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Atanair Nasser:
Olá, pessoal! Vamos tratar hoje sobre quatro pilares no Direito Previdenciário: (i) a
inscrição; (ii) a filiação; (iii) a carência; e a (iv) manutenção e perda da qualidade de segurado.
Passamos na última aula sobre a definição dos beneficiários como segurados e dependentes, a
subdivisão dos segurados em obrigatórios e facultativos, com as respectivas contribuições de
seguridade social por eles pagas. Então veremos agora que não basta o pagamento ou a
inscrição, existem regras de integração do sistema que exigem a concomitância de um complexo
de situações, sendo elas diferenciadas conforme o tipo de segurado. Quanto aos dependentes,
abordaremos sua condição, qualificação e situação em aula subsequente, sendo nas minhas
anotações correspondente ao item 3. Vou pular por agora e depois retomar esse item.
Adentramos no item 4 da matéria: inscrição e filiação.
A inscrição é tida por ato burocrático, pelo qual o segurado é cadastrado no regime
mediante anotação de seus dados pessoais, profissionais e outros elementos que se fizerem úteis
à sua caracterização. É possível ao INSS exigir a prova desses dados, mas isso não tem sido
feito, até mesmo diante da imensa quantidade de pessoas abrangidas na hipótese. Por isso
mesmo, é possível inclusive fazer a inscrição pela internet em alguns casos. Quanto aos
empregados e trabalhadores avulsos, a própria empresa promove essa inscrição através das
anotações na declaração GFIP com base no registro do PIS-PASEP; o doméstico é inscrito pelo
empregador através do e-social; o contribuinte individual e o segurado facultativo o fazem
diretamente na internet; e o segurado especial, que pressupõe, como visto na aula anterior,
aquele trabalhador rural ou pescador artesanal em situação de regime de subsistência e de
economia familiar, cuja contribuição é feita apenas sobre a receita da comercialização da
produção, normalmente faz sua inscrição quando pede algum benefício, diretamente no INSS
portanto. Mas ele pode antever sua situação e postular o cadastramento na Autarquia.
O exercício de mais de uma atividade obriga à inscrição em relação a todas, desde que
se trate de segurado obrigatório. Como vimos, o segurado facultativo não pode se enquadrar
como obrigatório, exceto o segurado especial, que é a única exceção no regime. Desse modo, se
o segurado especial quiser receber um valor maior no futuro, poderá contribuir como segurado
facultativo com olhos postos nessa majoração. Com efeito, essa pretensão não é garantida, uma
vez que as regras para cálculo do benefício são complexas, não guardando simetria entre o que
se contribui e o que se recebe de benefício. Na prática, não valerá a pena para o segurado
especial, porquanto ele já garante um salário mínimo provando sua atividade nos termos
exigidos pela lei, ainda que não contribua pelo fato de não ter tido receita; se ele vai contribuir
com um valor a mais para obter um benefício melhor, esse benefício pretendido não é
acumulável com o salário mínimo decorrente de sua atividade como segurado especial. Então,
seria como se ele abrisse mão desse benefício para pagar e receber outro, o que não se tem visto
na prática. Nesse contexto, se o segurado exerce atividade como empregado e, também, como
contribuinte individual, terá de fazer a inscrição em ambas as atividades. Lembro, por fim, que o
segurado facultativo, além de não poder se enquadrar como obrigatório - exceto o segurado
especial -, também não pode estar vinculado ao regime próprio de servidores públicos. Com
isso, o funcionário estatutário vinculado a um regime próprio não pode contribuir como
facultativo no regime geral para receber dois benefícios: lá e cá!
A inscrição como ato burocrático não dá direito algum ao segurado e também não lhe
tolhe direitos nos casos de empregado, trabalhador avulso, empregado doméstico e segurado
especial. Todavia, o segurado facultativo e o contribuinte individual encontrarão problemas na
sua falta, como se verá na integração do sistema com a filiação. Antes de passar a esse ponto,
registro a situação do aposentado que volta ou continua a exercer atividade como segurado
obrigatório, vindo o sistema, em função do princípio da solidariedade, a exigir-lhe que também
contribua, muito embora não possa no futuro receber outra aposentadoria ou qualquer benefício
de prestação continuada. Esse tema foi objeto da tese 1065 da repercussão geral do STF:
ARE 1224327 É constitucional a contribuição previdenciária devida por aposentado
1065 Acórdão pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permaneça em 27/09/2019
atividade ou a essa retorne.
Esse tema ainda foi objeto de outras análises no STF, como se vê a seguir:
EMENTA Constitucional. Previdenciário. Parágrafo 2º do art. 18 da Lei 8.213/91.
Desaposentação. Renúncia a anterior benefício de aposentadoria. Utilização do tempo de
serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária. Obtenção de
benefício mais vantajoso. Julgamento em conjunto dos RE nºs 661.256/sc (em que
reconhecida a repercussão geral) e 827.833/sc. Recursos extraordinários providos. 1. Nos
RE nºs 661.256 e 827.833, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, interpostos pelo
INSS e pela União, pugna-se pela reforma dos julgados dos Tribunais de origem, que
reconheceram o direito de segurados à renúncia à aposentadoria, para, aproveitando-se das
contribuições vertidas após a concessão desse benefício pelo RGPS, obter junto ao INSS
regime de benefício posterior, mais vantajoso. 2. A Constituição de 1988 desenhou um
sistema previdenciário de teor solidário e distributivo. inexistindo inconstitucionalidade na
aludida norma do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, a qual veda aos aposentados que
permaneçam em atividade, ou a essa retornem, o recebimento de qualquer prestação
adicional em razão disso, exceto salário-família e reabilitação profissional. 3. Fixada a
seguinte tese de repercussão geral no RE nº 661.256/SC: “[n]o âmbito do Regime Geral de
Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias,
não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a
regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8213/91”. 4. Providos ambos os recursos extraordinários
(RE nºs 661.256/SC e 827.833/SC). (RE 661256, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/2016,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-221 DIVULG 27-
09-2017 PUBLIC 28-09-2017)
A filiação, por sua vez, outro pilar do sistema, consiste na relação jurídica material que
se estabelece entre o beneficiário e a Previdência, estabelecendo um vínculo entre ambos que
possibilitará no futuro a incidência das normas de proteção contra os riscos sociais e para
atender as contingências. Enquanto a inscrição é o ato de cadastramento, a filiação é o elo
jurídico estabelecido. A filiação decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada
em relação aos segurados obrigatórios (todos eles, portanto, ao iniciar o exercício de atividade
remunerada, automaticamente estão filiados ao sistema, ainda que não tenham promovido a
inscrição. Isto porque se trata de vinculação jurídica obrigacional, que caracteriza hipótese de
incidência tributária capaz de exigir o pagamento das contribuições sociais antes estudadas). Já
em relação ao segurado facultativo, a filiação depende da inscrição formalizada com o
pagamento da primeira contribuição regular feita no prazo. Então, preste atenção, temos
diferença acentuada entre o segurado obrigatório e o segurado facultativo no que tange à
filiação. Veja, portanto, que um segurado facultativo que nunca fez sua inscrição jamais
receberá benefício algum previdenciário, uma vez que não terá se filiado. Para ele, inscrição e
filiação estão umbilicalmente ligadas, lembrando, ainda, que ele deve recolher a primeira
contribuição regularmente e no prazo, sem o que também não terá configurada a filiação.
Todas as categorias de segurados obrigatórios estarão, pois, automaticamente filiadas
com o mero exercício da sua atividade remunerada, mas isso simplesmente não garante o
recebimento do benefício, porquanto ainda se faz necessária a integração com as regras de
carência e de manutenção e perda da qualidade de segurado, outros dois pilares a serem
estudados. Pense por ora no seguinte exemplo: o advogado que inicia sua atividade remunerada
por conta própria, enquadrado, portanto, como contribuinte individual. Imagine que ele não
promoveu sua inscrição, mas simplesmente iniciou sua atividade. Poderia receber algum
benefício previdenciário no futuro? Não. Com efeito, estaria ele filiado ao sistema? Sim, pois o
mero exercício da atividade remunerada qualifica automaticamente sua filiação. Significa que a
Receita Federal do Brasil, no exercício de sua fiscalização, poderia extrair nos sites dos
tribunais uma certidão sobre os processos em que o advogado atuou e neles, sendo públicos,
obter informações sobre o recebimento de honorários. Com isso, poderia a RFB autuar o
advogado e cobrar-lhe, com multa e demais encargos, as contribuições previdenciárias devidas,
ainda que ele não pudesse ter recebido qualquer benefício. Veja que a ausência de inscrição para
o segurado obrigatório não interfere na sua filiação, que é automática com o exercício da
atividade. Esse entendimento é muito importante para se compreender o alcance do princípio da
solidariedade, que previsto na Constituição impõe a todos que exerçam atividade remunerada -
exclui, portanto, os facultativos - se enquadrem e passem a contribuir para o sistema. Por isso
mesmo o nome segurado obrigatório, porquanto o vínculo é imposto por lei e não depende da
vontade do segurado.
5. Manutenção e perda da qualidade de segurado. É o terceiro pilar do sistema pelo qual
o segurado continua vinculado, fazendo jus a todos os benefícios, até que ocorra a perda dessa
qualidade. Veja que enquanto estiver contribuindo regularmente para o regime, o segurado
mantém sua qualidade e todos os direitos. Assim ocorre com todos os tipos de segurados.
Porém, se ele para de contribuir, estaria diante de causa de perda da qualidade de segurado. É
nesse contexto que entram as regras de manutenção e perda, sistematizadas de forma a garantir a
perenidade do regime. Abre-se aqui um parêntese quanto ao empregado, trabalhador avulso e
empregado doméstico! Como vimos antes, não são eles que diretamente contribuem com as
contribuições previdenciárias, as quais, por lei, são deslocadas para serem retidas e recolhidas
pelo empregador ou pelo sindicato ou órgão gestor de mão de obra, os quais assumem o papel
de substitutos tributários. Por essa circunstância, a falta de recolhimento pelo empregador,
sindicato ou OGMO não pode prejudicar o trabalhador, que não era o responsável direto por
essa atribuição. Portanto, mantido o vínculo que qualifica a filiação - exercício da atividade
remunerada -, o empregado, o trabalhador avulso e o empregado doméstico manterão seus
direitos mesmo sem contribuição, no que nos permite dizer que eles mantém a qualidade de
segurados enquanto estiverem vinculados à sua atividade regular que os filiou. Já o facultativo e
o contribuinte individual, os quais devem recolher a contribuição por si mesmos, se não o fazem
deflagram motivo para a perda da qualidade de segurado.
Contudo, algumas regrinhas novas imprimiram novo colorido nessas assertivas. Se o
empregado, avulso ou doméstico são contratados, por exemplo, a tempo parcial, vindo a
remuneração a ficar abaixo do salário mínimo, cumprirá a eles promoverem por conta própria o
recolhimento da diferença até atingir o valor mínimo. O mesmo se aplica ao contribuinte
individual e o facultativo, os quais também estão sujeitos ao recolhimento sobre o valor
mínimo, sob pena de não se computar a competência em referência para os fins legais. Essa
regra foi inserida no §14 do art. 195 da CF/88 pela Emenda Constitucional 103/19:
§ 14. O segurado somente terá reconhecida como tempo de contribuição ao Regime Geral
de Previdência Social a competência cuja contribuição seja igual ou superior à contribuição
mínima mensal exigida para sua categoria, assegurado o agrupamento de contribuições."
Lembro que se o segurado exercer atividade cuja categoria profissional tenha acordo
coletivo ou convenção coletiva de trabalho, na qual estipule um piso normativo salarial superior
ao mínimo, esse valor passa a ser o seu valor mínimo para recolhimento. Dai a expressão
"contribuição mínima mensal exigida para sua categoria". Por outro lado, o dispositivo citado
também abriu oportunidade para o "agrupamento de contribuições", vindo o art. 29 da EC
103/19 a complementar e esclarecer essa nova regra:
Art. 29. Até que entre em vigor lei que disponha sobre o § 14 do art. 195 da
Constituição Federal, o segurado que, no somatório de remunerações auferidas no período
de 1 (um) mês, receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de
contribuição poderá:
I - complementar a sua contribuição, de forma a alcançar o limite mínimo exigido;
II - utilizar o valor da contribuição que exceder o limite mínimo de contribuição de
uma competência em outra; ou
III - agrupar contribuições inferiores ao limite mínimo de diferentes competências,
para aproveitamento em contribuições mínimas mensais.
Parágrafo único. Os ajustes de complementação ou agrupamento de contribuições
previstos nos incisos I, II e III do caput somente poderão ser feitos ao longo do mesmo
ano civil.
Assim, desde que dentro do mesmo ano civil, o segurado terá a opção de (i)
complementar sua contribuição para atingir o mínimo; (ii) utilizar o valor que exceda ao mínimo
de outra competência para complementar o mínimo de outra que tenha ficado inferior; e (iii)
somar contribuições inferiores ao mínimo de outras competências para refletir uma inteira pelo
menos. Essa técnica de agrupamento é uma novidade que ainda será aplicada e interpretada
pelos tribunais e pelo próprio INSS, cuja dinâmica ainda será assentada com o tempo.
Feitas tais colocações, pense então que enquanto o segurado permanece recolhendo suas
contribuições manterá sua qualidade de segurado para todos os fins. Logo, no dia seguinte à
cessação desse pagamento teríamos hipótese de perda da qualidade por inadimplência, o que
poderia gerar situações injustas diante das peculiaridades do dia a dia. Qualquer um pode passar
por situações que lhe impedem o recolhimento no prazo de sua obrigação, até mesmo por
esquecimento. Para contornar essa situação, a lei estabelece um período no qual, mesmo sem
recolher contribuições, o segurado ainda mantém todos os direitos. Por isso mesmo esse prazo
foi denominado de "período de graça", justamente porque o segurado recebe esse período de
graça do sistema, durante o qual mantém sua qualificação. Analisemos as hipóteses!
Mantém a qualidade de segurado:
a) sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício previdenciário, exceto o auxílio-
acidente (essa exceção quanto ao auxílio-acidente foi inserida pela Lei 13.846, de 18/6/19);
b) até 12 meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade
remunerada abrangida pela Previdência ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
c) até 12 meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença que lhe imponha
segregação compulsória (olha o Coronavírus ai!);
d) até 12 meses após o livramento, o segurado retido ou recluso no sistema prisional;
e) até 3 meses após o licenciamento, aquele incorporado ao serviço militar nas Forças Armadas,
inclusive com suas prorrogações (engajamento/reengajamento);
f) até 6 meses após a cessação das contribuições, quanto ao segurado facultativo.
No caso da letra 'b', o prazo pode ser prorrogado por mais 12 meses, alcançando 24
meses, nos casos de segurado que tenha recolhido mais de 120 contribuições mensais sem a
perda da qualidade de segurado nesse período ou que comprove estar desempregado
involuntariamente após a perda do vínculo. Reunindo as duas situações, mais de 120
contribuições mensais sem a perda da qualidade e mais o desemprego involuntário, o prazo
prorroga para 36 meses.
Voltando a contribuir, o prazo é interrompido, recomeçando do início se houver novo
afastamento ou interrupção do pagamento das contribuições.
Antes de prosseguir para falar da perda da qualidade de segurado, que a legislação não
sintonizou com o momento de fim desses prazos, cabe-nos falar um pouquinho dessas hipóteses
e suas intercorrências na evolução jurisprudencial.
No primeiro caso, da letra 'a', quando não inserida ainda a exceção na regra, entendia-se
que o gozo do auxílio-acidente consistia motivo suficiente para impedir a perda da qualidade de
segurado, de tal modo que o segurado que o recebia estaria imune a essa situação de perda para
sempre, pelo menos enquanto estivesse recebendo o benefício. Contudo, a partir de 18/6/2019
esse entendimento não tem como ser aplicado, de tal sorte que apenas os demais benefícios
previdenciários, enquanto recebidos, impedem a perda da qualidade de segurado.
O caso da letra 'b' é demasiadamente polêmico e se encontra, inclusive, em debate na
jurisprudência atual. O primeiro debate é si essa prorrogação de prazo por 12 meses se incorpora
no patrimônio jurídico do segurado que preencher o requisitos de mais de 120 contribuições
mensais. Por muito tempo entendeu-se que sim, de modo que, depois de incorporado, todas as
intercorrências futuras teriam de considerar o prazo geral de 12 meses mais o prazo dessa
prorrogação de mais 12 meses. Contudo, em recente julgado, o STJ deu outra interpretação ao
tema:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE
DE PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE GRAÇA. ART. 15, § 1º, DA LEI 8.213/91.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO DIREITO, POR CONSTITUIR EXCEÇÃO À
REGRA O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO CONTRIBUTIVO. VIABILIDADE DE
USUFRUIR DO FAVOR LEGAL A QUALQUER TEMPO, POR UMA SÓ VEZ, E
DESDE QUE NÃO PERDIDA A QUALIDADE DE SEGURADO. RECURSO
ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
II. Acórdão recorrido que entendeu que a extensão do período de graça, prevista no § 1º do
art. 15 da Lei 8.213/91, incorporou-se ao patrimônio jurídico do segurado, de modo que
poderia ele valer-se de tal prerrogativa por mais de uma vez, no futuro, mesmo que viesse a
perder, anteriormente, a qualidade de segurado.
(...)
IV. A possibilidade de prorrogação do período de graça, na forma do art. 15, § 1º, da
Lei 8.213/91, por constituir exceção ao regime contributivo da Previdência Social,
deve ser interpretada restritivamente, na medida em que "as disposições excepcionais
são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas,
ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que
designam expressamente" (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito.
19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 183-194).
V. Assim, cumprida a exigência legal, consistente no pagamento de mais de 120 (cento e
vinte) contribuições mensais, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de
segurado, deve ser reconhecido o direito à prorrogação do período de graça, na forma do
art. 15, § 1º, da Lei 8.213/91, cujo exercício não está limitado ao período sem
contribuição imediatamente subsequente à aquisição do direito, podendo ser utilizado
a qualquer tempo e por uma só vez, desde que não perdida a qualidade de segurado.
VI. Porém, perdida a condição de segurado, haverá caducidade dos direitos dela
decorrentes, na forma do art. 102 da Lei 8.213/91, excetuado o direito adquirido à
aposentadoria, ou à respectiva pensão por morte, quando implementados os requisitos para
o benefício de aposentadoria, segundo a legislação então vigente.
VII. A norma do art. 15 da Lei 8.213/91 é cogente, no sentido de que somente será perdida
a condição de segurado depois de exauridas todas as possibilidades de manutenção da
qualidade de segurado, nela previstas. Consequentemente, se o segurado já havia
adquirido o direito à prorrogação do período de graça – por ter contribuído, sem
perda da qualidade de segurado, por mais de 120 (cento e vinte) meses, na forma do §
1º do art. 15 da Lei 8.213/91 –, e se, posteriormente, após utilizadas e exauridas as três
modalidades de prorrogação do período de graça, previstas no referido art. 15 da
aludida Lei 8.213/91, veio ele, ainda assim, a perder a qualidade de segurado, deduz-se
que o aludido benefício de prorrogação do período de graça, previsto no § 1º do art. 15
da Lei 8.213/91, já foi automaticamente usufruído, não fazendo sentido concluir pela
possibilidade de utilizá-lo novamente, no futuro, exceto se o direito for readquirido,
mediante o pagamento de mais de 120 (cento e vinte) novas contribuições, sem perda
da qualidade de segurado. Concluir de outra forma implicaria alterar o sentido da norma,
de maneira que o direito de prorrogação do período de graça, previsto no § 1º do art. 15 da
Lei 8.213/91, seria inesgotável, em exegese atentatória ao sistema previdenciário
contributivo, previsto nos arts. 201, caput, da CF/88 e 1º da Lei 8.213/91.
VIII. Recurso Especial parcialmente provido, para, reconhecido o direito à prorrogação do
período de graça do art. 15, § 1º, da Lei 8.213/91 – por uma só vez e desde que não perdida
a condição de segurado –, determinar o retorno dos autos à origem, prosseguindo-se na
análise do direito à pensão por morte, na forma da lei, à luz dos fatos e provas dos autos.
(STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 1517010/SP 2014/0262440-0. Relator p/ acórdão:
Ministra Assusete Magalhães. DJe: 19/12/2018)
O que sobressai da regra interpretada pelo STJ, nesse precedente específico, é que o
segurado teria garantido o uso desses 12 meses de prorrogação uma única vez, perdendo a
hipótese de prorrogação se, perdida a qualidade de segurado, incorresse em nova situação de
trabalho e depois estivesse novamente diante de novo período de graça. Exemplificando,
imagine que o segurado trabalhou de 2000 a 2010, adquirindo com isso o direito à prorrogação
do período de graça em mais 12 meses; pedindo demissão, ele então contaria com 24 meses a
partir de 2010 (12 meses da regra geral da letra 'b' e mais 12 meses por ter mais de 120 meses
sem a perda da qualidade no meio do caminho); imagine que consiga novo emprego em 2013,
depois de usufruídos os 24 meses, vindo a trabalhar até 2014; com novo pedido de demissão
agora, em 2014, após um ano de atividade, ele teria 12 meses ou 24 meses de período de graça?
Pelo entendimento antigo, ele sempre teria direito a mais 12 meses, ou seja, no caso 24 meses,
uma vez que, adquirido esse direito, ele teria incorporado a seu patrimônio jurídico. Contudo, o
precedente do STJ muda a visão do caso ao entender que, tendo usado o período de graça
prorrogado anteriormente, nas ocorrências subsequentes o segurado não mais teria o direito.
Vale dizer, na situação do exemplo ele teria apenas 12 meses de período de graça. Esse debate
tem atormentado a jurisprudência nacional e foi agora levado a julgamento na Turma Nacional
de Uniformização de Jurisprudência junto ao Conselho da Justiça Federal, onde aguarda
apreciação. Mas sua apreciação ainda poderá ser levada adiante, uma vez cabível interpretação
pelo STJ em palavra final.
O outro ponto de debate diz respeito ao desemprego involuntário. O STJ entendeu que
esse desemprego, primeiro, deve ser involuntário e, segundo, pode ser comprovado por
qualquer meio idôneo:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE
SEGURADO. DESEMPREGO VOLUNTÁRIO. EXTENSÃO DO PERÍODO DE
GRAÇA. ART. 15, § 2º, DA LEI N. 8.213/91. NÃO APLICABILIDADE. 1. Verifica-se
não ter ocorrido ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil/73, na medida que o
Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas,
apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos. 2. A Previdência Social tem por
finalidade o amparo ao beneficiário que, mediante fatos da vida, por vezes alheios à sua
vontade, venha a experimentar situações que respaldem o direito à obtenção dos chamados
benefícios previdenciários. 3. Ao traçar os objetivos da Previdência Social, o art. 1º da Lei
n. 8.213/91 enumera as circunstâncias capazes de ensejar a cobertura previdenciária e,
dentre elas, está expressamente descrita a situação de desemprego involuntário. 4. Nada
obstante o § 2º do art. 15 da Lei n. 8.213/91 não seja categórico quanto à sua incidência
apenas na hipótese de desemprego involutário, em uma interpretação sistemática das
normas previdenciárias é de se concluir que, tendo o rompimento do vínculo laboral
ocorrido por ato voluntário do trabalhador, sua qualidade de segurado será mantida apenas
nos doze primeiros meses após o desemprego, a teor do art. 15, II, da Lei n. 8.213/91, sem a
prorrogação de que trata o § 2º do mesmo artigo 5. Recurso especial improvido.
(REsp 1367113/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
21/06/2018, DJe 08/08/2018).
(2) aposentadorias programáveis, assim consideradas três espécies: por idade, por tempo de
contribuição e especial: 180 meses de contribuição. Ressalve-se dessa carência aqueles que se
filiaram antes da Lei 8.213/91, uma vez que o regime anterior previa tempo de carência menor,
daí que o art. 142 da Lei dispôs de uma incidência do novo prazo de carência progressivamente.
Ele tem aplicação apenas para aqueles filiados antes da Lei e a partir de 2011 atingiu a regra
geral, de modo que quem preencha os requisitos a partir desse ano de 2011, ainda que tenha
ingressado antes no regime, estará sujeito à regra de carência comum.
(3) o salário maternidade para as seguradas facultativa e contribuinte individual, as quais terão
de contribuir antes do parto por 10 meses. A segurada especial não tem de contribuir por esse
tempo, mas sim comprovar sua atividade rural ou como pescadora artesanal por tempo
equivalente. Se o parto antecipar, o número de meses de antecipação também gerará a redução
da carência em número de meses equivalentes. Para os segurados empregado, trabalhador
avulso e doméstico não se exige carência, o que permite que a empregada, por exemplo,
ingresse no trabalho já grávida e, mesmo assim, fará jus ao benefício.
Além do prazo de carência ressaltado, o qual não pode ser antecipado e nem pago por
antecipação, deve ser considerado o início de sua contagem, ponto dos mais importantes desse
pilar previdenciário. Duas são as situações para esse início, sendo (i) a partir da data de filiação,
no caso dos segurados empregados, inclusive os domésticos, e dos trabalhadores avulsos; e (ii) a
contar da data de efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso, não sendo
consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências
anteriores, no caso dos segurados contribuinte individual e facultativo. Portanto, a data da
filiação coincide com o início de contagem do prazo de carência para o empregado, o avulso e o
doméstico. Todavia, as datas não coincidem quanto ao contribuinte individual e o segurado
facultativo. Para o contribuinte individual, ele estará filiado desde o momento em que iniciar sua
atividade remunerada, porém, quanto a carência, ela somente será computada a partir do
recolhimento da primeira contribuição regular feita no prazo. Já o segurado facultativo, tanto a
filiação quanto a contagem de carência dependem da inscrição formalizada com o pagamento da
primeira contribuição regular feita no prazo.
Com a perda da qualidade de segurado perdem-se os direitos previdenciários que não
tenham sido os requisitos preenchidos. A nova filiação, também chamada de refiliação ou
reenquadramento, abre novo período e nova situação jurídica, mas o período anterior poderá ser
computado se atendido o requisito de nova contagem de carência, nos termos do art. 27-A da
Lei 8.213/91. Essa nova contagem passou por muitas turbulências em períodos passados,
havendo uma tabela com diferentes prazos a serem observados em função de interferências na
legislação. Primeiro, vejamos a regra atual:
Art. 27-A Na hipótese de perda da qualidade de segurado, para fins da concessão dos
benefícios de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez, de salário-maternidade e de
auxílio-reclusão, o segurado deverá contar, a partir da data da nova filiação à Previdência
Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I, III e IV do caput do art. 25 desta
Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
Saliento ao fechar o estudo desses quatro pilares que, no que tange às mudanças trazidas
pela EC 103/19, ainda teremos um tempo para sua assimilação no cotidiano, sendo certo que
suas regras de agrupamento de contribuições irão afetar a compreensão sobre a contagem de
carência. Os impactos disso decorrerão das discussões judiciais e a interpretação que vier a ser
assentada pelos tribunais.
Por fim, lembro que agora temos condições de terminar aquele exercício iniciado com o
estudo das contribuições sociais, no qual temos as questões 7 e 8 abordando a matéria aqui
estudada. Leia o material escrito e ouça o áudio que buscarei lhe enviar com o resumo desse
tópico. Depois, faça o exercício proposto, o qual trataremos nas próximas aulas remotas. As
dúvidas podem ser encaminhadas ao meu email atanairnasser@gmail.com, identificando seu
nome, turno, período e disciplina.
Leia, por gentileza, os dispositivos pertinentes da EC 103/19 e da Lei 8.213/91 a
respeito do que tratamos aqui hoje, bem assim aproveite para adiantar as respostas do
questionário até onde estudamos. Mãos a obra!!!