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Rui Mataloto
1. Intróito: CAVV
lar para os elementos da Idade do Ferro, dada a usual sobreposição das impor-
tantes villae romanas em território alentejano a ocupações sidéricas, já o con-
junto de elementos da Idade do Bronze parece mais complexo de associar a esta
instalação. No entanto, a proximidade do grande povoado dos Coroados, onde
estes materiais não destoariam, deixa supor ser a sua provável origem, em parti-
cular quando sabemos que o sítio era certamente conhecido do Sr. António Pin-
guicha, através do estudo monográfico do Padre Henrique Louro (1967).
Pelo outro, na elaboração da Carta Arqueológica de Vila Viçosa houve não
apenas uma minuciosa recolha e exegese de dados bibliográficos, como também
uma intensa prospecção de campo.
Estes dois elementos, a prospecção do território e o estudo de colecções an-
tigas, estruturaram a nossa leitura, pelo que carecem de uma apreciação mais de-
talhada.
A prospecção cujos dados se verteram para a Carta Arqueológica de Vila Vi-
çosa decorreu ao longo de mais de duas décadas, já com antecedentes nos traba-
lhos efectuados pelo GEO, grupo de Estudos da Serra d’Ossa, nos anos 80 do
século XX, cuja área de estudo abrangia parcialmente o concelho.
Nos finais da década de 90 iniciámos o projecto da Carta Arqueológica de
Vila Viçosa, essencialmente com a colaboração de diversos alunos, com expe-
riência limitada. Estes trabalhos foram breves, ficando depois adiados por mais
de uma década, sendo apenas retomados em 2017, onde a abordagem foi essen-
cialmente distinta. Aqui o trabalho centrou-se na acção de arqueólogos mais ex-
perientes, com apoios pontuais de estudantes. Importa destacar o apoio de An-
dré Pereira, Gonçalo “Pouca” Bispo, Hugo Miranda, Conceição Roque, Bianca
Viseu, Inês Lagoas, Pedro Caria, entre muitos outros. Este facto parece-nos re-
levante para darmos a entender que apesar do tempo longo em que se desenvol-
veram os trabalhos, estes não decorreram de modo sistemático, nem tão pouco
permitindo escolher os melhores momentos para levantamento de campo, o que
condicionou certamente os resultados. A maior visibilidade dos campos aconte-
ce entre o final do Verão, para os campos não agricultados, e os meados do Ou-
tono depois das lavouras e primeiras chuvas, para os restantes. Mas a prospec-
ção nunca está finalizada e os dados de hoje não serão os de amanhã, as con-
dições de hoje serão distintas das dos dias seguintes. Os trilhos da prospecção
de campo são irrepetíveis, fazendo lembrar o poeta António Machado, no seu
Cantares: “Al andar se hace caminho/Y al volver la vista atrás/se vê la senda
que nunca/ Se ha de volver a pisar”.
O estudo da designada “Colecção Pinguicha” coloca outro tipo de questões,
desde logo éticas, para com os arqueólogos. Ainda que recentemente diversos
estudos se tenham baseado na análise e apresentação de colecções reunidas por
meios ilícitos (por ex. Fabião, et al., 2015; Mataloto, 2014), com notáveis con-
tributos para um melhor conhecimento de períodos específicos das diversas re-
giões, tal impõe ainda sérias reservas.
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renas, pegas mamilares, fundos planos e dormentes de mós manuais de tipo “se-
la” (Calado e Rocha, 1996-97; Calado e Mataloto, 2020, p. 113).
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(Gomes et al., 2013, p. 168) (Fig. 10.13), além de um outro recolhido recente-
mente sem estar associado a qualquer ocupação coeva conhecida, junto ao Cas-
telo do Monte Novo (Fig. 10.12), além do caso mais bem conservado da bacia
da necrópole de Fareleira 3 (Figueiredo e Mataloto, 2017). Estes exemplares
deixam claro que os rituais de ablução, seja com que fim ou propósito seja, esta-
riam relativamente disseminados no território alentejano em meio rural. A sua
utilização em contextos específicos para abluções, prévias, por exemplo, a ban-
quetes, mas igualmente na preparação dos corpos para as exéquias fúnebres,
deixa ampla margem para se ponderar o seu uso como forma de exibição de po-
der económico e social.
Um outro elemento da colecção Pinguicha que nos remete para cronologias
semelhantes, de meados do séc. V aC, corresponde a um elemento de xorca,
“bolsiforme”, aparentemente em bronze, com um peso de 56g, apenas com as
extremidades danificadas (Fig. 10.5).
Mariano del Amo, ainda em 1978, traçou genericamente as características
destes elementos, a partir da análise dos dois pendentes que designou “bolsi-
formes” documentados sobre o piso de “El Castañuelo”, deixando claras indica-
ções da ligeira posterioridade dos elementos deste tipo face aos maciços (Amo,
1978, p. 308). Mais recentemente, ainda que se tenham vindo a documentar ou
dar a conhecer um número elevado destes elementos, quer isolados quer em
braceletes, o panorama não se alterou substancialmente face ao traçado por Ma-
riano del Amo 1978), ainda que se tenha proposto mais um subtipo (Gomes,
2016, p. 255).
Ainda que se tenha considerado, de há muito, que este tipo de elementos te-
nha a sua origem integrada no final da Idade do Bronze (Coffyn, 1985), parece-
nos cada vez mais clara a sua utilização em contextos antigos da Idade do Ferro
onde, no Alentejo, tem vindo a ser bem documentado em necrópoles do séc. VI
aC, como o caso da sepultura 11 da Vinha das Caliças (Arruda, et al., 2017,
p. 197) ou o já clássico caso da sepultura 22/80 de Alcácer (Paixão, 1983,
p. 284), a que se poderia juntar a sepultura 98 do Olival do Senhor dos Mártires
(Gomes, 2020, p. 85), aparentemente de cronologia algo mais recente. Este tipo
de adereço, cujos dados das necrópoles alentejanas parecem confirmar o uso
como bracelete, parece ser particularmente frequente no sudoeste peninsular
(Schüle, 1969; Jiménez Ávila e Antunes, 2019, p. 120), especialmente na versão
maciça, presente tanto em contextos funerários como habitacional. Os elemen-
tos de xorca de tipo “bolsiforme”, como o aqui representado, ainda que presen-
tes em contextos funerários como a citada sepultura 98 de Alcácer, entre outras,
têm sido especialmente documentados em sítios de cariz habitacional dos sécs.
VI-V aC como El Palomar (Rovira et al., 2005), Azougada (Schüle, 1969), El
Castañuelo (Amo, 1978), Cabeço Redondo (Soares e Soares, 2017, p. 432) ou
na Herdade da Sapatoa 3 (inédito) (Fig. 10.9).
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Uma vez mais, como desde já há alguns anos temos vindo a sublinhar (Mata-
loto, 2004), os elementos aqui apresentados parecem sublinhar a presença até
meados da Idade do Ferro de uma ocupação rural complexa, onde pontuariam
elites de cariz aristocrático, que se fariam acompanhar e representar através de
elementos metálicos para propósitos rituais, como as “bacias de mão” ou os
elementos equestres. A par destes existiria certamente uma ampla população ru-
ral de cuja presença, no concelho de Vila Viçosa, nos chegaram apenas parcos
indícios, marcados pelas mós de sela.
Para momentos mais avançados da Idade do Ferro, o Castelo Velho da Brioa
parece, atendendo à implantação, típica dos referidos “castros de ribeiro”, a úni-
ca ocorrência em território calipolense, embora os dados de superfície sugiram
principalmente uma ocupação mais tardia, já bem contemporânea da ocupação
romana (Fig. 12).
Comparável, em termos de implantação, ao Castelo Velho das Hortinhas
(Calado, 1993), por exemplo, com o qual se assemelha também em dimensão,
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Esta descrição faz efectivamente juz ao que ainda hoje conseguimos obser-
var no local, de indubitável manufactura romana (Fig. 14). Do lado montante
encontramos vestígios de um amplo açude, construído em lajes de xisto em cu-
telo, parcialmente reforçado com argamassa. Deste parte um rasgo na rocha que
atravessa o istmo do meandro, no qual pontualmente se consegue ainda ver uma
estrutura de canalização revestida a opus signinum, que desemboca, já na ver-
tente jusante, numa depressão parcialmente aberta na rocha, estruturada por um
arco construído em pedra e opus caementicium, muito certamente onde operava
um qualquer engenho motriz. Outras ocupações semelhantes, de tipo fortim,
apresentavam construções hidráulicas na sua envolvente imediata, caso do for-
tim do Monte do Gato 2 (Reguengos de Monsaraz) (Mataloto, 2002, p. 190),
podendo ser um indício de actividades desenvolvidas no local, que carecessem
de força motriz hidráulica.
A presença de três fíbulas na colecção Pinguicha remete-nos para estes mo-
mentos mais avançados do I.º milénio a.C., sendo algumas já claramente de uma
fase de integração no Mundo romano, como se verá.
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