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PARECER JURÍDICO

ÓRGÃO SOLICITANTE: SETOR DE PRÁTICA JURÍDICA – SPPS


ASSUNTO: SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

EMENTA: CÓDIGO PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA


PENA. SURSIS ETÁRIO.

À ARNALDO.

RELATÓRIO

Trata-se de uma consulta a respeito de possível benefício legal a ser requerido pela
defesa de Arnaldo para evitar a execução da pena.
Narram-se os fatos que, no dia 11/01/2016, Arnaldo, nascido em 01/02/1943, primário
de bons antecedentes, enquanto estava em um bar, desferiu pauladas na perna e socos na face
de Severino, nascido em 30/03/1980, por acreditar que este demonstrara interesse amoroso em
sua neta de apenas 16 anos. As agressões praticadas por Arnaldo geraram deformidade
permanente em Severino, que, revoltado com o ocorrido, foi morar em outro estado.
Diante disso, Arnaldo foi denunciado pela prática do crime do Art. 129, § 2º, inciso
IV, do Código Penal, e confessou em juízo, durante o interrogatório, as agressões; contudo,
não foram acostados aos autos boletim de atendimento médico e exame de corpo de delito da
vítima, que também não foi localizada para ser ouvida. As testemunhas confirmaram ter visto
Arnaldo desferir um soco em Severino, mas não viram se da agressão resultou lesão. Em
sentença, diante da confissão, Arnaldo foi condenado a pena de 03 anos de reclusão, deixando
o magistrado de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em virtude da
violência.
Assim, a consulta questiona se em sede de apelação, existe a possibilidade de requerer
algum benefício legal pela defesa de Arnaldo, para evitar a execução da pena, caso sejam
mantidas a condenação e a sanção penal imposta.

Eis o relatório. Passo a opinar.


FUNDAMENTAÇÃO

As indagações apresentadas acima estão relacionadas a uma peculiaridade do processo


de execução da pena, no qual após o processo de conhecimento, o condenado não visa mais
sua absolvição, mas sim uma forma mais amena para o cumprimento da sua pena,
principalmente pela concessão dos benefícios legais a ele cabíveis.
No caso apresentado, nota-se que na data do fato, dia 11 de janeiro de 2016, Arnaldo
encontrava-se com 71 anos de idade, logo depreende-se que é possível a concessão do
SURSIS (Suspensão Condicional da Pena) Etário, uma vez que, Arnaldo tinha mais de 70
anos da data do fato e foi condenado a pena de 03 anos de reclusão, não ultrapassando o limite
previsto no §2º do art. 77 do Código Penal:

Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois)


anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:
§2º A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos,
poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja
maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.

Em vista deste dispositivo, percebe-se que o Sursis tem como natureza jurídica ser
uma medida alternativa à pena privativa de liberdade, tratando assim de um benefício legal. O
renomado doutrinador Rogério Greco, em sua obra Código Penal Comentado, conceitua o
Sursis como:
Verdadeira medida descarcerizadora, a suspensão condicional da pena tem
por finalidade evitar o aprisionamento daqueles que foram condenados a
penas de curta duração, evitando com isso, o convívio promíscuo e
estigmatizante do cárcere. [...] Sursis Etário é aquele concedido ao maior de
70 anos de idade que tenha sido condenado a uma pena privativa de
liberdade não superior a quatro anos. Nessa hipótese, a pena poderá ser
suspensa por quatro a seis anos. (GRECO, R. Código Penal Comentado, Ed.
11º, rev., ampl. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2017, p. 355 e 359.)

Analisando o caso exposto, este preenche todos os requisitos essenciais para


caracterizar a aplicação desse benefício, pois a pena imposta a Arnaldo não ultrapassou o
limite legal previsto no artigo. Dessa forma, observa-se que quando preenchidos os requisitos,
o Sursis é um direito subjetivo do condenado, é o que compreende Rogério Greco na mesma
obra supramencionada:
Ao determinar o obrigatório pronunciamento do juiz, a lei penal exigiu que
fossem analisados todos os requisitos que possibilitam a suspensão
condicional da pena, os quais, se preenchidos, conduzirão à sua concessão
pelo juiz. Assim, trata-se de direito subjetivo do condenado, e não simples
faculdade do julgador. (GRECO, R. Código Penal Comentado, Ed. 11º, rev.,
ampl. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2017, p. 356.)
Dessa forma, é importante destacarmos o entendimento jurisprudencial externado pelo
Tribunal de Justiça de Mato Grosso da 3ª Câmara Cível, a seguir transcrita:

RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRESTAÇÃO


DOS SERVIÇOS DE SAÚDE EM SITUAÇÃO DE URGÊNCIA E
EMERGÊNCIA - EXIGÊNCIA DE CHEQUE CAUÇÃO - PRÁTICA
ABUSIVA - RESOLUÇÃO 44 DA ANS - ARTIGO 39 DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR – DESCUMPRIMENTO DA LEI
ESTADUAL 8.851/2003 – DANO MORAL COLETIVO -
CONFIGURAÇÃO NO CASO CONCRETO - RECURSO DO HOSPITAL
DESPROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO.
Conforme dispõe o artigo 1º, da Resolução Normativa nº 44, de 25 de
junho de 2003, emitida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, bem
como pela Lei Estadual 8.851/2008, é vedada a exigência de caução ou
depósito para a prestação dos serviços de saúde em situação de urgência e
emergência. Ademais, a exigência do cheque caução para internação de
paciente em hospital, nos termos do artigo 39 do Código de Defesa do
Consumidor, é considerada como prática abusiva e expõe o consumidor a
uma desvantagem exagerada em um momento de fragilidade [...]. (Tribunal
de Justiça de MG - APL: 51338/2014, Relator: Desa. Maria Aparecida
Ribeiro, Data de Julgamento: 29/09/2015, Segunda Turma, 3ª Câmara
Civil, Data de Publicação: 15/10/2015). (grifo meu)

Percebe-se que a jurisprudência dos nossos tribunais tem comungado do mesmo


entendimento ora mencionado. Os incisos IV e V do art. 39 do Código de Defesa do
Consumidor asseveram que:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras
práticas abusivas: [...] IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do
consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição
social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do
consumidor vantagem manifestamente excessiva; [...] (grifo meu)

Nesse sentido, necessário se faz mencionar a compreensão do ilustre Flávio Tartuce


a respeito do assunto, que afirma em sua obra que:
A matéria que trata dos vícios contratuais é também regulamentada pela Lei
8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), aplicável aos contratos de
consumo. Os vício do produto previstos na Lei Consumerista, como se sabe,
não revogaram os vícios redibitórios previstos no Código Civil de 1916. Por
razões óbvias, diante do critério da especialidade, o Código Civil de 2002
também não revogou o Código de Defesa do Consumidor no tocante à
matéria. Para as relações desiguais (relações de consumo), aplica-se o CDC.
Para as relações entre iguais (relações civis), terá aplicação o Código Civil.
(TARTUCE, F. Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em
Espécie. Vol. 3, Ed. 12º. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro:
Forense, 2017, p. 271.)
Nesse ínterim, percebe-se que há um conflito aparente entre as normas do Código
Civil e do Código de Defesa do Consumidor, denominado Antinomia, que ocorre durante o
processo de interpretação, que deve ser solucionado através da aplicação dos critérios
hierárquico, cronológico e de especialidade, para que assim haja a solução do conflito. Ainda
com o entendimento de Flávio Tartuce, em outra obra, ele sustenta que:
[...] Utiliza-se a teoria do diálogo das fontes, com solução mais satisfatória
aos consumidores. Na verdade, não se pode mais insistir na premissa de que
o Código Civil é a via de solução para todos os problemas, para a cura de
todos os males. Em muitos casos, a correta solução de enquadramento está
no Código de Defesa do Consumidor e não na lei geral privada. (TARTUCE,
F. Manual de Direito Civil. Vol. único, Ed. 7º. Revista, ampliada e
atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 182.)

Ora, conforme os entendimento supracitados, às relações de consumo deve-se aplicar o


Código de Defesa do Consumidor. Além do que, no Código de Defesa do Consumidor a
abusividade se caracteriza de modo mais amplo do que no Código Civil, sendo assim, uma
proteção mais efetiva da parte desprovida de informação, ou seja, mais favorável ao
consumidor.
Dessa maneira, pode-se chegar à conclusão que entre este conflito de normas de
mesma hierarquia e vigência coincidente, a especial irá prevalecer sobre a geral, pois é mais
conveniente que a norma mais específica sobre o assunto, que precisa de solução, seja a
norma a ser usada.
À vista disso, pode – se afirmar que, neste caso, deve ser aplicado as consequências
dos contratos realizados por meio de práticas abusivas, que estão dispostas no Código de
Defesa do Consumidor no inc. IV, do art. 51, que diz:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam
obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
equidade; [...] (grifo meu)

Portanto, o ato do Dr. Amir foi uma prática abusiva em face de Armando, diante da
extrema necessidade em que se encontrava, e é totalmente inaceitável pela legislação, bem
como doutrina e jurisprudência.
Sendo assim, mesmo o negócio jurídico tendo como vício de consentimento o estado
de perigo, que de acordo com o Código Civil gera anulabilidade, neste caso deve ser aplicado
o que está disposto no Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de uma relação de
consumo, e esta ser uma norma mais favorável aos direitos do consumidor. Dessa forma, o
negócio jurídico é nulo de pleno direito.

CONCLUSÃO
Pelo exposto, opino no sentido de que existe um vício de consentimento na vontade
externada por Armando no negócio jurídico, e após a análise dos fatos e dos requisitos
essenciais, foi constatado que, este está viciado pelo instituto do estado de perigo, previsto no
Código Civil.
Em uma primeira abordagem, é importante salientar que, o referido instituto, por ser
um vício de cunho privado e particular, teria uma nulidade relativa. Entretanto, em uma
segunda análise mais aprofundada, foi considerado fatores como a relação de consumo, o
prevalecimento diante do estado de saúde e a vantagem onerosa, se enquadrando, assim, como
prática abusiva.
A prática abusiva é regulamentada pelo Código de Defesa do Consumidor, e como em
nosso ordenamento jurídico é comungado o entendimento de que a lei especial prevalecerá
sobre a lei geral, está será a norma mais correta a ser aplicada neste caso. Ocasionando, assim,
a nulidade do negócio jurídico.

É o parecer.

Rio Verde – GO. 10 de novembro de 2018.

_________________________________________
EVELYN AMANDA GUTH
XXXXX OAB/GO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1a edição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 17 de outubro de
2018.

BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor.


Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm> Acesso em: 17 de outubro de 2018.

GRECO, R. Código Penal Comentado, Ed. 11º, rev., ampl. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2017, p. 355
e 359

TARTUCE, F. Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Vol. 3, Ed.
12º. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 271.

TARTUCE, F. Manual de Direito Civil. Vol. único, Ed. 7º. Revista, ampliada e atualizada.
Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 182.

FARIA, C. C.; Curso de Direito Civil: Parte Geral e LINDB, vol. 1, Ed. 13º. Revista,
ampliada e atualizada. São Paulo: Atlas, 2015, p. 573.

BRASIL. Tribunal de Justiça de MG - APL: 51338/2014, Relator: Desa. Maria Aparecida Ribeiro,
Data de Julgamento: 29/09/2015, Segunda Turma, 3ª Câmara Civil, Data de Publicação: 15/10/2015.
Disponível em:< https://tj-mt.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/366104808/apelacao-apl-
202182620128110041-51338-2014?ref=serp> Acesso em: 14 de outubro de 2018.

ZORDAN, M. S.; BARROSO, A. L.; CABRAL, C. A. Normas e Padrões para Elaboração de


Trabalhos Acadêmicos. Rio Verde: Fesurv – Universidade de Rio Verde, 2005, p. 37.

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