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Campos dos Goytacazes - RJ

2005

RESUMO

O presente trabalho visa tratar do novo instrumento jurídico

urbanístico da Outorga Onerosa do Direito de Construir (¨Solo Criado¨), bem

verificar sua aplicação prática nas cidades. Entende-se por ¨Solo Criado¨ é toda

área na qual pode se construir além do coeficiente único de aproveitamento da

mesma; logo é um acréscimo ao direito de construir além do coeficiente básico de

aproveitamento estabelecido; O proprietário não tem o direito originário de construir

acima do coeficiente, mas pode adquiri-lo junto ao Município, conforme o que a lei

(plano diretor urbano ou outra que faça as vezes de ) traçar.

Logo, como objetivo do presente estão o tratamento dos aspectos

jurídicos do instituto, e a aplicação do mesmo.


Palavras-chave:. Solo Criado, Aspectos Jurídicos, Aplicação do Instituto.
SUMÁRIO

1.Introdução..............................................................................................................06

2. Conceituação........................................................................................................07

3. O Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01) e o Solo Criado...........................08

4. Considerações acerca do tema............................................................................16


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3.1 – Solo criado e outorga onerosa do direito de construir

O legislador não designou expressamente o instituto como ¨solo

criado¨, preferindo usar da terminologia de ¨outorga onerosa do direito de construir¨,

conforme atesta o título dado para Seção IX do Capítulo II do Estatuto. Dois são os

problemas ao usar essa terminologia: primeiro, deu título menos abrangente do que

a matéria tratada nos artigos ali constantes, pois estes englobam também a

possibilidade de outorga onerosa de alteração de uso; segundo, a nomeclatura

¨outorga onerosa do direito de construir¨ é diversa da noção de ¨solo criado¨. A

onerosidade é uma consequência do solo criado, decorre deste.

3.2- Solo criado como um bem comerciável.

O direito de construir para além do coeficiente de aproveitamento

básico permitido, ou seja, o Solo Criado, constitui-se em um ativo patrimonial

destacado da propriedade do imóvel correspondente. Esse pode ser alienado pelo

Poder Público Municipal ou ainda pelos particulares que tiverem seu direito de

construir até o limite do coeficiente básico interditado por outras medidas de

sacrifício ou condicionamento urbanístico5

Não se trata de um bem ilimitado, por isso não pode o Poder

Público vender potencial construtivo sem ter critérios para tal. Em cada cidade há

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NETO Floriano de Azevedo Marques. Outorga Onerosa do Direito de Construir (Solo Criado). In:
Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
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um potencial de solo criável, que deve corresponder exatamente à diferença entre o

coeficiente de aproveitamento básico (art. 28 § 2) e o limite máximo passível de ser

aproveitado (art. 28 § 3), somente se abatendo da diferença as áreas nas quais não

se pode construir.

O limite máximo a ser aproveitado tem como critérios definidores a

disponibilidade de infra estrutura e o crescimento que se planeja com as

construções.

3.3 – Da necessidade de se ter um plano diretor para a

implementação do solo criado.

Para a implementação do instituto do solo criado é imprescindível a

elaboração de um plano diretor, que por imposição constitucional (art. 182, §1, CF)

é, inclusive, instrumento chave da política urbana, e onde se definem os contornos

da função social da propriedade urbana.

Deverá constar do Plano Diretor: (a) a definição do coeficiente de

aproveitamento básico, que pode ser único ou diferenciado para zonas urbanas

específicas (artigo 28, § 2º, Estatuto das Cidades); (b) o estabelecimento das áreas

da cidade em que é admitida a edificação a mais do que o respectivo coeficiente

básico (artigo 28, caput, Estatuto das Cidades) e o estabelecimento de áreas em

que será interditada a criação de solo; (c) definição dos limites máximos a serem

atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando os critérios da

proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e do aumento de densidade


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esperado em cada área (artigo 28, § 3º, Estatuto das Cidades), (d) fixação de áreas

onde será admitida a outorga onerosa do direito de alteração de uso (artigo 29,

Estatuto das Cidades).

Na falta de um plano diretor urbano, definido no texto constitucional

como obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, de responsabilidade do

poder público municipal, elaborado e executado pelo Executivo e transformado em lei pelo

Legislativo, poderá ser adotada com efeitos de um plano diretor urbano uma lei simples que

faça as vezes do plano diretor urbano, devendo esta tratar de materias que seriam tratadas

no plano diretor urbano. Na prática a maioria das cidades com menos de 20 mil habitantes

não tem ainda o plano diretor urbano, mas nem por isso devem deixar de fazer uso dos

institutos que seriam pelo plano diretor originalmente tratados, se estes estiverem tratados

minimamente em uma simples Lei.

3.4 – O coeficiente de aproveitamento básico

Pode ser definido como a relação entre a área edificável e a área do

terreno (& 1º do artigo 28 do Estatuto da Cidade). De acordo com Eros Roberto

Grau6, ¨o coeficiente de aproveitamento expressa a relação entre a área construída

(isto é, a soma das áreas dos pisos utilizáveis, cobertos ou não, de todos os

pavimentos de uma edificação) e a área total do terreno em que a edificação se

situa¨.

O coeficiente de aproveitamento básico é, portanto aquele que é

explorável independente de outorga por parte do poder público, e distingue-se da

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GRAU, Eros Roberto. Direito Urbano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1983. Pág.56
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taxa de ocupação, já que nesta o que se divide pela área do terreno não é a soma

das superfícies edificadas sobre elas, e sim a sua projeção sobre o eixo

perpendicular do imóvel.

O artigo 28 caput do Estatuto da Cidade trata de duas hipóteses de

coeficiente de aproveitamento: o coeficiente de aproveitamento básico (artigo 28,

caput) e os coeficientes de aproveitamento a serem decorrentes da outorga onerosa

do direito de construir, até os limites máximos previstos no Plano Diretor municipal.

3.5 – A não-definição do coeficiente básico na lei nacional

Para Floriano de Azevedo Marques Neto7, o estatuto peca ao não

definir um coeficiente de aproveitamento aplicável a todo território nacional, usando

como argumento principal que trata-se de um fator de limitação de direito subjetivo,

e assim sendo, deveria vir previsto em lei nacional.

O grande risco, a meu particular modo de vista, é de não se ver

respeitadas as caracteristicas regionais no caso de elaboração de uma lei que

definisse o coeficiente de aproveitamento para todo o território nacional.

Também se ressalta que, historicamente, desde a Antigüidade,

nunca o proprietário pôde usar a propriedade imobiliária de forma absoluta.

Segundo Fustel de Coulanges ( A cidade antiga) , as primeiras limitações quanto ao

uso da propriedade eram de ordem religiosa. Os deuses do lar, da família, ficavam

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NETO Floriano de Azevedo Marques. Outorga Onerosa do Direito de Construir (Solo Criado). In:
Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros Editores,
2002.Pág. 237.
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isolados numa edificação afastada da casa principal e separada por vedações, para

que estranhos não tivessem qualquer visão do culto familiar que era secreto. A

propriedade sempre foi então um direito subjetivo limitado.

Ademais uma zona litorânea não é igual a uma zona de montanha,

cidades pequenas não são iguais a cidades grandes, dentre outras diferenças

possíveis. Uma Lei nacional tratando do assunto só seria viável se respeitasse as

mais variadas diferenças.

3.6 – Condições para outorga onerosa

As condiçoes para a outorga do direito de construir ou de alteração

o uso do solo urbano, de acordo com o artigo 30 do Estatuto deverão ser

estabelecidas por Lei municipal específica. Essa lei é uma norma-procedimento, lei

esta diversa do Plano Diretor, a qual preverá as regras de cálculo, os critérios e os

parâmetros da contrapartida, respeitando as condições de isonomia entre os

particulares interessados e a obtenção de maior vantagem para o Poder Público

Municipal.

O procedimento adotado para a outorga onerosa deverá ser um

procedimento licitatório simplificado, na modalidade de leilão dos índices

construtivos. Se a legislação municipal estabelecer que o direito ao solo criado de

um determinado imóvel só poderá ser outorgado ao respectivo titular, ou seja, ao


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proprietário ou possuidor, estaríamos em um caso de inexigibilidade do

procedimento licitatório, de acordo com o artigo 25 da Lei 8.666/1993.

3.7 – Fórmula de cálculo para a cobrança

Podem ser utilizados vários critérios para se estabelecer a formula

de cálculo, com a limitação de não poder exceder em valor unitário do metro

quadrado do solo criado, o valor unitário do terreno. Isso com base na teoria de que

o valor do acessório (solo criado) não deve ser maior do que o valor do principal

(próprio terreno).

A outorga onerosa pode ser, inclusive, condicionada a um

pagamento que não seja necessariamente em dinheiro, como a doação de áreas

em outra região ou ao compromisso de efetivação de investimentos em outras áreas

da cidade, aproximando o instituto da Outorga Onerosa ao das Operações Urbanas

Consorciadas (arte. 32 a 34 do Estatuto das Cidades).

3.8 - Hipóteses de Isenção do Pagamento da Outorga


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O artigo 30, inciso II do Estatuto da Cidade estabelece que a lei

municipal deverá regrar as hipóteses de isenção do pagamento da Outorga.

Essas hipóteses poderão decorrer ou de situações objetivas (como

por exemplo, o local onde a prefeitura estimule o adensamento, a fim de aproveitar

a infra-estrutura disponível), ou subjetivas (como por exemplo, o caráter beneficente

do proprietário que vai receber a isenção da outorga, ou a finalidade social da

construção que utilizará o solo criado).

3.9- A contrapartida do usuário

Conforme o inciso III do artigo 30 do Estatuto da Cidade, lei

municipal específica estabelecerá a contrapartida do beneficiário. Esta formulação

abre o leque de possibilidades do pagamento do ônus para mais que apenas em

dinheiro. No projeto inicial eram previstas quatro hipóteses de contrapartida: a)

Ativos financeiros; b) bens imóveis; c) execução de obras e serviços relevantes para

o desenvolvimento urbano municipal; d) créditos relativos a indenizações não pagas

pelo Município. Com a supressão, pode hoje existir a contrapartida nessas quatro

formulas ou ainda em outras, pois não há restrições na margem de liberdade para

que os Municípios as estabeleçam.

Os recursos obtidos com a outorga onerosa terão que ser utilizados,

obrigatoriamente, em alguma dasn finalidades listadas no art. 26 do Estatuto da

Cidade. Trata-se de dispositivo essencial que visa a evitar que os recursos

auferidos com a alienação do potencial construtivo se transformem em receitas


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públicas desvinculadas do cumprimento das finalidades de ordenação e

planejamento urbano.

4.0 Considerações acerca do tema:

Durante os séculos XVIII e XIX a explosão industrial levou muitas

cidades a um crescimento urbano desordenado, culminando com constantes ondas

de mortes por doenças e epidemias, conforme bem cita a autora Jurandir Freire

Costa, no seu livro Ordem médica e Norma Familiar.

Como resultado, as cidades começaram a ser equipadas pela

municipalidade com sistemas hidrossanitários, sistemas viários, rede de energia

elétrica, bibliotecas, hospitais, áreas de lazer e até mesmo passaram a ser

oferecidas moradias à população de baixa renda, propiciando assim uma total

renovação urbana. É aumentada a necessidade de registro sobre a cidade,

devendo-se saber dentre outros quais os proprietários das terras. Tal se dá através

de sistemas cadastrais, que passa a ser forte ferramenta ao bom planejamento

urbano.

A urbanização de uma cidade é hoje dinâmica e segue os

parâmetros traçados pelo seu Plano Diretor. As tendências de crescimento de

determinadas zonas urbanas, porém, podem as vezes ficar abaixo do esperado

pelos governantes. Novas ações visando a renovação urbana têm sido aplicadas a

esses casos, e dentre elas destaca-se o uso do instituto da outorga onerosa do

direito de construir, atráves da qual pode o Poder Público controlar o crescimento da


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cidade, estimulando o crescimento em uma determinada zona urbana, e

desestimulando em outra, tudo apenas controlando o coeficiente básico de

aproveitamento e o limite máximo, e assim praticamente proibindo determinadas

construções em áreas muito povoadas e estimulando a construção em áreas não

muito povoadas. É pois poderoso instrumento para ordenar o crescimento urbano o

instituto da outorga onerosa do direito de construir.

Podem também as diretrizes traçadas pelo Poder Público articular

com uma política redistributiva na geração e aplicação de recursos públicos. Sabe-

se que a concentração de renda é um principais limites para uma transformação na

estrutura da cidade, devendo então a distribuição de renda dever ser uma das

bases da restruturação urbana.

É plenamente possível fazer isto por meio de transferência de

renda imobiliária dos mais ricos para os mais pobres. A viabilização dessa política

pode ser obtida com a adoção de uma política de solo criado pela a qual os ganhos

imobiliários provenientes do adensamento do uso do solo voltem à população na

forma de remuneração do custo da infra-estrutura e de equipamentos públicos dela

decorrentes e de subsídio para habitação e urbanização dos territórios populares.

Além de tudo, verticalização nas cidades deslocou o debate das

densidades humanas da esfera médica (da influência dos médicos) para a

arquitetônica (influência dos engenheiros), ambas correlacionadas em termos, e

introduziu um diferencial extra no preço da terra urbana: o potencial de metros

quadrados de solo criado vertical. Agora é introduzida a questão dos limites para a

expansão e dos programa de intervenção "saneadora" nos espaços marginais.


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Sob a visão dos municípios, conceitos como os de "higiene" e

"beleza", que no início do século eram o paradigma para o estabelecimento das

normas urbanas, acabaram trocados por noções mais ligadas a modernidade, como

"eficiência" e "funcionalidade". O planejamento das cidades deveria fazê-la

funcionar como uma máquina.

Por isso, hoje é fundamental repensar o sentido e a forma de

intervenção do poder público na cidade, repensando tanto o planejamento, quanto a

gestão e seus instrumentos.

REFERÊNCIAS

Referências Bibliográficas
17

GRAU, Eros Roberto. Direito Urbano – Regiões Metropolitanas, Solo Criado,


Zoneamento e Controle Ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1983.

___________________. Solo Criado/Carta de Embu (diversos autores), CEPAM –


Fundação Prefeito Faria Lima, 1977.

GRECO, Marco Aurélio. O Solo Criado e a Questão Fundiária. In: Direito do


Urbanismo: uma visão sócio-jurídica / Coordenação de Álvaro Pessoa. Rio de
Janeiro: IBAM – Instituto de Administração Municipal, 1981.

LIMA, Fundação Prefeito Faria. Solo Criado como Instrumento de Planejamento


Urbano. Revista Brasileira de Planejamento, Porto Alegre, agosto/1977.

LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Editora


Renovar, 1997.

NETO Floriano de Azevedo Marques. Outorga Onerosa do Direito de Construir (Solo


Criado). In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo:
Malheiros Editores, 2002.

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Editores, 2000.

SOUZA, Júnia Verna Ferreira de. Solo Criado: Um caminho para minorar os
problemas urbanos. In: Temas de Direito Urbanístico 02 / Coordenadores Adilson
Abreu Dallari e Lúcia Vale Figueiredo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1991.

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