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Pró-Reitoria de Pós- Graduação e Pesquisa - PRPGP

Programa de Mestrado e Doutorado em Educação

NOVAS SOCIABILIDADES E PROTAGONISMO


JUVENIS: A ESCOLA VISTA NO CIBERESPAÇO

Autora: Kelly Ramos de Souza Bitencourt


Orientador: Prof. Dr. Carlos Ângelo de Meneses Sousa

Brasília - DF
2014
KELLY RAMOS DE SOUZA BITENCOURT

NOVAS SOCIABILIDADES E PROTAGONISMO JUVENIS: A ESCOLA VISTA NO


CIBERESPAÇO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Educação da
Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial para obtenção do Título de
Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Ângelo de


Meneses Sousa

Brasília
2014
B624n Bitencourt, Kelly Ramos de Souza.
Novas sociabilidades e protagonismo juvenis: a escola vista no
ciberespaço. / Kelly Ramos de Souza Bitencourt – 2014.
115f.; il : 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2014.


7,5cm Orientação: Prof. Dr. Carlos Ângelo de Meneses Sousa

1. Escolas. 2. Juventude. 3. Adolescentes. 4. Ciberespaço. 5. Redes de


relações sociais. I. Sousa, Carlos Ângelo de Meneses, orient. II. Título.

CDU 37:004.7

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB


Dissertação de autoria de Kelly Ramos de Souza Bitencourt, intitulada NOVAS
SOCIABILIDADES E PROTAGONISMO JUVENIS: A ESCOLA VISTA NO
CIBERESPAÇO, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação da Universidade Católica de Brasília, em ___ de ____________ de 2014, defendida
e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

_________________________________________________

Prof. Dr. Carlos Ângelo de Meneses Sousa


Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Católica de Brasília - UCB
Orientador

_________________________________________________

Profª. Drª. Laura Maria Coutinho


Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade de Brasília - UnB
Examinadora externa

_________________________________________________

Profª. Drª. Maria Cândida Borges de Moraes


Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Católica de Brasília - UCB
Examinadora interna

_________________________________________________

Prof. Dr. Bernhard Fichtner


Prof. visitante do Programa de Pós-Graduação em Educação - UCB
Universidade de Siegen – Alemanha
Suplente

Brasília
2014
A realização do mestrado, inicialmente, parece
ser desejo e trabalho apenas de quem a busca.
Mas é no exigente cotidiano de leituras,
pesquisa e escrita que percebemos o quanto
dependemos da compreensão, amizade e
estímulo de pessoas que nos são tão caras. A
vocês eu dedico o conjunto de amor, labor e
realização que esse trabalho reúne. A Juliana
Farias, amiga e irmã que me despertou para a
leveza necessária à vida e tanto me inspirou
em suas convicções, sinto sua presença
diariamente em pensamento e saudade. Ao
Rafael, tão importante nesse processo, meu
companheiro de vida, parceiro incondicional
que me acrescenta, melhora quem sou, todo
meu amor e admiração. Aos meus
maravilhosos pais e irmãos, seres de sabedoria
e amor, com quem compartilho toda e
qualquer conquista. Dedico aos meus amig@s,
desse e de outros tempos, mas que
permanecem com ombros, ouvidos e abraços
disponíveis. Às minhas amigas-irmãs Juliana
Borre e Luciana Alencar, vocês são parte do
que sou, obrigada pela escuta, presença,
amizade e fraternidade. Ao querido amigo e
professor Deusdedith Junior, pela
disponibilidade, acolhimento e amizade. Por
fim, dedico esse trabalho a Deus, meu esteio,
quem me presenteou com tantos amores e me
inspira a ser a cada dia um pouco melhor e
mais consciente de mim e do outro.
AGRADECIMENTOS

Ao prof. Dr. Carlos Ângelo de Meneses Sousa pela gentil e respeitosa orientação, pela
confiança, pela autonomia dada a mim ao longo dessa jornada e, sobretudo, por me conduzir
de volta ao caminho em tempos de crise. Agradeço aos meus familiares, amigos e amigas com
quem compartilho a vida, pela compreensão e apoio. À Escola de Administração Fazendária –
ESAF, pelo respaldo. Agradeço às amigas Georgiane Jordão, Cristina de Ross, Valéria
Salviano e Meire Pereira, companheiras de trabalho que com amizade e compreensão
facilitaram minha organização profissional para que o mestrado fosse possível. Ao amigo e
terno professor Deusdedith Junior pelo livre acesso a sua biblioteca e pela troca de ideias e
impressões. Agradeço à Universidade Católica de Brasília pela ampla estrutura
disponibilizada. Agradeço ao amigo Marcelo Nicomedes por seu incentivo e parceria. Por
fim, agradeço a todas as pessoas que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização
desse trabalho.
RESUMO

BITENCOURT, Kelly Ramos de Souza. Novas sociabilidades e protagonismo Juvenis: A


escola vista no ciberespaço. 2014. 115 p. Dissertação do curso de Mestrado em Educação –
Universidade Católica de Brasília, 2014.

O avanço tecnológico na era digital contribuiu para um cenário de diversificação de espaços


ocupados pelas juventudes. No ciberespaço, esses sujeitos sociais ressignificam relações que
estabelecem entre si, com o outro e sobre o outro por meio das práticas, representações e
símbolos que surgem no âmbito da cibercultura. A presente pesquisa se inseriu nesse contexto
com o intuito de investigar os espaços de opinião, manifestação, representatividade e
participação vivenciados por adolescentes e jovens na internet para se posicionarem sobre as
instituições nas quais estudam. Para compreender como eles têm percebido a escola e se
expressado sobre ela, foi analisado como as juventudes contemporâneas se relacionam com as
tecnologias da informação e comunicação e quais os canais de comunicação e interatividade
são utilizados por eles. Nesse sentido, destacam-se as Redes Sociais, que se constituem em
um espaço eminentemente contemporâneo baseado em dois pilares da internet, a
conectividade e a interatividade. O conjunto de participantes da pesquisa foi formado por 6
(seis) Diários de Classe Virtuais, comunidades criadas no Facebook por adolescentes e jovens
em idade escolar, estudantes de escolas públicas municipais ou estaduais, para expor opiniões
e denúncias sobre o cotidiano escolar e as condições materiais dos prédios escolares. Trata-se
de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, que fez uso da netnografia como
arcabouço metodológico para atender a realidades específicas de uma análise voltada para
comunidades instaladas no ciberespaço. Os dados foram colhidos a partir da observação
regular dos Diários de Classe no período de 13 (treze) meses e foram analisados à luz da
análise de conteúdo. Para adequada fundamentação da análise e dos pressupostos
apresentados, o referencial teórico baseou-se em Arendt, Bauman, Bourdieu, Castells,
Deleuze, Foucault, Lévy, Sibília, entre outros. Os resultados revelaram que a internet
possibilita às juventudes experiências de protagonismo ao se consolidar como um lugar
legítimo para sua expressão. Cientes desse cenário, adolescentes e jovens usam cada vez mais
o ciberespaço como espaço público do agir coletivo. Ao mesmo tempo em que formas de
protesto e reivindicação são aperfeiçoadas, eles expandem o lugar destinado ao estudante para
criticar essa instituição que já não mais converge com o mundo do qual ele participa fora
de seus muros.

Palavras-chave: Ciberespaço. Adolescentes. Juventude. Escola. Redes Sociais.


ABSTRACT

The technological advancement in the digital age contributed to a scenario of diversification


of spaces occupied by youths. In cyberspace, these social subjects resignify relationships
established between them, with each other and about each other through the practices,
representations and symbols that arise in the context of cyberculture. This research was
inserted in this context in order to investigate the spaces of opinion, demonstration,
representation and participation experienced by young people on the internet to position
themselves on the institutions in which studying. To understand how they have realized the
school and expressed themselves about it, was analyzed as contemporary youths relate to the
new technologies of information and communication and which channels of communication
and interactivity are used by them. In this sense, there are the social networks, that constitute
an eminently contemporary space based on two pillars of internet, connectivity and
interactivity. The set of survey participants consisted of six (6) Daily Virtual Class,
communities created on Facebook by young people of school age students municipal or state
public schools to present its opinions and complaints about the school routine and the material
conditions of school buildings. This is a qualitative research, exploratory, which made use of
netnography as methodological framework to meet the specific realities of an analysis focused
on communities located in cyberspace. Data were collected from the observation of regular
Daily Class during (13) thirteen months and were analyzed according to content analysis. To
an adequate justification for the analysis and assumptions presented, the theoretical
framework was based on Arendt, Bauman, Bourdieu, Castells, Deleuze, Foucault, Lévy,
Sibilia, among others. The results revealed that the internet enables the youths experiences of
leadership to consolidate itself as a legitimate place for its expression. Aware of this scenario,
teenagers are increasingly using cyberspace as a public space of the collective work. At the
same time forms of protest and claims are perfected, they expand the place for the student to
criticize this institution that no longer coincides with the world he participates outside their
walls.

Keywords: Cyberspace. Teens. Youth. School. Social Networks.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Página inicial do primeiro Diário de classe virtual.
Figura 2: Configuração da página inicial de um perfil do Facebook.
Figura 3: Foto de Fábio Motta.
Figura 4: Postagem do D1 estimulando a criação de outras páginas.
Figuras 5, 6, 7, 8, 9 e 10: breve descrição dos Diários de Classe e suas finalidades.
Figura 11: convocação do D2 para as manifestações brasileiras de 2013.
Figuras 12 e 13: Postagens do D3 sobre as manifestações de 2013.
Figuras 14, 15 e 16: denúncia do D5 e D1 a respeito de uma escola do município de Cotia –
SP e do município de Palhoça – SC. Postagem do D2 sobre condição das carteiras.
Figuras 17 e 18: denúncia do D4 e D3 sobre a situação de salas de aula e banheiros em
escolas em SP e BA, respectivamente.
Figura 19: denúncia do D6 a respeito de escoras de sustentam o teto do refeitório, enquanto a
reforma não é feita.
Figuras 20, 21 e 22: Postagens do D6 e D1 sobre problemas recorrentes no dia a dia das
escolas.
Figura 23: Postagens dos D5 e D3 sobre reforma e reparos.
Figura 24: Reparos de bebedouros e banheiros em escola de Florianópolis postado pelo D1.
Figura 25: Reforma da quadra e novas impressoras adquiridas pela escola. Postagem do D5.
Figura 26: D1 e D5. Postagens de agradecimento e comemoração sobre o número de
seguidores.
Quadro 1: Demonstrativo de diários de classe que compõem a pesquisa.
Quadro 2: Identificação dos diários de classe ao longo da análise.
LISTA DE SIGLAS
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente;
TIC – Tecnologias da Informação e Comunicação;
OMS – Organização Mundial da Saúde;
ONU – Organização das Nações Unidas;
PEC – Proposta de Emenda à Constituição;
RSI – Redes Sociais da Internet
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12

CAPÍTULO 1: ELEMENTOS DA PESQUISA ................................................... 16

1 PROBLEMA ............................................................................................................. 16

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................. 20

1.2.1 Objetivo Geral:..................................................................................................... 20

1.2.2 Objetivos Específicos: .......................................................................................... 20

1.3 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 21

1.4 METODOLOGIA .................................................................................................. 25

1.4.1 A pesquisa on-line ................................................................................................ 27

1.4.2 Exploração/observação on-line dos Diários de Classe Virtuais .............................. 29

1.4.3 Participantes da pesquisa: jovens editores dos diários de classe virtuais ................ 29

1.4.4 Análise de conteúdo ............................................................................................. 33

1. 4.5 Procedimentos para coleta e análise de dados ...................................................... 34

CAPÍTULO 2: REVISÃO DA LITERATURA .................................................... 38

2.1 JUVENTUDES: UM CONCEITO EM CONSTANTE AMPLIAÇÃO ...... 38

2.2 TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: UM


CENÁRIO PROPÍCIO PARA A REVISÃO E A CRIAÇÃO DE NOVAS
PRÁTICAS SOCIAIS................................................................................................. 40

2.3 PROTAGONISMO JUVENIL NAS REDES SOCIAIS: VÁRIOS LADOS


DE UMA QUESTÃO ................................................................................................. 45

2.4 EDUCAÇÃO: UMA PRÁTICA SOCIAL REVISADA PELAS TIC .......... 50

CAPÍTULO 3: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ............... 53

3.1 COMO SURGIRAM OS DIÁRIOS DE CLASSE VIRTUAIS QUE


COMPÕEM A PESQUISA ........................................................................................ 58
3.1.1 Detalhamento e identificação dos diários de classe ............................................... 61

3.2 A BUSCA PELO LUGAR DE FALA E SEU CONTEXTO


ENUNCIATIVO .......................................................................................................... 63
3.2.1 O Compromisso com a verdade ............................................................................ 65

3.3 A ESTRATÉGIA DOS DIÁRIOS DE CLASSE VIRTUAIS: O


RECONHECIMENTO E USO DO CIBERESPAÇO COMO MEIO DE
VISIBILIDADE ........................................................................................................... 69
3.3.1 A ocupação do cibespaço como espaço (público) de ação e de expressão do novo 72

3.3.2 O sufocamento da natalidade impresso na incompreensão e na ausência do adulto


responsável ................................................................................................................... 80

3.4 EM BUSCA DE UM ESPAÇO ESCOLAR QUE GARANTA


DIGNIDADE E RECONHECIMENTO ................................................................. 84
3.4.1 Os resultados alcançados pelos diários de classe virtuais ...................................... 94

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 101

REFERÊNCIAS: ......................................................................................................... 109


12

INTRODUÇÃO

Os acontecimentos despertam em nós a curiosidade da compreensão, a busca pelo


entendimento. Vivenciar o mundo requer de nós, sujeitos no mundo, experienciá-lo a partir do
interesse pela vida, pelas pessoas, pelas coisas, pelas relações e por tudo que não conhecemos
plenamente. São processos de constituição de identidades a partir da alteridade, das
representações e das trocas que nos formam seres sociais e culturais.

Leituras e interpretações são produzidas a partir de lugares específicos e traduzem os


olhares que lançamos. Para compreendermos, por exemplo, os acontecimentos históricos,
categorizamos a história humana em períodos ou eras que reúnem fatos e narrativas de um
tempo e de um espaço; e ainda que acontecimentos pareçam comuns à outra época, os
contextos de seu tempo e do seu lugar os tornam exclusivos.

Fazemos um exercício muito parecido com os seres humanos quando promovemos


distinção entre o que entendemos ser fases da vida, de acordo com as referências extraídas das
lógicas socioculturais, políticas e econômicas próprias do nosso tempo. Ainda que tal
classificação não nos garanta uma condição definitiva a ponto de termos o domínio total do
que é ser, na atualidade, criança, adolescente, jovem, adulto, idoso ou inúmeras outras
categorias que poderíamos listar ou criar, percebemos em determinados grupos de indivíduos
características ou práticas comuns que se manifestam mais frequentemente que em outros.

Sobre essa questão, Bauman assinala que é o agrupamento de traços comuns,


característicos que nos autoriza a falar, em primeiro lugar, em "categorias". Ao fazê-lo,
"Ignoramos temporariamente a multiplicidade de características que faz de cada um de seus
integrantes uma entidade única e irreptível [...], um ser que se destaca de todos os demais
membros da mesma categoria". (BAUMAN, 2011, p.19).

No que diz respeito a essa pesquisa, que tem como categoria central as juventudes, a
ressalva apresentada foi importante para que o comum não anulasse as singularidades e não
incorrêssemos no erro de falarmos de um único tipo de jovem, categorizado e identificado por
características físicas, biológicas, sociais, culturais e emocionais homogêneas. Antes,
buscamos compreender como esses sujeitos estão construindo, se relacionando e se
apropriando de espaços sociais virtuais e físicos como partes de uma única realidade
complexa.
13

O conceito de juventude não está fechado. Por ser aberto e por estar em fluxo, o mais
adequado é pensar em juventudes, usando do conforto que o plural traz para aproximar o
conceito à diversidade.

Cada vez mais, a juventude é um fenômeno social e cultural que ultrapassa


as discussões etárias. Ela engloba uma série de ações, movimentos e
intervenções características da prática juvenil nos caminhos das sociedades.
Para além de ser um momento de transição, a juventude é a reunião de
complexidades marcantes. Ela não é passagem. (PRATA, 2008, p.222).

Se pensarmos os jovens da atualidade a partir da abordagem geracional recentemente


aplicada à sociedade contemporânea, eles seriam localizados entre as gerações "X" – já
nascidos na era da informação, aproximadamente entre os anos de 1965 e 1977 - e a Geração
"Y", nascidos entre 1977 e 2000, em anos de aprimoramento e expansão das tecnologias
digitais. (AMARAL, 2008; OLIVEIRA, 2009; TAPSCOTT, 2010; BAUMAN 2011). Assim,
falamos de um grupo ainda mais específico.

São adolescentes e jovens de anseios e comportamentos muito distintos das gerações


que os antecederam, com ênfase na relação que eles estabelecem com as Tecnologias da
Comunicação e Informação (TIC), como elas influenciam os jovens - em especial a internet -
e como essa nova configuração da sociedade tem refletido nas formas de expressão, nas novas
formas de sociabilidades e nas relações que estabelecem com a Educação na sua forma
institucional, a escola.

Uma geração de práticas entremeadas por tecnologias que transformam as noções de e


comunicação, de interatividade com o outro e se relacionam com as muitas informações e
com o conhecimento de forma menos fixa, provavelmente mais fluida. (ROSS et al., 2013, p.
2). Porém, o avanço tecnológico, principalmente no que diz respeito às plataformas de
comunicação colaborativas cada vez mais abertas, contribuiu para um cenário em que as
juventudes conquistaram mais espaços de fala e representatividade, o que promove algumas
reflexões importantes sobre o que isso tem gerado.

Os conflitos inter-geracionais e institucionais se acirraram e há muito para


observarmos diante de uma versão contemporânea do que Hannah Arendt (1997) chamou de
crise da autoridade e da tradição, que ao lado de um acelerado desenvolvimento técnico,
marcaram o século XX. Muitos desses elementos foram considerados no percurso, sobretudo
no que dizia respeito à tríade de análise: Juventudes, Tecnologias e Escola.
14

Dessa forma, o presente trabalho foi organizado em três capítulos, a fim de investigar
como as juventudes têm percebido a escola e se expressado sobre ela no ciberespaço. No
capítulo 1 apresentamos a organização das ideias que motivaram a investigação, a definição
de caminhos e consequentemente a estruturação da pesquisa. Nele, contextualizamos a
questão central do estudo e justificamos sua relevância acadêmica e social. Também
descrevemos os objetivos que pretendíamos alcançar, anunciamos o objeto de estudo e análise
e qual abordagem metodológica foi empregada na pesquisa. Em suma, embora sejam
elementos formais e comuns a toda pesquisa, os componentes trabalhados nesse capítulo
foram necessários para responder importantes perguntas que em conjunto representam pontos
fundamentais.

Bell (1989) aconselha o pesquisador a fazer uma busca refinada sobre o que tem sido
escrito e produzido em torno de seu tema e a dialogar com seus pares, pois da diversidade de
olhares, leituras ou mesmo das discordâncias, não só podem surgir linhas alternativas de
investigação como possibilita o detalhamento e a apuração em relação ao que se pretende
descobrir. Por isso, a revisão de literatura realizada no capítulo 2 iniciou a discussão teórica
apresentando conceitos que nos auxiliaram na compreensão das diferentes perspectivas que
envolvem as juventudes e suas relações com as tecnologias e a escola na contemporaneidade.
Percorremos obras de autores como Arendt, Bauman, Bourdieu, Castells, Deleuze, Foucault,
Lévy e tantos outros para fundamentarmos nossa análise e pressupostos.

Discorremos sobre as juventudes enquanto categoria social historicamente construída


e em constante ampliação, marcada pela diversidade e pela pluralidade. Discutimos sobre as
tecnologias da informação e comunicação (TIC) como um cenário propício ao protagonismo
juvenil por meio da revisão e criação de novas práticas sociais, com especial atenção para as
Redes Sociais como espaços de sociabilidades inéditas para as juventudes. E em meio a tantas
transformações proporcionadas pelas introdução das TIC na sociedade contemporânea,
refletimos também sobre o papel delas na educação.

No capítulo 3, apresentamos os Diários de Classe virtuais que compuseram a pesquisa


e o contexto de surgimento de cada um. Os dados coletados foram analisados a partir de
inferências e interpretações sobre a busca das juventudes por canais de expressão e
visibilidade no ciberespaço. Buscamos compreender os fatores contemporâneos que levaram
esses adolescentes e jovens à maior e mais popular rede social no Brasil para se posicionarem
sobre suas escolas. Com o intuito de denunciar, intervir e participar mais ativamente dessa
instituição tão presente no cotidiano deles, eles ampliaram o lugar destinado ao estudante.
15

Ao mesmo tempo em que conquistaram um espaço legítimo de atuação, cobraram de


pais, professores, diretores e todos os envolvidos na rotina escolar responsabilidade,
participação efetiva, comprometimento e respeito às juventudes e seus direitos. Dessa forma,
suas ações no ciberespaço se constituíram em meios de aperfeiçoamento do exercício da
cidadania e da participação política. Consequentemente, em decorrência da desestabilização
promovida pela criação dos Diários de Classe Virtuais muitos foram os conflitos vivenciados
por esses jovens ao questionarem práticas, decisões, posturas. Assim, foi parte importante da
análise a reflexão sobre qual o papel do adulto responsável diante de sujeitos que estão em
processo de aprendizagem sobre o mundo que estão conhecendo.

Na exposição da precariedade da infraestrutura material das escolas, há a expressão do


abando e a busca por dignidade e reconhecimento. Ao terem grande parte de suas
reivindicações a esse respeito atendidas, as juventudes dos Diários se sentiram reconhecidas.
Saíram de uma zona de invisibilidade traduzida em descaso e omissão e passaram a fazer
parte da discussão a respeito dos rumos da escola.
16

CAPÍTULO 1: ELEMENTOS DA PESQUISA

1 PROBLEMA
As competências sociais desempenhadas pelos indivíduos não resultam de
combinações naturais ou genéticas, antes, como afirma Belloni (2007, p.58), para nos
tornarmos sujeitos sociais passamos por processos de socialização comuns à infância,
adolescência e juventude, para que "as novas gerações, que asseguram a reprodução da
sociedade, interiorizem as disposições que as humanizam, tornando-as indivíduos sociais". No
sentido dessa reflexão, Simmel a aprofunda quando observa que a sociedade não consiste em
um fenômeno acabado, compreendido em sua totalidade "mas ao contrário, é um fluxo
incessante de fazer-se, desfazer-se e refazer-se, cujos laços que ‘atam’ os indivíduos são
feitos, desfeitos e refeitos em uma contínua fluidez". (PERES et al., 2011, p.98).

Simmel compreende, ainda, a sociedade como sendo resultado dessas relações, da


interação entre indivíduos motivada por desejos, interesses e condicionamentos diversos. É a
partir desse jogo relacional, a sociação, que muitos conteúdos da vida - a fome, o trabalho, o
amor, a religiosidade, a técnica, entre outros - tornam-se sociais, "apenas quando transformam
a mera agregação isolada dos indivíduos em determinadas formas de estar com o outro e de
ser para o outro que pertencem ao conceito geral de interação". (SIMMEL, 2006, p.60). Logo,
a sociedade é perpassada por conjuntos de práticas, experiências e valores que são
transmitidos, reinventados e processados por meio de canais múltiplos que garantem a sua
permanência como um espaço de convivência coletiva e adequado ao momento histórico que
compartilhamos.

Isto não significa dizer, portanto, que não há conflitos no "jogar a sociedade". Muitos
são os fatores que influenciam e norteiam esse jogo. Para os adolescentes e jovens da
atualidade, por exemplo, com o surgimento e o aprimoramento de tecnologias de
comunicação e informação, ferramentas e possibilidades de socialização surgiram de modo
muito distinto daquele vivido pelas gerações anteriores e com isso, desvelou-se mais
profundamente conflitos inter-geracionais.

Si el reloj simboliza en cada caso la medida del tiempo biográfico, podemos


considerar a las relaciones intergeracionales como una metáfora del cambio
social. Es decir: las formas mediante las cuales cada sociedad conceptualiza
las fonteras y los pasos entra las distintas edades, así como las relaciones
entre las generaciones, som un indicio para reflexionar sobre las
transformaciones de sus formas de vida y valores. La medida del tiempo, em
cada reloj, expresa la conexion entre condiciones sociales e imágenes
17

culturales y se traduce em distintas modalidades de tránsito (las fronteras y


los pasos entre las distintas categorías de edad). (FEIXA, 2005, p.3).
A esse respeito, Bauman reconhece o caráter histórico desse fenômeno, pontuando que
a incompreensão entre gerações é recíproca em praticamente todas as sociedades, mas é
categórico ao afirmar que na modernidade houve um acirramento dessa sensação a partir de
mudanças profundas, contínuas e aceleradas nas condições e nos modos de vida. Em suas
palavras "o ritmo acelerado mudando a lógica da vida alterou não só as relações entre
gerações, mas as relações sociais em seus âmbitos mais longínquos". (2011, p.19).

Os processos de construção de identidades, representações e interpretações do mundo


para os adolescentes e jovens passam a ser fortemente influenciados, mediados e
transformados pelas tecnologias, ocupando um lugar central nas interpretações desenvolvidas
sobre a Geração "Y". São velhas e novas tecnologias coexistindo e potencializando as culturas
e identidades juvenis. (COELHO; ASSUNÇÃO, 2010). Prensky (2001) classifica esses jovens
como nativos digitais. Suas formas de perceber o mundo e suas fronteiras, os modos de se
relacionar com o outro, se expressar, aprender e compartilhar são entremeados pelas
tecnologias e pela conectividade. Tal realidade tende a torná-los mais que expectadores.

Anteriormente a esse universo de acesso facilitado à informação e da construção de


uma cultura de comunicação informatizada, horizontal e cooperativa trazida pelas TIC, ainda
que determinada questão social envolvesse diretamente adolescentes e jovens, isso não
bastava para dar-lhes voz, direito de se manifestarem sobre. A condição de protagonistas 1 é
facilitada pelo atual contexto quando esse possibilita o deslocamento de adolescentes e jovens
conectados de um lugar de passividade, inacessibilidade ou de ausência de fala para uma
conjuntura de visibilidade, acesso, concepções, ferramentas e participação direta promovida
por uma multiplicidade de canais, sobretudo no universo da web 2.0 2, que lhes possibilitam

1
Para Souza (2009), no histórico de conquistas em torno das políticas públicas voltadas para as juventudes, o
termo protagonismo juvenil se configura entre elas como responsável pela síntese de um discurso que reconhece
os jovens como sujeitos sociais capazes de participarem ativamente do desenvolvimento tanto da sua
comunidade, da sua escola, da sua cidade como do seu país, ou seja, da sua realidade, discutindo, formulando e
contribuindo com políticas e medidas adotadas para fortalecê-los.
2
A Web 2.0 consiste em uma versão de internet que permite maior participação do usuário. Os conteúdos
disponibilizados na web 2.0 são mais abertos, o que resulta em um intenso compartilhamento de informação e
mais colaboração, tornando os usuários os grandes responsáveis por alimentar as informações dessas páginas. Os
sites dessa nossa versão não são mais expositores de textos e imagens, apenas. As redes sociais, por exemplo,
ampliam os horizontes de interação, os vídeos produzidos pelo próprio usuário ou por outros ganham
considerável espaço, ambientes wikis de construção coletiva de textos e informações, os blogs e tantas outras
páginas seguem a lógica da autonomia eda co-produção do usuário final para tornar as páginas reconhecidas. A
internet depois da web 2.0 é ainda mais dinâmica. Disponível em http://www.tecmundo.com.br/web/183-o-que-
e-web-2-0-.htm#ixzz2CZbBUSDc. Acesso em 11 set. 2012
18

tomar conhecimento, opinar, interferir, apoiar, criticar, integralmente ou parcialmente,


diversos temas e espaços que dizem respeito a eles. Contudo, não se trata de um jogo sem
conflitos.

O reconhecimento do direito e/ou lugar de fala do adolescente ou jovem é


constantemente questionado, sobretudo por instituições e especialistas que estão autorizados a
falar de adolescência e juventude. E em muitos casos a legitimidade de seus discursos é
questionada pela falta de maturidade, pela pouca idade, pelo caráter transitório da sua fase de
vida, pela rebeldia constantemente atribuída às suas personalidades, dentre tantos outros
argumentos. No entanto, tais argumentos se tornam elementos distanciadores da realidade que
observamos na contemporaneidade e aprofundam, muitas vezes, os conflitos e o hiato de
diálogo, assim como podem inibir a emancipação desses sujeitos.

As juventudes vivenciam na atualidade um momento de transição e os discursos que


tínhamos sobre elas baseados em experiências de outros tempos já não são suficientes
justamente por se referirem a outro momento histórico. Da forma como buscamos entender a
vida hoje, não pulamos de uma infância devidamente controlada para uma fase adulta
produtiva e madura para em seguida envelhecermos na companhia de outros velhos. Essa
dinâmica do viver em sociedade contempla os adolescentes e jovens e nos desafia a
desenvolvermos novos olhares sobre eles.

Ainda que esse cenário seja desestabilizador para as gerações anteriores e que todas as
transformações aconteçam numa velocidade antes inimaginável, não é admitido ignorar que
há um novo contexto tecnológico, social e cultural modificando o modo de ser jovem e isso
tem muito a ver com a com a capacidade criativa fomentada pela Sociedade da Informação e
com os espaços ocupados e recriados por esses sujeitos.

A sociedade da informação representa um novo paradigma econômico e tecnológico


que tem sua ênfase na conjuntura pós-industrial, caracterizada pelo surgimento de uma
economia globalizada e por um significativo avanço das tecnologias da informação e
comunicação. Esse contexto modificou a geopolítica mundial, as organizações e os ambientes
de negócios, a sociedade e os indivíduos. Castells (2010) compreende que na sociedade
informacional, que se desenha pela forte integração de tecnologias, a informação, a inovação
e o conhecimento são os principais insumos para o poder e para o desenvolvimento não só
econômico, mas também social. Termos e conceitos antes desconhecidos – como ativos
intangíveis, gestão do conhecimento, aprendizagem organizacional – passam a fazer parte de
uma sociedade voltada para a informação, para as tecnologias que potencializam a informação
19

e para os indivíduos que são capazes de produzir conhecimento e gerar inovação.

São mudanças radicais para quem conheceu a bem pouco tempo um ritmo diferente de
mundo, sobretudo no que diz respeito às formas de comunicação profundamente modificadas
pela internet e pela tecnologia sem fio. “A construção de uma nova cultura baseada na
comunicação multimodal e no processamento digital de informações cria um hiato geracional
entre aqueles que nasceram antes da Era da Internet (1969) e aqueles que cresceram em um
mundo digital”. (CASTELLS, 2010, prefácio).

As tecnologias têm antecipado às juventudes questões maiores, mais abrangentes e


isso envolve desafios e consequências, pois um dispositivo conectado não está atrelado apenas
à ideia de entretenimento, requer o desenvolvimento de responsabilidades também no
ciberespaço3.

Como se vê, não falamos de uma simples substituição de tecnologias, antes velhas -
aquelas que sempre fizeram parte da história da humanidade - ou agora inéditas, aprimoradas
na era digital. É uma forma de se comportar, pensar e conceber instrumentalizada por
dispositivos informacionais que agregam e se misturam à intencionalidade das coisas, dos
pensamentos, das ideias. Com isso, o cenário de passividade diante das informações, do
conhecimento em potencial é substituído por uma forte capacidade interativa e criativa,
promotora de outros resultados em meio a conteúdos disponíveis em diversos formatos.

As noções de espaço e tempo são recriadas e novos elementos consequentemente são


agregados à cultura. E ao navegarem no ciberespaço os jovens reinventam o real,
estabelecem novas sociabilidades e novas relações com o saber, com a informação e com o
aprender e o ensinar, todas agora permeadas pela cibercultura4 direta ou indiretamente. A esse
respeito, Gutierrez pondera que não é a cibercultura um mecanismo de dominação do
contexto sociocultural pela tecnologia. “Ela se constrói na emergência das ações, reações,
sociabilidades, hegemonias, movimentos que derivam das marcas que a tecnologia deixa na
sociedade contemporânea”. (GUTIERREZ, 2009, p.1).

3
Lévy (1999) conceitua o ciberespaço como a própria rede, o termo abarca o novo meio de comunicação
resultante da interconexão mundial dos computadores assim como compreende o próprio fluxo das informações
e os sujeitos que nele navegam. São partes integrantes do ciberespaço não só os seres humanos, mas toda a teia
de programas, máquinas, aplicativos, softwares e hipertextos que fluem em um espaço vivo e pulsante.
4
A cibercultura é o termo destinado a esse cenário complexo de trocas, criações e reproduções que se dá no
âmbito da internet, das relações mediadas por tecnologias, do contexto compartilhado por sujeitos e suportes
tecnológicos. Na cibercultura, novas relações com o outro, com o mundo do trabalho, com o fluxo de
informações disponível, com os saberes, com a política, com a tradição e tantas outras instâncias sociais surgem
e desestabilizam o que antes só era possível por meio do contato presencial, físico. São propostos novos
caminhos em um jogo constante de negociação, inovação e criatividade.
20

Como esse cenário tem se refletido na educação? Para muitos, especialistas ou não, o
quadro é de crise e certamente não podemos afirmar que a sensação de crise é inédita.
Bauman corrobora com essa compreensão quando constata que a história da educação é
constituída por muitos momentos que evidenciaram que “pressupostos e estratégias
experimentadas e em aparência confiáveis estavam perdendo contato com a realidade e
precisavam ser revistos ou reformados”. (BAUMAN, 2011, p.112). Ou será que podemos crer
num passado idealizado em nossa cabeça, que a educação era perfeita e funcionava
adequadamente porque estava consoante com a realidade do mundo que precedeu a sociedade
contemporânea? Observemos que os conflitos da presente época trazem suas peculiaridades e
sob a ótica da modernidade líquida, efêmera, a ideia de educação como algo fixo, de essência
imutável passou a ser questionada.

A esse respeito, Hannah Arendt ao pensar o problema da educação no mundo moderno


identificou a desarmonia que há entre essa essência da educação, que não abre mão nem da
autoridade, nem da tradição, mas permanece da mesma forma, inserida em um mundo que não
já não é mais “estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição”
(ARENDT, 1997, p. 245).

Diante do exposto, esta pesquisa fez uso de dados extraídos de espaços virtuais de
atuação e expressão conduzidos por adolescentes e jovens, para refletir sobre a seguinte
questão: como as juventudes têm percebido a escola e se expressado sobre ela no
ciberespaço?

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

1.2.1 Objetivo Geral:

Investigar como as juventudes têm percebido a escola e se expressado sobre ela no


ciberespaço.

1.2.2 Objetivos Específicos:


 Analisar como as juventudes contemporâneas se relacionam com as
tecnologias da informação e comunicação;
 Identificar canais de comunicação e interatividade, na internet, utilizados pelas
juventudes, sobretudo as redes sociais;
21

 Investigar como adolescentes e jovens estão fazendo uso da Internet para se


posicionarem sobre as suas escolas;

1.3 JUSTIFICATIVA
O conjunto de investigações e informações voltado para as juventudes não é uma
exclusividade do mundo acadêmico. Por serem adolescentes e jovens partes de uma categoria
social amplamente visada por segmentos públicos, organismos internacionais, associações
comunitárias e instituições do 3º setor, muito da imagem construída sobre os jovens no Brasil
parte também dessas esferas externas aos muros da academia. Porém, o estado da arte da
pesquisa sobre jovens na Pós-Graduação brasileira, segundo levantamento coordenado por
Spósito (2009), também tem contribuído para a sistematização de conhecimentos produzidos
em torno dos jovens e das temáticas relacionadas a eles. Os estudos apontam que nas últimas
décadas, mais precisamente a partir de 1999, o interesse pela juventude cresceu, sobretudo,
em assuntos relacionados às políticas públicas voltadas para esse grupo social, à
representatividade do jovem no campo político e às transformações sociais que tem alterado
significativamente a condição juvenil e a concepção da faixa etária compreendida por essa
categoria na contemporaneidade 5.

Na área de Educação, muitas são as pesquisas voltadas para compreensão dos cenários
mundial, nacional e local nos quais as juventudes encontram-se inseridas. Isto envolve – com
maior ênfase – as relações entre juventudes e escola e outras abordagens como: análises sobre
a realidade das sociedades globalizadas na era da informação e o lugar ocupado pelos jovens,
os desdobramentos do uso das tecnologias da informação e comunicação pela escola no
processo de ensino e aprendizagem e seus impactos na formação docente e discente, bem
como na infraestrutura escolar, entre outros temas que vão ganhando destaque à medida que
despertam o interesse de pesquisadores e ocupam maior espaço na vida social desses sujeitos.

No que diz respeito exclusivamente à pesquisa voltada para as relações possíveis


entre jovens, mídias e TIC, Setton (2009) faz importantes considerações e revela que se
comparada à produção científica da Pós-Graduação brasileira iniciada na década de 1980 com
o quadro atual, o avanço das pesquisas é representativo, sobretudo na área da Educação, mas
ainda representa um percentual tímido no que se refere ao total de pesquisas sobre as

5
Spósito propõe no capítulo 1 “A pesquisa sobre jovens na Pós-Graduação: um balanço da produção discente em
Educação, Serviço Social e Ciências Sociais” uma reflexão sobre o avanço das pesquisas com foco no jovem e a
legitimidade acadêmica dessas pesquisas a partir da visibilidade da questão juvenil na sociedade contemporânea,
ressaltando um crescimento ainda tímido da produção acadêmica sobre juventude dentro do universo total da
produção discente das áreas delimitadas no livro.
22

juventudes. Outra observação importante, fundamental para essa pesquisa e para qualquer
outra que se proponha a trabalhar com esses sujeitos sociais, é que grande parte dessas
investigações não se ocuparam a contento em localizar adequadamente adolescentes e jovens
enquanto categoria sociológica, suprimindo as diferenças e características sociais e culturais
presentes em cada uma dessas fases. Nessa pesquisa, o termo “juventudes” contemplou
adolescentes e jovens que transitam entre as gerações X e Y, resguardando as especificidades
de cada fase que foram tratadas conceitualmente em momento oportuno.

Ainda que, para nós, o termo juventudes, no plural, abarque adolescentes e jovens,
sabemos que ambos são pautados por circunstâncias culturais, sociais, econômicas e políticas
muitas vezes distintas e que as modificam ao longo do tempo (PAIS, 2000). E por que não
acrescentarmos a essa lista as circunstâncias tecnológicas? No conjunto de relações
alcançadas pelas alternâncias e peculiaridades desse momento histórico, as pesquisas voltadas
para a análise e compreensão dessas juventudes e dos conteúdos produzidos por elas nos
ambientes virtuais, incluindo os seus discursos, são relevantes socialmente e academicamente
(NÓBREGA et al., 2011).

De uma maneira geral é possível identificar nas investigações mais atuais anúncios de
protagonismo juvenil diante da realidade experienciada, um trânsito mais livre entre as
diversas mídias, um modo de ser jovem permeado pelas tecnologias e a certeza em relação às
novas mídias – principalmente a Internet e seus desdobramentos – de que se trata de um
campo recente, inovador, de bases teóricas e metodológicas em construção e de um espaço
que se transforma de maneira muito veloz, tornando as pesquisas em pouco tempo carentes de
novos argumentos e verificações, sobretudo quando se trata dos espaços, plurais e
diversificados em suas formas e conteúdos, ocupados pelas juventudes no ciberespaço. A
presente pesquisa se inseriu nesse contexto com o intuito de investigar, no âmbito da internet,
espaços de opinião, manifestação e exercício da cidadania de adolescentes e jovens diante da
realidade escolar que vivenciam.

Os fenômenos sociais decorrentes das inúmeras relações possíveis entre as formas de


juventudes vivenciadas/percebidas na atualidade e o novo paradigma tecnológico da
sociedade são, portanto, complexos e não podem ser resumidos a uma explicação causal.
Devem ser explicitados considerando as conexões destes com a cibercultura e com o
ciberespaço. Propusemos um olhar atento para o que é produzido por esses indivíduos por
meio de canais inéditos para muitos, mas muito familiar para eles.

Dados de censos e de pesquisas voltadas para a medição do uso das TIC no Brasil,
23

bem como para o avanço do acesso à Internet por adolescentes e jovens reforçam essa
relevância quando resultam em gráficos cada vez mais ascendentes. Isso significa dizer que
mais de 74 milhões de brasileiros com mais de dez anos, estão conectados ou fazem uso
regular da Internet, com uma grande ênfase na faixa etária de 10 a 24 anos e moradores de
áreas urbanas6. Uma das leituras resultantes desses números diz respeito às novas
sociabilidades promovidas pela opção das juventudes pela Internet como um espaço de
comunicação, expressão e manifestação. As transformações provenientes desse encontro entre
adolescentes e jovens e a Internet resultam em uma nova configuração da sociedade, em rede 7,
que dá condições de trânsito entre ambientes virtuais e físicos, assim como novas
responsabilidades (LEVY, 1993; CASTELLS, 2010).

No Brasil, juntamente com o crescimento do acesso, destaca-se em paralelo algumas


conquistas recentes das juventudes, como é o caso da PEC da Juventude 8, que altera a
denominação do Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal. A PEC foi promulgada
em 2010, modificou o art. 227 e inseriu pela primeira vez no texto da constituição o termo
“jovem”. Com isso, ampliou-se expressamente à juventude a proteção dos direitos
econômicos, sociais e culturais, determinando os jovens como sujeitos de direitos distintos da
criança, do adolescente e do idoso. Esse cenário reflete a ampliação dos direitos, das políticas
públicas e do reconhecimento para as juventudes enquanto categoria social.

Essa pesquisa buscou compreender tais sujeitos a partir dessa multiplicidade e da


diversidade inerente à categoria juventudes e dos novos lugares ocupados por elas. Assim,
temos a convicção de proporcionar à sociedade e às pesquisas futuras elementos de
interpretação a respeito desses sujeitos sociais e das relações que estabelecem entre si, com o
outro e sobre o outro, no ciberespaço. “Sem a inclusão do direito a ser compreendido, o

6
Esses resultados foram retirados da Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Comunicação e Informação no
Brasil promovida pelo Centro de Estudos sobre tecnologias da Informação e Comunicação – CETIC.br, de 2011.
Disponível em: http://www.cetic.br/ Acessado em 06 abr. 2013.
7
Seja no espaço do privado ou no âmbito público as relações econômicas, as relações de produção, as práticas
educativas tiveram suas estruturas atingidas pela realidade dos indivíduos conectados em redes. “Uma estrutura
social com base em redes é um sistema aberto, altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu
equilíbrio”. (CASTELLS, 2010, p. 566).
8
Proposta de Emenda à Constituição 42/2008, promulgada em 13 de julho de 2010, de autoria do deputado
federal Sandes Junior. De acordo com a ementa, a emenda confere ao jovem prioridade, ao lado da criança e do
adolescente, para fins de proteção pelo Estado, pela família e pela sociedade; impõe a obrigatoriedade de o
Estado contemplar também o jovem nos programas de assistência integral à saúde, de prevenção e atendimento
especializado para as pessoas portadoras de deficiência, de prevenção e atendimento especializado ao
dependente de entorpecentes e drogas afins e de garantia de acesso do trabalhador à escola; prevê a criação, por
lei, do estatuto da juventude do plano nacional da juventude. Disponível em
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=88335. Acessado em 29 set. 2012.
24

direito de comunicar-se torna-se facilmente uma democracia de Babel egocêntrica e


unidirecional”. (HUSBAND, 1996, p.209 apud DOWNING, 2002) .

Com abertura proporcionada pelas redes sociais, principalmente aqueles espaços


voltados para a expressão/manifestação de adolescentes e jovens sobre a instituição escolar,
destacamos a importância desse fenômeno para a compreensão dessa nova realidade, que
agora se dá por meio da ação direta do próprio jovem e não apenas na representatividade dos
pais e responsáveis.

Sem desconsiderarmos outros espaços institucionais e novas formas educativas que


emergem, é possível afirmar que a escola permanece na contemporaneidade como uma das
instituições mais importantes, responsável por educar, formar e capacitar, ainda que
constantemente questionada em sua forma e em seus modelos.

Nessa mesma linha de reflexão, Senge aborda a importância de difundir, ou mesmo


incutir a ideia de uma aprendizagem ininterrupta, contínua, ligada às experiências dos
indivíduos em seus aspectos mais abrangentes, que perpasse a sociedade como um todo e não
apenas os lugares claramente destinados ao ensino e ao aprendizado. É o que o autor chama
de uma “cultura devotada à aprendizagem”. Dessa forma, a instituição escolar não seria o
único espaço legitimado para promover essa conexão entre aprendizagem e vida, embora
cumpra um papel essencial “em nosso desenvolvimento como aprendizes ao ser o ponto de
partida para a curiosidade sobre o mundo que se compartilha e um local de transição entre o
micro universo familiar e o macro universo da sociedade em seu sentido mais amplo”. (ROSS
et al., 2013, p. 2). Para Senge, é evidente a possibilidade de reinventar, de recriar a escola,
porém, esse processo deve acontecer de “forma sustentável, pela adoção de uma orientação
aprendente. Isso significa envolver todos do sistema em expressar suas aspirações, construir
sua consciência e desenvolver suas capacidades juntos”. (SENGE, 2005, p.16).

Alarcão (2001), ao pensar a respeito da conhecida sociedade da informação, na qual o


conhecimento e o acesso a dados diversos ocupam espaços prioritários no desenvolvimento
do sujeito e da própria sociedade, assegura que mesmo em um contexto no qual as tecnologias
se destacam, a aprendizagem precisa de “comunidades aprendentes interconectadas”, grupos
que façam uso dos níveis globais de conexão para expandir as possibilidades e lugares de
aprendizagem. Isso, porém, não representa o fim da escola, mas o repensar da escola, novas
configurações em sua essência e a atenta observação da instituição escolar às transformações
em curso.
25

O desenvolvimento das tecnologias ganha cada vez mais espaço, contribui para a
revisão da instituição escolar e tende a tornar ilimitadas as possibilidades que se ampliam para
as juventudes. Como afirma Moraes (2008), a escola reprodutora e instrucionista não atende à
dinâmica não-linear evidenciada na contemporaneidade. Portanto, faz-se necessário promover
discussões sobre essas transformações resultantes da apropriação das tecnologias disponíveis
pelas juventudes e sobre os olhares que lançam à escola como instituição de aprendizagem,
em sua dimensão cotidiana9.

1.4 METODOLOGIA
A pesquisa em questão teve como objeto de estudo e análise os Diários de Classe
brasileiros, páginas ou comunidades virtuais que surgiram no Facebook, uma rede social
mundial que só no Brasil tem mais de 67 milhões de usuários10. A analogia do nome das
páginas com o instrumento utilizado pelo professor para acompanhar as aulas dadas, registrar
presenças, faltas e todas as anotações pertinentes à rotina de cada disciplina não é mera
coincidência. Os Diários de Classe virtuais no Facebook também tem a finalidade de
acompanhamento, porém, são conduzidos por estudantes que se propuseram a acompanhar a
rotina de suas escolas e a expor e compartilhar com todos os interessados o cotidiano, a
infraestrutura, a relação com a direção, com as equipes de apoio, como são as aulas dos
professores, suas relações com os colegas e, em alguns casos, assuntos mais amplos que não
se restringem apenas ao universo de suas escolas, mas que de alguma forma eles entendem
que estão relacionados com o universo da educação e com o propósito dos seus diários.

Essa iniciativa, sem dúvida, está inserida no contexto de uma juventude conectada e
por si só já nos despertou a curiosidade de compreender a construção desse mecanismo de
manifestação conduzido por adolescentes e jovens que foram influenciando um ao outro ao
ponto de surgirem dezenas de páginas semelhantes. Esse caráter “viral” com que se propagam
as páginas tem uma dinâmica própria e muito comum ao ciberespaço. O fato de pretendermos
lidar com os Diários de Classe e consequentemente com dados que estão exclusivamente na
internet foi reflexo do crescente número de comunidades, blogs, páginas e perfis pessoais em

9
Entendemos a instituição escola, nessa pesquisa, como um espaço sociocultural que abrange o cotidiano e o
dinamismo da teia da qual resulta e retroalimenta. (DAYRELL, 1996)
10
Esse número foi divulgado pelo vice-presidente do Facebook na América Latina, Alexandre Hohagen, em
reportagem do jornal Folha de S. Paulo, quando o mesmo afirmou que o número de usuários no Brasil passou de
12 milhões, em 2011, para os atuais 67 milhões. Esse salto representa um crescimento no número de adeptos
brasileiros de 458%. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/tec/1248993-numero-de-usuarios-do-
facebook-no-brasil-aumenta-458-em-dois-anos.shtml. Acessado em 19 mar. 2013.
26

redes sociais, websites utilizados pelas juventudes e do reconhecimento e afirmação da


Internet como um lugar social, lugar de reprodução ou amplificação do que vivemos no
mundo “real” e de novas sociabilidades. Nesse sentido, a pesquisa abordou também as tensões
e conflitos resultantes dos embates promovidos pelos adolescentes e jovens nesses espaços em
relação às suas escolas.

Todos esses elementos compõem uma teia subjetiva, repleta de aspirações e


representações pessoais e coletivas e, portanto, necessitávamos de uma abordagem
metodológica que abarcasse sua complexidade. Por isso, essa pesquisa, diante da necessidade
de investigar e coletar dados de espaços virtuais de atuação e expressão conduzidos por
adolescentes e jovens, tomou como arcabouço metodológico os percursos oferecidos pela
pesquisa qualitativa com enfoque na exploração, observação, coleta e análise de dados on-
line.

A pesquisa ou análise qualitativa objetiva interpretar, descrever e explicar fenômenos


sociais, sua pluralidade de significados e seus contextos. Tal abordagem possui algumas
características básicas e importantes que a diferencia das demais. Bogdan e Biklen (1994)
apresentam as seguintes:

1) A fonte direta de dados é o ambiente natural. O ambiente particular de um sujeito ou


de um grupo de sujeitos é fonte de dados para a pesquisa e o pesquisador é compreendido
como o seu principal instrumento. Há um envolvimento subjetivo que não deve ser ignorado,
pois as escolhas do pesquisador fazem parte do processo de pesquisa;

2) Os dados recolhidos são de caráter descritivo;

3) O foco não está voltado para os resultados, mas sim para o processo da pesquisa;

4) A análise desses dados tende a ter um enfoque indutivo; e por fim,

5) Ao pesquisador interessa os significados atribuídos pelos participantes às coisas, às


experiências, à própria vida. Considera aquilo que não está evidente e busca compreender as
“entrelinhas”, o não dito.

A esse respeito, Günther (2006) ressalta que a pesquisa qualitativa reconhece o


cotidiano, e seus acontecimentos e dinâmicas, como parte da interpretação dos dados, tendo,
portanto, o contexto como fio condutor da análise. Outro ponto destacado pelo mesmo autor é
o fato da pesquisa qualitativa ser uma ciência baseada em textos, que são interpretados
hermeneuticamente por meio de diferentes técnicas analíticas. Nesse sentido, evidencia-se na
27

pesquisa qualitativa um princípio da abertura refletido em um conjunto de métodos e técnicas


que pode ser adaptado ao objeto de estudo em questão, ao invés de aprisioná-lo em um único
método padronizado. Portanto, apresentamos a pesquisa qualitativa com foco no ambiente on-
line.

1.4.1 A pesquisa on-line


Sobre a pesquisa e coleta de dados em fontes da internet, convêm discutirmos algumas
questões. Mendes (2009) propõe refletirmos sobre as especificidades e indefinições às quais o
pesquisador deve estar atento desde o princípio:

A internet já está se tornando pauta de legislação, mesmo que esse espaço


ainda seja relativamente novo. Muitas áreas já buscam uma definição quanto
à jurisdição, propriedade intelectual, segurança, etc. Esses temas devem
perpassar a preocupação do pesquisador qualitativo pelo fato de que, nesse
tipo de pesquisa, lida-se com o comportamento individual, opiniões e
experiências pessoais. O pesquisador qualitativo deve aceitar que temas
legais e éticos ainda estão num caminho por ser construído. (MENDES,
2009, p.5).

Embora seja crescente o uso da Internet como ambiente de pesquisa, é compreensível


que ainda haja algumas desconfianças ou mesmo curiosidades acerca desse processo, por ser
ele muito recente. Porém, um argumento que valida o meio virtual como um rico universo de
pesquisa é a sua assimilação cada vez mais consolidada por parte dos sujeitos sociais em suas
vidas cotidianas. Na internet, o profissional, o pessoal, o público, o entretenimento, as
comunidades fechadas ou abertas, as empresas em busca de inovação, as organizações
religiosas, movimentos sociais e tantas outras esferas da vida em sociedade são reproduzidas,
criadas e recriadas.

Simultaneamente, novas sociabilidades e novos espaços para socialização coexistem


com práticas sociais já estabelecidas. Símbolos, representações e códigos comportamentais
também fazem parte da realidade do ciberespaço . Assim, sendo a internet um espaço
vivenciado pelo ser humano e, portanto, um lugar onde se produz cultura, é importante
observarmos os comportamentos resultantes dela. Gutierrez, a respeito das metodologias
pensadas para atender a realidade da pesquisa on-line, afirma que os percursos não estão
consolidados e há muito por ser construído, “pois na rede emergem práticas sociais que, ao
mesmo tempo em que replicam modos de ser e fazer tradicionais, são o substrato onde
germinam novos modos de ser e fazer”. (GUTIERREZ, 2009, p.6).
28

A pesquisa na internet tem sido possibilitada de várias formas, todavia, a Netnografia


ou a Etnografia virtual têm sido as mais evocadas. A aproximação do método tradicional
etnográfico é intencional. A pesquisa do tipo etnográfico é também um viés da pesquisa
qualitativa. Ludke e André (1986) afirmam que o seu conceito está relacionado à descrição de
elementos que compõem um sistema de significados culturais de um determinado grupo, por
meio de uma relação bastante aproximada do pesquisador com seu objeto de pesquisa e com
especial atenção ao processo, ao cotidiano no campo, ao que não está aparente.

No que diz respeito ao método da pesquisa etnográfica, as autoras apontam três fases
que, frequentemente, estão presentes na pesquisa etnográfica: a) exploração: momento de
seleção e definição de problemas, a escolha e contato com o lugar onde se dará o estudo; b)
decisão: etapa de seleção de dados pertinentes para a compreensão e interpretação do
fenômeno estudado; e c) descoberta: a explicação da realidade estudada. Para Fonseca (1998),
por exemplo, o método etnográfico se constitui como importante instrumento para enriquecer
a intervenção educativa por meio do diálogo estabelecido entre o agente e seu interlocutor, e é
nessa área de comunicação, segundo ela, que o método etnográfico atua.

A netnografia ou etnografia digital não são meras transferências do método tradicional


do ambiente físico para o meio virtual, antes representam uma ampliação para atender a
realidades específicas de análises sobre comunidades virtuais no ciberespaço e questões da
cibercultura em geral. Hine (2000) afirma que nossas impressões sobre a Internet podem
produzir consequências importantes sobre a relação pessoal que temos com a tecnologia e
sobre as relações sociais que produzimos por meio dela. Nesse sentido, a etnografia virtual
pode contribuir na busca por sentidos sobre os significados atribuídos às tecnologias por parte
das culturas que as absorvem e se reorganizam em torno delas. Ao mesmo tempo em que lida
com a coleta de dados mais facilitada é também confrontada com uma multiplicidade de
formatos de dados que se constitui em uma característica desafiadora. Além dos textos e
hipertextos, as conexões fazem uso de áudio, imagens, vídeos, infográficos etc. Cabe ressaltar
outras características da etnografia virtual:

Análise de dados que implica a interpretação dos significados e funções das


atuações humanas, sendo expressas por meio de descrições e explicações
escritas e verbais; estudo, pela observação direta e por um período de tempo,
das formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas,
associadas de alguma maneira, unidade social representativa para estudo;
emprego de variedade de métodos e técnicas qualitativas; elaboração dos
resultados da pesquisa de forma descritiva; presença constante do etnógrafo
no AVA; multifatorial, conduzida pelo uso de duas ou mais técnicas de coleta
de dados, de natureza qualitativa ou quantitativa, para triangular uma
29

conclusão; [...] as comunicações escritas e orais são reduzidas a textos


escritos susceptíveis de serem interpretados com base em categorias que
seguem normas de análises de conteúdo e induzem construções de
complexidade crescente. (MERCADO, 2012, p. 170).

Nesse sentido, vale destacar que a observação, coleta e análise de dados oriundos da
internet desperta necessidade de adaptação de algumas técnicas. Nessa pesquisa, em
específico, para coleta de dados, fizemos uso da técnica de exploração/observação on-line dos
Diários de Classe virtuais e para a análise de dados, fizemos uso da análise de conteúdo.

1.4.2 Exploração/observação on-line dos Diários de Classe Virtuais


A observação nos fornece detalhes ricos e importantes devido ao seu caráter
descritivo. Para o desenvolvimento do processo de observação consideramos o objeto inserido
no contexto onde se dá o fenômeno.

A pesquisa qualitativa impõe ao pesquisador o desafio de utilizar as técnicas


adequadas à dar voz aos sujeitos da pesquisa e que, concomitantemente, lhes ofereçam
caminhos de análise para verificação das questões levantadas. Nesse sentido, as técnicas de
exploração/observação on-line se constituem em adaptações com a finalidade de alcançar esse
objetivo e “são particularmente eficazes no que tange o comportamento linguístico verbal,
não­verbal e extralingüístico” (MENDES, 2009, p.5), na análise de postagens dos Diários de
Classe em seu contexto multimídia. Ou seja, o acesso regular às páginas dos Diários
selecionados e a observação constante dos assuntos discutidos/relatados, dos posicionamentos
assumidos, das denúncias promovidas, dos textos, vídeos, fotos e das imagens que foram
postadas durante o recorte temporal proposto foram essenciais para a coleta e tratamento dos
dados.

1.4.3 Participantes da pesquisa: jovens editores dos diários de classe virtuais


O primeiro Diário de Classe virtual – o “Diário de classe, a verdade...” – surgiu no
Facebook no dia 11 de julho de 2012. A adolescente responsável pela comunidade virtual é
uma adolescente de 13 anos e estudante de uma escola pública de Florianópolis (SC), a escola
municipal Maria Tomázio Coelho.
30

Figura 1: página inicial do primeiro Diário de classe virtual

Fonte: <https://www.facebook.com>

Após essa iniciativa, surgiram muitas outras páginas com o mesmo perfil, e na maioria
dos casos com o mesmo nome ou com o nome da escola à qual se referem. Essas páginas
foram criadas por outros adolescentes e jovens que aderiram à iniciativa.

Hoje, são em torno de 30 diários identificados entre comunidades no Facebook e blogs


semelhantes espalhados pela internet. Para essa pesquisa, consideramos seis diários como
base da coleta e análise dos dados. A escolha seguiu os seguintes critérios:

- Foram criados e são mantidos por adolescentes e jovens em idade escolar, variando em
gênero e níveis de escolarização para diversificar o grupo;

- São comunidades do Facebook: os Diários de classe ou similares são comunidades ou


paginas que, em sua grande maioria, fazem uso das redes sociais para expor suas opiniões e
denúncias. No caso dos Diários de classe selecionados, todos são comunidades do Facebook,
a rede social mais utilizada no Brasil, na atualidade. E por serem comunidades diferem dos
perfis privados que dependem da aprovação de um convite para se ter acesso às publicações.
Como comunidades, as publicações tornam-se disponíveis para todos que tenham uma conta
cadastrada na rede. É necessário apenas manifestar interesse em conhecer a página ou
acompanhar sistematicamente as publicações por meio do botão “curtir”.
31

- Maior número de seguidores/mais acesso: os Diários selecionados foram aqueles que, até o
momento, alcançaram maior visibilidade, uma vez que o principal objetivo é chamar atenção
da sociedade para os problemas e questões que envolvem suas escolas e o que se espera da
instituição, de uma maneira mais abrangente. Na maioria dos casos, o número de pessoas que
“curtiu” a página é bem maior do que o número de pessoas que acompanha regularmente as
postagens ou interagem com as comunidades, por isso é importante dizer que esses números
são flutuantes e dependem muito da moderação e alimentação constantes dessas páginas com
questões inéditas, polêmicas, assuntos que estão em evidência (texto, imagem, links, vídeo ou
áudio), entre outras estratégias que não necessariamente alcançam sucesso. Esse, no entanto, é
um aspecto comum nas redes sociais e tem relação mais direta com o perfil de cada usuário.
Quando alguém “curte” a comunidade regularmente receberá notificações sobre o que está
sendo veiculado na página, mas não irá obrigatoriamente interagir de forma direta, opinando
sobre o que está sendo dito.

O fato de serem todas as páginas mantidas por integrantes de escolas públicas e


moradores de áreas urbanas não foi uma escolha espontânea. Verificamos que essas são
caraterísticas da maioria dos Diários de Classe virtuais e muitos compartilham de situações e
problemas bastante semelhantes, mesmo compondo na totalidade três distintas regiões
brasileiras.

Os dados foram analisados obedecendo ao corte temporal de julho/2012 – mês de


criação do primeiro Diário de classe virtual brasileiro, ainda a página de maior repercussão,
que motivou o surgimento das outras comunidades – a agosto/2013. Esse período pretendeu
abarcar o surgimento das páginas escolhidas e a consolidação dos Diários como canais de
expressão sobre a escola.
32

Quadro 1 – Demonstrativo de diários de classe que compõem a pesquisa

Diários de classes selecionados

Nome da página: Diário de Classe – Diário do Diário de Diário de Diário de Alunos têm
a verdade... Villa Lobos Classe Escola - Classe Cotia- voz
Itamaraju E.E.de São SP
Paulo

O Diário refere-se a Instituição Instituição Instituições Instituição Instituições Instituição


que Instituição? Pública (Escola Pública Públicas Pública Públicas Pública
Municipal Maria (Escola (Escola (escolas do (Colégio
Tomázio Coellho) Estadual de Estadual São município de Estadual
Ensino Médio Paulo) Cotia, Bolívar
Villa Lobos) estaduais ou Santana)
municipais.)

Comunidade Comunidade Comunidade Comunidade Comunidade


Endereço da página: Comunidade
aberta do aberta do aberta do aberta do aberta do
aberta do Facebook Facebook Facebook Facebook Facebook
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Responsáveis Isadora Faber William Emerson Victor Cristiano Aro Não se


Santos Mendes e Nascimento e identificaram
Bruna
Rosa Jahel Guilherme Barbosa
Patricio
Izabela
Santos

Idade dos 13 anos 17 anos 17 anos Não 16 anos Não


responsáveis divulgaram divulgaram
idade idade

Cidade/Estado de Florianópolis/SC São Itamaraju/BA São Paulo/SP Cotia/SP Salvador/BA


origem Leopoldo/RS

Número de 593.571 curtiram 2.592 2.782 curtiram 1.568 4.641 2.099


seguidores em · 39.379 falando curtiram · 408 · 62 falando curtiram. 70 curtiram · curtiram · 59
março/2013* sobre isso falando sobre sobre isso falando sobre 167 falando falando sobre
isso isso sobre isso isso
33

Número de 626.364 curtiram 2.664 2.877 curtiram 1.819 4.686 2.287


seguidores em · 10.992 falando curtiram · 14 · 6 falando curtiram · 11 curtiram · 11 curtiram · 11
junho/2013* sobre isso falando sobre sobre isso falando sobre falando sobre falando sobre
isso isso isso isso

Data de criação da 11/07/2012 30/08/2012 02/09/2012 03/09/2012 30/08/2012 12/09/2012


página

*Os dados desse item oscilam de acordo com o interesse ou desinteresse das pessoas e dependem da
movimentação da página, ou seja, podem aumentar ou diminuir. Aquelas comunidades em que seus
administradores se comprometem a alimentá-las com regularidade e interagem com seus visitantes costumam ter
mais seguidores e mais discussões em suas páginas. O contrário também ocorre. Nesse quadro apresentamos dois
momentos de verificação desse item, um em março de 2013 e a outro após um intervalo de três meses, em julho
de 2013 para ilustrar essa condição.
Fonte: WWW.facebook.com

1.4.4 Análise de conteúdo


Os dados qualitativos utilizados nessa pesquisa foram os conteúdos produzidos
(textos, imagens, links, vídeos e áudios) nos Diários de Classe virtuais a respeito da escola.
Eles foram analisados, em suas condições contextuais, à luz da Análise de conteúdo.

A Análise de conteúdo parte da mensagem, “seja ela verbal (oral ou escrita), gestual,
silenciosa, figurativa, documental ou diretamente provocada. Necessariamente, ela expressa
um significado e um sentido”. (FRANCO, 2005, p.13). É importante ressaltar que
significados e sentidos nunca estão dados no texto de uma forma definitiva. É a atitude do
pesquisador, a partir da técnica empregada, que irá evidenciá-los. Nesse sentido, a análise de
conteúdo tem seu foco voltado para a interpretação e descrição do conteúdo do texto, a forma,
a frequência ou a ausência de determinadas unidades de texto e os sentidos para além do
texto.
34

1. 4.5 Procedimentos para coleta e análise de dados


A coleta de dados foi feita a partir do acompanhamento regular das páginas que
contem os dados – o que prenuncia a ação exploratória –, por meio de download de arquivos e
cópia dos principais posts de cada uma das comunidades. Assim, ao seguirmos os Diários de
classe virtuais participantes dessa pesquisa, armazenamos os materiais postados por seus
mediadores em seu sentido mais abrangente: arquivos (fotos, textos, vídeos, áudio), opiniões,
expressões, grau de iteratividade com outros sujeitos e ferramentas.

Por se tratarem de dados disponíveis na internet, uma importante consideração feita foi
sobre a possibilidade dessas páginas e da própria rede social que as armazenam desaparecer e
perdermos dados. Amaral destaca que mesmo diante de possibilidade de armazenamento e
recuperação, “a ideia de memória viva (Casalegno, 2006) em que os dados podem ser
perdidos e/ou recuperados endossa a ideia das TICs como artefatos culturais, sistemas e redes
em constante mutação e auto-organização”. (AMARAL, 2009, p. 18).

A análise dos dados é parte fundamental da pesquisa e é um processo que se inicia já


com a coleta de dados. Tratam-se, portanto, de fases interligadas. Mas é na etapa de análise
que temos condições de explicitar, de tratar os dados recolhidos por meio de inferências e
interpretações. (MINAYO, 2008). Na análise dos dados buscamos evidenciar os sentidos e
significados das relações/manifestações sociais estabelecidas, ampliar a compreensão dos
dados e validar ou não as suposições levantadas na pesquisa.

Para tanto, o tratamento e análise dos dados seguiram as seguintes etapas: Pré-análise
ou etapa preparatória, exploração do material e descrição e interpretação dos dados.
(BARDIN, 1995; MORAES, 1999; FRANCO, 2005; MINAYO, 2008):

1ª ETAPA: Preparatória ou Pré-análise


Esta etapa consistiu na preparação e exploração do material levantado e previu as
seguintes ações:

- Retomar os objetivos de pesquisa;

- conhecer o tipo de material a ser analisado;

- Preparar as informações: os dados devem ser preparados para constituírem as informações


que serão submetidas à análise de conteúdo.
35

2ª ETAPA: Exploração do material e descrição


Essa etapa englobou a codificação, a identificação das unidades de análise, a
categorização dessas unidades e a descrição analítica do material analisado por meio das
seguintes ações:

- Definir as unidades de análise (transformar o conteúdo bruto em unidades menores):

 Unidade de registro – palavras-chaves, temas ou frases;

 Unidade de contexto: é a delimitação do contexto, o “pano de fundo” das


informações. É mais abrangente que a unidade de registro e serve de referência para
ela, oferecendo os limites contextuais de interpretação. Permite identificar “o contexto
a partir do qual as informações foram elaboradas, concretamente vivenciadas e
transformadas em mensagens personalizadas, socialmente construídas e expressas via
linguagem”. (FRANCO, 2005, p.45).

- Definição de categorias:

A categorização é a base de sustentação da análise de conteúdo, é o procedimento de


agrupamento e classificação dos dados considerando as analogias, a parte comum existente
entre eles. Para isso, é preciso estabelecer critérios, que podem ser definidos previamente ou
ao longo do processo. A categorização “facilita a análise da informação, mas deve
fundamentar-se numa definição precisa do problema, dos objetivos e dos elementos utilizados
na análise de conteúdo”. (MORAES, 1999, p. 14).

Nessa pesquisa, as categorias não foram definidas a priori, emergiram do conteúdo do


material recolhido. Dessa forma, a categorização exigiu uma análise cíclica dos dados e um
retorno constante a eles. Esse processo refina gradualmente a definição de categorias e
também a explicitação dos significados. “O conteúdo que emerge do discurso é comparado
com algum tipo de teoria. Infere-se, pois, das diferentes “falas”, diferentes concepções de
mundo, de sociedade, de escola, de individuo etc”. (FRANCO, 2005, p.60).

A definição de categorias deve obedecer a alguns critérios ou regras. Moraes (1999),


Franco (2005) apontam algumas dessas características.

 Validade ou pertinência: a validade da categoria está relacionada com a adequação ao


problema e aos objetivos da pesquisa. Ou seja, as categorias criadas devem ser
significativas e úteis nos termos da pesquisa proposta e devem englobar e refletir as
intenções da pesquisa e todos os aspectos significativos do conteúdo investigado.
36

 Exaustividade: Todo conteúdo significativo da pesquisa deve ser categorizável e


definido de acordo com os objetivos da análise. Se é dado significativo deve ser
classificado e categorizado.

 Exclusividade ou exclusão mútua: a exclusão mútua depende da homogeneidade, de


que o conjunto categorial seja estruturado em uma única dimensão de análise. A
exclusividade garante que um mesmo dado não seja incluído em mais de uma
categoria. Para que esse critério seja respeitado é importante que as regras de
classificação sejam bem definidas, o que garante a aplicabilidade dessas regras ao
longo de toda a etapa de análise de maneira consistente. Essa ação garante o
atendimento ao princípio da objetividade.

 Objetividade: esse critério é constantemente questionado em pesquisas qualitativas,


pois diferentes realidades de compreensão podem emergir de uma única mensagem.
Porém, para Moraes (1999), essa questão revela-se muito mais na pluralidade e
diversidade de categorias do que na classificação do conteúdo, depois de estabelecido
o conjunto de categorias.

- Descrição:

Nesta etapa, descrevemos os resultados provenientes da organização das categorias e


da identificado do material presente em cada uma delas. Ela pode ser organizada, segundo
Moraes, a partir da elaboração de uma síntese para cada uma das categorias a fim de expressar
os significados presentes nas diversas unidades de análise incluídas em cada uma delas. Nesse
espaço cabe o uso de “citações diretas” dos dados originais. Para o autor, “não adianta investir
muito tempo e esforço na constituição de um conjunto de categorias significativo e válido, se
no momento de apresentar os resultados não se tiver os mesmos cuidados”. (MORAES, 1999,
p. 18).

3ª ETAPA: Interpretação
Embora a descrição já anuncie os resultados, é na etapa de interpretação que o
pesquisador faz o exercício de compreensão e explicitação dos conteúdos aparentes e não
aparentes. Para Bardin (1995) a interpretação dos dados consiste no potencial do inédito (do
não dito) retido por qualquer mensagem. Isso significa dizer que esta técnica não se restringe
a informações meramente descritivas, sem relevância teórica. Assim, o pesquisador pode
37

superar as impressões iniciais buscando inferir, analisar e interpretar os dados a partir de


respostas a perguntas como: De onde se fala? Quem fala? O que fala? O que se escreve?
Quem escreve? Que tipos de símbolos são empregados? E o que não foi dito? O que pode ser
compreendido desse contexto? Dentre muitas outras questões que podem ser feitas ao
documento.

De acordo com Moraes, a ação interpretativa pode ser realizada a partir da exploração
dos significados extraídos das categorias da análise numa contrastação com a fundamentação
teórica definida a priori ou a interpretação é a própria construção da teoria. “Teorização,
interpretação e compreensão constituem um movimento circular em que a cada retomada do
ciclo se procura atingir maior profundidade na análise”. (MORAES, 1999, p. 19).
38

CAPÍTULO 2: REVISÃO DA LITERATURA

2.1 JUVENTUDES: UM CONCEITO EM CONSTANTE AMPLIAÇÃO


Mencionamos anteriormente que as categorias sociais são um importante recurso para
a compreensão dos sujeitos que vivem em sociedade. Elas são construções teóricas e sociais
que ao agruparem indivíduos, com práticas e características comuns, lhes conferem uma
unidade social aproximada, a partir da qual se tornam possíveis análises e explicações mais
consistentes a respeito de um determinado grupo ou do indivíduo inserido no grupo.

Nesse sentido, infância, adolescência, juventude, velhice e outras que possam surgir
são além de categorias sociais, construções históricas que melhor traduzem o quadro cultural
dos sujeitos de uma determinada época.

A esse respeito, Feixa, ao fazer uma analogia entre as fases da vida e a evolução
histórica do relógio, afirma que é possível compreender as transformações da história da
humanidade e das relações estabelecidas entre as suas muitas fases se nos atentarmos para a
história do relógio, sobretudo as relações instauradas na atualidade entre juventudes e
sociedade: “como el reloj digital instauran uma visión virtual de las relaciones generacionales,
según la cual se invierten las conexiones entre las edades y se colapsan los rígidos esquemas
de saparación biográfica”. (FEIXA, 2005, p.4). Esse relógio digital, o último tipo de sua
metáfora, simboliza a comunicação de massa, as tecnologias da informação, o entretenimento
digital presentes em instituições contemporâneas nas quais a hierarquia e as fronteiras entre
idades são cada vez mais moventes.

Se compreendemos a História como um movimento de ruptura e conservação expressa


por uma sucessão de narrativas a respeito de como o indivíduo age sobre a sociedade e como
a sociedade age sobre o indivíduo, veremos que as transformações se dão numa dinâmica de
mudança cultural constante e que variam de geração a geração. Isso significa dizer que cada
época irá considerar os limites etários e as características de determinada categoria de acordo
com as referências, princípios e valores de seu tempo, são processos datados que trazem
sempre consigo novas formas de sociabilidades.

Assim, quando ampliamos a categoria social “juventudes” para abarcar adolescentes e


jovens, estamos trabalhando com dois grupos sociais a princípio distintos, mas que na
conjuntura atual não possuem fronteiras muito bem definidas entre eles, sobretudo se
lançamos mão dos limites etários para segmenta-los, pois são muitas as linhas que estendem a
39

adolescência até um limite etário que para outros já seria parte da juventude. Em
contrapartida, adolescentes e jovens compartilham muitas intersecções e semelhanças em suas
práticas sociais. Ainda assim, é pertinente dizer que mesmo a abrangência proposta não é
definitiva, pois não dá conta da totalidade de representações e diversidade que envolve as
juventudes. (DAYRELL, 2005).

Para o trâmite de políticas, ações e programas públicos e sociais que envolvem os


sujeitos que não estão enquadrados nem na infância nem na fase adulta, algumas organizações
de referência delimitam as faixas etárias que compreendem a adolescência e a juventude. A
Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, considera adolescentes aqueles
enquadrados entre 10 e 19 anos, para a Organização das Nações Unidas (ONU) todos entre 15
e 24 anos são jovens, com uma ênfase nos jovens adultos que possuem entre 20 e 24 anos. O
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no Brasil, considera adolescentes aqueles que
têm idade entre 12 e 18 anos. Apesar dos esforços em padronizar tais definições, existe uma
percepção generalizada, um senso comum difundido culturalmente que também opina sobre
os limites dessas fases e questões como a maioridade legal aos 18 anos, para muitos, é um
marco que encerra a adolescência e dá início à juventude11.

Embora sejam muitos os aspectos evocados para localizar a adolescência em um


período etário mais exato com base em fatores biológicos, como é o caso dos argumentos
definidores da puberdade, se consideramos o percurso histórico, veremos que são outros
fatores mais complexos que caracterizam esse momento: “sus fronteras son sociales antes que
meramente etáreas, es decir que están socialmente construidos y por lo tanto, varían histórica,
geográfica y culturalmente”. (URRESTI, 2009, p. 4).

Quando o que é ser jovem ou adolescente é construído ou determinado a partir do que


é ser velho ou adulto e vice-versa, um terreno de arbitrariedades é revelado, pois como
observa Bourdieu, esses recortes variam de acordo com interesses diversos que fazem parte de
um jogo de disputas no qual a idade constitui-se em um elemento biológico que, do ponto de
vista social e linguístico, pode ser manipulado e manipulável. “O fato de se falar dos jovens
como uma unidade social [...] dotado de interesses comuns e de se referir esses interesses a
uma idade definida biologicamente, constitui já em uma evidente manipulação”.

11
Esses dados foram retirados do artigo da área de saúde “Adolescência: definições, conceitos e critérios”, da
professora Evelyn Eisenstein, que enfatiza a necessidade de se observar que, devido às características de
variabilidade e diversidade dos parâmetros biológicos e psicossociais que se dão na adolescência, a idade
cronológica, apesar de ser um argumento muito utilizado, não é o melhor critério descritivo em estudos clínicos,
antropológicos e comunitários ou populacionais.
Disponível em: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=167. Acessado em 25 mai. 2013.
40

(BOURDIEU, 2003, p.153).

2.2 TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: UM


CENÁRIO PROPÍCIO PARA A REVISÃO E A CRIAÇÃO DE NOVAS
PRÁTICAS SOCIAIS
O século passado com seus acontecimentos resultou em novas configurações da
realidade percebidas em diversas esferas, alterando padrões e concepções que se mostravam
bastante consolidadas até bem pouco tempo. “Porém, a revisão de parâmetros tradicionais ao
mesmo tempo em que abre precedente para uma sensação de crise ou ruptura, possibilita a
chegada do novo, do impensável”. (ROSS et al., 2013, p. 2) As implicações do estado
movente da história nesse século influenciaram diretamente no modo de vida dos indivíduos,
na cultura, no meio ambiente, nos valores, na história humana de maneira geral, gerando
resultados a serem verificados. (HOLANDA; BITENCOURT, 2013).

É certo que o mundo mudou, mas não é essa a questão central, pois o mundo muda
constantemente, desde o princípio da humanidade, esse é, inclusive, um dos fatores que
caracterizam o social. Não obstante, são a velocidade dessa mudança e as possibilidades que
se criaram a partir dela que causam, nesse momento específico, uma sensação de nunca
daremos conta da totalidade dessas transformações que presenciamos a partir da transição da
sociedade industrial para a sociedade da informação.

O computador e a Internet, dois elementos característicos dessa sociedade possuem


histórias muito recentes. Nos últimos 70 anos o ritmo e a intensidade das mudanças foram
maiores do que em toda a história prévia da vida do homem. Percebemos a metamorfose de
dispositivos informacionais ocupando cada vez mais espaços e alterando continuamente a
nossa forma de pensar e de conviver, potencializando as formas de comunicação em escala
global, deslocando o potencial lucrativo das organizações para os ativos intangíveis,
influenciando o comportamento de velhas mídias a partir das mídias digitais.

A relação entre sociedade e tecnologias estabelece, portanto, novos pressupostos para


as sociabilidades. As pessoas, em geral, estão mais conectadas e o ritmo de acesso é crescente.
A esse respeito, por exemplo, Castells observa que mesmo não sendo a organização social em
rede algo inédito na história das sociedades, o novo paradigma da tecnologia da informação
altera e se expande de forma penetrante em toda a estrutura social potencializando o efeito de
rede e a comunicação decorrente desta em escala global. As redes são compostas por
41

nós/pessoas/interesses que se multiplicam, se transformam em outros nós, maiores ou


menores, que se unem a outros nós que se movimentam de forma fluida numa dinâmica de
movimento constante, onde “o poder dos fluxos são mais importantes que os fluxos do
poder”. (CASTELLS, 2010, p.565).

São todas mudanças com profundos impactos nas relações sociais. Diante disso, novas
questões são colocadas cotidianamente. Trata-se de uma sociedade interconectada,
possibilitada por tecnologias informacionais e comunicacionais cada vez mais evoluídas. É
uma tendência histórica consolidada que tem modificado não só os processos produtivos, mas
a experiência humana em seus diversos âmbitos. “A presença na rede ou a ausência dela e a
dinâmica de cada rede em relação às outras são fontes cruciais de dominação e transformação
de nossa sociedade”. (CASTELLS, 2010, p.565).

Para Levy (1993) a sociedade em rede é a própria cibercultura, que possibilita a


ecologia cognitiva ou inteligência coletiva e aponta para além do sujeito e do objeto
separadamente. Segundo o autor, essa trama em rede promove uma inteligência coletiva. A
inteligência se dá em rede, no espaço da cultura, por meio da interação entre o sujeito, o seu
ambiente e os objetos. Ao desenvolver esse conceito, o autor defende um coletivo pensante
formado por homens-coisas (indivíduo, instituições, equipamentos e formas de comunicação).
Sendo assim, a ecologia cognitiva acaba por resultar em um espaço de negociação, diálogo e
interatividade que constantemente altera, redefine ou mesmo define as possibilidades
cognitivas institucionais, técnicas e individuais na era digital. Compreender a ecologia
cognitiva significa perceber uma dinâmica diferenciada de relações estabelecidas entre os
indivíduos e tudo o que o cerca na sociedade da informação.

Embora seja tudo muito recente, nesse processo há reprodução e permanências, mas
que coexistem com a atribuição de novos significados, outros olhares permeados por uma
cultura do ciberespaço, esse lugar “não físico”, mas real que é palco dessas transformações.
Noções de espaço e tempo – tão sólidas do ponto de vista da sociedade industrial – são para
Bauman (2001) o atributo crucial da modernidade:

A modernidade começa quando o espaço e o tempo são separados da prática


da vida e entre si, e assim podem ser teorizados como categorias distintas e
mutuamente independentes da estratégia e da ação; quando deixam de ser,
como eram ao longo dos séculos pré-modernos, aspectos entrelaçados e
dificilmente distinguíveis da experiência vivida, presos numa estável e
aparentemente invulnerável correspondência biunívoca. Na modernidade, o
tempo tem história, tem história por causa da sua “capacidade de carga”,
perpetuamente em expansão – o alongamento dos trechos do espaço que
unidades de tempo permitem “passar”, “atravessar”, “cobrir” – ou
42

conquistar. O tempo adquire história uma vez que a velocidade do


movimento através do espaço (diferentemente do espaço eminentemente
inflexível, que não pode ser esticado e que não encolhe) se torna uma
questão do engenho, da imaginação e da capacidade humanas. (BAUMAN,
2001, p.15-16).

Poderíamos acrescentar a essa lista de ressignificações a noção de presença, de


virtualidade, durabilidade, mobilidade e tantos outros elementos que nos pareciam
completamente dominados antes do surgimento das TIC e das ferramentas da internet. Nesse
contexto em que surge uma nova economia, uma outra forma de cultura (a cibercultura) e
consequentemente uma nova configuração de sociedade. Os jovens nos oportunizam, nos
tempos atuais, privilegiados campos de reflexão sobre esse cenário social e cultural permeado
pelo uso e pelo consumo dessas tecnologias.

O olhar interessado justifica-se pelo fato de adolescentes e jovens se lançarem na rede


com menos ressalvas e por se apropriarem das tecnologias de maneira diversificada e
inovadora em relação aos mais velhos. Tais circunstâncias os qualificam como a geração
digital, uma geração com uma vida marcada desde o nascimento pelas tecnologias digitais,
com uma extrema familiaridade com o ferramental, com suas aplicações e com o vocabulário
que permeia esse universo – a Geração “Y”. Uma geração muito diferente da geração que a
precedeu, que vive em um mundo talvez inimaginável por seus pais quando tinham a mesma
idade. Se comparadas, são juventudes muito diferentes e sociedades muito distintas.

Mas esses jovens também estão expostos a riscos próprios do universo tecnológico.
Nesse contexto, a família desempenha um papel fundamental na introdução de suas crianças e
adolescentes no mundo da tecnologia. Porém muitas vezes esse papel se resume à fiscalização
de horas e frequência de uso, assim como a discussão em torno das tecnologias muitas vezes
se resume a dicotomias rasas que se baseiam exclusivamente em seu caráter instrumental e de
utilidade. No entanto, esse panorama é insuficiente para explicar a relação que os jovens
estabelecem com a Internet, sobretudo se pensarmos como suas ações na rede repercutem
significativamente em sua vida cotidiana, seja do ponto de vista social, cultural ou educativo.
As experiências, opiniões e contribuições socializadas na rede produzem um capital social,
alimentado de forma colaborativa, do qual os jovens se apropriam. (SÁNCHEZ-NAVARRO;
ARANDA, 2011).

A apropriação das TIC por parte de adolescentes e jovens em seu cotidiano suscita
questões que necessitam de reflexões mais profundas, para alguns autores. Ainda que a
internet tenha a capacidade de promover o encurtamento das distâncias geográficas e a
43

possível desterritorialização de espaços físicos, a promoção da inclusão digital efetiva e o uso


eficaz dessas tecnologias são questionados.

Barreto (2011), a respeito do acesso, entende que muitas vezes se reproduz a


hierarquia social vigente e da mesma forma legitima ou não a ocupação de lugares sociais
sendo possível associar de forma direta a pobreza à exclusão digital. A autora ressalta a
necessidade clara de recontextualizar as TIC observando o universo macro – que reproduz e
acirra modos de exclusão – e o universo micro, que precisa superar tanto o “determinismo
tecnológico”, apregoando à tecnologia a solução de todos os males, como a “racionalidade
instrumental e fetichizada” que silencia e anula a discussão necessária sobre as relações, as
desigualdades, alianças que envolvem a intencionalidade dos projetos e as consequências do
uso intenso. Para ela, não se trata de constituir uma posição contrária ou favorável a uma
realidade dada, mas de suplantar o forte ideal messiânico disperso na sociedade que impede
uma leitura crítica do cenário que compõe a apropriação e o uso das TIC.

A respeito das relações viabilizadas pela internet, sobretudo afetivas, Bauman


argumenta que serão sempre relações mais rasas por terem sempre a alternativa de “excluir”,
sair da sala de bate-papo, deletar o perfil na rede social ou criar um falso perfil. Para essa
geração, segundo o autor, “fazer contato com o olhar, reconhecendo a proximidade física de
outro ser humano, parece perda de tempo [...] uma decisão que poderia interromper ou
impedir o surfe por outras superfícies não menos convidativas”. (BAUMAN, 2011, p.23).

Eisenberg reconhece na internet um importante meio de comunicação que já se tornou


imprescindível na atual conjuntura e coexistirá com os outros meios. Mas ao observar o
impacto da internet, ainda não consolidado, sobre as relações privadas e de mercado, o autor
pondera a respeito da incerteza acerca desse impacto sobre a democratização das sociedades
contemporâneas e aponta para “a necessidade de uma reflexão pragmática e normativamente
orientada para possíveis impactos positivos e negativos”. (EISENBERG, 2003, p.492).

No entanto, sem desconsiderar os limites, contradições e contribuições desses autores,


é muito forte a convicção de que essa geração tão íntima da internet pode promover grandes
transformações nessa sociedade. (TAPSCOTT, 2010). A internet, ao viabilizar uma
comunicação horizontalizada, propõe uma revisão da hierarquia presente nas relações e enseja
uma interação mais ampla, não restrita apenas a quem já se conhece. Para o aperfeiçoamento
desse processo contribui a portabilidade dos muitos aparelhos que “representa, neste campo, a
possibilidade de estender, não só o acesso à informação, mas a comunicação, potencializando
a convivência social, a criação e manutenção de relacionamentos”. (BASSALO, 2012, p.
44

114).

Seja do quarto do adolescente, das lAN houses ou dos dispositivos móveis – que no
Brasil não param de crescer12 – a conectividade é uma realidade para as juventudes
contemporâneas. E isso implica em um conjunto de práticas e de sociabilidades
características. Vivenciar a internet de maneira cada vez mais costumeira, se adequando às
novidades que surgem na rede de computadores, é parte do cotidiano desses jovens. Se assim
compreendemos, “ter um blog, um fotolog, um microblog, um perfil numa rede social,
constitui-se em marcas que identificam a adesão a uma linguagem, a uma forma de
relacionamento, intermediada pela internet e, notoriamente, contemporânea”. (BASSALO,
2012, p. 115).

O ciberespaço é para as juventudes da era digital um lugar já assimilado, um universo


de mídias, de maior liberdade de ação de refazimento de regras sociais e de sociabilidades não
experienciadas até então fora do ambiente virtual. Trata-se também um espaço de mudança.
Ao encurtarem a distância entre a realidade dos ambientes virtuais e a dos espaços físicos por
meio do trânsito cada vez mais recorrente entre essas esferas, adolescentes e jovens
consagram a internet como uma importante parte do seu universo e vão modificando a leitura
que fazem do mundo. “A internet, que é a mídia de todas as mídias em toda sua
13
complexidade, flexibilidade e dinamismo, tem um impacto gigantesco na vida de todos” .
(LEMOS, 2013).

12
O portal da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL divulgou sua última divulgação oficial sobre
os números de acessos que o Brasil alcançou em abril 264,55 milhões de acessos móveis. Informações
disponíveis em: http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalInternet.do Acesso em: 28 mai. 2013.
13
Em entrevista concedida à publicação Página 22 e replicada pelo blog Outras Palavras, o professor Ronaldo
Lemos conversa sobre internet e afirma que a rede não pode ser reduzida a espaços controlados e uniformes.
Disponível em: http://ponto.outraspalavras.net/2013/02/14/internet-mundo-sem-fronteiras-ou-grande-
condominio-fechado/ . Acesso em: 14 fev. 2013.
45

2.3 PROTAGONISMO JUVENIL NAS REDES SOCIAIS: VÁRIOS


LADOS DE UMA QUESTÃO
A Rede social da Internet (RSI) é um dos principais destinos de adolescentes e jovens
na internet. Elas podem ser acessadas de celulares, tablets, notebooks, desktops. Entrar em
seus perfis e interagir por meio das redes sociais é tarefa cotidiana de milhares de jovens,
várias vezes ao dia. Eles reinventam o próprio espaço da rede e o seu uso de acordo com seus
interesses e motivações.

As RSIs talvez sejam as grandes responsáveis por sociabilidades inéditas para as


juventudes, uma vez que a interação primária sujeito-máquina foi ampliada para uma
experiência de interação de um sem número de sujeitos e dispositivos interagindo de maneira
interconectada e simultânea. Esse movimento altera as experiências de relacionamento em um
nível que muitas vezes não nos permite perceber que interagimos inclusive com o quê ou com
quem não pretendíamos. Essas conexões são possíveis a partir de uma memória temporária
alimentada pelos dados que nos são solicitados a cada acesso, são como rastros de navegação.
São elementos como esses que possibilitam, por exemplo, novos negócios na era digital,
quando essas informações tornam-se preciosas por traduzirem hábitos e interesses de usuários
e potenciais clientes.

Em um universo de tantas informações, dar conta de todas elas é impossível. É preciso


filtrar essas informações. E o que acontece hoje é que sites famosos realizam essa tarefa por
nós e, por terem se tornado grandes corporações, acabam por reproduzir modelos. A respeito
do Facebook, um dos principais responsáveis pelas informações que absorvemos nos dias
atuais, Lemos (2013) esclarece que essa rede social específica realiza operações de filtro por
meio de algoritmos, mas também a partir das relações sociais reunidas nela. “É curioso,
porque ele (o Facebook) devolve para você o mundo à sua imagem e semelhança, e entrega o
que você mais preza, que é você mesmo ”. (LEMOS, 2013).

Observações como essas corroboram com a noção de que as RSIs, assim como outros
projetos situados no âmbito das TIC e as tecnologias em si, de maneira geral, não são neutras:

[..] vale lembrar que entender o significado da técnica é uma tarefa


essencialmente política. A partir desse entendimento são tomadas as decisões
e se desenvolve um planejamento em vista de sua adoção e uso (ou não!),
tanto em termos macro-sociais, quanto micro-sociais, seja por indivíduos,
comunidades, famílias ou organizações. Desse modo, responsabilizar as
novas tecnologias pelos seus impactos sociais e educacionais negativos ou
positivos é esquecer que, desde sua gênese, objetiva e subjetivamente, elas
são frutos de nossas intencionalidades, no contexto da própria construção do
46

real. (SOUSA, 2011, p.187).

Por isso, convém lançarmos olhares não apenas para o que é positivo: navegar no
ciberespaço têm benesses, mas também têm riscos e consequências. Nesse sentido, é
importante uma apropriação consciente desses espaços. Não falamos em um lugar mágico,
mas em uma instância virtual cada vez mais presente na realidade desses jovens. Ao mesmo
tempo em que as redes sociais viabilizam formas novas de interação e sociabilidades, podem
também representar espaços homogeneizadores que suprimem o que é diferente e
contraditório, por exemplo.

Os sujeitos em rede compartilham expressões, opiniões, símbolos a partir de uma


capacidade de mobilidade antes não experienciada. Se congregam, a principio, a partir de
interesses comuns, de características semelhantes, mas nesse jogo social também criam seus
espaços de singularidades. As redes sociais mais comuns são aquelas voltadas para
entretenimento, mas existem RSIs de muitos tipos. Pode ser uma rede que o fio condutor é o
compartilhamento de músicas, por isso tornam-se espaços atraentes para artistas que queiram
divulgar seus trabalhos e usuários que buscam novos sons. Outras tem foco em um
conhecimento específico, então vão congregar em pequenas comunidades dentro das redes
intelectuais e profissionais que trabalham ou desenvolvem pesquisas em assuntos que se
tornam zonas de interesse compartilhadas. Nesse universo, uma afirmação é possível: as redes
sociais da internet se constituem em um espaço eminentemente contemporâneo, baseado em
dois pilares da internet, a conectividade e a interatividade.
47

Figura 2: Configuração da página inicial de um perfil do Facebook

Fonte: <www.facebook.com>

E se muitos sujeitos não se posicionam por falta de espaço e meios; se o adolescente


mal compreendido, restrito do convívio social no porto seguro do seu quarto não estabelece
comunicação com facilidade; ou se muitos jovens restritos de espaços de fala por serem
estereotipados numa condição de imaturidade e transitoriedade constantes não conseguem se
expressar; a internet surge como um lugar de muitos lugares, com possibilidades para além do
entretenimento.

Muñoz (2010), ao trabalhar o fenômeno das redes sociais no cotidiano de adolescentes


e jovens, observa que são distintos os interesses de uso: alguns buscam estabelecer contatos
profissionais, outros apenas entretenimento, diversão, muitos utilizam como meio de obter
informação, notícias, conteúdos. E ainda que um número menor enxerga as redes como
espaços de discussão política, social e de expressão de inquietudes, para o autor esse é um
terreno promissor. O fato é que se trata de um espaço de relações, sobretudo, frequentado
pelas juventudes.

A internet, sobretudo por meio das redes sociais, potencializa aquela noção de
engajamento presente na história dos movimentos culturais estudantis e juvenis de
contestação do século XX que permanecem em menor escala – se considerarmos a frequência
48

dos ajuntamentos, ou em maior escala – se observarmos o surgimento do ciberativismo 14 e a


mescla dos meios de mobilização utilizados na contemporaneidade.

Acontecimentos recentes como as manifestações que eclodiram nos cenários nacional


e internacional revelam essa forte integração das juventudes com as redes sociais, de forma
que o exercício da cidadania e a busca por direitos passam a ser fortemente alimentados pelas
duas esferas: os gritos de protesto podem ser ouvidos nas ruas, mas também ecoam na
timeline das redes sociais, caracterizando a realidade complexa que se constitui a partir do
trânsito entre espaços virtuais e físicos.

Enquanto na mídia tradicional há uma tendência de unificação de ponto de vista e


discurso sobre os protestos, no universo das redes sociais, uma pluralidade de opiniões e
visões de mundo pode ser verificada a cada manifestação pessoal, sob diversos ângulos. Os
espaços ocupados nas ruas de cidades brasileiras, por exemplo, representaram uma grande
rede social tão plural, contraditória e aberta como aquelas do espaço virtual.

Banaji e Buckingham (2012) ao abordarem uma possível apatia política em relação à


participação política e o exercício da cidadania de jovens europeus, entre 15 e 25 anos,
assinalam que para esse público a atuação cívica ocorre por outros canais de comunicação,
meios alternativos e nem sempre tradicionais, com especial destaque para a Internet, devido
ao seu alcance e receptividade entre eles. Porém, os autores destacam que não se pode inferir
que uma vez conectado o jovem fatalmente será mais engajado. Na verdade, a reflexão que se
deve exercitar é como a Internet pode se envolver com outros movimentos dentro da
sociedade ou como esses movimentos poderiam fazer uso desse canal para promover as
mudanças que acreditam ser necessárias. Assim, torna-se evidente que não é pertinente pensar
a tecnologia como elemento determinante, mas sim como parte de uma teia de processos
sociais e culturais em constante revisão.

14
O ciberativismo é uma modalidade de ativismo que faz uso da rede e dos demais recursos digitais para
mobilizar, divulgar, reivindicar. Não é necessariamente uma ação restrita ao mundo virtual. Na atualidade usa-se
muito de uma combinação de estratégias que abrange os recursos digitais e da web com os ajuntamentos e
mobilizações físicas. É comum vermos em espaços como os das redes sociais convocatórias para passeatas,
divulgação de eventos, divisão de tarefas e formas de contribuir com mobilizações que acontecerão em um
determinado local mas que começam antes nas redes. Alguns críticos consideram o ciberativismo um “ativismo
de sofá”, sem grandes efeitos práticos.
49

Figura 3: Foto de Fábio Motta

Fonte: publicada na edição on-line do jornal Estadão, em 19.06.2013.

Nesse sentido, a democratização do acesso à internet está diretamente relacionada com


um modelo de participação mais livre, plural e democrático. Em relação às instituições
públicas e a noção de participação política, podemos falar em um modelo mais transparente,
potencializado, sobretudo, pelas redes sociais e pela participação cada vez mais expressiva
das classes C, D e E nas redes. Para Lemos (2013) multiplicam-se espaços de manifestação
sobre problemas diversos e a cobrança pela responsabilização dos agentes públicos torna-se
contínua. Silverstone (2002) entende que a cidadania, neste século, passa por um olhar crítico
sobre a mídia, seus produtos e suas estratégias.
50

2.4 EDUCAÇÃO: UMA PRÁTICA SOCIAL REVISADA PELAS TIC


A história da humanidade é marcada por uma intensa proximidade com a tecnologia.
São incontáveis os movimentos de estímulos, criação, assimilação e domínio de tecnologias
que impulsionaram e continuam a impulsionar a evolução da espécie, sobretudo se pensarmos
no ideal de desenvolvimento futuro que sempre está ancorado na busca e na descoberta do
novo. Quando observarmos o lugar de destaque ocupado pelas TIC nas organizações
contemporâneas, é possível compreender o caráter transformador que elas desempenham
nessas mesmas sociedades.

No que diz respeito à influência e absorção das tecnologias e seus muitos recursos e
projetos no universo educacional, a importância dessa presença não deve ser pormenorizada,
pois é certo que à medida que as necessidades sociais mudam, as necessidades educacionais
como tal também se alteram e as tecnologias podem ser desenvolvidas e assimiladas no
sentido de atendê-las. Desta forma, é importante refletirmos sobre o papel da tecnologia na
educação contemporânea por ser ela imprescindível, “principalmente se considerarmos que
seu emaranhado é constituído, dentre outros elementos, de comunicação, informação,
conhecimento e criatividade”. (BITENCOURT; SANTOS, 2013, p.2).

Nesse sentido, o contexto da educação, principalmente em sua vertente escolarizada, é


especialmente atingido, uma vez que essas mesmas tecnologias ampliam os espaços de acesso
à informação e modelam os diversos modos de ser jovem na atualidade, assim como recriam e
abrem canais e formatos diversificados de interação com o mundo. Os espaços educacionais
na sociedade da informação passam a ser tão plurais quanto lhes permitam as TIC. Assim, os
muitos recursos tecnológicos estão disponíveis tanto para a escola como para processos de
aprendizagem não escolarizados:

As tecnologias educacionais ao se consolidarem permitiram aos estudantes:


acessar, organizar, trocar e administrar a informação; produzir
conhecimentos e integrar habilidades; modelar, resolver problemas e tomar
decisões independentes, promover, de forma autônoma e ao mesmo tempo
compartilhada, o desenvolvimento pessoal e profissional, dentre outros
ganhos. (BITENCOURT; SANTOS, 2013, p. 4).

Para Levy, devemos construir novos espaços e modelos de conhecimentos. O autor


destaca que a educação desse tempo deve superar representações de escalas lineares e
paralelas, niveladas, organizadas pela noção de pré-requisitos. “É tempo de nos abrirmos para
espaços de conhecimentos emergentes, contínuos, em fluxo, não lineares, se organizando de
51

acordo com os objetivos e contextos, nos quais cada um ocupa uma posição singular e
evolutiva”. (LEVY, 1999, p.158).

Bretherick (2010), afinado à perspectiva aqui apresentada, assevera que é preciso


convergir para a ampliação do acesso ao ciberespaço, para a promoção da apropriação das
tecnologias da inteligência e da cibercultura de forma individual e compartilhada,
possibilitando inteligências coletivas, assim como a democratização e a descentralização dos
saberes. “Se há pouco tempo atrás, os espaços de formação, como a escola, eram considerados
locais onde o saber era “guardado” como privilégio de alguns e a informação era “repassada
como fonte de verdade”, hoje a informação circula e pode ser buscada por qualquer pessoa”.
(BITENCOURT; SANTOS, 2013, p.4).

Anísio Teixeira na década de 60 do século passado alertava sobre a importância e os


impactos dos novos recursos tecnológicos na educação e as consequências, destes na prática
docente. Em suas palavras “se a biblioteca de certo modo, já fizera do mestre um condutor
dos estudos do aluno e não propriamente o transmissor da cultura, os novos recursos
tecnológicos e os meios audiovisuais irão transformar o mestre no estimulador e assessor do
estudante” e afirmava, ainda, a necessária transformação da escola, pois “a sua escola de
amanhã lembrará muito mais um laboratório, uma oficina, uma estação de televisão do que a
escola de ontem e ainda hoje”. (TEIXEIRA, 1963, p. 10-19).

O cenário de relações possíveis entre a educação e as tecnologias disponíveis em uma


perspectiva complexa não enxerga sujeitos e objetos de maneira isolada. Pelo contrário, é
possível compreender esse novo contexto como uma paisagem na qual os espaços são
compartilhados por indivíduos, objetos e tecnologias que se auto-eco-organizam e se
transformam gerando novas combinações e consequentemente novas possibilidades. É nessa
perspectiva que deve ser inserida uma educação em rede. (HOLANDA; BITENCOURT,
2013).

O caos informacional da rede se organiza pelo processo de aprendizagem


coletiva, pela compreensão dos funcionamentos e da lógica do ciberespaço.
Conversações, trocas de experiências, construções intelectuais
compartilhadas e um sem número de recursos podem contribuir para que
qualquer jovem, em qualquer lugar, crie seus nós de conexão e faça parte da
imensa teia de relações do ciberespaço, consumindo e produzindo cultura.
Daí vem a afinidade da juventude por esse aspecto descentralizador e
subversivo da rede, pois nesse contexto não há centros ou periferias, mas
fluxo constante dos atores/actantes. (OLIVEIRA, 2012, p.47).

Ao ser revisada pelas TIC, a educação se horizontaliza e consequentemente passa a


52

questionar a verticalização já enraizada e promovida por processos educativos tradicionais.


Dessa forma, a história de vida do estudante, bem como suas experiências associadas às
possibilidades tecnológicas da contemporaneidade, ganham cada vez mais espaço modos de
educação que surgem a cada dia.
53

CAPÍTULO 3: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS


Durante a fase inicial da pesquisa, mais precisamente durante a elaboração do projeto,
eu vislumbrei um contexto futuro para a fase de coleta e posterior análise dos dados que me
parecia um caminho bastante sólido. Essa certeza era nutrida, sobretudo, pelo contato cada
vez maior com a literatura voltada para as profundas transformações decorrentes da forte
assimilação das Tecnologias da Informação e Comunicação pela sociedade contemporânea,
especialmente por adolescentes e jovens localizados entre as gerações denominadas X e Y.

Naquela atmosfera de leituras, impressões e encantamento inicial quase que “natural”


em relação ao objeto de pesquisa escolhido, eu esperava encontrar os adolescentes e jovens
fazendo uso da rede social mais popular no mundo, o Facebook, para principalmente – dentre
outras ações simultâneas comuns à presença na rede social – questionar a própria razão de ser
da escola na atualidade, ou pelo menos sua imutabilidade secular (cf. REIMER, 1975;
VIEIRA, 1999; ROCHA, 2013). Isso porque na literatura revisada ficava cada vez mais
evidente que as fontes de informações, representações e interpretações sobre o mundo já não
são mais restritas a essa instituição. Os canais de aprendizagem e capacitação esboçam uma
expansão para além da escola e acabam por distanciar cada vez mais a educação da
escolarização. (CARVALHO, 1988).

É possível constatar que tanto a organização como a estrutura escolar pouco se


adequaram às transformações. Quando muito, buscou responder a essa nova realidade, por
meio do aparelhamento de um avançado instrumental tecnológico: são laboratórios de
informática, um computador por aluno, material didático completo em formato digital, lousas
interativas, complementação de estudo em ambientes virtuais de aprendizagem e repositórios
on-line, aplicativos educacionais para smartphones, empresas especializadas no negócio
educação com métodos que prometem sempre mais inovação, interatividade e eficiência. É
uma lista que demoraria a ter fim, se o objetivo aqui fosse quantificar a gama de recursos
agregados, afinal tecnologias educacionais passaram a ser tendência na atualidade.

A junção de dois referenciais analíticos oferece uma consistente leitura desse


momento. Ambos sugerem que cada tempo histórico conhece tipos de sociedades específicos
caracterizados, dentre outros fatores, pelas relações de poder. Para tanto, seria oportuna uma
reflexão sobre a constituição da escola dentro desse contexto. Focault (1987), ao pensar a
configuração do corpo social moderno após as revoluções liberais, aponta como resultantes
54

desse processo as sociedades disciplinares. Sob a ótica do modo de produção capitalista,


engendram-se sociedades que tem como tecnologia central a disciplina.

Para o filósofo, o poder disciplinador foi a estratégia norteadora para exercer domínio
sobre os corpos e as subjetividades modernas. Tal mecanismo foi substancialmente atrelado às
instituições e às suas normas por meio da clara delimitação e ocupação dos espaços físicos, da
distribuição do tempo e do controle da capacidade produtiva. À escola coube a definição dos
saberes, dentre tantas outras práticas disciplinares que visavam garantir a formação de sujeitos
e a preparação de corpos que correspondessem às exigências de funcionamento pleno desse
modelo de sociedade. Sob vigilância das instituições, nas sociedades disciplinares as
subjetividades eram moldadas para obedecer, para manter a ordem.

Já na contemporaneidade, Deleuze (2000) observa que esse novo tempo representa


uma transição, a chegada de um novo tipo de sociedade, identificado por ele como sociedade
de controle. O poder disciplinador expressamente marcado por espaços e práticas
determinados por instituições como a escola, o hospital, entre outros, já não se restringe ao
espaço físico, o controle dilui-se e os muros – emblemático recurso de delimitação espacial –
passam a não ser mais suficientes. Deleuze argumenta que o confinamento é superado por um
controle contínuo e pela comunicação instantânea, o que situa as instituições modernas em um
lugar de crise. (COSTA, 2004). Se as subjetividades e os corpos são hoje menos fixos e mais
flutuantes, acabam por destoar das instituições. Assim, as tentativas de reformas e adaptações
nada mais são, na visão desse autor, que sinais de um colapso.

Pode-se prever que a educação será cada vez menos um meio fechado,
distinto do meio profissional- um outro meio fechado -, mas que os dois
desaparecerão em favor de uma terrível formação permanente, de um
controle contínuo se exercendo sobre o operário-aluno ou o executivo-
universitário. Tentam nos fazer acreditar numa reforma da escola, quando se
trata de uma liquidação. Num regime de controle nunca se termina nada.
(DELEUZE, 2000, p.4).

Para Sibília (2012), o Estado já não cumpre no presente o papel de fortalecer essas
instituições, o que gera profunda instabilidade por parte delas diante das novas formas de
organização social, ao tempo em que oferece brechas para que o mercado estabeleça seus
princípios no funcionamento das mesmas.

Restringindo a análise à instituição escolar, o fato é que não houve em nenhum


momento por parte da escola uma revisão profunda das práticas, relações, finalidades e papéis
desempenhados nesse novo cenário, apenas reformas. Talvez essa revisão não tenha ocorrido
55

justamente porque é muito mais sensível perceber que tais tecnologias, como vimos, alteram
mais que hábitos, alteram também formas de poder, formas de ser, de se colocar diante do
mundo e de se relacionar com ele.

É preocupante, especialmente para a escola, sobretudo pelo lugar que ela ainda ocupa,
não notar que essas transformações vão além de uma interconexão que supera fronteiras e
promove a globalização. Nós, sujeitos desse tempo, atravessamos mudanças internas radicais,
simultâneas às mudanças externas como câmbio do sistema econômico e à modificação do
tecido social. (NICOLACI-DA-COSTA, 2002).

Do ponto de vista geracional, há um significativo desconforto nessa reflexão


propriamente dita, pois ela promove questionamentos profundos tanto para o indivíduo como
para as instituições. Isso porque mesmo que não estejamos mais no tempo do justificado
alvoroço provocado pelo medo do que seria o mundo depois da internet, tudo o que tem sido
possibilitado, em especial pelas tecnologias digitais, ainda instabiliza aqueles que estão em
uma espécie de campo de intersecção de gerações. São pais e familiares em geral, toda a
estrutura escolar com seus professores e demais profissionais que permanecem em meio às
mudanças – algumas mais evidentes, outras nem tanto – enquanto tudo que se desenha aponta
para o desconhecido, o novo facilmente assimilado por quem já descobre o mundo imerso
nessa realidade: filhos, estudantes, jovens profissionais. Porém, como observa Mannhein
(1993):

[...] en nuestra vida social, el hecho de la inrupcion constantemente renovada


de hombres nuevos es la compensación directa del hecho de la parcialidad de
cada conciencia individual. La irupcion de nuevos hombres hace,
ciertamente, que si pierdan bienes constantemente acumulados; pero crea
inconscientemente la novedosa eleccion que se hace necesaria, la revisión en
el dominio de lo que está disponible; nos enseña a olvidar lo que ya no es
útil, a pretender lo que todavia no se ha conquistado”. (p.213).

Exige-se notadamente daqueles que foram impactados por novos espaços e novas
formas de organização uma reconfiguração. Do contrário, o refazimento de caminhos e a
ocupação de novos lugares será sempre comprometido pela sensação contínua de
deslocamento. Diante desse quadro, repensar a escola torna-se uma necessidade premente.

Ao buscar na história moderna seus pilares e sua trajetória, é possível constatar que a
escola foi criada para atender e formar aquele tipo específico de sociedade anunciado por
Focault, que certamente não se manteve imutável até os dias de hoje como afirma Deleuze,
afinal, crer em uma afirmação contrária corresponderia à negação da mudança como algo
56

inerente às relações humanas e à vida em sociedade. Até mesmo Bauman (2011), crítico voraz
das novas subjetividades que se desenham a partir da sociedade da informação, reconhece o
descompasso enfrentado por essa instituição. O autor pondera que a educação em nenhum
outro momento da sua trajetória se viu diante de um desafio tão expressivo: “Ainda é preciso
aprender a arte de viver em um mundo saturado de informações. E também a arte mais difícil
e fascinante de preparar seres humanos para essa vida”. (p.125).

Do rompimento com uma ordem precedente, foram geradas descontinuidades


profundas nos diversos setores da sociedade, conforme observa Nicolaci-da-Costa (2002).
Porém, o que nos parece, ao observarmos as diversas maneiras que as juventudes interagem
com o estado da arte identificado por tantos pesquisadores, é que os desafios e desconfortos
decorrentes das tecnologias contemporâneas são muito mais adequados à análise de quem tem
como referência as formas como as gerações de outrora se relacionaram e ainda se relacionam
como esse mundo do que propriamente à realidade dos jovens de agora. Reconhecer a
dissonância que há em análises como as de Bauman 15 não as tornam impróprias, mas reafirma
o princípio de que os resultados de uma investigação variam de acordo com os referenciais
colocados para ela.

Diante do exposto, Sibília (2012a) observa que se a escola não se reinventar e não
atualizar o diálogo com os novos corpos e as novas subjetividades, além de acirrar conflitos
resultantes da incompatibilidade com as formas de ser e estar no mundo hoje, experienciadas
pelas juventudes, ela corre o risco de compor o quadro das muitas tecnologias que se tornaram
obsoletas. A autora caracteriza esse estado conflituoso como uma “divergência de época” que
é acentuada, diferentemente do que acontece em relação à escola, pelo “encaixe quase perfeito
entre esses mesmos corpos e subjetividades, por um lado, e, por outro, os aparelhos móveis de
comunicação e informação, tais como os telefones celulares e os computadores portáteis com
acesso à internet”. (p.197).

Não me parecia, portanto, que o caminho fosse outro distinto do pensar explicitamente
tal crise e as possibilidades que ela oferece. Mas mesmo diante de indícios cercados de
tamanha atenção, não foi essa a principal rota de navegação oferecida pelos dados que

15
Bauman é reconhecido mundialmente por dedicar-se a pensar sobre os impactos negativos das tecnologias
contemporâneas nas relações interpessoais. Para o autor, os laços humanos foram fragilizados pelas relações
virtuais: não físicas, rasas, facilmente descartáveis, sempre sujeitas ao “deletar/desligar”. Essas mesmas
características passam a determinar todas as outras formas de relacionamento na modernidade líquida. Porém, tal
leitura não é feita por Bauman a partir do contexto atual e próprio dessas relações. Suas análises partem da
comparação com os relacionamentos de outra época – na qual não havia tecnologia digital - quando estes ainda
eram “reais” e “sólidos”, vivenciados com profundidade. (BAUMAN, 2004; NICOLACI-DA-COSTA, 2005).
57

seguem, embora esteja presente nas entrelinhas do processo. Além, é claro, do compromisso
ético com a transparência no processo de pesquisa, há que se levar em conta, como
justificativa para uma trilha de análise alternativa àquela pensada inicialmente, os contextos
sociocultural, econômico e político que condicionam as experiências individual, coletiva e
pública das adolescências e juventudes dos Diários de Classe.

As questões que saltaram como emergenciais para esses adolescentes e jovens são
próprias de estudantes de escolas públicas de um país continental e desigual, classificados em
uma faixa etária negligenciada em muitos direitos, dentre eles: serem vistos e ouvidos.
Portanto, estar conectado, ainda que represente avanços, não é, por si só, garantia de direitos e
equidade social, embora seja cada vez mais reconhecido como um importante caminho para
tal.

Contudo, é preciso destacar que o contexto apresentado, no qual a escola e as


juventudes estão localizados, não deixa de ser a força motriz promotora de todas as
transformações decorrentes das TICs. Isso significa dizer que a própria Internet junto com
suas muitas possibilidades, assim como a ampliação ou a revisão de muitos conceitos mesmo
anteriores à ela e cada vez mais apreendidos pelas gerações atuais não podem ser analisadas
de maneira isolada, antes, devem ser compreendidos a partir do jogo social do qual a
contemporaneidade tornou-se palco e do imaginário produzido desde então.

Fica claro que no âmbito de uma sociedade disciplinar com forte presença da
instituição escolar como recurso ideológico não havia espaços para reivindicações que
partissem do aluno, pois este era apenas alguém em formação a ser iluminado pelo saber do
mestre. Hoje, ainda que essa concepção não tenha sido totalmente superada, esse papel se
altera e nas brechas que são forjadas o jovem não depende necessariamente da outorga do
professor ou de qualquer outro adulto para consolidar sua fala como algo válido.

Logo, essa reflexão acompanhará toda a análise, como um importante pano de fundo,
no sentido de auxiliar a compreensão da realidade escolar expressa pelos diários.
58

3.1 COMO SURGIRAM OS DIÁRIOS DE CLASSE VIRTUAIS QUE


COMPÕEM A PESQUISA
Neste capítulo analisamos as postagens e a repercussão de 6 (seis) Diários de Classe
Virtuais. Estes foram observados regularmente durante 13 meses (Julho/2012 a Agosto/2013),
sendo que nos três primeiros meses do recorte proposto todos os selecionados já existiam: em
julho de 2012 foi criado o primeiro, em agosto de 2012 outros dois e em setembro de 2012 os
três diários restantes.

Mas como surgiu a ideia de construir em uma rede social páginas específicas
dedicadas à escola? A inspiração também partiu da Internet. Isadora Faber, responsável pelo
primeiro diário – Diário de Classe, a verdade – conheceu a história de Martha Payne, uma
menina escocesa de apenas 9 (nove) anos que criou um blog 16 dedicado a acompanhar e
divulgar diariamente com fotos e comentários a qualidade da merenda de sua escola. O blog
de Martha em pouco tempo alcançou mais de 1 (um) milhão de acessos, provocou uma
revisão do cardápio oferecido aos estudantes e ainda ganhou o apoio de renomados chefes de
cozinha17.

Diante dessa experiência, Isadora entendeu que poderia fazer o mesmo por sua escola,
mas de uma forma mais abrangente, afinal enxergava problemas que iam além da merenda.
Dessa forma, nasce o primeiro diário de classe no Facebook. Já o aparecimento de diários em
sequência não se deu por acaso. A adolescente diante da rápida popularidade que alcançou
sugeriu que outros adolescentes e jovens que tivessem o que falar sobre suas escolas e se
identificassem com a iniciativa dela também criassem diários sobre o cotidiano de suas
instituições de ensino.

Figura 4: Postagem do D1 estimulando a criação de outras páginas

Fonte: <www.facebook.com >

16
O endereço do blog de Martha Payne é http://neverseconds.blogspot.com.br/
17
Houve significativa repercussão do blog de Martha Payne no noticiário Brasileiro. É possível conhecer um
pouco mais dessa experiência em matéria publica pelo portal de notícias G1, em 25 de maio de 2012.
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/05/blog-de-menina-com-criticas-a-merenda-obriga-escola-a-mudar-
cardapio.html
59

Além dos diários que compõem a pesquisa, levantamentos feitos recentemente apenas
no Facebook, sem considerar blogs e outros canais da Internet, revelam pelo menos que 30
Diários de Classe estão ativos. A pronta adesão de tantos interessados nos indica alguns
caminhos. A proposta de Isadora traduz uma crença que é tão antiga quanto às próprias
formações sociais: quanto maior o número de interessados em algo, agindo em comum,
formando uma rede, maior a possibilidade de alcançar os resultados esperados. É uma espécie
de força coletiva que legitima os ajuntamentos em torno de uma esperada mudança social e
que é ao mesmo tempo legitimada por condições culturais, sociais, políticas e materiais
compartilhadas entre semelhantes.

Além disso, em consonância com o que discutimos até agora, destaca-se o fato de ser a
rede social o lugar comum da ação. Mesmo sendo reconhecidas prioritariamente como
espaços de entretenimento, a constituição da maioria dessas redes permite diversos usos,
embora qualquer um deles seja pautado pelo desejo ou necessidade de ser visto. As Redes
Sociais de Interação já foram tão assimiladas por parte da sociedade que é comum vermos
empresas, governos, instituições religiosas e tantas outras organizações preocupadas em
associar suas marcas e projetos à presença na rede para se comunicarem com os diversos
usuários.

Entre as imagens que consumimos e aquelas que produzimos, o ato de ver e ser visto
carrega além de sentidos, informações sociais e culturais. Em nenhum outro momento da
história fomos tão submetidos a uma exposição constante de elementos visuais e esse quadro
é reforçado pelas redes sociais, que expandem potencialmente a visualidade quando se ancora,
sobretudo, na produção imagética para se comunicar. (cf. LOBO, 2010; DIAS, 2011).

As imagens compõem um universo representativo por meio do qual organizamos e


categorizamos a apreensão do mundo social. Nesse sentido, as representações possuem caráter
múltiplo, constroem visões de mundo variadas, contraditórias. “Aquele que tem o poder
simbólico de dizer e fazer crer sobre o mundo tem o controle da vida social e expressa a
supremacia conquistada em uma relação histórica de forças”. (CHARTIER, 1987, p.87).

Farina (2012) ressalta, a partir dessa constatação, que mais importante do que a
presente sensação de uma quantidade desmedida de imagens disponíveis nos tempos atuais é
o que está subentendido. O que elas mostram? Quais políticas reforçam? Como moldam
nossas leituras e sensibilidades em uma ou outra direção? “As políticas que ocupam e fazem
funcionar o sensível através de determinada lógica imagética desenham conectores e
60

receptáculos em nós mesmos. Formam um corpo”. (p. 122). Não só incorporamos as imagens
como nos tornamos parte delas quando assimilamos a dimensão imagética como elemento
inseparável da forma como nos reconhecemos e pensamos. Por isso, os Diários de Classe
Virtuais no Facebook não podem ser vistos como uma escolha aleatória de seus criadores.

Outro fator que reforça a opção desses adolescentes e jovens pelo Facebook é a
horizontalização das relações. Além de ser uma ferramenta de comunicação gratuita, de fácil
acesso e manuseio, esta rede social já é utilizada por eles com desenvoltura, principalmente
no que tange às estratégias de associação na construção de laços de amizade. Assim, nesta
análise iremos priorizar o aspecto de agrupamento em um espaço notadamente juvenil com a
finalidade de compartilhar interesses comuns e vivenciado entre iguais. Mesmo que cada
diário corresponda a uma escola ou a um conjunto delas em um município, entre eles há forte
identificação de percepções e anseios.

De maneira geral, durante o espaço de tempo observado, alguns diários se mantiveram


cotidianamente atuantes e outros nem tanto. Muitas reivindicações colocadas foram atendidas,
outras não. Alguns compreenderam uma dinâmica própria da internet no processo de
alimentação de suas páginas, outros seguiram um ritmo mais tradicional de comunicação ou
permaneceram longos períodos sem postar qualquer consideração, o que parecia anunciar um
certo enfraquecimento do ânimo inicial e uma provável descontinuidade do diário. Em
determinadas circunstâncias, vivenciaram conflitos com o corpo docente e administrativo da
escola, conheceram também opiniões divergentes por parte daqueles que acompanham as
páginas, em muitas outras situações experimentaram do apoio de outros internautas que
elogiavam e concordavam com suas iniciativas.

Desse modo, seguindo percursos pouco lineares e experimentando de espaços não


convencionais para as finalidades que tinham, os Diários de Classe Virtuais foram se
consolidando como ferramentas que ampliam a interação - com outros adolescentes e jovens,
com a própria escola, com os professores, os pais, a mídia tradicional etc - e como canais
válidos de expressão sobre a escola, problematizando situações recorrentes e de grande
importância para o aperfeiçoamento e/ou a revisão da escola e consequentemente da educação
pública.
61

3.1.1 Detalhamento e identificação dos diários de classe


Ao longo da análise e discussão dos dados, os diários são identificados pela letra "D"
seguida dos números de 1 a 6, do mais antigo para o mais recente:

Quadro 2: Identificação dos diários de classe ao longo da análise

Sigla Nome Região

D1 Diário de Classe - a verdade Sul

D2 Diário do Villa Lobos Sul

D3 Diário de Classe Itamaraju – BA Nordeste

D4 Diário de Escola - E.E.de São Paulo Sudeste

D5 Diário de Classe Cotia – SP Sudeste

D6 Alunos têm voz Nordeste

Fonte: Pesquisa de Campo realizada nas comunidades selecionadas. <WWW.facebook.com>

O D1 alcançou o maior público entre todos os diários: são em torno de 620 mil
seguidores. A adolescente que criou o primeiro diário tinha à época 13 anos. Sua escola é a
escola municipal Maria Tomázio Coelho, em Florianópolis (SC).

O D2 é administrado por um estudante de 17 anos da Escola Estadual de Ensino


Médio Villa Lobos, localizada em São Leopoldo (RS). É o diário com o quarto maior público,
são mais de 2.600 seguidores.

O D3 foi criado inicialmente de forma coletiva por dois colegas ambos com 17 anos.
As postagens não trazem uma escola específica, buscam abranger todas as escolas do
município de Itamaraju (BA). É o diário com o terceiro maior público, soma mais de 2.800
seguidores.

O D4 tem um público de aproximadamente 1.900 seguidores e foi criado para divulgar


os problemas do Colégio Estadual de São Paulo (E.E de São Paulo). Também é administrado
por dois adolescentes.

O D5, segundo os três jovens responsáveis pela página, foi criado para divulgar
problemas relacionados às escolas do município de Cotia (SP), mas grande parte das
62

postagens se refere à realidade das escolas em que seus três administradores estudam. É o
segundo maior em número de seguidores, são em torno de 4.500.

Por fim, o D6 também se refere prioritariamente à divulgação dos problemas de uma


escola pública do estado da Bahia, o Colégio Estadual Bolívar Santana, localizado em
Salvador. Tem em torno de 2.300 seguidores.

Alguns dos adolescentes e jovens que conduzem os diários selecionados não


divulgaram idade, desse modo, deduzimos das postagens a respeito da rotina escolar e de suas
fotos pessoais que estão em idade escolar e cursam de maneira regular ou o Ensino
Fundamental II ou o Ensino Médio. Outro esclarecimento que se faz necessário é que um
seguidor não é necessariamente um frequentador assíduo de uma determinada página. Essa
informação numérica apenas garante que essa quantidade de pessoas ou perfis do Facebook se
interessou pelo conteúdo dos diários de classe em algum momento. O acompanhamento e a
interação, de fato, ocorrem em cada postagem por meio de comentários e compartilhamentos
de conteúdos.

Diante do exposto, considerando os objetivos da pesquisa, a presente análise buscou


compreender a confluência de fatores contemporâneos que propiciou o surgimento de perfis
criados por adolescentes e jovens, em uma rede social de amplo alcance, para se expressarem
sobre suas escolas. As reivindicações e anseios que os unem se tornaram, no ciberespaço, um
caminho para o exercício da cidadania, bem como para o descobrimento e aperfeiçoamento da
participação política dessas juventudes.

A escolha do ciberespaço como ferramenta de visibilidade e como espaço público de


ação e de expressão do novo não foi aleatória. E na mesma medida em que buscam conquistar
um espaço legítimo de atuação, esses jovens responsabilizam pais, professores, diretores e
gestores em suas ausências. Dessa forma, foram em muitos momentos incompreendidos por
atores que deveriam guiá-los nessa experiência notadamente nova e política.

Por meio da denúncia da precariedade material e organizacional das escolas,


adolescentes e jovens buscam um espaço escolar que garanta-lhes dignidade e
reconhecimento.
63

3.2 A BUSCA PELO LUGAR DE FALA E SEU CONTEXTO


ENUNCIATIVO
Desde o surgimento da ferramenta blog no final da década de 90, a sua definição mais
comum é aquela que a traduz como um diário virtual. A princípio, isso gerou uma relativa
confusão para algumas pessoas, uma vez que a principal referência de diário que conheciam à
época era o pessoal, que tinha seu conteúdo como objeto de sigilo quase absoluto ou
compartilhado apenas com pessoas de muita confiança. Logo, parecia incoerente atribuir a
uma ferramenta de publicação na internet, o mesmo significado de algo tão particular. Hoje,
não só o diário pessoal tradicional pode ser construído e mantido em suportes para além do
papel, inclusive na própria internet, e ainda permanecer reservado, como a compreensão do
que pode ser e para que serve um diário virtual foi ampliada a ponto de não restringir-se
somente aos blogs no seu formato inicial. Tão fluidos como a própria internet são os usos e
possibilidades de seus recursos.

Entre os diversos diários permanecem algumas semelhanças: eles costumam se


dedicar a um tema ou assunto específico e seus possíveis desdobramentos; a alimentação de
conteúdos tende a ser constante; o diário tem mais ou menos acesso, caso seja uma página
pública, a depender do quanto despertam a atenção de outros interessados e curiosos ou das
polêmicas que levantam, sendo que a interação com os internautas é um importante indicador
de sucesso; além de possuírem, na maioria dos casos, um formato próprio de comunicação,
menos formal, hipertextual, de fácil atualização e manutenção. Contudo, uma característica
em especial destaca-se no universo dos diários, sobretudo nos Diários de classe virtuais, eles
são ferramentas de autoexpressão, produzem práticas discursivas vivenciadas em um
imaginário específico que as tornam possíveis.

Podemos entender o imaginário como uma espécie de palco social montado para a
atuação e articulação das mais diversas representações correspondentes a uma época, um
produto resultante da cultura. Por ser construído culturalmente, o imaginário possui
historicidade e delimitações. Isso significa dizer que cada época ou geração, por exemplo,
possui imaginário próprio, específico, através do qual o espaço ocupado no mundo é
organizado, pois o imaginário traz em si modos de vida, valores, crenças, sistema de inclusão
e exclusão, entre outros mecanismos. Nesse sentido, a vida social é permeada de discursos
que são transmitidos, (re) transmitidos e legitimados pelo imaginário, que atua por meio das
mais diferentes linguagens.
64

O imaginário mantêm relações muito próximas com as formações discursivas, suas


suspensões e permanências. “O imaginário que aflora nos mais diferentes tipos de discursos é
um forjador de sentidos, de identidades, de (in) coerências”. (NAVARRO-SWAIN, 1994, p.
48). O imaginário possibilita a instauração da realidade, bem como sua transformação,
estabelece estereótipos e paradigmas, mantêm e transforma.

Para Castoriadis (1986), o imaginário é caracterizado pela capacidade de ressemantizar


conteúdos, criar e recriar o real, o que na opinião dele, ultrapassa a sua historicidade. Dessa
forma, o imaginário efetivo resulta da associação da força criadora, já mencionada, com
condições (criações sociais) que fazem o mundo ter sentido. Portanto, mesmo a modernização
a que uma sociedade esteja submetida, seu nível tecnológico ou qualquer outro parâmetro que
considere uma sociedade mais ou menos avançada, todas elas estão debaixo de seus sistemas
imaginários de representação, com códigos próprios, crenças próprias. “O que é certo [...] é
que nenhuma sociedade vive fora do imaginário e que é uma falsa questão separar os dois
mundos, o do real e o do imaginário”. (BOIA apud PESAVENTO, 1994, p. 46).

Ao se apropriarem das condições possibilitadas pelas RSIs, as juventudes – o grande


público dessas redes e também quem mais dedica tempo a esse canal de interação 18 – utilizam
tais espaços com propriedade para finalidades diversas. E, ao mesmo tempo em que os
recriam alterando sentidos e usos, recriam também a si mesmas. Assim sendo, os Diários de
Classe Virtuais são comunidades ou páginas inseridas em um ambiente com o qual muitos
adolescentes e jovens brasileiros estão acostumados. Seus objetivos são muitos: divulgar,
discutir, interagir, denunciar, provocar e promover questões que envolvem o cotidiano escolar
de adolescentes e jovens brasileiros, integrantes de escola pública.

Quando eles entendem que é importante partilhar conteúdos com quem provavelmente
vivencia situações semelhantes, mas não sabe exatamente como contribuir para a superação
desses problemas ou convidam para o debate aqueles que desconhecem as condições nas
quais grande parte das escolas públicas opera, tornam-se importantes plataformas de
compartilhamento, constituem-se em canais alternativos de comunição que abordam sob outro
ponto de vista, o ponto de vista do estudante, a realidade escolar.

18
Dados resultantes da pesquisa TIC Kids Online Brasil, entre os meses de abril e julho de 2012, revelam que
70% dos adolescentes tem perfis em redes sociais e que 85% dos jovens que tem entre 9 e 16 anos usam a
internet pelo menos uma vez na semana.
65

3.2.1 O Compromisso com a verdade


Figuras 5, 6, 7, 8, 9 e 10: breve descrição dos Diários de Classe e suas finalidades.

Fonte: <www.facebook.com>
66

As figuras acima apresentam o campo de descrição da comunidade na rede social, uma


espécie de lugar para registrar a missão de cada diário. Não se trata de um campo fixo, pode
ser alterado a qualquer tempo, mas como ocupa uma área de destaque na página, os diários
buscam traduzir nesse espaço, ainda que de maneira resumida, seu objetivo prioritário.

Um aspecto que se mostra relevante a partir dessa descrição é o fato de que todos os
diários – três deles explicitamente nesse campo, e também nas postagens regulares que
realizam – referem-se à necessidade de revelar a “verdade” e se apresentam como veículos
para tal. A princípio, suas postagens sugerem um tom quase messiânico, pois acreditam que a
ordem das coisas será retomada quando cada um fizer sua parte e tudo o que for revelado for
reconsiderado. Mas, contextualizando as expectativas em suas devidas proporções,
considerando os cenários nos quais surgem os diários e consequentemente o que o espaço de
fala conquistado representa para esses adolescentes e jovens, é preciso refletir sobre o
conceito de verdade e como ele se aplica à rotina dos Diários de Classe.

De maneira geral, a busca pela verdade sempre figurou pela história da humanidade,
mas sem dúvida, foram os campos científico, filosófico e religioso os grandes responsáveis
pelo peso e importância dados a ideia de verdade como concebemos hoje. Ao
institucionalizarem a verdade, um conjunto de experiências, doutrinas e práticas foi
normatizado e passou a ser a base para a vida em sociedade.

De maneira simplificada, a verdade opõe-se ao que é falso, além de estar associada ao


poder de tornar visível o que está encoberto, aquilo que não se manifesta na realidade. É como
se o verdadeiro tivesse diretamente ligado ao que pode ser visto, sentido ou tocado.
Inicialmente, todos os Diários de Classe concentraram suas denúncias e opiniões nesse
primeiro nível de compreensão do que é a verdade. Mas para além de um jogo de luz e
sombra ou opostos facilmente demarcados, a questão da verdade carrega em si um caráter
relativo quando observamos a formação enunciativa na qual ela se sustenta e os efeitos que
produz. (FOUCAULT, 1993).

Cada diário partiu da constatação de uma realidade particular, sua própria verdade – a
situação de uma escola ou escolas de um município ou região específica – mas em muitos
elementos a realidade particular encontra-se refletida na realidade dos demais diários. Ou seja,
compartilham impressões e denúncias sobre fatos que revelam incoerências na prática
pedagógica, descaso e abandono de escolas, espaços públicos. O ato de se expressarem no
ciberespaço e trazer ao conhecimento de seus seguidores os casos relatados, aos seus olhos,
torna o problema concreto o suficiente para ser considerado verdadeiro, pois um fato
67

repetidamente constatado, experienciado em outros ambientes confere veracidade aos relatos.

Hannah Arendt (1967), a partir da concepção aristotélica de verdade, evidencia que


embora o fato em si seja a matéria bruta da verdade, esta só se realiza entre pessoas, depende
de ser enunciada e, por isso, não existe fora da comunição. A constatação da verdade é
exterior a ela; reside na correspondência entre o fato e o que foi dito, na ação, na relação entre
as pessoas, logo, é política por natureza:

A verdade de facto [...] diz respeito a acontecimentos e circunstâncias nos


quais muitos estiveram implicados; é estabelecida por testemunhas e repousa
em testemunhos; existe apenas na medida em que se fala dela, mesmo que se
passe em privado. [...] Ainda que se deva distingui-los, os factos e as
opiniões não se opõem uns aos outros, pertencem ao mesmo domínio. Os
factos são a matéria das opiniões, e as opiniões, inspiradas por diferentes
interesses e diferentes paixões, podem diferir largamente e permanecer
legítimas enquanto respeitarem a verdade de facto. (ARENDT, 1967, p.11).

No cotidiano dos diários o ato de falar/ expressar/ denunciar/ questionar é central e


prioritário, o espaço da rede social é antes de tudo um espaço de comunicação, por isso ter
posse da verdade é uma forma de permanecer com o direito de falar e de ser visto/lido/ouvido.
A validade do discurso, nesse caso, é fortalecida pelo suporte imagético associado à
insatisfação expressa em testemunhos pessoais e ancorada no reconhecimento de internautas
que compartilham ou compartilharam em algum momento das mesmas condições, ou seja, é a
soma desses elementos que atribui sentido e respalda a divulgação de tal verdade.

Mas não há um discurso único, embora existam discursos dominantes. Seguramente,


com base na estrutura escolar tal como conhecemos, podemos afirmar que não é a voz do
estudante a principal, pois no contexto disciplinar da instituição, como vimos, o estudante está
em formação para vir a ser. Enquanto esse ciclo não se encerra, há representantes – pais,
professores ou responsáveis – que por eles falam. Quando esses estudantes insistem em mudar
o foco e expõem outro viés sobre uma determinada questão, trazem à tona elementos
apresentados como periféricos, ou mesmo ignorados. Em outras palavras, estão dizendo que
na realidade a visibilidade e a discussão desses dados são essenciais para a reversão de um
status quo muitas vezes opressor, incoerente. Dessa forma, criam um lugar de resistência,
estabelecem um território de disputas.

Muitos gestores – sejam os que definem as políticas públicas, sejam os que as


executam em seus diferentes níveis – que publicizam suas ações por meio de documentos,
indicadores e estatísticas, afirmam que os investimentos em educação e infraestrutura escolar
68

nos últimos anos no Brasil são crescentes, que nunca se viu tantas crianças, adolescentes e
jovens com acesso à escola, principalmente se comparados a governos anteriores 19.

Esclarecem, ainda, que o que não é feito não depende diretamente do executor, mas de
repasse financeiro, previsão orçamentária, burocracia nos trâmites legais etc. Independente do
viés da justificativa, essas argumentações não são desprezadas, pois, são fruto de um discurso
institucional, tido como oficial, alguém que fala em nome da instituição e que por ela está
amparado. Há aqui a chancela da autoridade governamental.

[...] Ano passado convocaram reuniões de urgência, elegeram todos os


membros inclusive com suplentes e até agora nada, acho que isso reflete bem
como funciona o serviço público. Quando são cobrados não gostam, se
ofendem, ficam magoados, fingem que vão fazer as coisas, mas acabam por
não fazer nada e tudo continua igual como antes. Que a diretora não tem
competência para o cargo, para fazer as coisas mudarem, isso ela já cansou
de provar e ninguém cobra nada dela, apenas eu. (D1, 29 de julho de 2013).

Se o que é verdade para um sujeito não o é necessariamente para outro, tal sentença
será sempre relativizada a partir dos lugares ocupados pelos sujeitos envolvidos e das relações
estabelecidas entre eles, neste caso: estudantes, professores, diretores de escola, gestores
públicos, pais ou responsáveis. Para Foucault (1993), as formações enunciativas serão
consideradas falsas ou verdadeiras a partir dos contextos que as regem e dos dispositivos de
poder que as tornam satisfatórias. Ou seja, a busca pela verdade é, em outras palavras, a
construção de uma trajetória que sanciona o discurso e o torna válido, a busca pelo poder de
falar aquilo que deverá aceito.

Mas, a depender do ponto de partida e das fontes selecionadas, é comum encontrarmos


várias verdades ou, em outros termos, muitas contradições. A esse respeito, Arendt pondera
que é no exercício da opinião e da interpretação que as contradições são trabalhadas – mas
não anuladas – e a verdade encontra legitimidade. Nesse sentido, a interpretação e a opinião
se constituem como uma forma de reorganização dos fatos segundo um entendimento
específico. (SILVA, 2012).
19
O Demonstrativo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) Federal, fornecido pela Secretaria do
Tesouro Nacional (STN), apresenta dados sobre o crescimento dos investimentos públicos em educação entre os
anos de 2000 e 2012. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/estatisticas-gastoseducacao-mde-
demo_mde_federal. Acesso em: 24 jan. 2014.
Em relação aos feitos do atual governo, em entrevista recente ao “Café com a Presidenta”, programa de rádio da
Presidência da República, Dilma Rousseff afirmou que o governo federal já entregou aproximadamente 1.300
creches e que outras 3.100 estão em construção. As escolas públicas em tempo integral devem chegar a 60 mil
ainda esse ano, mais de 17 mil ônibus transportam crianças, adolescente e jovens até suas escolas e 300 mil
professores alfabetizadores estão matriculados em cursos de formação. Disponível em:
http://www2.planalto.gov.br/imprensa/cafe-com-a-presidenta/document.2014-01-06.1916606064. Acesso em: 24
jan. 2014.
69

Essa atitude de retomar o Diário de Classe é resultado de debates e


articulações com algumas pessoas que, assim como eu, desejam uma boa
educação e derrubar as máscaras e fantasias da diferença entre o que se diz e
o que realmente é. É a hora de colocar as cartas na mesa e ver essa
instituição escolar além dos portões e muros. (D5, 4 de junho de 2013).

De tal modo, podemos considerar que o retrato feito pelos diários sobre suas escolas é
potencialmente replicado na busca por um retrato da realidade da escola e da educação
pública brasileira e a razão de ser de comunidades como estas encontra respaldo na distância
que há entre a compreensão delas a respeito de como suas escolas deveriam ser e como, de
fato, são. “A realidade, porém, é que nos acostumamos a viver em dois planos, o real com
suas particularidades e originalidades e o oficial com seus reconhecimentos convencionais de
padrões inexistentes. Continuamos a ser, com a autonomia, a nação de dupla personalidade, a
oficial e a real”. (TEIXEIRA, 2000, p.18).

3.3 A ESTRATÉGIA DOS DIÁRIOS DE CLASSE VIRTUAIS: O


RECONHECIMENTO E USO DO CIBERESPAÇO COMO MEIO DE
VISIBILIDADE
Toda ação de protesto e reivindicação requer visibilidade, seja para ratificar suas
motivações de resistência a uma ordem pré-estabelecida, seja para convencer outros atores a
apoiar e aderir à causa. (MARQUES; NOGUEIRA, 2012). Os Diários de Classe Virtuais
foram vistos pela imprensa como donos de uma iniciativa inovadora e ousada para a faixa
etária de seus criadores, despertaram curiosidade nas pessoas a ponto de se tornarem notícia
em jornais locais e em rede nacional. Todos eles em algum momento flertaram com a mídia
tradicional e através desse link se comunicaram ainda com o público que não está ou não
estava nas redes sociais. Esse outro formato de interação também contribuiu para projeção dos
Diários de Classe.

A exemplo disso, destacamos a experiência do D1. Devido ao protagonismo da página


– reconhecido como o primeiro diário de classe que surgiu no Facebook – Isadora Faber
recebeu uma forte atenção da imprensa. Participou de programas de televisão, sites de
notícias, palestras, conferências, foi tema de artigos de opinião em blogs e jornais e
consequentemente a visibilidade do primeiro Diário de Classe foi muito maior, se comparado
aos demais. Com isso, as postagens, que inicialmente diziam respeito apenas à escola
municipal na qual estuda, passaram a ser mais abrangentes. A adolescente foi estimulada,
tanto pelos frequentadores de seu diário como pela imprensa, a se posicionar sobre os
70

problemas educacionais em nível nacional ou mesmo se aventurar a comentar eventos e


acontecimentos diversos. O mesmo aconteceu com os demais diários em momentos distintos.

Mas é importante ressaltar que foi o ciberespaço o meio escolhido por eles para
alcançar visibilidade. A atenção que despertaram em outros canais de comunicação se deu por
causa do impacto que a criação dessas comunidades provocou na rede social. Foram muitos os
internautas que em pouco tempo reconheceram a capacidade desses adolescentes de falar com
propriedade a respeito de seu cotidiano escolar e passaram a segui-los virtualmente, somando,
em uma única rede social, mais de 634 mil pessoas interessadas em acompanhá-los.

As postagens acabam por revelar, nesse âmbito, um jogo de interesses particulares e


coletivos que permeia suas ações e que se aprofunda de acordo com o envolvimento desses
atores com esse universo de encantamento/contestação/manifestação em rede. Dessa forma, à
medida que os assuntos abordados tornavam-se mais complexos ou que os temas da ordem do
dia chamavam mais atenção ganhavam espaço nas páginas dos diários, mesmo que não
tivessem uma relação direta com a escola pública ou a educação em seu sentido mais amplo.
Assuntos como política, eleições, gestão pública, corrupção, desigualdade social e violência,
embora não tivessem superado as questões ligadas ao cotidiano escolar, foram recorrentes nos
diários.

Se considerarmos que a alimentação de conteúdos na internet tem um formato próprio


que privilegia o dinamismo das postagens, a interação e a novidade da notícia, verificaremos
que os diários que aderiram a essa fórmula se mantiveram mais ativos. Ao mesmo tempo em
que essa abrangência própria dos processos em rede pode ampliar as perspectivas de uso e
atuação na internet, são muitos os que entendem essa condição como a caracterização de um
modo de ser dispersivo e pulverizado próprio dessa geração, que imersa em um número sem
fim de informações aborda muitas temáticas, mas em nada aprofundam.

Bauman, a respeito da leitura que a geração Y, ao seu ver, faz do mundo


contemporâneo, além de considerar que as tecnologias digitais impactaram negativamente nas
relações interpessoais, afirma que “tudo o que nos é fácil, constante e fartamente acessível
tende a ser óbvio demais para ser notado, quanto mais para nos fazer pensar”. (2011, p.60).
Nicolaci-da-Costa (2005) não só discorda da análise de Bauman, como apresenta ponderações
sobre algumas consequências negativas de sua visão.

Na compreensão da autora, pesquisas recentes contradizem análises como as de


Bauman, ao mostrarem que as tecnologias contemporâneas mais diversificam as
71

possibilidades de interação interpessoal, presencial ou a distância, do que as esvaziam, porém


a assimilação desses dados esbarra na notoriedade alcançada pelo pensamento do sociólogo.
Para ela, a visão do autor ainda é presa àquele momento inicial no qual a internet se difundia
sob intensa desconfiança, além de apresentar incoerências conceituais e metodológicas,
quando busca caracterizar as sociabilidades próprias de uma época a partir de características
praticamente exclusivas de outra.

No entanto, quando buscamos mapear ou discutir esse aprofundamento por parte dos
jovens, seja na autoria dos posts ou na interação com as publicações feitas por outros, não
podemos desconectá-los de um território de interação coletiva própria do ciberespaço. Tal
contexto atribui sentido às formas contemporâneas de reivindicação, sociabilidades e
comunicação.

A conclusão equivocada de que a presença no ciberespaço tem necessariamente um


caráter breve, passageiro ou superficial faz mais sentido quando enveredamos pela concepção
de oposição entre real e virtual, como se fossem dois mundos distintos e realidades sociais
desvinculadas. Porém, se constatamos a complexa interconexão presente entre esses espaços
veremos também que os sujeitos sociais que neles transitam utilizam-nos sem a necessidade
de separá-los em caixas identificadas com divisórias que os limitem.

Na contemporaneidade, tanto ações e aspirações possibilitadas pela internet quanto


àquelas que ocorrem fora dela são dados sociais, culturais e históricos que muito dizem sobre
as juventudes desse tempo. (LEVY, 1999; 2012). Portanto, uma discussão ou reivindicação
iniciada na internet não precisa ser encerrada ou mesmo aprofundada lá, e vice-versa, afinal a
riqueza do debate e da ação contestatória está, entre outras coisas, na ampliação dos espaços
de participação e ocupação.

Ao levarem à internet insatisfações e anseios e ao utilizá-la como um espaço


estratégico para reverberar pensamentos e opiniões, as juventudes assim fazem por saberem
da sua capacidade de interconexão e alcance. Porém, agem com a “naturalidade” de uma
geração que tem seu desenvolvimento marcado por avanços tecnológicos que para a geração
que a antecedeu não passavam de ficção científica. É certo, também, que se mostram capazes
de interagir com ideologias e referências anteriores à própria internet, pois esse conjunto
relacional complexo é próprio de seu momento histórico.
72

3.3.1 A ocupação do cibespaço como espaço (público) de ação e de expressão do novo


Os protestos que começaram na Tunísia em 2010 e se alastraram pelo Oriente Médio e
pelo Norte da África, reconhecidos mundialmente como a “Primavera Árabe”, o Occupy Wall
Street em 2011 nos Estados Unidos, e as inúmeras manifestações que eclodiram no Brasil
entre junho e setembro de 2013, resguardadas as particularidades e contextos de cada um
desses movimentos, são significativos exemplos de que a Internet pode ser desde uma brecha
dentro de um regime ditatorial até mais um “lugar” a ser ocupado do ponto de vista
instrumental – no uso de seus recursos para marcar ajuntamentos, divulgar eventos e
organizar tarefas – e do ponto de vista experiencial, como território coletivo de expressão e
mobilização.

São acontecimentos relevantes para uma nova organização mundial que não pode se
furtar ao poder resultante da democratização do acesso à internet, que de partida pluraliza
discussões e expande o alcance das mesmas. Ao se articularem, por exemplo, com o conjunto
de manifestações sociais que aconteceram no Brasil, os Diários de Classe Virtuais revelaram
ser conscientes dessa nova dinâmica social. Durante esse período, alguns dos diários se
dedicaram a reforçar a participação prioritária dos adolescentes e jovens nos protestos, ao
mesmo tempo em que se esforçaram para situar a educação e a precariedade da escola pública
dentro da ampla pauta de reivindicação.

E diante dos constantes questionamentos e desconfianças direcionados às juventudes e


suas ações efetivas, refletiram sobre o papel da Internet naquele cenário e a importância de
suas contribuições por meio dela:

Figura 11: convocação do D2 para as manifestações brasileiras de 2013

Fonte: www.facebook.com
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Figuras 12 e 13: Postagens do D3 sobre as manifestações de 2013

Fonte: www.facebook.com

Todos os diários enxergam a si mesmos como importantes canais de transformação e


entendem ser possível mudar o cenário a partir do envolvimento de todos. Na compreensão
deles, os problemas precisam ser percebidos pela sociedade, precisam vir à tona por meio de
uma fiscalização contínua evidenciada também no ciberespaço, por isso se apresentam como
veículos para esse fim.

Hoje podemos ter uma certeza, a pressão nos políticos funciona. Quando
comecei o Diário e começou a repercussão, logo a prefeitura veio e reformou
a escola, vários outros Diários também tiverem seus resultados. Bastou uma
semana de manifestações e já ocorreram mudanças, baixou as passagens,
votaram contra PEC 37, estão votando mais recursos para educação e saúde.
74

Os políticos estão todos falando de pactos[...]. Funcionou ou não funcionou a


pressão popular? São vitórias do povo que saiu em manifestações, mostrando
todos seus descontentamentos, um tapa na cara de todos que diziam que os
movimentos não tinham lideranças, não tinham objetivo e não dariam em
nada. Já reparou como mudou a timeline do seu Facebook? Todo mundo
falando em política, se interessando pela situação atual do Brasil, todo
mundo mais ligado no que está acontecendo. Tudo isso também serviu para
provar de vez a força das redes sociais. Essa frase a seguir não é minha, mas
acredito que representa bem o momento. “É uma ilusão achar que o povo
esta dormindo, ele esta no computador, esta na rede, esta em permanente
mobilização. A praça hoje é virtual, é on-line e é permanente”. Senador
Cristovam Buarque. (D1, 26 de junho de 2013).

O envolvimento evocado nas páginas abrange seus administradores e o público que


com elas interage. Vai desde o desenrolar de ações exclusivas do âmbito da internet – como
acessar as páginas frequentemente, divulgar seus conteúdos por meio dos recursos da própria
rede social: "curtir", "compartilhar", "comentar" ou "linkar" seus conteúdos com outros sites –
até participar nas ruas, escolas ou em qualquer outro ponto geográfico de manifestações,
consultas públicas, protestos e eventos que tenham sido divulgados e organizados nas redes. É
um novo formato de organização juvenil que se amplia com a ocupação do ciberespaço e suas
tecnologias.

Castells (2009) observa que as transformações que ocorreram no âmbito da


comunicação também alteraram a política, o fazer político. Isso não significa dizer que os
meios de comunicação passaram a ser estratégicos apenas na contemporaneidade, mas a
relação/uso destes com a construção do poder por meio da homogeneização da opinião
pública foi significativamente alterada quando a Internet e todo o maquinário (computadores,
smartphones, tablets) que auxiliou na sua expansão permitiu o surgimento de novos espaços
de comunicação. Esses ambientes pluralizam e horizontalizam a comunicação. Com isso, em
maior ou menor grau, as massas encontram brechas para também participarem desse jogo.

Ao se conscientizarem de que as peças do jogo podem ser organizadas de diversas


formas nesse novo tabuleiro, as juventudes fazem uso da internet para promover discussões e
se posicionarem publicamente. Quando os responsáveis pelos diários assim procedem,
convidam para esse debate a sociedade em geral e suas muitas instituições, estudantes de
outras escolas e a própria escola. As novas práticas decorrentes dessas transformações muitas
vezes se mostram desvinculadas de uma compreensão de política institucionalizada pela
organização do Estado. São outras regras, novas maneiras de jogar a sociedade, como vemos
em Simmel (2006). São insatisfações que não cabem, muitas vezes, nem no tempo e nem nos
programas dos partidos políticos ou dos movimentos sociais clássicos.
75

Há um claro empenho, portanto, por parte desses adolescentes e jovens em conquistar


o âmbito público. Buscam ter o direito ao exercício da atividade política em seu sentido mais
abrangente, quando este lhes garante a voz, a participação igualitária nas decisões de cunho
coletivo. Essa afirmação, porém, implica em algumas considerações.

Quando distingue o espaço público do espaço privado, Hannah Arendt (2008) situa
tudo o que é ligado às necessidades biológicas vitais do ser humano – inclusive o esforço
desempenhado pelo homem para o atendimento e manutenção da vida ou mesmo para
produzir artefatos – como sendo próprio da esfera privada, ou seja, uma esfera mediada pela
sobrevivência e regida por imperativos e interesses particulares.

Ao propor a separação dessas esferas, a pensadora não promove uma hierarquização


entre elas, pois são igualmente importantes para a constituição do ser. Mas é apenas no espaço
público que Arendt compreende ser possível discutir, refletir e contribuir sobre o que pertence
ao coletivo, ao que é comum a todos os homens e ainda afirmar a singularidade de cada
indivíduo. Ao espaço público cabe a liberdade, por meio do agir e do falar (ação e discurso),
pontos altos da humanidade: “A acção é uma actividade comunicacional mediada pela
linguagem da pluralidade de opiniões no confronto político e efectivada através da retórica”.
(ANTUNES, 2004, p.2).

No contexto de movimentos ou iniciativas como as dos Diários de Classe Virtuais


destacamos especialmente a ação, na concepção arendtiana, como importante elemento para a
leitura desses fenômenos, por ser a ação essencialmente política e plural, além de ser
efetivamente possível apenas entre homens.

Assim compreendido, é na intersubjetividade do mundo humano, na livre expressão


das opiniões e no exercício da persuasão em uma arena de sociabilidades públicas, que os
homens aperfeiçoam tanto a si mesmos como ao espaço público: "O mundo no qual transcorre
a vita activa consiste em coisas produzidas pelas atividades humanas; mas, constantemente, as
coisas que devem sua existência exclusivamente aos homens também condicionam os seus
autores humanos". (ARENDT, 2008, p. 17).

Você sente orgulho do seu país? Não. Pois, como eu vou ter orgulho de um
país que dá mais valor a festas do que as coisas públicas? Um país onde a
política não é feita com cunho ao bem da população, mas sim pensado com
intenções particulares, tradicionais da nossa marca, [...] onde as pessoas só
querem tirar vantagem em tudo. Onde temos como presidente do senado
uma pessoa condenada, e a mesma faz parte de um conselho de ética. Eu me
pergunto meus caros, como uma pessoa como essa tem ética? Além desse,
temos muitos condenados sentados nos locais onde deveriam estar pessoas
76

dedicadas ao bem COLETIVO, que lutassem pelo POVO, junto com o povo
e para o povo. Um país onde as escolas públicas encontram-se sucateadas,
velhas e atrasadas no tempo. Onde os professores não são valorizados e os
custos para a educação são visualizados como gastos, quando não se é
utilizado para superfaturamentos e desvios. Hoje, e não só hoje, as pessoas
saem da escola sem realmente aprender. A escola hoje é vista como uma
fábrica de pessoas alienadas [...] Eu vejo que é mais importante coisas
públicas boas ao invés de estádios de futebol.
Eu teria orgulho de um país onde o povo acordasse para a vida e fosse menos
comodista, que soubesse votar corretamente ao invés de venderem seu voto.
Um país onde a educação, saúde, transporte público entre outras coisas
públicas fossem de qualidade. Um país onde a justiça fosse para todos e que
no julgamento o poder aquisitivo fosse ignorado totalmente. Tudo o que
estamos colhendo e sofrendo hoje é consequência do nosso voto e de nossa
irresponsabilidade quando ignoramos as discussões e o afinco às coisas
públicas para termos tempo de ir ver a novela ou assistir o futebol. Nosso
país pode ser bom, basta esquecermos a estupidez humana e agir com união,
como diria os Anonymous, unidos por um e divididos por zero.
Vamos nos unir e nos tornar a Geração Coca-Cola que o Legião Urbana
cantava, parar essa Roda-Viva que Chico Buarque cantou. Nós podemos se
pensarmos no coletivo. Tudo pode ser diferente se você pensar e agir
diferente. (D5, 13 de fevereiro de 2013).

É por meio do agir coletivo que a sociedade é recriada, inovada, revista. Em


decorrência desse entendimento, é possível interpretar que ao criarem os Diários de Classe, os
adolescentes e jovens estão em pleno exercício da ação, sobretudo ao expressarem um desejo
do que está ausente. Ao lutarem por soluções efetivas e transformadoras se reconhecem e se
colocam como ativos sujeitos de direitos, responsabilizam autoridades públicas e aprimoram
seus argumentos no intuito de agrupar novos agentes.

Há uma confluência de interesses pela ação política. Desse modo, é possível afirmar
que a indignação, o questionamento da realidade e o compromisso de melhorá-la os movem.
Para Mendonça (2007), em consonância com Arendt, quando iniciativas como essas irrompem
na vida social elas introduzem algo novo, sugerem novos quadros de interpretação da
realidade e acabam por promover reflexões tanto sobre o passado como sobre o futuro.

Como é possível observar, o elemento ‘novidade’ compõe de maneira contundente


esse viés interpretativo e se faz presente tanto no espaço ocupado pelos diários de classe – o
ciberespaço – como na reinvenção dos métodos de reivindicação pelas novas gerações.

Cada vez mais assimilado pelas juventudes, o ciberespaço, como discutimos


anteriormente, mais do que ampliou a noção tradicional de espaço e seus limites. No presente,
ele acrescenta um novo conjunto de percursos, representa trilhas alternativas e fluidas que
multiplicam as formas de ser e estar na contemporaneidade. (ALCANTARA Jr., 2005).
77

À medida que adolescentes e jovens navegam, redimensionam, para além das relações
e posições sociais hierárquicas, questões culturais, econômicas, sociais e políticas. É devido,
sobretudo, ao caráter livre, colaborativo, interconectado e não-proprietário da internet – que
pauta, dentre outros fatores, as subjetividades e as sociabilidades contemporâneas – que
experiências ciberativistas, como são os Diários de Classe Virtuais, se tornam possíveis.
(SEGURADO et al., 2013; SIBÍLIA, 2012a).

Muitos são os que despolitizam o ciberativismo a partir de um anacronismo histórico e


social fundamentado em experiências de reivindicação e protesto que, em muitos elementos,
não condizem com as atuais. Mais do que lançar um juízo de valor a respeito de quais práticas
são mais efetivas, há que se despertar para a multiplicidade de canais e discursos
possibilitados, além do importante amadurecimento individual e coletivo dos sujeitos
envolvidos.

Atores críticos podem revelar novos mundos sociais e formas de interação ao


buscarem desestabilizar elementos das redes tácitas de significação que os
cercam. [...] Se os códigos culturais naturalizam construções sociais,
movimentos podem desconstruí-las, criando um contexto em que novos
valores e práticas sejam vistos como possíveis. (MENDONÇA, 2007,
p.127).

Em muitos casos, até mais importante que os resultados em si, são os acontecimentos
que se tornam possíveis a partir desse novo desenho sócio-espacial. Seja delimitado
fisicamente ou virtualmente, o espaço público vivenciado coletivamente e ocupado
ativamente é o único palco que possibilita a transformação. Contudo, é de uma negligência
contextual sem medida subestimar o poder da ação no ciberespaço e de práticas integradas
que passam por ele, principalmente quando são encabeçadas pelas juventudes.

Esse cenário que favorece experiências como a dos Diários de Classe Virtuais coloca
as juventudes envolvidas em condição de protagonismo, uma vez que oportuniza a elas cada
vez mais condições para o exercício espontâneo da cidadania e consequente participação
política, mesmo que esses conceitos, ao menos teoricamente, estejam em construção durante
essa fase da vida e exijam certo grau de vivência para sua compreensão. O fato de aspirarem
esse lugar e iniciarem a busca não torna esses sujeitos plenamente capazes e conscientes.
Esperar que o simples fato de estar na rede e em rede torne adolescentes e jovens conectados
cidadãos prontos, conscientes de si e dos outros, capazes de viver em sociedade e de se
posicionarem de maneira consistente é minimizar, senão desprezar e empobrecer a complexa
teia de relações que os tornam seres sociais condicionados e condicionantes.
78

Mas, na prática, tal engajamento e os resultados decorrentes destas experiências


revelam que eles têm condições de se apropriarem desses conceitos e, diante do
aprofundamento e da complexidade das questões colocadas, desenvolverem a capacidade de
aperfeiçoá-los. Porém, essa deve ser uma costura com outros espaços e com muitos outros
agentes.

As novas gerações evidenciam, para Hannah Arendt (2008), a constante possibilidade


do inédito, do novo. Ao revisitar a concepção de natalidade em Santo Agostinho, a autora
confere a esse princípio um caráter diferente do biológico. O nascimento é, para ela, a
capacidade reinventiva da própria condição humana, a garantia da pluralidade, pois mesmo
sendo todos caracterizados por essa condição, nenhum sujeito foi, é ou será igual a outro.
Cada um é único, singular. Ao se inserir no mundo, conviver e negociar com os diferentes, o
ser humano experimenta de um segundo nascimento, o político. “É com palavras e atos que
nos inserimos no mundo humano; e esta inserção é como um segundo nascimento, no qual
confirmamos e assumimos o fato original e singular do nosso aparecimento físico original”.
(p.189).

O homem se revela aos seus pares por meio do agir e do falar, comunica a si próprio
superando as diferenças e necessidades explicitamente físicas. Para Arendt, ao garantir no
espaço público o surgimento e a permanência de corpos políticos, a ação revela-se
intimamente ligada à condição humana da natalidade, que se consolida como sua base, pois
segundo a autora, os homens não lograriam êxito em seus processos de compreensão de si
mesmo e do outro se não fossem iguais. Ao mesmo tempo em que não necessitariam da ação
e do discurso para dialogarem se não fossem diferentes um do outro. Há uma capacidade
inaugural e imprevisível no agir e ela é fruto do permanente milagre do nascimento de novos
e singulares indivíduos.

O novo sempre acontece à revelia da esmagadora força das leis estatísticas e


de sua probabilidade que, para fins práticos e cotidianos, equivale à certeza;
assim, o novo sempre surge sob o disfarce do milagre. O fato de que o
homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que
ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isto, por sua vez, só é
possível porque cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento,
vem ao mundo algo singularmente novo. Desse alguém que é singular, pode-
se dizer, com certeza, que antes dele não havia ninguém. (ARENDT, 2008,
p.191).

O agir político só é possível se considerados esses dois elementos intrínsecos à


natalidade: a igualdade e a singularidade. Portanto, para a autora, se o novo é efetivado pela
79

ação, no ato de iniciar, a pluralidade é efetivada no discurso, quando este permite ao homem
distinguir-se dos demais, entre os demais. Essa associação política que se dá entre homens
constitui-se, portanto, no poder de transformar a realidade. “O poder só é efetivado enquanto a
palavra e o ato não se divorciam” (ARENDT, 2008, p.212).

Ter a ousadia de abrir-se ao novo é uma característica presente nas juventudes, de


maneira geral. E, se aproximamos um pouco mais a lupa da análise, podemos reconhecê-la
explicitamente no agir de adolescentes e jovens em experiências de contestação possibilitadas
pela web. Motivados por uma causa comum, sujeitos diferentes tornam-se parceiros em
condição de igualdade e criam um espaço de compreensão. Cada vez que criam um diário de
classe virtual, se organizam e se manifestam publicamente dentro e fora do ciberespaço, agem
em um contexto de interação pública e nascem politicamente.

Não acredito que vcs estão satisfeitos com isso, não podem se conformar, se
forem esperar alguém fazer algo, esperem sentados. A hora é agora, curtam,
compartilhem essa pagina. A escola é pública, de todos, é de vc, minha, do
seu filho... Apoiem essa página, por favor, afinal, é pra todos. (D6, 12 de
setembro de 2012).

A continuidade da ação política se dá por meio dos novos e constantes nascimentos,


que aperfeiçoam e garantem a constante revisão do espaço coletivo. “A ação seria um luxo
desnecessário, uma caprichosa interferência com as leis gerais do comportamento, se os
homens não passassem de repetições interminavelmente reproduzíveis do mesmo modelo,
todas dotadas da mesma natureza e essência”. (ARENDT, 2008, p.16). Portanto, a natalidade
é a garantia de revisão do mundo. Em cada novo ser há mudança em potencial, há novidade
de vida, há o começo de uma nova história. Tal pressuposto se apresenta como uma maneira
de mudar as coisas, construir uma nova ordem política e social, um outro jeito de fazer
educação, de fazer surgir novas formas de sociabilidade, de viver na contemporaneidade e de
redescrever nossa subjetividade: “nascer significa lançar-se em uma série de ações que são
capazes de transformar o mundo”. (OLIVEIRA, 2011, p.83).

A Internet e as RSIs os empoderam quando lhes permitem ocupar lugares de fala.


Nota-se que, dificilmente aos 13, 14, 20 anos um adolescente ou jovem teria nos canais de
comunicação tradicionais a abertura e o espaço de expressão para questionar a condição da
sua escola. E se toda a abertura explicitada promovida pelos meios de comunicação
contemporâneos for identificada como maior liberdade de expressão e manifestação, esse
cenário tende a estimular cada vez mais a reflexão sobre que escola as juventudes querem
frequentar e passar grande parte do seu dia.
80

A maturidade do jovem em relação à rede, porém, não se dá de forma automática e


não nasce apenas da autonomia, ela é sem dúvida um elemento. No processo de observação
dos Diários de Classe Virtuais explicitou-se que esse é um processo de aprendizado e
conscientização que envolve outros atores, como os pais, a própria escola, os professores.
Quando esses sujeitos se furtam ao papel formador tornam permanente o risco à liberdade de
expressão, à atuação e às responsabilidades sobre o que é dito, veiculado, criado ou
transformado.

3.3.2 O sufocamento da natalidade impresso na incompreensão e na ausência do adulto


responsável
Começamos essa pesquisa refletindo sobre o poder transformador do tempo sobre a
História. Naquele momento, destacamos quão significativo fora o papel da técnica nos
acontecimentos do século XX e desenvolvemos um diálogo sobre o acirramento dessas
experiências ao longo de toda a pesquisa.

É pertinente, portanto, no momento em que tratamos dos conflitos instalados com a


criação dos Diários de Classe a partir da colocação pública de suas reivindicações,
compartilhar da visão de Hans Jonas (2006) quando este observa que há uma falência dos
imperativos éticos tradicionais, que passam a ser instrumentos deslocados e insuficientes para
guiar nossos olhares e reflexões a respeito dos possíveis resultados negativos ou dos desafios
que os novos tempos trazem, sobretudo, tempos profundamente demarcados pela relação do
homem com a tecnologia. De acordo com o autor, transformações ocorridas nas nossas
capacidades promoveram mudanças no agir humano.

Comunicar-se por meio da internet é uma realidade crescente não só para as


juventudes. Mas, como pudemos observar, elas reinventam constantemente os caminhos de
expressão inclusive na própria internet e fazem até mesmo de redes sociais, muito mais
voltadas ao entretenimento, lugar de indignação e protesto. Nesse universo, a matéria bruta
dos estudantes é a opinião, que alcança uma dimensão maior cada vez que é compartilhada. A
partir dessa tendência comunicativa, muitos elementos se alteraram a ponto de não guardar
muitas semelhanças com práticas anteriores à existência da rede mundial de computadores: a
forma de escrever, o formato do texto, o espaço para opinar, o acesso à informação, a
repercussão desse material, quem fala.

Outra brusca mudança desses tempos diz respeito à potencialização do alcance de


81

nossas ações na rede, como já dito, em escala é planetária. Onde houver um computador ou
dispositivo conectado à internet, aquele conteúdo poderá chegar e ainda que seja deletado
pelo sujeito que o emitiu, ele não necessariamente será excluído da rede de forma automática,
pois os mecanismos de fluxo de informação na internet estabelecem conexões que podem até
desvincular esse conteúdo do poder de decisão de seu autor sobre ele. Esses são apenas alguns
exemplos atingidos pelas transformações resultantes da era digital que romperam com
elementos tradicionalmente enraizados no olhar lançado pelo adulto.

São novas dimensões do agir, que consequentemente alteram também a concepção de


ética e responsabilidade dessa civilização. Ao se colocarem por meio dos Diários de Classe
Virtuais realizam a ocupação legítima de um lugar de expressão, mas vivenciam situações de
conflito nem sempre fáceis ou possíveis de serem contornadas sem o exercício da autoridade
por parte do adulto.

Os trechos destacados abaixo mostram que o conteúdo dos diários muitas vezes
carrega uma certa agressividade. Contudo, reafirmam também a determinação desses jovens
ao mostrarem que suas cobranças não são infundadas. Eles responsabilizam professores por
faltas não justificadas e por aulas que pareciam não ter passado por planejamento adequado,
confrontam a direção das escolas e seus funcionários exigindo explicações e ações efetivas,
criticam os colegas de classe que danificavam o patrimônio da escola e os pais ausentes do
cotidiano escolar por não cumprirem sua parte nesse processo.

Como vocês podem ver, falar a verdade incomoda muita gente, as agressões
foram primeiro com palavras e agora estão partindo para as agressões físicas.
Gostaria de saber muito qual a posição da direção da escola agora, se vai
continuar protegendo quem pegou dinheiro e não fez o serviço e se agora vai
a escola me ameaçar ou vai tomar as medidas mínimas e prestar queixa
contra quem prejudicou a escola. Acho que já passou da hora da direção
fazer alguma coisa. [...] As coisas estão chegando nos limites e agora quero
saber da diretora como vai ser e este espaço está à disposição dela para
explicar, ninguém pode dizer que não dou chance de resposta. Diretora, não
deixe todos esperando mais, queremos saber sua posição oficial. (D1, em 6
de novembro de 2012)

Olha eu só espero que os professores parem de faltar, e que quando os


supervisores pedirem para nós alunos ficarmos dentro das salas quando o
professor falta (porque é deixada tarefas) fiquem dentro da sala também. E
também espero essa direção de agora não seja pulso firme apenas no
começo, não estou criticando, só estou pedindo que se doem para a escola.
[...] os alunos merecem professores dentro da sala de aula. Se o governo não
ajuda, vamos parar de só reclamar e nos agilizar. O que acham?? (D2, em 25
de março de 2012)
82

[...] Lembram que postei aqui para vocês que jogaram uma bomba em minha
casa, pois então, não se contentaram e jogaram uma no colégio (não se sabe
se foram as mesmas pessoas ) só que desta vez, o caso foi mais sério, pq não
foi apenas algumas telhas que caíram, dessa vez um incêndio se fez presente
e vários livros, viraram cinza! O fato ocorrido é grave sim, e mostra que a
intolerância, desrespeito, falta de ética e bom senso é explicita. (D3, em 26
de dezembro de 2012).

Em contrapartida, é muito comum que esses adolescentes e jovens que expressam suas
opiniões na internet sejam acusados por adultos de não saberem exatamente o que estão
fazendo. As críticas a respeito do conteúdo veiculado, na maioria dos casos, desqualificam
suas ações por apontá-los como superficiais, irresponsáveis e imaturos.

O impasse que se instala entre as juventudes e os adultos geralmente é motivado pela


abordagem preconceituosa, ou seja, pré-concebida de que determinados assuntos não são
permitidos a quem ainda encontra-se em formação. Porém, quando agem assim, em lugar de
conduzi-los para a compreensão adequada do seu papel na transformação do seu mundo, os
adultos se negam à responsabilidade de orientá-los pelos caminhos que desconhecem e os
cerceiam em pleno exercício da descoberta do novo.

Há, portanto, um processo de sufocamento da natalidade e de omissão da autoridade


do responsável, como destaca Hannah Arendt (1997). Pois, se considerarmos que crianças,
adolescentes e jovens estão em pleno processo de exploração de um mundo ainda
desconhecido, compreenderemos que, nesse caso, pais e responsáveis, professores e gestores
das escolas deveriam mediar essa transição de esferas: da privada – seu universo particular
amparado sobretudo nas relações familiares e no cotidiano escolar – à pública – a arena
coletiva, a ser compartilhada de maneira livre com seus semelhantes. “Quem se recusa a
assumir a responsabilidade do mundo não deveria ter filhos nem lhe deveria ser permitido
participar na sua educação. No caso da educação, a responsabilidade pelo mundo toma a
forma da autoridade”. (ARENDT, 1997, p. 43).

Esse contexto impõe uma reflexão pertinente a respeito de conflitos geracionais


contemporâneos, pois o adulto pode não ter o domínio ou o trânsito facilitado entre as muitas
tecnologias, diferentemente dos estudantes que compõem as gerações interativas, mas é de
sua responsabilidade e próprio de seu papel o esclarecimento de conceitos essenciais à vida
humana em coletividade. Ao buscarem uma escola adequada aos seus anseios e expectativas,
os estudantes querem que os responsáveis exerçam de maneira competente seus papéis.

E vcs, sabem como vai a escola dos seus filhos? Sabe se esta faltando
professor? Sabe o que ele comeu hj? Sabe o que ele aprendeu hj? O que ele
83

faz quando não tá na escola, você sabe? Podemos começar assim, não é tão
difícil... os estudantes tb tem que falar, são os maiores interessados, não
podem ficar quietos. Muitos me dizem que é sonho, que sou criança e não
sei das coisas, que não é bem assim... não me importo, gosto de sonhar.
Saber que tem milhares de curtidores inconformados com a educação no
Brasil me motiva a continuar, mas agora não só pela minha escola, mas por
todas escolas do Brasil. (D1, 01 de outubro de 2012).

As novas sociabilidades e práticas juvenis sugerem a necessidade de retomar a


autoridade dos adultos e recriar suas responsabilidades, de forma que suas atitudes não
expressem a violência do autoritarismo, o despreparo ou a fuga de diálogos que se fazem cada
vez mais necessários. O autoritarismo coíbe o nascimento político das juventudes, enquanto a
autoridade do responsável preserva-lhes o direito à novidade e à experimentação.

O caminho não deve ser o desqualificar a fala do jovem por ser ele um sujeito em
formação, mas sim compreender a necessidade da participação de todos os sujeitos que se
relacionam com eles, em maior ou menor grau, na construção de uma experiência consciente
e responsável dentro e fora do ciberespaço. No caso de todos os Diários de Classe observados
durante a pesquisa, apenas os D1 e D3 assumem o acompanhamento permanente da atuação
deles na internet pelos pais, mas nos demais não há menção sobre a participação destes,
embora todos eles expressem concordância com a participação dos pais na vida escolar dos
filhos.

A Isadora surpreendeu a todos há pouco tempo, surpreendeu a escola, a


Secretaria de Educação, ao Brasil e por que não dizer o mundo. Mas
ninguém se surpreendeu mais do que nós, pais, irmãos e parentes de Isadora.
Não sabemos ao certo em que momento aconteceu essa transformação,
poucos dias atrás brincava como qualquer outra criança aqui do Santinho,
insatisfeita com a escola, criou sua fan page. Desde o início ela foi orientada
e prevenida das consequências de suas postagens. Fiz ela se comprometer
sempre com a verdade e a razão. Confesso que nunca me passou pela cabeça
que a coisa fosse chegar onde chegou. Dito isso, ela entendeu e seguiu em
frente, não seríamos nós pais que iríamos restringir a liberdade de expressão
da própria filha. (D1 compartilhou o status de sua mãe em 25 de setembro de
2012).

A incoerência que reside no entendimento de que não é preciso observar o cotidiano


dos filhos na rede pelos pais como se fosse uma instância menos importante do que a vida
escolar se constitui em um risco para a formação desses jovens em todos os sentidos, pois o
ciberespaço assim como outros espaços sociais submetem crianças, jovens e adolescentes a
situações que necessitam de proteção, orientação, explicações, incentivos e outros tantos
desafios que devem ser monitorados também por seus responsáveis.
84

Para Santander (2010), enquanto os adultos continuarem a se surpreender frente à


criatividade das novas gerações diante das novas janelas que se abrem por desconhecerem as
possibilidades que estas têm, estaremos em problemas. De acordo com o autor, se essa
geração hoje navega sozinha é porque os capitães estão ausentes nessa viagem.

3.4 EM BUSCA DE UM ESPAÇO ESCOLAR QUE GARANTA


DIGNIDADE E RECONHECIMENTO
Se tivéssemos analisando Diários de classe virtuais dedicados ao cotidiano de algumas
renomadas instituições privadas e seus principais problemas, certamente os assuntos
abordados nos diários refletiriam outras necessidades. Assim seria também se nosso objeto de
estudo fosse as juventudes que, inseridas em um outro contexto social com acesso e condições
alternativas de aprendizagem, questionam a própria razão de ser da escola. Ou ainda, se
tivéssemos diante de uma amostragem de jovens que trocaram a escola pelo emprego por
vontade ou necessidade frente a uma instituição que não os acolhe, os resultados seriam
diferentes.

Tal como as juventudes, as demandas que as relacionam com o espaço escolar são
diversas. Porém, no que diz respeito aos Diários de Classe Virtuais selecionados para a
pesquisa, o assunto que motivou o surgimento deles, recebeu maior atenção e se concretizou
como mais recorrente em suas páginas foi a ausência de uma infraestrutura material nas
escolas públicas que eles julgassem adequada para o atendimento de seus estudantes e da
comunidade em geral.

Esse destaque requer uma observação: ao analisarmos uma construção discursiva


buscamos compreender o porquê dela, como ela funciona, que símbolos se encontram nas
“entrelinhas”, o que está subentendido. Para tanto, é importante correlacionar o objeto com
outros enunciados, perceber as intervenções, compreender seu funcionamento. (ORLANDI,
2000). Logo, ainda que esse seja um tema dado de forma explícita, é preciso problematizá-lo
para além do que está aparente. Isso quer dizer que o espaço escolar, nesse contexto,
denunciado pelos estudantes, enuncia alguns caminhos interpretativos que não se encerram no
seu estado de abandono.

Uma política de edificações adequadas já fazia parte das reformas implantadas por
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, nas décadas de 20 e 30 do início do século XX no
Brasil. Eles entendiam que os prédios escolares não deveriam ser vistos apenas como um
85

lugar onde se transmite conhecimentos. Antes, sua concepção, manutenção e uso deveriam
permitir aos estudantes outras formas de educação:

A crescente preocupação com expansão das escolas, presente nas reformas


de ensino elaboradas por esses educadores, demonstrava a necessidade de se
conferir a escola um lugar central no processo de intervenção na cidade e no
meio social, sendo possível, a partir de sua existência material, socializar
conhecimentos, valores e construir estratégias para alfabetizar as crianças,
alargando os sentidos da escola para além dos seus muros, tomando as ruas,
as praças e os estádios como forma de representar a imagem da escola que
estavam edificando. (CAMARA, 2002, p.2).

Muitos pensadores da educação têm a certeza de que para promovê-la é necessário “a


garantia de um ambiente com condições para que a aprendizagem possa ocorrer. É importante
proporcionar um ambiente físico que estimule e viabilize o aprendizado”. (SOARES NETO et
al., 2013, p.78). Essa visão corrobora com a concepção de uma escola que faça a diferença na
comunidade onde será inserida, ligando efetivamente a sala de aula ao espaço urbano ou rural
nos quais transcorrem as demais experiências dos estudantes, ou seja, uma escola que
proporcione uma aprendizagem realmente significativa.

Mas ao localizarmos a análise e os dados observados no âmbito das políticas públicas


voltadas para a Educação, encontraremos um gargalo recorrente na realidade brasileira: a
inexistência de um projeto de educação nacional de amplo alcance, fruto de um desejo e de
um trabalho coletivo. (TEIXEIRA, 1989). Essa lacuna repercute de muitas formas, dentre
elas, por meio do negligenciamento por parte dos agentes públicos que definem políticas de
educação sem reconhecer a importância das condições materiais da escola no conjunto de
ações que objetivam contribuir para melhores resultados a serem alcançados pelos
estudantes20. (BUCHMAN; HANNUM, 2001; SOARES NETO et al., 2013).

Cabe ressaltar aqui, porém, que as reformas das faixadas e a manutenção preventiva e
constante dos prédios escolares não são iniciativas garantidoras da religação da escola com o
desejo do aprendiz de nela estar. Se retomarmos a tendência de incompatibilidade das
instituições concebidas no seio das sociedades disciplinares com as formas contemporâneas,
veremos que o espaço arquitetônico da escola também serve ao seu intuito disciplinar. O
funcionalismo da estrutura e a clara distribuição de espaços na escola denotam uma projeção

20
De acordo com uma pesquisa recente que desenvolveu uma escala de infraestrutura escolar, contatou-se que
apenas 0,6% das escolas brasileiras têm infraestrutura próxima da ideal para o ensino, com biblioteca,
laboratórios, quadra de esportes e dependências adequadas para atender a estudantes com necessidades básicas.
Disponível em: http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/eae/arquivos/1786/1786.pdf. Acesso em: 25 out.
2013.
86

espacial voltada para o controle, assim como sua organização dentro desses limites: são salas
padronizadas, filas, horários rígidos, provas, normas e regras de conduta que reforçam a
hierarquia, a sujeição e a destinação de lugares. (FOUCAULT, 1987).

O espaço escolar não é passivo. “Todo o conjunto de prédios escolares, com sua
arquitetura [...] e o espaço territorial ocupado pela escola no tecido urbano não são neutros,
produzem discursos e sujeitos, formando e conformando”. (RAIMANN; RAIMANN, 2008,
p.13). Nele há intencionalidade, há nítida dimensão de controle. Apesar disso, há também uma
dimensão educativa, que se incorporada ao dia a dia das escolas e ao currículo pode amenizar
os conflitos e construir um caminho que repense a apropriação do espaço escolar pelo
estudante, de forma a resgatar o encantamento dele por esse universo ainda presente.

Nas postagens dos diários, o desgaste da relação dos adolescentes com suas escolas é
evidenciado, tal qual a desconfiança deles em relação aos responsáveis pelo descaso e pela
mudança. Todos mostram entender a precariedade de suas próprias escolas como uma
característica comum da escola pública, um estado generalizado, afinal, o surgimento de
novos diários que, em grande medida, denunciam ocorrências da mesma natureza e o
depoimento dos internautas que reconhecem nos lugares onde estudam ou já estudaram os
mesmos problemas, ratificam essa visão.

Infelizmente não só essa, mas muitas outras escolas estão do mesmo jeito e o
órgão responsável cola uma venda para que eles não possam enxergar o que
esta acontecendo. Caso aja algum incidente será que eles vão se
responsabilizar ou a venda continuará? Por vários anos o corpo docente da
escola luta contra essas irregularidades, o pior de tudo é que quer que o
nosso país seja desenvolvido desse jeito com as escolas assim prestes a cair
em nossas cabeças, meu DEUS. Se nós não reclamarmos, não protestarmos
fica do jeito que esta ate que aconteça uma tragédia. (D6, 13 de setembro de
2012).

Eu vejo uma coisa nos outros diários que entro e leio as publicações. Todos
têm escolas depredadas, mas a minha é uma das piores. E me dizem que a
escola ainda está boa. Um exemplo: nas outras escolas é um trinco ou outro
quebrado, na minha são todos os trincos quebrados... E vem me dizer que a
escola não está tão ruim? Por favor, todo mundo vê a situação, não somos
cegos. (D2, 01 de outubro de 2012).

Entre os problemas relatados pelos diários estão casos como fechaduras quebradas,
ambientes sujos, quadras de esporte abandonadas, carteiras em péssimas condições, até
situações graves como fios desencapados e expostos, pisos rachados, reformas interrompidas
e nunca retomadas, banheiros sem porta ou sanitário, estruturas abaladas, tetos escorados
87

grosseiramente, teatro depredado, escolas inundadas etc.

As imagens que seguem foram retiradas de diversas postagens realizadas por todos os
diários em diferentes períodos. Ilustram os problemas listados e a indignação que motivou os
Diários de Classe Virtuais ao expô-las. Porque ao revelarem o abandono das escolas enunciam
também a sua dimensão discursiva, da qual se subentende o consequente abandono das
juventudes que nelas convivem e a negação do direito à beleza e à contemplação como parte
da constituição integral do ser.
88

Figuras 14, 15 e 16: denúncia do D5 e D1 a respeito de uma escola do município de Cotia – SP e do município
de Palhoça – SC. Postagem do D2 sobre condição das carteiras.

Fonte: www.facebook.com
89

Figuras 17 e 18: denúncia do D4 e D3 sobre a situação de salas de aula e banheiros em escolas em SP e BA,
respectivamente.

Fonte: www.facebook.com
90

Figura 19: denúncia do D6 a respeito de escoras de sustentam o teto do refeitório, enquanto a reforma não é
feita.

Fonte: www.facebook.com
91

Figuras 20, 21 e 22: Postagens do D6 e D1 sobre problemas recorrentes no dia a dia das escolas.

Fonte: www.facebook.com
92

Às denúncias de má conservação dos prédios escolares se somam inquietações a


respeito da constante falta de professores e das condições de trabalho destes, a ausência de
diálogo dos agentes públicos com o corpo discente e a falta de transparência na remediação de
problemas recorrentes:

VERGONHOSO: É essa a palavra que defino para o que presenciei hoje,


pior do que a infraestrutura escolar atual só a falta de professores. [...] Hoje
na Escola Estadual Roque Savioli, que tem 7 salas de aula, existiram
momentos em que 4 salas, isso mesmo, QUATRO SALAS DE SETE,
ficaram com aula vaga simultaneamente. Além disso, após o intervalo uma
sala foi dispensada. A minha sala mesmo hoje teve duas aulas vagas. E ai
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP), cadê professores
na sala de aula? Porque será, né? Será por causa da distância da escola? Do
baixo salário? [...] Será a burocracia que vocês mesmos criam para que um
professor possa estar lá na frente de uma sala de aula? Será a exaustiva carga
horária de trabalho desses profissionais que quase não tem tempo de dar
atenção aos alunos e de poder planejar uma aula decente aos alunos por ter
que trabalhar em muitas salas para poder ter um mínimo de valor para poder
sobreviver? Bem, eu espero SEE-SP que vocês parem de fazer tanta nota à
imprensa e às pessoas que mandam e-mails para ai e tomem atitudes reais
sobre os fatos. (D5, em 24 de outubro de 2012).

O acompanhamento dos diários confirmou também uma situação que retorna em


formato de denúncia em noticiários de diversos estados brasileiros a cada início de ano letivo:
não há um número suficiente de professores para suprir a necessidade de grande parte das
escolas, um problema que pode se estender ao longo do ano. Segundo os estudantes, as
chamadas “aulas vagas” – lacunas na grade horária provocada pela falta de um ou mais
professores – quando compensadas, muitas vezes ocorrem sem o devido planejamento.

A ausência do professor em sala de aula ou a sua presença não planejada culmina em


grave desrespeito ao estudante e, sobretudo, ao que esse estudante espera da escola. Não há
troca, aprendizagem ou encanto em uma escola na qual os próprios educandos são submetidos
a uma espécie de invisibilidade social que ignora a sua humanidade quando não lhes garante o
acesso à criatividade, à reflexão e à cultura em suas várias dimensões. Esse cenário, além de
ressaltar a crise que acomete o interior de seus muros, faz parecer utópico o desejo por uma
escola que desenvolva cidadãos com “voz ativa, donos de opiniões, pontos de vista; [...] que
possam cumprir seus deveres e lutarem por seus direitos com autonomia; que possam
conquistar sua liberdade de ir e vir agindo na participação das práticas sociais existentes, com
dignidade”. (CERQUEIRA, 2006, p.31).

Falando em falta de professores, essa problemática não está presente só em


uma escola, ou só na escola que eu estava estudando, na nova escola também
há a falta de professores e isso é muito grave, pois, prejudica muito o aluno.
93

O fato é que, mesmo que em alguns casos sejam de direito ou necessidade, o


culpado é o Governo do Estado que convoca os professores para os cursos,
que são bons para a ampliação do conhecimento dos professores, porém, há
ausência de planejamento para que não prejudiquem os alunos e eles
mesmos infrinjam a lei. Aliás, há alguns dias, uma pessoa da escola foi
questionada pelo fato dessas aulas vagas, as quais infringem o Artigo 24 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a pessoa mostrou uma reação
não muito feliz com a cobrança, porém, é a lei, como podemos criar
cidadãos sem lhes ensinar a cobrar a lei? Se nós não exigimos as coisas,
quem vai? O Governador? Então, é necessário revermos nossos conceitos.
(D5, em 07 de junho de 2013).

A cobrança dos diários soa, muitas vezes, mais ameaçadora para a direção da escola ou
para a secretaria de educação quando sai da esfera da emoção, promovida pela indignação, e
se ampara, além da visibilidade, na argumentação legal. Perceber o valor que se agrega à
contestação mediante a assimilação de seu contexto jurídico é compreender que o exercício da
cidadania não deve ser desconectado do conjunto de leis que norteia os direitos e deveres das
pessoas e das instituições.

Esse é mais um aspecto de empoderamento das juventudes que passa pelo


conhecimento e acesso à informação viabilizado amplamente pelas TIC. Por essa razão, ao
assumirem um acompanhamento sistemático de suas escolas, os responsáveis pelos diários
acabam conferindo às suas páginas um caráter, dentre outros, fiscalizador. Ao se posicionarem
em relação às suas escolas estão assumindo o papel de interlocutores legítimos capazes de
apontar problemas e exigir soluções.

Ter um espaço bonito, bem cuidado, preservado qualifica os estudantes como


merecedores desse lugar. Dessa forma, os Diários de Classe Virtuais percebem na exposição,
no anúncio do abandono material e simbólico de suas escolas na internet, a circunstância ideal
para declararem suas insatisfações e buscarem o reconhecimento por parte do adulto
responsável e do Estado. Em outras palavras, afirmam que da maneira como a escola está,
tanto a instituição como pais, professores, diretores e políticos estão sendo omissos por não
estarem atentos às necessidades das juventudes e não garantirem a dignidade de sua trajetória
escolar.

É cabível afirmar que as consequências da precariedade da materialização da escola e


de um comportamento hostil e descompromissado por parte do gestor, do corpo docente e dos
pais não participativos é uma questão também perpassada pelo conceito de autoridade
elaborado por Arendt (1997) e discutido no tópico anterior, pois denunciam a negação dos
adultos em se responsabilizarem pelo universo, amparo e condução desses adolescentes e
94

jovens. Reconhecer a condição humana desses sujeitos é, antes de tudo, situá-los no mundo.
(CERQUEIRA, 2006).

3.4.1 Os resultados alcançados pelos diários de classe virtuais


As redes sociais são movidas por processos dinâmicos que as tornam espaços em
constante movimento e transformação. Elas são caracterizadas dessa maneira devido ao grau
de interação que proporciona entre os sujeitos que as compõem. Uma vez dinâmicas, as redes
estão sujeitas a situações de concordância, desordem, interrupção, agregação, desagregação
etc. (RECUERO, 2009). Partir desse ponto de compreensão é um importante caminho para a
análise dos resultados obtidos pelos Diários de Classe Virtuais em suas experiências de
reivindicação no Facebook.

Se entendermos como resultados o atendimento às denúncias feitas nas páginas,


veremos que todos os diários lograram êxitos que poderiam até mesmo ser quantificados. Mas
há também os resultados de ordem subjetiva – discutidos gradualmente até esse momento – e
que se fazem presentes no ciberativismo e no protagonismo desempenhados pelas juventudes
dos Diários de Classe Virtuais. As duas dimensões compõem a trajetória dessa experiência e,
por isso, ambas são considerados.

Uma primeira impressão a respeito das conquistas práticas dos diários de classe, que
dizem respeito principalmente aos reparos e reformas promovidos após a divulgação nas redes
sociais do estado no qual se encontravam as escolas, nos dá a sensação que determinados
tipos de problemas só existem porque estão amparados pelo desinteresse de gestores e
descrença da comunidade em geral na capacidade de atendimento dos entes públicos ou pelo
desconhecimento de canais, órgãos ou ouvidorias que tratam de problemas como esses.

Consequentemente, esse estado de coisas coloca os agentes públicos em uma zona de


conforto e omissão que os protege de maneira significativa de ações de fiscalização ou
cobrança. Vale ressaltar que esse contexto atinge não só questões pertinentes à educação.
Historicamente, esse é um cenário que permeia a definição e execução de políticas públicas
brasileiras, quando elementos como fiscalização e transparência esbarram em entraves criados
pelos próprios representantes públicos e são reforçados por uma herança de privilégios sociais
que não alcançam as classes menos favorecidas.

Muitos são os governos que ao tratarem a coisa pública sem a devida atenção
transmitem aos cidadãos a ideia de que a prestação de serviço público é um favor.
95

(HOLANDA, 1995). Esse padrão é muito comum em municípios brasileiros mais pobres, mas
não exclusivo a estes, com grande maioria da população composta por pessoas de baixa
instrução que pouco conhecem a respeito de seus direitos. Todo esse jogo de interesses e
manipulação em torno do espaço público limita os canais de reivindicação, proporcionam a
continuidade de práticas ilícitas e o mais prejudicial, esvazia o sentido da política: sacraliza o
descrédito dos cidadãos em relação à própria política e às instituições representativas e
consequentemente inibe ou anula a participação destes. (ARENDT, 1997).

[...] vamos agir juntos, conversar com pessoas, política só é um assunto


chato para a maioria pela politicagem que ocorre atualmente. Discutir a
educação e outros serviços públicos e realmente mostrar essa vontade de
mudança pode fazer com que ela ocorra, se as coisas estão ruins hoje é por
culpa do povo, pois se os corruptos estão lá é porque alguém votou neles, e
se eles não estão fazendo as coisas, eles tem que ser retirados do cargo deles.
Acordem Brasileiros, o poder está em suas mãos e não é só na urna não. Já
derrubamos a ditadura, tiramos um presidente, nós somos fortes, só
precisamos ter ATITUDES que revelem isso. Povo interessado e de
marcação cerrada nas coisas públicas incomoda, e se algo está errado, deve
ser consertado. (D5, em 8 de novembro de 2012).

Com os Diários de Classe Virtuais houve o esforço no sentido contrário. A intenção foi
tornar visíveis os problemas dessa natureza, fazendo uso de um caminho alternativo, cujo
potencial não foi, ainda, mapeado em plenitude, como vimos anteriormente. Mas, a análise
em questão embora reconheça e reforce a importância do ativismo na internet, não corrobora
com a visão reducionista de que as TICs por si só possibilitaram o renascimento de uma
participação que estava adormecida.

Nós entendemos esses fenômenos como sendo resultantes da experiência humana


potencializada pelas TIC e pelo ciberespaço. Assim, as redes sociais, seus diários e tantos
outros canais que surgiram na internet devem ser compreendidos em um contexto de
ampliação de horizontes e possibilidades que tornam nossa experiência no mundo mais
complexa, uma vez que nos é oferecida uma gama infinita de novos pontos de conexão.
Conforme discutimos, outras formas de pensar e estar no mundo surgem dessas conexões e
elas contribuem de maneira significativa para o redesenho de muitas instâncias, dentre elas, a
atuação de cidadãos na contemporaneidade.

O conceito de cidadania pretende abarcar tanto a garantia da participação igualitária


dos cidadãos nas decisões do espaço público – o país, a cidade, a comunidade, o bairro, a
escola etc. – como a conquista e preservação de direitos políticos, sociais e civis dos mesmos.
Diante de um conceito tão amplo, Carvalho (2002) afirma ser tolice considerar que há um
96

caminho único para a cidadania, que, ao menos no Brasil, está em constante construção.

Logo, a organização das juventudes em rede, assim como a ampliação do acesso às


tecnologias são, na atualidade, importantes instrumentos para uma participação efetiva de um
número maior de sujeitos nas questões públicas, sobretudo se considerarmos que o
ciberespaço tem se consolidado como o lugar de debate de muitas dessas questões. “O uso
crítico das técnicas e tecnologias da informação, juntamente a outras ações, para promoção da
igualdade, pode levar o cidadão ao desenvolvimento da cidadania plena”. (MASSENSINI,
2011, p.1).

Em um balanço feito pelo D1, após pouco mais de dois meses de atuação, verificamos
um retorno rápido dos agentes públicos responsáveis quando expostos à pressão por parte do
diário de classe. Tão importante quanto a certeza de que o acompanhamento permanente surte
efeitos é a compreensão por parte da adolescente de que essa busca por um espaço saudável
de convivência coletiva deve ser uma ação pública, de todos, de interesse comum. Para os
diários, é dever de toda a sociedade se comprometer com causas que visam o aperfeiçoamento
dos espaços sociais. Ao assimilar o caráter coletivo das reivindicações, deduz-se da
experiência do D1, que as lutas sociais não devem ser encerradas quando os objetivos
individuais forem alcançados. Não seria esse o entendimento, na visão da estudante, do que é
viver em sociedade:

Muita coisa mudou, nunca pensei na repercussão que ia dar. Olhando tudo
que aconteceu, fico feliz em ver que as coisas que mostrei foram
consertadas, a quadra parece que vai ser pintada, a APP foi formada e outras
coisas. Me perguntam muito o que vai ser agora que a escola foi reformada,
se vou seguir com Diário. Hoje penso diferente, penso maior. Penso que se
minha escola pode melhorar, por que não as outras? Não só de Florianópolis,
mas de todo Brasil. Por que vemos escolas tão ruins como as que são
mostradas aqui? Quem ganha com isso? Pra mim isso é motivo de vergonha
e acho que isso envergonha todo Brasil. (D1, em 01 de outubro de 2012).

A atuação dos Diários de Classe Virtuais e a consequente atenção dispensada às


escolas pelas secretarias de educação, após as denúncias dos estudantes foram reforçadas com
o interesse da imprensa em geral em acompanhar esse novo estado de coisas. Mesmo
reticentes, por considerarem que as redes sociais não são espaços legítimos para esse tipo de
reivindicação e exposição da escola, as secretarias de educação de maneira geral tomaram
providências ou se comprometeram com a reforma e manutenção das escolas.

Vale ressaltar que apenas a concepção tradicional do que seja um local adequado para
reclamar direitos e quem pode fazê-lo não atende a realidade das juventudes conectadas.
97

Porém, muitas foram as reivindicações iniciadas por eles que não dependiam de uma ação
direta da direção da escola, então eles foram instigados a entrar em contato com outras formas
de participação, como associações de pais e professores (D1), grêmios estudantis (D2, D5),
reuniões periódicas com representantes de classe, da escola e pais (D3, D4), abaixo-assinados
(D6), entre outras.

Especificamente em relação aos diários aqui abordados, todos tiveram ao menos um


retorno oficial das Secretarias de Educação quanto às suas reivindicações21.

Eu sei que tem muita coisa errada, mas não adianta jogar críticas sem antes
esperar para ver no que mais a escola vai mudar. Mas já está totalmente
diferente do que era ano passado. Está melhorando, estamos conseguindo e
isso já é satisfatório, mas vamos continuar, pois falta muito chão pra
percorrer. (D2, em 05 de março de 2013).

Galera do ‘Alunos têm voz’, é com grande satisfação que venho informar
que irá começar a reforma do colégio a partir do dia 16/02/2013. (D6, em 06
de fevereiro de 2013).

Pude perceber inúmeras mudanças desde o início do ano letivo a escola está
mais transparente, não que ela não fosse, mas senti uma diferença nesse
aspecto. Está havendo mais reuniões entre direção e líderes de sala, semana
passada mesmo tive uma reunião entre representantes de pais, representantes
dos alunos e direção para falarmos sobre a escola. Basicamente falamos
sobre as pendências, o que está precisando de consertos etc. A nossa
merenda mudou um pouco, estamos tendo coisas que não tínhamos antes e
está tudo maravilhoso. Os alunos se adaptaram bastante às mudanças e pelo
que pude ver gostaram das mudanças que ocorreram. [...] o futuro não será
como o presente. (D3, em 6 de agosto de 2013)

21
Após mapear denúncias feitas pelos diários de classe, o site de notícias especializadas UOL
Educação procurou as secretarias de educação estaduais, prefeituras e algumas unidades escolares para saber se
esses órgãos estavam tomando providências em relação aos problemas apontados pelos estudantes. Disponível
em: http://educacao.uol.com.br/noticias/2012/10/22/impulsionadas-por-denuncias-estudantis-secretarias-
respondem-a-pedidos-de-manutencao.htm. Acesso em: 25 out. 2013.
98

Figura 23: Postagens dos D5 e D3 sobre reforma e reparos.

Figura 24: Reparos de bebedouros e banheiros em escola de Florianópolis postado pelo D1.

Figura 25: Reforma da quadra e novas impressoras adquiridas pela escola. Postagem do D5.

Fonte: www.facebook.com
99

Os resultados positivos são parte importante do envolvimento com causas sociais, eles
reforçam a prática e atribuem um sentido de dever cumprido. Os agentes se sentem
valorizados e motivados a continuar. “É possível que existam interações que visem somar e
construir um determinado laço social e interações que visem enfraquecer ou mesmo destruir
outro laço”. (RECUERO, 2009, p.79). Essa constatação inserida na dinâmica própria das
redes sociais torna o número de seguidores e frequentadores mais uma expressão de
conquista, uma vez os diários dependem, sobretudo, dessa interação para alcançarem cada vez
mais visibilidade e centralidade, ou seja, para se tornarem mais populares 22.

Figura 26: D1 e D5. Postagens de agradecimento e comemoração sobre o número de seguidores.

Fonte: www.facebook.com

Talvez com base no senso comum afirmaríamos sem muitas ressalvas que qualquer
iniciativa que envolvesse a busca por melhores condições para as escolas públicas e os que
nelas circulam seria apoiada por unanimidade. Mas na prática, não ocorre assim, pois toda e
qualquer adesão depende de quem fala, de onde fala e para quem fala.

Em meio a resultados como a realização de pequenos consertos ou grandes reformas;


corpo docente completo; bibliotecas equipadas; livros didáticos para todos; o número de
internautas que interagem com os diários; a relevância da iniciativa de mostrar a escola por
outros ângulos; outras questões se destacam: o respeito adquirido, o reconhecimento como
sujeitos e cidadãos ativos e a validação de suas reivindicações por parte daqueles que
acompanham suas trajetórias direta ou indiretamente – internautas, colegas de classe, pais,
professores, imprensa, direção de escola etc. Hoje eles não apenas são vistos, ouvidos e

22
A centralidade é para a teoria das redes o elemento que mede o grau de popularidade de um determinado nó.
(RECUERO, 2009).
100

acessados como seu agir possui valor social.

Essa aceitação acontece após certo tempo decorrido de dedicação, pois é necessário
superar a desconfiança atribuída às juventudes, sobretudo aos adolescentes, quando estes
ainda ocupam uma espécie de limbo social, que caracteriza uma série de ações como não
apropriadas para suas idades. (CALLIGARIS, 2000; BOURDIEU, 2003; URRESTI; 2009).

Porém, essa condição flutuante que não permite aos adolescentes o comportamento
das crianças por não se encaixarem mais na infância, nem o livre trânsito no universo dos
adultos por não terem amadurecido o necessário tem sido alterada pouco a pouco pelas novas
sociabilidades possibilitadas à adolescência pela cultura digital. Isso porque o trato facilitado
que eles possuem com as tecnologias os fazem ascender ao valorizado contexto social
informatizado, cuja permanência não é determinada pela faixa etária. Há uma tendência “à
juvenilização dos valores sociais que subvertem a antiga hierarquização simbólica entre
infância, adolescência e maturidade, em um cenário onde a cibercultura aparece como matriz
do sentido contemporâneo”. (FERREIRA; VILARINHO, 2013, p.199).

Superadas as barreiras deterministas das faixas etárias, as novas subjetividades são


fortalecidas e esses adolescentes e jovens passam a ser vistos como mediadores de ações
legítimas baseadas em pertencimento, reconhecimento, transparência e coletividade.
101

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não costuma haver estranhamento quando o corpo docente reclama do salário e das
condições de trabalho, pelo contrário, é até bastante comum, como vimos, que os estudantes
se solidarizem diante desses problemas. Também não há surpresa quando diretores são
substituídos ou nomeados de acordo com os mais diversos interesses das secretarias de
educação, mas é notório o receio e o despreparo de todos esses agentes quando o estudante
decide colocar-se, manifestar-se publicamente para dizer que da forma como a escola está, ela
não pode ficar.

Hoje tivemos o início do ano letivo, fomos para as salas de aula como de
praxe e depois descemos para o auditório junto com os segundos anos onde
foi falado sobre o calendário escolar. Durante essas apresentações e
explicações a nova diretora estava falando sobre a preservação
do patrimônio publico e foi dito algo mais ou menos nesse sentido “quando
houver um problema nos comunique não é preciso postar nada''. Claro que
isso foi uma indireta (direta) para mim, logo após essa fala houve uma
sequência de risadas, mas não achei graça alguma. [...] Meus pais e todos
vocês pagam impostos altíssimos para termos educação, saúde e transporte
descente. Da maneira como estava a escola não podia ficar, a não ser que
alguém ali achasse que estava bom, que não é o meu caso. Tive que agir.
Essa semana irei começar a postar as mudanças feitas, pois havia coisas que
não foram consertadas no ano de 2012. (D3, 3 de abril de 2013).

Quando diretores dizem aos estudantes no contexto de atuação nos Diários de Classe
que não é necessário publicar nada na internet, provavelmente eles não se dão conta de que
não foram abertos, na própria escola, canais de livre expressão para esses jovens. Uma
constatação logo emerge de posturas dessa natureza: parece ser mais fácil para a instituição
escolar não dar ouvidos aos seus educandos, assim se comporta de acordo com o esperado
dela desde o seu surgimento, afinal, ao aprendiz cabe o ouvir ou o falar consentido.

Tal situação é desconcertante para a escola porque quando o estudante expande o lugar
destinado a ele desde a era moderna – o de cumprir ordens, ser avaliado, ir bem nos exames
escolares, ser aprovado – ele reage de maneira diferente do que é tradicionalmente esperado,
além de destoar dos principais estereótipos a ele atribuídos.

Muitos desses estudantes são adolescentes e sobre essa categoria social recai o peso do
que Bordieu classifica como uma “espécie de terra de ninguém social” na qual eles são
considerados adultos para determinadas situações e ainda crianças para outras, mas não
pertencem mais à infância e também não alcançaram idade suficiente para serem respeitados
integralmente. (2003, p. 154).
102

Porém, essa abordagem que parece ser natural e muitas vezes, como vimos, é
justificada por meio de argumentos biológicos, não passa de mais uma construção moderna: a
adolescência não existia até o século XX. Não era reconhecida oficialmente como uma das
fases da vida e a sua criação, conforme ressaltamos, não necessariamente conferiu a esses
sujeitos um exercício confortável dessa condição.

Calligaris (2000) enxerga na adolescência o paradoxo de uma fase que devido a esse
“limbo social” é rejeita em seu exercício pleno e muitas vezes acaba reproduzindo o catálogo
de sonhos dos adultos. E ao fugir desse “destino” buscam o que o autor identifica como o
maior sonho de nossa cultura, o sonho de liberdade. Quando tentam sair de debaixo da tutela
dos adultos e da opressão dos muitos estereótipos, praticam a rebeldia que caracteriza o modo
de ser adolescente e a transforma em um ideal cultural. Nessa mesma linha, Urresti (2009)
ressalta a crise adolescente de deixar o lugar seguro da infância, vivenciar transformações no
corpo e ainda partir em busca de uma identidade no mundo.

Essa mesma rebeldia – traduzida em luta, protesto e manifestações – fez de


adolescentes e jovens protagonistas nas revoluções culturais do século XX, mas também
produziu outros olhares generalizados que colocaram em lados opostos pais/responsáveis e
filhos, por exemplo e consagraram a imaturidade e a irresponsabilidade como os principais
elementos característicos dessa fase e distanciadores do mundo adulto. Para Bourdieu (2003,
p.152), essa disputa entre categorias de idades ou fases da vida revela uma estrutura que põe
em questão a divisão de poderes e a fixação de lugares que devem ser ocupados: “As
classificações por idade [...] equivalem sempre a impor limites e a produzir uma ordem à qual
cada um se deve ater, na qual cada um deve manter-se no seu lugar”.

Feixa (2005) situa esse sujeito adolescente do agora paradoxalmente entre uma
crescente infantilização social traduzida em dependência econômica e ausência de espaços e
experiências de responsabilização e uma notável maturidade intelectual constatada no lidar
com as tecnologias contemporâneas e com novas correntes estéticas e ideológicas.

A juventude se integra a esse cenário como a sequência não apenas cronológica, mas
de acirramento das experiências da adolescência e dos conflitos inter-geracionais, O “ser
jovem” manifesta-se de forma diferenciada de indivíduo para indivíduo, por isso, os olhares
voltados à compreensão das juventudes, nesse contexto, devem ser plurais e não
reducionistas, devem considerar vários “modos de ser” jovem em diferentes condições. León
(2009) destaca que o conceito de juventude com o passar do tempo foi acrescido de muitos
outros significados e na contemporaneidade, em especial, juventude pode designar bem mais
103

do que a fase da vida que segue a adolescência.

A ideia de juventude pode estar associada ao consumo de produtos específicos, à


prática de esportes específicos ou mesmo um jeito de olhar a vida. “Serve tanto para designar
um estado de espírito, quanto para qualificar o que é novo e atual, chegando a ser considerada
como um valor em si”. (LEÓN, 2009, p. 54). Prata (2008, p. 222), outro pesquisador, pondera
que “na contemporaneidade, a juventude é uma prática, cujo momento etário se retrai ou se
dilata de acordo com a participação dos indivíduos e os contextos das dimensões social,
cultural, política e econômica”.

Logo, diante da reação do corpo administrativo e docente das escolas abordadas pelos
Diários de Classe virtuais em relação às práticas dessas juventudes, podemos considerar que:
seja baseado no modelo de um sujeito em formação a ser moldado para viver a fase adulta de
forma plena, ou o sujeito rebelde que questiona e nega o padrão estabelecido de um vir a ser
adulto, ou ainda aquele que está adaptado tecnologicamente para uma sociedade em constante
transformação, mas sem condição de decidir a respeito de suas próprias vidas, é certo que, nos
tempos atuais, as consequências resultantes do ato de subestimar esses sujeitos são bem mais
complexas. (PAIS, 2000; FEIXA, 2005).

Quando as juventudes dos diários procedem de forma a criticar essa instituição que já
não mais converge harmoniosamente com o mundo do qual ele participa fora de seus muros e
que, ainda assim, visa determinar dentre muitas outras escolhas, seu futuro profissional, por
exemplo, elas não agem desconectadas da realidade na qual estão inseridas, antes amparam
seu agir nesse cenário social, político, cultural, econômico e tecnológico aqui exposto que se
consolida a cada experiência de busca por espaço e legitimidade.

Iniciativas como os Diários de Classe asseveram a condição do protagonismo juvenil


por todos os resultados alcançados, por conseguirem se posicionar a respeito do cenário
denunciado e por se colocarem, principalmente, como protagonistas de suas próprias histórias
e escolas.

Até bem pouco tempo atrás, existia uma imagem em torno do professor e da direção
da escola que os consagravam como autoridades inquestionáveis. Mas a evocação da
obediência por si só não é facilmente assimilada pelos corpos contemporâneos. O diálogo e o
porquê das coisas e das decisões precisam fazer mais sentido quando as juventudes se
percebem também como sujeitos de direitos. León (2009, p.54) ressalta que tanto do ponto de
vista do indivíduo como do grupo, é preciso pensar as juventudes considerando outras
104

“dimensões de caráter cultural, possíveis de evoluir de acordo com as próprias mudanças que
experimentam as sociedades no que se refere às suas visões desse conjunto social”.

E para compreendermos os adolescentes e jovens desse tempo como sujeitos sociais,


com direitos de manifestação e expressão, com questões próprias, será preciso abrir mão das
concepções expostas anteriormente que os engessam no futuro, numa expectativa da vida
adulta como linha de interpretação predominante, ou no presente como uma fase de transição
– como um momento indefinido, pouco confiável e repleto de rebeldia sem causa – entre dois
momentos bem estabelecidos (Infância e Velhice):

Na ótica da diversidade, vimos que podem existir diferentes modos de ser


jovem, resultado, em parte, das próprias condições sociais nas quais esses
sujeitos constroem a sua experiência. Mas essa diversidade nem sempre
corresponde às representações existentes na sociedade sobre a juventude,
numa dissociação entre determinados "modelos" socialmente construídos e
realidade concreta dos jovens. (DAYRELL, 2005, p.11).

Esse olhar possibilita enxergar que são muitos os fenômenos juvenis e múltiplas as
realidades que os contextualizam, além da compreensão de que nesse período “há plena
vigência de todas as necessidades humanas básicas e de outras específicas, razão porque é
decisivo reconhecer a realidade presente dos jovens e também sua condição de sujeitos”.
(LEÓN, 2009, p. 55). A esse respeito, quando trata de políticas e ações voltadas para jovens
de periferia – as experiências discutidas aqui envolvem esse público – Faustini (2009) aborda
a importância do direito à visibilidade como um primeiro direito, disparador de outros. Porque
antes, é preciso reconhecê-los.

São adolescentes e jovens que carregam uma história particular que se funde a história
de um grupo. E a diversidade que promove a teia de relações entre eles é também percebida
no ciberespaço e recriada, por meio das práticas, representações e símbolos que surgem no
âmbito da cibercultura. Em um solo rico em cultura digital, no qual o papel e o significado da
própria escola são questionados, a relação entre estudantes e responsáveis também precisa ser
reinventada. Mais do que ter o domínio de saberes ainda não compartilhados pelos estudantes,
à escola cabe manter ardente, vivo o desejo de conhecer e explorar o mundo.

Quando o estudante não se reconhece como parte da escola e não há por parte da
instituição o desenvolvimento de projetos que amplie sua participação ou que repense esse
abismo extremamente aparente nos dias de hoje, uma das consequências é o desinteresse, que
em muitos casos resulta no abando da escola. Podá-los nesse direito é mais uma vez limitar a
capacidade transformadora deles, seu segundo nascimento: “Por se constituírem um initium,
105

por serem recém-chegados e iniciadores em virtude do fato de terem nascido, os homens


tomam iniciativa, são impelidos a agir. [...] Trata-se de um início que difere do início do
mundo”. (ARENDT, 2008, p.190).

Assim como as instituições disciplinares, os papéis sociais também são revistos na


contemporaneidade. E a forma como a escola se organizava na modernidade, a sensação de
imutabilidade secular, precisa ser revista sob o risco de acirrar a cisão entre esse tradicional
espaço de aprendizagem e as juventudes.

É importante reconhecer que essa sociedade do tempo presente oferece às juventudes


experiências diferentes da sociedade industrial. Se em qualquer espaço social as
sociabilidades são pautadas pela forma como nos vemos e vemos o outro, a experiência das
sociabilidades juvenis na contemporaneidade têm suas peculiaridades firmadas em um
contexto imbricado no qual as tecnologias ou objetos atuam nos sujeitos e os sujeitos agem
nas tecnologias e objetos.

Basta observarmos esses mesmos adolescentes e jovens que produzem seus conteúdos,
publicam no Youtube23 ou no Facebook e se projetam a partir dessa ação, para constatarmos
que estamos diante de um exemplo em que a ferramenta e o mecanismo de compartilhamento
de conteúdos potencializam a criatividade e a ação. Os efeitos são capazes de ir além das
expectativas que os motivaram.

São juventudes produtoras e consumidoras ao mesmo tempo de canais, ações e


relações, inclusive afetivas, que partem das TIC ou passam por elas em algum momento.
Estando on-line é possível: fazer amigos que nunca vimos pessoalmente em redes sociais ou
chats voltados para promover a interação; criar uma rede de contatos profissionais em nível
internacional por meio de um site especializado no cruzamento e seleção de características
semelhantes; produzir e compartilhar conteúdos em diversos formatos; fazer várias coisas ao
mesmo tempo e em lugares diferentes na internet (baixar músicas, assistir filmes, responder e-
mails, namorar etc.); criar canais de comunicação e expressão como os que foram
apresentados ao longo da pesquisa; trabalhar sem sair de casa; ter mais de um emprego, afinal
não é preciso estar fisicamente em vários locais; participar de comunidades de prática e
partilha de conhecimentos, dentre muitas outras ocorrências exclusivas desse tempo e que se
constituem marcas da Geração Y.
23
O Youtube é um site de compartilhamento gratuito de vídeos em formato digital. O usuário pode apenas
visualizar vídeos de outros usuários, como também pode compartilhar seus próprios vídeos. Hoje é o site mais
popular do segmento e é utilizado também por empresas, artistas e governo que utilizam o espaço para promoção
de produtos e serviços e divulgação de ações.
106

Logo, é muito mais prudente que professores, diretores e demais responsáveis


auxiliem e tenham participação efetiva no refinamento da atuação desses adolescentes e
jovens, sobretudo, quando se organizam em prol da própria instituição. Assegurar às
juventudes um contexto partilhado de construção e modificação dos processos educativos,
sejam eles escolarizados ou não, é garantir o trânsito desses sujeitos pelos espaços cunhados
na contemporaneidade de maneira crítica, envolvida. É reconhecer neles o começo necessário
ao mundo, o horizonte da renovação. (OLIVEIRA, 2011).

Dentre as muitas ações e clamores das juventudes destaca-se a necessidade de que os


adultos se responsabilizem pelo seu papel de apresentá-los ao mundo, de promover uma
trajetória segura de conhecimento e descobertas.

Não obstante, mesmo diante de possíveis esforços impetrados pela escola, é


importante relembrar que estudiosos como Deleuze (2000) apontam como consequência certa
dos acirramentos dessas diferenças o desaparecimento de todas as instituições pensadas no
seio da sociedade disciplinar, pois diante do desenvolvimento de tecnologias e das novas
formações subjetivas elas deixam de fazer sentido. Seria só uma questão de tempo para que
outras estratégias se configurem em seu lugar, pois, em sua análise, os corpos e subjetividades
produzidos por ela já não atendem às necessidades vigentes.

Mas talvez ainda caiba uma última pergunta: a escola, reconhecida como instrumento
mais expressivo da educação ainda hoje, deveria estar mais atenta e preparada às
transformações e à ação do tempo, certo? Não necessariamente. A escola tem demonstrado
grande dificuldade em concorrer com o universo sedutor do entretenimento, da tecnologia e
do consumo justamente por ter sido desenvolvida para funcionar nesse outro contexto
apontado por Deleuze. Inspirada em outro desenho socioeconômico, era outro tipo de público
que se beneficiava dela. Em oposição às singularidades que deveriam ser ressaltadas, o caráter
disciplinar das instituições volta-se para a padronização e homogeneização dos sujeitos que
por elas passam. (SIBÍLIA, 2010; SIBÍLIA, 2012b).

A obrigatoriedade de frequentar a escola, tem se convertido em desinteresse e evasão


por todo o mundo.

Embora os dados continuem indicando que a escolarização ainda representa


uma vantagem econômica para quem a possui, essa aposta em longo prazo
parece cada vez menos tentadora, considerando-se a péssima relação custo-
benefício que, para muitos, implicaria ter que se submeter por vários anos
aos soporíferos rituais da vida estudantil até se formar. Ainda nos casos que
se consegue convencer os alunos em potencial para que se sentem todos os
dias em suas carteiras e se comportem de acordo com as normas dessa
107

instituição, as coisas já não funcionam como se supõe que deveriam.


(SIBÍLIA, 2012b, p.207).
Mas no Brasil, país no qual a educação sempre foi privilégio das elites, é no bojo da
classe C, onde os economistas enquadram a nova classe média brasileira, que estão
aproximadamente 23 milhões de jovens, com idade entre 18 e 30 anos, segundo pesquisa
realizada pelo Instituto Data Popular24. Esses jovens protagonizam experiências recentes de
escolarização e acesso a ferramentas que seus pais não tiveram, pois vivenciam um quadro
econômico mais estável e promissor.

Com isso, sonham ainda com a escola para garantir a seus futuros filhos a
permanência da melhoria. Por isso, ocupam as redes e as ruas com a intenção de continuar
diminuindo desigualdades para as quais contribuem a omissão do Estado, a não
responsabilização do adulto, o abandono do espaço escolar e a negação de direitos essenciais,
como é o caso da educação.

Para eles, a escola deve se comportar como uma instituição garantidora do princípio da
igualdade de condições. As juventudes observadas querem encontrar na escola o espaço de
atuação que encontraram nas redes sociais. Ficou claro que não há nos Diários de Classe
Virtuais o intuito de questionar a existência da instituição, talvez para chegarem nesse ponto
precisem trilhar um pouco mais dessa trajetória e aguardar outros desdobramentos do
ininterrupto avanço tecnológico que se configura. Mas a insatisfação quanto à forma como ela
se organiza, presta seus serviços e se relaciona com os estudantes os fazem exigir a revisão
dos propósitos escolares, o que significa dizer que as mudanças não devem ser encerradas em
uma infraestrutura material adequada.

O acelerado desenvolvimento tecnológico modificou padrões de representação,


comunicação, responsabilidade e ética até então conhecidos e o apego às formas tradicionais
não sustentam por si só o discurso de oposição aos diários de classe por parte da escola,
sobretudo a escola pública, que deveria ser pautada por uma filosofia de abertura à
participação e envolvimento do estudante em questões não só de ordem disciplinar.

Ter a percepção de que o movimento dos diários de classe não era contra pais,
professores e direção em si, mas sim a busca por uma relação azeitada pelo bom cumprimento
dos deveres e preservação dos direitos de todos que ali circulam se mostra como um bom
caminho a ser problematizado pela escola em defesa do aperfeiçoamento da participação
24
Esses dados foram apresentados em artigo jornalístico intitulado “Os filhos da classe C mudarão a cara do
Brasil” e publicado no site do jornal El País. Disponível em:
<http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/08/politica/1389216166_533445.html>. Acesso: 10 jan. 2014.
108

desses estudantes, da atuação de seus profissionais e consequentemente da própria instituição


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