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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS

DEPARTAMENTO DE LINGUAGEM E TECNOLOGIA


GRADUAÇÃO EM LETRAS

Disciplina: Linguística
Histórica 1º período/Letras
Professora: Alcione
Gonçalves ATIVIDADE 1
Valor: 20 pontos
Aluno: Ronei Ferreira Batista
NOTA: 20 PONTOS

Proposta:

Em um texto recente, Marilene Filinto escreveu o seguinte sobre os paulistas do interior:


“O povo tem pronúncia enrolada, estranha de ouvir; e fala um português capenga, em que imperam
ausência de plural e erros de concordância.”
(Trecho citado no artigo “A cor da língua”, in Sírio Possenti. A cor da língua, ALB-Mercado de Letras,
Campinas, 2001)
Considerando o texto acima, e após a leitura dos fragmentos abaixo, redija um texto que apresente uma
tomada de posição sobre o tema “língua e preconceito linguístico”. Indique, na argumentação, fatos
relevantes para a defesa de sua posição.

TEXTO 1: Prefácio ao Glossaria Linguarum Brasiliensium (Karl Martius)

“Para o comércio de troca ali estabelecido de passagem, muitas vezes só por sinais, não vale a
pena ensinar aos índios nem o português, nem a língua geral, e até daria isto ocasião de se confundirem
mais e mais os idiomas pela reunião de gente de tão diversa origem e linguagem. Um exemplo mui
saliente deste fenômeno oferecem as ordas da nação Gês nas margens do Rio Tocantins, as quais, a alguns
decênios, entrando em tráfico com os Brancos, já não usam um só puro dos dialetos da sua própria
linguagem, antes sim falam uma geringonça corrompida, profundamente misturada de elementos muito
diversos e sem graça alguma. (...) Estas sociedades ferozes, recrutando-se da escória da humanidade,
vivendo sem matrimônio, sem lei e sem peijo algum, do roubo, da pilhagem e do homicídio, flagelo da
população pacífica limítrofe aos seus esconderijos, tem formado uma gíria de ladrões, volúvel e sem
fundamento gramatical, o que simboliza seu estado moral depravado. (...) Sabe-se que as linguagens
americanas em geral e assim também as da América meridional têm o caráter polysynthetico, ou são
linguagens d’aglutinação. As palavras radicais destes idiomas, muitas vezes mono ou dissilábicas,
combinam-se para exprimir neste conexo um senso mais ou menos complicado. Faltam a estes idiomas
aquelas flexões que reproduzem, no espírito do ouvinte, com facilidade a clareza do pensamento na sua
sutileza e ordem lógica. Em lugar destas flexões usam de certas partículas, que devem representar as
categorias gramaticais e sintáticas (o que podem só imperfeitamente, e por este defeito aquelas linguagens
não são suscetíveis daquela beleza e agudeza verídica, que admiramos nas das nações mais civilizadas. Se
nestas línguas desenvolvidas as palavras, capazes de flexões graduadas, surgem quase do espírito como
resultado de um processo orgânico ou de um incremento espontâneo, e se elas na sua combinação para
uma fala deixam entrever as leis do pensamento, nada disso apresentam as línguas de aglutinação, que
antes parecem-se na sua escassez infantil com uma conglomeração de concepções obtusas e ligeiramente
combinadas.”

(In Karl Friedrich Philipp von Martius.Wörtersammlung Brasilianischer Sprachen, glossaria linguarum
Brasiliensium, glosários de diversas línguas e dialetos, que falam os índios doImpério do Brasil,
Friedrich Fleischer, Leipzig, 1867)

TEXTO 2: Os tipos de estrutura linguística (Edward Sapir)

“A vasta maioria dos teoristas linguísticos falava por sua vez língua de certo tipo, cujas
variedades mais plenamente desenvolvidas eram o latim e o grego, que eles tinham aprendido na
meninice. Não lhes foi difícil persuadirem-se que tais línguas, que lhes eram familiares, representavam o
desenvolvimento “mais alto”, ao qual a linguagem pode chegar, e que todos os outros tipos eram simples
degraus na marcha para esse “mimado” tipo flexional. Tudo o que se conformava com os moldes do
sânscrito, do latim, do grego e de alemão era aceito como índice de qualquer coisa “superior”; tudo que
deles divergia, era olhado de má vontade como qualquer coisa de falho, ou quando muito, como uma
1
aberração curiosa.

2
Ora, qualquer classificação que parte de valores preconcebidos ou que busca satisfações de
ordem sentimental lavra a sua própria condenação como anticientífica. Um linguista que nos fala do tipo
latino de morfologia como do mais alto grau de desenvolvimento linguístico dá idéia de um zoólogo que
visse todo o mundo orgânico convergir para a produção do cavalo de corrida ou da vaca Jersey. Uma
língua em suas formas fundamentais é a expressão simbólica de instituições humanas. Tais formas
amoldam-se de cem maneiras, sem atenção ao progresso ou retrocesso material do povo que delas se
serve e que, em grande parte, não tem consciência do que elas são. Se, por conseguinte, quisermos
compreender a linguagem, na sua verdadeira intimidade, cumprirá desabusarmo-nos de “valores”
preferidos e acostumarmo-nos a olhar para o inglês e o hotentote com o mesmo desprendimento gélido
mas cheio de interesse.”

(In Edward Sapir, A linguagem, 2ª edição brasileira, Livraria Acadêmica, Rio de Janeiro, 1971. Primeira
edição em inglês: 1921)

TEXTO 3: O fenômeno é o mesmo em toda a parte? (Sírio Possenti)

“Os preconceitos mais duros de combater são os linguísticos. Talvez um conhecimento mais sofisticado
das línguas ajudasse a combatê-los – se é que, de fato, as análises mais objetivas podem remover as
montanhas de interesses e faturamento movidas pelos preconceitos.
Uma das maiores fontes de discriminação é a divisão francamente ideológica entre línguas primitivas e
civilizadas. Sendo otimistas, poderíamos supor que esse preconceito deriva do desconhecimento. Se isso
for verdade, o parágrafo seguinte deveria ser suficiente para sua destruição.
Pode-se ler em Mattoso Câmara (Introdução às línguas indígenas brasileiras, Rio, Ao Livro Técnico),
que Archibald Hill publicou em seu Estruturas Linguísticas (1958) um esboço descritivo do latim e do
esquimó, mostrando entre as duas línguas grandes semelhanças estruturais, de que resulta a conclusão,
capaz de fazer eriçarem-se os cabelos dos latinistas da velha guarda, de que o latim se enquadra
tipologicamente com o esquimó. E Eugene Nida, no seu trabalho sobre a Morfologia (1948), estudando os
diversos processos de formação dos vocábulos das línguas do mundo em geral, coloca, lado a lado, o
latim, o sânscrito, o grego, o inglês, o nawáti no México, o haussá na África e assim por diante, sem que
se note uma diferença fundamental, uma cisão, um abismo de separação entre línguas consideradas
primitivas e línguas de civilização”.

(In PrimaPagina, Erro! Indicador não definido., novembro de 2001)

TEXTO 4: Guerras em torno da língua (Carlos Alberto Faraco)

“Talvez não seja exagero dizer que para boa parte das pessoas soa estranha a afirmação de que as línguas
humanas são objeto de ciência. Normalmente, acredita-se que os velhos compêndios gramaticais contêm
tudo o que é há para se dizer sobre uma língua. Há, inclusive, uma reverência quase religiosa ao texto das
gramáticas. Ao mesmo tempo, o senso comum recobre a língua como um conjunto de enunciados
categóricos (não demonstrados) que constituem um poderoso mítico de ampla circulação social. (...) A
mesma aventura científica moderna que redesenhou radicalmente nossa compreensão dos fenômenos
físicos, biológicos e sociais, também reorganizou nosso modo de apreensão dos fenômenos linguísticos.
Apesar disso, a linguística (e aqui nos interessa discutir só o caso brasileiro), diferente de outras ciências,
não conseguiu ainda ultrapassar minimamente as paredes dos centros de pesquisa e se fundir socialmente
de modo a fazer resoar o seu discurso em contraposição aos outros discursos que dizem a língua no
Brasil.”
(In Carlos Alberto Faraco (Org.) Estrangeirismos – guerras em torno da língua, Parábola Editorial, São
Paulo, 2001)
LÍNGUA E PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Deparamos com diferentes formas de preconceito e não seria diferente na área da


linguística. O preconceito linguístico age como um divisor social, fazendo "entre muitos
problemas já existentes" distinção entre grupos sociais. Nos escritos do texto de Karl
Martius (1867), esse julgamento pré concebido em sua breve estadia no Brasil, que se
mostra clara e evidente quando declara, “[...] antes sim falam uma geringonça corrompida”.
Esse reflexo pejorativo e desdenhoso aponta para a cultura o momento, o lugar e as pessoas
brasileiras que faziam excursões com ele. Essa forma em que a realidade do século XIX é
trazida a nós, com óticas e perspetivas diferentes, expressa o quanto precisamos estudar
mais sobre as linguagens de maneira uniforme e sistemática. Tais preconceitos acentuam o
distanciamento, marginalizando uma forma mais simples de fala por conter uma fonética
que para alguns indivíduos soam tortuosa, mas que em determinados grupos são as únicas
formas de se expressar, pode parecer simples, ou pode conter erros gramaticais, porém na
essência de se comunicar está desempenhando sua principal função, o de transportar seus
pensamentos aos próximos. Muito bom!!!!

É importante problematizar ações como essas, para que as manifestações contra o


preconceito fiquem visíveis, aberto e exposto ao público. Podemos obter uma reflexão em
uma citação sobre o artigo chamado “Problemas de comunicação interdialetal” da autora
Stella Maris Bortoni-Ricardo ao afirmar:
A ideia de que somos um país privilegiado, pois do ponto de vista linguístico tudo
nos une e nada nos separa, parece-me, contudo, ser apenas mais um dos grandes
mitos arraigados em nossa cultura. Um mito, por sinal, de consequências danosas,
pois na medida em que não se reconhecem os problemas de comunicação entre
falantes de diferentes variedades da língua, nada se faz também para resolvê-los.
(BORTONI-RICARDO. In: BAGNO, 2007).
Barreiras formadas pela suposta superioridade ou inferioridade de uma língua
devem ser desfeitas e destruídas, pois não há distinção ou superioridade linguística. O que
há são variações, e um enriquecimento cultural extraído de cada variação. Enriquecimento
esse que sequer a gramática, norma culta ou padrão pode se sobrepor aos fatores de
comunicação gerados pela evolução de uma língua. Do ponto de vista científico, a
linguística é predecessor aos mecanismos gráficos ou gramaticais de uma língua, porque
qualquer pessoa pode aprender a se comunicar e é exatamente nesse ponto que o
preconceito age, diminuindo quem aprendeu a falar fora das normas elitizada e politizada.
Agora nos cabe, hoje, se abrir-se para o tema e tratá-lo de forma abrangente,
tomando como ponto de partida os preceitos linguísticos como um todo, pois a linguagem
é companheira do ser humano e está por toda parte. É também importante salientar que,
apesar de haver variados grupos sociais, variedades em culturas e línguas, nos preceitos
morais e éticos, necessitamos de extrair aprendizado linguístico de todas as línguas.

Ronei,
Estou encantada com seu texto.
Você apresenta as ideias de forma clara e objetiva, referendando sua tese com argumentos
sólidos. Continue assim. É uma alegria ler textos como o seu.
Abraços,
Alcione.

REFERÊNCIAS:
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico:, o que é e como se faz. LOYOLA, São Paulo, ed.
48ª e 49ª. 2007.

BORTONI-RICARDO, S. M. Problemas de comunicação interdialetal. In: Sociolinguíistica e


ensino do vernáaculo. Revista Tempo Brasileiro, n° 78/79. 1984.

In Karl Friedrich Philipp von Martius.Wörtersammlung Brasilianischer Sprachen, glossaria


linguarum Brasiliensium, glosários de diversas línguas e dialetos, que falam os índios
doImpério do Brasil, Friedrich Fleischer, Leipzig, 1867.

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