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Evangelho segundo S. Marcos 12,1-12. – cf.par.

Mt 21,33-46, Lc 20,9-19

Jesus começou a falar-lhes em parábolas: «Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma
sebe, cavou nela um lagar e construiu uma torre. Depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu
para longe. A seu tempo enviou aos vinhateiros um servo, para receber deles parte do fruto da
vinha. Eles, porém, prenderam-no, bateram-lhe e mandaram-no embora de mãos vazias.
Enviou-lhes, novamente, outro servo. Também a este partiram a cabeça e cobriram de
vexames. Enviou outro, e a este mataram-no; mandou ainda muitos outros, e bateram nuns e
mataram outros. Já só lhe restava um filho muito amado. Enviou-o por último, pensando:
'Hão-de respeitar o meu filho’. Mas aqueles vinhateiros disseram uns aos outros: 'Este é o
herdeiro. Vamos matá-lo e a herança será nossa’. Apoderaram-se dele, mataram-no e
lançaram-no fora da vinha. Que fará o dono da vinha? Regressará e exterminará os vinhateiros
e entregará a vinha a outros. Não lestes esta passagem da Escritura: A pedra que os
construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. Tudo isto é obra do Senhor e é admirável aos
nossos olhos?» Eles procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem
que a parábola era para eles. E deixando-o, retiraram-se.

S. Boaventura (1221-1274), franciscano, doutor da Igreja


A videira mística, cap.5, 4-5 (erradamente atribuída a S.- Bernardo)

«Eu sou a verdadeira videira» (Jo 15,1)

Ó doce Jesus, em que estado te vejo! Tão doce e amoroso, único Salvador das nossas feridas
antigas, quem te condenou a tão amarga morte? Quem é que te leva a sofrer estas feridas, não
só tão cruéis, mas tão ignominiosas? Doce videira, bom Jesus, eis o fruto que te dá a tua
vinha...
Até ao dia das tuas núpcias, esperaste pacientemente que ela produzisse uvas, e ela só dá
espinhos (Is 5,6). Coroou-te de espinhos e cercou-te dos espinhos dos seus pecados. Esta
vinha que já não é a tua, mas que se tornou numa vinha estrangeira, como se tornou amarga!
Renegou-te gritando: « Não temos outro rei a não ser César» (Jo 19,25). Depois de te
expulsarem da vinha da tua cidade e da tua herança,estes vinhateiros entregaram-te à morte: e
não de um só golpe, mas depois de te terem oprimido com o longo tormento da cruz, e de te
terem torturado com as feridas das chicotadas e dos pregos... Ó Senhor Jesus..., Tu próprio
entregas a tua alma à morte —ninguém pode retirar-ta. És tu mesmo quem a dá (Jo 1 0,18)...
Admirável troca! O rei dá-se pelo escravo, Deus pelo homem, o Criador pela criatura, o
Inocente pelos culpados.

Santa Catarina de Sena (1347-1380), terciária dominicana, doutora da Igreja, co-padroeira da


Europa
O Diálogo, 24

«Eu sou a verdadeira videira e meu Pai é o agricultor» (Jo 15,1)


[Deus disse a santa Catarina:] Sabes o que é que eu faço assim que os meus servidores querem
seguir a doutrina do doce Verbo do amor? Eu podo-os para que produzam muito fruto e para
que os seus frutos sejam doces e não voltem a ser selvagens. O agricultor limpa os ramos da
vinha para que eles produzam um vinho melhor; não é isso que eu faço, eu, o verdadeiro
agricultor? (Jo 15,1). Aos meus servidores que permanecem em mim, eu os limpo por meio de
muitas atribulações, para que produzam frutos mais abundantes e melhores e para que sejam
comprovados pela virtude; mas aos que permanecem estéreis eu os corto e lanço ao fogo (Jo
15,6).

Os verdadeiros trabalhadores trabalham bem as suas almas; eles arrancam todo o amor-
próprio e voltam à terra do seu amor por mim. Eles adubam e aumentam assim a semente da
graça que receberam no santo baptismo. Cultivando a sua vinha, cultivam também a do
próximo; não podem cultivar uma sem a outra. Lembra-te sempre que todo o mal e todo o
bem se fazem por meio do próximo. É assim que sois meus agricultores, procedentes de mim,
o eterno agricultor. Fui eu que vos uni e transferi para esta vinha graças à união que estabeleci
convosco... Todos juntos formais uma só vinha universal...; estais unidos na vinha do corpo
místico da santa Igreja, da qual extraís a vossa vida. Nesta vinha está plantada a cepa do meu
Filho único, ao qual deveis estar ligados, para permanecerdes em vida.

Jean Tauler (c. 1300-1361), dominicano de Estrasburgo

Sermão 7

Tornar-se uma vinha que dá fruto

Os pés de vinha são ligados e empados, os sarmentos voltados de cima para baixo, presos a
sólidas estacas. É desse modo que podemos compreender a vida santa e doce e a paixão de
Nosso Senhor Jesus Cristo, que deve ser, em todas as coisas, o sustento do homem de bem. O
homem deve ser curvado, o que há nele de mais elevado deve ser abaixado, ele deve afundar-
se em verdadeira e humilde submissão, do fundo da sua alma. Todas as nossas faculdades,
interiores e exteriores, as da sensibilidade e da avidez, bem como as nossas faculdades
racionais, devem estar ligadas, cada qual no seu lugar, numa verdadeira submissão à vontade
de Deus.

Em seguida, remexe-se a terra em redor dos pés da vinha e limpam-se as ervas daninhas.
Também o homem deve ser limpo, mantendo-se profundamente atento àquilo que ainda possa
ter de ser arrancado do fundo do seu ser, para que o Sol divino possa aproximar-se mais dele,
e nele brilhar. Se deixares que a força do alto faça a sua obra, o sol aspira a humidade do solo
para a força vital escondida na madeira, e surgem cachos magníficos. Depois, o sol age
através do calor sobre os cachos, que se desenvolvem em flores. E estas flores exalam um
perfume nobre e benfazejo. […] Então, o fruto torna-se indescritivelmente doce. Que tal nos
seja dado a todos.

Santo (Padre) Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho


Carta 3
"Vai trabalhar hoje para a minha vinha"

Bendigo a Deus de todo o meu coração porque me fez conhecer almas verdadeiramente boas.
Pude anunciar-lhes que também elas são a vinha do Senhor: a cisterna é a sua fé; a torre, a sua
esperança; o lagar, a sua caridade; a sebe é a lei de Deus que as separa dos filhos das trevas.
Vou ficar por aqui porque o sino chama por mim; vou ao lagar da igreja que é o altar. É de lá
que brota continuamente o vinho sagrado desta uva deliciosa e única de que bem pouco têm a
graça de poder enebriar-se. Ali, como sabeis, pois não posso agir de outra forma, apresentar-
vos-ei ao Pai dos Céus, unido ao Seu Filho; é nele e com Ele que sou inteiramente vosso, no
Senhor.
Senhor Jesus, salva-os a todos. Ofereço-me como vítima por todos eles. Torna-me mais forte;
toma este coração, enche-o do Teu amor e, depois, pede-me tudo o que quiseres.

Evangelho segundo S. Marcos 12,13-17. – cf.par. Mt 22,15-22; Lc 20,22-26

Em seguida, enviaram-lhe alguns fariseus e partidários de Herodes, a fim de o apanharem em


alguma palavra. Aproximando-se, disseram-lhe: «Mestre, sabemos que és sincero, que não te
deixas influenciar por ninguém, porque não olhas à condição das pessoas mas ensinas o
caminho de Deus, segundo a verdade. Diz-nos, pois: é lícito ou não pagar tributo a César?
Devemos pagar ou não?» Jesus, conhecendo-lhes a hipocrisia, respondeu: «Porque me
tentais? Trazei-me um denário para Eu ver.» Trouxeram-lho e Ele perguntou: «De quem é
esta imagem e a inscrição?» Responderam: «De César.» Jesus disse: «Dai a César o que é de
César, e a Deus o que é de Deus.» E ficaram admirados com Ele.

Santo Atanásio (295-373), bispo de Alexandria, doutor da Igreja


Sobre a Encarnação do Verbo, 13

Cristo é a imagem de Deus invisível; nele temos a redenção e a remissão dos pecados
(Col 1, 14.15)

Dado que os homens se tornaram insensatos e que o engano dos demónios lançou a sua
sombra de todos os lados e escondeu o conhecimento do verdadeiro Deus, o que é que Deus
deveria fazer? Calar-se perante uma situação destas? Aceitar que os homens sejam
extraviados assim e não conheçam a Deus?... Deus não vai permitir que as suas criaturas se
extraviem para longe dele e sejam sujeitas ao nada, sobretudo se este extravio se torna para
eles causa de ruína e de perda, quando os seres que participaram na imagem de Deus (Gn
1,26) não devem perecer? Que é pois necessário que Deus faça? Que fazer, senão renovar
neles a sua imagem, a fim de que os homens possam de novo conhecê-lo?

Mas como fazer isto, a não ser pela presença da imagem do próprio Deus (Col 1,15), nosso
Salvador Jesus Cristo? Isso não é realizável pelos homens, porque eles não são a imagem mas
criados segundo a imagem; isto também não é realizável pelos anjos, porque mesmo eles não
são imagens. Foi por isso que o Verbo de Deus veio ele próprio, ele que é a imagem do Pai, a
fim de estar em condições de restaurar a imagem no fundo do ser dos homens. Além disso,
isso não podia produzir-se se a morte e a degradação que a segue não fossem destruídos. Foi
por isso que ele tomou um corpo mortal, a fim de poder destruir a morte e restaurar os homens
feitos segundo a imagem de Deus. A imagem do Pai, portanto, o seu santíssimo Filho, veio
até nós para renovar o homem feito à sua semelhança e para o encontrar, dado que estava
perdido, pela remissão dos seus pecados, como ele próprio disse: «Eu vim procurar e salvar o
que estava perdido» (Lc 19,10).

Santa Catarina de Siena (1347-1380), terceira dominicana, doutora da Igreja, co-patrona da


Europa
Diálogos, cap. 13
«De quem é esta imagem?»: fazendo-Se homem, Deus restaura em nós a imagem da
Trindade

Amor eterno..., peço-to em graça, tem misericórdia do teu povo, em nome da caridade eterna
que te levou a criar o homem à tua imagem e semelhança (Gn1,26)... Só o fizeste, ó Trindade
eterna, porque querias levar o homem a participar de todo Tu. Foi por isso que lhe deste a
memória, para que se lembre das tuas mercês, e para que participe também no teu poder, ó Pai
eterno. Foi por isso que lhe deste a inteligência, para que ele possa compreender a tua
bondade e participe também da sabedoria do teu Filho único. Foi por isso que lhe deste a
vontade, para que possa amar o que vê e o que conhece da tua verdade, e assim participe no
amor do teu Espírito Santo. Quem te levou a dar uma tão grande dignidade ao homem? O
amor inesgotável com que olhas em ti mesmo a tua criatura.
[Mas] por causa do pecado, ela perdeu a sua dignidade... Então Tu, levado por esse mesmo
fogo com que nos criaste..., deste-nos o Verbo, o teu Filho único... Ele cumpriu a tua vontade,
Pai eterno, quando o revestiste da nossa humanidade, à imagem e semelhança da nossa
natureza. Ó abismo de caridade! Qual é o coração que pode defender-se de não ceder ao Teu
amor, vendo o Altíssimo juntar-se à baixeza da nossa humanidade? Nós somos a Tua imagem,
e tu és a nossa, por essa união que consumaste no homem ocultando a tua divindade no barro
de Adão (Gn 2,7)... O que te levou a fazê-lo? O amor! Tu, Deus, fizeste-te homem, e o
homem tornou-se Deus. Por esse amor indizível, rogo-te, tem misericórdia das tuas criaturas.

Santa Teresa de Ávila (1515-1582), carmelita, doutora da Igreja

Poesias, nº 8 "Alma, buscar-te-ás em mim"

"De quem é esta imagem?"

Alma, busca-te em Mim


E a Mim busca-me em ti.

Tão fielmente pôde o Amor


Alma, em Mim, te retratar
Que nenhum sábio pintor
Tua imagem figurar.

Foste, por amor, criada


Formosa, bela e assim
Dentro do Meu ser pintada.
Se te perderes, minha amada,
Alma, procura-te em Mim.

Porque Eu sei que te acharás


Em Meu peito retratada,
Tão ao vivo figurada
Que ao ver-te folgarás
Por te veres tão bem pintada.

E se acaso não souberes


Em que lugar Me perdi,
Não andes dali para aqui
Porque se encontrar Me quiseres
A Mim, Me acharás em ti!

Em ti, que és meu aposento


És minha casa e morada.
Aí busco, cada momento,
Em que do teu pensamento
Encontro a porta fechada.

Só em ti há que buscar-Me,
Que de ti nunca fugi;
Nada mais do que chamar-Me
E logo irei, sem tardar-Me,
E a Mim, me acharás, em ti!

Evangelho segundo S. Marcos 12,18-27. – cf.par. Mt 22,23-33; Lc 20,27-38

Vieram ter com Ele os saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-no: «Mestre,
Moisés prescreveu-nos que se morrer o irmão de alguém, deixando a mulher e não deixando
filhos, seu irmão terá de casar com a viúva para dar descendência ao irmão. Ora havia sete
irmãos, e o primeiro casou e morreu sem deixar filhos. O segundo casou com a viúva e
morreu também sem deixar descendência, e o mesmo aconteceu ao terceiro; e todos os sete
morreram sem deixar descendência. Finalmente, morreu a mulher. Na ressurreição, de qual
deles será ela mulher? Porque os sete a tiveram por mulher.» Disse Jesus: «Não andareis
enganados por desconhecer as Escrituras e o poder de Deus? Quando ressuscitarem de entre
os mortos, nem eles se casarão, nem elas serão dadas em casamento, mas serão como anjos no
Céu. E acerca de os mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, no episódio da sarça,
como Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob?
Não é um Deus de mortos, mas de vivos. Andais muito enganados.»

Santo Anastácio de Antioquia, monge, depois patriarca de Antioquia de 549-570 e de 593-599


Homilia 5, sobre a Ressurreição; PG 89, 1358

«Ele não é o Deus dos mortos, mas dos vivos»


«Cristo conheceu a morte, depois a vida, para se tornar o Senhor, tanto dos mortos como dos
vivos» (Rom 14,9); «Deus não é o Deus dos mortos, é o Deus dos vivos». Dado que o Senhor
dos mortos está vivo, os mortos já não estão mortos, mas vivos; a vida reina neles, para que
vivam e deixem de temer a morte, do mesmo modo que «Cristo ressuscitado dos mortos, já
não morre» (Rom 6,9). Ressuscitados e libertados da corrupção, já não verão a morte;
participarão da ressurreição de Cristo, como Ele próprio teve lugar na sua morte. Com efeito,
se Ele veio à terra, até então prisão eterna, foi para «quebrar as portas de bronze e despedaçar
os ferrolhos de ferro» (Is 45,2), para retirar a nossa vida da corrupção, conduzindo-a para Ele,
e dar-nos a liberdade em vez da escravidão.

Se este plano de salvação ainda não está realizado, porque os homens continuam a morrer e os
seus corpos são desagregados pela morte, isso não deve ser motivo de incredulidade.
Recebemos já os primeiros frutos daquilo que nos é prometido, na pessoa dAquele que é o
nosso primogénito... : «Com Ele, ressuscitou-nos; com Ele, fez-nos reinar nos céus, em Cristo
Jesus» (Ef 2,6). Esperaremos pela plena realização desta promessa quando chegar o tempo
fixado pelo Pai, quando sairmos da infância e tivermos chegado «ao estado de homem
perfeito» (Ef 4, 13). É que o Pai eterno quis que a dádiva que nos fez permaneça firme... O
apóstolo Paulo declarou-o, pois ele sabia-o bem, isso acontecerá a todo o género humano, por
Cristo, que «transfigurará os nossos pobres corpos à imagem do seu corpo glorioso»(Fl
3,21)... O corpo glorioso de Cristo não é diferente do corpo «semeado na fraqueza,
desprezível» ( 1Cor 15, 43); é o mesmo corpo, transformado em glória. E o que Cristo
realizou conduzindo ao Pai a sua própria humanidade, primeiro exemplar da nossa natureza,
fá-lo-á para toda a humanidade segundo a sua promessa: «Quando eu tiver sido elevado da
terra, atrairei a mim todos os homens» (Jo 12, 32).

São Justino (cerca 100-160), filósofo, mártir


Tratado da ressurreição, 2.4.7-9

“Creio na ressurreição da carne" (Credo)

Os que estão no erro dizem que não há ressurreição da carne, que é impossível, depois de ter
sido destruída e reduzida a pó, retomar a sua integridade. Para eles, a salvação da carne será,
não somente impossível, mas mesmo nociva: eles censuram a carne, denunciam os seus
defeitos, tornam-na responsável pelos pecados; dizem pois que, se esta carne deve ressuscitar,
os seus defeitos também ressuscitarão... O Salvador disse: “Os que participam da ressurreição
dos mortos não se casam...são semelhantes aos anjos”. Ora os anjos, dizem, não são de carne,
não comem nem se casam, nem são dados em casamento. Assim, dizem eles, não haverá
ressurreição da carne...

Como são cegos, os olhos da sua inteligência! Pois não viram “os cegos ver, os coxos andar”
(Mt 11,5), graças à palavra do Salvador..., para nos fazer acreditar que, aquando da
ressurreição, a carne ressuscitará completamente? Se nesta terra ele curou as enfermidades da
carne e restituiu ao corpo a sua integridade, quanto mais não fará no momento da ressurreição,
a fim de que a carne ressuscite sem defeito, integralmente... Parece-me que essas pessoas
ignoram a acção divina no seu todo, na origem da criação, na construção do homem; ignoram
porque as coisas terrestres foram feitas.

O Verbo disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn 1,26)... É evidente
que o homem, modelado à imagem de Deus, era de carne. Então, que absurdo pretendê-la
desprezível, sem nenhum mérito, a carne modelada por Deus segundo a sua própria imagem!
Que a carne seja preciosa aos olhos de Deus é evidente, porque é obra sua. E porque nela se
encontra o princípio do seu projecto para o resto da criação, é o que há de mais precioso aos
olhos do criador.

Santo Anselmo (1033-1109), monge, bispo, doutor da Igreja


Proslogion

A ressurreição: plenitude de vida

Para quê afastares-te para tão longe na busca dos bens da tua alma e do teu corpo? Ama o
único Bem no qual estão todos os bens; isso basta... É lá no alto que está tudo aquilo que se
pode amar e desejar.
É a beleza que amas? « Os justos resplandecerão como o sol» ( Mt 13,43). É a agilidade ou a
força de um corpo livre e desembaraçado de todo o obstáculo? « Eles serão como os anjos de
Deus»... É uma vida longa e sã? Lá em cima espera-te a saúde eterna, pois « os justos viverão
eternamente» (Sab 5, 16)... Desejas ser saciado? Sê-lo-ás quando Deus te mostrar o Seu rosto
na Sua glória (Sl 16, 15). Estar embriagado? « Eles ficarão embriagados da abundância da
casa de Deus» (Sl 35, 9). É um canto melodioso que te agrada?
Lá no alto, os coros angélicos cantam sem fim o louvor do Senhor. Procuras delícias muito
puras? Deus dar-te-á de beber na torrente das suas delícias (Sl 35,9). Amas a sabedoria? A
sabedoria de Deus manifestar-se-á em pessoa. A amizade? Eles amarão a Deus mais do que a
si próprios, amar-se-ão uns aos outros tanto quanto a si próprios, e Deus amá-los-á mais do
que eles alguma vez podem amar... Amas a concórdia? Eles terão todos uma só vontade, pois
não terão outra vontade senão a de Deus...As honras e as riquezas? Deus colocará sobre
muitos bens os seus servos bons e fiéis 8 Mt 25, 21); mais ainda, « Eles serão chamados filhos
de Deus» (Mt 5,9) e sê-lo-ão na realidade, pois lá onde está o Filho, lá também estarão « os
herdeiros de Deus e os co-herdeiros de Cristo» (Rm 8,17).

Catecismo da Igreja Católica


§ 293-294

O Deus dos vivos

É uma verdade fundamental, que a Escritura e a Tradição não cessam de ensinar e celebrar:
«O mundo foi criado para glória de Deus». Deus criou todas as coisas, explica S. Boaventura,
«não para aumentar a Sua glória, mas para a manifestar e para a comunicar». Para criar, Deus
não tem outra razão senão o seu amor e a sua bondade: «As criaturas saíram da mão (de Deus)
aberta pela chave do amor» (S. Tomás de Aquino).
...
A glória de Deus está em que se realize esta manifestação e esta comunicação da sua bondade,
em ordem às quais o mundo foi criado. Fazer de nós «filhos adoptivos por Jesus Cristo: assim
aprouve à sua vontade, para que fosse enaltecida a glória da sua graça» (Ef 1, 5-6). «Porque a
glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus; se a revelação de Deus
pela criação já proporcionou a vida a todos os seres que vivem na terra, quanto mais a
manifestação do Pai pelo Verbo proporciona a vida aos que vêem a Deus!» (Santo Ireneu). O
fim último da criação é que Deus Pai, «criador de todos os seres, venha finalmente a ser 'tudo
em todos' (1 Co 15,28), provendo, ao mesmo tempo, à sua glória e à nossa felicidade»
(Vaticano II).

Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI]


Viver a fé

“Espero a Ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há-de vir” (Credo)

O cristianismo não promete apenas a salvação da alma, num qualquer além onde desaparecem
todos os valores e todas as coisas preciosas deste mundo, como se ele fosse um cenário que
tivesse sido construído para desaparecer em seguida. O cristianismo promete a eternidade
daquilo que se realizou neste mundo.
Deus conhece e ama este homem total que somos actualmente. É, pois, imortal aquilo que
cresce e se desenvolve na nossa vida actual. É no nosso corpo que sofremos e amamos, que
esperamos, que experimentamos alegria e tristeza, que progredimos no tempo. Tudo quanto
assim cresce na nossa vida actual, tudo isso é imperecível. É imperecível aquilo que nos
tornámos no nosso corpo, o que cresceu e amadureceu no coração da nossa vida, em ligação
com as coisas deste mundo. É “o homem total”, tal como se encontra situado neste mundo, tal
como viveu e sofreu, que será um dia levado para a eternidade de Deus e que terá parte, no
próprio Deus, na eternidade. É isso que deve encher-nos de uma alegria profunda.

Evangelho segundo S. Marcos 12,28-34. – cf.par. Mt 22,34-40

Aproximou-se dele um escriba que os tinha ouvido discutir e, vendo que Jesus lhes
tinha respondido bem, perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os
mandamentos?» Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso
Deus é o único Senhor; amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com
toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. O
segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento
maior que estes.» O escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que
Ele é o único e não existe outro além dele; e amá-lo com todo o coração, com todo o
entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais
do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» Vendo que ele respondera com
sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais
ousava interrogá-lo.

S. Bernardo (1091-1153), monge de Cister e doutor da Igreja


Tratado do amor de Deus

“Tu amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração”


O primeiro e o maior mandamento é este: “amarás o Senhor teu Deus”. Mas a nossa natureza
é fraca; e o nosso primeiro degrau no amor é o de nos amarmos a nós próprios, antes de
qualquer outra coisa, por causa de nós próprios... Para nos impedir de resvalar muito por este
declive, Deus deu-nos o preceito de amar o nosso próximo como a nós a mesmos... Ora, nós
constatamos que isso não é possível sem Deus, sem reconhecer que tudo vem dele e que sem
ele nada podemos. Neste segundo degrau, o homem volta-se para Deus, mas ainda o ama
apenas por causa de si mesmo e não por ele...

No entanto, é preciso ter um coração de mármore ou de bronze, para não se ser tocado pelo
auxílio que Deus nos dá quando nos voltamos para ele nas provações. Nas provações, é
impossível não saborear como ele é bom (Sl 33,9). E em breve começamos a amá-lo mais por
causa da doçura que nele encontramos do que por causa do nosso interesse... Quando estamos
nessa situação, não é difícil amar o nosso próximo com o a nós mesmos... Amamos os outros
como somos amados, como Jesus Cristo nos amou. Eis o amor daquele que diz com o
salmista: “Louvai o Senhor porque ele é bom” (Sl 117,1). Louvar o Senhor não porque ele é
bom para nós, mas simplesmente porque ele é bom, amar Deus por Deus e não por nós
próprios, é o terceiro degrau do amor.

Felizes os que puderam subir até ao quarto degrau do amor: só se amar a si mesmo com o
amor de Deus... Quando é que a minha alma, voltada para o amor de Deus, esquecida de si
própria, não se julgando mais do que um vaso quebrado, quando é que ela se lançará para
Deus para se perder nele e não ser mais do que um mesmo espírito com ele? (1Cor 6,17).
Quando poderá ela descrever-se: “A minha carne e o meu coração já desfalecem, mas o
Senhor é para sempre a rocha do meu coração e a minha herança” (Sl 72, 26)? Santos e
felizes, os que puderam experimentar qualquer coisa de semelhante durante esta vida mortal,
mesmo que raramente, mesmo que uma única vez. Não é u ma felicidade humana, é viver já
no céu.

Santo António (c. 1195-1231), franciscano, doutor da Igreja


Sermões sobre os domingos e festas dos santos

"Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração"

«Amarás o Senhor teu Deus». 'Teu' Deus - é o que está dito e essa é uma razão para o amares
ainda mais; nós amamos muito mais o que é nosso do que aquilo que nos é estranho. É certo
que o Senhor teu Deus merece ser amado; ele fez-se teu servo, para que lhe pertenças e não te
envergonhes de o servir... Ao longo de trinta anos, o teu Deus fez-se teu servo, por causa dos
teus pecados, para te arrancar à servidão do diabo. Amarás, portanto, o Senhor teu Deus.
Aquele que te fez, fez-se teu servo, por tua causa; entregou-se inteiro a ti, a fim de que tu
próprio te entregues. Quando eras infeliz, ele reconstruiu a tua felicidade, entregou-se a ti para
te devolver a ti mesmo.

Amarás, portanto, o Senhor teu Deus «com todo o teu coração» 'Todo': não podes guardar
para ti nenhuma parte de ti mesmo. Ele quer a oferenda de tudo o que és. Comprou-te
totalmente entregando-se totalmente, para te possuir, só ele, a ti, na totalidade. Amarás, pois,
o Senhor teu Deus de todo o teu coração. Não faças como Ananias e Safira, que guardaram
para si uma parte deles mesmos, porque então poderias morrer como eles morreram (Act
5,1sg). Ama, pois, totalmente e não em parte. Porque Deus não tem partes; está inteiro em
todo o lugar. Não quer partilhas no teu ser, ele que está todo inteiro no seu Ser. Se reservares
para ti uma parte de ti mesmo, és teu e não dele.

Queres então possuir tudo? Dá-lhe o que és e ele dar-te-á o que é. Não terás mais nada teu;
mas tê-lo-ás inteiro em todo o teu ser.

S. Francisco de Sales (1567-1622), bispo de Genebra e doutor da Igreja


Tratado do amor de Deus, 10, 11

O amor de Deus, fonte do amor ao próximo

Assim como Deus "criou o homem à sua imagem e semelhança" (Gn 1,26), também lhe
ordenou um amor à imagem e semelhança do amor que é devido à divindade: "Amarás, disse
Ele, o Senhor teu Deus de todo o teu coração; este é o primeiro e o maior mandamento. Ora o
segundo é semelhante a ele: Amarás o teu próximo como a ti mesmo." Porque é que amamos
a Deus? "A causa por que amamos a Deus", diz S. Bernardo, "é o próprio Deus" - como se
dissesse que amamos a Deus porque Ele é a muito soberana e infinita bondade. Porque é que
nos amamos a nós mesmos na caridade? Seguramente porque somos "a imagem e a
semelhança de Deus". E, uma vez que todos os homens têm essa mesma dignidade, amamo-
los também como a nós mesmos, isto é, na sua qualidade de muito santas e vivas imagens da
divindade.
É nessa qualidade... que Deus não tem qualquer dificuldade em dizer-se nosso Pai e em
chamar-nos seus filhos; é nessa qualidade que somos capazes de nos unir à sua divina
essência pelo gozo da sua soberana bondade e felicidade; é nessa qualidade que recebemos a
sua graça e os nossos espíritos se associam ao seu santíssimo Espírito, tornando-nos
"participantes da natureza divina" (2Pe 1,4)... Portanto, é desta forma que a mesma caridade
que produz oa atos de amor a Deus produz igualmente os de amor ao próximo. Assim como
Jacob viu que uma mesma escada tocava o céu e a terra, servindo igualmente aos anjos para
descer como para subir (Gn 28,12), assim nós sabemos que uma mesma afeição se estende a
amar a Deus e ao próximo.

Santo (Padre) Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho

O amor de Deus e dos homens

Sou consumido por uma dupla chama: o amor de Deus e dos homens. É como um vulcão
dentro de mim, sempre em erupção, que Jesus pôs no meu coração, contudo tão pequeno...

Meu Deus, sede sempre mais presente no meu pobre coração e acaba em mim a obra que tu
começaste. Escuto no mais íntimo de mim próprio esta voz que me repete: “Santifica-te e
santifica os outros!”
É bem o que eu quero, querido filho, a quem escrevo tudo isto, mas não sei por onde
começar... Ajuda-me. Eu sei que Jesus te ama muito e tu o mereces. Fala-lhe pois por mim:
peço-lhe a graça de ser um filho de S. Francisco menos indigno, que possa servir de exemplo
aos meus confrades de modo que eles guardem o seu fervor e que ele aumente em mim, até
fazer de mim um perfeito capuchinho.

Evangelho segundo S. Marcos 12,35-37. – cf.par. Mt 22,41-45; Lc 20,41-44

Ensinando no templo, Jesus tomou a palavra e perguntou: «Como dizem os doutores da Lei
que o Messias é filho de David? O próprio David afirmou, inspirado pelo Espírito Santo:
Disse o Senhor ao meu Senhor: 'Senta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos
debaixo dos teus pés’. O próprio David chama-lhe Senhor; como é Ele seu filho?» E a
numerosa multidão ouvia-o com agrado.

S. Cirilo de Jerusalém (313-350), bispo de Jerusalém, doutor da Igreja


Catequese baptismal 10

«O seu nome é Rei dos reis e Senhor dos senhores» (Ap 19, 16)

Se alguém quer venerar a Deus, que se prostre diante do Filho. Sem isso, o Pai não aceita ser
adorado. Do alto do Céu, o Pai fez ouvir estas palavras: «Este é o Meu Filho muito amado, no
qual pus todo o Meu agrado» (Mt 3, 17). O Pai comprouve-se no Filho… que é chamado
«Senhor» (Lc 2,11), não de forma abusiva, como acontece com os humanos senhores, mas
porque o senhorio Lhe pertence de modo natural desde toda a eternidade…

Assim permanecendo e guardando verdadeiramente a glória imutável do Seu estado de Filho,


acomoda-se, todavia, às nossas fraquezas, como um médico muito hábil e um mestre cheio de
compaixão. Tudo isto foi feito quando era, realmente, Senhor, quando o Seu poder não era
devido a qualquer antecipação, mas quando a glória do domínio Lhe pertencia por natureza.
Não era senhor à nossa maneira, mas era Senhor verdadeiramente, exercendo o senhorio sobre
as criaturas com o consentimento do Pai. Com efeito, nós dominamos sobre os homens que
são nossos iguais em dignidade e sofrimento, por vezes, até sobre os mais velhos. Pelo
contrário, em Nosso Senhor Jesus Cristo a senhoria não é desta ordem: antes de tudo, é
Criador, depois Senhor. Tudo criou segundo a vontade do Pai, depois exerce o domínio sobre
tudo o que existe unicamente por Ele.

São Leão Magno ( ? – c. 461), papa e doutor da Igreja


1º sermão para a Natividade do Senhor (trad. breviário)

Filho de David e Senhor dos senhores

Da casa real de David foi escolhida uma virgem para em seu seio carregar uma criança santa,
filho simultaneamente divino e humano [...] O Verbo, a Palavra de Deus, que é o próprio
Deus, o Filho de Deus que no «princípio estava em Deus, por Ele é que tudo começou a
existir e sem Ele nada veio à existência» (Jo 1,1-3); esse Filho fez-se homem para libertar o
homem da morte eterna. Ele desceu até à humildade da nossa condição sem que com isso a
sua majestade tivesse sido diminuída. Mantendo-se o que era e assumindo o que não era, uniu
uma verdadeira natureza de servo à natureza segundo a qual é igual ao Pai. Ele juntou tão
estreitamente estas duas naturezas que nem a sua glória poderá aniquilar a natureza inferior,
nem a união com esta aviltar a natureza superior.

O que é próprio de cada natureza mantém-se integralmente, e reúne-se numa única pessoa: a
humildade é acolhida pela sua majestade, a fraqueza pela força, a mortalidade pela eternidade.
Para pagar a dívida da nossa condição, a natureza intangível une-se à natureza capaz de
sofrer; Deus verdadeiro e homem verdadeiro associam-se na unidade de um só Senhor Jesus.
Assim, e porque tal Lhe era preciso para nos salvar, o único «mediador entre Deus e os
homens» (1 Tm 2,5) poderia morrer pela acção dos homens, e ressuscitar pela acção de Deus
[...]

Tal foi, meus bem-amados, o nascimento que conveio a Cristo, «poder e sabedoria de Deus»
(1 Cor 1,24). Por esse nascimento, deu-se à humanidade, conservando a preeminência da sua
divindade. Se não fosse Deus verdadeiro, não nos traria a salvação. Se não fosse homem
verdadeiro, não nos daria o exemplo.

Catecismo da Igreja Católica


§449-451

"O próprio David lhe chama Senhor"


Na versão grega dos livros do Antigo Testamento, o nome inefável com o qual Deus se
revelou a Moisés, Iahweh, é traduzido por "Kýrios" ["Senhor"]. Senhor torna-se desde então o
nome mais habitual para designar a própria divindade do Deus de Israel. É neste sentido forte
que o Novo Testamento utiliza o título de "Senhor" para o Pai, e também - e aí está a
novidade - para Jesus reconhecido assim como o próprio Deus.

Jesus mesmo atribui-se de maneira velada este título quando discute com os fariseus sobre o
sentido do Salmo 110, mas também de modo explícito dirigindo-se a seus apóstolos. Ao longo
de toda a sua vida pública, seus gestos de domínio sobre a natureza, sobre as doenças, sobre
os demônios, sobre a morte e o pecado demonstravam a sua soberania divina.

Muito frequentemente nos Evangelhos determinadas pessoas se dirigem a Jesus chamando-lhe


"Senhor". Este título exprime o respeito e a confiança dos que se achegam a Jesus e esperam
dele ajuda e cura. Sob a moção do Espírito Santo, ele exprime o reconhecimento do Mistério
Divino de Jesus. No encontro com Jesus ressuscitado, ele transforma-se em expressão de
adoração: "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20,28). Assume então uma conotação de amor e
afeição que se tornará peculiar à tradição cristã: "É o Senhor!" (Jo 21,7).

Ao atribuir a Jesus o título divino de Senhor, as primeiras confissões de fé da Igreja afirmam,


desde o início, que o poder, a honra e a glória devidos a Deus Pai cabem também a Jesus, por
ser Ele "de condição divina" (Fl 2,6) e ter o Pai manifestado esta soberania de Jesus
ressuscitando-o dos mortos e exaltando-o em sua glória[a71] .

Desde o principio da história cristã, a afirmação do senhorio de Jesus sobre o mundo e sobre a
história significa também o reconhecimento de que o homem não deve submeter sua liberdade
pessoal, de maneira absoluta, a nenhum poder terrestre, mas somente a Deus Pai e ao Senhor
Jesus Cristo: César não é "o Senhor". "A Igre ja crê... que a chave, o centro e o fim de toda a h
istória humana se encontram em seu Senhor e Mestre."
A oração cristã é marcava pelo título "Senhor", quer se trate do convite à oração "o Senhor
esteja convosco" ou da conclusão da oração, "por Jesus Cristo nosso Senhor", ou ainda do
grito cheio de confiança e de esperança: "Maran atha" ("o Senhor vem!") ou "Marana tha"
("Vem, Senhor!") (1Cor 16,22): "Amém, vem, Senhor Jesus!" (Ap 2,20).

Evangelho segundo S. Marcos 12,38-44. – cf.par. Mt 23,5-7; Lc 20,45-47; 21,1-4

Continuando o seu ensinamento, Jesus dizia: «Tomai cuidado com os doutores da Lei, que
gostam de exibir longas vestes, de ser cumprimentados nas praças, de ocupar os primeiros
lugares nas sinagogas e nos banquetes; eles devoram as casas das viúvas a pretexto de longas
orações. Esses receberão uma sentença mais severa.» Estando sentado em frente do tesouro,
observava como a multidão deitava moedas. Muitos ricos deitavam muitas. Mas veio uma
viúva pobre e deitou duas moedinhas, uns tostões. Chamando os discípulos, disse: «Em
verdade vos digo que esta viúva pobre deitou no tesouro mais do que todos os outros; porque
todos deitaram do que lhes sobrava, mas ela, da sua penúria, deitou tudo quanto possuía, todo
o seu sustento.»

Youssef Bousnaya (c. 869-979), monge sírio


Vida e doutrina de Rabban Youssef Bousnaya por Jean Bar Kaldoum

Amor dos homens, amor de Deus

Meu filho, aplica-te com toda a tua alma em adquirir o amor dos homens, no qual e pelo qual
te elevarás ao amor de Deus que é o fim de todos os fins. Vãos são todos os trabalhos que não
forem realizados na caridade. Todas as boas obras e todos os labores conduzem o homem até
à porta do palácio real; mas é o amor que nos faz lá morar e repousar no seio de Cristo (Jo
13,25).

Meu filho, que o teu amor não seja repartido, dividido, interesseiro, mas espalhado em toda a
parte, com vista a Deus, desinteressado. Cristo dar-te-á o conhecimento para entenderes o
mistério desta palavra. Ama todos os homens como a ti mesmo; melhor ainda, ama o teu
irmão mais do que a ti próprio; não busques apenas o que te convém a ti, mas o que é útil ao
teu irmão. Despreza-te a ti próprio pelo amor do teu próximo, para que Cristo seja
misericordioso e faça de ti um co-herdeiro do seu amor. Guarda-te de desprezares isto. É que
Deus amou-nos primeiro e entregou o seu Filho à morte por nós. « eus amou de tal forma o
mundo, que entregou por ele o seu Filho único», diz o apóstolo João, testemunha da verdade
(Jo 3,16). Aquele que caminha nesta senda de amor, graças ao seu labor, chegará prontamente
à morada que é o objectivo dos seus esforços. Não penses, pois, meu filho, que o homem
poderá adquirir o amor de Deus, que nos é dado pela sua graça, antes de amar os seus irmãos
em humanidade.
Santo Anselmo (1033-1109), monge, bispo, Doutor da Igreja
Carta 112 a Hughes, monge de clausura

“Ela deu tudo”

No Reino dos céus, todos juntos, como um só, serão um só rei com Deus, pois todos quererão
uma única coisa e far-se-á a sua vontade. Eis o bem que, do alto dos céus, Deus declara pôr à
venda.

Se alguém perguntar a si próprio por que preço, eis a resposta: aquele que oferece um Reino
nos céus não tem necessidade de moeda terrena. Ninguém pode dar a Deus senão aquilo que
já Lhe pertence, dado que tudo quanto existe é Seu. Contudo, Deus não dá coisa tão grande
senão impondo-lhe um preço: não a dá a quem a não aprecia. Com efeito, ninguém dá aquilo
que lhe é caro a quem não dá valor a essa coisa. Assim, pois, se Deus não tem necessidade
dos teus bens, também não pode dar-te coisa tão grande se desdenhares de apreciá-la: Ele
apenas reclama amor, sem o qual nada O obriga a dar. Ama, pois, e receberás o Reino. Ama, e
possui-lo-ás […]. Ama, pois, a Deus mais do que a ti mesmo, e começarás desde já a possuir
aquilo que queres possuir na perfeição no céu.

Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897), carmelita, doutora da Igreja


Manuscrito autobiográfico B, 1 (trad. De OC, Cerf DDB 1996, p.219)

«Ela, da sua penúria, deitou tudo quanto possuía»

«Quero fazer-te ler no livro da vida, onde está contida a ciência do Amor». Oh, sim, a ciência
do amor! Esta palavra soa-me docemente ao ouvido da alma, e eu não desejo outra coisa; por
essa sabedoria, e mesmo tendo dado todas as minhas riquezas, parece-me, como a esposa [do
Cântico] dos Cânticos, nada ter dado (Ct 8,7), afinal. Compreendo tão bem que só o amor nos
pode tornar agradáveis ao Bom Deus, que este amor é o único bem que ambiciono.
Jesus compraz-se em mostrar-me o único caminho que conduz a esta fornalha divina; esse
caminho é o abandono da criança que adormece sem receio nos braços do seu Pai. «Quem for
simples venha a mim» , disse o Espírito Santo pela boca de Salomão (Pr 9,4) e o mesmo
Espírito de amor disse ainda que «o pequeno encontrará misericórdia» (Sb 6,6). Em seu nome,
o profeta Isaías revelou-nos que no último dia O Senhor «é como um pastor que apas¬centa o
rebanho, reúne-o com o cajado na mão, leva os cordeiros ao colo e faz repousar as ovelhas
que têm crias » (Is 40,11) [...].
Ah, se todas as almas fracas e imperfeitas sentissem o que sente a mais pequenas de todas, a
alma da vossa Teresinha, nem uma desesperaria por chegar ao cimo da montanha do amor,
pois Jesus não pede grandes acções, pede só abandono e reconhecimento. Ele disse no salmo
49: «Não reivindico os novilhos da tua casa, nem os cabritos dos teus currais; pois são meus
todos os animais dos bosques, e os que se encontram nos altos montes [...] Honra-Me quem
oferece o sacrifício do louvor». Eis portanto tudo o que Jesus nos exige: Ele não precisa das
nossas obras, apenas do nosso amor. Porque este mesmo Deus que declara não precisar já de
nos dizer se tem fome (Sl 49) não temeu em mendigar um pouco de água à Samaritana (Jo
4,7). Ele tinha sede [...] Tinha sede de amor. Ah, sinto-o como nunca, Jesus está sedento, só
encontra ingratos e indiferentes entre os discípulos do mundo. E entre os seus próprios
discípulos, são poucos, ai!, os corações que encontra capazes de a Si se entregarem sem
reserva, capazes de compreenderem toda a ternura do seu amor infinito.

Bem aventurada Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da


Caridade
A Simple Path (trad. Um caminho muito simples)

"Todos deitaram do que lhes sobrava, mas ela, da sua penúria..."

É preciso dar alguma coisa que vos custe. Não chega dar apenas aquilo que não precisais, mas
também aquilo de que não podeis nem quereis privar-vos, coisas às quais estais apegados. O
nosso dom tornar-se-à, então, um sacrifício que terá valor aos olhos de Deus… É aquilo a que
chamo o amor em acção. Todos os dias, vejo crescer este amor, tanto nas crianças, como nos
homens e nas mulheres.

Um dia, descia a rua; um mendigo veio ter comigo e disse-me: «Madre Teresa, toda a gente te
dá presentes; também eu quero dar-te qualquer coisa. Hoje, só recebi vinte e nove cêntimos
em todo o dia e quero dar-tos». Reflecti um momento: se aceito estes vinte e nove cêntimos
(que nada valem, praticamente), ele corre o risco de nada ter para comer, esta noite, e se não
os aceito, faço-o sofrer. Então, estendi as mãos e aceitei o dinheiro. Nunca vi tanta alegria
num rosto como no deste homem, tão feliz por ter podido dar alguma coisa a Madre Teresa!
Era um sacrifício enorme para ele, que tinha mendigado todo o dia, ao sol, esta soma irrisória
que para nada servia. Mas, ao mesmo tempo, era maravilhoso, pois estas moeditas a que ele
renunciava tornavam-se numa fortuna, uma vez que eram dadas com tanto amor.

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