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RESUMO
Esse artigo apresenta um debate teórico acerca da crescente atuação do Poder Judiciário,
no Brasil, dando enfoque para as decisões da Suprema Corte. Além disso, expõe a
evolução histórica do Poder Judiciário e dos modelos de separação entre três os poderes,
dando maior enfoque ao modelo proposto por Montesquieu, pois a Constituição
brasileira vigente adota tal formulação, na qual os poderes devem ser independentes e
harmônicos entre si. Propõe-se, também, a analisar expressões confundidas
erroneamente por grande parte dos cidadãos: judicialização e ativismo judicial,
observando suas possíveis causas e consequências. Por fim, o artigo pretende criar um
senso crítico nos leitores no que tange ao tema das questões judiciais, deixando para
eles a reflexão sobre a nocividade ou não da atuação expansiva do Poder Judiciário aos
preceitos constitucionais e à democracia.
This article presents a theoretical debate about the growing role of the Judiciary in
Brazil, giving focus to Supreme Court decisions. In addition, it exposes the historical
evolution of the Judiciary and the models of separation between three powers, giving
greater focus to the model proposed by Montesquieu, since the current Brazilian
Constitution adopts such a formulation, in which powers must be independent and
harmonious with each other. It is also proposed to analyze expressions mistakenly
mistaken by most citizens: judicialization and judicial activism, noting their possible
causes and consequences. Finally, the article intends to create a critical sense in the
readers about the judicial questions, leaving to them the reflection on the harmfulness or
not of the expansive action of the Judiciary Power to the constitutional precepts and to
the democracy.
INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende discorrer sobre o Poder Judiciário, que vem, nos últimos
anos, desempenhando um papel cada vez mais importante na vida institucional
brasileira, alguns constitucionalistas chegam a afirmar que o Brasil está vivendo uma
Juristocracia (sistema de governo, geralmente não democrático, baseado em decisões de
juízes, magistrados, desembargadores, etc.) velada, isto é, um sistema de governo em
que o poder decisório pertence ao Poder Judiciário, ferindo, assim, a linha tênue de
separação entre os três poderes, que pressupõe independência e harmonia entre os
poderes.
Para uma melhor compreensão do tema, esse artigo se propõe a explanar sobre a
separação de poderes, principalmente, através do modelo introduzido por Montesquieu,
em sua obra O Espírito das Leis, no qual pretende distribuir as competências do poder
uno e indivisível, pertencente ao Estado, para o organizar de acordo com as seguintes
funções: governar, legislar e julgar. Os poderes, segundo Montesquieu, deveriam ser
divididos em uma tríade, acreditava-se que, a partir dessa organização, poderiam
compor um poder estatal equilibrado na sua forma organizacional, pois cada vértice
dependeria dos demais.
Além disso, o artigo vai tratar também da atual importância dada ao Supremo Tribunal
Federal (STF) em comparação ao prestígio dado ao Judiciário em outros momentos da
história, por exemplo, a Escola de Exegese, na França do século XIX, que
menosprezava o Poder Judiciário, definindo-o apenas como um mero repetidor da lei,
indo em contraponto até mesmo com a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, que
afirma que o magistrado decide segundo a sua vontade, baseando-se na moldura
oferecida pela lei.
O artigo se propõe, também, a dissertar acerca dos riscos proporcionados por uma
possível atuação expansiva do Judiciário, a redução da legitimidade democrática e a
politização da justiça, e dos motivos que fomentam a crescente atividade desse poder,
por exemplo, as lacunas normativas.
Acerca da separação entre os três poderes é importante inferir que o pioneiro de tal
pensamento foi Aristóteles, em sua obra A Política[2], na qual discorre, já na
Antiguidade Clássica, sobre a existência de três órgãos separados a fim de organizar o
poder do Estado, seriam eles: Poder Deliberativo, Poder Executivo e Poder Judiciário.
Para Aristóteles, o Poder Deliberativo deveria ser soberano, pois decidiria sobre as
questões do Estado, por exemplo, decidir acerca da paz e da guerra, já ao Poder
Executivo seria responsável por aplicar as decisões provenientes do Poder Deliberativo
e ao Poder Judiciário seria dada a função jurisdicional.
Em seguida, Maquiavel, no século XVI, em sua obra O Príncipe[3], também propôs um
modelo de separação dos poderes, no qual revelou uma França com três poderes
distintos: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. O Poder Legislativo,
representado pelo parlamento, seria responsável por criar leis; o Poder Executivo,
materializado na figura do monarca, teria a função de governar e administrar os
interesses públicos e o Poder Judiciário, autônomo, foi atribuída a função jurisdicional.
Assim, Maquiavel pretendia, através da Separação dos Poderes, beneficiar o Rei, pois
sem ter que decidir conflitos ou editar leis o Rei estaria se poupando de uma possível
deterioração à sua imagem.
Posteriormente, Locke, em sua obra Segundo Tratado Sobre o Governo Civil[4], volta a
defender a separação dos três poderes, nesse caso, dividida em: Poder Executivo, Poder
Legislativo e Poder Federativo. Para Locke, o Poder Legislativo seria responsável pela
elaboração das leis e deveria ser superior aos demais, pois todos deveriam estar
submetidos as leis e essas deveriam ter como finalidade o bem do povo, o Poder
Executivo foi incumbido de aplicar as leis e o Poder Federativo, que deveria ser
vinculado ao Poder Executivo, foi atribuída a função de regular as relações
internacionais do governo.
seus membros, derivam dele e lhe são subordinados (LOCKE, 1994, p.76)[5].
Por último, surgiu Montesquieu com o ideal de tripartição de poderes, modelo que visa
a melhor atuação do Estado através fragmentação do poder em órgão distintos,
independentes e harmônicos. A estrutura de organização do poder proposta por
Montesquieu é, ainda hoje, a mais aceita e utilizada, o filósofo apresenta, em sua obra O
Espírito das Leis, o princípio da tripartição dos poderes e divide as competências do
governo em três grandes órgãos: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário.
Sobre isso, o autor ratifica: “Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou mesmo corpo
dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse esses três poderes: o de fazer as
leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar crimes ou as divergências dos
indivíduos” (MONTESQUIEU, 1960, p. 149)[6].
Para ratificar o entendimento desse fato é válido apresentar a afirmação feita pela
Procuradora do Estado de Santa Catarina, Ângela Cristina Pelicioli:
O que interessa é impedir a concentração de poderes em uma única pessoa. Para isso, o
princípio também abriga a premência do controle recíproco entre os titulares destas
funções estatais. Para tal fim, Montesquieu previu as faculdades de impedir e estatuir, o
que mais tarde, após a contribuição de Bolingbroke, passou a ser denominado de
sistema de freios e contrapesos (checks and balances), de importância vital para o
equilíbrio entre os poderes (LIMA, 2006, p. 4)[8].
Para elucidar essa corrente de pensameno é salutar apresentar a afirmação feita pelo
professor de Direito Constitucional, João Carlos Medeiros de Aragão: “Por meio do
balanceamento dos poderes (freios e contrapesos), com cada um deles responsável por
variadas funções, pode-se controlar o poder e garantir a liberdade e o bem-estar dos
cidadãos. A síntese do controle é limitar o poder” (DE ARAGÃO, 2013, p. 35)[9].
Para exemplificar essa questão é fundamental expor a menção feita por Tercio Sampaio
Ferraz Júnior e José Cretella Júnior, na obra Introdução a Estudo do Direito:
Para Savigny, jurista alemão considerado um dos pais da Escola Histórica do Direito,
não será a lei, norma racionalmente formulada e positivada pelo legislador,
que será primariamente o objeto de ocupação do jurista, mas a convicção comum do
povo (o “espírito do povo”), este sim a fonte originária do direito, que dá o sentido
(histórico) ao direito em constante transformação (JÚNIOR E SAMPAIO, 1984, p.
70)[11] .
Percebe-se, desse modo, que até Hans Kelsen, que foi reconhecido pela sua afeição pela
lei e pela forma, defendia a atuação do Poder Judiciário na aplicação da lei, podendo ir
além da sua interpretação literal, já que, segundo ele, a lei possui lacunas para que o
jurista pudesse atuar tendo como base outras fontes do direito. Fica claro, portanto, que
o Poder Judiciário é indispensável para resolução de conflitos sociais, todavia,
analisaremos mais adiante as causas e os efeitos do inchaço desse poder na atualidade.
3. A QUESTÃO DA JUDICIALIZAÇÃO NO BRASIL
De início, faz-se necessário apresentar uma definição para o termo judicialização, que
apesar de não ser única, será adotada, nesse contexto, a conceituação mais uniforme no
que tange definição da expressão, adotada por C. Neal Tate e Tobjorn Vallinder:
“Judicialização é a reação do Judiciário frente à provocação de um terceiro e tem por
finalidade revisar a decisão de um poder político tomando como base a Constituição”
(TATE E VALLINDER apud DE ARAGÃO, 2013, p. 66)[13], tal citação elucida o
entendimento do conceito que será tratado mais adiante.
O sistema adotado pelo Brasil combinado a uma Constituição extensa e abrangente, faz
com que qualquer caso moralmente relevante possa ser alçado ao STF. Outrossim,
percebe-se, diante das afirmações feitas acerca dos motivos pelos quais ocorre a
judicialização da política no Brasil, que o Poder Judiciário está sendo provocado a se
pronunciar, em outras palavras, não é por opção das autoridades competentes desse
poder que ele está sendo tratado de forma hegemônica, e sim por consequência do
arranjo institucional brasileiro.
Sobre esse tema o atual ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes, pontua:
4. O ATIVISMO JUDICIAL
Onde há regra expressa, vale a decisão do processo político majoritário. Ou seja, deve-
se respeitar a deliberação do Congresso Nacional. Onde não há regra, o Judiciário pode
avançar, ainda que com certo comedimento. Mas onde haja o direito fundamental de
uma minoria em jogo, o Judiciário deve ser mais diligente e atento, e atuar com mais
vigor (BARROSO, 2013)[17].
Ainda sobre o tema, o magistrado brasileiro e, também, atual Ministro do STF, Luiz
Fux diz:
Essas questões todas deveriam, realmente, ser resolvidas pelo Parlamento. Mas acontece
uma questão muito singular. O Parlamento não quer pagar o preço social de decidir
sobre o aborto, sobre a união homoafetiva e sobre outras questões que nos faltam
capacidade institucional. (FUX, 2016)[18].
Percebe-se, então, que o Poder Judiciário se expande, também, quando a lei se mostra
omissa, ou seja, cabe a esse poder a interpretação autêntica da norma, através de
analogias, costumes ou principios gerais do direito, a autoridade competente deve
expandir o conteúdo exposto na lei, fonte primária do direito, a fim de obter uma
resolução para os casos em que a lei for omissa, constituindo ums integração normativa.
Faz-se pertinente, assim, inferir que tais integrações normativas constituem uma forma
de ativismo judicial necessário, pois o Poder Judiciário é instituído a decidir nos casos
em que a lei for omissa, ratificando a tese de que essa atuação não é necessariamente
prejudicial, pois auxilia na efetivação dos preceitos constitucionais, que apesar de adotar
o modelo introduzido por Montesquieu, atribui ao Judiciário a função de decidir caso
ocorra algum conflitos entre os poderes.
Sobre Direito e política é importante afirmar que esses termos não se confundem. O
primeiro, apesar possui um caráter polissêmico, adota, nesse contexto, a definição de
proposta por Immanuel Kant, em sua obra Crítica da Faculdade do Juízo: “Direito é o
conjunto de condições, segundo as quais, o arbítrio de cada um pode coexistir com o
arbítrio dos outros de acordo com uma lei geral de liberdade”[21], trazendo um pouco
do ideal existente na expressão disseminada pela população que é a de que o Direito de
um indíviduo acaba onde começa o do outro, é imprescíndivel elucidar, ainda, que o
Direito tem seu espaço de atuação limitado por fontes próprias do Direito.
Já o segundo, possui um âmbito livre de atuação e pode ser definido como a arte da
negociação para contabilizar interesses, em síntese, a política envolve decisões parciais
para a conquista de interesses e o Direito pode ser considerado, em tese, isento de
parcialidade. Logo, a justiça deve pertencer ao Direito e não a política, a fim de que se
possa garantir, de fato, a justiça
Após tal análise é válido citar Carlos Alexandre de Azevedo Campos, autor do livro
Dimensões do Ativismo Judicial do STF:
No que tange a esse tema, faz-se propícia, ainda, a apresentação da menção feita por
Luís Roberto Barroso:
Juízes e membros dos tribunais não são agentes públicos eleitos. Sua investidura não
tem o batismo da vontade popular. Nada obstante isso, quando invalida atos do
Legislativo ou do Executivo ou impõe-lhes deveres de atuação, o Judiciário desempenha
um papel que é inequivocamente político. Essa possibilidade de as instâncias judiciais
sobreporem suas decisões às dos agentes políticos eleitos gera aquilo que em teoria
constitucional foi denominado de dificuldade contramajoritária. A jurisdição
constitucional e a atuação expansiva do Judiciário têm recebido, historicamente, críticas
de natureza política, que questionam sua legitimidade democrática e sua suposta maior
eficiência na proteção dos direitos fundamentais. (BARROSO, 2012, p. 12)[23].
CONCLUSÃO
A partir das considerações feitas acima, faz-se mister reiterar que a Constituição
brasileira vigente adota a formulação tripartite, proposta por Montesquieu, na qual os
três poderes devem ser harmônicos e independentes entre si e possuem suas funções
prescritas e delimitadas pelo texto constitucional. Logo, é de suma importância perceber
a linha tênue de separação entre os poderes pode ser ultrapassada pela crescente atuação
do poder Judiciário, que passa a intervir em funções que, preliminarmente, não lhes fora
dada.
É inegável, portanto, que o Poder Judiciário vem expandindo seu campo de atuação,
gerando certos fenômenos, a judicialização e o ativismo judicial, que, embora parecidos,
são originalmente distintos. A judicialização decorre modelo constitucional brasileiro,
isto é, deriva-se da combinação do sistema de controle de constitucionalidade com a
Constituição extensa e abrangente adotados pelo Brasil, fazendo com que o judiciário
amplie o seu âmbito de interferência.
Entretanto, tal poder atua desta forma, muitas vezes, porque possui a função de guardião
da Constituição, assim, o Poder Judiciário intervém para fazer valer os direitos
fundamentais e a democracia, ainda que em contraponto aos demais poderes. Além
disso, o artigo 5º, XXXV, da Constituição prevê a inafastabilidade do controle
jurisdicional, isto é, que o juiz não pode deixar de julgar uma causa que lhe foi
submetida, proibindo a alegação do non liquet e afimando que, caso a lei seja omissa, o
juiz deverá decidir o caso de acordo com analogias, costumes e principios gerais do
direito, pois há lacunas somente na lei e não no Direito.
Em suma, o Poder Judiciário deve ser hegemônico apenas para garantir fundamentos
constitucionais e as integrações normativas, nos demais casos, deve ser deferente a
decisões do legislador e agir somente dentro da moldura oferecida pela lei. Conclui-se,
portanto, que o ativismo judicial não consiste necessariamente em algo negativo, e que
é, por vezes, positivo para a efetivação do texto constitucional. Entretanto, ratifica-se,
também, que tal atitude deve ser tomada somente quando houver de fato uma
necessidade, caso contrário pode se tornar uma ameaça a legitimidade e a justiça do
país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Com casos recentes de ativismo judicial, STF estaria passando dos limites.
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cobertura do site Conjur, disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jun-
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novembro. 2017.
[2] ARISTÓTELES. A política. Traduzido por Roberto Leal Ferreira. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
[4] LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Traduzido por Magda
Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis: Vozes, 1994.
[5] LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil, p. 76. Traduzido por
Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis: Vozes, 1994.
[6] MONTESQUIEU, O Espírito das Leis, p. 149. São Paulo: Edições e Publicações
Brasil Editora S-A, 1960.
[12] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 390. 1ª versão. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2a ed., 2002 (1933).
[17] Luis Roberto Barroso, durante sua sabatina perante a CCJ, em 5 de junho de 2013,
com cobertura do site Conjur, disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jun-
05/ativismo-judicial-tom-sabatina-luis-roberto-barroso-ccj-senado. Acesso em: 13 de
novembro. 2017.
[18] Com casos recentes de ativismo judicial, STF estaria passando dos limites.
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/com-
casos-recentes-de-ativismo-judicial-stf-estaria-passando-dos-limites-
0xrr654jsklj3ricw3gxexjn4. Acesso em: 14 de novembro. 2017.
[21] KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo, p. 93. Trad. Valério Rohden e
Antônio Marques. 2. Ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.