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Relação igreja e nobreza no período medieval

Não é de se estranhar, pois, que igreja e nobreza tenham


mantido uma estrita relação durante o período medieval. Mais tarde,
na era moderna, a igreja ainda será parte fundamental do próprio
estado, tendo muitas vezes atribuições que caberiam somente a
instancia politica, em uma clara herança do medievo.

Clero e nobreza irão se manter, por séculos, no topo da pirâmide


social. Essa configuração terá fim somente com as revoluções
burguesas. Mas, diferente da nobreza, o clero conseguiu manter quase
intacto o patrimônio obtido durante seu apogeu. Os nobres dividiam
seu patrimônio entre os filhos, obedecendo ao direito de
primogenitura: o filho mais velho herdava as posses e o titulo. Mas esse
patrimônio estava sujeito a politica de cada período. A igreja não
enfrentou o mesmo problema, pois seu patrimônio pertencia a
instituição, é não aos clérigos. Ainda que tenha combatido firmemente
as burlas constantes do celibato eclesiástico – denuncias de padres e
bispos que mantinham famílias, eram constantes – o patrimônio
eclesiástico jamais foi dividido, o que permitiu a igreja passar por eras
em plena prosperidade econômica.

A igreja já detinha, por sua natureza, o oder espiritual. Mas,


durante a idade média, ela passa também a deter o poder temporal,
que é o poder de governar e interferir em questões de estado. Essa
dupla função da igreja será sempre motivo de controvérsia, mesmo
entre os reinos declaradamente católicos, já que o poder temporal
pertence ao estado e por sua vez, aos imperadores.

Nesta discussão, temos argumentos dos dois lados: os


imperadores entendem que a igreja deve ser submissa ao império, já
que o estado a adota e protege. A igreja, por sua vez, entende que
todo o poder emana de Deus estando, portanto, acima das estruturas
imperais. É esse dialogo muitas vezes conflituoso, que dá o tom da
transição entre a igreja medieval e a moderna.
Mesmo quando os imperadores entendiam a igreja submissa ao
estado, essa separação nunca foi muito clara. Uma prova dessas
fronteiras estreitas é que cabia ao papa coroar os imperadores e estes,
por sua vez, detinham, em diversas regiões, o direito de nomear os
cargos mais altos da igreja em seu domínio, como é o caso dos bispos.
Assim, a disputa pelas nomeações se tornou uma questão politica, e
não se baseada no mérito, na santidade ou na experiência, tornando a
igreja uma instituição afim ao estado.

A estreita aproximação da igreja e do estado concedeu aos reis o


poder divino. Essa expressão causa alguns equívocos, já que pode ser
confundida com teocracia, o que não é, de forma alguma, o caso da
igreja católica. Vejamos a diferença:

Na antiguidade, civilizações como a egípcia eram governadas por


regimes teocráticos. O farão era considerado um deus na terra e assim,
o Egito era governado por um Deus personificado. Nos estados
medievais e moderno, o rei não é deus e por isso, esta não é uma
teocracia, mas possui poder divino, ou seja, ele é rei por vontade de
Deus.

O poder real está portanto, fundamentado em uma teoria


politica, a teoria do direito divino dos reis. A teoria do direito divino
será peça fundamental para a consolidação dos estados nacionais e do
poder absoluto.

Dois teóricos se destacaram na elaboração dos princípios do


direito divino: Jean Bodin e Jacques Bossuet.

Bodin teve formação eclesiástica, mas dedicou sua vida aos


escritos jurídicos. Sua obra, produzida no século XVI, influenciou
diversos iluministas. É importante analisarmos as teorias de Bodin a
partir de seu lugar de fala, ou seja, de quem ele era e de quando e
onde escrevia. Neste caso, estamos falando de um teórico familiarizado
com os princípios religiosos, que escrevia em um momento de intensos
conflitos religiosos entre católicos e huguenotes na França, onde vivia.
Neste contexto de crise, Bodin produziu diversos escritos dos
quais se destacam Método para a fácil compreensão da história e Os
seis livros da República. Em suas obras, ele procura fazer uma distinção
entre forma de estado e forma de governo. Nesta perspectiva, existem
três formas de estado: monárquico, aristocrático e democrático. No
estado monárquico, um único individuo detém o poder, numa
aristocracia, um grupo de indivíduos e numa democracia, a maioria dos
cidadãos. Já a forma de governo é a maneira como os governantes
exercem o poder e pode ser legitima, despótica ou tirana.

O estado deve ser sempre soberano pois a alternativa seria a


anarquia, o que neste caso, corresponderia ao estado de caos. Bodin
defende a monarquia a partir da ideia de lei natural. Deus escolheu um
individuo para deter o poder e governar a maioria tendo em vista o
bem comum. Esta monarquia deve ser hereditária e o poder passaria ao
filho mais velho, sendo, entretanto, negado as mulheres. Essas teorias
legitimam o poder real, no momento em que este está se constituindo
como unitário e absoluto.

Jacques Bossuet viveu depois de Jean Bodin, também na França.


Uma de suas principais obras é O Discurso sobre a história universal
mas, diferente de Bodin, que buscou no direito as formas de justificar a
legitimidade real, Bossuet era ortodoxo e defendia a monarquia
absoluta e a autoridade eclesiástica. Suas teorias foram fundamentais
para legitimar o reinado de Luís XIV e sua defesa veemente dos poderes
temporal e secular torna-o um dos mais ortodoxos religiosos e
pensadores de seu tempo.

A partir do momento em que o poder real passa a derivar de


Deus – e não dos homens – ele perde a capacidade de ser questionado.
Questionar ou se opor ao rei seria, nesse caso, questionar-se e se opor
a vontade de Deus. Fica clara aí a ligação entre estado e igreja, mas o
que devemos lembrar é que esta é uma relação de dependência mutua.
A igreja legitima o rei e valida seu poder absoluto, o rei, por sua vez,
protege e dá amplos poderes ao papado, que muitas vezes interfere
diretamente nas questões do estado.

Com base nesse minucioso arcabouço teórico, não e de se


espantar que a França tenha sido o modelo de estado absoluto dentre
os demais países europeus e Luís XIV, seu melhor exemplo. Em todas as
instancias de sua vida, tanto social como politicamente, o rei utilizou-
se dos princípios de seu direito divino. Mesmo na arte, o rei era
retratado tanto com luxo e opulência, quanto com a serenidade e
virtude característica das divindades

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Fa965589b0.jpg

Esta é, por exemplo, a perspectiva do retrato de Luís XIV e sua família,


pintado por Joseph Werner. Neste obra, vemos que o rei assume o aspecto
divino, a maneira como foi exposto pode ser comparado a pinturas dos deuses
da antiguidade.

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