirados em escritores estrangeiros
Álvares de Azevedo
70 LITERATURA
1ª Série Módulo 30
O trecho abaixo pertence a um dos contos do livro, cujo estrangeira. Dessa forma, ao investir em textos teatrais, o Roman-
narrador é o personagem Solfieri: tismo dava um passo à frente no tão almejado processo de formação
da literatura brasileira.
Eu me encostei à aresta de um palácio. A visão desapareceu no
escuro da janela e daí um canto se derramava. Não era só uma voz Assim como acontecia com os romances românticos, o principal
melodiosa: havia naquele cantar um como choro de frenesi, um público das peças teatrais românticas eram os membros da corte.
como gemer de insânia: aquela voz era sombria como a do vento a Além de ser uma grande diversão em tempos de escassas formas de
noite nos cemitérios cantando a nênia das flores murchas da morte. entretenimento, o sucesso do teatro também pode ser creditado ao fato
de que muitas pessoas não sabiam ler. Dessa forma, assistir a peças era
Depois o canto calou-se. A mulher apareceu na porta. Parecia
uma interessante alternativa à leitura de livros.
espreitar se havia alguém nas ruas. Não viu a ninguém – saiu. Eu
segui-a. Muitos autores românticos enveredaram, em suas peças, para
A noite ia cada vez mais alta: a lua sumira-se no céu, e a chuva os temas históricos. É o caso de Gonçalves Dias. Além de ser o
caía as gotas pesadas: apenas eu sentia nas faces caírem-me grossas principal nome da poesia da primeira geração romântica, foi autor de
lágrimas de água, como sobre um túmulo prantos de órfão. textos dramáticos. Distanciando-se do indianismo recorrente em sua
Andamos longo tempo pelo labirinto das ruas: enfim ela parou: literatura, o autor produziu textos teatrais que lidavam com questões
estávamos num campo. mais universais, como Leonor de Mendonça, o principal deles.
Aqui, ali, além eram cruzes que se erguiam de entre o ervaçal. Outro poeta romântico a se interessar pelos textos teatrais foi
Ela ajoelhou-se. Parecia soluçar: em torno dela passavam as aves Álvares de Azevedo. Sua única peça produzida, Macário, coloca em
da noite. cena uma realidade com a qual o autor estava muito acostumado:
Não sei se adormeci: sei apenas que quando amanheceu a das repúblicas de estudantes de São Paulo. Pertencente à face
achei-me a sós no cemitério. Contudo a criatura pálida não fora Caliban do poeta, a peça trazia à tona a atmosfera “mal do século”,
uma ilusão – as urzes, as cicutas do campo santo estavam quebradas muito presente nas obras da segunda geração romântica. Além disso,
junto a uma cruz. também estava em consonância com a produção gótica de Álvares
O frio da noite, aquele sono dormido a chuva, causaram-me de Azevedo. O diálogo entre Macário, personagem principal que
uma febre. No meu delírio passava e repassava aquela brancura de dá nome à peça, e Satã é prova disso.
mulher, gemiam aqueles soluços e todo aquele devaneio se perdia José de Alencar, prolífico escritor de romances, também
num canto suavíssimo... se interessou pelos textos dramáticos. Assim como ocorria em
Um ano depois voltei a Roma. Nos beijos das mulheres nada seus romances urbanos, Alencar colocou em discussão questões
me saciava: no sono da saciedade me vinha aquela visão. brasileiras importantes. Um exemplo disso são suas duas principais
Uma noite, e após uma orgia, eu deixara dormida no leito peças, Mãe e O demônio familiar, que trazem como principal tema
dela a condessa Barbara. Dei um último olhar àquela forma nua e a escravidão.
adormecida com a febre nas faces e a lascívia nos lábios úmidos,
Embora Gonçalves Dias,
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gemendo ainda nos sonhos como na agonia volutuosa do amor.
Álvares de Azevedo e José de
– Saí. – Não sei se a noite era límpida ou negra – sei apenas que a
Alencar tenham produzido
cabeça me escaldava de embriaguez. As taças tinham ficado vazias
importantes peças românticas,
na mesa: nos lábios daquela criatura eu bebera até a última gota o
nenhum deles alcançou, nesse
vinho do deleite.
meio, tanto sucesso quanto
Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas
Martins Pena. Fundador da
passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As
comédia brasileira, seus textos
luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era
teatrais eram leves e bem-
o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte
-humorados. Era por meio do
na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos
riso que ele criticava uma série
mal apertados... Era uma defunta! ... e aqueles traços todos me
de elementos da realidade Martins Pena
lembraram uma ideia perdida. . —Era o anjo do cemitério? Cerrei
brasileira.
as portas da igreja, que, ignoro por que, eu achara abertas. Tomei o
É possível observar como isso acontece no texto abaixo,
cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo.”
retirado de sua peça O juiz de paz na roça. Nele, coloca-se em xeque
a integridade do juiz, que faz uso de sua posição de autoridade
AZEVEDO, Álvares de. Noite na taverna. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br>. para beneficiar a si mesmo. Mesmo se passando no século XIX, a
discussão é bastante atual.
3. Teatro romântico
Escrivão: (lendo) Diz João de Sampaio que, sendo ele senhor
Os autores românticos se ocuparam também com a produção
absoluto de um leitão que teve a porca mais velha da casa, aconteceu
de peças teatrais. No Brasil, o teatro, assim como as outras mani-
que o dito acima referido leitão furasse a cerca do Sr. Tomás pela
festações artísticas, apresentava grande dependência da produção
Romantismo no Brasil: prosa romântica não-convencional LITERATURA 71
Módulo 30 1ª Série
parte de trás, e com sem-ceremônia que tem todo o porco, fossasse 02 Das alternativas abaixo, indique a que contraria as caracterís-
a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. juiz, que o ticas mais significativas do romance Memórias de um sargento de
leitão, carece agora advertir, não tem culpa, porque nunca vi um milícias, de Manuel Antônio de Almeida:
porco pensar como o cão, que é outra qualidade de alimária e que (A) Romance de costumes que descreve a vida da coletividade
pensa às vezes como um homem. Para V. Sa não pensar que minto, urbana do Rio de Janeiro, na época de D. João VI.
lhe conto uma história: a minha cadela Troia, aquela mesma que (B) Narrativa de malandragem, já que Leonardo, personagem
escapou de morder a V. Sa naquela noite, depois que lhe dei uma principal, encarna o tipo do malandro amoral que vive o
tunda nunca mais comeu na cuia com os pequenos. Mas vou a presente, sem qualquer preocupação com o futuro.
(C) Livro que se liga aos romances de aventura, marcado por
respeito de dizer que o Sr. Tomás não tem razão em querer ficar com
intenção crítica contra a hipocrisia, a venalidade, a injustiça e
o leitão só porque comeu três ou quatro cabeças de nabo. Assim,
a corrupção social.
peço a V. S.a que mande entregar-me o leitão. E.R.M. (D) Obra considerada de transição para um novo estilo de época,
Juiz: É verdade, Sr. Tomás, o que o Sr. Sampaio diz? ou seja, o Realismo/Naturalismo.
Tomás: É verdade que o leitão era dele, porém agora é meu. (E) Romance histórico que pretende narrar fatos de tonalidade
heroica da vida brasileira, como os vividos pelo Major Vidigal,
Sampaio: Mas se era meu, e o senhor nem mo comprou, nem ambientados no tempo do rei.
eu lho dei, como pode ser seu?
Tomás: É meu, tenho dito. 03 Sobre o romance Memórias de um sargento de milícias, de
Sampaio: Pois não é, não senhor. (Agarram ambos no leitão e Manuel Antônio de Almeida, é correto afirmar:
puxam, cada um para sua banda.)
(A) Trata-se de uma obra com evidentes convicções políticas de
Juiz: (levantando-se) Larguem o pobre animal, não o matem! ordem liberal, com descrições minuciosas da vida campestre
Tomás: Deixe-me, senhor! do século XIX. É justamente pelo seu processo descritivo
Juiz: Sr. Escrivão, chame o meirinho. (os dois apartam-se) que o livro vem sendo caracterizado como paradigmático do
Espere, Sr. Escrivão, não é preciso. (assenta-se) Meus senhores, só Realismo brasileiro, sobretudo pela crítica que faz ao trabalho
escravo.
vejo um modo de conciliar esta contenda, que é darem os senhores
(B) O fio condutor da narrativa é o trabalho escravo. Nesses termos,
este leitão de presente a alguma pessoa. Não digo com isso que a obra, conduzida segundo os preconceitos vigentes em torno
mo deem. do casamento, do dinheiro e da vida política, tem em seu herói,
Tomás: Lembra Vossa Senhoria bem. Peço licença a Vossa Leonardo Pataca, o símbolo do povo brasileiro.
Senhoria para lhe oferecer. (C) O fio condutor da narrativa é o trabalho escravo. Nesses termos,
a obra, de cunho fortemente regional, procura retratar o sertão
Juiz: Muito obrigado. É o senhor um homem de bem, que não
bruto, criando tipos populares e folclóricos. Suas mulheres e
gosta de demandas. E que diz o Sr. Sampaio? homens são marcados pela perpétua sujeição à necessidade,
Sampaio: Vou a respeito de dizer que se Vossa Senhoria aceita, sentida como destino a ser cumprido por cada um.
fico contente. (D) Por se ambientar numa época pretérita (o Rio de Janeiro sob
Juiz: Muito obrigado, muito obrigado! Faça o favor de deixar o domínio de D. João VI), o método de composição do livro
ver. Ó homem, está gordo, tem toucinho de quatro dedos! Com aproxima sua narrativa da crônica histórica. Além disso, há nele
um aspecto representativo da sociedade da época: a construção
efeito! Ora, Sr. Tomás, eu que gosto tanto de porco com ervilha!
dos personagens, especialmente Leonardo, “filho de uma pisadela
Tomás: Se Vossa quer, posso mandar algumas. e de um beliscão”, segundo os tipos e costumes do Rio antigo.
Juiz: Faz-me muito favor. Tome o leitão e bote no chiqueiro (E) A partir da vida de Leonardo, “filho de uma pisadela e de um
quando passar. Sabe aonde é? beliscão”, o leitor pode se informar sobre a condição familiar
brasileira do século XIX nos meios rurais e urbanos. Os traços
Tomás: (tomando o leitão) Sim senhor.
de composição da narrativa, visceralmente românticos, têm
Juiz: Podem se retirar, estão conciliados.” por temática a crítica ao trabalho escravo.
PENA, Martins. O juiz de paz na roça. Disponível em: <www.bdteatro.ufu.br>.
04 Sobre a literatura gótica, podemos afirmar que:
05 É correto afirmar que a novela Jupira, de Bernardo Guimarães: (A) manifesta os sentimentos antilusitanos do autor, que enfatiza
a grosseria dos portugueses em oposição ao refinamento dos
(A) filia-se à tradicional corrente indianista romântica ao apresentar brasileiros.
uma protagonista feminina sensual e idealizada. (B) revela os preconceitos sociais do autor, que retrata de maneira
(B) corrobora com o ideal de amor romântico ao apresentar uma cômica as classes populares, mas de maneira respeitosa a
heroína que faz qualquer coisa para ficar ao lado de seu amado. aristocracia e o clero.
(C) contrapõe-se ao indianismo tradicional ao retratar uma heroína (C) reduz as relações amorosas a seus aspetos sexuais e fisiológicos,
cujo principal traço é a covardia. conforme os ditames do Naturalismo.
(D) critica o Romantismo ao demonstrar que o índio não merece (D) opõe-se ao tratamento idealizante e sentimental das relações
ser protagonista dos romances românticos. amorosas, dominante do Romantismo.
(E) contrapõe-se ao indianismo tradicional ao retratar o nativo de (E) evidencia a brutalidade das relações inter-raciais, própria do
forma menos idealizada. contexto colonial escravista.
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Uma noite do século Texto I
— Silêncio, moços! Acabai com essas cantilenas horríveis! Não O garimpeiro
vedes que as mulheres dormem ébrias, macilentas como defuntos? Lúcia tinha dezoito anos, seus cabelos eram da cor do jacarandá
Não sentis que o sono da embriaguez pesa negro naquelas pálpebras brunido, seus olhos também eram assim, castanhos bem escuros.
onde a beleza sigilou os olhares da volúpia? Este tipo, que não é muito comum, dá uma graça e suavidade
— Cala-te, Johann! enquanto as mulheres dormem e Arnold-o- indefinível à fisionomia.
-louro1 cambaleia e adormece murmurando as canções de orgia de Sua tez era o meio termo entre o alvo e o moreno, que é, a meu
Tieck2, que música mais bela que o alarido da saturnal3? Quando as ver, a mais amável de todas as cores. Suas feições, ainda que não
nuvens correm negras no céu como um bando de corvos errantes, eram de irrepreensível regularidade, eram indicadas por linhas
e a lua desmaia como a luz de uma lâmpada sobre a alvura de uma suaves e harmoniosas. Era bem feita, e de alta e garbosa estatura.
beleza que dorme, que melhor noite que a passada ao reflexo das Retirada na solidão da fazenda paterna, desde que saíra da
taças? escola, Lúcia crescera como o arbusto do deserto, desenvolvendo em
— És um louco, Bertram! Não é a lua que lá vai macilenta: é o plena liberdade todas as suas graças naturais, e conservando ao lado
relâmpago que passa e ri de escárnio às agonias do povo que morre... dos encantos da puberdade toda a singeleza e inocência da infância.
aos soluços que seguem as mortualhas do cólera!
Lúcia não tinha uma dessas cinturas tão estreitas que se possam
abranger entre os dedos das mãos; mas era fina e flexível. Suas mãos
74 LITERATURA
1ª Série Módulo 30
e pés não eram dessa pequenez e delicadeza hiperbólica, de que os Lágrimas a ele? Fora loucura! Que durma, e que durma com suas
romancistas fazem um dos principais méritos das suas heroínas; lembranças negras! revivam: acordem apenas os miosótis abertos,
mas eram benfeitos e proporcionados. naquele pântano! Sobreague naquele não ser o eflúvio de alguma
Lúcia não era uma dessas fadas de formas aéreas e vaporosas, lembrança pura!
uma sílfide ou uma bayadère1, dessas que fazem o encanto dos — Bravo! Bravíssimo! Claudius, estás completamente bêbedo!
salões do luxo. Tomá-la-íeis antes por uma das companheiras de Bofé que estás romântico!
Diana, a caçadora, de formas esbeltas, mas vigorosas, de singelo — Silêncio, Bertram! Certo que esta não é uma lenda para
mas gracioso gesto. inscrever-se após das vossas: uma dessas coisas que se contem com
Todavia era dotada de certa elegância natural, e de uma delica- os cotovelos na toalha vermelha, e os lábios borrifados de vinho e
deza de sentimentos que não se esperaria encontrar em uma roceira. saciados de beijos... Mas que importa?
1
Bayadère (francês): dançarina das Índias, dançarina de teatro. Vós todos, que amais o jogo, que vistes um dia correr naquele
abismo uma onda de ouro – redemoinhar-lhe no fundo, como
GUIMARÃES, Bernardo. O garimpeiro.
Rio de Janeiro: B.L. Garnier Livreiro – Editor do Instituto, 1872. p. 14-16. um mar de esperanças que se embate na ressaca do acaso, sabeis
melhor que vertigem nos tonteia então: ideais melhor a loucura que
01 Na descrição da beleza das mulheres, os escritores nem sempre nos delira naqueles jogos de milhares de homens, onde fortuna,
se restringem à realidade, mesclando aspectos reais e ideais. Uma aspirações, a vida mesma vão-se na rapidez, de uma corrida, onde
das características do Romantismo, a esse respeito, era a forte
todo esse complexo de misérias e desejos, de crimes e virtudes que
tendência para a idealização, embora nem todos os ficcionistas a
adotassem como regra dominante. Com base nessas informações, se chama a existência se joga numa parelha de cavalos!
releia atentamente o quarto parágrafo do fragmento de O Ggarim- AZEVEDO, Álvares de. Noite na taverna. Porto Alegre: L&PM, 2006. p. 57.
peiro e identifique na descrição da personagem Lúcia uma atitude
crítica do narrador ao idealismo romântico. 02 No Romantismo, o artista traz à tona o seu mundo interior
com plena liberdade. Isso se faz presente na obra Noite na taverna,
Texto II em que cada narrador-personagem revela a sua trajetória de vida
marcada por amores frustrados ou proibidos, pelo sofrimento e
Nessa torrente negra que se chama a vida, e que corre para
pela presença frequente da morte.
o passado enquanto nós caminhamos para o futuro, também Considere o fragmento no todo do capítulo “Claudius Hermann” e
desfolhei muitas crenças, e lancei despidas as minhas roupas mais teça um comentário sobre o enfoque romântico dado pelo narrador-
perfumadas, para trajar a túnica da Saturnal! O passado é o que foi, -personagem ao amor e à vida. Exemplifique suas afirmações com
é a flor que murchou, o sol que se apagou, o cadáver que apodreceu. fatos da narrativa.
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