Você está na página 1de 20

Anúlisu Psicodógica (1986).

1 (V): 2543

Aspectos cognitvos e metaccagnitivos


na aprendizagem da leitura

ANTONIO QUINTAS MENDES (*)


MARGARIDA ALVES MARTINS (**)

INTRODUCAO I. A QUESTAO DOS MÉTODOS DE ENSINO


DA LEITURA E O PROBLEMA
DOS PRÉ-REQUISITOS
As investigações tradicionais sobre os pro-
blemas levantados pela aquisição da leitura 1 - A questão dos métodos de ensino da
têm incidido sobre dois aspectos fundamen- leitura monopolizou durante bastante tempo
tais: a questão dos métodos de ensino da a atenção de investigadores que procuravam
leitura por um lado; a questão dos pré- «provar» que tal método seria mais eficaz
-requisitos necessários a essa aprendizagem que tal outro. Nessa discussão operou-se
e a tentativa de determinação da «idade uma clivagem particularmente nítida entre
ideal)) para a iniciação i% leitura, por outro. os métodos globais e os sintéticos, numa
No presente artigo procuraremos assinalar polémica (bastante viva até finais dos anm
várias das insuficiências dessas abordagens 60, vide estudos de N. Galifret-Granjon;
para posteriormente passarmos em revista J. Chall, 1967; G. Mialaret, 1968) em que
algumas das contribuições mais recentes no alguns viram mais uma «querela» do que
domínio da psicologia da leitura e da sua uma discussão. No entanto podemos hoje
aquisição. Três grandes linhas de investiga- constatar que muitas das questões então
debatidas eram falsas questões ou então
ção serão aqui discutidas:
reenviavam para problemas mal formulados.
Por exemplo, dava-se uma grande impor-
-as teorias do processamento da infor- tância ao problema da percepção e das es-
mação e os ((modelosde leitura)) a que tratégias perceptivas que se supunham de-
deram origem; terminantes para aquela aprendizagem:
-os estudos psicogenéticos sobre a aqui- percepção das partes versus percepção do
sição da leitura; todo; percepção auditiva versus percepção
.- as abordagens metacognitivas, com es- visual; tendia-se assim a ter em conta apenas
pecial relevo para o problema da ama das componentes do processo de leitura
(consciência metalinguística)) e suas
relaçijes com a aprendizagem da lei- (*) Docente no ISPA.
tura. (**) Docente no ISPA.

25
esquecendo que esta constitui um compor- trução e o professor são, provavelmente,
tamento cagnitivo e linguística extrema- mais importantes para o êxito da aprendi-
mente complexo que não pode reduzir-se ao zagem da leitura do que o método especí-
problema da percepção. fico utilizado)) (pág. 142).
Um dos eixos da discussão consistia pois Outra questão difícil tem a ver com os
na tentativa de demonstração da superiori- critérios e os momentos da avaliação. Os
dade de um dos métodos sobre o outro com- professores que utilizam o. método sintético
parando os resultados obtidos por diversos parecem preocupar-se mais com uma apren-
professores com diversas turmas utilizando dizagem rápida por parte da criança. Os
diferentes métodos. No entanto esta é uma professores que utilizam o método global
difícil discussão. Qualquer um pode ter hoje esperam efeitos a mais longo prazo. A ava-
i sua disposição largas dezenas de estudos liação da eficácia deveria levar em conta
que provam (uns) que o método global é o esses diferentes objectivos, o que muitas
mais eficaz e (outros) que o sintético é mais vezes não acontece. J. Alegria (citado por
rentável. Outros ainda poderão ((demons- Marcel, 1978) tentou ensinar a crianças um
trar» que um método eclético («misto») é jogo de linguagem que requeria a segmen-
o preferível. Discussão sem saída, quanto tação fonética. Trabalhou com crianças no
a n6s. Com efeito, a excelência de um mé- final do 1." ano de instrução formal, das
todo só se pode provar quando acompa- quais um grupo aprendia através de um
nhada pela excelência dos seus utilizadores método global e outro grupo através de um
e pela excelência dos recursos disponíveis. método sintético. Estes últimos eram clara-
Um professor que usa muito bem um mé- mente superiores na aprendizagem do jogo.
todo sintético obtém certamente melhores Contudo, no 2." ano quando a «démarche»
resultados que um professor que utiliza mal dos dois métodos se aproximava esta dife-
um método global. Ora isso não prova que rença diminuia. D? claro que se pretendês-
o primeiro método seja melhor que o último semos comparar a eficácia dos dois métodos
pela simples razão de que as sitzm$es rtão logo ao fim do 1." ano de escolaridade e
si% comparáveis. Mas a competência do tomássemos como um dos critérios de ava-
professor é apenas uma das variáveis a ter liação aquela capacidade, seríamos levados
em conta. Outras existem que podem in- a concluir - erroneamente - ser o método
fluenciar a eficácia e rentabilidade de um sintético mais eficaz que o global.
método e que são difíceis de controlar: a A pergunta portanto persiste: qual é o
crença do professor na validade do método, melhor dos métodos? Julgamos que a res-
a aceitação do método pelos pais das crian- posta a esta questão não pode basear-se
ças, os recursos existentes, as características apenas numa ((peritagem técnica)). Ela en-
dos alunos, etc. volve problemas que ultrapassam a mera
Num estudo marcante sobre este assunto avaliação das vantagens e desvantagens em
J. Chall (1967) concluía significativamente: termos puramente cognitivos e de rentabi-
«O método não explica todas as diferenças. lidade de ensino. Com efeito, nesta discussão
O êxito em todos os métodos está relacio- esquece-se frequentemente ou tenta ocultar-
nado com as características do aluno, a si- -se, o facto de que subjacente a cada um
tuação geral da escola e as características desses métodos, existem diferentes propostas
do professor. (...) foram encontradas entre educacionais, diferentes filosofias educacie
sistemas escolares distintos que adoptavam nais. Propõem-se diferentes processos por-
o mesmo método, diferenças maiores do que existem diferentes objectivos.
que entre diferentes metodos no mesmo sis- A própria designação dos métodos («glo-
tema escolar (...) o contexto global da ins- bal»; «sintético») ao reduzir as diferenças

26
A questão da percepção parece reforçar a taríamos de deixar claro que o professor,
ideia de que as diferenças entre ambos são o pedagogo ou o psicólogo que tenha que
essencialmente uma questão técnica, uma tomar decisões nesta matéria não pode ape-
questão que não sairia do âmbito da psi- nas basear-se numa psicologia cognitiva
cologia cognitiva. Mas as decisões quanto abstracta ou em abstractas avaliações de
a usar este ou aquele método implicam tam- eficácia. Ele terá de basear-se também em
bém decisões sociais e culturais, ou seja, valores e explicitá-los. Se as considerações
reenviam para diferentes projectos pedagó- técnicas são sem dúvida importantes para
gicos e não apenas para diferentes métodos os processos de tomada de decisão, elas não
pedagógicos. Por essa razão parece-nos bas- podem ser exclusivas. Não só os métodos
tante mais adequada a classificação proposta se avaliam, mas também os projectos. Mas
por D. Morris (1970): o critério-chave utili- para estes as técnicas de avaliação tradicio-
zado por este autor é o do contexto versus nais são muitas vezes insuficientes e insa-
texto?). Métodos que partem do contexto tisfatórias, especialmente quando se desin-
(tcontext-supprt))), partem de frases, his- serem os métodos de ensino e aprendizagem
tórias, palavras que provêm da criança, da dos projectos pedagógicos que lhes dão
sua experiência de linguagem e da sua expe- sentido.
riência de vida. Métodos que partem do
texto, apresentam i~ criança letras ou pala- 2-Esperamos ter mostrado que o pro-
vras ou séries de palavras que estão previa- blema da eficácia dos métodos é bem mais
mente impressas. Na primeira perspectiva complexo do que muitas vezes se dá a
parte-se da criança para o texto, preten- entender. Outra questão que frequentemente
dendo-se que a sua dependência do contexto é apresentada de forma simplificadora é a
vá diminuindo progressivamente até que questão da ((maturidade para a leitura)), dos
finalmente ela se confronte com o texto «pré-requisitos)) e da ((idade ideal)) para se
com pouco ou sem contexto. Na segunda começar a aprender a ler.
perspectiva, impõe-se criança o texto. A ideia de que existem pré-requisitos,
O que está aqui em questão não é portanto aptidões psicológicas que a criança tem de
apenas uma discussão sobre uma teoria da desenvolver antes de começar a aprender
leitura, ou sobre a eficácia do método X a ler provém em grande parte dos modelos
ou Y mas uma discussão que além disso do (crescimento intrínseco)) de Gesell ou
envolve valores e objectivos pedagógicos seja, do ênfase dado a maturação como fac-
bem diferenciados. O que discutiremos na tor determinante do crescimento e do desen-
sequência deste artigo tem essencialmente volvimento psicológico do indivíduo. G . Mia-
a ver com os problemas da psicologia da laret (1965) propôs uma classificação dos
leitura e da criança face ao texto mas gos- «pré-requisitos)) que seriam necessários A
((maturidade))para a leitura e que incluíam
entre outros, os seguintes: organização per-
c) A terminologia utilizada pelo autor não é ceptivo-motora; desenvolvimento da função
exactamente esta mas sim ((context-support)) em
contraste com ((word-recognition)). Mas a nossa simb6lica e da linguagem; estruturação es-
tradução parece-nos adequada pois se interpreta- pácio-temporal e organização do esquema
mos bem o autor, as diferenças entre ambos não corporal; desenvolvimento intelectual (uma
se situam essencialmente ao nível da percepção idade mental de 6 mo5 seria indispensável
ou da unidade linguística de partida, mas sim ao para se começar a aprender a ler).
nível do elocutor: a criança ou crianças, ou o
autor anónimo do livro de texto. Parece-nos que
O ênfase posto na aquisição dos pré-requi-
esta perspectiva tem, muito em comum com as sitos repousa sobre urna série de pressupos-
propostas de Freinet. tos que por seu turno levam a determinadas

27
práticas pedagógicas e orientam outras tan- a idade óptima para a aprendizagem da lei-
tas práticas de diagnóstico e reeducação de tura estaria já ultrapassada quando aos 6
crianças com dificuldades na aprendizagem anos a criança entra para a escola. Para
da leitura: o afirmar apoia-se nos resultados de pro-
gramas de ensino em idades precoces (vide,
-Assim, pensa-se que antes da aquisição por exemplo, estudos de Steinberg e Steinberg
destes pré-requisitos a criança não pode relatados por R. Cohen, pág. 99) bem como
começar a aprender a ler. na análise das realizações de crianças que
mais ou menos espontaneamente (isto é, que
-Que podemos prepará-la para a leitura não foram submetidas a programas formais
exercitando-a nos diversos domínios que se de ensino mas que aprenderam através do
supõe terem alguma relação com o processo contacto informal com livros, cartazes, lei-
de leitura. Daí as actividades no pré-escolar tores adultos, etc.) chegam & escola primária
de estimulação sensorial e perceptiva, de já com essa aprendizagem relativamente
exercícios gráficos e motores, de manipu- consolidada (vide o estudo de M. Clark,
lações diversas que pretendem desenvolver ((Young fluent readem).
as noções de espaço, tempo, ritmo, etc. Serão então o nível intelectual e o grau
de desenvolvimento da linguagem condições
-Resulta daqui que as dificuldades de necessárias para aprender a ler? Cohen não
aprendizagem da leitura e da escrita são só contesta essa possibilidade como ainda
frequentemente atribuídas a déficites ou in- procura inverter os dados do problema ar-
suficiências nos diversos domínios atrás gumentando que a aprendizagem precoce
referidos. da leitura favorece o desenvolvimento da
criança. A leitura pode tornar-se ((um exer-
-Resultou ainda destas concepções, a cício de linguagem e de conceptualização
construção de baterias preditivas da leitura de um tipo muito formativo. de alto nível de
(predição de sucesso ou insucesso e do tempo abtraccão, que constitui a chave de futuras
de aprendizagem necessário a cada criança) aprendizagens. «Para esta autora, nem o
baseadas em provas de linguagem, organi- nível intelectual, nem o grau de desenvol-
zação temporal, memorização, etc. (vide vimento da linguagem seriam condições
((Bateria Preditiva)) de Inizan, 1963). necessárias para a aprendizagem da leitura,
antes seriam favorecidas por esta aquisição.
Mas que balanço fazer de todas estas Outra das críticas de Cohen incide sobre
noções e práticas pedagógicas e psicopeda- os testes de maturidade para a leitura que
gógicas? Podemos na verdade afirmar que se baseiam em factores como a descrimina-
ele não é muito positivo. Sem dúvida uma ção visual e auditiva, estruturação do es-
das críticas mais contundentes feitas ? no-
i paço e do tempo, etc. Segundo a autora estes
ção de maturidade para a leitura, foi ence- não têm qualquer valor preditivo, verifi-
tada por R. Cohen no seu livro L’Apprentis- cando-se muitas vezes que as crianças para
sage Precoce de la Lecture. Esta autora quem se previam grandes dificuldades na
defende que a aprendizagem precoce da lei- aprendizagem da leitura acabam por ter
tura é não só possível como absolutamente sucesso nesta aprendizagem, ao contrário
necessária para evitar a grande massa de de outras a quem tinham sido atribuídos
insucessos neste domínio. Baseando-se em bons prognósticos. Esta crítica pode aliás
especial nos trabalhos americanos realizados ser extensiva a quase todos os testes exis-
a partir dos programas de educação com- tentes que pretendem medir aptidões supos-
pensatória, R. Cohen é da opinião de que tamente necessárias ao comportamento de

28
leitura, bem como aos programas educacio- leitura e da ((dislexia))tratam as correlações
nais construídos a partir desses resultados. como se estas fossem sinais evidentes de
Apesar das propostas pedagógicas de Cohen causalidade, (como se o que apwece com
serem discutíveis - pois poderão levar i3 fosse causa de» (Foucambert, 1976) e mo-
ideia da necessidade de um ensino precoce vem-se num esquema de «previsão do pas-
da leitura - as suas críticas parecem-nos sado)) que «consiste em tomar certas defi-
pertinentes na medida em que põem em ciências particulares (como na percepção
causa uma concepção da aprendizagem ba- do espaço, na produção de estruturas rítmi-
seada na tradicional psicologia das aptidões. cas, etc.) observadas num indivíduo depois
Numa avaliação do modelo de treino de do seu insucesso na aprendizagem da lei-
aptidões como linha orientadora para o tura, como a origem da ttdislexia)) (Eric
planeamento de programas educativos para Plaisance, 1978, pág. 98). Na ausência de
crianças com dificuldades de aprendizagem, uma teoria da leitura que especifique cla-
Mel Ainscow (1982) concluía: ramente que capacidades e estratégias um
indivíduo tem de mobilizar para poder ler,
«Os principais argumentos contra o uso as relações que se possam estabelecer entre
de uma orientação de tipo treino de apti- essas aptidões e o acto de leitura são extre-
does para a programação da instrução de mamente grosseiras, pecando por uma enor-
crianças com dificuldades, são: me falta de precisão e especificidade. Por
exemplo, o que tem a ver a orientação
1 -é uma orientação baseada em cons- esquerdadireita com um acto de leitura?
tructos hipotéticos que não foram Como afirma K. Mmre (citado por R.
validados ou que não se provou Cohen, pág. 125) todos n6s conhecemos bons
constituírem pré-requisitos para a leitores que têm ainda algumas confusões
aprendizagem escolar; quanto a esquerda-direita: (Conhecer a di-
2 -não está provada a validade e fide- reita e o esquerda não é uma condição
lidade dos testes de diagnóstico uti- necessária nem suficiente para aprender a
lizados em tal orientação; e a ler. Fora destes argumentos penso que é
3-0s programas de ensino baseados útil para uma criança saber distinguir a sua
nesta forma de diagnóstico pres- esquerda da sua direita.)) (Zúid.)
critivo não se mostraram eficazes))
(P%. 5). -Quanto aos testes utilizados para o
diagnóstico destas aptidões, poderíamos afir-
Vejamos alguns destes aspectos em parti- mar que não lhes estão subjacentes modelos
cular: suficientemente sólidos sobre o que são e
como funcionam as aptidoes e funções psi-
-Em primeiro lugar, abundam de facto cológicas que pretendem medir, pelo que,
os constructos hipotéticos))que tentam rela- muitas vezes quando os utilizamos estamos
cionar tal ou tal aptidão/inaptidão com a a medir coisas totalmente diferentes daquilo
capacidade para a leitura)). Os mais popu- que julgamos estar a medir. Veja-se, por
lares foram durante muito tempo, os atrasos exemplo, o estudo1 de C. Hycks (1980) que
de linguagem, as ((deficiências perceptivas)), demonstrou que o snb-teste de memória vi-
as perturbações espácio-temporais, as difi- sual sequencial do I. T. P. A. (") ao invés de
culdades de orientação e nomeadamente os medir - como pretende - capacidades es-
problemas da lateralidade, etc. Muitos estu-
dos que apresentam estes factores como
causas das dificuldades de aprendizagem da c) Illinois Test of Psychoiiiguistic Abilities.

29
truturais de memória visual, mais não faz, reais a sua eficácia tem pouco a ver com o
de facto do que destacar as diferentes estra- diagnóstico de que partiram. Ainscow (op.
tégias gue os indivíduos utilizam na resolu- cit.) refere um estudo de Sabatino! e Dor-
ção da tarefa (no caso, o uso ou não uso da fman em que foram utilizados programas
aotulagem verbal)) (((verbal labeling))). de leitura especificamente preparados para
Em diversos outros domínios (atenção, 1) crianças com presumíveis deficiências
memória, percepção, etc.) se tem demons- perceptivo-visuais e 2) com presumíveis de-
trado que os comportamentos cognitivos são ficiências ao nível da percep@ío auditiva;
em grande parte comportamentos estratégi- os autores concluiram que os resultados dos
cos e não apenas ou nem sobretudo, ((apti- programas eram idênticos independente-
dões». A habilidade para controlar conscien- mente do diagnóstico inicial feito às crian-
temente o uso das suas capacidades é cada Ças:
vez mais vista como uma componente da
((aptidão)),e essas habilidades não são está- «um programa delineado para uma
ticas, pois desenvolvem-se e são ensináveis criança diagnosticada como tendo boa
(Brown & Campione, 1978), o que de certa percepção auditiva mas má percepção
forma perverte a própria noção de aptidão. visual tinha uma eficácia idêntica se
Por isso quanto mais vamos sabendo sobre usada para uma criança com o diagnós-
as diversas funções psicológicas mais vamos tico oposto.)) (pág. 7)
suspeitando que possam algum dia ser ava-
liadas por ((medidas estáticas)) (Brown & Que podemos então concluir de todos
Ferrara, 1985). Os testes psicológicos deve- estes modelos de pré-requisitos e aptidões,
riam indicar o ((potencial de aprendizagem)) de testes e diagnósticos, de programas edu-
das crianças (Brown & Ferrara, op. cit.) e cativos e reeducativos? Pensamos poder
não apenas déficits; deveriam indicar o que concluir duas ou três coisas fundamentais.
podemos ou devemos fazer a seguir ao Em primeiro lugar, as noções de ((apti-
diagnóstico e não o fazem (€3. Gilham, dão» e de ((maturidade para a leitura)) de-
1978); e não o fazendo dão muitas vezes vem ser revistas. As aptidões não podem ser
lugar a efeitos perversos de vária ordem: encaradas como uma variável dicotómica de
rotulagem, interiorização das categorizações tudo ou nada; não é possível delimitar limia-
pelas crianças, baixa das expectativas dos res absolutos de déficit, acima ou abaixo dos
professores em relação aos alunos assim ca- quais se toma difícil a aprendizagem da lei-
tegorizados, etc. tura. Como afirmou Wedell (1977) «O nível
-Mesmo quando têm sido elaborados de capacidade perceptiva necessária para
programas reeducativos baseados nesses da- uma criança, pode diferir consideravelmente
dos, os resultados são decepcionantes (Ross, do nível necessário para outra criança (...)
1979; Fornea, 1981; Ainscow, 1982). Por o nível absoluto de uma capacidade é menos
exemplo, o treino perceptivo com vista a importante do que a capacidade para apli-
um melhor rendimento na leitura, é geral- cá-la na tarefa de leitura)). Para além da ca-
mente feito sobre materiais que nada têm pacidade em si e da habilidade que a criança
a ver com a escrita. A crença de que a tenha para mobilizar os seus recursos há
aprendizagem de descriminações feitas so- ainda que considerar o tipo de probZemas e
bre esse material possa ser generalizável às tarefas que ela tem de resolver. Tem razão
situações reais de aprendizagem é mais uma R. Glushko (1979) quando afirma que «o
suposição do que um dado comprovado. professor que vê a leitura como uma arte
Mesmo quando se elaboram programas de realização oral e assim enfatiza a desco-
reeducativos que envolvem tarefas escolares dificação, impõe pré-requisitos perceptivos e

30
cognitivos, diferentes do professor que enfa- forma de output/resposta. A psicologia da
tiza a compreensão desde o início)}.Assim, a leitura tem-se desde então preocupado com
noção de «prontidão)>de D. Ausubel (1968) a identificação das múltiplas operações e es-
parece ser mais produtiva e mais útil pois tratégias cognitivas presentes num acto de
exige que se especifiquem adequadamente leitura e em elaborar modelos compreensi-
as relações entre capacidades e exigências vos que dêem conta dos diversos subpro-
específicas da tarefa: «a maturidade é a cessos que aí estão implicados bem como da
adaptação adequada das capacidades exis- sequência e articulação dessas operações.
tentes no indivíduo às exigências de uma As investigações dirigiram-se para o es-
tarefa de aprendizagem bem definida)>(subli- tudo das diversas componentes do compor-
nhado nosso). Assim, e esta é outra con- tamento do leitor: movimentos oculares e
clusão bem importante, torna-se fundamen- modo como extraímos informação da página
tal caracterizar bem a tarefa em causa an- (A. Kennedy, 1978; K. Rayner, 1978; J.
tes de se formularem considerações sobre Pynte, 1979); reconhecimento pelo leitor de
quais são as aptidões necessárias a sua rea- letras e palavras (Kders, 1970; Henderson,
lização. Torna-se então absolutamente ne- 1982); estratégias utilizadas na integração
cessário tentar responder il questão «O que de frases (Haberlandt, 1982; Sanford e Gar-
é ler? O que é a leitura?)), para podermos rod, 1982); e finalmente para o problema
avaliar quais são realmente as competên- da compreensão textual w. Kintsch, 1976;
cias cognitivas que estão implicadas nesse W. Kintsch e Van Dijk, 1978; De Beau-
processo e quais as que o não estão. Quais grande, 1982). Todas estas actividades põem
são, finalmente, as estratégias mais produ- em jogo processos cognitivos de extrema
tivas e as menos produtivas? Desses temas complexidade que vão desde a percepção e
trataremos na segunda parte deste artigo. a memória (sensorial, a curto termo e se-
mântica), até aos processos de inferência e
de integração da informação textual. Alguns
11. PSICOLOGIA DA LEITURA. autores têm procurado integrar estes conhe-
AS TEORIAS DO PROCESSAMENTO cimentos parcelares em modelos coerentes e
DA INFORMACÃO globais que permitam explicar o processo de
leitura. Embora não nos seja possivel no
A partir de finais dos anos sessenta, iní- âmbito deste artigo fazer uma análise deta-
cio dos anos setenta, dá-se como que o en- lhada dos diversos modelos de leitura que
contro entre a psicologia cognitiva, a lin- têm sido propostos (para esse efeito veja-se
guística e a psicologia da leitura, podendo a revisão de literatura de Adams e Starr,
constatar-se então um grande incremento 1982 ou as obras de Downing e Leong, 1982
no número de investigações e publicações e Mitchel, 1982) indicaremos alguns dos as-
sobre o assunto (cf. duas importantes reco- pectos que mais controvérsia têm gerado
lhas em H. Levin e J. 'Williams, 1970 e J. F. entre os investigadores. Para a breve carac-
Kavanagh e I. Mattingly, 1972). Em par- terização que aqui faremos dos modelos de
ticular, assumem especial relevância as abor- leitura seguiremos no essencial a classifica-
dagens centradas na análise do processa- ção proposta por Adams e Starr, (op. cit.)
mento da informação. Como refere 'W. Os chamados modelos ascendentes (por
Body (1979), este tipo de análise assume que ex. P. Gough, 1972) ou «bottom-up rnodels))
qualquer tarefa cognitiva pode ser analisada supõem que o leitor tem de fazer uma aná-
em termos de fases e de sucessos que ocor- lise sequencial e seria1 da informação, aná-
rem numa ordem fixa, iniciando-se pelo lise essa hierarquizada dos níveis inferiores
imput sensorial e terminando em alguma para os níveis superiores, isto é, das letras

31
para as palavras, das palavras para a frase e facilmente apreendidas quando existe com-
da conjugação das frases para o texto. Em patibilidade semântica entre duas ou mais
geral, estes modelos privilegiam as corres- frases e isso independentemente da sua com-
pondências grafo-fonéticas ou grafo-fonoló- plexidade sintáxica. Isto significa que o bom
gicas como vias de acesso ao significado. leitor utiliza normalmente estratégias de
Pelo contrário, os modelos descendentes ou tipo «topdown» que obedecem a princípios
«top down models)) (por ex. K. Goodman, de economia e coerência na leitura. Mas
1980 e F. Smith, 1980) sugerem que o leitor também os modelos descendentes não estão
em vez de ektrair informação da página rea- isentos de criticas. Os dados empíricos exis-
lizando um processamento seria1 da infor- tentes mostram que os leitores fluentes para
mação ali contida, projecta um sentido no além de utilizarem as estratégias «topdown»
texto mobilizando conhecimentos e expecta- descritas por aqueles modelos são também
tivas que vão ser ou não confirmadas pelo muito eficazes na utilização das competên-
«teste» de leitura. Estes autores privilegiam cias de nível inferior seja no reconheci-
a via visual-semântica como modo de acesso mento de letras isoladas, nas correspondên-
directo ao significado. A leitura seria essen- cias texto/sons ou na leitura de palavras
cialmente um processo de identificação di- isoladas. Pelo contrário os maus leitores re-
recta de signos globais, de antecipações ba- velam grandes dificuldades na leitura de pa-
seadas em predições léxico-semânticas e sin- lavras fora do contexto ou na identificação
táxicas e de verificaçãa das hipóteses pro- de letras isoladas. Este facto sugere que
duzidas. I3 também suposto que o trata- enquanto os bons leitores aprenderam e au-
mento da informação é feito em paralelo, tomatizaram o uso daquelas competências,
podendo o leitor utilizar sistemas de índices os maus leitores não (ou ainda não) as domi-
simultaneamente e independentemente uns nam completamente. Do ponto de vista da
dos outros. aprendizagem estas questões são importan-
As implicações pedagógicas destes mode- tes pois que a criança que começa a apren-
los são evidentes: ao passo que os primeiros der a ler tem já adquiridas competências
(ascendentes) defendem que a aprendizagem de nível superior não negligenciáveis: voca-
deve começar pelas competências de nível bulário, competência sintáxica, conheci-
inferior (reconhecimento de letras e de mento do mundo (dimensão semântica),
sons), enfatizando portanto (4s processos de «esquemas» sobre a estrutura e encadea-
decifração/descodificação, os úftimos valo- mento de histbrias, contos, etc.... No en-
rizam sobretudo os processos de antecipa- tanto ela não possui ainda as competências
ção/predição, por meio da sensibilização ao de nível inferior necessárias para a com-
contexto linguístico e fazendo apelo ao co- preensão do texto. Como afirmam Adams
nhecimento semântico-conceptual da crian- e Starr:
ça, procurando que a aprendizagem se dirija
desde logo para a leitura com compreensão. «O que falta mais ao Ieitor iniciado
No entanto, nenhum destes modelos con- são as competências do nível mais
segue dar uma visão adequada do processo baixo da hierarquia: as competências
de leitura: os modelos ascendentes não con- necessárias para o reconhecimento
seguem dar conta do facto de as letras serem das palavras impressas.» (op. cit.,
mais facilmente reconhecíveis quando orga- Pág. 697)
nizadas em palavras do que quando apresen-
tadas isoladamente; as palavras são também Acontece pois que as crianças que não
mais facilmente reconhecíveis quando inte- dominam ainda os processos de identifica-
gradas em frases significativas e estas mais ção das palavras (por Ma directa ou por

32
decifração), se deitam a adivinhar pura e leitura. Esta consistiria essencialmente na
simplesmente o texto, afastando-se muitas aprendizagem e automatiza.& das compe-
vezes do seu sentido real; em vez de ler elas tências de nível inferior (((respostas auto-
«deliram» (G. Chauveau, E. Chauveau, máticas)) às letras, sílabas e palavras) para
1985). Por essa razão, é frequente encontrar que o sujeito se possa concentrar posterior-
entre as crianças que começam a aprender a mente nos processos mais complexos da
ler e entre os maus leitores, muitos erros compreensão.
semânticamente compatíveis com o con- No entanto esta noção de ((automatiza-
texto. Ora, se isto pode ser um bom sinal em ção» é ainda problemática pois não especi-
relação às crianças que estão a aprender a fica claramente o que é que se automatiza,
ler (como pretende. F. Smith), já constituiu como e em que momento do processo de
uma mau sinal nos maus leitores, indica que aquisição da leitura/escrita.
se estão viciando em estratégias que por si Por essa razão, os modelos interaccionis-
só são insuficientes para uma leitura cor- tas parecem reenviar o processo de apren-
recta do texto. dizagem para os esquemas tradicionais pro-
Em suma, tanto os modelos ascendentes postos pelos modelos ascendentes: através
como os modelos descendentes podem ser de processos de condicionamento e associa-
criticados pela sua parcialidade, pois privile- ção, a criança adquire as competências de
giam certas estratégias em detrimento de nível inferior que a pouco e pouco vai «au-
outras quando na realidade ambos os tipos tomatizando)). S6 depois dessa automatiza-
de competências fazem parte do comporta- ção a criança adquire a possibilidade de
mento do leitor fluente. compreender e pensar sobre a linguagem
Uma p i ç ã o intermédia é sustentada escrita. Em suma, o modelo interaccionista
pelos modelos interaccionistas que postulam só o é verdadeiramente para o leitor fluente,
que os bons leitores usam simultaneamente sendo no fundamental um modelo de tipo
estratégias ascendentes e descendentes ascendente (embora mais elaborado) quando
(Adams e Starr, op. cit.; C. Perfetti, 1982). aborda as fases iniciais da aprendizagem da
Postulam ainda a necessidade de equilíbrio leitura. A questão que se põe portanto é a
no uso das estratégias de leitura. Os proble- de saber se os modelos do processamento da
mas do leitor aprendiz ou do mau leitor informação são suficientes e adequados para
podem ser devidos ii centração exclusiva explicar as fases iniciais da aquisição da lei-
numa das estratégias: ou o sujeito adopta
tura e da escrita. Pela nossa parte estamos
uma estratégia de antecipação mais ou me-
plenamente de acordo com Marcel (1978)
nos aleatória, afastandese cada vez mais da
mensagem contida no texto ou então, por- quando este afirma que os problemas bási-
que se centra exclusivamente no processo cos que a aquisição da leitura coloca aos
de decifração, é levado a uma excessiva sujeitos são prolblemas csnceptuais e aepis-
perda na compreensão, devida entre outras temoógicos)) e não fundamentalmente de
razões ii saturação da memória a curto processamento da informação:
termo com material sem significado (letras,
sílabas). «...a leitura é essencialmente um
De um modo geral os teóricos dos mode- assunto epistemológico. Ela implica
los interaccionistas defendem ainda a ideia em primeiro lugar a aquisição de con-
de que os processos cognitivos subjacentes ceitos e em segundo lugar a tradução
ao comportamento do leitor fluente são desses conceitos em procedimentos ou
substancialmente diferentes dos processos competências automatizadas (((skil-
cognitivos implicados na aprendizagem da led))). (O sujeito tem de compreender

33
que os grafismos representam - de J. Downing (1984), o autor que mais ex-
uma determinada forma -uma men- tensivamente procurou teorizar este pro-
sagem linguística.))) (Marcel, 1978) blema no quadro das teorias da Aprendiza-
gem, postula que a aprendizagem da leitura
Esta forma de abordar o problema chama como a aprendizagem de qualquer capaci-
desde logo a atenção para o facto de as con- dade ou habilidade («skilI»), envolve no es-
ceptudizações da criança solbre a linguagem sencial três fases: a primeira, apelidada de
escrita constituirem um problema prévio a fase cognitiva é caracterizada pela procura,
qualquer tipo de automatização de compe- por parte do sujeito, de uma representação
tências consideradas básicas para a aquisi- global da tarefa, procurando percebê-la nos
ção da leitura. No capítulo seguinte tenta- seus objectivos e modos de realização. Tra-
remos reforçar esta perspectiva analisando ta-se de uma fase inicial de abordagem da
alguns dos principais pressupostos que a fun- tarefa, numa altura em que esta é ainda
damentam. pouco familiar para o sujeito. A segunda
fase, ou fase de domínio, é essencialmente
uma fase de treino e aperfeiçoamento das
111. PROBLEMAS CONCEPTUAIS
NA AQUISIIÇÃO DA LEITURA operações básicas exigidas pela tarefa. Final-
mente, na terceira fase, ou fase de automa-
Várias investigações recentes têm operado tização, o treino1 leva & sobre-aprendizagem
uma mudança de perspectiva no estudo da de tal forma que o sujeito não mais neces-
apropriação da linguagem escrita pela sita de um controle consciente para operar
criança, pondo o ênfase já não nas capaci- com a habilidade aprendida.
dades tradicionalmente julgadas necessárias Na fase ccgnitiva, o que está em questão
para a aprendizagem da leitura mas antes é a construção de uma representação sobre
nos probtemas conceptuais que o nosso sis- os aspectos fundamentais deste objecto cul-
t e m a d e escrita impõe 6 criança. tural específico que é a escrita. Supõe-se que
Uma tentativa de classificação das várias para que o ensino possa ser eficaz é impor-
perspectivas em que estes temas têm sido tante que a tarefa seja bem compreendida
abordados leva-nos a situá-los em duas nestes estádios iniciais. Nesta linha, J.
grandes correntes -não mutuamente exclu- Downing pro$s aquilo a que chamou de
sivas -: os trabalhos oriundos das teorias da «Teoria da clweza cognitiva)) que postula
aprendizagem e as investigações inspiradas que a criança evolui de uma fase de relativa
nas teorias do desenvolvimento e em par- confusão quanto as funções e natureza do
ticular na psicologia genética e na p s i m funcionamento do sistema escrito para uma
linguística evolutiva. fase de maior clareza cognitiva, sendo esta
necessária para uma adequada assimilação
do ensino formal. Para Downing esta pro-
1. A contribuição das teorias da aprendiza- gressiva clareza cognitiva pressupõe que a
gem criança redescubra os mesmos conceitos
funcionais e estruturais que levaram A in-
Parece evidente que estes problemas não venção do sistema escrito; ou seja, que tome
interessam só investigação fundamental consciência da função comunicativa/infor-
em psicologia do desenvolvimento, mas tam- macional da escrita, bem como das caracte-
bém ? prática
i pedagógica e como tal cons- rísticas da linguagem falada que são repre-
tituam um interessante objecto de análise sentadas pelos símbolos gráficos. Reencon-
para a psicologia do ensino e da aprendiza- tramos aqui a já referida hipótese de Mar-
gem. cel (cf. infra) segundo a qual a escrita co-

34
meça por pôr a criança problemas concep terno tem propriedades observáveis;
tuais («epistemológicos») que ela terá de enquanto objecto de trocas sociais
resolver antes de passar a fases de «automa- participa numa complexa rede de
tização)). in ter-relações potencialmente obser-
váveis. Nada nos impede, a priori, de
concebê-la como um possível objecto
2. A perspectiva genética-desenvolvimental conceptual com a sua génese própria.
Por outro lado, sabemos também,
A ideia de que as representações iniciais graças a obra monumental de Piaget,
que a criança constrói sobre uma tarefa, um que as crianças não ficam a espera
assunto, ou um problema irão de alguma de ter seis anos e uma professora a
forma influenciar o modo como ela os vai frente para começarem a reflectir
assimilar posteriormente, esteve desde sem- sobre problemas extremamente com-
pre presente nos trabalhos da escola piage- plexos, e, nada impede que uma
tiana; a psicologia genética demonstrou lar- criança que cresce numa cultura onde
gamente que a criança é um um ser activo a escrita existe reflita também acerca
que explora com curiosidade e inteligência deste tipo particular de marcas)) (op.
o mundo que a rodeia, construindo noções cit., pág. 1)
de variadíssima ordem a propósito dos objec-
tos, problemas e pessoas com que se de- Ferreiro e Teberosky (1980) partindo des-
fronta quotidianamente. Não é portanto tes princípios e sempre orientadas pela teo-
surpreendente que em sociedades letradas ria piagetiana, conseguiram descrever de
onde a criança pode observar e conviver fre- uma forma notável a evolução das repre-
quentemente com actos de leitura, com sentações infantis sobre a leitura e o sistema
livros, jornais, rótulos, cartazes, legendas, de escrita alfabética, ou seja, o modo como
enfim, com toda a espécie de materiais es- as crianças em idade pré-escolar elaboram
critos, comece a elaborar hip6teses sobre as mais ou menos espontaneamente hipóteses
funções, significado e modo de funciona- sobre os mecanismos de funcionamento do
mento do sistema escrito. sistema escrito, hipóteses essas que nas suas
Por outro lado, a teoria genética sempre sucesivas formas e fases fazem lembrar a
afirmou que os conhecimentos se elaboram História da própria escrita, desde as repre-
e constroem progressivamente, tanto na his- sentaç6es pictográficas e ideográficas até ao
tória humana em geral como no plano onto- sistema alfabético. Com efeito, estudando
genético: «todos os conhecimentos supõem situações de leitura (de textos com ou sem
uma gérzese))é um conhecido lema da escola imagem) e produções escritas solicitadas a
Piagetiana e da epistemologia genética. & crianças em idade pré-escolar, as autoras
por isso legítimo considerar-se a escrita puderam descrever «as formas iniciais de
como um objecto conceptud específico aces- conhecimento da língua escrita)) e o modo
sível a reflexão da criança mesmo antes que como as crianças «chegam a ser deito-
ela tenha sido submetida a um ensino formal rem -no sentido psicogenético - antes de
sobre a mesma. É o que expressou, muito o serem-no sentido das formas terminais
claramente Emília Ferreiro (1980): do processo.))
A partir deste trabalho é possível uma
«A escrita, sistema de signos social- descrição dos principais momentos dessa
mente constituídos, tem um modo de evolução. Tanto na leitura como na escrita,
existência entre os objectos do mun- existe uma primeira fase em que o sistema
do. Enquanto objecto do mundo ex- icónico e não icónico estariam mal diferen-

35
ciados: Imagem e Texto, Desenho e Escrita bastante ((primitivas))sobre a escrita. Se há
andariam intimamente ligados sendo para a algumas que já perceberam claramente que
criança difícil de conceber a escrita como a linguagem escrita mantém relações estrei-
um sistema de significação autónoma e inde- tas com a linguagem oral, outras há para
pendente da imagem. A escrita não é então quem a escrita é ainda uma forma de repre-
vista como uma forma de representação da sentação de algumas propriedades do refe-
linguagem mas antes como uma forma de rente. Estas diferenças não são em geral
representação de algumas das propriedades tidas em conta. Procura-se que as crianças
do referente; assim, ({elefante))escrever-se-á aprendam rapidamente a ler, iniciando-as
com mais letras que «borboleta», porque na técnica de decifração de que necessaria-
aquele é maior ou mais pesado do que a mente muitas não podem sequer entender
borboleta. Quando finalmente o texto pode o significado.
ser concebido como um sistema autónomo,
não necessariamente ligado il imagem, e
tendo já de alguma forma entendido que a IV. O DESENVOLVIMENTO
escrita mantém alguma relação com a lin- DA CONSCIÊNCIA METALINGUÍSTICA
E A APRENDIZAGEM DA LEITURA
guagem, a criança entra num longo período
de questionamento sobre quais serão as par-
tes da linguagem que serão notadas pela 1. Desenvolvimento da comciência meta-
escrita. E aí encontramos algumas concep linguística da cri-a
tualizações bastante surpreendentes para o
adulto alfabetizado. Por exemplo, para a Não só a escrita constitui um objecto
criança nem tudo o que se lê está escrito! acessível a mente da criança; a própria lin-
Para as que têm conceptualizações mais guagem oral (a fala) pode constituir-se como
((primitivas)),só 05 substantivos estão escri- objecto conceptual, sendo verdade que ao
tos; os verbos e os artigos podem ler-se mas longo do seu desenvolvimento a criança não
não estão necessariamente representados só adquire a linguagem mas também um
graficamente. Assim, se o experimentador conhecimento sobre ela.
escreve a frase «a menina come o caramelo)) Difícil é definir exactamente o que seja
e a lê diante da criança, esta concordará esta consciência metalinguística e isto tanto
que a partir desse texto se poderá ler «a por dificuldades intrínsecas ti definição deste
menina come o caramelo)) mas que só lá conceito (o qual tem sido frequentemente
está escrito «menina» e ((caramelo)).Só mais usado por autores que o não definem), como
tarde aceitará que tudo o que se lê está por problemas semânticos devidos ao facto
escrito. de nem sempre a tradução para português
A busca de relações entre o escrito e o conseguir manter a fidelidade devida aS
oral passa também pela procura das uni- diversas conceptualizações propostas por
dades mínimas de correspondência entre um autores estrangeiros. Para alguns autores,
e outro sistema: não é de imediato que a o ((conhecimento metalinguísticon reenvia
criança chega it hipótese alfabética; antes para um conhecimento tácito e intuitivo da
ela passa pela chamada ((hipótese silábica)) linguagem, conhecimento esse que não seria
(a um grafema corresponderia uma sílaba acessível a consciência do sujeito. Outros
no oral) e por momentos de hesitação e autores referem-se explicitamente ao pro-
conflitos entre a hipótese silábica e a hip& blema da consciência utilizando o t e m o
tese alfabética. (consciência metalinguística)), ao passo que
Muitas crianças, quando entram para a outros ainda, usam termos como alanguage
escola primária, têm ainda conceptualizações awareness)) ou ((metalinguistic awareness)),

36
termos que parecem reenviar para um mantendo-se fiel ao espírito da obra piage-
conhecimento sobre a linguagem que não tiana, rejeita o carácter inato da consciência
é nem puramente intuitivo nem totalmente metalinguística e sublinha o carácter «tons-
consciente. trutivista)) da constituição desse saber.
O facto é que os estudos sobre o desen- H. Sinclair sublinha ainda a necessidade de
volvimento da consciência metalinguística distinguir vários níveis de consciência me-
na criança têm envolvido tanto o conheci- talinguística e lembra que a linguagem não
mento tácito que a criança tem da lingua- é um ((objecto))ao mesmo título que outros
gem (ex.: intuições sobre a gramaticalidade objectos físicos. Entre outras coisas destaca
das frases) como um conhecimento mais a ((transparência)) da linguagem por oposi-
explícito que pode envolver a sua capaci- ção ?((opacidade))
i dos objectos e pessoas
dade para pensar, verbalizar e realizar ope- e ainda o facto de os enunciados terem
rações sobre a linguagem e com a lingua- quase sempre características de intenciona-
gem. lidade que estão ausentes dos objectos físi-
A variedade de temas e de termos reflecte cos. Finalmente assinala que na actividade
bem a existência de numerosas controvérsias verbal, ao contrário de outras actividades
sobre a natureza e origens da consciência intelectuais, a separação entre sujeito e
metalinguística na criança. Assim, I. Mat- objecto é pouco clara.
tingIy (1972, 1984), que se apoia na teoria Discussões posteriores (Downing, 1984 e
de N. Chomsky sobre um hipotético meca- Valtin, 1984) chamaram a atenção para a
nismo inato para a aquisição da linguagem contribuição de autores como Vigotsky,
(L. A. D.), sugere que o conhecimento in- Luria, Leontiev e Andresen.
fantil sobre a linguagem seria igualmente Para Vigotsky,
inato e considera o conhecimento intuitivo
que a criança tem da gramática da língua «a consciência e o controlo s6 aparecem
como a componente fundamental da cons- num estado relativamente tardio do
ciência metalinguística. desenvolvimento de uma função, depois
Os autores piagetianos consideram o co- de esta ter sido utilizada e praticada
nhecimento metalinguístico como um deri- inconsciente e espontaneamente. Para
vado do ((conhecimento)) mais geral do submetermos uma função ao controlo
sujeito, o qual estaria dependente e contr+ da inteligência e da vontade temos que
lado pelo desenvolvimento das suas estrutu- a dominar primeiro)) (1979, pág. 121).
ras cognitivas. Para Piaget [1974 a) e
1974 b)] a ((tomada de consciência é um Nesta perspectiva, a consciência da lin-
processo desfasado no tempo em relação A guagem é posterior ao seu uso espontâneo
acção dos sujeitos sobre os objectos. Pode e não consciente. A consciência metah-
saber-se fazer uma coisa sem que tenha- guística é tida aqui como um saber reflexivo
mos consciência dos processos que utiliza- e não apenas como um conhecimento tácito
mos para fazê-la. Assim, a ((tomada de cons- ou intuitivo. Esta posição está bem de
ciência)) teria origem na atenção que pres- acordo com a observação corrente e com
tamos às nossas acções e coordenações das os dados empíricos hoje disponíveis. De
acções sobre os objectos e aos efeitos dessas facto, vários estudos mostram que a criança
acções sobre a realidade. Uma discussão (até aos 6 ou 7 anos) 6 pouco sensível a
sobre a aplicabilidade deste esquema A cons- forma sendo sobretudo atraída pelo con-
trução do saber sobre o objecto específico teúdu semântico da linguagem, o que traduz
que 6 a linguagem, foi encetada por H. Sin- uma natural tendência para que os sujeitos
clair (1978). Naturalmente que esta autora, falantes se concentrem no significado da

37
mensagem e não nos aspectos formais do gem que ocorre por exemplo em situações
significante. Luria (1984, pág. 80) dá alguns em que a comunicação falha e em que por
exemplos de como a criança pequena tem esse facto certos segmentos de discurso são
pouca consciência das unidades constitutivas objecto de atenção por parte do sujeito.
da mensagem verbal: se por exemplo per- O segundo, a que chama de ((consciência
guntarmos a uma criança quantas palavras real» e que implica os conceitos de Vigotsky
há na frase: ((naquela sala há doze cadeiras)) de domínio deliberado, generalização, sis-
quase todas as crianças de 3-5 anos tenderão tematicidade e controlo, requer não somente
a responder: «doze». Foi a partir de dados que a linguagem seja tomada como objecto
deste tipo que Luria elaborou a sua conhe- de reflexão mas que haja igualmente expli-
cida «teoria da janela de vidro» (aglass citação - para identificar as unidades lin-
window theory))), que o próprio autor assim guísticas o sujeito deve ter adquirido o con-
resume: ceito destas unidades.
Andresen (citado por R. Valtin, 1984),
«Um importante período no desen- inspirando-se neste modelo descritivo sugere
volvimento da criança é caracterizado uma sequência desenvcdvimental da cons-
pelo facto de que, apesar de usar acti- ciência linguística; considera assim três es-
vamente um discurso gramatical e de tádios nesta evolução: o primeiro, de uso
designar com palavras apropriadas automático da linguagem, caracteriza-se por
objectos e acções, a criança não é actividades metalinguísticas dependentes de
ainda capaz de tomar a palavra e as uma dada situação de comunicação, ser-
relações verbais como objectos para a vindo fundamentalmente para estabelecer
sua consciência. Neste período uma uma comunicação eficaz. O segundo, de
palavra pode ser usada sem que seja consciência actual, caracteriza-se por uma
notada pela criança, como se aquela capacidade de pensar algumas das proprie-
fosse uma janela de vidro através da dades da linguagem de uma forma descon-
qual a criança olhasse o mundo am- textualizada; o conhecimento das unidades
biente sem suspeitar que ela tem a sua de linguagem é no entanto ainda implícito
própria existência e as suas próprias ca- e relacionado com unidades psicolinguísticas
racterísticas estruturais.)) (Luria, 1946, da fala. O terceiro, de metaconsciência,
cit., J. Downing, 1984, pág. 40). caracteriza-se peIa capacidade de pensar e
manipular unidades linguísticas.
Leontiev (citado por R. Valtin, 1984), por Parece-nos útil distinguir entre aquilo que
seu turno distingue aquilo a que chama de é uma tomada de consciência progressiva
(modelo de capacidade da linguagem)) da- das características da linguagem (que pode
quilo a que chama ((modelo linguístico da ocorrer independentemente da aprendizagem
linguagem)). O primeiro, que se refere aos de certos conceitos linguísticos tais como o
processos psicolinguísticos, representa o de palavra, frase), e aquela que só é possível
conhecimento implícito sobre a linguagem; após o conhecimento destes conceitos.
o segundo, os conhecimentos explícitos neste Na nossa perspectiva, a consciência me-
domínio tais como são interpretados pelos talinguística é não só a capacidade de re-
linguistas. flectir acerca das propriedades da linguagem
No seu modelo de construção de enun- e em termos de comunicação ser capaz de
ciados verbais define diferentes níveis: o pri- conscientemente seleccionar, avaliar, rever
meiro a que chama de (consciência actual)) e rejeitar o que é inapropriado numa dada
caracteriza-se por uma tomada de cons- situação, mas também a capacidade de ma-
ciência espontânea e momentânea da lingua- nipulação consciente de unidades tais como

38
foiiema, palavra, frase que permitem ope- De facto Reid concluía o seu estudo assina-
r a & s conscientes sobre a linguagem. lando alguns dos problemas conceptuais que
a criança tem de resolver, ao afirmar que
a evolução da criança para uma concepção
2. Consciência metalinguística e aprendi- aproximada sobre o sistema alfabético pres-
zagem da leitura supunha pcr parte daquela a manipulação
de relações lógicas:
Vários trabalhos têm sido feitos acerca
das relações entre a consciência metalin- «... as diversas distinções implicam ime-
guística e a aprendizagem da leitura. diatamente uma compreensão de estru-
Um dos trabalhos clássicos neste domínio turas hierárquicas na sua forma mais
é o de Reid (1966); utilizando basicamente simples (noção de uma classe com
técnicas de entrevista verbal com crianças duas ou mais subclasses). (...) as crian-
de 5 anos Reid verificou que grande parte ças têm de compreender que a lingua-
das crianças não tinha consciência de que gem e as imagens constituem dois tipos
existe uma correspondência entre a escrita de símbolos, que as letras e os números
e a leitura nem compreendia que grande são subclasses na classe dos símbolos
parte das crianças não tinha consciência de escritos, e que os «nomes» formam
que existe uma correspondência entre a uma subclasse na classe das letras))
escrita e a leitura nem compreendia que a (pág. 289).
escrita ordena sequencialmente no espaço o
que na linguagem oral se emite linearmente A capacidade da criança compreender
no tempo, nem tão-pouco tinha ideias claras estas relações estaria -para o autor -em
sobre se o que se lê são as figuras ou os grande parte dependente das aquisições lin-
caracteres impressos, nem discriminava cla- guísticas de cada criança, isto é, do facto
ramente o que é letra ou número. de terem ou não um vocabulário adequado
O autor concluia que A categorização dos vários elementos que
constituem a linguagem escrita.
«... a leitura, anteriormente a experiên- Mais recentemente, E. Hiebert (1981) re-
cia, é uma actividade misteriosa a qual tomou estes temas de uma forma bastante
as crianças chegam apenas com expec- sistemática. A autora examinou crianças em
tativas muito vagas)). idade pré-escolar (grups de 3, 4 e 5 anos
de idade) procurando que os dados obtidos
Este estudo é certamente bastante criti- não dependessem apenas de respostas ver-
cável por se basear quase exclusivamente
balizadas e que a sua recolha se realizasse
na capacidade de verbalização da criança
em situações significativas para a criança.
para daí extrair as suas conclustjes. Outros
A autora utilizou dois tipos de medidas para
estudos, utilizando situações mais contex-
tualizadas e técnicas mais adequadas de re- tentar avaliar os ((conceitos sobre a leitura)):
colha e tratamento dos dados, chegaram a uma relativa aos processos implicados na
conclusão de que as crianças em idade pré- leitura, outra relativa aos propósitos da es-
-escolar sabem muito mais sobre a leitura crita. Verificou que as crianças de três anos
e a escrita do que aquilo que Reid supunha. já possuíam algum conhecimento sobre
No entanto o interesse maior deste trabalho aqueles processos sendo no entanto verdade
está precisamente no facto de ter chamado que esse conhecimento aumentava substan-
a atenção para problemas que vinham sendo cialmente do início para o fim do período
desprezados pela investigação tradicional. pré-escolar, tendo as crianças de 5 anos

39
performances bastante melhores que as de ((inclui saber o. que é ler; conhecer as
3 anos. convenções da escrita tal como ler da
J. L. Johns (1980), por sua vez, utilizou esquerda para a direita, de cima para
um «teste de conceitos sobre a leitura)) que baixo, uma linha de cada vez; e conhe-
apíicou a crianças já no final do primeiro cer os conceitos de letra, palavra, frase
ano de escolaridade. Trabalhando com três ou história)) (pág. 30).
grupos (bons leitores, leitores médios e maus
leitores) verificou que as crianças que me- Ora, quanto a nós, existem bastantes dife-
lhor liam no final desse l." ano de escola- renças entre por exemplo ser capaz de iden-
ridade eram aquelas que igualmente melho- tificar as diversas partes de um enunciado
res scores obtinham nesse teste, o que aponta oral, ou ser capaz de proceder a uma seg-
para uma influência importante da ((clareza mentação silábica ou fonética de uma pala-
cognitiva)) quanto aos conceitos sobre a vra e por outro lado, ser capaz de reconhe-
leitura e a escrita no êxito daquela apren- cer os actos pertinentes de um acto de lei-
dizagem. tura ou conhecer as convenções da escrita.
Para além deste, muitos outros estudos Esses diferentes comportamentos exigem
demonstraram existir uma correlação ele- diferentes níveis e tipos de operações cogni-
vada entre o êxito na leitura e o grau de tivas e diferentes graus de conhecimento
consciência metalinguística na criança ou a quanto ao objecto em causa. Numa pri-
clareza cognitiva quanto a conceitos sobre meira análise pensamos que seria útil, pelo
a leitura. (Downing, 1984.) menos para fins de exposição e de investi-
No entanto, estes trabalhos não permitem gação, diferenciar claramente 3 dom'nios:
afirmar que se trata de uma relação causal. 1) o dos conhecimentos da criança sobre a
Parece sim tratar-se de uma relação inte- linguagem oral; 2) o dos conhecimentos
ractiva -a consciência metalinguística po- sobre as características convencionais da
tencializando o processo de aprendizagem escrita e sobre os actos da leitura e 3) o dos
da leitura, as ideias e reflex0es acerca do conhecimentos sobre a estrutura da escrita
sistema de escrita estimulando por sua vez e suas relações com a linguagem oral. Pare-
a consciência metalinguística. ce-nos que os conhecimentos do tipo 2,
Os três estudos a que nos referimos são reenviam essencialmente para aquilo a que
paradigmáticos de uma certa linha de inves- Piaget chamou de conhecimento figurativa
tigação dominante no mundo anglo-saxó- (isto é, construído a partir de pistas percep
nico. No entanto, eles Nem-nos algumas re- tivo-visuais e comportamentais) ao passo
servas entre outras razões porque parecem que os conhecimentos de tipo 1 e 3 reen-
misturar sob um mesmo termo ou conceito viam para um conhecimento operativo, mais
global (danguage awareness)); ((linguistica- claramente de tipo conceptual.
warew; aprint awareness)), etc.) assuntos Tendo em atenção estas distinções pode-
que julgamos serem de natureza diversa, mos ensaiar uma classificação dos vários
que deveriam ser tratados na sua especifi- temas que têm sido estudados pelos inves-
cidade e s6 posteriormente relacionados. tigadores que trabalham nesta área. Assim,
e que, se a noção de consciência metalin- poderíamos distinguir 6 temas principais:
-
guística como já vimos -recobre capaci-
dades e comportamentos bastante diversos, 1. O reconhecimento das actos de leitura
quande se procura relacioná-la com a com-
preensão do sistema da escrita a confusão Pretende-se saber se a criança reconhece
aumenta. Por exemplo, para Weaver e os comportamentos típicos e pertinentes para
Shonkoff (1979), a dinguistic awareness)): um acto de leitura e que pistas utiliza para

40
decidir se alguém está ou não a ler. Cf. 6. Conhecimentos sobre a estrutura da
J. 'Downing (1970), E. Ferreiro, A. Tebe- escrita e suas reZaç5es com a lingua-
rosky (1980). gem oral

2, O reconhecimento de suportes de es- Analisam-se a este nível como e quando


crita percebe a criança que existe uma relação
objectiva entre a escrita e a linguagem oral
Nestes estudos apresentam-se criança e quais as regras que regulam essa relação.
váriw materiais (folhas ou livros em branco; Cf. E. Ferreiro e A. Teberosky (1980).
folhas ou livros com letras, frases, textos; Quanto a nós, 05 temas 1, 2 e 3 são
folhas ou livros só com imagens ou só com os que mais directamente reenviam para um
números; etc.), e pede-selhe que indique conhecimento de tipo figurativo não exi-
quais é que servem para ler. Cf. Reid (1966), gindo um conhecimento metalinguístico
E. Hiebert (1981). muito sofisticado por parte da criança nem
exigindo dela operações cognitivas de gran-
3. A compreensão das convenções da es- de complexidade pois se tratam essencial-
crita mente de actos de reconhecimento de com-
portamentos ou materiais anteriormente
Trata-se de avaliar o conhecimento que observados.
a criança tem sobre a ordem e sequência O mesmo se não passa com os conheci-
da escrita/leitura: evolução da esquerda para mentos implicados em 4, 5 e 6 pois aí
a direita; de cima para baixo, etc. Cf. estão implicadas conceptualizações que exi-
J. Johns (1980). gem operações cognitivas bastante mais
complexas e um grau muito superior de
consciência metalinguística. Julgamos que
4. A compreensão das f w õ e s da escrita
o termo «print awareness)) é mais adequado
para descrever aquele primeiro tipo de
Pretende-se saber se a criança apreende conhecimentos e que os termos ((linguistic
a função de comunicação da escrita, isto é, awareness))e danguage awareness))são mais
se ela compreende que a escrita é portadora apropriados para descrever este segundo
de uma mensagem que pode ser decifrada tipo de conhecimentos.
por um leitor; se compreende, inversamente, Outra das reservas que pomos a um
que pode codificar determinada informação número significativo de estudos realizados
através da escrita de modo a que esta possa neste âmbito radica no facto de conside-
ser compreendida por um leitor. Cf. Reid rarmos que muitas vezes eles se limitam a
(1966), E. Hiebert (1981), J. Downing (1982). descrever os conhecimentos e as capacidades
que a criança tem ou não tem em dado
5. Concepções sobre a linguagem momento; trata-se em geral de estudos com
pouca ou fraca fundamentação teórica que
Neste tipo de estudos analisam-se as analisam fundamentalmente a sensibilidade
noç6es que a criança tem de palavra, da criança às características da escrita.
frase, letra, número, e a sua capacidade Parece-nos da máxima importância que a
de discriminá-las, defini-las ou relacioná-las. investigação neste domínio seja desenvol-
Analisam-se igualmente as capacidades de -
vida e aprofundada com vista a explicar e
segmentação silábica e fonémica. Cf. Pa- não s6 a descrever -a origem e cd evolução
pandropoulou e Sinclair (1974), J. Downing, das conceptualizações infantis s a b e a lei-
R. Valtin (1984). tura e a escrita.

41
BIBLIOGRAFIA GILHAM, B. (1980) - «The failure of psycho-
metrics)), in Bi11 Gillham (Ed.), Reconstructing
ADAMS, M. J.; STARR, B. J. (1982)-«Les educatiunal psychology. Groom Helm, Lon-
modeles de lecture)). Bulletin de Psychologie, don.
n.’ 356, 695-704. GLUSHKO, R. J. (1979) - ((Cognitive and Peda-
AINSCOW, M. (1982) - ((Objectives and task gogical Implications of Ortography)). The
analysis in special education)) (não publicado). Quarterly Newsletter of the Laboratory of
AUSUBEL D. (1968) - Educational psychology. Comparative Human Cognition, vol. 1, n.’ 2,
A cognitive view. Holt Rinehart and Winstori, 22-26.
INC, New York. GOODMAN, K. S. (1980) - ((Universaux psyco-
BEAUGRANDE, R. de (1982) - «Les contrain- -1inguistiques et processus de lecture)), in
tes genérales qui affectent les processus de Smith, F. - Comment ies enjants apprennent
compréhension du langage)), Bulletin de Psy- a lire, Edit. Retz, Mayenne.
chulogie, n.‘ 356, 11-16. GOUGH, P. (1972) - «One second of reading)),
BODY, W. (1979)-Theories of the reading in Kavanagh, J. f. e Mattingly, I. (eds.),
process. Dissertation adv. Dip. Ed. Bristol Language by Eear avld by Eye, Cambridge,
University (não publicado). Mass.: MIT Press.
BROWN, A. L.; FERRARA, R. A. (1985)- HABERLANDT, K. (1982) - «Les expectations
((Diagnostic zones of proximal development)), du lecteur dans la compréhension du texto),
in Culture communication and cognition-Vy- Bulletin de Psychologie, vol. XXXV, n.? 356.
gotskian perspectives. Ed. James V. Wertsch, HENDERSON, L. (1982) - Orthography and
Cambridge University Press. word recognition in reading, Academic Press,
CHALL, J. (1967) - Learninp to read: The Great London.
Debate, McGraw-Hill, New York. HIEBERT, E. H. (1981) - ((Developmental pat-
CHAUVEAU, G.; ROGOVAS-CHAUVEAU, E. tems and interelationships of preschool chil-
(1985) - «Les processus d’acquisitions ou dren’s print awareness)), in Recading Research
d‘échec en lécture au cours préparatoire)). Quarterly, n.” 2, 236-260.
Revue Franç‘aise de Pédagogie, n.? 70, 5-10. HICKS, C. (1980) - «The I. T. P. A. visual se-
COHEN, R (1979) -L’apprentissage précoce de quential memory task: an alternative inter-
lu Zecture. PUF, Paris. pretation and the implication for good and
DOWNING, J.; LEONG, C. K. (1982) - PSY- poor readers)). British Jownal of Educational
chology of reading, MacMillan Publ., New Psychology, 50, 16-25.
York. INIZAN (1963) -Le temps d’apprendre C? lire.
DOWNING, J. (1984) - «Task awareness in the Paris, A. Colin-Bourrelier.
development of reading skill)), in Downing, J.; JOHNS, J. L. (1980) - ((First grader’s concepts
Valtin, R. - Language awareness and learning about print)), Reading Research quarterly,
ta r e d , Springer Verlag, New York. n.e 4, 529-549.
FERREIRO, E. (1980) - ((Psicogénesis de la KAVANAGH, J. F.; MARTTINGLY (eds.)
escritura)). Trabalho apresentado no 1.e Con- (1972) - Languaige by Ear and by Eye, Cam-
gresso Brasileiro Piagetiano. Rio de Janeiro. bridge. Mass.: MIT Press.
Brasil, Setembro de 1980. KENNEDY, A. (1978) - «Eye mouvements and
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. (1980) - the integration of semantic information during
Lps sistemas de escritura en e1 desarrollo de1 reading)), in M. Gruneberg; P. Morris and
nino, 2.” ed., Siglo Vintiuno Editores, México. R. Sykes (eds.). Pratical aspects of memory,
FORNESS, S. R. (1981) - Koncepts of Learning Academic Press, London.
and Behavior Disorders: Implications for KINTSCH, W. (1976) - ((Bases conceptuelles et
Research and Practice)), Exceptional Children, mémoire de texte)), Bulletin de Psychologie,
vol. 48, n.‘ 1, 56-63. Numéro spéciai: ((Lu mémoire sémantique)).
FOUCAMBERT, J. (1976) - La maniére d’être KINTSCH, W. e VAN D I X , T. A. (1978)-
lecteur, O . C. D. L. -SERMAP, Paris. «Toward a model of text comprehension and
GALIFXET-GRANJON, N. (1958) - ((ExpOSé production)), Phichological Review, 85, 363-
critique des principes psychologiques SOUS- -394.
-jacents a quelques méthodes d’apprentissage KOLERS (1970) - «Three stages of reading)), in
de la lecture)), Psychiatrie de I’enjant, I , 2, Levin, H.: Williams, J. - Basic studies on
379-436, reading. Basic Books. New York.

42
LEVIN, H. e WILLIAMS, P. (eds.) (1970)- phérique droite et gauche)), Bulletin de Psy-
Basic studies on reading. Basic Books, New chologie, n.’ 341, 903-910.
York. RAYNER, K. (1978) - «Çemantic Processing
LURIA, A. R. (1974) - Conciencia y Lenguage, of words: Foveal and Para foveal Differences
Visor libros, Madrid. in Reading.)) in G. Gruneberg; P. Morris; R d
MARCEL, A. (1978) - ((Prerequesites for a more Sykes (eds.). Pratical Aspects of Memory,
applicable psychology of reading)), in Grune- Academic Press, London.
berg, M.; Morris, P. E.; Sykes, R. N. - REID, J. (1966) - ((Learning to think about
Practical aspects of memory. Academic Press, reading», Educationd Research, n.e 9 (I),
London. 56-62.
ROSS, A. O (1979) - Aspectos Psicológicos dos
MATTINGLY, I. G. (1972) - ((Reading, the lin- Distúrbios da Aprendizagem e Dificuldades na
guistic process, and linguistic awareness)), in Leitura, McGraw-Hill do Brasil, São Pau!o.
Kavanagh, J. F.; Mattingly, I. G . (eds.) - SANFORD, A.; GARROD, S. (1982) - «Vem
Language by ear and by eye. M a s : MIT
Ia construction d’un modéle psychologique de
Press, Cambridge. la comprthension du langage Ccrit)), Bulletin
MATTINGLY, I. G. (1984) - ((Reading, linguis- de Psychologie, n.? 356, 643-648.
tic awareness, and language acquisition)), in SINCLAIR, H. (1978) - ((Conceptualization and
Downing, J.; Valtin, R. (eds.) - Language awareness in Piaget’s theory and it’s relevance
Awareness and Lmrning to Read. Springer to the child’s conception of ianguage)), in
Verlag, New York. A. Sinclair; R. Jarvella; W. Levelt: The child’s
MIALARET, G. (1974) - A Aprendizagem da conception of language, Springer-Verlag, New
Leitura, Editorial Estampa, Lisboa (ed. origi- York.
nal: 1968, PUF, Paris). SMITH, F. (1980) - Comment les enfants
MITCHELL, D. C. f(1982)- The process of read- apprennent a lire. Editions Retz, Mayenne.
ing: a cognitive analysis of fluent reading and VALTIN, R. ‘(1984) - «The development of
learning to read. John Wiley and sons, New metalinguistic abilities in children learning to
York. read and write)), in J. Downing; R. Valtin
PAPANDROUPOULOU, I, e SINCLAIR, H. (eds.). Language awareness and learning to
(1974) - «What is a word? Experimental real, Springer-Verlag, New York.
study of children’s ideas on grammar. Human VIGOTSKY, L. S. (1979) -Pensamento e lin-
Development, 17, 241-258. guagem, Ed. Antídoto, Lisboa (edição original
PIAGET, J. (1974-a) - La prise de conscience. de 1934).
PUF, Paris. WEAVER, P.; SHONKOFF, F. (1979) -Re-
PIAGET, J. (1974-b) - Réussir et comprendre. search within reach: A research-guided res-
PUF, Paris. ponse fo the concerns of reading educators,
PLAISANCE, E. (1978)-«A Dislexia tem as Newark, Dei.: International Reading Asso-
costas largas!)), in GFEN (ed.). O Poder de ciation.
Ler, Livraria Civilização Editora, Porto. Wedell (1977) - ((Perceptual Deficiency and Spe-
PYNTE, J. (1979) - ((Encodage ‘verbal’ des mots cific Reading Retardationu. J . Child Psychol.
écrits et accés A Ia signification en vision péri- Psychiat., vol. 18, 191-194.

43
INSTITUTO SUPERIOR DE PSICOLOGIA APLICADA

Torne-se leitor
da Biblioteca d o ISPA
(Rua Jardim do Tabaco, '.n 44, 1100 Lisboa, Telef. 8631 84/5/61

Últimas publicações periódicas recebidas:

ACTES DE LA RECHERCHE EN SCIENCES SOCIALES- N." 65, Nov. 1986


AMERICAN JOURNAL OF COMMUNITY PSYCHOLOGY-Vol. 14, n.0 4,
1986
-
ANALISE SOCIAL VOI. XXII, 1986-1?
-
L'ANNÉE PSYCHOLOGIQUE Fasc. 3, 1986
AUTREMENT - nP 84, 1986
BEHAVIORAL AND BRAIN SCIENCES-Vol. 9, n.0 2, 1986
-
THE BRITISH JOURNAL OF CLINICAL PSYCHOLOGY Vol. 25, n.0 4.
1986
THE BRITISH JOURNAL OF DEVELOPMENTAL PSYCHOLOGY- Vol. 4,
n.0 4, 1986
THE BRITISH JOURNAL OF EDUCATIONAL PSYCHOLOGY- Vol. 56,
n.0 2, 1986
BULLETIN DE PSYCHOLOGIE - n.0 376, 1986
CHILD DEVELOPMENT-Vol. 57, nP 5, 1986
COGNITION -Vol. 23, n.0 3, 1986
EDUCATIONAL PSYCHOLOGY-Vol. 6. n.0 2, 1986
-
ENFANCE n."2/3, 1986
EUROPEAN JOURNAL OF PSYCHOLOGY OF EDUCATION -Vol. 1,
n.0 2, 1986
EUROPEAN JOURNAL OF SOCIAL PSYCHOLOGY- Vol. 16, n.0 3, 1986
INTERNATIONAL JOURNAL OF BEHAVIORAL DEVELOPMENT -VOI. 9,
n.0 3, 1986
INTERNATIONAL JOURNAL OF SMALL GROUP RESEARCH -VOI. 2,
n.0 2, 1986

HORARIO: Das B Bs 21 h r

Você também pode gostar