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Tradução
de Karina Jannini, prefácio de Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Vilmar Debona
Já se sabe que esta é uma das condições mais básicas para todo
leitor da filosofia. Quando o contrário ocorre, inexiste um reconhecimento
essencial das doutrinas dos filósofos, a forma de apropriação não é autêntica e
o contato com a tradição, por certo, não estará livre de falsificações. Vejam-se,
então, algumas das filosofias e pensadores abordados por Schopenhauer.
Apesar de em outros momentos, tal como em O Mundo e em sua
Metafísica do Belo, Schopenhauer afirmar veementemente que seu pensamento
é herdeiro direto de Platão e não poderia existir sem a leitura do velho mestre,
aqui o filósofo alemão toma-o sob uma outra perspectiva, considerando de
forma negativa o racionalismo da teoria do conhecimento. É que a doutrina
platônica (cf. capítulo 10 de Fédon) elege o cognocente que há no homem
como uma substância imaterial, fundamentalmente diferente do corpo e
chamada alma; o corpo não passa de um obstáculo para o conhecimento, assim
como todo conhecimento mediado pelos sentidos é enganador. Por
conseguinte, o “conhecimento puro” é aquele livre de toda sensibilidade
(portanto, de toda intuição) proporcionado pela alma que, por sua vez, após
ter se desprendido do corpo, opera com recursos próprios e exclusivamente
com conceitos abstratos. Quando se considera que o pensamento
schopenhaueriano permaneceu por trinta anos num ostracismo filosófico
justamente por ter elogiado um modo de conhecimento intuitivo em vez do
conhecimento racional e abstrato, então o reconhecimento da divergência entre
a doutrina do conhecimento racional platônica e a de Schopenhauer é evidente.
Contudo, a doutrina das Idéias de Platão não deixa de ser uma das melhores
fundamentações para a teoria da objetidade da Vontade. E, por isso mesmo,
Schopenhauer faz jus ao que havia dito: somente uma seleção dos assuntos
que interessam a uma teoria concebida original e autonomamente é digna de
ser considerada. Nem todas as teorias interessam, assim como apenas algumas
delas corroboram e se adaptam a um pensamento original.
Tomados de forma geral, os Estóicos também são considerados
por Schopenhauer principalmente a partir da noção de ëïãïò óðåñìáôéêïò,
expressão que pode designar aquilo que “nos indivíduos sucessivos de uma
espécie mantém e conserva sua forma idêntica, passando de um para o outro”
(SCHOPENHAUER, 2007, p. 77). A idéia central, quanto a isso, é a de que
todo indivíduo, ao passo que reproduz e gera filhos, visa tão somente colaborar
com a preservação da espécie. A teoria schopenhaueriana sobre esse tema
também faz parte dos Parerga und Paralipomena e encontra-se traduzido pela
(influxo físico). Esse influxo pode ser observado de dentro para fora entre a
vontade e as ações do corpo, relação que se transformou no problema principal
e do qual se acercaram, por exemplo, Malebranche e Espinosa.
Um dos pensadores modernos mais elogiados e apreciados por
Schopenhauer foi Locke. De acordo com o modo peculiar com que o “Kaspar
Hauser” da filosofia considerou o corpo (ou os órgãos dos sentidos em geral), ou
seja, tomando-o como elemento indispensável para a formação do conhecimento
humano, ou melhor, para a formação das representações, a maneira com que o
empirismo britânico tratou a teoria das sensações – não se poderia estranhar –
encontraria eco em Schopenhauer. Observem-se as palavras abaixo:
Referências
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como representação.
Tradução de Jair Barboza. São Paulo: UNESP, 2005.