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Lições de Direito dos Contratos

PARTE II As COISAS têm que ser impessoais, ter existência autónoma, ser
idóneas para satisfazer necessidades humanas, e tem que ser
DOS CONTRATOS EM ESPECIAL
apropriáveis.
1. O CONTRATO DE COMPRA E VENDA – ART. 874º CC
Os DIREITOS também podem ser objecto de contrato de compra e
venda, vejamos os direitos de autor, podem ser vendidos, assim
1.1. Noção legal
como determinados direitos reais menores como usufrutos; é
“Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade igualmente possível vender uma determinada porção contratual com
de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”. os correspectivos direitos e obrigações.

1.2. Elementos principais É possível venderem-se bens futuros, frutos pendentes e partes
componentes ou integrantes2.
Da noção acima apresentada é possível destacar os seguintes
elementos principais: Um bem futuro é aquele que no momento da realização do negócio
ainda não está na titularidade do disponente ou porque ainda não
✓ Objecto: uma coisa ou um direito tem existência física ou porque ainda não está na esfera jurídica da
✓ Efeitos: titularidade do disponente.
o Reais: transmissão de um direito de propriedade
o Obrigacionais: pagamento do preço e entrega de Numa compra e venda de bem futuro ou frutos pendentes o
uma coisa ou direito. alienante tem a obrigação de actuar no sentido de garantir que o
comprador possa, no momento apropriado, adquirir efectivamente
Subjacente a estes elementos está o próprio consentimento das os bens3 operando-se a transferência quando a coisa for adquirida
pates ou seja a sua vontade contratual. pelo alienante.4
1.3. O objecto da compra e venda (coisa ou direito) Na celebração de um contrato de compra e venda considera-se
Podem ser objecto da compra e venda a coisa, ou seja, “tudo aquilo incluindo no negócio a coisa principal, que é o objecto do contrato,
que pode ser objecto de relações jurídicas.”1 bem como as suas partes integrantes.As partes integrantes
distinguem-se das acessórias que são coisas moveis que não
constituem parte integrante e estão afectas de forma duradoira ao
serviço ou ornamentação de uma outra5.

1 4
Vide número 1 do artigo 202º CC Vide artigo 408º nº 2 CC
2 5
Vide artigos 211º, 212º, 215º e 880º CC Vide artigo 210º CC
3
Vide artigo 880º CC LIÇÕES DE DIREITO DOS CONTRATOS | Docente: Haje Amade Pedreiro
Lições de Direito dos Contratos

Se o objecto não é nem uma coisa nem um direito, então o contrato habitação, comércio, industria ou outra actividade económica e
em causa não é uma compra e venda. social.

É o caso do contrato em que se transacciona, por exemplo, um Importa referir que os bens imoveis (prédios rústicos e águas)
seguro ou uma clientela; nestas situações, e conforme a vontade das previstos no artigo 204º CC, não deixando de constituir bens imóveis,
partes, aplicam-se por analogia as regras de compra e venda. estão, porém, afectados por força das disposições constitucionais10,
e da Lei de Terras, não podendo ser objecto de contrato de compra e
1.4. A prestação do comprador
venda.
A prestação do comprador tem que ser em dinheiro.
Em relação aos prédios rústicos há contudo que distinguir agora
Caso a prestação do comprador seja uma coisa, estamos perante um entre a terra em si e as construções nela existentes.
contrato de troca.
Mesmo que estas construções não tenham autonomia económica da
Pode acontecer que o comprador tenha uma obrigação mista, pagar terra (solo), elas poem ser objecto de direitos de propriedade e srem
uma parte em dinheiro e parte através de uma coisa. Neste caso alienaas e oneradas independentemente da terra onde estão
estaremos perante um contrato misto, que deve ter em implantadas.
consideração a regulamentação de dois contratos, a compra e venda
1.6. As partes da relação jurídica de compra e venda
e a troca, seguindo a teoria da combinação.
No que respeita às partes num contrato de compra e venda, a Lei
1.5. A forma do contrato de compra e venda
impõe algumas restrições11:
Os contratos de compra e venda de coisas móveis são consensuais6,
✓ Os pais e avós não podem vender aos filhos e netos se os
ou seja, as partes estão livres para escolherem a forma que melhor
outros filhos e netos não consentirem na venda;
lhes convier ao abrigo da liberdade contratual7.
o A violação desta disposição torna a compra e venda
Os contratos de compra e venda de bens imóveis8 são formais e só anulável.
são válidos se forem celebrados por escritura pública9. São exemplos ✓ Certas pessoas estão proibidas por lei de adquirir direitos ou
de bens imóveis cuja compra e venda depende a celebração de coisas litigiosas (artigo 876º CC);
escritura pública as casas, armazéns, outras edificações para o A violação desta disposição torna a compra e venda
nula (artigo 579º CC).

6 10
Vide artigo 219º CC Vide artigo 109º CRM
7 11
Vide artigo 405º CC Vide artigos 876º e 877º CC, bem como os artigos 579º CC (proibição da
8
Vide artigo 204º CC cessão deLIÇÕES DElitigiosos)
direitos DIREITO DOS CONTRATOS
e 581º | Docente: Haje Amade Pedreiro
CC (excepções)
9
Vide artigo 875º CC
Lições de Direito dos Contratos

✓ Noutras disposições do Código Civil são estabelecidas outras ✓ a coisa deve ser entregue no estado em que estava no
incapacidades específicas dos contraentes numa compra e momento da venda;
venda, por exemplo: ✓ a coisa deve ser entregue com as suas partes integrantes, os
o Negócio consigo mesmo (artigo 261º CC); frutos pendentes e os documentos relativos à coisa ou
o Situação de comproprietário (artigo 1408º CC). direito;
✓ se a compra e venda tiver por objecto uma coisa móvel
1.7. Efeitos da compra e venda determinada, a sua entrega deve ser feita no lugar onde a
coisa se encontrava no tempo da conclusão do contrato13.
Nos termos do artigo 879º e seguintes do Código Civil, a compra e
venda tem como principais efeitos: NOTA:

✓ A transmissão É importante nos contratos de compra e venda determinar o


o da propriedade da coisa; ou momento em que se transfere o risco relativo ao eventual
o da titularidade do direito perecimento ou deterioração da coisa.
✓ a obrigação de entregar a coisa;
A regra geral é que o risco, uma vez celebrada a compra e venda, fica
✓ a obrigação de pagar o preço.
a cargo do adquirente14.
Verificamos assim que a compra e venda como contrato bilateral que
Esta regra é invertida caso o vendedor se constitua em mora, por não
é, cria obrigações para ambas partes nela envolvidas sendo por isso
entregar a cosia conforme convencionado15 , passando o vendedor a
caracterizado como sendo um contrato obrigacional:
responder pelo danos sofridos pela coisa, mesmo que tais danos não
1.7.1. Obrigações do vendedor resultem de factos que lhe sejam imputáveis.

A obrigação de entregar a coisa, ou seja, permitir ao comprador 1.7.2. Obrigações do comprador


tomar posse material da coisa vendida.
O comprador tem a obrigação de pagar o preço.
Se o objecto da compra e venda é um direito, qua não confira um
O preço deve ser pago em dinheiro16.
domínio sobre coisa alguma, então o vendedor tem simplesmente a
titularidade do direito adquirido por forma a exercita-lo.

A lei fixa algumas regras (supletivas) relativas à entrega da coisa12

12 15
Vide artigo 882º CC Vide artigo 807º CC
13 16
Vide artigo 773º CC Sobre as obrigações pecuniárias em moeda específica e em moeda
14
Vide artigo 796º CC LIÇÕES
estrangeira vide DE DIREITO
artigos 550ºDOS CONTRATOS
e 558º CC | Docente: Haje Amade Pedreiro
Lições de Direito dos Contratos

Regra geral o preço deve ser feito em moeda que tenha curso legal ✓ Quando parte do negócio foi afectado por uma nulidade ou
no país, sendo para o nosso caso, em Meticais. O Metical tem curso anulabilidade.
legal obrigatório, o que significa que é obrigatória a sua aceitação17.
Relativamente ao tempo e lugar do pagamento do preço (artigo 885º
Porém, o Código Civil admite que, por convenção, as partes acordem CC), a compra e venda como um contrato bilateral, implica que caso
o pagamento em moeda estrangeira18. as partes não fixem um prazo especial para o cumprimento das suas
obrigações, elas devem ser cumpridas na mesma altura logo que um
A lei fixa algumas regras supletivas relativas à determinação, redução
dos contraentes exija o cumprimento e ofereça a sua prestação.
e momento de entrega do preço.
Oferecendo o cumprimento simultâneo a contra-parte pode invocar
Relativamente a determinação do preço (artigo 883º CC), caso as
a excepção do não-cumprimento20.
partes, dentro dos seus poderes de autoregulamentação, não
tenham fixado um preço ou não haja uma determinação legal do O artigo 885º CC estabelece que o comprador está obrigado a pagar
preço para o objecto em causa, o preço a praticar será: o preço no momento em que lhe for entregue a coisa ou o direito
objecto do contrato.
✓ O preço que o vendedor praticar em casos semelhantes; ou
✓ O preço do mercado ou da bolsa (caso aplicável); ou Relativamente ao lugar da entrega do preço a Lei estabelece a
✓ O preço determinado pelo tribunal segundo juízos de obrigação do comprador pagar no lugar da entrega da coisa.
equidade.
Quando o pagamento não é feito no momento da entrega da coisa
o Nesta última situação as partes ficam sujeitas ao
então deve ser feito no lugar do domicílio do credor (vendedor)21.
bom sensu do juíz de quem se espera uma
determinação seguindo o principio do bonus pater A Lei, para além da obrigação de pagar o preço, fixa para o comprador
familias conforme o caso em apreço. a obrigação de suportar as despesas do contrato e outro acessório22.
É importante ter em conta que o preço inicialmente acordado pode O artigo 886º CC estabelece que, por falta de pagamento do preço, o
ser reduzido (artigo 884º CC), quando, por exemplo: vendedor não tem direito a resolver o contrato23:
✓ Parte da prestação do vendedor se tornar impossível e se ✓ caso a propriedade da coisa já tenha sido transmitido, ou o
opta pela redução19 do negócio; ou direito sobre ela; e
✓ se essa mesma coisa já tenha sido entregue.

17 21
Vide artigo 6º da Lei nº 2/80 de 16 de Junho de 1980 – Lei do Metical Vide artigos 885º nº 2 e 774º CC
18 22
Vide artigo 558º CC Esta regra supletiva decorre da previsão do artigo 878º CC
19
Vide artigo 292º CC 23 LIÇÕES
Esta é uma DE DIREITO
excepção DOS CONTRATOS
a previsão do número 2| Docente: Haje CC
do artigo 801º Amade Pedreiro
20
Vide artigo 777º CC
Lições de Direito dos Contratos

O artigo 886º constitui um disposição supletiva podendo, por o o direito apenas se transfere no momento em que a
consenso, o credor, em caso do incumprimento do pagamento do coisa for adquirida pelo alienante ou determinada
preço pelo comprador não poder exigir a devolução da coisa, com o conhecimento de ambas partes (artigo 408º
resolvendo assim o contrato. nº 2 primeira parte CC).
✓ Compra e venda de frutos naturais
O credor tem como solução em casos destes exigir a realização
o a transferência só se verifica no momento da
coactiva da prestação24, bem como exigir indemnização pela mora
colheita ou separação (artigo 408º nº 2 segunda
do devedor.
parte CC).
A prestação do devedor (comprador) consiste no pagamento de ✓ Compra e venda de bens alheios27
dinheiro, que é uma coisa fungível25, sendo muito difícil imaginar-se ✓ Compra e venda celebrada com uma cláusula de reserva de
uma situação de impossibilidade objectiva de uma prestação deste propriedade28
tipo. ✓ Os contratos de promessa de compra e venda de bens
imóveis ou móveis sujeitos a registo, podem ter eficácia real
Também neste tipo de obrigação é difícil imaginar-se uma se assim for convencionado pelas partes, através da escritura
impossibilidade subjectiva26. pública.
1.8. A transmissão da propriedade o É importante ter presente que esta convecção só é
válida perante terceiros depois de registada,
A eficácia real é um elemento natural dos contratos, em virtude do conforme disposto no artigo 413º CC.
qual um contrato, por efeito do simples consenso das partes, é apto o Esta eficácia real está ligada à possibilidade da
a constituir, modificar ou extinguir direitos reais. execução específica do contrato de promessa, o que
No caso da compra e venda, o contrato opera a transmissão da significa que o promitente-adquirente pode obter
propriedade da coisa ou da titularidade do direito (contrato uma declaração judicial que substitua a declaração
consensual). negocial prometida pelo promitente alienante e ir
buscar nas mãos de terceiros o objecto do negócio,
Há casos específicos em que a transmissão da propriedade não se se, entretanto, o promitente-alienante tivesse
opera no momento da celebração do contrato: transmitido a coisa a um terceiro.
✓ Compra e venda de coisa futura ou indeterminada

24 27
Vide artigo 817º e seguintes CC Vide artigos 892º e seguintes CC
25 28
Vide artigo 207º CC Vide artigo 409º CC
26
Vide artigos 790º, 791º e 801º CC LIÇÕES DE DIREITO DOS CONTRATOS | Docente: Haje Amade Pedreiro
Lições de Direito dos Contratos

o Caso não houvesse eficácia real, então o promitente- 1.10.1. Venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou
adquirente ver-se-ia privado da coisa e somente com medição – artigo 887º e seguintes CC
direito de exigir indemnização por danos.
O artigo 887º regulamente as compras e vendas em que o preço a
o Embora o contrato promessa com eficácia real não
pagar pelo comprador não é fixado globalmente mas sim por
transmita efectivamente o direito de propriedade
unidades.
para o promitente adquirente, uma vez registada
esta eficácia, o promitente alienante não pode mais Por exemplo, a venda de 15KG de camarão à razão de
dispor da coisa que como que fica reservada até se 1.500,00 MT no valor total de 22.500,00 MT.
celebrar (ou não celebrar) o contrato prometido29.
Os problemas que se podem levantar neste tipo de compra e venda
1.9. Classificação do Contrato de Compra e Venda resultam de a quantidade efectivamente entregue vir a ser diferente
da quantidade iniciada no contrato.
A compra e venda é um contrato:
No caso referido se o vendedor viesse a entregar
✓ típico ;
30
efectivamente 14KG de camarão por ser esse efectivamente
✓ formal quando versa sobre bens imóveis ou direitos sobre a quantidade que tinha disponível e ser essa a mesma que
coisas imóveis e consensual nos restantes casos31; julgar ter acordado entregar, sendo a indicação de 15KG um
✓ oneroso (há vantagens económicas para ambas partes)32; erro na indicação da quantidade, o comprador estaria
✓ sinalagmático ou bilateral33 obrigado a pagar unicamente o preço correspondente a 14
✓ normalmente comutativo (são conhecidas as prestações), KG.
embora nalguns casos possa ser aleatório (não são
conhecidas as prestações) 34 A razão de ser desta previsão é salvaguardar a validade do contrato
✓ Consensual35 pois neste caso usualmente a quantia exacta do produto não é um
elemento essencial.

Porém, o artigo 881º vem estabelecer um limite objectivo a esta


1.10. SUB-ESPÉCIES DE CONTRATOS DE COMPRA E oscilação na quantidade efectivamente entregue, através de uma
VENDA limitação no aumento do preço que resultar do ajustamento da
mesma em virtude da variação da quantidade.

29 32
Estamos aqui perante uma situação que tem um certo paralelismo com Vide artigo 874º CC
33
os direitos reais de garantia. Vide artigos 874º e 879º CC
30
É nominado, tem tipicidade fixada na lei. 34 LIÇÕES
Vide artigo DECC
881º DIREITO DOS CONTRATOS | Docente: Haje Amade Pedreiro
31 35
Vide artigo 875º CC Vide artigo 879º a) b) CC
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Assim, se o preço exceder o proporcional à quantidade O artigo 890º CC estabelece prazos de caducidade para exercício de
declarada em ais de um vigésimo deste, e o vendedor exigir direito de recebimento da diferença do preço resultante da aplicação
esse excesso, o comprador tem o direito de resolver o do disposto nos artigos 887º e 888º CC.
contrato.
1.10.2. Venda de Bens Alheios – artigo 892º e seguintes CC
Basicamente a situação que se pretende alcançar com esta
Um dos pressupostos para a celebração válida de um contrato é a
disposição são “erros” na indicação da quantidade do produto
legitimidade das partes que se analisa na especial relação das partes
vendido, admitindo-se, dentro dos limites referidos, que o preço seja
perante o objecto concreto do contrato.
ajustado à quantidade real, salvando-se a validade do contrato.
As partes devem ter poderes jurídicos para disporem do
O artigo 888º CC trata de um caso diferente.
objecto.
É a situação em que, embora a quantidade do produto seja indicado
Não existindo esses poderes o contrato verá a sua validade
por peso ou medida, o preço é fixado globalmente sem se
afectada.
determinar o seu custo por unidade.
É o que acontece numa vende de bens alheios.
Caso a quantidade entregue não corresponda à quantidade
que eventualmente for estabelecida o comprador continua O vendedor não tem legitimidade para vender a coisa porque
obrigado a fazer o pagamento do preço global fixado. não é o seu dono ou porque não tem poderes conferidos pelo
dono ou pela Lei para dispor da coisa ou direito.
Porém, como estabelece o nº 2 do artigo 888º CC, se a quantidade
efectiva deferir da declarada em mais de um vigésimo (para mais ou Nesta conformidade o Código Civil estabelece como regra geral a
para menos), o preço sofrerá um aumento na redução proporcional. nulidade da venda de bens alheios.
Também neste caso, se reconhece ao comprador o direito de A nulidade não pode todavia ser invocada pelas partes, nas seguintes
resolver o contrato caso o ajuste do preço exceda o preço situações36:
inicial em mais de um vigésimo (artigo 891º CC).
✓ O vendedor quando o comprador aceitar a compra de boa-
O artigo 889º estabelece um regime de compensação entre faltas e fé;
excessos para os casos de vendas de uma pluralidade de coisas ✓ O comprador doloso quando o vendedor dispõe da coisa de
determinadas e homogéneas. boa fé37.

36 37
Vide artigo 892º CC, segunda parte Neste caso, o vendedor desconhecia a sua ilegitimidade sendo esta do
conhecimento do comprador.
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1.10.2.1. Há situações em que é possível celebrar


validamente uma venda de bens alheios ❖ Um contrato válido caso o alienante tivesse poderes para
dispor da coisa, concedidos por terceiro ou pro força da lei.
A venda de bens alheios pode ser validamente celebrada nas
seguintes situações:
❖ Um contrato nulo caso nenhuma das situações acima se
✓ Quando as partes considerarem logo no inicio a específica verificarem, podendo a nulidade ser invocada por qualquer
situação do objecto como coisa alheia. interessado ou conhecido oficiosamente pelo tribunal.
o Nestes casos esta compra e venda segue o regime da Contudo, não podem invocar esta nulidade:
compra e venda de bens futuros (artigos 893º e 408º
CC). o O vendedor de má-fé contra comprador de boa-fé,
✓ Quando o vendedor vende a coisa alheia mas com poderes sendo que neste caso esta preenchi do requisito legal
suficientes, através e mandato ou representação, daquele para responsabilização criminal a título de crime de
que tem poderes para dispor da coisa ou direito, ou quando burla;
estes poderes resultem da lei. o O comprador de má-fé contra o vendedor de boa-fé.

A venda de bens alheios fora dos casos acima previstos pode ❖ Um contrato nulo com possibilidade de convalidar (art.
preencher o tipo legal de crime de burla38. 895º CC) sempre que o vício que afecta a venda alheia cessa
Para o preenchimento do tipo legal de crime por burla, é logo que a coisa deixe de ser alheia por virtude do alienante
necessário que haja dolo por parte do vendedor. ter adquirido a propriedade da coisa ou do direito alienado.

Se alguém vende coisa alheia desconhecendo que não tem 1.10.2.2. Efeitos da nulidade da venda de bens
poder de disposição sobre a coisa, então não há lugar à alheios – artigo 894º CC
aplicação da penalização criminal por burla.
O comprador de boa-fé tem o direito de exigir a restituição do preço
Realizada uma compra e venda de bens alheios podemos deparar- e a obrigação de devolver a coisa.
nos com as seguintes consequências:
Caso a coisa se tenha perdido, deteriorado ou perdido valor, tal não
❖ Um contrato válido caso as partes considerem logo no inicio afecta o direito do comprador receber de volta a integridade do
a situação da coisa alheia, aplicando-se o a este contrato o preço.
regime de venda de bens futuros.

38
Vide artigo 287º e seguintes do Código Penal aprovado pela Lei nº
24/2019, de 24 de Dezembro.
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Mas se tiver enriquecido com esta perda só diminuirá de valor da Esta indemnização cobre apenas os danos emergentes39 que
cosia então ao preço que recebe de volta a indemnização a que tiver não resultem de despesas voluptuárias40.
direito descontando-se a um montante correspondente ao
O contrato que por culpa do vendedor não convalidar a venda ou a
enriquecimento.
realizar com mora, gera o direito de indemnizar pelos prejuízos dai
decorrentes o comprador de boa-fé, e o que estabelecer o artigo
890º CC.
1.10.2.3. Convalidação da venda dos bens alheios
Com o acima exposto, podemos concluir que a Lei cria duas partes da
A lei estabelece no artigo 897º CC a obrigação do vendedor sanar a
obrigação de indemnizar:
nulidade do contrato adquirindo a coisa ou direito alienado.
❖ Por se ter celebrado um contrato nulo;
Esta obrigação só existe quando o comprador actuou de boa-fé.
❖ Por não se convalidar ou se convalidar com mora.
Isto significa que o vendedor tem de conseguir que o
Porém, e para evitar duplicação e indemnização, nos casos previstos
verdadeiro dono da coisa aceite vender-lhe o bem em causa.
no artigo 898º CC o comprador tem de optar por exigir:
Porém o artigo 896º CC determina alguns casos em que o contrato
❖ a indemnização na base dos lucros cessantes pela celebração
não se pode convalidar.
do contrato nulo; ou
1.10.2.4. Obrigação de indemnizar ❖ na base dos lucros cessantes pelo facto de não se convalidar
o contrato ou se convalidar-se com mora.
O artigo 898º CC estabelece uma obrigação geral de indemnizar a
cargo do contratante que agiu dolosamente a favor do contraente de O regime estabelecido no Código Comercial é diferente do regime
boa-fé, pelos prejuízos resultantes de o contrato não poder produzir Civil.
os efeitos pretendidos.
O artigos 481º e seguintes do C. Comercial estabelecem como
O facto de o contrato vir a ser convalidado não impede o contratante principio a validade das vendas comercias de bens alheios,
de boa-fé de exigir indemnização por prejuízos que eventualmente atribuindo ao vendedor a obrigação de adquirir, a título
sofra pelo facto de o contrato não tiver tido plena validade desde o legitimo, a propriedade da coisa vendida e a fazer a entrega
seu inicio. ao comprador, sob pena de responder por perdas e danos.

O artigo 899º CC faz do vendedor, independentemente de culpa ou Os artigos 901º, 902º e 903º CC versam sobre a garantia do
dolo, a obrigação de indemnizar o comprador de boa-fé. pagamento de benfeitorias, nulidade parcial do contrato e

39 40
Vide artigo 564º nº 1 CC Vide artigo 216º nº 3 parte final CC

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determinação do caractér supletivo de várias disposições legais ✓ o dolo (artigo 254º CC) situação que tem como consequência
aplicáveis a venda de bens alheios. jurídica a anulabilidade caso a vontade negocial do
comprador tenha sido determinada por dolo do vendedor.
1.10.3. Venda de Bens Onerados – artigo 905º e seguintes
CC
1.10.3.2. Convalescença do contrato
Nesta secção o Código Civil estabelece as normas a aplicar àquelas
A venda de bens onerados é anulável com base no erro no objecto
vendas em que o direito transmitido esteja por qualquer forma
ou no dolo do vendedor, porém o vicio em causa afecta sempre o
onerado de modo que ultrapasse as normais expectativas do
direito transmitido, o que significa que se esse mesmo vicio for
comprador.
eliminado cessa de existir a causa da anulabilidade.
Por exemplo, estar sujeito a um penhor, a uma hipoteca, a
Assim, se o vendedor eliminar o ónus que recai sobre o Direito ou se
uma consignação de rendimentos, sem que o comprador
por qualquer outra razão por ónus deixar de existir, o contrato torna-
esteja informado sobre esta sujeição.
se plenamente válido, não sujeito ao regime da anulabilidade.
A coisa em si não está afectada por qualquer vicio que diminua o seu
O artigo 906º no seu nº 2 CC, estabelece algumas restrições à
valor.
possibilidade de convalescença de bens onerados, e que a traduzem
O que se encontra afectado é o próprio direito de propriedade que é na persistência da possibilidade de anulação do contrato quando:
transmitido.
✓ O ónus da limitação já tiver causado prejuízo ao comprador;
Consideram-se usualmente como ónus normais as servidões legais e ✓ O comprador tiver pedido judicialmente a anulação do
administrativas ao exercício do direito de propriedade. contrato.

1.10.3.1. Efeitos de uma venda de bens onerados Sobre o vendedor da coisa onerada recai a obrigação de sanar a
anulabilidade expurgando o ónus ou limitação que pesa sobre o
O regime aplicável a este tipo de venda é o estabelecido para: Direito nos termos do artigo 907º CC.
✓ o erro sobre o objecto do negócio (artigo 251º e seguintes O prazo para o vendedor sanar a anulabilidade pode ser fixado pelo
CC); tendo como consequência jurídica a anulabilidade da tribunal a pedido do comprador.
venda desde que o vendedor soubesse ou não devesse
ignorar a essencialidade para o comprador do elemento Os custos que resultarem do saneamento da anulabilidade correm
(direito transmitido) sobre o qual incide o vício. por conta do vendedor.

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1.10.3.3. Indemnização devidos pelo vendedor de O artigo 912º CC vem indicar quais as disposições do regime jurídico
bens onerados da venda de bens onerados são de carácter supletivo.

O vendedor doloso nos casos em que o contrato venha a ser anulado 1.10.4. Venda de Coisas Defeituosas
deve indemnizar o comprador dos lucros cessantes e danos
Na venda de bens onerados o vicio que podia fundamentar a
emergentes referentes aos prejuízos que este não teria sofrido caso
anulabilidade do contrato efectiva o direito que se encontrava
a venda nunca chegasse a ser concluída (artigo 908º CC).
onerado ou limitado para alem das normais expectativas do
Estes prejuízos podem englobar com a celebração do contrato, com comprador.
a coisa, com acçao de anulação, com a própria restituição do preço,
Na venda de coisas defeituosas, o vício afecta a coisa que e objecto
prejuízos pela não realização de outros contratos, etc.
do contrato.
No caso de não haver dolo mas sim um simples erro sobre a
Esse vicio pode, para ser relevante, manifestar-se de uma das
característica do objecto (direito transmitido) o vendedor continua
seguintes formas (artigo 913º CC):
obrigado a indemnizar o comprador mas apenas na medida dos
danos emergentes (artigo 909º CC). ✓ Um vicio que desvaloriza a coisa;
✓ Um vício que impeça a realização do fim a que a coisa é
Quando o vendedor for responsável por não sanar a anulabilidade,
destinada.
então ele é responsabilizado por indemnizar o comprador pelos
✓ Um vício que se analise no facto da coisa não reunir as
prejuízos dai decorrentes.
qualidades que o vendedor assegurava que ela tinha;
Porém se os prejuízos a indemnizar forem os mesmos que decorrem ✓ Um vicio que se analise na falta das qualidades, asseguradas
da anulação referida no artigo 908º CC, não haverá duplicação de pelo vendedor, necessárias para a coisa realizar o seu fim.
indemnizações, naparte correspondentes aos lucros cessantes
O número 2 do artigo 913º CC contém uma regra interpretativa,
(artigo 910º CC).
dando critérios para definir o conceito de “fim da coisa”.
1.10.3.4. Redução do preço
Na falta de disposição contratual deve ser entendido com aquele que
O artigo 911º CC estabelece que é possível, em lugar da anulação do corresponde a função normal das coisas:
contrato, reduzir o preço da venda caso as circunstâncias
✓ Um copo para beber água;
demostrarem que o comprada a coisa empresa pro preço inferior41.
✓ Uma caneta para escrever;
✓ Uma lâmpada para dar luz; etc.

41
Crf. com artigo 292º sobre redução dos negócios.

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O vendedor que conhecia ou desconhecia culposamente a


existência do defeito é obrigado a indemnizar o comprador de boa-
1.10.4.1. Efeitos dos vícios da coisa
fé pelos prejuízos resultantes da anulação do contrato (regime do
Uma venda da coisa defeituosa é anulável observando com as artigo 908º CC).
necessárias adaptações o regime estabelecido para a venda de bens
O vendedor que sem culpa não conhecia os defeitos da coisa não
onerados, que por sua vez remete para o regime da anulabilidade por
responde pelos prejuízos que resultem da anulação do contrato com
erro no objecto (artigo 251º CC) e por dolo (artigo 254º CC).
base no erro, ou seja não esta obrigado a responder pelos danos
1.10.4.2. Reparação ou substituição da coisa (art. 914 emergentes como estaria num caso de venda de bens onerados
CC) (regime do artigo 909º CC).

Nos casos em que o vendedor conhecia ou desconhecia 1.10.4.4. Denúncia do defeito e caducidade da acção
culposamente o defeito da coisa, ele constitui-se na obrigação 1.10.5.
perante o comprador de reparar a coisa ou, se for possível, no caso 2. CONTINUA
de coisa fungível, substituir a coisa.

O direito de o comprador exigir esta reparação ou substituição


baseia-se unicamente na mera culpa (ou dolo) do vendedor
relativamente à ocorrência do defeito na coisa.

Esta obrigação do vendedor encontra um paralelo na obrigação do


vendedor de bens onerados de fazer convalescer o contrato
expurgando o ónus ou limitação que afectam o direito.

Se o vendedor, sem culpa, desconhece o defeito da coisa, ele não


fica obrigado a reparar nem a substituir a coisa.

Isto não impede porém o comprador de existir a anulação do


contrato nos termos mediante a aplicação do regime estatuído nos
artigos 251º, 247º e 254º CC.

1.10.4.3. Indemnização a cargo do vendedor (art.


915º CC

LIÇÕES DE DIREITO DOS CONTRATOS | Docente: Haje Amade Pedreiro

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