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O discurso musical contrapontístico planeado para o repertório do violão de concerto no

Brasil

A presente pesquisa, tem por finalidade destacar o discurso musical contrapontístico na


performance violonistica e o consequente recrudescimento do repertório, sob o viés da
História Comparada, a partir das obras originalmente escritas para o instrumento, pelo
compositor Marcos Alan dos Reis José. O compositor transcreveu e adaptou para grupos de
câmara obras dos compositores J. S. Bach, G. Muffat, J. Bittner e J. Matheson. Projetou e
transcreveu obras para violão solo, duos, trios e quartetos, provendo o crescimento da
literatura do instrumento. Com o objetivo de elaborar um repertório que atendesse suas
próprias necessidades, tanto performáticas quanto composicionais e que concorresse para o
desenvolvimento e posterior consolidação do repertório violonistico brasileiro, compôs obras
contrapontísticas para o instrumento, escritas originalmente para o violão, consoante com o
idioma do instrumento explorando técnicas do contraponto que são estudadas pelos
instrumentista somente a partir de transcrições. Cabe mencionar que as tentativas de tornar o
violão um instrumento de concerto eram sempre em torno do intento de consolidar um
repertório que fosse escrito originalmente e não que este se afirmasse com obras transcritas de
um instrumento remanescente das camadas populares, visto como andarilho por que tramitava
sem pejo nas mãos daqueles que o queriam como instrumento digno de ser apreciado e de
alcançar distintamente as salas de concerto no Brasil. Marcos Alan questiona a escrita que
vigorava sem perder a referência daqueles que interpretava, tais como os compositores, Heitor
Villa-Lobos e J. S. Bach. Firma bases na escrita contrapontística e na vanguarda musical do
Pós Segunda Guerra Mundial e rompe com aquilo que vigorava no repertório para o violão de
concerto, ou seja, o uso de melodia acompanhada e ainda um instrumento acompanhador da
voz humana. Compôs obras tonais, atonais e seriais. Pesquisas que realizamos sobre o
repertório moderno do violão de concerto nos séculos XX e XXI, detectamos uma lacuna na
literatura originalmente escrita para o estudo, ensino e performance do instrumento com bases
nessa técnica de escrita do contraponto, em especial, nas ementas e programas dos cursos de
Bacharelado da Escola de Música da UFRJ. Recorremos as transcrições elaboradas por
violonistas e compositores que abasteceram a literatura do instrumento com transcrições,
arranjos e adaptações de obras do período Barroco, uma vez que a partir dos Período Clássico,
já encontramos compositores e performers compondo

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originalmente para o instrumento, dirigindo mais atenção aos aspectos didáticos,
metodológicos e pedagógicos. As mudanças ocorridas nas composições musicais foram
insuficientes para preencher essa lacuna que subsiste no repertório do instrumento até os dias
atuais. Inferimos que a prática de transcrição, adaptação e arranjos elaborados por Marcos
Alan, reuniu elementos que alavancaram seu interesse na construção e criação de
composições para a expansão do repertório para o violão de concerto no Brasil. O ambiente e
a inquietação sócio cultural e político são fatores que giram em torno do individuo no tempo e
oferecem o material para sua produção artística. O influencia, desde a seleção do material
para elaboração da obra originalmente projetada, até a escolha das obras que serão transcritas
e adaptadas ao instrumento. Consideramos que, as dificuldades técnicas, sonoras,
presumivelmente as instrumentais, o momento histórico, a compreensão da notação, o
discurso musical e a música como linguagem em sons, são pontos que cabem destacar quando
ideamos elaborar uma composição, transposição ou mesmo adaptação de uma obra musical
para outro instrumento. Para tal, utilizaremos os conceitos de discurso e escrita musical em
Michel Pêcheux e Edson Zampronha. De Representação Social em Serge Moscovici que
busca compreender o processo pelo qual o individuo e os grupos reúnem semelhanças
inseridas no cotidiano entre pluralidades de conhecimentos e identidades. O autor buscou
entender o processo de produção de conhecimentos plurais e detectou que isto reforça a
identidade dos grupos, como também tem influência nas suas práticas. Para Moscovici, o ato
de partilhar é inerente ao indivíduo, faz parte de seu cotidiano e é enraizado em estruturas da
sociedade. Utilizaremos o método comparativo em Marc Bloch como sistematizador deste no
âmbito de suas considerações teóricas como de suas realizações práticas e Jürgen Kocka
quando expressa que, comparar em História, propõe a discussão de ‘dois ou mais fenômenos
históricos musicais sistematicamente a respeito de suas similaridades e diferenças de modo a
alcançar determinados objetivos intelectuais’ que dois aspectos irredutíveis seriam
imprescindíveis: de um lado uma certa similaridade dos fatos, de outro, certas dessemelhanças
nos ambientes em que esta similaridade ocorria. A semelhança e a diferença, estabelecem
aqui um jogo perfeitamente dinâmico e vivo considerando que sem analogias e sem
diferenças não é possível se falar em uma autêntica História Comparada. Em Musicologia,
Joseph KERMAN (1987), após uma revisão crítica e histórica da Musicologia, enquanto tema
de pesquisa e do caráter positivista que a marcou até os anos 1950 (Estados Unidos e
Inglaterra), vislumbrava novas tendências para o campo. Uma das tendências mencionada por
Kerman, reúne uma enorme quantidade de abordagens, entre as quais, a de inclinação
semiológica. Da mesma forma que se traduz uma obra para outro idioma, a escrita musical

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assume o caráter idiomático dos instrumentos para o qual foi composta na partitura que
acontece na sistematização de sinais, indicações, referências a efeitos e sonoridades
específicas do instrumento é elaborada em prol da produção de um discurso particular e
individuador do violão. A análise de apéctos referentes ao pensamento contrapontístico,
manipulação ritmica, indicações de agógica, de dinâmica, de timbres e alturas podem oferecer
o necessário apoio para a leitura e interpretação da obra do compositor Marcos Alan e de
outras obras contrapontísticas, cujo recorte aponta para compositores nos séculos XX e XXI,
cabendo destacar em primeiro plano o compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos. Várias obras
de J. S. Bach, transcritas para o violão, fazem parte da formação do violonista pela
necessidade do estudo de um repertório polifônico e contrapontístico para o instrumento. Esse
repertório é utilizado para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da técnica do aluno de violão
a partir do primeiro período do curso de Bacharelado em Violão da Escola de Música da
UFRJ. Ao reunir informações musicológicas, constantes no nível imanente, de acordo com
Jean Jacques Nattiez, a abordagem referente à execução e interpretação da mesma, viabilizará
ao intérprete maiores possibilidades de executar um novo repertório com a vantagem de se
estar manuseando um material originalmente escrito para o instrumento.

Palavras-chave: Violão. Performance Musical. Repertório. Contraponto.

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