Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Disciplina: Linguística
Histórica 1º período/Letras
Professora: Alcione
Gonçalves ATIVIDADE 1
Valor: 20 pontos
Aluno: Ronei Ferreira Batista
NOTA: 20 PONTOS
Proposta:
“Para o comércio de troca ali estabelecido de passagem, muitas vezes só por sinais, não vale a
pena ensinar aos índios nem o português, nem a língua geral, e até daria isto ocasião de se confundirem
mais e mais os idiomas pela reunião de gente de tão diversa origem e linguagem. Um exemplo mui
saliente deste fenômeno oferecem as ordas da nação Gês nas margens do Rio Tocantins, as quais, a alguns
decênios, entrando em tráfico com os Brancos, já não usam um só puro dos dialetos da sua própria
linguagem, antes sim falam uma geringonça corrompida, profundamente misturada de elementos muito
diversos e sem graça alguma. (...) Estas sociedades ferozes, recrutando-se da escória da humanidade,
vivendo sem matrimônio, sem lei e sem peijo algum, do roubo, da pilhagem e do homicídio, flagelo da
população pacífica limítrofe aos seus esconderijos, tem formado uma gíria de ladrões, volúvel e sem
fundamento gramatical, o que simboliza seu estado moral depravado. (...) Sabe-se que as linguagens
americanas em geral e assim também as da América meridional têm o caráter polysynthetico, ou são
linguagens d’aglutinação. As palavras radicais destes idiomas, muitas vezes mono ou dissilábicas,
combinam-se para exprimir neste conexo um senso mais ou menos complicado. Faltam a estes idiomas
aquelas flexões que reproduzem, no espírito do ouvinte, com facilidade a clareza do pensamento na sua
sutileza e ordem lógica. Em lugar destas flexões usam de certas partículas, que devem representar as
categorias gramaticais e sintáticas (o que podem só imperfeitamente, e por este defeito aquelas linguagens
não são suscetíveis daquela beleza e agudeza verídica, que admiramos nas das nações mais civilizadas. Se
nestas línguas desenvolvidas as palavras, capazes de flexões graduadas, surgem quase do espírito como
resultado de um processo orgânico ou de um incremento espontâneo, e se elas na sua combinação para
uma fala deixam entrever as leis do pensamento, nada disso apresentam as línguas de aglutinação, que
antes parecem-se na sua escassez infantil com uma conglomeração de concepções obtusas e ligeiramente
combinadas.”
(In Karl Friedrich Philipp von Martius.Wörtersammlung Brasilianischer Sprachen, glossaria linguarum
Brasiliensium, glosários de diversas línguas e dialetos, que falam os índios doImpério do Brasil,
Friedrich Fleischer, Leipzig, 1867)
“A vasta maioria dos teoristas linguísticos falava por sua vez língua de certo tipo, cujas
variedades mais plenamente desenvolvidas eram o latim e o grego, que eles tinham aprendido na
meninice. Não lhes foi difícil persuadirem-se que tais línguas, que lhes eram familiares, representavam o
desenvolvimento “mais alto”, ao qual a linguagem pode chegar, e que todos os outros tipos eram simples
degraus na marcha para esse “mimado” tipo flexional. Tudo o que se conformava com os moldes do
sânscrito, do latim, do grego e de alemão era aceito como índice de qualquer coisa “superior”; tudo que
deles divergia, era olhado de má vontade como qualquer coisa de falho, ou quando muito, como uma
1
aberração curiosa.
2
Ora, qualquer classificação que parte de valores preconcebidos ou que busca satisfações de
ordem sentimental lavra a sua própria condenação como anticientífica. Um linguista que nos fala do tipo
latino de morfologia como do mais alto grau de desenvolvimento linguístico dá idéia de um zoólogo que
visse todo o mundo orgânico convergir para a produção do cavalo de corrida ou da vaca Jersey. Uma
língua em suas formas fundamentais é a expressão simbólica de instituições humanas. Tais formas
amoldam-se de cem maneiras, sem atenção ao progresso ou retrocesso material do povo que delas se
serve e que, em grande parte, não tem consciência do que elas são. Se, por conseguinte, quisermos
compreender a linguagem, na sua verdadeira intimidade, cumprirá desabusarmo-nos de “valores”
preferidos e acostumarmo-nos a olhar para o inglês e o hotentote com o mesmo desprendimento gélido
mas cheio de interesse.”
(In Edward Sapir, A linguagem, 2ª edição brasileira, Livraria Acadêmica, Rio de Janeiro, 1971. Primeira
edição em inglês: 1921)
“Os preconceitos mais duros de combater são os linguísticos. Talvez um conhecimento mais sofisticado
das línguas ajudasse a combatê-los – se é que, de fato, as análises mais objetivas podem remover as
montanhas de interesses e faturamento movidas pelos preconceitos.
Uma das maiores fontes de discriminação é a divisão francamente ideológica entre línguas primitivas e
civilizadas. Sendo otimistas, poderíamos supor que esse preconceito deriva do desconhecimento. Se isso
for verdade, o parágrafo seguinte deveria ser suficiente para sua destruição.
Pode-se ler em Mattoso Câmara (Introdução às línguas indígenas brasileiras, Rio, Ao Livro Técnico),
que Archibald Hill publicou em seu Estruturas Linguísticas (1958) um esboço descritivo do latim e do
esquimó, mostrando entre as duas línguas grandes semelhanças estruturais, de que resulta a conclusão,
capaz de fazer eriçarem-se os cabelos dos latinistas da velha guarda, de que o latim se enquadra
tipologicamente com o esquimó. E Eugene Nida, no seu trabalho sobre a Morfologia (1948), estudando os
diversos processos de formação dos vocábulos das línguas do mundo em geral, coloca, lado a lado, o
latim, o sânscrito, o grego, o inglês, o nawáti no México, o haussá na África e assim por diante, sem que
se note uma diferença fundamental, uma cisão, um abismo de separação entre línguas consideradas
primitivas e línguas de civilização”.
“Talvez não seja exagero dizer que para boa parte das pessoas soa estranha a afirmação de que as línguas
humanas são objeto de ciência. Normalmente, acredita-se que os velhos compêndios gramaticais contêm
tudo o que é há para se dizer sobre uma língua. Há, inclusive, uma reverência quase religiosa ao texto das
gramáticas. Ao mesmo tempo, o senso comum recobre a língua como um conjunto de enunciados
categóricos (não demonstrados) que constituem um poderoso mítico de ampla circulação social. (...) A
mesma aventura científica moderna que redesenhou radicalmente nossa compreensão dos fenômenos
físicos, biológicos e sociais, também reorganizou nosso modo de apreensão dos fenômenos linguísticos.
Apesar disso, a linguística (e aqui nos interessa discutir só o caso brasileiro), diferente de outras ciências,
não conseguiu ainda ultrapassar minimamente as paredes dos centros de pesquisa e se fundir socialmente
de modo a fazer resoar o seu discurso em contraposição aos outros discursos que dizem a língua no
Brasil.”
(In Carlos Alberto Faraco (Org.) Estrangeirismos – guerras em torno da língua, Parábola Editorial, São
Paulo, 2001)
LÍNGUA E PRECONCEITO LINGUÍSTICO
Ronei,
Estou encantada com seu texto.
Você apresenta as ideias de forma clara e objetiva, referendando sua tese com argumentos
sólidos. Continue assim. É uma alegria ler textos como o seu.
Abraços,
Alcione.
REFERÊNCIAS:
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico:, o que é e como se faz. LOYOLA, São Paulo, ed.
48ª e 49ª. 2007.