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NO DIA QUE O SOL CHOROU (Myrtes Mathias) uma voz chegou.

- Pior que cego, grande astro.


Um dia o sol amanheceu de mau humor: Estás só.
- Raça de aproveitadores! - Mas o que vou fazer
Que lucro tenho tido em dar-lhes, deste excesso de luz e calor?
dia após dia, o meu calor? A voz não respondeu.
Hum! Lá estão eles: E, pela primeira vez,
Júpiter, Netuno, a terra... o sol chorou.
A terra! Principalmente a terra! ***
Olha só como cantam as lavadeiras
transformando as cordas de roupa A estória acabaria aqui
num cenário de festa junina! se não tivesse escrito
E os pedreiros, uma outra assim:
enquanto brincam com aqueles pedacinhos de argila Saber que
que chamam de tijolos?! “se a chama que há dentro de mim se apagar,
A “pirralhada”, então, os que me rodeiam morrerão de frio”,
com os baldezinhos de areia não é um privilégio, é uma sentença.
nos parques e nas praias, Quando a depressão chega
os menorzinhos quase caindo dos carrinhos e o cansaço aumenta,
de tanto baterem palmas a necessidade de manter acesa a chama,
e rirem com as bocas sem dentes, é demais... não por mim,
Ah! ah! ah!... Não perdem por esperar... mas por aqueles que em mim esperam,
E, cheio de tédio, quase leva ao desespero...
recolheu os raios brilhantes e Vai daí, Senhor, surge esta estória
enrodilhou-se para curtir de sol chorando.
a crise de autopiedade. E eu, que não sou sol,
Mas, lá pelas tantas, nem planeta, nem nada,
a curiosidade de ver o resultado acabo descobrindo
da “heroica” atitude, venceu. que “a medida do meu descanso
Olhou. Tornou a olhar. é a necessidade do meu próximo”
Esfregou os olhos. e que não tenho o direito de ser uma interrogação,
Curvou-se para ver melhor: quando há tanta gente à espera
- Ué! Onde estarão eles? Estarei cego? de uma resposta Tua,
Mas de uma altura, através dos que Te pertencem,
bem maior que a sua, ainda que tão fracos e imperfeitos,
como eu...

(Extraído do Livro: “Semente na Terra” – págs. 41-42)

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