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RESUMO
1. INTRODUÇÃO
3. A DIALÉTICA MACHADIANA
A mais alta dialética do conceito (...) é produzir e conceber a determinação, não como
oposição e limite simplesmente, mas compreender e produzir por si mesma o conteúdo
e o resultados positivos, na medida em que, mediante esse processo, unicamente ela é
desenvolvimento e progresso imanente. Essa dialética não é (...) senão a alma própria
do conteúdo, que faz brotar, organizadamente, seus ramos e seus frutos. (...) a
legitimidade de um sistema filosófico só se instaura como tal desde que, nesse
sistema, incluam-se o negativo e o positivo do objeto, e na medida em que tal sistema
reproduza o processo pelo qual o objeto se torna falso, em seguida, voltar à verdade.
Se algo existente não pode, em sua determinação positiva, abarcar ao mesmo tempo
sua determinação negativa e manter firme a uma e outra, isto é, se não pode ter em si
mesmo a contradição, então não é esta a unidade vivente mesma, não é fundamento,
antes sucumbe na contradição.
Ora, Bem e Mal são fundamentos não apenas teológicos, mas também sociais e, em
menor escala, psicológicos, o que os tornam elementos profundamente humanos. Sua
ocorrência, porém, encontra-se condicionada ao princípio da oposição (por exemplo, só
há noite se houver dia), fazendo com que, em Machado de Assis, não seja possível
falar de Deus sem falar no Diabo ou ainda que o conto só possa ser apreendido em sua
dimensão mais profunda na medida em que se conceba a dialética de Machado de
Assis.
Em A igreja do Diabo um aspecto principal permeia todo o texto, qual seja, a oposição
entre Bem e Mal. Tal oposição, contudo, mostra-se mais complementar do que
contrária de fato, posto que, na visão machadiana, a ocorrência absoluta de um e
outro não é possível, limitando-se a ter lugar paralela e/ou simultaneamente no mundo
das idéias ou do concreto.
É evidente que o contista não se restringe apenas aos elementos essenciais (Bem e
Mal), mas sim às implicações decorrentes dessa antítese perpétua, o que reafirma,
mais uma vez, o propósito dialético de Assis, como afirma Silva (2002, p. 04) ao
explicar que
Bem e Mal são, dentro desse arcabouço, elementos que se fundem originando homens,
idéias e eventos, mas esses mesmos homens, idéias e eventos, por representarem a
síntese do positivo e do negativo, negam tanto a matriz benéfica quanto maléfica,
tornando ao ponto de partida da dialética: a negação.
Aliás, nesse sentido, é oportuno frisar que a essência do Mal, Lúcifer, não é concebido
na obra como um ser do qual emana apenas a maldade, mas também qualidades
apreciáveis como a beleza, a criatividade, a gentileza e a eloqüência.
- Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos,
terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a
que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil e
airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para
meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo,
tudo, tudo... (2003, p. 07).
A crença fundamental dos metafísicos é a crença nas oposições dos valores. Nem
sequer aos mais cautelosos dentre eles ocorreu duvidas já aqui no liminar, onde no
entanto era mais necessário: mesmo quando se juramentaram ‘de omnibus
dubitandum’. Pode-se, com efeito, duvidar, em primeiro lugar, se há em geral
oposições e, em segundo lugar, se aquelas vulgares estimativas e oposições de valor
sobre as quais os metafísicos imprimiram seu selo não seriam talvez apenas
estimativas de fachada, apenas perspectivas provisórias, talvez, além do mais, a partir
de um ângulo, talvez de baixo para cima, perspectivas de rã, por assim dizer, para
emprestar uma expressão que é corrente entre os pintores? Com todo o valor que
possa caber ao verdadeiro, ao verídico, ao não-egoísta: seria possível que tivesse de
ser atribuído à aparência, à vontade de engano, ao egoísmo e ao apetite um valor
mais alto e mais fundamental para toda a vida. Seria até mesmo possível, ainda, que o
que constitui o valor daquelas boas e veneradas coisas consistisse precisamente em
estarem, da maneira mais capciosa, aparentadas, vinculadas, enredadas com aquelas
coisas ruins, aparentemente opostas, e talvez mesmo em lhes serem iguais em
essência.
O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons
versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de
Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal.
Falas assim porque só tens uma aflição, não procuras jamais desvendar as outras! No
meu corpo há duas almas em competição, anseia cada qual da outra se apartar. Uma
rude me arrasta aos prazeres da terra, e se apega a este mundo, anseios redobrados;
outra ascende nos ares; nos espaços erra, aspira à vida eterna e a seus antepassados.
Oh, se existem espíritos no alto firmamento, que entre a terra e o céu se agitam com
freqüência que desçam dessa névoa áurea, num momento, e me levem a essa nova e
brilhante existência!
Emerge, assim, uma idéia bastante próxima das possíveis pretensões de Machado de
Assis no conto, quais sejam, primeiro demonstrar que a religião cristã ou quaisquer
outras assentadas em premissas equivalentes, não levam em conta a natureza do
homem, isto é, necessitam de um ser humano coadunado com suas normas e regras
sem terem presente que esse tipo de ser simplesmente não existe; segundo, não são
capazes de libertar o homem do jugo de sua própria miséria, logo, são ineficientes
como instrumento efetivos de redenção.
Nesse sentido, a conclusão lógica de tais premissas é que o homem, para Machado de
Assis, será sempre a conjugação de Bem e Mal, vício e virtude, mas com nítida
preponderância para o lado negativo pois, uma vez que a tendência do homo sapiens é
ser atraído pelo proibido e atendendo ao fato de que não existe, oficial ou
oficiosamente, uma Igreja do Diabo, apenas uma que se volta para Deus, é mais do
homem ser da terra (do vício) que do céu (virtude). Daí o pessimismo do escritor,
sempre presente em suas obras.
7. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de. A Igreja do Diabo. Organizado por Virtual Books (Terra).
Disponível na Internet em http:// www.virtualbooks.com.br/
GOETHE, Johann Wolfgang von. Fausto & Werther. Tradução Alberto Maximiliano. São
Paulo: Nova Cultural, 2003. (Coleção Obras-primas).
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Estética: a idéia e o ideal – Estética: o belo artístico
ou o ideal. Tradução de Orlando Vitorino. São Paulo: Nova Cultural, 2000. (Coleção Os
Pensadores).