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Brasília - DF
2014
KELLY RAMOS DE SOUZA BITENCOURT
Brasília
2014
B624n Bitencourt, Kelly Ramos de Souza.
Novas sociabilidades e protagonismo juvenis: a escola vista no
ciberespaço. / Kelly Ramos de Souza Bitencourt – 2014.
115f.; il : 30 cm
CDU 37:004.7
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Brasília
2014
A realização do mestrado, inicialmente, parece
ser desejo e trabalho apenas de quem a busca.
Mas é no exigente cotidiano de leituras,
pesquisa e escrita que percebemos o quanto
dependemos da compreensão, amizade e
estímulo de pessoas que nos são tão caras. A
vocês eu dedico o conjunto de amor, labor e
realização que esse trabalho reúne. A Juliana
Farias, amiga e irmã que me despertou para a
leveza necessária à vida e tanto me inspirou
em suas convicções, sinto sua presença
diariamente em pensamento e saudade. Ao
Rafael, tão importante nesse processo, meu
companheiro de vida, parceiro incondicional
que me acrescenta, melhora quem sou, todo
meu amor e admiração. Aos meus
maravilhosos pais e irmãos, seres de sabedoria
e amor, com quem compartilho toda e
qualquer conquista. Dedico aos meus amig@s,
desse e de outros tempos, mas que
permanecem com ombros, ouvidos e abraços
disponíveis. Às minhas amigas-irmãs Juliana
Borre e Luciana Alencar, vocês são parte do
que sou, obrigada pela escuta, presença,
amizade e fraternidade. Ao querido amigo e
professor Deusdedith Junior, pela
disponibilidade, acolhimento e amizade. Por
fim, dedico esse trabalho a Deus, meu esteio,
quem me presenteou com tantos amores e me
inspira a ser a cada dia um pouco melhor e
mais consciente de mim e do outro.
AGRADECIMENTOS
Ao prof. Dr. Carlos Ângelo de Meneses Sousa pela gentil e respeitosa orientação, pela
confiança, pela autonomia dada a mim ao longo dessa jornada e, sobretudo, por me conduzir
de volta ao caminho em tempos de crise. Agradeço aos meus familiares, amigos e amigas com
quem compartilho a vida, pela compreensão e apoio. À Escola de Administração Fazendária –
ESAF, pelo respaldo. Agradeço às amigas Georgiane Jordão, Cristina de Ross, Valéria
Salviano e Meire Pereira, companheiras de trabalho que com amizade e compreensão
facilitaram minha organização profissional para que o mestrado fosse possível. Ao amigo e
terno professor Deusdedith Junior pelo livre acesso a sua biblioteca e pela troca de ideias e
impressões. Agradeço à Universidade Católica de Brasília pela ampla estrutura
disponibilizada. Agradeço ao amigo Marcelo Nicomedes por seu incentivo e parceria. Por
fim, agradeço a todas as pessoas que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização
desse trabalho.
RESUMO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
1 PROBLEMA ............................................................................................................. 16
1.4.3 Participantes da pesquisa: jovens editores dos diários de classe virtuais ................ 29
INTRODUÇÃO
No que diz respeito a essa pesquisa, que tem como categoria central as juventudes, a
ressalva apresentada foi importante para que o comum não anulasse as singularidades e não
incorrêssemos no erro de falarmos de um único tipo de jovem, categorizado e identificado por
características físicas, biológicas, sociais, culturais e emocionais homogêneas. Antes,
buscamos compreender como esses sujeitos estão construindo, se relacionando e se
apropriando de espaços sociais virtuais e físicos como partes de uma única realidade
complexa.
13
O conceito de juventude não está fechado. Por ser aberto e por estar em fluxo, o mais
adequado é pensar em juventudes, usando do conforto que o plural traz para aproximar o
conceito à diversidade.
Dessa forma, o presente trabalho foi organizado em três capítulos, a fim de investigar
como as juventudes têm percebido a escola e se expressado sobre ela no ciberespaço. No
capítulo 1 apresentamos a organização das ideias que motivaram a investigação, a definição
de caminhos e consequentemente a estruturação da pesquisa. Nele, contextualizamos a
questão central do estudo e justificamos sua relevância acadêmica e social. Também
descrevemos os objetivos que pretendíamos alcançar, anunciamos o objeto de estudo e análise
e qual abordagem metodológica foi empregada na pesquisa. Em suma, embora sejam
elementos formais e comuns a toda pesquisa, os componentes trabalhados nesse capítulo
foram necessários para responder importantes perguntas que em conjunto representam pontos
fundamentais.
Bell (1989) aconselha o pesquisador a fazer uma busca refinada sobre o que tem sido
escrito e produzido em torno de seu tema e a dialogar com seus pares, pois da diversidade de
olhares, leituras ou mesmo das discordâncias, não só podem surgir linhas alternativas de
investigação como possibilita o detalhamento e a apuração em relação ao que se pretende
descobrir. Por isso, a revisão de literatura realizada no capítulo 2 iniciou a discussão teórica
apresentando conceitos que nos auxiliaram na compreensão das diferentes perspectivas que
envolvem as juventudes e suas relações com as tecnologias e a escola na contemporaneidade.
Percorremos obras de autores como Arendt, Bauman, Bourdieu, Castells, Deleuze, Foucault,
Lévy e tantos outros para fundamentarmos nossa análise e pressupostos.
1 PROBLEMA
As competências sociais desempenhadas pelos indivíduos não resultam de
combinações naturais ou genéticas, antes, como afirma Belloni (2007, p.58), para nos
tornarmos sujeitos sociais passamos por processos de socialização comuns à infância,
adolescência e juventude, para que "as novas gerações, que asseguram a reprodução da
sociedade, interiorizem as disposições que as humanizam, tornando-as indivíduos sociais". No
sentido dessa reflexão, Simmel a aprofunda quando observa que a sociedade não consiste em
um fenômeno acabado, compreendido em sua totalidade "mas ao contrário, é um fluxo
incessante de fazer-se, desfazer-se e refazer-se, cujos laços que ‘atam’ os indivíduos são
feitos, desfeitos e refeitos em uma contínua fluidez". (PERES et al., 2011, p.98).
Isto não significa dizer, portanto, que não há conflitos no "jogar a sociedade". Muitos
são os fatores que influenciam e norteiam esse jogo. Para os adolescentes e jovens da
atualidade, por exemplo, com o surgimento e o aprimoramento de tecnologias de
comunicação e informação, ferramentas e possibilidades de socialização surgiram de modo
muito distinto daquele vivido pelas gerações anteriores e com isso, desvelou-se mais
profundamente conflitos inter-geracionais.
1
Para Souza (2009), no histórico de conquistas em torno das políticas públicas voltadas para as juventudes, o
termo protagonismo juvenil se configura entre elas como responsável pela síntese de um discurso que reconhece
os jovens como sujeitos sociais capazes de participarem ativamente do desenvolvimento tanto da sua
comunidade, da sua escola, da sua cidade como do seu país, ou seja, da sua realidade, discutindo, formulando e
contribuindo com políticas e medidas adotadas para fortalecê-los.
2
A Web 2.0 consiste em uma versão de internet que permite maior participação do usuário. Os conteúdos
disponibilizados na web 2.0 são mais abertos, o que resulta em um intenso compartilhamento de informação e
mais colaboração, tornando os usuários os grandes responsáveis por alimentar as informações dessas páginas. Os
sites dessa nossa versão não são mais expositores de textos e imagens, apenas. As redes sociais, por exemplo,
ampliam os horizontes de interação, os vídeos produzidos pelo próprio usuário ou por outros ganham
considerável espaço, ambientes wikis de construção coletiva de textos e informações, os blogs e tantas outras
páginas seguem a lógica da autonomia eda co-produção do usuário final para tornar as páginas reconhecidas. A
internet depois da web 2.0 é ainda mais dinâmica. Disponível em http://www.tecmundo.com.br/web/183-o-que-
e-web-2-0-.htm#ixzz2CZbBUSDc. Acesso em 11 set. 2012
18
Ainda que esse cenário seja desestabilizador para as gerações anteriores e que todas as
transformações aconteçam numa velocidade antes inimaginável, não é admitido ignorar que
há um novo contexto tecnológico, social e cultural modificando o modo de ser jovem e isso
tem muito a ver com a com a capacidade criativa fomentada pela Sociedade da Informação e
com os espaços ocupados e recriados por esses sujeitos.
São mudanças radicais para quem conheceu a bem pouco tempo um ritmo diferente de
mundo, sobretudo no que diz respeito às formas de comunicação profundamente modificadas
pela internet e pela tecnologia sem fio. “A construção de uma nova cultura baseada na
comunicação multimodal e no processamento digital de informações cria um hiato geracional
entre aqueles que nasceram antes da Era da Internet (1969) e aqueles que cresceram em um
mundo digital”. (CASTELLS, 2010, prefácio).
Como se vê, não falamos de uma simples substituição de tecnologias, antes velhas -
aquelas que sempre fizeram parte da história da humanidade - ou agora inéditas, aprimoradas
na era digital. É uma forma de se comportar, pensar e conceber instrumentalizada por
dispositivos informacionais que agregam e se misturam à intencionalidade das coisas, dos
pensamentos, das ideias. Com isso, o cenário de passividade diante das informações, do
conhecimento em potencial é substituído por uma forte capacidade interativa e criativa,
promotora de outros resultados em meio a conteúdos disponíveis em diversos formatos.
3
Lévy (1999) conceitua o ciberespaço como a própria rede, o termo abarca o novo meio de comunicação
resultante da interconexão mundial dos computadores assim como compreende o próprio fluxo das informações
e os sujeitos que nele navegam. São partes integrantes do ciberespaço não só os seres humanos, mas toda a teia
de programas, máquinas, aplicativos, softwares e hipertextos que fluem em um espaço vivo e pulsante.
4
A cibercultura é o termo destinado a esse cenário complexo de trocas, criações e reproduções que se dá no
âmbito da internet, das relações mediadas por tecnologias, do contexto compartilhado por sujeitos e suportes
tecnológicos. Na cibercultura, novas relações com o outro, com o mundo do trabalho, com o fluxo de
informações disponível, com os saberes, com a política, com a tradição e tantas outras instâncias sociais surgem
e desestabilizam o que antes só era possível por meio do contato presencial, físico. São propostos novos
caminhos em um jogo constante de negociação, inovação e criatividade.
20
Como esse cenário tem se refletido na educação? Para muitos, especialistas ou não, o
quadro é de crise e certamente não podemos afirmar que a sensação de crise é inédita.
Bauman corrobora com essa compreensão quando constata que a história da educação é
constituída por muitos momentos que evidenciaram que “pressupostos e estratégias
experimentadas e em aparência confiáveis estavam perdendo contato com a realidade e
precisavam ser revistos ou reformados”. (BAUMAN, 2011, p.112). Ou será que podemos crer
num passado idealizado em nossa cabeça, que a educação era perfeita e funcionava
adequadamente porque estava consoante com a realidade do mundo que precedeu a sociedade
contemporânea? Observemos que os conflitos da presente época trazem suas peculiaridades e
sob a ótica da modernidade líquida, efêmera, a ideia de educação como algo fixo, de essência
imutável passou a ser questionada.
Diante do exposto, esta pesquisa fez uso de dados extraídos de espaços virtuais de
atuação e expressão conduzidos por adolescentes e jovens, para refletir sobre a seguinte
questão: como as juventudes têm percebido a escola e se expressado sobre ela no
ciberespaço?
1.3 JUSTIFICATIVA
O conjunto de investigações e informações voltado para as juventudes não é uma
exclusividade do mundo acadêmico. Por serem adolescentes e jovens partes de uma categoria
social amplamente visada por segmentos públicos, organismos internacionais, associações
comunitárias e instituições do 3º setor, muito da imagem construída sobre os jovens no Brasil
parte também dessas esferas externas aos muros da academia. Porém, o estado da arte da
pesquisa sobre jovens na Pós-Graduação brasileira, segundo levantamento coordenado por
Spósito (2009), também tem contribuído para a sistematização de conhecimentos produzidos
em torno dos jovens e das temáticas relacionadas a eles. Os estudos apontam que nas últimas
décadas, mais precisamente a partir de 1999, o interesse pela juventude cresceu, sobretudo,
em assuntos relacionados às políticas públicas voltadas para esse grupo social, à
representatividade do jovem no campo político e às transformações sociais que tem alterado
significativamente a condição juvenil e a concepção da faixa etária compreendida por essa
categoria na contemporaneidade 5.
Na área de Educação, muitas são as pesquisas voltadas para compreensão dos cenários
mundial, nacional e local nos quais as juventudes encontram-se inseridas. Isto envolve – com
maior ênfase – as relações entre juventudes e escola e outras abordagens como: análises sobre
a realidade das sociedades globalizadas na era da informação e o lugar ocupado pelos jovens,
os desdobramentos do uso das tecnologias da informação e comunicação pela escola no
processo de ensino e aprendizagem e seus impactos na formação docente e discente, bem
como na infraestrutura escolar, entre outros temas que vão ganhando destaque à medida que
despertam o interesse de pesquisadores e ocupam maior espaço na vida social desses sujeitos.
5
Spósito propõe no capítulo 1 “A pesquisa sobre jovens na Pós-Graduação: um balanço da produção discente em
Educação, Serviço Social e Ciências Sociais” uma reflexão sobre o avanço das pesquisas com foco no jovem e a
legitimidade acadêmica dessas pesquisas a partir da visibilidade da questão juvenil na sociedade contemporânea,
ressaltando um crescimento ainda tímido da produção acadêmica sobre juventude dentro do universo total da
produção discente das áreas delimitadas no livro.
22
juventudes. Outra observação importante, fundamental para essa pesquisa e para qualquer
outra que se proponha a trabalhar com esses sujeitos sociais, é que grande parte dessas
investigações não se ocuparam a contento em localizar adequadamente adolescentes e jovens
enquanto categoria sociológica, suprimindo as diferenças e características sociais e culturais
presentes em cada uma dessas fases. Nessa pesquisa, o termo “juventudes” contemplou
adolescentes e jovens que transitam entre as gerações X e Y, resguardando as especificidades
de cada fase que foram tratadas conceitualmente em momento oportuno.
Ainda que, para nós, o termo juventudes, no plural, abarque adolescentes e jovens,
sabemos que ambos são pautados por circunstâncias culturais, sociais, econômicas e políticas
muitas vezes distintas e que as modificam ao longo do tempo (PAIS, 2000). E por que não
acrescentarmos a essa lista as circunstâncias tecnológicas? No conjunto de relações
alcançadas pelas alternâncias e peculiaridades desse momento histórico, as pesquisas voltadas
para a análise e compreensão dessas juventudes e dos conteúdos produzidos por elas nos
ambientes virtuais, incluindo os seus discursos, são relevantes socialmente e academicamente
(NÓBREGA et al., 2011).
De uma maneira geral é possível identificar nas investigações mais atuais anúncios de
protagonismo juvenil diante da realidade experienciada, um trânsito mais livre entre as
diversas mídias, um modo de ser jovem permeado pelas tecnologias e a certeza em relação às
novas mídias – principalmente a Internet e seus desdobramentos – de que se trata de um
campo recente, inovador, de bases teóricas e metodológicas em construção e de um espaço
que se transforma de maneira muito veloz, tornando as pesquisas em pouco tempo carentes de
novos argumentos e verificações, sobretudo quando se trata dos espaços, plurais e
diversificados em suas formas e conteúdos, ocupados pelas juventudes no ciberespaço. A
presente pesquisa se inseriu nesse contexto com o intuito de investigar, no âmbito da internet,
espaços de opinião, manifestação e exercício da cidadania de adolescentes e jovens diante da
realidade escolar que vivenciam.
Dados de censos e de pesquisas voltadas para a medição do uso das TIC no Brasil,
23
bem como para o avanço do acesso à Internet por adolescentes e jovens reforçam essa
relevância quando resultam em gráficos cada vez mais ascendentes. Isso significa dizer que
mais de 74 milhões de brasileiros com mais de dez anos, estão conectados ou fazem uso
regular da Internet, com uma grande ênfase na faixa etária de 10 a 24 anos e moradores de
áreas urbanas6. Uma das leituras resultantes desses números diz respeito às novas
sociabilidades promovidas pela opção das juventudes pela Internet como um espaço de
comunicação, expressão e manifestação. As transformações provenientes desse encontro entre
adolescentes e jovens e a Internet resultam em uma nova configuração da sociedade, em rede 7,
que dá condições de trânsito entre ambientes virtuais e físicos, assim como novas
responsabilidades (LEVY, 1993; CASTELLS, 2010).
6
Esses resultados foram retirados da Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Comunicação e Informação no
Brasil promovida pelo Centro de Estudos sobre tecnologias da Informação e Comunicação – CETIC.br, de 2011.
Disponível em: http://www.cetic.br/ Acessado em 06 abr. 2013.
7
Seja no espaço do privado ou no âmbito público as relações econômicas, as relações de produção, as práticas
educativas tiveram suas estruturas atingidas pela realidade dos indivíduos conectados em redes. “Uma estrutura
social com base em redes é um sistema aberto, altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu
equilíbrio”. (CASTELLS, 2010, p. 566).
8
Proposta de Emenda à Constituição 42/2008, promulgada em 13 de julho de 2010, de autoria do deputado
federal Sandes Junior. De acordo com a ementa, a emenda confere ao jovem prioridade, ao lado da criança e do
adolescente, para fins de proteção pelo Estado, pela família e pela sociedade; impõe a obrigatoriedade de o
Estado contemplar também o jovem nos programas de assistência integral à saúde, de prevenção e atendimento
especializado para as pessoas portadoras de deficiência, de prevenção e atendimento especializado ao
dependente de entorpecentes e drogas afins e de garantia de acesso do trabalhador à escola; prevê a criação, por
lei, do estatuto da juventude do plano nacional da juventude. Disponível em
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=88335. Acessado em 29 set. 2012.
24
O desenvolvimento das tecnologias ganha cada vez mais espaço, contribui para a
revisão da instituição escolar e tende a tornar ilimitadas as possibilidades que se ampliam para
as juventudes. Como afirma Moraes (2008), a escola reprodutora e instrucionista não atende à
dinâmica não-linear evidenciada na contemporaneidade. Portanto, faz-se necessário promover
discussões sobre essas transformações resultantes da apropriação das tecnologias disponíveis
pelas juventudes e sobre os olhares que lançam à escola como instituição de aprendizagem,
em sua dimensão cotidiana9.
1.4 METODOLOGIA
A pesquisa em questão teve como objeto de estudo e análise os Diários de Classe
brasileiros, páginas ou comunidades virtuais que surgiram no Facebook, uma rede social
mundial que só no Brasil tem mais de 67 milhões de usuários10. A analogia do nome das
páginas com o instrumento utilizado pelo professor para acompanhar as aulas dadas, registrar
presenças, faltas e todas as anotações pertinentes à rotina de cada disciplina não é mera
coincidência. Os Diários de Classe virtuais no Facebook também tem a finalidade de
acompanhamento, porém, são conduzidos por estudantes que se propuseram a acompanhar a
rotina de suas escolas e a expor e compartilhar com todos os interessados o cotidiano, a
infraestrutura, a relação com a direção, com as equipes de apoio, como são as aulas dos
professores, suas relações com os colegas e, em alguns casos, assuntos mais amplos que não
se restringem apenas ao universo de suas escolas, mas que de alguma forma eles entendem
que estão relacionados com o universo da educação e com o propósito dos seus diários.
Essa iniciativa, sem dúvida, está inserida no contexto de uma juventude conectada e
por si só já nos despertou a curiosidade de compreender a construção desse mecanismo de
manifestação conduzido por adolescentes e jovens que foram influenciando um ao outro ao
ponto de surgirem dezenas de páginas semelhantes. Esse caráter “viral” com que se propagam
as páginas tem uma dinâmica própria e muito comum ao ciberespaço. O fato de pretendermos
lidar com os Diários de Classe e consequentemente com dados que estão exclusivamente na
internet foi reflexo do crescente número de comunidades, blogs, páginas e perfis pessoais em
9
Entendemos a instituição escola, nessa pesquisa, como um espaço sociocultural que abrange o cotidiano e o
dinamismo da teia da qual resulta e retroalimenta. (DAYRELL, 1996)
10
Esse número foi divulgado pelo vice-presidente do Facebook na América Latina, Alexandre Hohagen, em
reportagem do jornal Folha de S. Paulo, quando o mesmo afirmou que o número de usuários no Brasil passou de
12 milhões, em 2011, para os atuais 67 milhões. Esse salto representa um crescimento no número de adeptos
brasileiros de 458%. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/tec/1248993-numero-de-usuarios-do-
facebook-no-brasil-aumenta-458-em-dois-anos.shtml. Acessado em 19 mar. 2013.
26
3) O foco não está voltado para os resultados, mas sim para o processo da pesquisa;
No que diz respeito ao método da pesquisa etnográfica, as autoras apontam três fases
que, frequentemente, estão presentes na pesquisa etnográfica: a) exploração: momento de
seleção e definição de problemas, a escolha e contato com o lugar onde se dará o estudo; b)
decisão: etapa de seleção de dados pertinentes para a compreensão e interpretação do
fenômeno estudado; e c) descoberta: a explicação da realidade estudada. Para Fonseca (1998),
por exemplo, o método etnográfico se constitui como importante instrumento para enriquecer
a intervenção educativa por meio do diálogo estabelecido entre o agente e seu interlocutor, e é
nessa área de comunicação, segundo ela, que o método etnográfico atua.
Nesse sentido, vale destacar que a observação, coleta e análise de dados oriundos da
internet desperta necessidade de adaptação de algumas técnicas. Nessa pesquisa, em
específico, para coleta de dados, fizemos uso da técnica de exploração/observação on-line dos
Diários de Classe virtuais e para a análise de dados, fizemos uso da análise de conteúdo.
Fonte: <https://www.facebook.com>
Após essa iniciativa, surgiram muitas outras páginas com o mesmo perfil, e na maioria
dos casos com o mesmo nome ou com o nome da escola à qual se referem. Essas páginas
foram criadas por outros adolescentes e jovens que aderiram à iniciativa.
- Foram criados e são mantidos por adolescentes e jovens em idade escolar, variando em
gênero e níveis de escolarização para diversificar o grupo;
- Maior número de seguidores/mais acesso: os Diários selecionados foram aqueles que, até o
momento, alcançaram maior visibilidade, uma vez que o principal objetivo é chamar atenção
da sociedade para os problemas e questões que envolvem suas escolas e o que se espera da
instituição, de uma maneira mais abrangente. Na maioria dos casos, o número de pessoas que
“curtiu” a página é bem maior do que o número de pessoas que acompanha regularmente as
postagens ou interagem com as comunidades, por isso é importante dizer que esses números
são flutuantes e dependem muito da moderação e alimentação constantes dessas páginas com
questões inéditas, polêmicas, assuntos que estão em evidência (texto, imagem, links, vídeo ou
áudio), entre outras estratégias que não necessariamente alcançam sucesso. Esse, no entanto, é
um aspecto comum nas redes sociais e tem relação mais direta com o perfil de cada usuário.
Quando alguém “curte” a comunidade regularmente receberá notificações sobre o que está
sendo veiculado na página, mas não irá obrigatoriamente interagir de forma direta, opinando
sobre o que está sendo dito.
Nome da página: Diário de Classe – Diário do Diário de Diário de Diário de Alunos têm
a verdade... Villa Lobos Classe Escola - Classe Cotia- voz
Itamaraju E.E.de São SP
Paulo
*Os dados desse item oscilam de acordo com o interesse ou desinteresse das pessoas e dependem da
movimentação da página, ou seja, podem aumentar ou diminuir. Aquelas comunidades em que seus
administradores se comprometem a alimentá-las com regularidade e interagem com seus visitantes costumam ter
mais seguidores e mais discussões em suas páginas. O contrário também ocorre. Nesse quadro apresentamos dois
momentos de verificação desse item, um em março de 2013 e a outro após um intervalo de três meses, em julho
de 2013 para ilustrar essa condição.
Fonte: WWW.facebook.com
A Análise de conteúdo parte da mensagem, “seja ela verbal (oral ou escrita), gestual,
silenciosa, figurativa, documental ou diretamente provocada. Necessariamente, ela expressa
um significado e um sentido”. (FRANCO, 2005, p.13). É importante ressaltar que
significados e sentidos nunca estão dados no texto de uma forma definitiva. É a atitude do
pesquisador, a partir da técnica empregada, que irá evidenciá-los. Nesse sentido, a análise de
conteúdo tem seu foco voltado para a interpretação e descrição do conteúdo do texto, a forma,
a frequência ou a ausência de determinadas unidades de texto e os sentidos para além do
texto.
34
Por se tratarem de dados disponíveis na internet, uma importante consideração feita foi
sobre a possibilidade dessas páginas e da própria rede social que as armazenam desaparecer e
perdermos dados. Amaral destaca que mesmo diante de possibilidade de armazenamento e
recuperação, “a ideia de memória viva (Casalegno, 2006) em que os dados podem ser
perdidos e/ou recuperados endossa a ideia das TICs como artefatos culturais, sistemas e redes
em constante mutação e auto-organização”. (AMARAL, 2009, p. 18).
Para tanto, o tratamento e análise dos dados seguiram as seguintes etapas: Pré-análise
ou etapa preparatória, exploração do material e descrição e interpretação dos dados.
(BARDIN, 1995; MORAES, 1999; FRANCO, 2005; MINAYO, 2008):
- Definição de categorias:
- Descrição:
3ª ETAPA: Interpretação
Embora a descrição já anuncie os resultados, é na etapa de interpretação que o
pesquisador faz o exercício de compreensão e explicitação dos conteúdos aparentes e não
aparentes. Para Bardin (1995) a interpretação dos dados consiste no potencial do inédito (do
não dito) retido por qualquer mensagem. Isso significa dizer que esta técnica não se restringe
a informações meramente descritivas, sem relevância teórica. Assim, o pesquisador pode
37
De acordo com Moraes, a ação interpretativa pode ser realizada a partir da exploração
dos significados extraídos das categorias da análise numa contrastação com a fundamentação
teórica definida a priori ou a interpretação é a própria construção da teoria. “Teorização,
interpretação e compreensão constituem um movimento circular em que a cada retomada do
ciclo se procura atingir maior profundidade na análise”. (MORAES, 1999, p. 19).
38
Nesse sentido, infância, adolescência, juventude, velhice e outras que possam surgir
são além de categorias sociais, construções históricas que melhor traduzem o quadro cultural
dos sujeitos de uma determinada época.
A esse respeito, Feixa, ao fazer uma analogia entre as fases da vida e a evolução
histórica do relógio, afirma que é possível compreender as transformações da história da
humanidade e das relações estabelecidas entre as suas muitas fases se nos atentarmos para a
história do relógio, sobretudo as relações instauradas na atualidade entre juventudes e
sociedade: “como el reloj digital instauran uma visión virtual de las relaciones generacionales,
según la cual se invierten las conexiones entre las edades y se colapsan los rígidos esquemas
de saparación biográfica”. (FEIXA, 2005, p.4). Esse relógio digital, o último tipo de sua
metáfora, simboliza a comunicação de massa, as tecnologias da informação, o entretenimento
digital presentes em instituições contemporâneas nas quais a hierarquia e as fronteiras entre
idades são cada vez mais moventes.
adolescência até um limite etário que para outros já seria parte da juventude. Em
contrapartida, adolescentes e jovens compartilham muitas intersecções e semelhanças em suas
práticas sociais. Ainda assim, é pertinente dizer que mesmo a abrangência proposta não é
definitiva, pois não dá conta da totalidade de representações e diversidade que envolve as
juventudes. (DAYRELL, 2005).
11
Esses dados foram retirados do artigo da área de saúde “Adolescência: definições, conceitos e critérios”, da
professora Evelyn Eisenstein, que enfatiza a necessidade de se observar que, devido às características de
variabilidade e diversidade dos parâmetros biológicos e psicossociais que se dão na adolescência, a idade
cronológica, apesar de ser um argumento muito utilizado, não é o melhor critério descritivo em estudos clínicos,
antropológicos e comunitários ou populacionais.
Disponível em: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=167. Acessado em 25 mai. 2013.
40
É certo que o mundo mudou, mas não é essa a questão central, pois o mundo muda
constantemente, desde o princípio da humanidade, esse é, inclusive, um dos fatores que
caracterizam o social. Não obstante, são a velocidade dessa mudança e as possibilidades que
se criaram a partir dela que causam, nesse momento específico, uma sensação de nunca
daremos conta da totalidade dessas transformações que presenciamos a partir da transição da
sociedade industrial para a sociedade da informação.
São todas mudanças com profundos impactos nas relações sociais. Diante disso, novas
questões são colocadas cotidianamente. Trata-se de uma sociedade interconectada,
possibilitada por tecnologias informacionais e comunicacionais cada vez mais evoluídas. É
uma tendência histórica consolidada que tem modificado não só os processos produtivos, mas
a experiência humana em seus diversos âmbitos. “A presença na rede ou a ausência dela e a
dinâmica de cada rede em relação às outras são fontes cruciais de dominação e transformação
de nossa sociedade”. (CASTELLS, 2010, p.565).
Embora seja tudo muito recente, nesse processo há reprodução e permanências, mas
que coexistem com a atribuição de novos significados, outros olhares permeados por uma
cultura do ciberespaço, esse lugar “não físico”, mas real que é palco dessas transformações.
Noções de espaço e tempo – tão sólidas do ponto de vista da sociedade industrial – são para
Bauman (2001) o atributo crucial da modernidade:
Mas esses jovens também estão expostos a riscos próprios do universo tecnológico.
Nesse contexto, a família desempenha um papel fundamental na introdução de suas crianças e
adolescentes no mundo da tecnologia. Porém muitas vezes esse papel se resume à fiscalização
de horas e frequência de uso, assim como a discussão em torno das tecnologias muitas vezes
se resume a dicotomias rasas que se baseiam exclusivamente em seu caráter instrumental e de
utilidade. No entanto, esse panorama é insuficiente para explicar a relação que os jovens
estabelecem com a Internet, sobretudo se pensarmos como suas ações na rede repercutem
significativamente em sua vida cotidiana, seja do ponto de vista social, cultural ou educativo.
As experiências, opiniões e contribuições socializadas na rede produzem um capital social,
alimentado de forma colaborativa, do qual os jovens se apropriam. (SÁNCHEZ-NAVARRO;
ARANDA, 2011).
A apropriação das TIC por parte de adolescentes e jovens em seu cotidiano suscita
questões que necessitam de reflexões mais profundas, para alguns autores. Ainda que a
internet tenha a capacidade de promover o encurtamento das distâncias geográficas e a
43
114).
Seja do quarto do adolescente, das lAN houses ou dos dispositivos móveis – que no
Brasil não param de crescer12 – a conectividade é uma realidade para as juventudes
contemporâneas. E isso implica em um conjunto de práticas e de sociabilidades
características. Vivenciar a internet de maneira cada vez mais costumeira, se adequando às
novidades que surgem na rede de computadores, é parte do cotidiano desses jovens. Se assim
compreendemos, “ter um blog, um fotolog, um microblog, um perfil numa rede social,
constitui-se em marcas que identificam a adesão a uma linguagem, a uma forma de
relacionamento, intermediada pela internet e, notoriamente, contemporânea”. (BASSALO,
2012, p. 115).
12
O portal da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL divulgou sua última divulgação oficial sobre
os números de acessos que o Brasil alcançou em abril 264,55 milhões de acessos móveis. Informações
disponíveis em: http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalInternet.do Acesso em: 28 mai. 2013.
13
Em entrevista concedida à publicação Página 22 e replicada pelo blog Outras Palavras, o professor Ronaldo
Lemos conversa sobre internet e afirma que a rede não pode ser reduzida a espaços controlados e uniformes.
Disponível em: http://ponto.outraspalavras.net/2013/02/14/internet-mundo-sem-fronteiras-ou-grande-
condominio-fechado/ . Acesso em: 14 fev. 2013.
45
Observações como essas corroboram com a noção de que as RSIs, assim como outros
projetos situados no âmbito das TIC e as tecnologias em si, de maneira geral, não são neutras:
Por isso, convém lançarmos olhares não apenas para o que é positivo: navegar no
ciberespaço têm benesses, mas também têm riscos e consequências. Nesse sentido, é
importante uma apropriação consciente desses espaços. Não falamos em um lugar mágico,
mas em uma instância virtual cada vez mais presente na realidade desses jovens. Ao mesmo
tempo em que as redes sociais viabilizam formas novas de interação e sociabilidades, podem
também representar espaços homogeneizadores que suprimem o que é diferente e
contraditório, por exemplo.
Fonte: <www.facebook.com>
A internet, sobretudo por meio das redes sociais, potencializa aquela noção de
engajamento presente na história dos movimentos culturais estudantis e juvenis de
contestação do século XX que permanecem em menor escala – se considerarmos a frequência
48
14
O ciberativismo é uma modalidade de ativismo que faz uso da rede e dos demais recursos digitais para
mobilizar, divulgar, reivindicar. Não é necessariamente uma ação restrita ao mundo virtual. Na atualidade usa-se
muito de uma combinação de estratégias que abrange os recursos digitais e da web com os ajuntamentos e
mobilizações físicas. É comum vermos em espaços como os das redes sociais convocatórias para passeatas,
divulgação de eventos, divisão de tarefas e formas de contribuir com mobilizações que acontecerão em um
determinado local mas que começam antes nas redes. Alguns críticos consideram o ciberativismo um “ativismo
de sofá”, sem grandes efeitos práticos.
49
No que diz respeito à influência e absorção das tecnologias e seus muitos recursos e
projetos no universo educacional, a importância dessa presença não deve ser pormenorizada,
pois é certo que à medida que as necessidades sociais mudam, as necessidades educacionais
como tal também se alteram e as tecnologias podem ser desenvolvidas e assimiladas no
sentido de atendê-las. Desta forma, é importante refletirmos sobre o papel da tecnologia na
educação contemporânea por ser ela imprescindível, “principalmente se considerarmos que
seu emaranhado é constituído, dentre outros elementos, de comunicação, informação,
conhecimento e criatividade”. (BITENCOURT; SANTOS, 2013, p.2).
acordo com os objetivos e contextos, nos quais cada um ocupa uma posição singular e
evolutiva”. (LEVY, 1999, p.158).
Para o filósofo, o poder disciplinador foi a estratégia norteadora para exercer domínio
sobre os corpos e as subjetividades modernas. Tal mecanismo foi substancialmente atrelado às
instituições e às suas normas por meio da clara delimitação e ocupação dos espaços físicos, da
distribuição do tempo e do controle da capacidade produtiva. À escola coube a definição dos
saberes, dentre tantas outras práticas disciplinares que visavam garantir a formação de sujeitos
e a preparação de corpos que correspondessem às exigências de funcionamento pleno desse
modelo de sociedade. Sob vigilância das instituições, nas sociedades disciplinares as
subjetividades eram moldadas para obedecer, para manter a ordem.
Pode-se prever que a educação será cada vez menos um meio fechado,
distinto do meio profissional- um outro meio fechado -, mas que os dois
desaparecerão em favor de uma terrível formação permanente, de um
controle contínuo se exercendo sobre o operário-aluno ou o executivo-
universitário. Tentam nos fazer acreditar numa reforma da escola, quando se
trata de uma liquidação. Num regime de controle nunca se termina nada.
(DELEUZE, 2000, p.4).
Para Sibília (2012), o Estado já não cumpre no presente o papel de fortalecer essas
instituições, o que gera profunda instabilidade por parte delas diante das novas formas de
organização social, ao tempo em que oferece brechas para que o mercado estabeleça seus
princípios no funcionamento das mesmas.
justamente porque é muito mais sensível perceber que tais tecnologias, como vimos, alteram
mais que hábitos, alteram também formas de poder, formas de ser, de se colocar diante do
mundo e de se relacionar com ele.
É preocupante, especialmente para a escola, sobretudo pelo lugar que ela ainda ocupa,
não notar que essas transformações vão além de uma interconexão que supera fronteiras e
promove a globalização. Nós, sujeitos desse tempo, atravessamos mudanças internas radicais,
simultâneas às mudanças externas como câmbio do sistema econômico e à modificação do
tecido social. (NICOLACI-DA-COSTA, 2002).
Exige-se notadamente daqueles que foram impactados por novos espaços e novas
formas de organização uma reconfiguração. Do contrário, o refazimento de caminhos e a
ocupação de novos lugares será sempre comprometido pela sensação contínua de
deslocamento. Diante desse quadro, repensar a escola torna-se uma necessidade premente.
Ao buscar na história moderna seus pilares e sua trajetória, é possível constatar que a
escola foi criada para atender e formar aquele tipo específico de sociedade anunciado por
Focault, que certamente não se manteve imutável até os dias de hoje como afirma Deleuze,
afinal, crer em uma afirmação contrária corresponderia à negação da mudança como algo
56
inerente às relações humanas e à vida em sociedade. Até mesmo Bauman (2011), crítico voraz
das novas subjetividades que se desenham a partir da sociedade da informação, reconhece o
descompasso enfrentado por essa instituição. O autor pondera que a educação em nenhum
outro momento da sua trajetória se viu diante de um desafio tão expressivo: “Ainda é preciso
aprender a arte de viver em um mundo saturado de informações. E também a arte mais difícil
e fascinante de preparar seres humanos para essa vida”. (p.125).
Diante do exposto, Sibília (2012a) observa que se a escola não se reinventar e não
atualizar o diálogo com os novos corpos e as novas subjetividades, além de acirrar conflitos
resultantes da incompatibilidade com as formas de ser e estar no mundo hoje, experienciadas
pelas juventudes, ela corre o risco de compor o quadro das muitas tecnologias que se tornaram
obsoletas. A autora caracteriza esse estado conflituoso como uma “divergência de época” que
é acentuada, diferentemente do que acontece em relação à escola, pelo “encaixe quase perfeito
entre esses mesmos corpos e subjetividades, por um lado, e, por outro, os aparelhos móveis de
comunicação e informação, tais como os telefones celulares e os computadores portáteis com
acesso à internet”. (p.197).
Não me parecia, portanto, que o caminho fosse outro distinto do pensar explicitamente
tal crise e as possibilidades que ela oferece. Mas mesmo diante de indícios cercados de
tamanha atenção, não foi essa a principal rota de navegação oferecida pelos dados que
15
Bauman é reconhecido mundialmente por dedicar-se a pensar sobre os impactos negativos das tecnologias
contemporâneas nas relações interpessoais. Para o autor, os laços humanos foram fragilizados pelas relações
virtuais: não físicas, rasas, facilmente descartáveis, sempre sujeitas ao “deletar/desligar”. Essas mesmas
características passam a determinar todas as outras formas de relacionamento na modernidade líquida. Porém, tal
leitura não é feita por Bauman a partir do contexto atual e próprio dessas relações. Suas análises partem da
comparação com os relacionamentos de outra época – na qual não havia tecnologia digital - quando estes ainda
eram “reais” e “sólidos”, vivenciados com profundidade. (BAUMAN, 2004; NICOLACI-DA-COSTA, 2005).
57
seguem, embora esteja presente nas entrelinhas do processo. Além, é claro, do compromisso
ético com a transparência no processo de pesquisa, há que se levar em conta, como
justificativa para uma trilha de análise alternativa àquela pensada inicialmente, os contextos
sociocultural, econômico e político que condicionam as experiências individual, coletiva e
pública das adolescências e juventudes dos Diários de Classe.
As questões que saltaram como emergenciais para esses adolescentes e jovens são
próprias de estudantes de escolas públicas de um país continental e desigual, classificados em
uma faixa etária negligenciada em muitos direitos, dentre eles: serem vistos e ouvidos.
Portanto, estar conectado, ainda que represente avanços, não é, por si só, garantia de direitos e
equidade social, embora seja cada vez mais reconhecido como um importante caminho para
tal.
Fica claro que no âmbito de uma sociedade disciplinar com forte presença da
instituição escolar como recurso ideológico não havia espaços para reivindicações que
partissem do aluno, pois este era apenas alguém em formação a ser iluminado pelo saber do
mestre. Hoje, ainda que essa concepção não tenha sido totalmente superada, esse papel se
altera e nas brechas que são forjadas o jovem não depende necessariamente da outorga do
professor ou de qualquer outro adulto para consolidar sua fala como algo válido.
Logo, essa reflexão acompanhará toda a análise, como um importante pano de fundo,
no sentido de auxiliar a compreensão da realidade escolar expressa pelos diários.
58
Mas como surgiu a ideia de construir em uma rede social páginas específicas
dedicadas à escola? A inspiração também partiu da Internet. Isadora Faber, responsável pelo
primeiro diário – Diário de Classe, a verdade – conheceu a história de Martha Payne, uma
menina escocesa de apenas 9 (nove) anos que criou um blog 16 dedicado a acompanhar e
divulgar diariamente com fotos e comentários a qualidade da merenda de sua escola. O blog
de Martha em pouco tempo alcançou mais de 1 (um) milhão de acessos, provocou uma
revisão do cardápio oferecido aos estudantes e ainda ganhou o apoio de renomados chefes de
cozinha17.
Diante dessa experiência, Isadora entendeu que poderia fazer o mesmo por sua escola,
mas de uma forma mais abrangente, afinal enxergava problemas que iam além da merenda.
Dessa forma, nasce o primeiro diário de classe no Facebook. Já o aparecimento de diários em
sequência não se deu por acaso. A adolescente diante da rápida popularidade que alcançou
sugeriu que outros adolescentes e jovens que tivessem o que falar sobre suas escolas e se
identificassem com a iniciativa dela também criassem diários sobre o cotidiano de suas
instituições de ensino.
16
O endereço do blog de Martha Payne é http://neverseconds.blogspot.com.br/
17
Houve significativa repercussão do blog de Martha Payne no noticiário Brasileiro. É possível conhecer um
pouco mais dessa experiência em matéria publica pelo portal de notícias G1, em 25 de maio de 2012.
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/05/blog-de-menina-com-criticas-a-merenda-obriga-escola-a-mudar-
cardapio.html
59
Além dos diários que compõem a pesquisa, levantamentos feitos recentemente apenas
no Facebook, sem considerar blogs e outros canais da Internet, revelam pelo menos que 30
Diários de Classe estão ativos. A pronta adesão de tantos interessados nos indica alguns
caminhos. A proposta de Isadora traduz uma crença que é tão antiga quanto às próprias
formações sociais: quanto maior o número de interessados em algo, agindo em comum,
formando uma rede, maior a possibilidade de alcançar os resultados esperados. É uma espécie
de força coletiva que legitima os ajuntamentos em torno de uma esperada mudança social e
que é ao mesmo tempo legitimada por condições culturais, sociais, políticas e materiais
compartilhadas entre semelhantes.
Além disso, em consonância com o que discutimos até agora, destaca-se o fato de ser a
rede social o lugar comum da ação. Mesmo sendo reconhecidas prioritariamente como
espaços de entretenimento, a constituição da maioria dessas redes permite diversos usos,
embora qualquer um deles seja pautado pelo desejo ou necessidade de ser visto. As Redes
Sociais de Interação já foram tão assimiladas por parte da sociedade que é comum vermos
empresas, governos, instituições religiosas e tantas outras organizações preocupadas em
associar suas marcas e projetos à presença na rede para se comunicarem com os diversos
usuários.
Entre as imagens que consumimos e aquelas que produzimos, o ato de ver e ser visto
carrega além de sentidos, informações sociais e culturais. Em nenhum outro momento da
história fomos tão submetidos a uma exposição constante de elementos visuais e esse quadro
é reforçado pelas redes sociais, que expandem potencialmente a visualidade quando se ancora,
sobretudo, na produção imagética para se comunicar. (cf. LOBO, 2010; DIAS, 2011).
Farina (2012) ressalta, a partir dessa constatação, que mais importante do que a
presente sensação de uma quantidade desmedida de imagens disponíveis nos tempos atuais é
o que está subentendido. O que elas mostram? Quais políticas reforçam? Como moldam
nossas leituras e sensibilidades em uma ou outra direção? “As políticas que ocupam e fazem
funcionar o sensível através de determinada lógica imagética desenham conectores e
60
receptáculos em nós mesmos. Formam um corpo”. (p. 122). Não só incorporamos as imagens
como nos tornamos parte delas quando assimilamos a dimensão imagética como elemento
inseparável da forma como nos reconhecemos e pensamos. Por isso, os Diários de Classe
Virtuais no Facebook não podem ser vistos como uma escolha aleatória de seus criadores.
Outro fator que reforça a opção desses adolescentes e jovens pelo Facebook é a
horizontalização das relações. Além de ser uma ferramenta de comunicação gratuita, de fácil
acesso e manuseio, esta rede social já é utilizada por eles com desenvoltura, principalmente
no que tange às estratégias de associação na construção de laços de amizade. Assim, nesta
análise iremos priorizar o aspecto de agrupamento em um espaço notadamente juvenil com a
finalidade de compartilhar interesses comuns e vivenciado entre iguais. Mesmo que cada
diário corresponda a uma escola ou a um conjunto delas em um município, entre eles há forte
identificação de percepções e anseios.
O D1 alcançou o maior público entre todos os diários: são em torno de 620 mil
seguidores. A adolescente que criou o primeiro diário tinha à época 13 anos. Sua escola é a
escola municipal Maria Tomázio Coelho, em Florianópolis (SC).
O D3 foi criado inicialmente de forma coletiva por dois colegas ambos com 17 anos.
As postagens não trazem uma escola específica, buscam abranger todas as escolas do
município de Itamaraju (BA). É o diário com o terceiro maior público, soma mais de 2.800
seguidores.
O D5, segundo os três jovens responsáveis pela página, foi criado para divulgar
problemas relacionados às escolas do município de Cotia (SP), mas grande parte das
62
postagens se refere à realidade das escolas em que seus três administradores estudam. É o
segundo maior em número de seguidores, são em torno de 4.500.
Podemos entender o imaginário como uma espécie de palco social montado para a
atuação e articulação das mais diversas representações correspondentes a uma época, um
produto resultante da cultura. Por ser construído culturalmente, o imaginário possui
historicidade e delimitações. Isso significa dizer que cada época ou geração, por exemplo,
possui imaginário próprio, específico, através do qual o espaço ocupado no mundo é
organizado, pois o imaginário traz em si modos de vida, valores, crenças, sistema de inclusão
e exclusão, entre outros mecanismos. Nesse sentido, a vida social é permeada de discursos
que são transmitidos, (re) transmitidos e legitimados pelo imaginário, que atua por meio das
mais diferentes linguagens.
64
Quando eles entendem que é importante partilhar conteúdos com quem provavelmente
vivencia situações semelhantes, mas não sabe exatamente como contribuir para a superação
desses problemas ou convidam para o debate aqueles que desconhecem as condições nas
quais grande parte das escolas públicas opera, tornam-se importantes plataformas de
compartilhamento, constituem-se em canais alternativos de comunição que abordam sob outro
ponto de vista, o ponto de vista do estudante, a realidade escolar.
18
Dados resultantes da pesquisa TIC Kids Online Brasil, entre os meses de abril e julho de 2012, revelam que
70% dos adolescentes tem perfis em redes sociais e que 85% dos jovens que tem entre 9 e 16 anos usam a
internet pelo menos uma vez na semana.
65
Fonte: <www.facebook.com>
66
Um aspecto que se mostra relevante a partir dessa descrição é o fato de que todos os
diários – três deles explicitamente nesse campo, e também nas postagens regulares que
realizam – referem-se à necessidade de revelar a “verdade” e se apresentam como veículos
para tal. A princípio, suas postagens sugerem um tom quase messiânico, pois acreditam que a
ordem das coisas será retomada quando cada um fizer sua parte e tudo o que for revelado for
reconsiderado. Mas, contextualizando as expectativas em suas devidas proporções,
considerando os cenários nos quais surgem os diários e consequentemente o que o espaço de
fala conquistado representa para esses adolescentes e jovens, é preciso refletir sobre o
conceito de verdade e como ele se aplica à rotina dos Diários de Classe.
De maneira geral, a busca pela verdade sempre figurou pela história da humanidade,
mas sem dúvida, foram os campos científico, filosófico e religioso os grandes responsáveis
pelo peso e importância dados a ideia de verdade como concebemos hoje. Ao
institucionalizarem a verdade, um conjunto de experiências, doutrinas e práticas foi
normatizado e passou a ser a base para a vida em sociedade.
Cada diário partiu da constatação de uma realidade particular, sua própria verdade – a
situação de uma escola ou escolas de um município ou região específica – mas em muitos
elementos a realidade particular encontra-se refletida na realidade dos demais diários. Ou seja,
compartilham impressões e denúncias sobre fatos que revelam incoerências na prática
pedagógica, descaso e abandono de escolas, espaços públicos. O ato de se expressarem no
ciberespaço e trazer ao conhecimento de seus seguidores os casos relatados, aos seus olhos,
torna o problema concreto o suficiente para ser considerado verdadeiro, pois um fato
67
nos últimos anos no Brasil são crescentes, que nunca se viu tantas crianças, adolescentes e
jovens com acesso à escola, principalmente se comparados a governos anteriores 19.
Esclarecem, ainda, que o que não é feito não depende diretamente do executor, mas de
repasse financeiro, previsão orçamentária, burocracia nos trâmites legais etc. Independente do
viés da justificativa, essas argumentações não são desprezadas, pois, são fruto de um discurso
institucional, tido como oficial, alguém que fala em nome da instituição e que por ela está
amparado. Há aqui a chancela da autoridade governamental.
Se o que é verdade para um sujeito não o é necessariamente para outro, tal sentença
será sempre relativizada a partir dos lugares ocupados pelos sujeitos envolvidos e das relações
estabelecidas entre eles, neste caso: estudantes, professores, diretores de escola, gestores
públicos, pais ou responsáveis. Para Foucault (1993), as formações enunciativas serão
consideradas falsas ou verdadeiras a partir dos contextos que as regem e dos dispositivos de
poder que as tornam satisfatórias. Ou seja, a busca pela verdade é, em outras palavras, a
construção de uma trajetória que sanciona o discurso e o torna válido, a busca pelo poder de
falar aquilo que deverá aceito.
De tal modo, podemos considerar que o retrato feito pelos diários sobre suas escolas é
potencialmente replicado na busca por um retrato da realidade da escola e da educação
pública brasileira e a razão de ser de comunidades como estas encontra respaldo na distância
que há entre a compreensão delas a respeito de como suas escolas deveriam ser e como, de
fato, são. “A realidade, porém, é que nos acostumamos a viver em dois planos, o real com
suas particularidades e originalidades e o oficial com seus reconhecimentos convencionais de
padrões inexistentes. Continuamos a ser, com a autonomia, a nação de dupla personalidade, a
oficial e a real”. (TEIXEIRA, 2000, p.18).
Mas é importante ressaltar que foi o ciberespaço o meio escolhido por eles para
alcançar visibilidade. A atenção que despertaram em outros canais de comunicação se deu por
causa do impacto que a criação dessas comunidades provocou na rede social. Foram muitos os
internautas que em pouco tempo reconheceram a capacidade desses adolescentes de falar com
propriedade a respeito de seu cotidiano escolar e passaram a segui-los virtualmente, somando,
em uma única rede social, mais de 634 mil pessoas interessadas em acompanhá-los.
No entanto, quando buscamos mapear ou discutir esse aprofundamento por parte dos
jovens, seja na autoria dos posts ou na interação com as publicações feitas por outros, não
podemos desconectá-los de um território de interação coletiva própria do ciberespaço. Tal
contexto atribui sentido às formas contemporâneas de reivindicação, sociabilidades e
comunicação.
São acontecimentos relevantes para uma nova organização mundial que não pode se
furtar ao poder resultante da democratização do acesso à internet, que de partida pluraliza
discussões e expande o alcance das mesmas. Ao se articularem, por exemplo, com o conjunto
de manifestações sociais que aconteceram no Brasil, os Diários de Classe Virtuais revelaram
ser conscientes dessa nova dinâmica social. Durante esse período, alguns dos diários se
dedicaram a reforçar a participação prioritária dos adolescentes e jovens nos protestos, ao
mesmo tempo em que se esforçaram para situar a educação e a precariedade da escola pública
dentro da ampla pauta de reivindicação.
Fonte: www.facebook.com
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Fonte: www.facebook.com
Hoje podemos ter uma certeza, a pressão nos políticos funciona. Quando
comecei o Diário e começou a repercussão, logo a prefeitura veio e reformou
a escola, vários outros Diários também tiverem seus resultados. Bastou uma
semana de manifestações e já ocorreram mudanças, baixou as passagens,
votaram contra PEC 37, estão votando mais recursos para educação e saúde.
74
Quando distingue o espaço público do espaço privado, Hannah Arendt (2008) situa
tudo o que é ligado às necessidades biológicas vitais do ser humano – inclusive o esforço
desempenhado pelo homem para o atendimento e manutenção da vida ou mesmo para
produzir artefatos – como sendo próprio da esfera privada, ou seja, uma esfera mediada pela
sobrevivência e regida por imperativos e interesses particulares.
Você sente orgulho do seu país? Não. Pois, como eu vou ter orgulho de um
país que dá mais valor a festas do que as coisas públicas? Um país onde a
política não é feita com cunho ao bem da população, mas sim pensado com
intenções particulares, tradicionais da nossa marca, [...] onde as pessoas só
querem tirar vantagem em tudo. Onde temos como presidente do senado
uma pessoa condenada, e a mesma faz parte de um conselho de ética. Eu me
pergunto meus caros, como uma pessoa como essa tem ética? Além desse,
temos muitos condenados sentados nos locais onde deveriam estar pessoas
76
dedicadas ao bem COLETIVO, que lutassem pelo POVO, junto com o povo
e para o povo. Um país onde as escolas públicas encontram-se sucateadas,
velhas e atrasadas no tempo. Onde os professores não são valorizados e os
custos para a educação são visualizados como gastos, quando não se é
utilizado para superfaturamentos e desvios. Hoje, e não só hoje, as pessoas
saem da escola sem realmente aprender. A escola hoje é vista como uma
fábrica de pessoas alienadas [...] Eu vejo que é mais importante coisas
públicas boas ao invés de estádios de futebol.
Eu teria orgulho de um país onde o povo acordasse para a vida e fosse menos
comodista, que soubesse votar corretamente ao invés de venderem seu voto.
Um país onde a educação, saúde, transporte público entre outras coisas
públicas fossem de qualidade. Um país onde a justiça fosse para todos e que
no julgamento o poder aquisitivo fosse ignorado totalmente. Tudo o que
estamos colhendo e sofrendo hoje é consequência do nosso voto e de nossa
irresponsabilidade quando ignoramos as discussões e o afinco às coisas
públicas para termos tempo de ir ver a novela ou assistir o futebol. Nosso
país pode ser bom, basta esquecermos a estupidez humana e agir com união,
como diria os Anonymous, unidos por um e divididos por zero.
Vamos nos unir e nos tornar a Geração Coca-Cola que o Legião Urbana
cantava, parar essa Roda-Viva que Chico Buarque cantou. Nós podemos se
pensarmos no coletivo. Tudo pode ser diferente se você pensar e agir
diferente. (D5, 13 de fevereiro de 2013).
Há uma confluência de interesses pela ação política. Desse modo, é possível afirmar
que a indignação, o questionamento da realidade e o compromisso de melhorá-la os movem.
Para Mendonça (2007), em consonância com Arendt, quando iniciativas como essas irrompem
na vida social elas introduzem algo novo, sugerem novos quadros de interpretação da
realidade e acabam por promover reflexões tanto sobre o passado como sobre o futuro.
À medida que adolescentes e jovens navegam, redimensionam, para além das relações
e posições sociais hierárquicas, questões culturais, econômicas, sociais e políticas. É devido,
sobretudo, ao caráter livre, colaborativo, interconectado e não-proprietário da internet – que
pauta, dentre outros fatores, as subjetividades e as sociabilidades contemporâneas – que
experiências ciberativistas, como são os Diários de Classe Virtuais, se tornam possíveis.
(SEGURADO et al., 2013; SIBÍLIA, 2012a).
Em muitos casos, até mais importante que os resultados em si, são os acontecimentos
que se tornam possíveis a partir desse novo desenho sócio-espacial. Seja delimitado
fisicamente ou virtualmente, o espaço público vivenciado coletivamente e ocupado
ativamente é o único palco que possibilita a transformação. Contudo, é de uma negligência
contextual sem medida subestimar o poder da ação no ciberespaço e de práticas integradas
que passam por ele, principalmente quando são encabeçadas pelas juventudes.
Esse cenário que favorece experiências como a dos Diários de Classe Virtuais coloca
as juventudes envolvidas em condição de protagonismo, uma vez que oportuniza a elas cada
vez mais condições para o exercício espontâneo da cidadania e consequente participação
política, mesmo que esses conceitos, ao menos teoricamente, estejam em construção durante
essa fase da vida e exijam certo grau de vivência para sua compreensão. O fato de aspirarem
esse lugar e iniciarem a busca não torna esses sujeitos plenamente capazes e conscientes.
Esperar que o simples fato de estar na rede e em rede torne adolescentes e jovens conectados
cidadãos prontos, conscientes de si e dos outros, capazes de viver em sociedade e de se
posicionarem de maneira consistente é minimizar, senão desprezar e empobrecer a complexa
teia de relações que os tornam seres sociais condicionados e condicionantes.
78
O homem se revela aos seus pares por meio do agir e do falar, comunica a si próprio
superando as diferenças e necessidades explicitamente físicas. Para Arendt, ao garantir no
espaço público o surgimento e a permanência de corpos políticos, a ação revela-se
intimamente ligada à condição humana da natalidade, que se consolida como sua base, pois
segundo a autora, os homens não lograriam êxito em seus processos de compreensão de si
mesmo e do outro se não fossem iguais. Ao mesmo tempo em que não necessitariam da ação
e do discurso para dialogarem se não fossem diferentes um do outro. Há uma capacidade
inaugural e imprevisível no agir e ela é fruto do permanente milagre do nascimento de novos
e singulares indivíduos.
ação, no ato de iniciar, a pluralidade é efetivada no discurso, quando este permite ao homem
distinguir-se dos demais, entre os demais. Essa associação política que se dá entre homens
constitui-se, portanto, no poder de transformar a realidade. “O poder só é efetivado enquanto a
palavra e o ato não se divorciam” (ARENDT, 2008, p.212).
Não acredito que vcs estão satisfeitos com isso, não podem se conformar, se
forem esperar alguém fazer algo, esperem sentados. A hora é agora, curtam,
compartilhem essa pagina. A escola é pública, de todos, é de vc, minha, do
seu filho... Apoiem essa página, por favor, afinal, é pra todos. (D6, 12 de
setembro de 2012).
nossas ações na rede, como já dito, em escala é planetária. Onde houver um computador ou
dispositivo conectado à internet, aquele conteúdo poderá chegar e ainda que seja deletado
pelo sujeito que o emitiu, ele não necessariamente será excluído da rede de forma automática,
pois os mecanismos de fluxo de informação na internet estabelecem conexões que podem até
desvincular esse conteúdo do poder de decisão de seu autor sobre ele. Esses são apenas alguns
exemplos atingidos pelas transformações resultantes da era digital que romperam com
elementos tradicionalmente enraizados no olhar lançado pelo adulto.
Os trechos destacados abaixo mostram que o conteúdo dos diários muitas vezes
carrega uma certa agressividade. Contudo, reafirmam também a determinação desses jovens
ao mostrarem que suas cobranças não são infundadas. Eles responsabilizam professores por
faltas não justificadas e por aulas que pareciam não ter passado por planejamento adequado,
confrontam a direção das escolas e seus funcionários exigindo explicações e ações efetivas,
criticam os colegas de classe que danificavam o patrimônio da escola e os pais ausentes do
cotidiano escolar por não cumprirem sua parte nesse processo.
Como vocês podem ver, falar a verdade incomoda muita gente, as agressões
foram primeiro com palavras e agora estão partindo para as agressões físicas.
Gostaria de saber muito qual a posição da direção da escola agora, se vai
continuar protegendo quem pegou dinheiro e não fez o serviço e se agora vai
a escola me ameaçar ou vai tomar as medidas mínimas e prestar queixa
contra quem prejudicou a escola. Acho que já passou da hora da direção
fazer alguma coisa. [...] As coisas estão chegando nos limites e agora quero
saber da diretora como vai ser e este espaço está à disposição dela para
explicar, ninguém pode dizer que não dou chance de resposta. Diretora, não
deixe todos esperando mais, queremos saber sua posição oficial. (D1, em 6
de novembro de 2012)
[...] Lembram que postei aqui para vocês que jogaram uma bomba em minha
casa, pois então, não se contentaram e jogaram uma no colégio (não se sabe
se foram as mesmas pessoas ) só que desta vez, o caso foi mais sério, pq não
foi apenas algumas telhas que caíram, dessa vez um incêndio se fez presente
e vários livros, viraram cinza! O fato ocorrido é grave sim, e mostra que a
intolerância, desrespeito, falta de ética e bom senso é explicita. (D3, em 26
de dezembro de 2012).
Em contrapartida, é muito comum que esses adolescentes e jovens que expressam suas
opiniões na internet sejam acusados por adultos de não saberem exatamente o que estão
fazendo. As críticas a respeito do conteúdo veiculado, na maioria dos casos, desqualificam
suas ações por apontá-los como superficiais, irresponsáveis e imaturos.
E vcs, sabem como vai a escola dos seus filhos? Sabe se esta faltando
professor? Sabe o que ele comeu hj? Sabe o que ele aprendeu hj? O que ele
83
faz quando não tá na escola, você sabe? Podemos começar assim, não é tão
difícil... os estudantes tb tem que falar, são os maiores interessados, não
podem ficar quietos. Muitos me dizem que é sonho, que sou criança e não
sei das coisas, que não é bem assim... não me importo, gosto de sonhar.
Saber que tem milhares de curtidores inconformados com a educação no
Brasil me motiva a continuar, mas agora não só pela minha escola, mas por
todas escolas do Brasil. (D1, 01 de outubro de 2012).
O caminho não deve ser o desqualificar a fala do jovem por ser ele um sujeito em
formação, mas sim compreender a necessidade da participação de todos os sujeitos que se
relacionam com eles, em maior ou menor grau, na construção de uma experiência consciente
e responsável dentro e fora do ciberespaço. No caso de todos os Diários de Classe observados
durante a pesquisa, apenas os D1 e D3 assumem o acompanhamento permanente da atuação
deles na internet pelos pais, mas nos demais não há menção sobre a participação destes,
embora todos eles expressem concordância com a participação dos pais na vida escolar dos
filhos.
Tal como as juventudes, as demandas que as relacionam com o espaço escolar são
diversas. Porém, no que diz respeito aos Diários de Classe Virtuais selecionados para a
pesquisa, o assunto que motivou o surgimento deles, recebeu maior atenção e se concretizou
como mais recorrente em suas páginas foi a ausência de uma infraestrutura material nas
escolas públicas que eles julgassem adequada para o atendimento de seus estudantes e da
comunidade em geral.
Uma política de edificações adequadas já fazia parte das reformas implantadas por
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, nas décadas de 20 e 30 do início do século XX no
Brasil. Eles entendiam que os prédios escolares não deveriam ser vistos apenas como um
85
lugar onde se transmite conhecimentos. Antes, sua concepção, manutenção e uso deveriam
permitir aos estudantes outras formas de educação:
Cabe ressaltar aqui, porém, que as reformas das faixadas e a manutenção preventiva e
constante dos prédios escolares não são iniciativas garantidoras da religação da escola com o
desejo do aprendiz de nela estar. Se retomarmos a tendência de incompatibilidade das
instituições concebidas no seio das sociedades disciplinares com as formas contemporâneas,
veremos que o espaço arquitetônico da escola também serve ao seu intuito disciplinar. O
funcionalismo da estrutura e a clara distribuição de espaços na escola denotam uma projeção
20
De acordo com uma pesquisa recente que desenvolveu uma escala de infraestrutura escolar, contatou-se que
apenas 0,6% das escolas brasileiras têm infraestrutura próxima da ideal para o ensino, com biblioteca,
laboratórios, quadra de esportes e dependências adequadas para atender a estudantes com necessidades básicas.
Disponível em: http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/eae/arquivos/1786/1786.pdf. Acesso em: 25 out.
2013.
86
espacial voltada para o controle, assim como sua organização dentro desses limites: são salas
padronizadas, filas, horários rígidos, provas, normas e regras de conduta que reforçam a
hierarquia, a sujeição e a destinação de lugares. (FOUCAULT, 1987).
O espaço escolar não é passivo. “Todo o conjunto de prédios escolares, com sua
arquitetura [...] e o espaço territorial ocupado pela escola no tecido urbano não são neutros,
produzem discursos e sujeitos, formando e conformando”. (RAIMANN; RAIMANN, 2008,
p.13). Nele há intencionalidade, há nítida dimensão de controle. Apesar disso, há também uma
dimensão educativa, que se incorporada ao dia a dia das escolas e ao currículo pode amenizar
os conflitos e construir um caminho que repense a apropriação do espaço escolar pelo
estudante, de forma a resgatar o encantamento dele por esse universo ainda presente.
Nas postagens dos diários, o desgaste da relação dos adolescentes com suas escolas é
evidenciado, tal qual a desconfiança deles em relação aos responsáveis pelo descaso e pela
mudança. Todos mostram entender a precariedade de suas próprias escolas como uma
característica comum da escola pública, um estado generalizado, afinal, o surgimento de
novos diários que, em grande medida, denunciam ocorrências da mesma natureza e o
depoimento dos internautas que reconhecem nos lugares onde estudam ou já estudaram os
mesmos problemas, ratificam essa visão.
Infelizmente não só essa, mas muitas outras escolas estão do mesmo jeito e o
órgão responsável cola uma venda para que eles não possam enxergar o que
esta acontecendo. Caso aja algum incidente será que eles vão se
responsabilizar ou a venda continuará? Por vários anos o corpo docente da
escola luta contra essas irregularidades, o pior de tudo é que quer que o
nosso país seja desenvolvido desse jeito com as escolas assim prestes a cair
em nossas cabeças, meu DEUS. Se nós não reclamarmos, não protestarmos
fica do jeito que esta ate que aconteça uma tragédia. (D6, 13 de setembro de
2012).
Eu vejo uma coisa nos outros diários que entro e leio as publicações. Todos
têm escolas depredadas, mas a minha é uma das piores. E me dizem que a
escola ainda está boa. Um exemplo: nas outras escolas é um trinco ou outro
quebrado, na minha são todos os trincos quebrados... E vem me dizer que a
escola não está tão ruim? Por favor, todo mundo vê a situação, não somos
cegos. (D2, 01 de outubro de 2012).
Entre os problemas relatados pelos diários estão casos como fechaduras quebradas,
ambientes sujos, quadras de esporte abandonadas, carteiras em péssimas condições, até
situações graves como fios desencapados e expostos, pisos rachados, reformas interrompidas
e nunca retomadas, banheiros sem porta ou sanitário, estruturas abaladas, tetos escorados
87
As imagens que seguem foram retiradas de diversas postagens realizadas por todos os
diários em diferentes períodos. Ilustram os problemas listados e a indignação que motivou os
Diários de Classe Virtuais ao expô-las. Porque ao revelarem o abandono das escolas enunciam
também a sua dimensão discursiva, da qual se subentende o consequente abandono das
juventudes que nelas convivem e a negação do direito à beleza e à contemplação como parte
da constituição integral do ser.
88
Figuras 14, 15 e 16: denúncia do D5 e D1 a respeito de uma escola do município de Cotia – SP e do município
de Palhoça – SC. Postagem do D2 sobre condição das carteiras.
Fonte: www.facebook.com
89
Figuras 17 e 18: denúncia do D4 e D3 sobre a situação de salas de aula e banheiros em escolas em SP e BA,
respectivamente.
Fonte: www.facebook.com
90
Figura 19: denúncia do D6 a respeito de escoras de sustentam o teto do refeitório, enquanto a reforma não é
feita.
Fonte: www.facebook.com
91
Figuras 20, 21 e 22: Postagens do D6 e D1 sobre problemas recorrentes no dia a dia das escolas.
Fonte: www.facebook.com
92
A cobrança dos diários soa, muitas vezes, mais ameaçadora para a direção da escola ou
para a secretaria de educação quando sai da esfera da emoção, promovida pela indignação, e
se ampara, além da visibilidade, na argumentação legal. Perceber o valor que se agrega à
contestação mediante a assimilação de seu contexto jurídico é compreender que o exercício da
cidadania não deve ser desconectado do conjunto de leis que norteia os direitos e deveres das
pessoas e das instituições.
jovens. Reconhecer a condição humana desses sujeitos é, antes de tudo, situá-los no mundo.
(CERQUEIRA, 2006).
Uma primeira impressão a respeito das conquistas práticas dos diários de classe, que
dizem respeito principalmente aos reparos e reformas promovidos após a divulgação nas redes
sociais do estado no qual se encontravam as escolas, nos dá a sensação que determinados
tipos de problemas só existem porque estão amparados pelo desinteresse de gestores e
descrença da comunidade em geral na capacidade de atendimento dos entes públicos ou pelo
desconhecimento de canais, órgãos ou ouvidorias que tratam de problemas como esses.
Muitos são os governos que ao tratarem a coisa pública sem a devida atenção
transmitem aos cidadãos a ideia de que a prestação de serviço público é um favor.
95
(HOLANDA, 1995). Esse padrão é muito comum em municípios brasileiros mais pobres, mas
não exclusivo a estes, com grande maioria da população composta por pessoas de baixa
instrução que pouco conhecem a respeito de seus direitos. Todo esse jogo de interesses e
manipulação em torno do espaço público limita os canais de reivindicação, proporcionam a
continuidade de práticas ilícitas e o mais prejudicial, esvazia o sentido da política: sacraliza o
descrédito dos cidadãos em relação à própria política e às instituições representativas e
consequentemente inibe ou anula a participação destes. (ARENDT, 1997).
Com os Diários de Classe Virtuais houve o esforço no sentido contrário. A intenção foi
tornar visíveis os problemas dessa natureza, fazendo uso de um caminho alternativo, cujo
potencial não foi, ainda, mapeado em plenitude, como vimos anteriormente. Mas, a análise
em questão embora reconheça e reforce a importância do ativismo na internet, não corrobora
com a visão reducionista de que as TICs por si só possibilitaram o renascimento de uma
participação que estava adormecida.
caminho único para a cidadania, que, ao menos no Brasil, está em constante construção.
Em um balanço feito pelo D1, após pouco mais de dois meses de atuação, verificamos
um retorno rápido dos agentes públicos responsáveis quando expostos à pressão por parte do
diário de classe. Tão importante quanto a certeza de que o acompanhamento permanente surte
efeitos é a compreensão por parte da adolescente de que essa busca por um espaço saudável
de convivência coletiva deve ser uma ação pública, de todos, de interesse comum. Para os
diários, é dever de toda a sociedade se comprometer com causas que visam o aperfeiçoamento
dos espaços sociais. Ao assimilar o caráter coletivo das reivindicações, deduz-se da
experiência do D1, que as lutas sociais não devem ser encerradas quando os objetivos
individuais forem alcançados. Não seria esse o entendimento, na visão da estudante, do que é
viver em sociedade:
Muita coisa mudou, nunca pensei na repercussão que ia dar. Olhando tudo
que aconteceu, fico feliz em ver que as coisas que mostrei foram
consertadas, a quadra parece que vai ser pintada, a APP foi formada e outras
coisas. Me perguntam muito o que vai ser agora que a escola foi reformada,
se vou seguir com Diário. Hoje penso diferente, penso maior. Penso que se
minha escola pode melhorar, por que não as outras? Não só de Florianópolis,
mas de todo Brasil. Por que vemos escolas tão ruins como as que são
mostradas aqui? Quem ganha com isso? Pra mim isso é motivo de vergonha
e acho que isso envergonha todo Brasil. (D1, em 01 de outubro de 2012).
Vale ressaltar que apenas a concepção tradicional do que seja um local adequado para
reclamar direitos e quem pode fazê-lo não atende a realidade das juventudes conectadas.
97
Porém, muitas foram as reivindicações iniciadas por eles que não dependiam de uma ação
direta da direção da escola, então eles foram instigados a entrar em contato com outras formas
de participação, como associações de pais e professores (D1), grêmios estudantis (D2, D5),
reuniões periódicas com representantes de classe, da escola e pais (D3, D4), abaixo-assinados
(D6), entre outras.
Eu sei que tem muita coisa errada, mas não adianta jogar críticas sem antes
esperar para ver no que mais a escola vai mudar. Mas já está totalmente
diferente do que era ano passado. Está melhorando, estamos conseguindo e
isso já é satisfatório, mas vamos continuar, pois falta muito chão pra
percorrer. (D2, em 05 de março de 2013).
Galera do ‘Alunos têm voz’, é com grande satisfação que venho informar
que irá começar a reforma do colégio a partir do dia 16/02/2013. (D6, em 06
de fevereiro de 2013).
Pude perceber inúmeras mudanças desde o início do ano letivo a escola está
mais transparente, não que ela não fosse, mas senti uma diferença nesse
aspecto. Está havendo mais reuniões entre direção e líderes de sala, semana
passada mesmo tive uma reunião entre representantes de pais, representantes
dos alunos e direção para falarmos sobre a escola. Basicamente falamos
sobre as pendências, o que está precisando de consertos etc. A nossa
merenda mudou um pouco, estamos tendo coisas que não tínhamos antes e
está tudo maravilhoso. Os alunos se adaptaram bastante às mudanças e pelo
que pude ver gostaram das mudanças que ocorreram. [...] o futuro não será
como o presente. (D3, em 6 de agosto de 2013)
21
Após mapear denúncias feitas pelos diários de classe, o site de notícias especializadas UOL
Educação procurou as secretarias de educação estaduais, prefeituras e algumas unidades escolares para saber se
esses órgãos estavam tomando providências em relação aos problemas apontados pelos estudantes. Disponível
em: http://educacao.uol.com.br/noticias/2012/10/22/impulsionadas-por-denuncias-estudantis-secretarias-
respondem-a-pedidos-de-manutencao.htm. Acesso em: 25 out. 2013.
98
Figura 24: Reparos de bebedouros e banheiros em escola de Florianópolis postado pelo D1.
Figura 25: Reforma da quadra e novas impressoras adquiridas pela escola. Postagem do D5.
Fonte: www.facebook.com
99
Os resultados positivos são parte importante do envolvimento com causas sociais, eles
reforçam a prática e atribuem um sentido de dever cumprido. Os agentes se sentem
valorizados e motivados a continuar. “É possível que existam interações que visem somar e
construir um determinado laço social e interações que visem enfraquecer ou mesmo destruir
outro laço”. (RECUERO, 2009, p.79). Essa constatação inserida na dinâmica própria das
redes sociais torna o número de seguidores e frequentadores mais uma expressão de
conquista, uma vez os diários dependem, sobretudo, dessa interação para alcançarem cada vez
mais visibilidade e centralidade, ou seja, para se tornarem mais populares 22.
Fonte: www.facebook.com
Talvez com base no senso comum afirmaríamos sem muitas ressalvas que qualquer
iniciativa que envolvesse a busca por melhores condições para as escolas públicas e os que
nelas circulam seria apoiada por unanimidade. Mas na prática, não ocorre assim, pois toda e
qualquer adesão depende de quem fala, de onde fala e para quem fala.
22
A centralidade é para a teoria das redes o elemento que mede o grau de popularidade de um determinado nó.
(RECUERO, 2009).
100
Essa aceitação acontece após certo tempo decorrido de dedicação, pois é necessário
superar a desconfiança atribuída às juventudes, sobretudo aos adolescentes, quando estes
ainda ocupam uma espécie de limbo social, que caracteriza uma série de ações como não
apropriadas para suas idades. (CALLIGARIS, 2000; BOURDIEU, 2003; URRESTI; 2009).
Porém, essa condição flutuante que não permite aos adolescentes o comportamento
das crianças por não se encaixarem mais na infância, nem o livre trânsito no universo dos
adultos por não terem amadurecido o necessário tem sido alterada pouco a pouco pelas novas
sociabilidades possibilitadas à adolescência pela cultura digital. Isso porque o trato facilitado
que eles possuem com as tecnologias os fazem ascender ao valorizado contexto social
informatizado, cuja permanência não é determinada pela faixa etária. Há uma tendência “à
juvenilização dos valores sociais que subvertem a antiga hierarquização simbólica entre
infância, adolescência e maturidade, em um cenário onde a cibercultura aparece como matriz
do sentido contemporâneo”. (FERREIRA; VILARINHO, 2013, p.199).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não costuma haver estranhamento quando o corpo docente reclama do salário e das
condições de trabalho, pelo contrário, é até bastante comum, como vimos, que os estudantes
se solidarizem diante desses problemas. Também não há surpresa quando diretores são
substituídos ou nomeados de acordo com os mais diversos interesses das secretarias de
educação, mas é notório o receio e o despreparo de todos esses agentes quando o estudante
decide colocar-se, manifestar-se publicamente para dizer que da forma como a escola está, ela
não pode ficar.
Hoje tivemos o início do ano letivo, fomos para as salas de aula como de
praxe e depois descemos para o auditório junto com os segundos anos onde
foi falado sobre o calendário escolar. Durante essas apresentações e
explicações a nova diretora estava falando sobre a preservação
do patrimônio publico e foi dito algo mais ou menos nesse sentido “quando
houver um problema nos comunique não é preciso postar nada''. Claro que
isso foi uma indireta (direta) para mim, logo após essa fala houve uma
sequência de risadas, mas não achei graça alguma. [...] Meus pais e todos
vocês pagam impostos altíssimos para termos educação, saúde e transporte
descente. Da maneira como estava a escola não podia ficar, a não ser que
alguém ali achasse que estava bom, que não é o meu caso. Tive que agir.
Essa semana irei começar a postar as mudanças feitas, pois havia coisas que
não foram consertadas no ano de 2012. (D3, 3 de abril de 2013).
Quando diretores dizem aos estudantes no contexto de atuação nos Diários de Classe
que não é necessário publicar nada na internet, provavelmente eles não se dão conta de que
não foram abertos, na própria escola, canais de livre expressão para esses jovens. Uma
constatação logo emerge de posturas dessa natureza: parece ser mais fácil para a instituição
escolar não dar ouvidos aos seus educandos, assim se comporta de acordo com o esperado
dela desde o seu surgimento, afinal, ao aprendiz cabe o ouvir ou o falar consentido.
Tal situação é desconcertante para a escola porque quando o estudante expande o lugar
destinado a ele desde a era moderna – o de cumprir ordens, ser avaliado, ir bem nos exames
escolares, ser aprovado – ele reage de maneira diferente do que é tradicionalmente esperado,
além de destoar dos principais estereótipos a ele atribuídos.
Muitos desses estudantes são adolescentes e sobre essa categoria social recai o peso do
que Bordieu classifica como uma “espécie de terra de ninguém social” na qual eles são
considerados adultos para determinadas situações e ainda crianças para outras, mas não
pertencem mais à infância e também não alcançaram idade suficiente para serem respeitados
integralmente. (2003, p. 154).
102
Porém, essa abordagem que parece ser natural e muitas vezes, como vimos, é
justificada por meio de argumentos biológicos, não passa de mais uma construção moderna: a
adolescência não existia até o século XX. Não era reconhecida oficialmente como uma das
fases da vida e a sua criação, conforme ressaltamos, não necessariamente conferiu a esses
sujeitos um exercício confortável dessa condição.
Calligaris (2000) enxerga na adolescência o paradoxo de uma fase que devido a esse
“limbo social” é rejeita em seu exercício pleno e muitas vezes acaba reproduzindo o catálogo
de sonhos dos adultos. E ao fugir desse “destino” buscam o que o autor identifica como o
maior sonho de nossa cultura, o sonho de liberdade. Quando tentam sair de debaixo da tutela
dos adultos e da opressão dos muitos estereótipos, praticam a rebeldia que caracteriza o modo
de ser adolescente e a transforma em um ideal cultural. Nessa mesma linha, Urresti (2009)
ressalta a crise adolescente de deixar o lugar seguro da infância, vivenciar transformações no
corpo e ainda partir em busca de uma identidade no mundo.
Feixa (2005) situa esse sujeito adolescente do agora paradoxalmente entre uma
crescente infantilização social traduzida em dependência econômica e ausência de espaços e
experiências de responsabilização e uma notável maturidade intelectual constatada no lidar
com as tecnologias contemporâneas e com novas correntes estéticas e ideológicas.
A juventude se integra a esse cenário como a sequência não apenas cronológica, mas
de acirramento das experiências da adolescência e dos conflitos inter-geracionais, O “ser
jovem” manifesta-se de forma diferenciada de indivíduo para indivíduo, por isso, os olhares
voltados à compreensão das juventudes, nesse contexto, devem ser plurais e não
reducionistas, devem considerar vários “modos de ser” jovem em diferentes condições. León
(2009) destaca que o conceito de juventude com o passar do tempo foi acrescido de muitos
outros significados e na contemporaneidade, em especial, juventude pode designar bem mais
103
Logo, diante da reação do corpo administrativo e docente das escolas abordadas pelos
Diários de Classe virtuais em relação às práticas dessas juventudes, podemos considerar que:
seja baseado no modelo de um sujeito em formação a ser moldado para viver a fase adulta de
forma plena, ou o sujeito rebelde que questiona e nega o padrão estabelecido de um vir a ser
adulto, ou ainda aquele que está adaptado tecnologicamente para uma sociedade em constante
transformação, mas sem condição de decidir a respeito de suas próprias vidas, é certo que, nos
tempos atuais, as consequências resultantes do ato de subestimar esses sujeitos são bem mais
complexas. (PAIS, 2000; FEIXA, 2005).
Quando as juventudes dos diários procedem de forma a criticar essa instituição que já
não mais converge harmoniosamente com o mundo do qual ele participa fora de seus muros e
que, ainda assim, visa determinar dentre muitas outras escolhas, seu futuro profissional, por
exemplo, elas não agem desconectadas da realidade na qual estão inseridas, antes amparam
seu agir nesse cenário social, político, cultural, econômico e tecnológico aqui exposto que se
consolida a cada experiência de busca por espaço e legitimidade.
Até bem pouco tempo atrás, existia uma imagem em torno do professor e da direção
da escola que os consagravam como autoridades inquestionáveis. Mas a evocação da
obediência por si só não é facilmente assimilada pelos corpos contemporâneos. O diálogo e o
porquê das coisas e das decisões precisam fazer mais sentido quando as juventudes se
percebem também como sujeitos de direitos. León (2009, p.54) ressalta que tanto do ponto de
vista do indivíduo como do grupo, é preciso pensar as juventudes considerando outras
104
“dimensões de caráter cultural, possíveis de evoluir de acordo com as próprias mudanças que
experimentam as sociedades no que se refere às suas visões desse conjunto social”.
Esse olhar possibilita enxergar que são muitos os fenômenos juvenis e múltiplas as
realidades que os contextualizam, além da compreensão de que nesse período “há plena
vigência de todas as necessidades humanas básicas e de outras específicas, razão porque é
decisivo reconhecer a realidade presente dos jovens e também sua condição de sujeitos”.
(LEÓN, 2009, p. 55). A esse respeito, quando trata de políticas e ações voltadas para jovens
de periferia – as experiências discutidas aqui envolvem esse público – Faustini (2009) aborda
a importância do direito à visibilidade como um primeiro direito, disparador de outros. Porque
antes, é preciso reconhecê-los.
São adolescentes e jovens que carregam uma história particular que se funde a história
de um grupo. E a diversidade que promove a teia de relações entre eles é também percebida
no ciberespaço e recriada, por meio das práticas, representações e símbolos que surgem no
âmbito da cibercultura. Em um solo rico em cultura digital, no qual o papel e o significado da
própria escola são questionados, a relação entre estudantes e responsáveis também precisa ser
reinventada. Mais do que ter o domínio de saberes ainda não compartilhados pelos estudantes,
à escola cabe manter ardente, vivo o desejo de conhecer e explorar o mundo.
Quando o estudante não se reconhece como parte da escola e não há por parte da
instituição o desenvolvimento de projetos que amplie sua participação ou que repense esse
abismo extremamente aparente nos dias de hoje, uma das consequências é o desinteresse, que
em muitos casos resulta no abando da escola. Podá-los nesse direito é mais uma vez limitar a
capacidade transformadora deles, seu segundo nascimento: “Por se constituírem um initium,
105
Basta observarmos esses mesmos adolescentes e jovens que produzem seus conteúdos,
publicam no Youtube23 ou no Facebook e se projetam a partir dessa ação, para constatarmos
que estamos diante de um exemplo em que a ferramenta e o mecanismo de compartilhamento
de conteúdos potencializam a criatividade e a ação. Os efeitos são capazes de ir além das
expectativas que os motivaram.
Mas talvez ainda caiba uma última pergunta: a escola, reconhecida como instrumento
mais expressivo da educação ainda hoje, deveria estar mais atenta e preparada às
transformações e à ação do tempo, certo? Não necessariamente. A escola tem demonstrado
grande dificuldade em concorrer com o universo sedutor do entretenimento, da tecnologia e
do consumo justamente por ter sido desenvolvida para funcionar nesse outro contexto
apontado por Deleuze. Inspirada em outro desenho socioeconômico, era outro tipo de público
que se beneficiava dela. Em oposição às singularidades que deveriam ser ressaltadas, o caráter
disciplinar das instituições volta-se para a padronização e homogeneização dos sujeitos que
por elas passam. (SIBÍLIA, 2010; SIBÍLIA, 2012b).
Com isso, sonham ainda com a escola para garantir a seus futuros filhos a
permanência da melhoria. Por isso, ocupam as redes e as ruas com a intenção de continuar
diminuindo desigualdades para as quais contribuem a omissão do Estado, a não
responsabilização do adulto, o abandono do espaço escolar e a negação de direitos essenciais,
como é o caso da educação.
Para eles, a escola deve se comportar como uma instituição garantidora do princípio da
igualdade de condições. As juventudes observadas querem encontrar na escola o espaço de
atuação que encontraram nas redes sociais. Ficou claro que não há nos Diários de Classe
Virtuais o intuito de questionar a existência da instituição, talvez para chegarem nesse ponto
precisem trilhar um pouco mais dessa trajetória e aguardar outros desdobramentos do
ininterrupto avanço tecnológico que se configura. Mas a insatisfação quanto à forma como ela
se organiza, presta seus serviços e se relaciona com os estudantes os fazem exigir a revisão
dos propósitos escolares, o que significa dizer que as mudanças não devem ser encerradas em
uma infraestrutura material adequada.
Ter a percepção de que o movimento dos diários de classe não era contra pais,
professores e direção em si, mas sim a busca por uma relação azeitada pelo bom cumprimento
dos deveres e preservação dos direitos de todos que ali circulam se mostra como um bom
caminho a ser problematizado pela escola em defesa do aperfeiçoamento da participação
24
Esses dados foram apresentados em artigo jornalístico intitulado “Os filhos da classe C mudarão a cara do
Brasil” e publicado no site do jornal El País. Disponível em:
<http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/08/politica/1389216166_533445.html>. Acesso: 10 jan. 2014.
108
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