SOUZA SANTOS, Boaventura. Um discurso sobre as ciências. 12ª ed. Porto: Afrontamento, 2001.
Resumo: Silvio Mansani da Silva
O texto trata de descrever um estado de desconfiança epistemológica no seio da
comunidade científica que sugere rupturas e anuncia a emergência de um nova ordem epistemológica. Iniciada à partir do século XVI e consolidada pelo XVIII, o modelo científico hegemônico é edificado à partir de uma separação total entre natureza e ser humano e na valorização do conhecimento quantitativo (dividir, classificar e sistematizar). Seu objetivo principal é descrever as leis causais que regem o funcionamento dos sistemas (o mundo-máquina do determinismo mecanicista), em detrimento da identidade e finalidade dos agentes. Trata-se de um conhecimento que se pretende utilitário, funcional e capaz de dominar e transformar a realidade. No campo dos estudos sociais, o mecanicismo foi adotado em duas vertentes: uma procurando aplicar os princípios epistemológicos e metodológicos dos estudos da natureza e a outra, primeiramente marginalizada, reivindicando um estatuto próprio baseado na especificidade dos ser humano enquanto objeto. Essa segunda vertente se opõe ao positivismo, defendendo a subjetividade das ciências humanas, pela necessidade de compreender os seus fenômenos à partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas ações. No capítulo “A crise do paradigma dominante”, o autor procura identificar os traços que ao seu ver caracterizam uma crise irreversível no campo da ciência que fatalmente levará a um novo paradigma, após a fase revolucionária atual de transição. Das condições teóricas que favorecem a crise, destaca-se, primeiramente, o grande avanço propiciado pelo paradigma moderno, que permitiu a identificação de seus próprios limites e insuficiências estruturais. Descobertas desconcertantes na esfera das ciências naturais, tais como a demonstração da interferência estrutural do sujeito no objeto observado (Heisenberg, Born); a relativização da física newtoniana (Eistein); as investigações matemáticas (Gõdel) que questionam o mito do rigor matemático, bem como a adoção de medições aproximadas e cálculos probabilísticos que abalam as bases do determinismo mecanicista e contribuem para uma profunda reflexão epistemológica sobre o conhecimento científico. Dentre as condições sociais que levam a crise, Boaventura aponta o colapso da ideologia espontânea dos cientistas em torno do ideal de autonomia e desinteresse do conhecimento científico, diante do fenômeno global da industrialização da ciência e sua dominação pelos interesses militares. No capítulo final, “Paradigma emergente, o autor discorre sobre o que denomina de "paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente”, cujas bases se assentam em quatro tópicos: 1) Todo o conhecimento científico-natural é científico social - cuja ideia se baseia em uma concepção não dualista de conhecimento (natureza/cultura; natural/artificial; a mente/matéria; observador/observado, coletivo/individual, etc.); 2) Todo o conhecimento é local e total - baseado em uma fragmentação temática e não disciplinar, cujos temas progridem ao encontro uns dos outros, assim como conceitos e teorias produzidos em nível local são traduzidos de maneira a emigrarem para outros locais cognitivos além de seus contextos originais; 3) Todo conhecimento é autoconhecimento - na medida em que o caráter autobiográfico e auto-referenciável da ciência pós-moderna seja plenamente assumido; e 4) Todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum - redimindo e valorizando a dimensão utópica e libertadora dos conhecimentos leigos, que podem ser ampliadas através do diálogo com o conhecimento científico.