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SAUSSLJH.E E A LíNGUA I'OH,Tl;(;UESA

C(J,lleI{//" de C(l/T<I/I/I) (UFRJ. ABF)

A vitalidade do pensamento saussuriano. com (l passar do tempo. só tem feito renovar sua
atualidade. Nos últimos anos. tem se multiplkado a bibliogralia sobre sua doutrina. difundida a partir da
publicaç,1tl do livro clássico Curso £Ir! lillx,//fl'/;ca };r!1'1I1«(,L(I). As repercussões de suas ide ias lnotri/.es.
assim C(11l10as escolas <telas decorrentes. criaram urna metodologia prática e funcional de abordagem dos
1~i1oslinguisticos. Tal metodologia pode ser aplicada com sucesso ao estudo e ao ensilw de português.
C0l110demonstra o nosso livro {'ara ('(JlII/lI"el!nder Sal/.ul/r/!. hoje na 12. edição, contend(l os fundamentos
1

e uma visão critica das iluminadas ide ias do genial fundador da Linguistica moderna, alêm dl.' e'ercicios
com 4ucslÕes relativas à lingua portuguesa. Neste artigo. apreselltaremos uma sintese de SUlIScelcbres
dicotomias; semiologia ! linguistica. signo: signilicado I significalllc. arbitrariedade / linearidade,
linguagem: língua / fala (norma). sillcronia / dhu,:((lni;l. sintagma I paradigma c \I corolário de tudo isso: a
noção de valor.

Semiologia !Lingubtk,\

A St'minlogia {ou SemiÚtica)~a :,:aal dos sinais.. Ela difere da Linguisliea por SU<lllwior
abl"<lllgência: enquanto a L.inguistica é o estudo científico da linguagem hum;ll1a. a Scmiologi<l prcnCU\l;l-
se não ;lpcnas com a linguagem humana e verbal. Illas t;llllbém com a dos animais e de todo e qualquer
sistema de COlllll11icação.seja ele natural ou convencional. Desse modo. a Linguistica inst're-se como uma
parte da Semiologia. Scmiologia c Scmiótica são termos permutáveis. A primeira surgiu 11'1Europa. com
~ Saussure, e a segunda. IlOSEstados Unidos. com o filósofo Charlc:s Sanders Peirce .
• <., - ,~~~~~
rv O signo linguistico ~~ \-.o (~ /7/:~' ~'.~ .
..Q ãrhnranc{klde /lmeãridade,.... ~"><.0 ~.~r{'\tl,) I fJ \
'-----~ :Y'" -z,., )Y~"
Sausslln: dcline o signo con~o do sentido e da imagem ;lcustic~: O que ele chama d•..•
"sentido" é a llleSl1l;l Cllisa que ,.ollailo ou (,/ela. lslo e. a representação mental de um objc:to ou da
realidade s\lcial em que nos situamos. represe11laçãn essa condicionada pela formação sociocu1tural que
r\'.)~'':t'r!::a de~Je (ll.":rç('. ['11 (lu!ra~ palavras. pura S,Hls~un.. conceÍlo é sinônimo de significadn (plano das
ieleias). algo corno () lado espiritual da palavra, sua contraparte inteligivcL em oposição ao signifi •... ante
(plallo li<le'pn:ssãn), que é sua parte sensivel. Por outro lado. a imagem aClJstic;l "não ê o som material.
COis,l puramente I1sica. mas a impressão psíquica desse som" (CUi. p. 80). Melhor dizendo. a imaf:,cl/I
acústica J (} s;f:,lItlicalllc. Com isso. temos que o signo linguístico ê "uma entidade psiquica de duas
faces" (p. 80), s•..• l1lelhanle a uma moeda.

Mais tardc. Jakobson e a Escola Fonológica de Praga irão estabelecer detinitiv<l111entea distinção
entre som l1l<lterial e imagem acústica. Ao primeiro chamaram de/ol/l!. objeto de estudo da Fonêlica. ;..
imag •..•
m i1clJstica dellllllltllanllll de/vllt:l1Ia. conceilO amplamente aceito e clllls;lgmdo pela Fonologia.

Os dois elementos sig,nilicanh' c ii,!l.nificadQ- constitucm o signo "cstão intimamente unidos e


~a.tna_1Luu~p-8Q1--ful~jn~rd~pendelltc.:)_ci~Q.~.ráveis.'. ois sem significante não há
slgnillCªdo...c...sCIl1.1':.lgOlficado
não eXiste slglllficante. Exemrllllcando. dlrlamos que quando U1l1falante de
português recebe a impressão psíquica que lhe (: transmitida pela imagem ;lcllstic;l ou signiticantc I ki/:a I.
graças à (IUal se manifesta fonicamellle o signo C(/.I'II. essa imagem aCllstica. de imediato. e\'oc<l-Ihe
psiquicamente a ideia de abrigo. de lugar para viver .•...stlldar. làh'r suas refeições. descansar. etc.
Figur31ivamCnle, diriamos que o falante associa (}siglliticante ! ka:a I ao signi ficado dOIlI/l.I' (tomando-se
o tenll(l latino como ponto de referência para (J <:oll<:eito).

Quanto ao principio da arbitmriedade. Saussun: (p. 83) escl;lrece que arbitrário

... n;l(l deve dar a ideia de que (J signiticado dependa da liHe escolha do que fala.
[porque] não está ao alcance do individuo trocar coisa alguma num signo. uma vez
estej;l ele estahelecido nUIl1 grupo lillguistico: queremos diLcr que o significanle ,;
iIll0/;1'1lI/0. isto é. (l1'/Jilnírio ,'1/1I'e!tlrl/O aI! .l"igll~lic(/do. com o qual não tem nenhum
I;lÇOnalural na realidade. (grifo nosso)

Desse lllodo, compreendemos por que Saussure afirma que a ideia ou conceito (lU sil!nificado)
de lIIar nã llcrn nenhuma Tela 'ãa llcccssâria c "iJÍÍCrior'" COI11a SCt.u~ncla c sons. ou imagcl~l ac~
signilicantc /lI/lIr. Em outras palavras, o signi Ica n /IIur poderia ser fcpr . ~ett<rrTfCTIlC' por
qualqllcrôulro significamc. E Saussure argumenta. para provar seu ponto de vista. com as diferenças
~'n{rcas línguas. Tanto assim que a idcia de /IIur Crepresentada em inglês pelo signilkilllte "sea"/s; / c em
frances. por "l11er" /mer/,

Um exemplo bastante representativo da ausência de vínculo natural entre o sigJlificalll~' e u


significado é o dos verbos depoentes latinos. Nestes. a forma é passiva, entretanto. o sentido é
ativo: '\/!£IIIO,."sigo" (c não "sou seguido"), lI/Ol' "uso" (c não "sou uS<ldo"), Nestes signos. o grau de
arbitraried<lde é e\trcmo. não havendo sequer coerencia Illorfossemântica entre o signilic<lnte e ()
significado,

Na verdade. existcm dois sentidos para whilrli,.io:

. .fiIcante ell1 re I'.


a ) {)slgnl <Iça0ao Slglll.,' .•~
Ica<.lo:

Ih'm, h(lok, IiITI.', [Jl/(:h, fibel', hih/i(JI1. etc. (significantes diferentes para um mesmo significado);

b) () signitic<ldo como parcela semântica (em oposição à totalidade de um campo semântico):

ing!. /t'(/{'h"I' / III'I!/i.'.uol' porto proJi.'.H/lJ"

ingl. .1'11"1.'(1/ 1II/l1f1lJ1 porto nlr!ll:il"(J

Apesar de haver postulado que o.ái~'nll Ijnguistico é. em sua origem. arbitrário. Saussure não
deixa de reconhecer a possibilidade de exist" ia de certos .£~aus de motivação cntre significante e
~, Em coerê lCIa com seu vista dicotõllI 'o .. e um "arbitrÍlrio
absoluto" e de um "arbitrário relativo". Como e.\emplo de arbitrário absoluto. o mestre de Jene ra cita os
<1ltírneros d,,:: e 1IIJ\'/!.toma os indl'.iduillmente. c nos qUilis a relação entre o significante e o significado
seria Wtalmcnte arbitrária. iSlo é, essa rclaç;10 não é n~'cessária, é imotivaJa. Já na comhinaçào
de de:: com !/IIIV para lonnar um terceiro signo. a dezena de::l!/lo\'l!. Sausstlre ach<l que a arbitrariedade
absolula original dos dois numerais se apresenta relativamellle atenuada. dando lugar ilquilo que ele
c1assiliçou como arbitrariedade relativa. p(lis do conhecimento d" significação das p"rtes pode-se chegar
à signifkaçfio Jowdo.

o mesl110 acontece no par pau I pe/"eil"tl. em que pa/l. cnqua1l\o p,ll,lVra primitiva. serviria l:(J1l10
exemplo de arbitrário absoluto (signo imotivado). Por sua vez. pereira, forma derivada de (ler/l, seria UI11
caso de arbitnlrio relativo (signo motivado). devido fi relação sintagmãtica pel'<1 (modema le:\ical) + -
eira (morlcma sul!\a!, com a noção de "árvore") e il relação paradigmálica estabelecida a partir da
associaç.lll de /I"reil'a a lurcll/;eira.hlllll1nl!ÍI"I/, etc .. urna vez quc é conhccidil a signiticaçilo dos clementos
formadores.

A respeito da linearidade. este é um principio que se aplica as unidades do plano da expressào


(fonemas. sílabas. palavras). por sercm estas emitidas em ordem linear ou succssiva na cadeia da 1:1Ia.
Esse principio é a hasc das rel"ções simagm,iticas. ,ISStlntoque abordaremos mais adiante.

Língua I Fala (norma)

Esta é '. )tomiil básiea . 'umamente com o par sincronia I diacronia, constitui um;ul.alio-m;lis__
Iccund;ls. Funda;ne'!!.'!da..n.a--ºposi£ãO social I in lVI ua. reve ou-se c mpo.@o!ttrem~ roticua.
o c é fato da in ua langlll!) esta no ampo social; o llUCé ato da fala (lU d scurso Jamil!) situa-se nil
csfcra do in IVI{u.l!. Repol1sandl) sua dicotOlllla na " ociologia, CiênCia nasccnte e já de gran p s IglO
cntao. Saussure (p. 16) afinna e adverte ao mcsmo tempo: "A linguagem le111um I;ldo individual e urn
lado social. sendo impossível coneeher um sem (I outro", Vale lemhrar que, ram Saussurc. a linguagem ê
a fiH:uldade Il<ltural dc lNlr urna língua. "ao passo que a língua constitui algo adquirido e convcncional"
(p. 17). Do c\amc exaustivo do C/lr.H!. deprecndemos tres cOlleepçôes para língua: accrvo linguísticn.
instituição social e realidade sistcmatica c fUllciOlm1.AnaliselllO-las â luz do CUi.

I

A líl1!!II<J.como <Jcervu lin~uistico. C "o (;Ou'unto dos h; ilos lin" Jislicos uc I:rmitcm a uma
PCSS{l" e lder e fazer-se con;precn cr (p. Q1). A Iingu3 c "uma 50m3 de sinais depositados em
cada rereoro. mais ou menos tol110 UlTl nano cujos excmplares. todos idênticos, fossem repartidos
entr(' os indi •..iduos" (r. 27). E. com todo o respeito a Saussurc. acrcsccntarÍ<1I1l0Snós: um dicionário c
uma gramática. cuja extensão será proporcional ao conhecimento c tI percepção linguística do tàl;1l11c.

Na condição de acervo. a lillgua guarda consigo toda a experiência histórica acullIulada por um
povo durante a sua existência. Disso nos dá testemunho (I latim. símbolo permanente da cuhur.l I.' das
inslihliçiícs romanas. Também (I português. nos seus oito scculos de cxistcncia. aculllulou um rico I:
notável acerV(l linguístico e literario. llnpllTtante lingua dI: ..:ultura. constitui tesouro comum dos povos
inll<lIlados pela lusofonia.

~ C0ll10 instituiçào social. a lingua "não esta cOlllpll:ta em nenhum [individuo]. e só lla massa ela
exíste de 1ll0d(1complcto" (p. :! I). por isso. ela é. simultaneamcnte. realidade psíquica c instituiçào social.
Para Saussure. a lingua "é. ao mesmo tempo. UIllprodtllll social da faculdadc da linguagcm c U1l1conjunto
°
de convenções ncc('ssârias, adotadas pelo corpo social para pCn11itir exercicio dessa faculdade nos
indivíduos" (p. 17); é "a parte social da linguagem. extcrior an individuo. quc. por si só. nüo podc nem
cria-Ia nCl11modificá.la; ela n:1Oe:\istc scnão em virtude dl' lima espécic de contraIO estabelccido cntre os
membros da conllll1id;ldc" (p, 22).

A visiio da lingua como realidade sistemática e funcional é o contcúdo mais importantc da


concerçào saussllriana. Para o mestre dc Genebra. a Iingua é. antes de tudo. "um sistema de signos
distintos correspOlldclltes a ide ias distintas'" (r. 18); c um código. um sistemalllldc . ."deessencial.so
e.\iste a união do sentido e da imagem acústica"' (]l. 13). Saussurc vê a lingua como Ulll objeto de
'"natureza homogênea"" (p. 23) e que, portanto. se enquadra perfeitamente na sua ddiniç.lo basilar: '"a
lillgll~l é um sistema dc signos que exprimem idcias" (p. :!4). Essil eoncerçào da língua como sistema
fUlleional l'stá imhricada com a noçào de valor (\'. conclusão) .

.;~ A fala. ao contrário da língua. por sc constituir dc atos individuais. \(lrna~sc múltipla.
i1l1prc\'isivcl, ÍlTCdutivel a uma pauta sistcmatica. Os aIos lingulsticos individuais são ilimitados. não
tormam um sistema. Os falOS linguisticos sociais. bem diferentemente. formam um sistema, pela sua
própria natureza homogênea. Vale ressaltar, no cntanto. quc fillllO (J funCionamento quanto a e.\ploração
da faculdade d(l linguagem cstào intimamente ligados ils implicilções mútuas cxistentes entre os
elementos lingua (\irtualidade) c fala (realidade),

Quanto ao conceiw de nonna, trata-sc dl' uma contribuição do Iinguista romcno Eugenio
Coseriu. quc propôs Ulll acréscimo à dicotomia saussuriana. Sua tricotomia vai do mais concreto (fala.
uso individual da norma) ao mais abstrato (lingua, sistema funcional). pas~iilndn por um grau
interml:diárin: a norma (uso coletivo da lingua). Em outras palavras. há realizações consagradas pelo uso
e que. portanto. são normais em determinadas circunstâncias linguísticas, previstas pdo sistema
funcional. '"~à norma que nos premIemos de lorma imediata. cOllformc o grupo social de quc f<vemos
partc e a regi.lo onde vivemos. A norma seria assim um primciro grilu de abstração da fala. Considerandtl.
se a lingua (o sistema) um conjunto de possibilidades ahstmtas, a norma seria clltão um cor~iunto de
rcali/açíies concrctils c de caráter coletivo da lingua. Vejamos alguns excmplos da oposi~'ãn norma /
sistcma 110 português do Brasil.

o conhecido In chiamc pós~vocálica. variant\..' de [s). é norllla 110Rio de Jilneiro em todas as


classes sociais: Xú.~ [gaq. IIIJ.~ [mdj, haSTa Iba~ta]. Já no Sul. a pronúncia sancionada pelo uso (Oll norma)
é marcadamentc alvt'olar: Ibastal. [mês]. [gas]. No campo da Morfologia, o sistema dispõe dos sufixos-
<tda e -ed(J. amhos com o sentido de coleção. Enquanto. para designar grandc quantiJade dc hichos. a
norma culta prcfl:re o primeiro (hiel/arada). a llonna geral no falar gaúcho consagrou o
segundo: hidwredo, O mesmo acontece com os suli.\oS diminutivos -inflo e .i/o, ambos disponíveis no
sistema funcional: a norma f(jra do Rio Grandl: do Sul é dizl'r-se s<I/aminho:já em tenas gaúchas o uso
saneionou ,1"(I/l1milo. No plano sintático, a língua (sistcma) ponuguesa dispõe dos adv~rhiosjú e mais.
l]Ue. quando usados Illuna frasc negativa. indicam a cessação de um fato ou Je ullla <10;:;1(1, t\ norma
hrasileira prt'ferill o segundo: '"Eu não vou lIIai.I.";""Não chO\'c mais", A portuguesa optou pelo primeiro:
'"Euj!i não vou"; "Jú nào cho\"c"". O português do Brasil prefere descrevcr um falo em progrcssào
di/.cndo: "'£..\'11/11 e,l/lldando" (aw.;. + gerúndio); já em Portugal. a norma e usar-se aux. + intinitivo: '"EI'/ou
ti c\'//11lar". Ainda COIllrelação li norma hr<lsileira. não rodemos dcixar de mencionar o uso consagrado do

verno ler no lugar de haver, com o sentido de "existir"', uso inclusive j<i referendado por vários autores
brasileiros de peso. como Carlos llrUlllll1011dde Andrade ("No meio do caminho linha uma pcdru") e
Manuel Bandeira (""Em I'asârgada tem tu(\o"). dentre outros.

Ness\.' sentido, cabe ressaltar que certos deslocamentos da norma, constantes e repetidos, podem.
com li tempo. fazer evoluir (mudar) a língua. Ê (} que vem ocoITl'ndo, por exemplo, com a pronúncia do
adjetivo "ruim". li norma gramatical em vigllr recomenda pronunciá~10 com\! hiulO: mim. Entretanto, a
l10Trna geral no p011ugucs do 13rasil c a SUil rcali/ação como ditongo: rú;m. malgrado os esforços da
\.'scola. É possível que no futuro seja esta a (mica pronúncia em vigor. tanto no sistema t1inguil) quanlo na
norma (uso).

Tipo.\' tle ,\"0'11111

:?t I\s varianles coletivas (ou stlhcôdigos) dentro de um mesmo dominio ling.uislico dividem-se em
dois tipos print:ipais: diatõpkas (varianles ou normas regionais) e diastr<Ítit:as (variantes cuhurnis ou
registros).

As variantes diatõpicas caraclerizam as diversas normas regionaiS existentes dentro de um


lT1esllH~ais l' até dentro de um mesmo estado, como o falar gaücho, o falar mineiro, etc. Por exemplo.
"cair um lombo". n(l Rio Grande do Sul; "kvar um tombo'" no Rio de Janeiro.

J ~As varianles diastrátkas, intimamellle ligaJas à estTatilkação soda!. evidellt:iam a variedade de


dilerenças cullurais dentro de uma cOlllunidade c podem subdividir-se em norma culta padr:1o (ou
llat:ional), norma coloquial (tensa ou distensa) e norma popular (também chamada de vulgar).

{ / ~ /\ norma culta é a modalidade escrita empregada na escola. nos textos oliciais, cientilicos e
V ~iterário". Baseada lia tradição gramatkal. é a variante de maior prestigio sociocultura1. Ex.: /lá muito
tempo niío (I vejo. "I.'ndl.'III-.II.' carros. I/m.ia dez alunos em sala.

'iJ' 1\ norma coloquial é aquela empregada oralmenle pdas classes médi<ls escol<lri•.• ad<ls. Viva e
espolllúllea. seu grau de desvio em relaçiío à norma culta pode variar confonnc as circunstâncias de uso.
E.\.: Tem muito Il'mpo que não IIw vejo In:\o vejo de. 1'l!l1de-seC<lrros.Tinha dez alunos em sala.

~ ,\ norma popular caracteriza a fala das classes populares sellli-escolarih"ldas ou não.

v escolarizadas. Nessa lllodalidade, o desvio em rel<lçào à norma gramatical é maior, caracterizando o


t:ham<ldo "crro". Ex.: A gentefimlO.l' lia praia. Dois l'IldlOrr(l+qllcn1t' C/l.WIIlrês I'"al.

Ilá também as variantes diarásicas. que di"'ell1 respeito aos diversos tipos de modalidade
cxprcssiv<l (li:ul1iliar, estilíslic<l. de faixa et<iria. etc.).

b Conslatamos <lSSillla pcrtinênt:i<l d<l di\bão trip,trtida de Coseriu. Todos os exemplos citados,
quer caracterizando o falar de uma região. quer identificando o próprio portugués do Bmsil, mostram a
propriedade e a conveniellcia do fator intermediário 1111I"111<1 entre a f<llae a língua. f<ltm este que lelll por
principio realíLar e dillami7.ar () sistema funcional (língua). Ressalve-se, COJ1tudo, que a concepção
saussuriana da lingua como instituição social se aproxima. de certo modo, da leoria da n0l111ade Coseriu.

Sinçnlllia I Diacronia

A sincronia é o ei.\o das simultaneidades. no qual devem ser estudadas as relaçôes entre os fatos
existentes ao mesmo tempo num determinado momenlo do sistema lillguistico. que pode ser tanto no.
presellte quanto no passado. Em oulras pal,l\Tas. sincronia é sinônimo de descrição, de estudo do l
funçionamellto d<l língua. Por outro lado. no eixo das sucessividades ou diacronia. o Iinguista tem por I,
objeto de estudo a relação entre um detCTminado fllto e outros anteriores ou posteriores. que o prel'ederam
ou lhe sucederall1. E Saussure adverte que tais fatos (diacrônicos) "niio têm rc!<lçiío alguma com os
sislcmas. apes,tr de os condicionarem" (p. 101). Em {lutnls pal<lvras. o fU1lcionamento sincrónico da
lingua pode c{lllviver harmoniosamente ((1m seus condiciollallll'ntos di<lcrônicos. Acrescente-se <linda que
a diacronia divide-se em história externa (estudo das relações existentes enlre os fatores s{lcioculturais e a

evolução línguislica) ~. história interna (trata da evolução estrutural ~ fonológica c morfossintática ~ da


lingual.

Suussure considera priorilário o estudo sincrônico porque o falante nativo não tem consciellcia
da sllcessiln dos falos da língua no tempo. Para (l indi•..iduo que usa a língua como veículo de
comunicação e interaçào social, essa sucessão não existe. A única e verdadeira realidade tangivel que se
lhe apresenta de forma imediata é a do estado sinçrônico da língua. Além disso. como a relação entre o
signiticantc c o significado é arbitrária. estará continuamente sendo afetada pelo tempo, da; a necessidade
de o estudo díl língua ser prioritariamente sillcrônico. Sirva de exemplo (J substantivo rollllWIÚ. que
significava originalmente "peregrinação a Roma para ver o Papa", Hoje, no entanto, é usado unicamente
para designar "peregrinação religiosa em geral". Entre nós. por exemplo. são muito comuns as romarias a
Aparecida do Norte, em São Paulo.

AdviI1a-se. contudo, o seguillle: Saussure postula a prioridade da sincronia e. convém


lembrar. prioridade m/o significa eXc/lIsh'idade, De nossa parte. entendemos a distinção sincronia I
diacronia uni(,:alllentc como procedimentos metodológicos de análise linguística. A esse respeito.
ouçamos as ponderm,:ôes, até certo ponto prelllonitórias, do próprio Saussure (p. 16):

A eaela instante. a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma


evolução; a cada instante, ela é uma instituição atual e um produto do passado.

~A lingua. portanto, será sempre sincronia E diacronia em qualquer momento de sua existência. O
ponto de vista da ciência linguistica ê que poderá ser OU sincrônico OU diacrônico. dependendo do fim
que se pretende atingir. F. há determinados casos, por exemplo, em que a descrin70 sincróllica pode
perfeitamente ser conjugada com a I'xpliclIfüodiacrônica, enriquecendo-se, desse modo, a análise feita
pelo Iinguisla. Por exemplo. podemos descrever o verbo púr como pertencente à segunda conjugação,
apelando para as fOnlms sincrônicas atuais filieS, pik, plISl'sle, etc .. além dos adjetivos fllleme e poedeira.
nos quais o .1.'. mediaI ai existente (ou remanescente) funciuna estruturalmente como vogal temática. Ao
mesmo tempo, podemos enriquecer a descrição sincrônica. complementando-a com a explicação
diacrônica: o atual verbo pdr já foi representado pelo in finilivo arcaico pue/", que, por sua vez, se vincula
ao latim vulgar pOllcre. {;om a seguinte cadeia evolutiva: ponh'l' > pOllere > pOllcr > pikr > POl'/" > P()/".

Er1carados sob es~a perspectiva, os pontos de vista sincrônico e diacrônico não são excludentes,
ao contrário. s;1o complementares. Seja corno ror, vale registrar que Saussure, dei:~ando de se preocupar
com o processo pelo qual as línguas se lllodilicam. para tentar sahcr o modo como elas funcionam, deu.
coerentemente, prim<lzia ao estudo sincrônico, ponto de pm1ida para a Linguistica (ler,,1 e o chamado
l1ldodo estruturalista de análise da língua.

Sintagma / Paradigma

T Para Saussure, tudo na sincronia se prende a dois eixos: o associativo (= paradigmático) e o


sintag.mático.

As rclaçôes sintagmáticas baseiam-se ml caniter linear do signo lillguistico, "que exclui a


possihilidade de pronunci<lr dois elementos ao mesmo tempo" (p, 142). A língua é formada de elementos
que se sucedem um após outro linearmente, isto é, "na cadeia da tàla" (I'. 142). A relação entre esses
elementos Sau!'>sure(r. 1.f2) cham3 de sintagma:

o sintagma se compõe sempre de duas ou mais Unidades consecutivas; re-Ier, col/fr<1


lot/o.\',ti I'idu hUIII<1l1a,Deus é hO/ll. se.fi:c/" hum lempo. sairemos. efc.

Colocado na cadeia sintagm(itica, 11m termo passa a ter valor em virtude do ('m/Iras/e que
estahelece C01l1 aquele que o precede ou lhe sucede. "ou a ambos", visto que Ulll termo não pode aparecer
ao 1I1eSl110 tempo que outro, em virtude do seu caráter linear. Em "Hoje fez calor". por exemplo, não
podemos pronunciar a síl<lhaje antes da sílaba 110, nem 110 ao mesmo tempo que) •.: 101' antes de ("a,
ou ca simultaneamente com lor c impossível. É essa cadeia fúnica que faz com que se estabeleçam
relaçi'lcs sinlagmáticas entre os elementos que a compõem. Como a relação sintagrnática se estabelece em
rUllção da presenç<l dos termos precedente e subsequcnte no discurso, Saussure a chama tambem de
rdação ill pra:sellfifl.

Por outro lado. for<l do discurso. isto é, fora do pl<lllOsintagmâtko. se. em "Hoje fez calor",
dil.cl1loS I/(~jl!pensando opô-lo II outro advérbio, (mlelll. pl1r exemplo. ou/c: em oposição afic.
e calrw a./do. estabelecemos uma relação paradigmâtka ass(ldativa ou in lIhst!lIIia. porque os
termos UlIII.'III..I11:efrio não eSlilo presentes no discurso. S,10 e1cmentos que se ennJlllram na nossa
memória de falante "numa série mnl'mônica virtual", conformc esclarece Saussure na pág. 143 do ('/.G.

o paradigma ê llssim lima espécie de "banco de reservas" da língua, um £,gniull!o dc unidadt:s


suscelivds de llpareeer num mesmo contt:xto. Desst: modo. as unidades do par<ldigma se opõem. pois uma
êXCrUI a outra: se uma esla preSêilie:'ãsõUlras estão ausentes. É a chamada oposiç<1o distintiva. que
estabelece a diferença entre signos como gado e garo ou entre fOl1lKISverbais como 1!.\/IIdm'a e e,\ll1dwa,
formados respectivamente a partir da oposição sonoridade / não-sonoridade e preterito imperfeito I,mais-
que-perfeito. A noção de paradigma suscita, pois. a ideia de relação entre unidades altcmativas. E uma
espccie de reserva \ inual da língua.

Define-se o sintagma COlllO "a combinação de fOnllas mínimas numa unidade lillguística
superior". Trata-se. p0l1anto. de relações (reiilç,10 '" dt:pendência. função) onde o que existe, em essência,
é a reciprocidade. a coexistência (lU solidariedade entre os elementos presentes na cadeia da fala. Essas
relações sint<lgmáticas ou de reciprocidade existem. a nosso ver. em todos os planos da língua: fônico.
mórlico t: "intático, ao contrário do que deixa entrever a definição do próprio Saussure. que IlOSinduz a
cOllct:ber n sinlagllla apenas nos planos mórlico e simâtico. Sendo assim. (1sintagrna, em sentido lato, ê
wda e qualquer combin<lção de unidades linguístieas na sequência de sons da fala. a serviço da rede de
rclaçiks da lingua. Por exemplo, no plano fônico. a relação entre uma vogal e uma semivogal p<u'a fomlar
o ditongo (ai /(/.1'/); no nível mórfico, a própria palavra. C0111seus constiwintes imcdi<ltos. ê um sintagma
lexical (am + 11+ va + s): sintaticamcnte, a relação sujeito + predicado caracteriza o sintagma oraeional
(Pedro / cstudou a lição.).

Uma Vis,1(1Estilis(ica

No plano da cxprt'ssão. as relações paradigm<ilicas operam com base na similaridade de sons. É o


caso das rimas ("Mas que dizer do roe/a / numa prova escolar'! I Que ele é meio pak/a I e não sabe
rima"?". Carlos DrUlllmond de Andrade), aliterações (""ol.es n-Iadas. l'eludosas I'ozes", Cruz t: Si1usa).
<lssomincias ("T,bios flautins li'llíssimos gritavam". Olavo Bilac). honll)teleutos [ou homeoteleutosJ ("Rila
não tem cultura. mas tem tinwa", Machado de Assis).

No plano do conteúdo. as relações paradigmáticas baseialTl-se na similaridade de sentido, na


associação cntre o termo presente na frase e a simbologia que ele desperta t'1ll nossa mente, t o caso da
mCláfora: "O pavão é um arco-íris de plumas:' (Rubem Braga). ou seja. arco. íris = semicireulo ou arco
multicor. Embora presente no texto em prosa. a metáfora é mais usuallla poesia.

J<i a metonímia. mais COIllUlllna prosa. por basear-s~' numa relação de contiguidadc de sl'ntido.
ntua no ei_xo sintagmático, Ex.: O autor pt:la obra: "Gosto de ler Machado de A.uis"; a parte pelo todo:
"Os desabrigados licaram sem feto" (= casa); o continente pelo eOlltelldo: "Tomci um C/ll'0 de vinho" (o
vinho contido 110copol. etc.

Conclusão

A visão saussurialla da língua C(lIllOum sistema de valores estâ intimamente associada à sua
celebre frase: "na língUll só existem difert:nças", 011seja. ela funciona sincronicamente e com base CII1
relaçi'ies opositivas (p';radigmáticas) no sistema e com;astiv<ls (sintagmâticas) no discurso, Tendo corno
POlllo de partída as ideias motrizes contidas no CIII'.WJ de Iillgui.l'lica geral. formaram-se vârias escolas
estruturalistas (fono!i'lgica de Praga, estilística de Genehra. funcionalista de Paris. glossem:itica de
Copt:nhaguc). quc dentm eonsequêneia e continuidade ao pensamento infelizmcnte inacabado do genial
fundador da Lillguística moderna. A visão da língua C0l110um sistema semiológico. a troria do signo.
com seus dois prillcipios fundamentais: nrbitr;lriedade / linearidade, a diferença entre sincronia
(funcionamento) e dineronia (evolução), a distinção f{lndica I fonologia, fone / fonema. a dupla
• •

articulação da linguagem (I" = plano do conteúdo ou morfossintaxe; 2" = plano da expressão ou


fonologia), as noções de morfema e gramcma. a tricotomia língua I fala I norma são categorias
lingulsticas extremamente férteis. lodas decorrentes do pensamento de Saussure e hoje definitivamente
incorporadas às ciências da linguagem.

Bibliografia

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12" ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingulslica geral. Trad de A. Chelini. José P. Paes e I. Blikslein.
São Paulo: Cu1trix; USP, 1969.

Disponível em: hllp:l/w\\ 11.tilol~lgia.org.hr"\' ji.'.cllcfil'09.htm Acesso em 14 de julho de 2014 .

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