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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CAMPINAS
2016
THAIS CRISTINA LEITE BOZZA
CAMPINAS
2016
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 133336/2014-0
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Rosemary Passos - CRB 8/5751
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
COMISSÃO JULGADORA:
2016
DEDICATÓRIA
Eu não poderia deixar de agradecer às pessoas que estiveram ao meu lado durante todo
esse percurso repleto de desafios e conquistas. A todos que me apoiaram, incentivaram e
contribuíram para a realização deste estudo, sou imensamente grata.
Primeiramente agradeço à minha família. À minha mãe, pelo exemplo de força, afeto e
coragem, que sempre me guiaram. Ao meu pai, cuja presença espiritual continuará sempre forte,
pela ternura e honestidade e por sempre nos mostrar que o estudo é valor. Ao meu irmão Felipe,
pelo aprendizado da convivência, fruto de tantos conflitos que tivemos. Ao meu irmão Jhonatan,
que tanto inspirou a discussão do tema deste trabalho. À minha avó; sem todo o seu apoio e
cuidado, eu não conseguiria chegar até aqui. Às minhas tias, Célia e Wilma, pelo exemplo de
dedicação; aos meus tios Denilson e Mauro, que me chamam, carinhosamente, de “doutora”.
Aos meus primos Carol, Raquel e Victor pela parceria. À minha cunhada, Tais, pelo exemplo
de doçura e pela ajuda (que só está começando) com o inglês. E às crianças da família, Pedro e
Gustavo, por me tornarem uma pessoa melhor.
Ao meu noivo, Thomas, por todas as conquistas, por estar sempre ao meu lado nos
momentos bons e ruins, por acreditar no que eu faço e incentivar os meus estudos.
À minha orientadora, Telma Pileggi Vinha, agradeço pela oportunidade e confiança
depositada em mim e por todos os seus ensinamentos que contribuíram para o meu crescimento
profissional e amadurecimento pessoal.
À Luciene Regina Paulino Tognetta, a grande “responsável” por despertar a paixão pelo
tema que estudo. Todo o meu respeito e admiração.
À Adriana Ramos, amiga e “mentora”, obrigada pelo exemplo de caráter e determinação
e por todas as oportunidades de estudo e trabalho.
A minha eterna gratidão às queridas amigas-pesquisadoras-sabidas da Unicamp:
Carolina Marques, Flavia Vivaldi, Mariana Tavares, Lívia Silva, Mariana Wrege e Danila
Zambianco. Ao Adriano Moro, grande parceiro de trabalho durante a trajetória do mestrado. A
todos os colegas do GEPEM. Aos companheiros inseparáveis do “grupo do bullying”: Raul
Alves, Luciana Lapa, Sanderli Bomfim, Sandra de Nadai, Rafael Daud, Darlene Knoener.
Às professoras Orly Zucatto Mantovani de Assis e Ana Maria Falcão de Aragão e ao
professor César Augusto do Amaral Nunes, pelos ensinamentos valiosos que contribuíram com
a realização deste trabalho.
Aos funcionários da Faculdade de Educação pelos serviços prestados.
A todos os alunos “gente grande” e “gente pequena” que passaram pela minha trajetória
profissional e que alimentaram minha busca incessante pelo conhecimento e pela pesquisa.
E por fim, a CNPq, pela bolsa concedida.
A todos, o meu muito obrigada!
RESUMO
A internet trouxe benefícios para a humanidade no que diz respeito a mobilidade e criação de
novos ambientes de comunicação. Por outro lado, a invisibilidade, o anonimato, a velocidade e
a possibilidade de propagação dos conteúdos online para grandes audiências, são algumas
características do ciberespaço que o torna um lugar vulnerável. Quando refletimos sobre o uso
dessa ferramenta pelos jovens nos dias atuais, temos visto um aumento dos casos de agressões
virtuais, em que adolescentes são humilhados e ofendidos nas redes sociais e mais, expõem suas
intimidades na internet, gerando consequências, muitas vezes irreversíveis. Sabemos que a
agressão virtual, apesar de aparentemente ocorrer fora do ambiente escolar, reflete neste espaço,
uma vez que a internet é também um local de convivência entre os atores escolares. Diante dessa
realidade, fica evidente a necessidade de ampliar o papel formador da escola, reconhecendo os
conflitos que podem ser vividos nesse espaço cibernético e a necessidade de discussão sobre
tais questões, buscando estratégias educativas para formar nessa área. A partir de tal
constatação, propomos uma pesquisa bibliográfica, do tipo Estado da Arte, que teve como
objetivo descrever e analisar programas educativos que visam a prevenção e redução da
incidência do cyberbullying e da cyber agressão. A princípio utilizamos as bases de dados
Scielo, Bvs, Eric, Apa Pshyc Net e Bireme, para buscar artigos científicos publicados em
periódicos, no período de 2000 a 2015; contudo, usando o critério de selecionarmos somente
os estudos empíricos que continham informações suficientes sobre os programas, foram
encontrados um número reduzido de artigos. Ampliamos nossas buscas em livros, teses,
dissertações e websites, totalizando 19 fontes, que foram utilizadas para descrever 5 programas
educativos: Prires, Cybertrainig, Kiva, Conred e Beatbullying. Os programas foram descritos a
partir das categorias: objetivo, referenciais teóricos, características, conteúdos, atividades e
avaliação; e analisados à luz da perspectiva construtivista piagetiana, visando identificar se as
práticas são favoráveis ao desenvolvimento da autorregulação moral dos alunos. Os resultados
obtidos indicam que o programa Prires atendeu de forma geral aos nossos critérios de análise.
Acreditamos na relevância da presente investigação, uma vez que apresentamos as
características das diversas facetas da agressão virtual, bem como analisamos as intervenções
educativas presentes na literatura para prevenir e reduzir a incidência destes problemas,
trazendo implicações que podem embasar ações futuras nas escolas brasileiras.
Internet has brung much benefits to humanity, if we talk about mobility and creation of new
communication ways. On the other hand, invisibility, anonymous, speed and the possibilities
of spread online content to huge audiences are some of the characteristics from the cyberspace
which becomes it really vulnerable. When we think about the use of these tools by Young
people in nowadays community, we have seen an increase of virtual violence, in which
teenagers are humiliated and offended in Social Networks. Besides, they expose their intimacy
on the Internet, causing, usually, irreversible consequences. We know virtual violence are
reflected in this space, even it does not happen at school, because Internet are used also for the
actors involved in the Scholar Environment. In front of that, it is obviously that we need to
expand school’s role as a guide in these scenes, recognizing the violence that could be generate
in the cyberspace and how we need to discuss the subject with parents, looking for educative
strategies to be prepared in the area. Since the discussion about the problems, we purpose a
bibliographical research, as Art State, which had as main point to describe and analyze
educational programs, which try to prevent and reduce cyberbullying and cyber aggression
incidence. To begin, we would use data basis as Scielo Bvs, Eric, Apa Phyc Net and Bireme,
to look for scientific articles published from 2000 to 2015; otherwise, selecting empiric studies,
which contain enough information about the programs, we decided to stay with them, and we
had not found enough studies only about what we wanted in the data basis. We also got about
our researches in books, thesis, essays and websites. Finally, it is composed by 19 fonts, used
to describe five educational programs: Prires, Cybertraining, Kiva, Conred and Beatbullying.
The programs were described from categories: objectives, theoretical references,
characteristics, contain, activities and tests; and analyzed in the point of view of moral
psychology from Piaget, looking to identify if the practical are positive to students’
development and moral self-regulation. The results indicate that the Prires program
corresponding to our analysis criteria. We believe the importance of the present investigation,
because we presented the characteristics from many faces of virtual aggression, also, we
analyzed educational interventions presented in literature to prevent and decrease these kinds
of problem, by bringing implications that could base future actions to Brazilian schools.
Figura 1 Imagem refletida no espelho quebrado do livro “As cinco saias” .................. 79
Quadro 1 As diferenças entre bullying e cyberbullying .................................................. 86
Quadro 2 Artigos encontrados nas bases de dados ....................................................... 126
Quadro 3 Artigos selecionados nas bases de dados ...................................................... 127
Quadro 4 Artigos selecionados no Google Acadêmico ................................................ 130
Quadro 5 Obras impressas sugeridas por pesquisadores ............................................... 131
Quadro 6 Trabalhos selecionados para estudo .............................................................. 133
Quadro 7 Programas educativos selecionados .............................................................. 135
Quadro 8 Categorias de análise ..................................................................................... 137
Quadro 9 Descrição do programa CONRED ................................................................ 142
Quadro 10 Descrição do programa KIVA ....................................................................... 157
Quadro 11 Descrição do programa BEATBULLYING .................................................. 169
Quadro 12 Descrição do programa CYBERTRAINING ................................................ 193
Quadro 13 Descrição do programa PRIRES ................................................................... 201
Quadro 14 Comparação dos programas: categoria 1- objetivos ..................................... 217
Quadro 15 Comparação dos programas: categoria 2- referenciais teóricos .................... 218
Quadro 16 Comparação dos programas: categoria 3- características ............................. 218
Quadro 17 Comparação dos programas: categoria 4- conteúdos .................................... 219
Quadro 18 Comparação dos programas: categoria 5- atividades .................................... 220
Quadro 19 Comparação dos programas: categoria 6- avaliação e resultados ................. 223
Quadro 20 Comparação final (programas e categorias de análise) ................................. 225
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 12
2 A PÓS-MODERNIDADE ........................................................................................ 16
2.1 A ORIGEM DO TERMO PÓS-MODERNO ........................................................................... 16
2.2 AS RELAÇÕES SOCIAIS PÓS-MODERNAS ........................................................................ 18
2.3 O ADOLESCENTE PÓS-MODERNO .................................................................................. 21
2.4 AS INSTITUIÇÕES FORMALMENTE RESPONSÁVEIS PELA EDUCAÇÃO DOS JOVENS:
FAMÍLIA E ESCOLA NO CONTEXTO PÓS-MODERNO ........................................................ 30
3 AS NOVAS MODALIDADES DE RELACIONAMENTO .................................. 41
3.1 O CIBERESPAÇO ........................................................................................................... 41
3.2 O USO DO CIBERESPAÇO .............................................................................................. 44
3.2.1 A origem e o uso da internet ...................................................................................... 44
3.2.2 A origem e o uso das redes sociais............................................................................. 51
3.3 AS CARACTERÍSTICAS QUE COMPÕEM O CIBERESPAÇO E O LADO PERIGOSO DA
INTERNET .................................................................................................................... 63
3.4 A AGRESSÃO VIRTUAL: A DISTINÇÃO DOS TERMOS ...................................................... 66
4 VIOLÊNCIA ENTRE PARES QUE INCIDE NA ESCOLA: BULLYING E
CYBERBULLYING................................................................................................. 77
4.1 O BULLYING ................................................................................................................ 77
4.2 BULLYING E CYBERBULLYING: ASPECTOS COMUNS ..................................................... 83
4.3 BULLYING E CYBERBULLYING: ASPECTOS DIVERGENTES ............................................. 86
4.4 AS CARACTERÍSTICAS QUE COMPÕE O CYBERBULLYING .............................................. 88
4.5 AS FACETAS DO FENÔMENO CYBERBULLYING ............................................................. 91
4.6 UM PANORAMA GERAL DAS PESQUISAS SOBRE CYBERBULLYING ................................. 94
4.7 CONSEQUÊNCIAS ....................................................................................................... 100
4.8. O OLHAR DA PSICOLOGIA MORAL SOBRE OS FENÔMENOS .......................................... 106
4.9 LEGISLAÇÃO X EDUCAÇÃO........................................................................................ 115
5 A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA ........................................................................ 120
5.1 OBJETIVOS ................................................................................................................ 121
5.2 MÉTODO .................................................................................................................... 122
5.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................................... 124
5.4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS PROGRAMAS EDUCATIVOS QUE VISAM A
AGRESSÃO VIRTUAL ................................................................................................. 136
5.4.1 Conred ...................................................................................................................... 142
5.4.2 Kiva antibullying program ....................................................................................... 156
5.4.3 Beatbullying- cybermentors ..................................................................................... 169
5.4.4 Cybertraining .......................................................................................................... 192
5.4.5 PRIRES ....................................................................................................................... 201
5.4.6 COMPARAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS FINAIS ................................................... 217
5.4.7 PROPOSTAS NÃO SISTEMATIZADAS: UM EXEMPLO DESENVOLVIDO POR UM PROFESSOR
BRASILEIRO PARA TRABALHAR A AGRESSÃO VIRTUAL ..................................................... 227
Os tribalistas já não querem ter razão, não querem ter certeza, não
querem ter juízo, nem religião. Os tribalistas já não entram em questão, não
entram em doutrina, em fofoca ou discussão. Chegou o tribalismo no pilar
da construção
Os Tribalistas
Goergen (2001) concorda com o teórico Giroux quando afirma que o pós-
modernismo traz consigo profundas mudanças de fronteiras, que estariam relacionadas à
influência da tecnologia da informação e, consequentemente, aos meios eletrônicos de massa,
destacando a “crescente transgressão das fronteiras entre a vida e a arte, alta cultura e cultura
popular, imagem e realidade” (p. 27).
O esforço para compreender o que significa pós-modernidade implica,
necessariamente, a compreensão sobre o nosso próprio modo de existência nos dias atuais.
Esperandio (2007) parte do pressuposto de que ela surge da composição das relações de saber,
de poder e de subjetivação que se configuram no tempo e no espaço.
19
Bauman (2001) aponta o tempo como cada vez mais subjetivo na pós-modernidade,
que ele prefere denominar de “modernidade líquida”. Para ele, a modernidade não terminou,
pois considera que somos tão modernos quanto nossos pais e avós, mas que a essência de todas
as nossas diferenças está na liquidez, ou seja, na incapacidade da nossa sociedade de manter a
sua forma por algum período de tempo (2007, p. 04). É um cenário em que o instantâneo
sobrepõe-se ao sólido e durável, e em que há uma “despreocupação com a eterna duração em
favor do carpe diem” (BAUMAN, 2001, p. 144).
Sem dúvida que essa mudança histórica na sociedade vai impactar diretamente na
configuração das relações sociais estabelecidas pelos sujeitos que nela convivem, relações
também caracterizadas pela “liquidez”, como afirma Bauman (2001). Essa nova maneira de
relacionar-se com o fator tempo suscita diversas implicações nas nossas relações interpessoais.
Segundo La Taille (2009), há atualmente uma necessidade desenfreada de ocupar-se o tempo,
sendo insuportável conviver com o ócio. Nesse sentido, as relações entre as pessoas também
assumem essa dinâmica; há a necessidade de manterem-se continuamente conectadas,
utilizando, para isso, as novas tecnologias digitais. O mesmo autor afirma que tal modo de
relacionamento interpessoal pode contribuir para “comunicações superficiais, passageiras,
intempestivas” (LA TAILLE, 2009, p. 76).
A desconstrução das barreiras entre o pessoal e o público também pode ser encarada
como uma característica própria da pós-modernidade. Para Hannah Arendt (1972 apud LA
TAILLE, 1998, p. 115), a sociedade moderna tem dificuldades para estabelecer o limite entre
o que é público e o que é privado, ou seja, daquilo que pertence ao âmbito particular e o que
pode ser mostrado a todos, e isso impacta diretamente no desenvolvimento das crianças e dos
jovens. De acordo com o autor, são sujeitos que necessitam de um abrigo seguro para crescerem
sem serem perturbados, contudo parece que o direito constitucional de estar só é constantemente
desrespeitado e diversos fatores contribuem para a invasão da “fronteira da intimidade”
(SENETT, 1999), e um deles é a tecnologia. Complementando essa ideia, na visão de Matos
(2009), atualmente ninguém tolera a possibilidade de ser anônimo ou de estar sozinho. Esse
sozinho não significa o isolamento físico do indivíduo, que muitas vezes está sozinho em seu
quarto, mas está relacionado ao “contato frenético e concomitante com dezenas de seus pares,
espalhados pelo país e pelo mundo e cuja identidade real lhe é incerta” (p. 16).
Dessa forma, podemos inferir que em tempos pós-modernos faltam momentos em
que as crianças e os adolescentes podem estar sozinhos, não no sentido de exclusão ou
abandono, mas momentos em que possam estar consigo mesmos. Isso porque, muitas vezes,
20
pais e professores procuram ocupar o tempo ocioso das crianças, mas acabam destituindo os
filhos e alunos de um momento imprescindível para a construção do autoconhecimento e da
própria identidade, uma vez que estar consigo mesmo significa estar com seus próprios
pensamentos e sentimentos.
Sennett (1999) também destaca o conflito entre vida pública e privada. Afirma que
os assuntos pessoais e as intimidades são levadas hoje ao domínio público. Para Bauman (2001),
é como se houvesse uma redefinição dessas esferas, em que a vida privada estaria exposta e
seria publicamente observada. Essa exposição da vida privada é permeada pelo uso da
tecnologia; nas palavras de La Taille (1998. p. 117), a tecnologia hoje “permite que sejamos
observados e analisados por todos os ângulos”.
Para Debord (2003), vivemos na sociedade do espetáculo, em que há uma “relação
social entre pessoas mediatizada por imagens” (p. 14). Tal conceito descreve uma sociedade
entremeada pela mídia e pelo consumo, que estaria organizada em função da produção e do
consumo de imagens, mercadorias e eventos culturais (KELLNER, 2004, p. 05). O autor afirma
que o espetáculo está relacionado à afirmação da aparência e à afirmação de toda vida humana,
uma vida que se tornou visível. A mensagem transmitida por essa sociedade determina que “o
que aparece é bom e o que é bom aparece”, e que a exterioridade do espetáculo em relação ao
homem consiste no fato de que seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que os
representa. Tal característica explica o fato pelo qual o “espectador não se sente em casa em
parte alguma, porque o espetáculo está em toda parte” (p. 26).
Conforme Kellner (2004), há atualmente certa obsessão por parte dos sujeitos em
mostrarem-se, utilizando diversas estratégias para que possam expor sua vida pessoal, como os
meios tecnológicos. Essa exposição não é restrita apenas a figuras “públicas”, mas envolve,
também, indivíduos “comuns”, como protagonistas dessa exibição da vida particular (BARROS
et al., 2014).
Esperandio (2007) também afirma que as questões de âmbito particular são cada
vez mais expostas, o que faz com que as emoções compartilhadas entre os sujeitos favoreçam
a construção de tribos pós-modernas, que se mantêm unidas devido aos processos
identificatórios. Ao mesmo tempo, Maffesoli (1997) também aborda a questão da “tribalização”
do mundo, da vida organizada em “microtribos”, característica da pós-modernidade. Na visão
do autor, os sujeitos tendem a integrar pequenos grupos, buscando novas formas de
solidariedade, mas sem objetivos comuns preestabelecidos e sem projetos sociais e políticos;
preocupados apenas em divertir-se, saciar seus prazeres imediatos e cultuar o espírito festivo.
21
A ênfase está no presente, o que importa é o aqui e o agora, característica que segue a lógica da
liquidez da pós-modernidade.
La Taille (2009) aponta que essa ênfase no presente, essa instantaneidade e esse
imediatismo, sem perspectiva para o futuro, têm provocado uma insatisfação generalizada nas
pessoas hoje em dia, e, portanto, para o autor, há um aumento de sujeitos que estariam sentindo-
se infelizes. É a cultura do tédio, em que as experiências vividas pelos sujeitos estariam
perdendo o sentido para o futuro, uma vez que o foco está apenas no presente. Não é à toa que
o número de casos de depressão e suicídios tem crescido nos últimos anos. De acordo com o
site da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2014a), 350 milhões de pessoas sofrem de
depressão atualmente no mundo. Embora a doença possa afetar as pessoas em qualquer fase da
vida, infelizmente há crescente reconhecimento da doença durante a adolescência e início da
vida adulta. Segundo outro estudo recente divulgado pela OMS (2014b), a depressão é a
principal causa de doença e invalidez entre os adolescentes com idades entre 10 e 19 anos, e os
três principais motivos de morte no mundo nessa faixa etária são: acidentes de trânsito, suicídio
e Aids/HIV. Alguns estudos mostram que metade de todas as pessoas que têm transtornos
mentais desenvolve seus primeiros sintomas até a idade de 14 anos.
Podemos relacionar os casos de depressão e suicídio muitas vezes à ausência de
sentido para a própria vida. Uma vida sem sentido é, portanto, uma vida pouco significativa.
Contudo, não falta apenas sentido para a vida desses jovens, mas lhes falta o sentido ético.
Tomemos como exemplo os jovens terroristas do Estado Islâmico; não podemos inferir que
consideram suas vidas pouco significativas, entretanto podemos afirmar que o sentido para suas
vidas não está associado a um conteúdo ético, pois acreditam na legitimidade de eliminar o
outro, por exemplo. Esse “outro” que é diferente, nesses casos, é visto como inimigo.
Mas por que o sentido para a vida de muitos jovens está em agredir ou violentar o
outro? A seguir pretendemos discutir essa questão.
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião
formada sobre tudo. Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor, lhe tenho
horror, lhe faço amor...
Raul Seixas
22
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a adolescência corresponde ao
período dos 10 aos 19 anos de idade. Já a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o
período entre 15 e 24 anos. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069,
de 1990, define a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos (EISENSTEIN, 2005).
Também de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há uma outra categoria
designada para essa fase da vida, a juventude. É um termo usado pela sociologia e corresponde
ao momento de preparação dos sujeitos para assumirem o papel de adulto na sociedade,
abrangendo o período entre os 15 e os 24 anos de idade. No Brasil, a atual Política Nacional de
Juventude (PNJ) considera jovem os sujeitos que possuem entre 15 e 29 anos, dividindo essa
fase em 3 grupos: faixa etária de 15 a 17 anos, os jovens-adolescentes; de 18 a 24 anos, os
jovens-jovens; e de 25 a 29 anos, os jovens-adultos (SILVA; SILVA, 2011). Embora exista
claramente a distinção dos termos e, portanto, dos significados, é muito frequente a utilização
das duas expressões como sinônimas. Neste trabalho, adotaremos os termos adolescência e
juventude como sinônimos.
Há hoje um aumento significativo da população jovem mundial e, de acordo com
Claudon (2009), são mais de um bilhão de pessoas com idades entre 14 e 21 anos, distribuídos
pelos cinco continentes. No Brasil, dentre uma população de 190 milhões de habitantes, 21
milhões são adolescentes. Esses jovens brasileiros representam para o país uma grande
oportunidade tanto de transformação nas dinâmicas sociais e nas relações, quanto nas formas
de expressão e comunicação, dada a grande possibilidade de criar, inovar e usufruir das novas
tecnologias de informação e comunicação. Contudo, para apostar nesses jovens como
possibilidade de transformação social, é fundamental reconhecê-los como um grupo com
características e qualidades próprias. Não são crianças maiores e nem futuros adultos. Possuem
suas próprias trajetórias, particularidades, histórias. Hoje, os adolescentes não são os mesmos
que éramos antigamente, apresentando um jeito próprio de ser, de expressar-se e de conviver,
e, portanto, precisam ser vistos como o que são: adolescentes pós-modernos. (UNICEF, 2011).
No entanto, muitas características são comuns entre os jovens de hoje e os jovens
do passado. Trataremos de apresentá-las, tanto do ponto de vista da psicologia quanto do da
sociologia, com o objetivo de descrever o adolescente de forma geral, e, posteriormente,
apresentaremos as particularidades que se restringem apenas ao adolescente pós-moderno.
Segundo Piaget (1964-1991), o adolescente tem como característica o pensamento
egocêntrico intelectual, que é diferente do egocentrismo da criança pequena, em que há a
negação de que as outras pessoas tenham percepções ou crenças diferentes. Esse egocentrismo
23
do adolescente faz com que permaneçam centrados em suas próprias perspectivas e ideias; é
como se o mundo tivesse que se submeter aos seus sistemas, e não os seus sistemas à realidade.
Essa forma de egocentrismo manifesta-se mediante a crença do “infinito poder de reflexão” (p.
87), em que o adolescente é capaz de refletir sobre o pensamento dos outros, contudo acredita
que, da mesma forma, todos estão observando e analisando seus pensamentos também, o que
justifica uma característica muito comum no início da adolescência: “eu sou o centro das
atenções”.
O adolescente não se contenta em conviver apenas com as relações interindividuais
que seu ambiente oferece-lhe, nem usar a sua inteligência apenas para resolver os problemas do
momento; ele vai além, procura inserir-se no mundo social dos adultos “e, para isso, tende a
participar das ideias, dos ideais e das ideologias de um grupo mais amplo, utilizando como
intermediário certo número de símbolos verbais que o deixavam indiferente quando criança”
(INHELDER; PIAGET, 1976, p. 60). Como o adolescente tem ideias e ideais próprios que o
libertam da infância, tende a colocar-se em um nível de igualdade com relação ao adulto e é
essa integração ao mundo adulto que contribui para a formação efetiva de uma personalidade.
Além de posicionar-se como igual perante os mais velhos, sente que é diferente deles, e, então,
quer superá-los e surpreendê-los, transformando o mundo. O adolescente atribui a si, com toda
modéstia, um papel essencial na salvação da humanidade e organiza seu projeto de vida em
função dessa ideia (PIAGET, 1964; 1991, p. 89).
Isso ocorre porque, de acordo com a teoria piagetiana, por volta dos 11-12 anos de
idade, a construção de uma nova estrutura de pensamento possibilita o aparecimento do
pensamento formal. Vimos como o adolescente leva a sério sua inserção na sociedade dos
adultos e isso ocorre devido ao seu pensamento hipotético-dedutivo, que o permite criar
sistemas teóricos, planos de reformas sociais e políticas. Ainda que essas teorias sejam limitadas
ou impraticáveis, tais sistemas permitem a integração moral e intelectual dos adolescentes na
sociedade dos adultos (INHELDER; PIAGET, 1976). Os mesmos autores ainda afirmam que
tanto o aparecimento do pensamento formal, quanto essa integração do indivíduo na sociedade
adulta, dependem de fatores sociais e culturais. No entanto, de acordo com essa perspectiva
teórica, a sociedade não atua por simples influência externa sobre os indivíduos, mas há uma
constante interação entre eles e o meio externo.
Podemos observar claramente esse ideal transformador natural dos adolescentes
quando eles encontram oportunidades de engajarem-se em ideações, ou ficarem a frente de
iniciativas, tomarem decisões, debaterem etc. Um exemplo atual da presença marcante dessa
24
característica do jovem é a recente ocupação1 das escolas do estado de São Paulo em protesto à
reforma de ensino proposta pelo governo, que visava a transferir mais de 1 milhão de alunos
para dividir as escolas por séries. Foi fascinante poder acompanhar a participação ativa desses
alunos protestando na tentativa de serem ouvidos e respeitados pelo governo, bem como
surpreendente sua capacidade de mobilização e organização. Nas palavras de Vivaldi (2015),
dar protagonismo aos estudantes é confiar em sua capacidade de responder com
responsabilidade sobre sua própria atuação como agente social, justamente o que pudemos
observar nesse episódio em que os estudantes, espontaneamente, tomaram a frente de uma causa
em que clamavam claramente a busca por uma sociedade mais justa e participativa.
Outro exemplo de prática em que o jovem pode assumir esse espaço de protagonista
é quando integram sistemas de apoio aos pares em suas escolas. A proposta defendida por
diversos pesquisadores (COWIE, 2012; AVILÉS, 2010; 2013a, 2014b; TORREGO; CARLOS,
2012; AVILÉS et al., 2008) parece dar sentido aos desejos altruístas dos jovens para lidar com
injustiças presentes, por exemplo, nas situações de bullying e exclusão social deliberada em sua
comunidade escolar. Conforme Cowie (2012), o apoio entre pares é uma forma de moralidade
que engloba uma série de atividades e sistemas dentro do qual as potencialidades dos jovens
emergem e podem ser úteis para os outros.
Ainda como característica do adolescente, vê-se, muitas vezes, a impulsividade. De
acordo com Gran e Nieto (s/d), as descobertas no campo da neurobiologia relacionadas aos
diferentes ritmos de maturação dos sistemas cerebrais de recompensa e inibição ajudam-nos a
compreender melhor os comportamentos impulsivos dos adolescentes. Do ponto de vista
biológico, segundo os mesmos autores, muitos são os estudos que apontam a impulsividade
como consequência da imaturidade cognitiva (ou egocentrismo da adolescência) e seriam essas
limitações cognitivas que estariam relacionadas à tomada de decisões arriscadas.
Do ponto de vista neurológico, Coleman (2011) afirma que, durante a adolescência,
muitas sinapses são construídas, favorecendo o desenvolvimento cerebral e a melhora no
processamento de informações. Nessa fase da vida, uma grande mudança ocorre no sistema
límbico, responsável pelo processamento de informações relacionadas às emoções. Por isso,
geralmente, os adolescentes são excessivamente emotivos ou facilmente afetados pelo stress,
bem como buscam novas sensações e apresentam maior tendência às atividades de risco.
1
Mais informações no link: http://revistaeducacao.com.br/textos/0/entenda-a-evolucao-das-ocupacoes-de-
escolas-em-sao-paulo-366953-1.asp
25
Outra característica comum do adolescente é a necessidade de pertencimento a
grupos ou “tribos”. Sabemos que nessa fase da vida o grupo de pares assume uma importância
desmedida. As relações interpessoais tendem a distanciar-se do contexto familiar e aproximar-
se do grupo de iguais. O grupo passa a atuar como regulador dos comportamentos, levando seus
membros a acatar certas normas e regras que conduzem suas ações (ROMANELLI; PRIETO,
2002). E mais, os grupos aos quais os jovens pertencem desempenham um papel importante na
construção de sua identidade. São grupos chamados de “subculturas juvenis” e possuem
características comuns que definem suas identidades, principalmente no que diz respeito às
ideologias e sistemas de valores (TARDELLI, 2014).
Tardelli (2014, p. 66) afirma que o grupo ocupa um lugar privilegiado na vida do
adolescente, pois:
2
A Geração Millennial, também chamada geração Y, geração do milênio ou geração da Internet, refere-se à
geração de pessoas nascidas após 1982.
28
pertencer a sociedade não desapareceu, mas o significado e a forma como querem estar
inseridos foram modificados. ” (p. 54). Nesse sentido, muitas características do adolescente
transcendem a pós-modernidade, indicando que apenas mudou a forma com que essas
particularidades manifestam-se. Entretanto, trataremos dessa questão quando apresentarmos as
características psicológicas deste sujeito.
Tapscott (2010 apud SOUSA et al., 2014) complementa a ideia afirmando que essa
geração tem como distintivo a criação de redes online, por meio das mídias sociais. Tal
característica reforça a “cultura de nichos”, em que os jovens criam grupos de confiança. São
as chamadas redes de influência na internet, que permitem a expansão do círculo de amizades
e a inclusão em grupos sociais.
Por outro lado, Matos (2009) afirma que as redes de relacionamento virtuais
aparentam afastar a possibilidade de solidão. Isso porque, quando o jovem fica conectado por
um longo período de tempo na internet e nas redes sociais, há uma falsa sensação de
aceitabilidade com relação aos pares. Mas tal situação pode incitar um círculo vicioso: quanto
mais intensos são os relacionamentos virtuais, mais se sentem sós no meio físico, o que os leva
a aumentar ainda mais a troca de mensagens, compulsivamente, por meio dos celulares e tablets,
pelo medo de sentirem-se sozinhos (p. 17). E aqui retomamos a ideia da importância de
intervirmos com os jovens dessa geração com relação à necessidade de estarem sós em alguns
momentos, já que não têm mais tempo para estarem consigo mesmos.
Na visão de Rosado e Tomé (2015), o que caracteriza o jovem dessa geração é a
habilidade de realizar atividades ou tarefas simultâneas, leitura rápida e randômica de assuntos
diversificados, jogos de computador e celulares permanentemente conectados à internet.
Somando esse dinamismo dos jovens contemporâneos à impulsividade, característica da
adolescência, com a velocidade da comunicação na internet e a mobilidade dos smartphones,
temos como resultado uma geração que interage com o mundo de forma extremamente ágil,
intensa e impulsiva.
Outros estudos indicam que o otimismo é a característica mais marcante dos jovens
da geração Millennial. É o que conclui o estudo Global Millennial 2014, realizado pela
Telefonica (2014), com 6,7 mil jovens, com idade entre 18 e 30 anos, em dezoito países, na
América Latina, nos Estados Unidos e na Europa. De acordo com a pesquisa, 94% dos jovens
brasileiros consideram-se otimistas. Deles, 61% dizem-se muito otimistas e 33% um pouco
otimistas sobre o futuro.
29
La Taille (2006) também encontrou esse jovem otimista quando desenvolveu uma
pesquisa extensa no ano de 2005. Contudo, procurou compreender o motivo pelo qual a
juventude de hoje aparenta a ausência de sentido para a vida, fator que, segundo o autor, implica
diretamente o aumento de casos de suicídio, depressão e violência que têm acometido essa faixa
etária. Contou com uma amostra de 5160 jovens, com média de 15 anos, alunos de escolas
privadas e públicas da região metropolitana de São Paulo. A pesquisa foi dividida em três
categorias: a primeira estava relacionada à legitimidade que os jovens dão às instituições e
agentes delas; a segunda focava as relações sociais, trazendo questões relacionadas ao convívio
em espaços públicos e privados; e a terceira referia-se aos projetos de vida desses jovens.
O pesquisador conclui a pesquisa traçando um perfil desse adolescente: um jovem
otimista quanto às suas realizações pessoais e em relação ao progresso da sociedade; que atribui
muita confiança às pessoas do seu círculo de relações privadas (família, amigos), e sente-se
mais influenciado por valores de pessoas pertencentes a este círculo do que por outras
instituições, como, por exemplo, a escola, a mídia ou a religião. Portanto, um jovem que vê o
espaço público como ameaçador, que acredita ter mais adversários do que amigos e que acredita
que a resolução de conflitos na contemporaneidade retrata mais agressão do que diálogo. No
entanto, é um jovem que tem como desejo uma vida justa e significativa, uma vida que valha a
pena ser vivida.
Esses dados, embora apresentem aspectos positivos relacionados ao projeto de vida
desses jovens, comprovam que eles não estão dispostos a buscar uma “vida boa com e para o
outro”, e, sim, para si e alguns outros poucos. O fato de o jovem não confiar nas instituições de
poder e enxergar o outro como inimigo comprova que o mundo é visto como ameaçador, como
estranho, repleto de pessoas não confiáveis. E se o progresso da sociedade e a vida boa que vale
a pena ser vivida não depende apenas das relações que estabelecem com as pessoas que fazem
parte do círculo privado, mas dependem diretamente do coletivo e dos demais membros da
sociedade, o estudo infere que há um certo mal-estar acometendo o jovem contemporâneo. Nas
palavras do autor:
No entanto, de acordo com o que temos observado e a partir dos dados das pesquisas
citadas, não é somente esse adolescente que encontramos nos dias de hoje em nossas escolas.
Há também jovens que só se indignam quando consideram que seus direitos foram violados,
que pouco conseguem inserir-se num espaço que é público, assim como jovens que não
enxergam o outro como sujeito digno de respeito.
Quais razões explicariam o fato de que nossos adolescentes contemporâneos
permaneçam pensando apenas numa perspectiva mais centrada em si? O que as instituições
responsáveis pela educação do espaço social e coletivo, como a escola, têm feito para que
31
nossos adolescentes possam evoluir do ponto de vista moral e, assim, incluírem a si e aos outros
em suas ações? A resposta a essa instigante pergunta teceremos a seguir.
2.4. As instituições formalmente responsáveis pela educação dos jovens: Família e Escola no
contexto Pós-Moderno
Estamos sós e nenhum de nós sabe exatamente onde vai parar, mas não
precisamos saber para onde vamos, nós só precisamos ir, não queremos ter
o que não temos, nós só queremos viver, sem motivos, nem objetivos,
estamos vivos e isto é tudo...
Engenheiros Hawai
Consoante Vinha e Tognetta (2009), para Piaget os conflitos são naturais das
relações e necessários ao desenvolvimento. Os conflitos interpessoais, que ocorrem no interior
do sujeito, geram desequilíbrios cognitivos que o levam a buscar uma nova organização de suas
estruturas, ou seja, levam ao processo de equilibração (autorregulação), e é esse o processo
39
responsável pela construção do conhecimento. O mesmo ocorre com os conflitos interpessoais,
o sujeito é “motivado por esse desequilíbrio a refletir sobre maneiras distintas de restabelecer a
reciprocidade” (p. 534).
No entanto, parece que muitas escolas desconhecem essa possibilidade. E mais,
poucos são os cursos de graduação que abordam essas questões, preparando o educador para
lidar com as situações de conflitos e desavenças entre eles e os alunos, como também entre eles
próprios. Ainda que sejam corriqueiros e naturais das relações interpessoais, são vistos como
fenômenos atípicos, e que, portanto, precisam ser evitados. Por isso, não raramente,
encontramos estratégias de contenção dos conflitos na escola, tais como: aumento do número
de funcionários para vigiar os alunos; instalação de câmeras; proibição do uso de objetos alheios
às aulas, como, por exemplo, os celulares, tablets e outros equipamentos eletrônicos; trancam-
se os armários e as portas durante o intervalo para evitar furtos; os professores acompanham os
alunos durante grande parte do tempo alegando que, se ficarem sozinhos, eles brigam,
bagunçam, estragam objetos; ocupam os alunos o tempo todo com atividades para que não haja
indisciplina; fazem o mapeamento de sala, separando os amigos para que não conversem;
tentam resolver rapidamente os problemas para não atrapalhar o trabalho com o conteúdo; não
realizam trabalho em grupo, alegando que os alunos só conversam e não realizam a atividade;
ou, ainda, utilizam castigos e punições como sanções aos problemas que ocorrem (VINHA;
TOGNETTA, 2009).
Essa forma de lidar com os conflitos não favorece a formação de sujeitos mais
autônomos moralmente, ao contrário, faz com que essas crianças e jovens permaneçam numa
perspectiva mais centrada em si e necessitem o tempo todo de reguladores externos para
controlarem seus comportamentos. Além disso, não permite que alunos reflitam sobre as
consequências de suas ações nas relações com os outros, bem como não aprendam formas mais
assertivas de resolver seus conflitos. Sim, pois uma resolução de conflito considerada assertiva
envolve o equilíbrio entre o próprio ponto de vista e o ponto de vista do outro.
Nesse aspecto estamos distantes de uma escola que pode contribuir para a formação
da autonomia moral das crianças e jovens, pois, como vimos, ainda é um espaço que visa à
regulação dos alunos por meio de punições e imposição de regras. Como consequência, tem-se
um sujeito que, na ausência do controle ou da autoridade, apresenta dificuldade para
autorregular-se por valores morais. Um dos indícios é de que, quando esses mesmos sujeitos
vão para a internet com a ideia de que não há regulação nenhuma nesse espaço e não poderão
ser identificados, podem dizer, postar ou compartilhar, portanto, o que quiserem, já que não
40
serão punidos. E quando esses problemas recaem na escola, pois hoje não há mais barreira entre
o espaço físico e virtual; muitos educadores não sabem como intervir, ou enfrentam os conflitos
cibernéticos da mesma forma com que lidam com os conflitos no meio físico, punindo os
sujeitos envolvidos, proibindo o uso de celulares e tablets para evitar a incidência de problemas
virtuais na escola, ou, ainda, transferindo a reponsabilidade pela resolução do problema para os
pais, polícia, advogado, conselho tutelar etc. E, novamente, não abre espaço para a discussão
dos problemas de convivência, nem do meio físico, tampouco do virtual.
Diante desse panorama, fica claro que precisamos transformar essa realidade.
Enquanto muitos educadores estão estagnados ou assustados com a repercussão dos meios
eletrônicos na vida de seus alunos e outros ainda ignorando os problemas de ordem virtual que
acometem seus educandos; muitas crianças e, principalmente, adolescentes estão enfrentando
dificuldades no que diz respeito ao uso seguro e consciente da internet e das redes sociais ou,
ainda, sofrendo um tipo de agressão virtual sem saber como lidar com esse problema. É preciso
ressaltar que essa é a primeira geração de jovens que está passando por isso, e não só os jovens,
mas todos nós precisamos aprender a conviver também no ciberespaço. E como iremos aprender
a usar esses meios se não promovermos espaços de reflexão sobre isso?
41
3. AS NOVAS MODALIDADES DE RELACIONAMENTO
3.1. O Ciberespaço
O temo Ciberespaço foi criado por Gibson na década de 1980, citado pela primeira
vez em seu livro de ficção “Neuromancer”. Trata-se de uma junção das palavras “cybernetic”
(cibernético) e “space” (espaço). Segundo a definição do seu próprio criador, o ciberespaço é:
Esse novo meio de comunicação que gera novas modalidade de interação com
o conhecimento e com os outros, através da alteração das noções de espaço,
tempo e realidade vem também dar um novo espaço ao imaginário na medida
em que os serviços que permitem o anonimato e a adoção de pseudônimos
permitem que cada um tenha a possibilidade de adotar a personalidade ou
personalidades que na realidade não lhe seria possível. Contudo, esse cenário,
sustentado pela possibilidade de anonimato, faz com que se alterem as noções
de intimidade, privacidade, sinceridade, confiança, sexualidade etc., tendo
implicações na organização das subjetividades, especialmente dos jovens e
das pessoas com mais tendência a perturbações de personalidade.
Buy it, use it, break it, fix it, trash it, change it, mail - upgrade it, charge it,
point it, zoom it, press it, snap it, work it, quick - erase it, write it, cut it,
paste it, save it, load it, check it, quit - rewrite it, plug it, play it, burn it, rip
it, drag and drop it, zip - unzip it, lock it, fill it, call it, find it, view it, code it,
jam - unlock it, surf it, scroll it, pause it, click it, cross it, crack it, switch -
update it, name it, read it, tune it, print it, scan it, end it, fax - rename it,
touch it, bring it, pay it, watch it, turn it, leave it, start - format it.
Daft Punk
3
http://www.internetsociety.org/
46
aprendizagem. E tudo isso em tempo real e de qualquer parte do mundo. Nesse sentido,
podemos inferir que a Internet promoveu a mobilidade espacial e temporal, bem como a
expansão e a criação de novos ambientes de comunicação.
Sendo assim, Luna (2013) afirma que a Internet tem contribuído para a origem de
um mundo interconectado, expandido “horizontes intelectuais e caminhos para a reflexão,
promovendo o diálogo e proporcionando insights e oportunidades nunca antes acessíveis na
história da humanidade” (p. 60). A autora também discorre sobre o uso do ciberespaço como
uma esfera pública aberta e democrática, que contribui para a melhora da condição humana,
facilitando a igualdade de um único mundo. Também o descreve como um ambiente capaz de
levar informações a terras distantes e isoladas, fomentando a comunicação e o alcance da mente
por todos no globo.
Contudo, não podemos afirmar que toda a população mundial está conectada
atualmente, embora o número de domicílios com acesso à Internet esteja aumentando em todas
as regiões. As diferenças existem, e, de acordo com a ONU (2013), quase 80% das pessoas no
mundo desenvolvido têm acesso à Internet, em comparação com 28% no mundo em
desenvolvimento. No ano de 2013, 1,1 bilhão de domicílios em todo o mundo ainda não
estavam conectados à Internet, 90% deles em países em desenvolvimento. No entanto, aponta
que a proporção de domicílios com acesso à internet nos países em desenvolvimento aumentou
de 12%, em 2008, para 28%, em 2013.
O relatório anual da União Internacional de Telecomunicações Measuring the
Information Society (MIS) (ITU, 2013) indica o tamanho da população nativa digital em todo
o mundo: em 2012, havia cerca de 363 milhões de nativos digitais em uma população mundial
de aproximadamente 7 bilhões. Isso equivale a 5,2% do total da população mundial e a 30% da
população mundial de jovens. De um total de 145 milhões de jovens usuários de Internet nos
países desenvolvidos, estima-se que 86,3% são nativos digitais, e há indícios de que, nos
próximos cinco anos, a população nativa digital nesses países dobrará. O relatório mostra que,
mundialmente, os jovens são quase duas vezes mais conectados do que a população mundial
como um todo, com a diferença de idade mais acentuada nos países em desenvolvimento.
Além dos termos Nativo Digital e Sábio Digital, originalmente sugeridos por
Prensky, outro autor, Tapscott (2010), afirma que os jovens de hoje fazem parte da Geração
Net, uma geração nascida a partir de 1990, que utiliza as tecnologias digitais para conectar-se
“com os amigos o tempo todo e em todo lugar, exploram suas funcionalidades, deixam-se
desafiar e se adaptam rapidamente e com muita transparência ao novo” (p. 67). Na visão de
47
Veen e Wakking, essa seria uma geração denominada de Homo Zappiens, pois lidam com a
tecnologia como se fosse um amigo, e afirmam que, quando um novo aparelho é lançado no
mercado, o critério principal para adotá-lo é o fato de ele “dar conta, ou não, de suas exigências
e necessidades” (NOGUEIRA; PADILHA, 2014, p. 68).
Um estudo recente, o “Credit Suisse Youth Barometer 2014”4, objetivou avaliar o
comportamento dessa geração, denominada por eles de geração “Y”, em diversos assuntos,
incluindo o comportamento digital. O estudo foi realizado por meio de um questionário online,
com jovens de idades entre 16 e 25 anos. Contou com pelo menos mil jovens dos EUA, do
Brasil, da Suíça e de Cingapura. Dentre os resultados, a pesquisa concluiu que, para
aproximadamente 90% dos que responderam ao questionário, a Internet tem um papel
importante, ou, até mesmo, indispensável. Quando perguntados sobre a importância da Internet
na vida deles, 93% dos brasileiros responderam como muito importante. Nos EUA, esse número
foi de 87%. Na Suíça e em Cingapura, 88% responderam da mesma forma. Além disso, os
jovens de todos os países pesquisados passam mais de duas horas por dia online.
Outro estudo realizado pela Telefonica (2014), já citado anteriormente, aponta que
78% dos entrevistados consideram-se na vanguarda da tecnologia e possuem um smartphone,
sendo que dois, entre três jovens no Brasil, usam o celular para acessar a internet. Para 42%
deles, o aparelho móvel é o principal meio de acesso à rede - o acesso por computador resume-
se a 33%. Cerca de um terço dos jovens entrevistados disseram acessar a internet várias vezes
ao dia. Com o celular na mão, o brasileiro é o que mais lê notícias (60%), em comparação com
EUA (43%), Europa (50%) e América Latina (54%). É também o que mais usa o celular para
fazer transações financeiras (24%, contra 22%, 15% e 19%, respectivamente), encontrar uma
localização (28%, contra 19%, 13% e 24%) e marcar um encontro (24%, contra 15%, 14% e
16%).
Os dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2014
(VALOR, 2016) apontam que, desde 2005, primeiro ano da pesquisa, mais da metade da
população brasileira possui acesso à internet. De 2013 a 2014, o aumento do número de pessoas
conectadas à rede ocorreu em todas as faixas etárias e sem diferença de renda, mas,
principalmente, entre os mais jovens, de 15 a 17 anos e os trabalhadores domésticos. Além
disso, o celular superou o computador como principal dispositivo de acesso à internet nas
residências brasileiras entre os anos de 2013 e 2014; nesse período, houve aumento de 155,6%
4
Realizado pelo Credit Suisse Group, empresa de serviços financeiros sediada em Zurique.
48
no número de pessoas que acessaram a internet por dispositivos móveis, um acréscimo de 11,2
milhões de usuários. Isso se deve à redução nos preços dos smartphones e à possibilidade de
aquisição de planos cada vez mais baratos oferecidos pelas operadoras de telefonia.
Também no Brasil, o Fundo das Nações Unidas para a Infaância UNICEF (2013)
realizou um estudo sobre o uso da internet exclusivamente por adolescentes. Entrevistou 2002
adolescentes, entre 12 a 17 anos, em todas as cinco regiões geográficas brasileiras, e constatou
que a maioria deles, 70% (cerca de 15 milhões), estavam incluídos na vida digital, enquanto
aproximadamente 6 milhões de meninos e meninas estavam excluídos deste grupo. Entre os
adolescentes que afirmaram ter acessado a internet, a maioria (64%) faz uso da rede
diariamente, 26% acessa a internet uma vez por semana, e 9% acessa a rede apenas uma vez
por mês, ou menos. Entre os adolescentes brasileiros que participaram da pesquisa, 75%
declararam que utilizam a Internet majoritariamente em busca de diversão, 66% para
comunicarem-se com os amigos, 61% para fazerem trabalhos escolares e 40% utilizam serviço
de busca de informações. Ainda de acordo com a pesquisa, 84% acessam a internet para usar
as redes sociais, sendo que 85% dos adolescentes que utilizam a internet possuem perfis nas
redes sociais, sendo a plataforma mais utilizada o Facebook (92%).
Em 2010, já havíamos encontrado dados semelhantes. Conduzimos uma pesquisa
com 44 adolescentes, entre 13 e 15 anos de idade, alunos de uma escola pública de uma cidade
do interior do estado de São Paulo, que responderam a perguntas sobre o uso da internet. Foi
constatado que 64% desses jovens tinham acesso à Internet em casa, 17% ficavam conectados
até 6 horas por dia, 44% acessavam, preferencialmente, as redes sociais, e 32%, os sites de
mensagens instantâneas (BOZZA; ZAMBONI, 2010).
Para grande parte dos adolescentes brasileiros, a internet é uma ferramenta de
comunicação que faz parte de seu cotidiano e permite que permaneçam em contato com outras
pessoas, podendo, também, ter acesso às informações em tempo real. Entretanto, será que
existem consequências que podem ser prejudiciais para o ser humano com relação a esse uso
contínuo das novas tecnologias, tais como a internet, os smartphones, os tablets?
O impacto desses dispositivos móveis para a saúde ou para desenvolvimento da
criança e do adolescente, ou para o comportamento e a aquisição de suas habilidades sociais e
emocionais, ainda é relativamente desconhecido, embora não seja rara certa insegurança e
cautela diante da novidade. Leal (2015) lembra-nos do nosso medo do futuro nos anos 1930,
quando acreditávamos que o rádio prejudicava o desempenho escolar das crianças, ou nos 1950,
quando temíamos que a TV pudesse derreter nossas células cerebrais, ou, ainda, nos 1970, em
49
que se acreditava que a radiação dos fornos micro-ondas pudesse causar má-formação
congênita.
Recentes pesquisas afirmam que, sim, há consequências para a vida de crianças e
jovens. Um levantamento publicado pelo Ipom (Instituto de Pesquisa e Orientação da Mente) e
pelo Instituto Sou +Jovem, realizado com 1.830 adolescentes, de 14 a 18 anos, revela que, entre
os entrevistados, 88% avaliaram seu sono como ruim ou insatisfatório. E afirmaram que um
dos grandes responsáveis por esse prejuízo é o aparalho celular, uma vez que 82% dos
entrevistados deixam-no ligado, ao lado da cama, durante a noite. Isso se explicaa porque,
primeiro: a luz emitida por esses dispositivos retarda a melatonina, hormônio responsável pela
regulação do sono; e, segundo: porque cada vez que o aparelho toca, o cérebro (que trabalha
muito durante o sono) interrompe todas as sinapses que estava fazendo.
Outro estudo divulgado no site Olhar Digital5, corrobora esses dados, revelando os
efeitos negativos ao sono que o uso de smartphones, antes de dormir, pode causar. Segundo
dados levantados e divulgados na revista Science Translational Medicine, as alterações no
organismo provocadas pelo uso de um aparelho celular antes de dormir teriam um efeito maior
do que o consumo de um café expresso. As luzes que os aparelhos eletrônicos emitem diminuem
o tempo de sono, pois fazem com que a melatonina seja produzida em menor quantidade. Os
pesquisadores avaliaram 5 pessoas, por 49 dias, oferecendo-lhes aplicações diferentes, como o
consumo da cafeína e o tempo de uso de um dispositivo móvel. O resultado mostrou que a
cafeína consegue atrasar cerca de 40 minutos o sono habitual de uma pessoa. Já a luz de um
aparelho atrasou-o cerca de 85 minutos. Juntas, cafeína e luz de dispositivos atrasaram,
aproximadamente, 105 minutos o sono de alguém. A pesquisa mostrou que esse atraso causado
por dispositivos eletrônicos pode ser ainda mais prejudicial para os adolescentes e faz um alerta
aos usuários, recomendando que evitem levar celulares, ou outros aparelhos, para a cabeceira
da cama a fim de priorizarem a qualidade do sono.
Radesky et al. (2015) afirmam que o acesso ilimitado a tablets e smartphones pode
prejudicar o desenvolvimento emocional de crianças. Ademais, quando esses dispositivos
tornam-se o método predominante para acalmar e distrair as crianças, elas não serão capazes de
desenvolver seus próprios mecanismos de autorregulação. Os pesquisadores alertam que o uso
ilimitado desses dispositivos durante a infância pode interferir no desenvolvimento da empatia,
outras habilidades sociais e na capacidade para resolver problemas que são, normalmente,
5
http://olhardigital.uol.com.br/home
50
adquiridas a partir da interação com outras crianças. Ainda, esses dispositivos também podem
substituir atividades práticas importantes para o desenvolvimento de habilidades sensório-viso-
-motoras, relevantes para o aprendizado de matemática e ciências.
Uma recente pesquisa da Universidade da Califórnia (UHLS et al., 2014) mostra
que a nova geração de crianças superconectadas pode ter perdido uma habilidade muito
importante: a identificação das emoções transmitidas pelo olhar e expressão facial. Os
pesquisadores observaram 51 alunos, de 11 e 12 anos, durante cinco dias, confinados em um
acampamento, onde o uso de computadores e celulares não foi autorizado. Esse grupo foi
comparado com outros 54 alunos, da mesma faixa etária e mesma escola, submetidos ao uso
dessas ferramentas digitais. Os pesquisadores concluíram que o grupo que não teve acesso às
telas de computadores, celulares e tablets passaram a identificar emoções muito melhor. No
início do estudo, ambos os grupos tiveram avaliada a capacidade de reconhecer emoções em
outras pessoas por meio de fotos e vídeos. Depois de cinco dias, os 51 alunos apresentaram uma
melhora significativa nessa capacidade. Já os que continuaram imersos na internet não
obtiveram melhora significativa.
Uma pesquisa recente aponta a implicação do uso de celulares e smartphones no
cérebro do ser humano. Publicado no jornal Current Biology (GINDRAT et al., 2015), o estudo
revelou que o uso contínuo das telas sensíveis ao toque está mudando a relação sensorial entre
o nosso cérebro e nossos polegares. Ou seja, a repetição dos movimentos dos polegares
deslizando sobre telas sensíveis ao toque está reformulando o processamento sensorial de
nossas mãos. Os pesquisadores afirmam que o cérebro contemporâneo está se transformando
devido ao uso das tecnologias digitais.
Também com relação às transformações no nosso cérebro, o neurocientista
Quillfeldt (2015) argumenta que o uso excessivo das TICs já vem sendo correlacionado com
pequenas modificações nessa estrutura, no entanto infere que isso ainda não nos diz muito, pois
“nossos encéfalos sempre se reorganizaram plasticamente ao interagir com o mundo - é
exatamente para isso que eles evoluíram” (p. 49), concluindo que é justamente por isso que
novos estudos precisam ser realizados.
Ao mesmo tempo, nas palavras do autor, uma das grandes limitações do ser humano
é a habilidade de realizar muitas tarefas simultaneamente e que essa alta demanda na sociedade
atual, por conta do uso prolongado das novas tecnologias, é fonte de estresse e, muitas vezes,
de dependência (análoga ao uso de drogas).
51
Agora já dispomos de evidências preliminares obtidas em estudos com
usuários pesados de jogos e redes sociais: redução da atenção, aumento da
obesidade, perda da identidade e autoestima, diminuição de empatia, aumento
do estresse e da depressão e da redução da aversão ao risco (QUILLFELDT,
2015, p. 49).
6
https://intelligence.businessinsider.com/
54
Com relação ao acesso, de acordo com esse estudo, os brasileiros usavam o
computador como principal meio para conectar-se à internet (88,1%). A média é maior que a
dos Estados Unidos (78,3%), mas menor em número de acessos por meio de dispositivos
móveis: 14% para celular e 6,7% para tablet nos EUA, contra 9,3% e 2,5% no Brasil. Entre os
sistemas operacionais de celulares, o Android domina com folga (71,7%) o mercado brasileiro,
contra 14,5% do iOS, da Apple, e 5% do Windows Phone, da Microsoft.
Outra pesquisa recente foi realizada pelo CONECTA (2014), via internet, entre 2 e
9 de julho de 2014, com 1.513 internautas, de todos os estados do país, com idades entre 15 e
32 anos. O estudo apresenta dados sobre os jovens brasileiros, que se diferem em alguns pontos
em relação aos dados referentes aos brasileiros em geral. Dessa população, 96% usam a internet
diariamente, sem distinção de sexo, classe social e faixa etária, e quase todos os jovens (90%)
dizem navegar em redes sociais. Possuem, em média, perfil em 7 redes sociais. As mais
populares são: Facebook (96% possuem perfil), YouTube (79%), Skype (69%), Google+ (67%)
e Twitter (64%).
Grande parte do acesso às redes ocorre em dispositivos móveis. A vantagem do uso
desses dispositivos pelos nativos digitais incide principalmente no tangente à familiaridade, à
mobilidade, à portabilidade e ao acesso à internet. A prova disso é que o aplicativo do Facebook
está presente em 88% dos celulares dos jovens, seguido dos aplicativos de e-mail (84%),
YouTube (81%), WhatsApp (79%), Instagram (56%) e Twitter (52%). Em tablets, o Facebook
está instalado em 61%, os e-mails, em 57%, e o YouTube, em 59%. Em alguns casos, o uso
desses aplicativos já se tornou um vício: 59% dos internautas estão continuamente conectados
ao WhatsApp, 47% ao Facebook; 43% aos e-mails, e 32% ao Instagram. Devido ao acesso das
redes sociais ocorrer por meio de dispositivos móveis, a supervisão e controle dos adultos é
cada vez mais difícil, justamente pela mobilidade; dessa forma, só nos resta investir nessa área
pela educação (raramente feita pelas escolas, como já discutimos no capítulo anterior).
No estudo “Credit Suisse Youth Barometer 2014”, que apresentamos
anteriormente, foi feita a seguinte pergunta aos entrevistados: “Quais formas de comunicação
você usa para entrar em contato com seus amigos?”. No Brasil, a popularidade recai sobre as
redes sociais (51%), com o aplicativo de mensagens instantâneas Whatsapp (49%) logo em
seguida. Nos EUA, o Whatsapp não é tão utilizado (3%), e o método mais popular ainda é por
mensagem SMS (ou torpedos), para 67% dos jovens. Já em Cingapura, o Whatasapp é utilizado
por 79% dos jovens. Na Suíça, esse número sobe para 80%. O Facebook também se destacou:
55
quase nove, entre dez pessoas, possuem uma conta. Entretanto, particularmente no Brasil e em
Cingapura, a rede social ficou em segundo lugar na lista dos mais populares (79%).
A tecnologia, principalmente a móvel, é uma aliada fundamental para os jovens
(TELEFONICA, 2014). Para 55% dos entrevistados da pesquisa Global Millennial 2014, a
melhor forma que os jovens têm para ajudar a fazer a diferença em suas comunidades locais é
usar redes sociais como instrumento para documentar, denunciar e divulgar injustiças.
A seguir apresentamos brevemente as principais características dessas redes sociais
mais utilizadas no mundo e no Brasil.
O Facebook foi criado por Mark Zuckerberg e por seus colegas de quarto da
faculdade, em 2004, como uma rede social apenas para os alunos da Universidade de Harvard.
Devido ao seu sucesso, em 2006 o Facebook tornou-se uma rede social aberta a todos. Nessa
rede social, a interação entre os usuários é feita por meio de páginas criadas por eles mesmos,
podendo ser o perfil de um utilizador, uma página de fãs, uma página específica de um serviço,
um evento, entre outros (FACEBOOK, 2014).
O Facebook é gratuito para os usuários e seu lucro advém de publicidade. Os
usuários criam perfis que contêm fotos e listas de interesses pessoais, podem trocar mensagens
privadas e públicas entre si e entre participantes de grupos de amigos. A visualização dos perfis
pessoais dos integrantes pode ser aberta ao público ou restrita para amigos confirmados. O
Facebook possui diversas ferramentas, tais como: o perfil, que é um espaço online que permite
que o próprio usuário ou os amigos postem mensagens, fotos ou vídeos. As postagens são
visíveis para qualquer pessoa com permissão para ver o perfil completo, e aparecem junto com
outros posts no "Feed de Notícias". De acordo com Boyd (2010), o Facebook implementou o
ícone "atualizações de status" para incentivar o compartilhamento de mensagens expressivas
entre os usuários, em que o conteúdo postado é transmitido para amigos, os quais podem
comentar e curtir a postagem, aumentando a sensação de popularidade em relação àqueles com
os quais se conectam. Possui também aplicativos diversos, possibilidade de criar grupos virtuais
e uma opção em que o usuário pode participar, ou convidar, seus amigos para um determinado
evento. Existem versões do Facebook para computadores, tablets e telefones celulares.
56
MYSPACE
O MySpace foi criado em 2003 e hoje é a maior rede social dos Estados Unidos.
Permite que os usuários comuniquem-se de forma interativa, por meio de fotos e blogs.
Também inclui um sistema interno de e-mail, fóruns e grupos (MARTINS, 2009). A rede social
ficou conhecida por reunir perfis de bandas e artistas, sendo que, na versão atual, o usuário pode
acompanhar as atividades de seus artistas e obras preferidos, como também conhecer pessoas,
artistas e conteúdos relacionados. No perfil, o usuário pode expressar-se por meio de
multimídia, criando slideshows com músicas, fotos e vídeos, que são denominados de “mixes”
(GUERRA, 2013).
O Twitter é uma rede social criada em 2006, por Jack Dorsey, Evan Williams, Biz
Stone e Noah Glass, nos EUA. Permite que seus utilizadores compartilhem informações,
postando mensagens (tweets) que tenham no máximo 140 caracteres. Ao contrário do
Facebook, o Twitter foca-se nas mensagens transmitidas entre utilizadores, sendo o perfil algo
secundário. No Twitter, os usuários podem “seguir” outros utilizadores, de modo a receber
todas as mensagens que postam. Os “seguidores” são denominados de “Followers”, e o ato de
seguir outro utilizador é denominado de “Following”. Os tweets (postagens dos internautas) são
públicos, ficando acessíveis a qualquer pessoa (TWITTER, 2014).
Foi criado por Kevin Systrom e Mike Krieger e lançado em outubro de 2010. É uma
rede social de compartilhamento de fotos e vídeos, em que os usuários podem aplicar filtros
digitais às fotos e compartilhá-las com outros usuários, do próprio Instagram ou de outras redes
sociais, tais como o Facebook, Twitter e Tumblr. Os usuários também podem gravar e
compartilhar vídeos com duração máxima de 15 segundos (INSTAGRAM, 2014). No
Instagram, os utilizadores que possuem um perfil podem curtir e comentar as fotos de outros
usuários e há ainda o uso de hashtags (#), empregadas para reunir imagens relacionadas a um
mesmo tema, mesmo que as pessoas que postem essas fotos marcadas com os hashtags não
sejam “amigas virtuais” (RASMUSSEN, 2013).
57
YOUTUBE
O Youtube foi criado em fevereiro de 2005, por Chad Hurley e Steve Chen, nos
EUA. A ideia surgiu em virtude da dificuldade que havia em compartilhar arquivos de vídeo
por e-mail, já que eram muito grandes. O site permite que os usuários coloquem seus próprios
vídeos na rede, sendo visualizados por qualquer pessoa no mundo inteiro. Os vídeos postados
no Youtube podem ser compartilhados em blogs e redes sociais, e o site possui uma regra que
diz não ser permitido o compartilhamento de vídeos protegidos por direitos autorais, mas tal
regra, na maioria das vezes, não é cumprida (YOUTUBE, 2014).
SKYPE
QZONE
QZone é uma Rede Social chinesa fundada em 2005. Os usuários podem escrever
blogs, atualizar informações, enviar fotos e ouvir música. Muitos dos serviços são pagos, e a
rede social existe atualmente apenas na língua chinesa (TEAM, 2013).
SINA WEIBO
A empresa com o mesmo nome foi fundada em 2009 por Brian Acton e Jan Koum.
WhatsApp Messenger é um aplicativo de mensagens instantâneas que permite trocar mensagens
pelo celular. Funciona com a conexão de dados de internet e não há custo para enviar
mensagens. Além das mensagens básicas, os usuários do WhatsApp podem criar grupos, enviar
imagens, vídeos e áudio, com limite de tamanho. No início de 2014, o Facebook comprou a
empresa (WHATSAPP, 2014).
GOOGLE+
É uma rede social e serviço de identidade mantido pelo Google Inc.. Foi lançada
em 2011, construída para agregar serviços do Google, como Google Contas, Fotos, PlayStore
(loja virtual de aplicativos do Google), YouTube e Gmail (e-mail do Google). Os usuários
podem criar grupos de amigos e comunicar-se pelos Hangouts (chat individual, ou em grupo,
por texto ou vídeo) e Hangouts On Air (transmissões ao vivo, via YouTube) (GOOGLE+,
2014).
TUMBLR
Foi inventado em 1992, por um francês, Thomas Müller, e fundado em 2007, por
David Karp e Marco Arment. É uma plataforma de blogging, os posts são curtos e permite aos
usuários publicarem textos, imagens, vídeo, links, citações, áudio e "diálogos". Os usuários
podem "seguir" outros usuários e ver seus posts em seu painel (dashboard). Também é possível
"gostar" (favoritar) ou "reblogar" outros blogs. Há uma lista enorme de templates prontos que
permitem que o usuário customize o layout de sua página (TUMBLR, 2014). O Tumblr não
proíbe o compartilhamento de conteúdo impróprio, não há limite, ou censura, para as postagens.
Apenas oferece uma opção que permite aos usuários classificar suas páginas como não seguras
para o ambiente de trabalho ("NSFW"). O Tumblr retirou recentemente dos mecanismos de
busca posts e blogs que promovem a pornografia, o sexo, o uso de drogas, a anorexia (e outros
distúrbios alimentares) e a automutilação. No entanto, os blogs do Tumblr sobre esses temas
59
ainda podem ser acessados por meio do mecanismo de busca do Google7. Ademais, esses
conteúdos considerados impróprios continuam aparecendo nas buscas caso o modo de
segurança esteja desativado, e quem já usava a rede social para seguir este tipo de conteúdo
continua recebendo as informações em seu dashboard (KURTZ, 2013a).
LINE
ASK.FM
7
www.google.com.br
60
fazer perguntas de até 300 caracteres e o usuário pode compartilhar as respostas em outras redes
sociais. Também é possível seguir perfis, curtir respostas interessantes e acompanhar o que os
usuários estão respondendo (OLIVEIRA, 2012).
ORKUT
O Orkut era uma rede social filiada ao Google, e foi criada por Orkut Büyükkökten,
em 2004, com o objetivo de ajudar seus membros a conhecer pessoas e a manter
relacionamentos. O usuário criava um “perfil”, que poderia ser visto por qualquer outro usuário,
desde que autorizado. Era possível incluir fotos, vídeos e postagens ao perfil. As pessoas
autorizadas podiam escrever um depoimento, enviar uma cantada e enviar mensagens
particulares. Quando se adicionava um usuário à lista de amigos, era possível classificá-lo
como, por exemplo: "legal", "confiável" e "sexy"; podia-se também definir o nível de amizade
em: "não conheço", "conhecido", "amigo", "bom amigo" e "melhor amigo". Em 30 de setembro
de 2014, essa rede social foi oficialmente extinta (ORKUT, 2014).
BADOO
O Badoo foi fundado em 2006 pelo russo Andrey Andreev. É uma rede social
voltada para conhecer pessoas e começar novos relacionamentos; “Converse, paquere, socialize
e divirta-se!” é o slogan do site. Na página inicial, o usuário pode definir parâmetros como sexo,
faixa etária e região onde quer encontrar as pessoas com quem deseja relacionar-se. Os usuários
podem trocar mensagens, conversar e marcar encontros (FAUST, 2011).
KIWI Q&A
O aplicativo Kiwi Q&A foi disponibilizado nas lojas virtuais do Google e da Apple
no dia 18 de março de 2015. Em menos de dois dias, ele já estava entre os aplicativos mais
baixados. O objetivo da rede social é saber o que os amigos pensam de você, por meio de
perguntas. Permite que o usuário responda e faça questões (identificando-se ou anonimamente).
Os questionamentos, obrigatoriamente, precisam ter um "destinatário", e os usuários têm acesso
ao "feed" (que mostra as perguntas respondidas pelos seus amigos). O aplicativo também tem
a função "descobrir" (que exibe interações recentes na rede) e "atividade" (que são tanto
61
notificações de novos seguidores, como as respostas de seus amigos para as suas perguntas).
Caso o usuário não goste da pergunta, pode ignorá-la ou excluí-la. (UOL TECNOLOGIGIA,
2015). Ao acessar o aplicativo, percebe-se que os usuários mais ativos são adolescentes. A
possibilidade de fazer perguntas anônimas permite que os usuários utilizem a rede social para
fazer comentários maldosos, agredir, difamar ou humilhar alguém.
YAHOO PROFILE
Estão disponíveis para download também aplicativos de redes sociais para aqueles
que buscam relacionamentos afetivos, ou que são direcionados para namoro, paquera etc. Tem-
se como exemplo o Tinder, um aplicativo que utiliza a localização e interesses em comum dos
usuários, tomando como base o perfil do Facebook, para conectar pessoas. Há também o Happn,
que permite o encontro de pessoas que se cruzam em seus trajetos, pois o aplicativo monitora
o usuário o tempo todo e compara esses dados com a localização de outras pessoas.
Posteriormente, exibe uma lista de pessoas que se cruzaram e oferece a opção de “curtir” o
usuário anonimamente; se for recíproco, os usuários poderão conversar.
Após apresentarmos as características que compõem as principais redes sociais
utilizadas no mundo (no ano de 2015), ainda atrelado a esse tema, pretendemos ressaltar
brevemente um outro fenômeno contemporâneo que se manifesta no meio virtual e chega à
maioria das redes sociais, o selfie. O selfie não é mais do que um autorretrato, um fenômeno
que vem ganhando destaque entre jovens contemporâneos e está intimamente relacionado ao
62
individualismo exacerbado da pós-modernidade, como já citamos anteriormente. Sennett
(1999) já afirmava que vivemos numa época conduzida pela presença do narcisismo, atributo
que faz com que as pessoas preocupem-se muito mais com si mesmas do que com qualquer
outra coisa.
De acordo com Junior (2015), também existe hoje uma ansiedade natural de
capturar o instante. O selfie tem como objetivo capturar o momento e a própria pessoa que o
captura. Muitos sujeitos diante de uma situação propícia e possuindo um celular com câmera
fotografam-se, no entanto, é cada vez mais frequente o anseio pelo registro da imagem. O autor
afirma que antes até de permitirem-se aproveitar o momento, ou deslumbrar-se com a paisagem,
os sujeitos correm para autorregistrarem-se em foto. Muitas vezes, a imagem capturada é
publicada nas redes sociais, atitude que faz o autor do selfie, geralmente, deixar de prender-se
ao momento registrado e voltar toda a sua atenção à popularidade e ao número de curtidas que
sua imagem alcançou.
Nas palavras de Donard (2015), o selfie faz parte da construção da nossa
“identidade digital ativa”, ou seja, do perfil virtual que construímos por vontade própria. E é
fácil perceber o quanto predomina nas redes sociais, como Facebook e Instagram, a
preocupação em revelar:
Todas essas redes sociais são importantes ferramentas de interação social nos dias
atuais e permitem que as pessoas comuniquem-se de forma mais rápida, conheçam novas
pessoas, aproximem-se das que estão distantes. Na visão de Del Rey et al. (2012), as redes
sociais virtuais oferecem inúmeras vantagens sociais: facilitam as relações interpessoais,
contribuem para a diversidade nos tipos de relações sociais, facilitam a ubiquidade e aumentam
a quantidade de informações disponíveis em tempo real. No entanto, essas vantagens podem
tornar-se desvantagens se forem utilizadas de forma incorreta. Para pertencer a uma rede social,
é necessário tomar decisões sobre a própria intimidade (LIU, 2007), e sabemos que essas
decisões nem sempre são feitas conscientemente ou de forma sensata. Ademais, a tecnologia
nem sempre é utilizada em prol da melhoria das relações interpessoais entre os membros do
ciberespaço, pois, primeiro, depende de quem a utiliza e, segundo, porque esse espaço é um
local pouco seguro e vulnerável. As características a seguir discutem tais afirmações.
A sensação de invisibilidade presente no Ciberespaço pode levar alguns sujeitos a
apresentarem atos abusivos, violentos ou mal-intencionados. De acordo com Mason (2008), o
sentimento de anonimato presente na internet pode favorecer a desinibição; o autor afirma:
De acordo com Dempsey et al. (2011), trata-se de causar um dano intencional a uma
vítima, por meio de dispositivos tecnológicos, em espaços virtuais, ou seja, o agressor utiliza o
computador, ou o celular, para ameaçar, agredir ou humilhar alguém.
Pode corresponder a um único ato agressivo (não há, necessariamente, repetição) e
não é exclusivamente unilateral, podendo haver, por exemplo, a troca mútua de ameaças ou
insultos, entre sujeitos (semelhante à luta). Os autores afirmam que a cyber agressão pode ser
manifestada por meio da agressão não velada (explícita e direta), e por meio da agressão
relacional (velada e indireta). A agressão explícita é caracterizada por agressões verbais (por
exemplo, provocando, ameaçando). Por outro lado, a agressão relacional tem como objetivo
afetar o status social da vítima, ou provocar sua exclusão do seu grupo social (fofocas,
difamação, boatos etc). Como uma forma híbrida de agressão, cyber agressão pode incluir
elementos da agressão explícita e agressão relacional, e ambas podem ser concretizadas via
tecnologia cibernética.
Grigg (2010) amplia essa discussão definindo agressão virtual como quando há a
intenção de causar um dano a uma pessoa (ou a um grupo de pessoas), no meio virtual,
independentemente da sua idade, cujas ações agressivas são percebidas pela vítima como
ofensivas, pejorativas, prejudiciais ou indesejáveis. Essa definição enquadra a cyber agressão
como uma forma de agressão virtual mais ampla e, portanto, as outras formas de desrespeito,
como, por exemplo, o cyberbullying e o sexting, seriam subtipos de cyber agressão.
CYBERBULLYING
8
http://www.gcflearnfree.org/internetsafetyforkids/3
9
Voyeurismo é o interesse ou a prática de espionar as pessoas em momentos íntimos, como se despir, praticar
sexo, ou outras ações geralmente consideradas de natureza privada (VOYEURISMO, 2014).
69
pareciam sexistas. A partir daí, passou a receber mensagens extremante ofensivas e
humilhantes, imagens desagradáveis e até cenas de sexo explícito. Ela apagou suas postagens,
mas as ofensas continuaram; os twitters capturaram a tela de suas postagens para poder
continuar o assédio, embora não quisesse mais permanecer como alvo de insultos (SALAS,
2015).
São ações protagonizadas por um adulto que utiliza a Internet para ganhar, a
princípio, a confiança de uma criança ou adolescente. Há a intenção de estabelecer relações
sexuais com a vítima, portanto o autor pode usar a internet para marcar um encontro físico com
seu alvo. Pode usar também o ciberespaço para compartilhar imagens íntimas de crianças e
adolescentes (MONGE, 2010). Para Carvalho (2011), os atos dos pedófilos podem variar da
contemplação de fotos e filmes eróticos até estupros praticados contra as vítimas.
Trollagem é a ação que visa a causar angústia a alguém, no meio online, geralmente,
apenas para perturbar (NICOL, 2012). Os agressores são os "trolls", pessoas que insultam,
perseguem e humilham outras pessoas gratuitamente. O termo deriva da expressão "trolling for
suckers" (algo como “pescar”, ou “lançar a isca para os trouxas”), e consiste em atormentar as
pessoas em geral por meio de ofensas, apenas para deixá-las nervosas ou indignadas.
Um estudo recente (BUCKELS et al., 2014) identificou que os internautas com
comportamento troll possuem características fortemente ligadas a traços de personalidade que
formam o que alguns psicólogos chamam de “dark tetrad” (algo como “tétrade obscura”),
composta por: sadismo (prazer ao ver o sofrimento dos outros), narcisismo (egoísmo e auto-
obsessão), psicopatia (a falta de remorso e empatia) e maquiavelismo (disposição para
71
manipular e enganar os outros). De acordo com os autores, esses quatro elementos combinados
formam as principais características do comportamento dos trolls. Contudo, vale a pena lembrar
que nem todo cyber agressor apresenta tais traços de personalidade “obscura”. A esse respeito,
é necessário destacar que essas questões precisam ser analisadas e avaliadas para saber se, de
fato, correspondem a problemas patológicos ou se lhes faltam sensibilidade moral.
SEXTING
É um tipo de agressão virtual que pode ser compreendido como humilhação online,
linchamento virtual, ou vergonha pública massiva. Dois estudos recentes apresentam uma
discussão sobre os temas, So You´ve Been Publicly Shamed, de Jon Ronson, e Is Shame
Necessary? New Uses For An Old Tool, de Jennifer Jacquet. Os dois livros (ainda sem tradução
para o português) tratam da dimensão contemporânea da vergonha diante da humilhação
pública sem precedentes, quando ampliadas nas redes sociais (SOLER, 2015). De acordo com
Capanez (2105), a prática de humilhar publicamente leva o nome de shaming, ação que tem
crescido na internet e que poucos são os indivíduos que têm conhecimento sobre a dimensão
dos danos causados.
Temos assistido a casos de linchamento virtual com frequência: internautas
xingando e linchando pessoas públicas, tais como políticos, cantores, atores, pesquisadores,
jogadores de futebol, gratuitamente. São, geralmente, ofensas, julgamentos de valor e
intolerância desmedida que visam a constranger e ridicularizar os alvos publicamente.
No entanto, temos visto também um aumento de linchamentos a pessoas ditas
“normais” e que acabam tornando-se famosas, em segundos, devido à rapidez de propagação
dos conteúdos online. Ocorre frequentemente com pessoas que cometeram atos considerados
cruéis, ou injustos, ou que postaram algum conteúdo ou comentário maldoso. Há ainda
exemplos de publicações de fotos de uma pessoa acrescidas de uma acusação, tal como “esse
homem torturou seu animal de estimação”, seguidas de dezenas de comentários extremamente
ofensivos, humilhantes e, até, ameaçadores. Nesse caso, o linchamento virtual consiste
basicamente em repudiar atos violentos, injustos, cruéis, desrespeitosos, por meio da violência
e do desrespeito. Temos como exemplo o caso da norte-americana Alicia Ann Lynch, que
publicou uma foto no Twitter fantasiada para uma festa de Halloween. Ela estava vestida com
roupas esportivas e com marcas de tinta vermelha, como se tivesse sangrando - a fantasia tinha
como objetivo representar uma “vítima da maratona de Boston”, como ela mesma descreveu na
legenda. O fato refere-se a um atentado terrorista que interrompeu a famosa corrida de Boston
em 2013, matando três e ferindo centenas de pessoas. Algumas horas após a postagem, a jovem
já tinha recebido milhares de insultos e mensagens extremamente cruéis como revide à
73
publicação. No entanto, o “linchamento virtual” teve consequências reais, e ela precisou
trancar-se em casa, pois estava sendo ameaçada nas ruas e foi demitida do seu emprego
(SOLER, 2015).
Outro exemplo relatado no livro de Jon Ronson (Ibid) foi o caso de Justine Sacco,
que, enquanto embarcava no avião em Nova York com destino à África do Sul, publicou uma
mensagem em seu twitter que dizia: “Going to Africa. Hope I don´t get AIDS. Just kidding. I´m
White! (“Vou para a África. Espero não pegar AIDS. É brincadeira. Sou branca!”, em tradução
livre). Após as onze horas de duração do voo, Justine, ao ligar seu celular, deparou-se com
centenas de mensagens ofensivas e humilhantes; sua postagem era a trending topic mundial, ou
seja, a mensagem mais reproduzida no Twitter nas últimas horas, e ela precisou ser escoltada
para sair do aeroporto. Algumas horas depois, recebeu a ligação de seu chefe, que a demitiu.
Em decorrência de um único post - sim, desrespeitoso -, muitas foram as consequências e o
prejuízo para a vida da internauta.
10
O termo também abarca os outros tipos de violência online citados por nós no item anterior: cyberharassment,
cyberstalking, cyberthreats, cyberteasing sexting, trollagem, cybergrooming, shaming.
75
Encontrarmos um número vasto de pesquisas que utilizam o termo cyberbullying
para designar qualquer tipo de violência no meio virtual, e não um termo que estaria restrito
apenas à agressão entre pares, como indicam alguns autores (AVILÈS, 2013; DEMPSEY et al.,
2011). Sendo assim, optamos por utilizar o descritor em nossos mecanismos de buscas para
termos acesso a um número maior de estudos, mas isso não significa que é o fenômeno
predominante entre os jovens; no cotidiano, todas essas outras formas de agressão virtual
convivem com uma rapidez espantosa. O segundo descritor com que encontramos um número
maior de investigações nas buscas realizadas foi cyber agressão. Por isso, optamos pela seleção
dos dois descritores.
Encontramos na literatura o uso do cyberbullying como sinônimo de cyber agressão
e outros tipos de agressão virtual. Também encontramos o sexting e a trolagem como
subcategorias de cyberbullying. Como vimos, esses termos correspondem a fenômenos
diferentes. Porém, ainda que sejam fenômenos de naturezas diferentes, tanto o cyberbullying,
quanto a cyber agressão e todas as outras formas de violência virtual, entre pares ou não, são
marcadas pela crueldade e provocam consequências terríveis para quem sofre, portanto, a
distinção dos conceitos é apresentada apenas a nível de conhecimento. Ressaltamos que a
intervenção escolar precisa abranger a violência virtual de forma ampla.
Muitas pesquisas apresentam o cyberbullying como uma extensão do bullying, no
meio virtual. Como são fenômenos específicos, que se referem a um tipo de violência entre
pares, e como a relação entre pares é intensificada na escola, consideramos importante
aprofundar esses conceitos no próximo capítulo, dada a relevância do tema para os educadores.
Dessa forma, é preciso esclarecer que, a partir dessas inferências, os termos que
utilizaremos nos próximos capítulos serão: cyberbullying, para tratar de um subtipo de violência
virtual - uma prática que ocorre entre estudantes, em idade escolar; e cyber agressão como um
termo que compreende a agressão virtual, de forma mais ampla e, portanto, que abarca, também,
os demais tipos de agressão descritos anteriormente por nós: cyberharassment, cyberstalking,
cyberthreats, cyberteasing sexting, trollagem, cybergrooming, shaming. Estes são fenômenos
que não envolvem, necessariamente, o grupo de pares e abrangem sujeitos de qualquer idade
que utilizam a internet para agredir, humilhar, envergonhar, expor, ou ofender o outro.
É preciso também tecer algumas considerações a respeito da caracterização do
cyberbullying como um tipo de violência entre pares. Lembramos que, na prática, devido à
possibilidade de anonimato, é difícil identificar a autoria da agressão, se advém de um par ou
autoridade; ressaltamos, também, que o peso da figura autoridade é diluída no ciberespaço, uma
76
vez que as relações são mais horizontais. Então, independentemente de a agressão ocorrer entre
pares ou entre sujeitos que estão em níveis hierárquicos diferentes, o que marca o cyberbullying
e a cyber agressão é a crueldade e a possibilidade de destruir-se a imagem de alguém perante a
um número extenso de pessoas.
Diante de tais esclarecimentos, passemos ao próximo capítulo.
77
4.1. O Bullying
Bullying vem do inglês bull, que significa touro, representando a força física ou
psicológica do Bully, o autor. Chamamos de autor aquele que agride, e de alvo quem é agredido.
A substituição da nomenclatura por agressor e vítima não é somente uma mudança de
significado, mas de significante. Estudos sugerem tal alteração, pois superam aquele estereótipo
de que, quando falamos em agressor, estamos nos referindo a um sujeito ‘mau’, e que quando
falamos em vítima, atribuímos a ela um sentimento de piedade que parece por si só resolver a
situação (TOGNETTA, 2010).
O fenômeno é caracterizado por ações agressivas, intencionais e repetitivas
(OLWEUS, 2007). São atos violentos adotados por uma ou mais pessoa contra um alvo
escolhido, “causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder,
tornando possível a intimidação da vítima” (LOPES NETO; SAAVEDRA, 2003). O autor
escolhe um alvo frágil para passar a agredir, maltratar e humilhar. Independentemente do tipo
de agressão (física, moral, psicológica ou virtual), as situações de bullying são todas marcadas
pela violência.
Entretanto, para considerar-se um caso de bullying, deve-se levar em conta um
conjunto de características, como têm defendido diversos autores (AVILÉS, 2003; FANTE,
2005; OLWEUS, 2007; TOGNETTA, 2005; TOGNETTA; VINHA, 2008). A primeira delas é
78
que o bullying é uma forma de intimidação entre pares, ou seja, entre alunos da escola, entre
irmãos, entre crianças que convivem em espaços comuns como condomínios, clubes, igrejas
etc. Não se caracteriza como bullying quando a agressão é sentida ou cometida pela autoridade,
entre filhos e pais, entre professores e alunos, pois essas formas de violência são denominadas
de assédio moral.
Outra característica é que não são brincadeiras momentâneas, são ações repetidas
sempre com um mesmo alvo, que objetivam marcar a rotina dele pela incidência de violência.
Ademais, existe a intencionalidade: os autores de bullying querem e sabem exatamente como
ferir e diminuir aquele que escolheu como vítima, o que lhe gera, de certa forma, a sensação de
prazer. No entanto, isso não significa que sejam ‘maus’ e que devam ser castigados por isso.
Cabe destacar aqui que os autores também precisam ser vistos como sujeitos que precisam de
ajuda, pois carecem de sensibilidade moral (SMITH, 1999); são pessoas que se demonstram
como incapazes de sensibilizar-se com a dor do outro e de enxergá-lo como um sujeito digno
de respeito (TOGNETTA, 2010a). Além disso, pesquisas comprovam (TOGNETTA; BOZZA,
2010; TOGNETTA; ROSÁRIO, 2012) que o autor tem uma hierarquia de valores invertida, ou
seja, os valores individualistas, tais como a virilidade e a força física, mostram-se mais fortes e
centrais na personalidade desses sujeitos do que os valores morais, como a justiça, a tolerância,
a generosidade.
A quarta característica é que existe um desequilíbrio de poder entre alvo e autor. Há
um alvo frágil. Geralmente, apresentam pouca habilidade social e muitas vezes utiliza-se de
estratégias de enfrentamento que são, no mínimo, insuficientes para cessar as agressões. São
sujeitos que têm uma imagem de si pouco valorativa e que muitas vezes são vitimizados por
seus pares por apresentarem alguma característica que o distingue dos demais, como, por
exemplo, estar acima do peso, usar óculos, ser mais tímido, ser de baixa estatura, tirar boas
notas na escola. Contudo, aferir as causas do bullying apenas do ponto de vista da diferença
física ou das convenções sociais seria insuficiente. Somente o preconceito não dá conta de
explicar o fenômeno, pois nem toda criança que apresenta alguma diferença dos demais torna-
se alvo de bullying; por exemplo, nem todo “baixinho” é vítima. Isso porque, na verdade, o que
leva este sujeito à vitimização está relacionado à imagem que ele faz de si, a maneira que ele
se vê diante dos pares pode ou não o levar a tornar-se um alvo frágil. Sim, pois aquele que é
vitimizado parece concordar, mesmo que inconscientemente, com a imagem que lhe é atribuída,
sentindo-se, por isso, inferior aos pares e sem forças para reagir às agressões (TOGNETTA,
2010).
79
A última característica corresponde ao fato de o autor ter a necessidade de manter
uma boa imagem diante dos outros, pois as situações de bullying são veladas, muitas vezes, aos
olhos da autoridade, mas não daqueles que são considerados iguais. O autor precisa sentir-se
poderoso perante aos pares quando agride alguém, como comprovam diversas pesquisas
(AVILES, 2003; FANTE, 2005; TOGNETTA et al., 2010). Ele fará com que os colegas saibam
que chamou um colega por um apelido que ele não gosta ou que ele o ameaçou. Isso porque o
que mais importa para o autor de bullying é ver a dor do outro diante de um público, é
exatamente essa dinâmica que o motiva e fortalece-o. É assim que o autor de bullying sente-se
com valor: vendo um igual diminuído diante da sua plateia.
E é justamente esse sentimento de inferioridade e fragilidade sentido pelo alvo
diante do grupo de iguais que torna o fenômeno tão perigoso. A grande diferença entre outras
manifestações de violência e o bullying está no fato de que no último as formas de intimidação
ocorrem entre sujeitos que se encontram em um nível de simetria de autoridade uns sobre os
outros. Meninos e meninas que sofrem bullying são agredidos pelos sujeitos que vão participar
da formação da sua própria identidade. O perigo de tais ações está exatamente no fato de estar
em jogo a construção de “quem eu sou” diante daqueles que são iguais, pois assola a imagem
que se tem de si diante do par. É como uma imagem num espelho quebrado, tão bem
representada na figura abaixo, retirada do livro infantil “As cinco saias” (TOGNETTA, 2012).
11
Apresentaremos posteriormente as consequências para a vida escolar decorrentes do envolvimento em situação
de cyberbullying.
88
possíveis no espaço físico, indicando a importância de incluir a discussão desses temas em um
trabalho preventivo e educativo nas escolas.
Você já recebeu um vídeo de uma menina que você mostrou para outros
amigos?
- Se eu não conheço a pessoa, por mim, o problema é dela...
Mas, você não pensa: que pessoa ela é, de onde ela veio?
- Por que já está com todo mundo, né? Todo mundo já viu...
Mas, você não se sente contribuindo para o julgamento dessa garota?
- Não, só estou repassando mais o vídeo, mas eu não me sinto culpado por
causa disso...
Trecho do programa “A Liga”, exibido em 14/01/15
PLANO INTERPESSOAL
PLANO INTRAPESSOAL
PLANO INTRAGRUPAL
Eu tinha um namorado que passava confiança. Ele mandou uma foto e pediu
uma também. Mandei uma de calcinha e sutiã. Agora todos riem de mim.
Meu pai disse que não sou um exemplo de filha. A foto passou a circular no
grupo de Whatsapp “Ousadia e putaria” que reúne dezenas de garotos da
minha cidade.
Bruna, 13 anos, que tentou suicídio após o episódio.
12
O termo “Nude” é usado para designar fotos de pessoas nuas.
94
Invasão de privacidade: ceder a curiosidade de ler ou acessar conteúdos privados
podem levar a uma quebra de confiança, tanto de quem espia quanto de quem é espionado. Por
exemplo, quando um adolescente é tentado a olhar as mensagens de texto de um amigo quando
ele esquece o telefone em cima da mesa. Ou quando uma adolescente descobre que sua amiga
troca mensagens desfavoráveis a ela com o menino que ela gosta.
Pressão para enviar conteúdos sensíveis, como fotos íntimas: a pressão é maior
quando as solicitações vêm do alvo da afeição de um adolescente, pois enviar fotos nuas é
considerado, muitas vezes, um forte sinal de confiança e de atração.
Em síntese, são diversos os tipos de manifestações da violência, bem como de
experiências de tensões digitais vivenciadas pelos adolescentes no espaço virtual. A seguir
apresentaremos pesquisas nacionais e internacionais acerca da incidência e da natureza
específicas do fenômeno cyberbullying.
4.7. Consequências
A adolescente Júlia Rebeca teria anunciado a própria morte pelas redes sociais. O
motivo seria a divulgação de um vídeo íntimo da garota com outra jovem e um homem,
que vazou na internet por meio do WhatsApp. No último domingo, a jovem usou o
Twitter para anunciar o ato.
Uma garota de 13 anos, Megan Meier, se enforcou após receber cyberbulling na rede
social My Sapce.
Ryan Patrick Halligan cometeu suicídio aos 13 anos. Ele foi vítima de bullying e
cyberbullying de seus colegas da escola. Um garoto que maltratava Ryan se tornou seu
amigo, mas apenas para saber mais informações do garoto e espalhar boatos de que
ele era homossexual. Durante as férias, Ryan começou a usar serviços de mensagens
instantâneas, os colegas começaram a atacar e perguntar de sua sexualidade.
Inclusive, uma garota que Ryan gostava e que ele se declarou para ela, então ela
utilizou as mensagens para humilhá-lo. Quando eles se encontraram pessoalmente, ela
o chamou de perdedor e ele disse que "são garotas como você que me fazem sentir
vontade de me matar".
Fran Santos, 20, diz ter buscado em sua filha pequena as forças para continuar -
moradora de Goiânia, ela ficou conhecida nacionalmente em 2013 por causa do vídeo
íntimo em que aparece fazendo sinal de ‘ok’. Perdeu o emprego e teve de parar de
estudar. Diante da enorme repercussão, criou-se o movimento de apoio #forçafran.
Mas muitos usaram esta mesma hashtag para fazer graça, publicando selfies com o
tal ok. Se o ex-parceiro foi responsável por vazar o vídeo, ele contou com um exército
de internautas que transformaram em ‘meme’ a dor de uma mulher. Em 2014, o
empresário - com quem se relacionou sem compromisso por três anos - foi condenado
a cinco meses de trabalho comunitário. "A sensação é de raiva, por saber que em
pleno século 21 as pessoas agem com tanta hipocrisia e falta de amor ao próximo",
contou em entrevista por e-mail. Ela ainda não conseguiu arrumar emprego, porém
voltou a estudar. E diz que hoje, quase dois anos depois de ter sua intimidade
devastada, a situação está melhorando. “Mas nada será como antes", afirma.
Amanda Toddy, 16 anos, postou um vídeo no YouTube em que ela usa cartões para
contar sua experiência. Conta que quando estava no sétimo ano quis conhecer novas
pessoas através da internet e recebeu elogios sobre sua aparência, quando um garoto
a convenceu a mostrar os seus seios para a câmera. O indivíduo mais tarde começou
a chantageá-la com ameaças e horas depois as fotos já estavam circulando por toda a
rede. Após o ocorrido ficou muito doente, com ansiedade, depressão severa, síndrome
do pânico e começou a usar drogas. Sua família se mudou para uma nova casa e um
ano depois, o mesmo autor reapareceu. Criou uma página no Facebook, em que usava
as fotos de Amanda como imagem de perfil e adicionou todos os amigos da sua nova
escola. Novamente ela foi provocada, e acabou mudando de escola pela segunda vez.
Ao mesmo tempo, um "velho amigo" apareceu dizendo que gostava dela e pediu que
ela fosse à sua casa, onde tiveram relações sexuais, enquanto sua namorada estava
viajando. Na semana seguinte, a namorada e um grupo de pessoas, incluindo o garoto,
atacaram Amanda dentro da escola, diziam que ninguém gostava dela e a espancaram.
A agressão foi filmada e colocada na rede. Após o ataque, a garota tentou se suicidar,
mas levaram-na para o hospital e ela sobreviveu. Após retornar para casa, Amanda
descobriu mensagens abusivas sobre sua tentativa fracassada de suicídio postada no
Facebook. Sua família se mudou para outra cidade para recomeçar, mas ela foi
incapaz de escapar do passado. Seis meses depois, mais mensagens de abuso ainda
foram sendo postados em sites de relacionamento. Seu estado mental piorou, ela
começou a se envolver em automutilação. Apesar de tomar antidepressivos e receber
aconselhamento, ela teve uma overdose e passou dois dias no hospital. Em 10 de
outubro de 2012, Amanda foi encontrada enforcada em sua casa.
A violência desses jovens não decorre de uma falta de regras, mas é sim
decorrência da ausência de valores morais na formação de sua identidade.
Yves de la Taille
13
A autorregulação é quando o sujeito controla sua conduta e a orienta de acordo com seus próprios critérios
morais, idealizados por si mesmo. A autorregulação é um sistema interno e autônomo de conduta moral (PUIG,
1998, p. 113-114).
110
No entanto, o que explica a predominância da heteronomia ou até falta de ações
morais entre adolescentes que já são (ou deveriam ser) capazes de operar formalmente? La
Taille (2002) aponta que a dimensão intelectual é condição necessária para agir moralmente,
contudo há mais um fator que influencia na ação moral, que estaria relacionado à dimensão
afetiva, ou seja, é preciso também “querer” agir moralmente.
Para agir moralmente, é preciso querer agir de acordo com os princípios e as regras
morais (dimensão afetiva), bem como é necessário saber como se chega a tais fins (dimensão
cognitiva) e que isso se torne valor para o sujeito. Para Piaget (1964;1991), um valor é um
investimento afetivo, aquilo que nos move ou o que nos faz agir. De acordo com Tognetta
(2006), a partir das relações que as pessoas estabelecem consigo e com os outros, elas investem
sua energia mais em determinadas ações, pessoas ou ideias, do que em outras e, assim, temos
caracterizado um valor. E o que leva um indivíduo a investir ou a legitimar princípios e valores
morais mais do que outros?
De acordo com Adler (1948), uma das motivações primordiais do ser humano é a
busca por representações positivas de si. O autor afirma que é natural do homem procurar
superar o sentimento de inferioridade vendo a si próprio como uma pessoa de valor, e é esse
processo que leva esse ser humano a se desenvolver. Durante esse movimento de construção,
os valores vão integrando a personalidade dos indivíduos e podem ser morais e não morais. Os
valores morais são investimentos afetivos compostos por conteúdos éticos, como, por exemplo:
ser justo, honesto, generoso, tolerante. Enquanto os não morais são valores que não apresentam
um conteúdo ético, como, por exemplo: ser belo, famoso, popular, rico, são valores que não
abarcam o outro, mas também não ocasionam necessariamente um prejuízo a esse outro.
Segundo os estudos de La Taille (2002), nossa personalidade é formada por um
conjunto de representações ou imagens que construímos a nosso respeito. Tais representações
são sempre valor. E esses valores são construídos a partir da nossa interação com o meio e a
partir das experiências que vivenciamos desde criança. Dessa forma, as representações que
constituem a nossa identidade passam sempre pelo juízo alheio, e, portanto, há sempre um
embate entre as imagens que se tem de si e os juízos positivos e negativos das outras pessoas
com os quais convivemos.
Sendo assim, os valores não são ensinados ou transmitidos verbalmente, integram
um processo contínuo a partir da interação entre o sujeito e o meio em que vive. A formação da
personalidade ou a construção das imagens valorativas de si tem início na infância, no entanto,
é somente na adolescência que tais valores serão interiorizados.
111
Dessa forma, todos nós possuímos representações de nós mesmos atreladas tanto
aos valores morais quanto aos não morais, porém o que fará uma pessoa agir moralmente e
outra não é o lugar que tais representações ocupam na personalidade. La Taille (2006) afirma
que as imagens que construímos de nós mesmos compõem um sistema no qual os valores
relacionam-se e estão organizados hierarquicamente. Sendo assim, os valores que se encontram
no centro desse sistema são os mais “fortes” e, portanto, o sujeito tem mais motivação para
segui-los; enquanto os valores periféricos são mais “fracos” e, portanto, são circunstanciais, em
alguns momentos o sujeito segue, em outros não. Além da posição hierárquica que ocupam,
eles devem estar integrados, ou seja, alguns valores podem estar associados a outros, enquanto
alguns se encontram isolados. Dessa forma, quanto mais centrais e integrados os valores
estiverem, mais força terão e, consequentemente, mais motivarão as ações do sujeito (VINHA,
2013).
Podemos inferir, assim, que o sujeito mais autônomo moralmente possui
representações de si compostas por valores morais, estes ocupam o centro da sua personalidade
e estão mais integrados. Chamamos de "personalidade ética" quando há uma correspondência
entre as imagens que se tem de si e os conteúdos morais, ou quando a busca por uma boa
imagem de si integre conteúdos éticos.
AS REPRESENTAÇÕES DE SI E O CYBERBULLYING
14
Desengajamento moral é o termo usado por Albert Bandura para explicar como as pessoas liberam-se de seus
padrões morais para infligir ações danosas a outros, sem que se sintam culpadas por sua conduta não moral
(BANDURA, AZZI, TOGNETTA, 2015).
115
os sentimentos de empatia e indignação para que se sintam encorajados a prestar ajuda àqueles
que são vitimizados.
Tais dados também oferecem, à luz dos estudos da Psicologia Moral Piagetiana,
melhores explicações para considerar o cyberbullying, bem como as outras agressões virtuais,
como problemas morais. Isso porque confirmam que os valores morais como respeito, justiça,
tolerância, solidariedade estão ausentes nessas ações. E, se isso é verdade, podemos inferir que
essa formação moral é urgente de ser comtemplada nas escolas. A ausência de propostas
educativas que visam à construção de valores morais e à apropriação racional desses valores
seria talvez uma grande lacuna das instituições formadoras do ser humano.
De acordo com o estudo Credit Suisse Youth Barometer (2014) apresentado por
nós anteriormente, os jovens são extremamente preocupados com segurança digital: 90% dos
jovens em todos os países pesquisados acham que os políticos devem aumentar a proteção
contra os cyber ataques e roubo/divulgação de dados digitais.
Atualmente, no Brasil, há projetos de leis que tramitam no Congresso a esse respeito
(TAGIAROLI, 2013). A maior visibilidade está nos casos de sexting (exposição de intimidade
na internet sem autorização), sobretudo em situações de “pornografia de vingança”, que
consiste em tornar pública a imagem íntima de um (a) ex-namorado (a). Há também uma lei,
conhecida como Lei Carolina Dieckmann (Lei 12.737), de novembro de 2012, que pune quem
“invadir dispositivo informático alheio” com a finalidade de captar, adulterar ou destruir
informações. Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas
privadas, por exemplo, a pena é agravada. A lei, entretanto, não menciona casos de pornografia
de vingança.
Alguns projetos de lei sobre o tema foram apresentados recentemente na tentativa
de punir os responsáveis pela prática. O primeiro é conhecido como “Lei Maria da Penha
virtual”, Projeto de Lei 5555/2013, apresentado pelo deputado João Arruda (PMDB/PR), que
propõe alterações nesta lei para que violação da intimidade da mulher na internet seja
116
considerada violência doméstica e familiar. Outro projeto, proposto pelo senador Romário de
Souza Faria (PSB/RJ), pede que seja acrescentada ao Código Penal uma cláusula que condena
a conduta de divulgar fotos ou vídeos com conteúdos íntimos (cena de nudez ou ato sexual)
sem autorização da vítima. A pena prevista é de detenção, de um a três anos, além de multa.
Sugere ainda que a pena seja aumentada se a ação for cometida com a finalidade de vingança
ou humilhação, pelo companheiro ou alguém que manteve relacionamento amoroso com a
vítima.
De autoria da deputada Eliene Lima (PSD/MT), outro projeto propõe a punição para
quem praticar vingança pornográfica. Nesse caso, o autor deve ser penalizado com um ano de
reclusão mais multa de 20 salários mínimos. As postagens podem se referir tanto a mulheres
quanto a homens.
O Japão foi primeiro país a aprovar uma lei que pune o fenômeno da “vingança
pornô”. A legislação prevê prisão e pagamento de multas para quem difundir esse tipo de
conteúdo, e também visa a punir quem ajuda a divulgar o conteúdo na rede. Além do Japão, o
Reino Unido adotou recentemente a mesma medida, e alguns estados dos EUA possuem leis
para punir tais condutas.
A Lei brasileira 12.965/14, conhecida como o Marco Civil da Internet, foi
sancionada pela presidente Dilma Rousseff no dia 23/04/14 e entrou em vigor a partir do dia
23/06/14. A proteção dos dados pessoais e a privacidade dos usuários foram as garantias
estabelecidas por essa Lei. A Lei prevê que as empresas da Internet que trabalham com os dados
dos usuários para fins de publicidade estão proibidas de divulgar informações para terceiros
sem o consentimento expresso do usuário. A proteção aos dados dos internautas é garantida e
só pode ser quebrada mediante ordem judicial. Outro direito promovido é a garantia da
privacidade das comunicações. Ademais, o mais recente texto do Marco Civil estabelece regras
para punir o pornô de vingança. Neste caso, a proposta não é punir o responsável pela
divulgação, mas, sim, as empresas ou sites da internet que não apagarem o conteúdo após
notificação. Essa nova proposta está descrita no artigo 22, na seção III e determina a
responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Em abril de 2015, o governo brasileiro também lançou um canal específico para as
vítimas cibernéticas, o Humaniza Redes. O programa visa a receber denúncias de casos de
violação dos direitos humanos na internet, tais como violência e discriminação contra a mulher;
homofobia; xenofobia; intolerância religiosa; pornografia infantil; racismo; apologia e incitação
a crimes contra a vida; neonazismo; e tráfico de pessoas. Para denúncias de outros casos, como
117
cyberbullying, por exemplo, o canal criou uma parceria com a organização não governamental
Safernet15, e as vítimas podem ser atendidas por psicólogos. Além disso, o canal almeja a
proteção das vítimas e o encaminhamento dos casos à polícia. O trabalho será realizado em
parceria com o Facebook, Twitter e Google, com o intuito de agilizar a exclusão dos conteúdos
ofensivos da rede e ajudar a identificar e punir os autores das mensagens.
Por outro lado, existem alguns lugares do mundo que revogaram a lei que
criminaliza a prática de cyberbullying. Em Nova York, por exemplo, o Tribunal decidiu
derrubar uma lei que criminalizava o estudante agressor; a justificativa foi que criminalizar os
alunos é um método não que não resolve o problema do bullying virtual e que a melhoria do
clima escolar e a utilização de práticas restaurativas são as melhores soluções para o combate
ao fenômeno.
Recentemente no Brasil, no dia 09 de novembro de 2015, a lei que institui o
programa de combate ao bullying foi sancionada pela presidente. A lei assegura a
obrigatoriedade de escolas adotarem medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e
intervenção à intimidação sistemática. Determina, ainda, que o combate ao bullying e ao
cyberbullying é dever de estabelecimentos de ensino, clubes e agremiações recreativas. O
programa deve também capacitar profissionais da educação e equipes pedagógicas para a
implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução dos problemas dessa
natureza. Essa lei é considerada um avanço para o Brasil, uma vez que a lei anterior - que
legitimava ações voltadas para defesa ou ataque à escola ou acusação do agressor - era a lei do
consumidor, que garantia a defesa de um bem. Com a nova lei, temos a garantia de formação
do ser humano, por isso é direcionada às instituições educativas formais e não formais
frequentadas pelas crianças e jovens, indicando a responsabilidade de todos na prevenção
desses tipos de violência.
Na Espanha, desde 2005, todas as escolas são obrigadas a construir um plano de
convivência, que visam não só ao combate ao bullying e cyberbullying, mas também à ajuda
aos envolvidos nesses fenômenos e à melhoria do clima escolar. Tanto escolas na própria
Espanha quanto as de outros países, como Finlândia, Reino Unido e Estados Unidos, já possuem
programas que objetivam a prevenção e o combate ao bullying e ao cyberbullying. Conhecer
esses programas é um dos objetivos deste presente estudo.
15
http://new.safernet.org.br/ e http://old.safernet.org.br/site/old
118
Consideramos necessária e urgente a adoção de medidas que visem a discutir e a
refletir essas questões nas escolas brasileiras. E por que na escola e não no tribunal de justiça?
Porque crianças e adolescentes precisam ser formados e alfabetizados para usar de forma segura
e consciente essas novas tecnologias que, como vimos, está presente na vida de quase todos os
brasileiros. E se essa educação para a era digital não é realizada na escola, que é espaço
socializador por excelência, onde será? Na família, diriam alguns. No entanto, como vimos, a
família em geral zela pela educação elementar e no âmbito privado. Além disso, que
conhecimento a família tem para isso? Pais e familiares muitas vezes não sabem o que fazer
para impedir que seus filhos se envolvam em casos de agressão virtual, pois eles também não
foram educados para as novas tecnologias. Ademais, essa discussão deve ser coletiva e
permeada por valores socialmente desejáveis – a ideia é reflexão, e não moralização – em que
espaço isso poderia ser feito, senão na escola?
A Constituição brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988 (BRASIL, 2009),
assegura que a escola tem por objetivo a formação básica do cidadão, e não há cidadania sem a
boa convivência. Ademais, na visão de Jimerson et al. (2006), as escolas contemporâneas têm
a missão de ajudar o aluno em seu processo de socialização e desenvolvimento para essa nova
sociedade que requer uma cidadania real e uma cidadania virtual. Concordamos com os autores,
pois compreendemos a escola como instituição responsável pela educação no âmbito coletivo
e é a maior, senão a única, instituição favorável à aprendizagem da convivência respeitosa, e,
se antes a convivência era só física, agora ela também é virtual; com o advento da internet, não
há mais fronteira entre esses dois espaços.
Além disso, não há outro lugar em que crianças e adolescentes possam trocar
opiniões sobre o assunto, refletir conjuntamente, conhecer o ponto de vista dos envolvidos
nesses fenômenos, sensibilizar-se com quem sofre a agressão virtual. Resultados satisfatórios
com relação à educação para o uso consciente e de forma respeitosa da tecnologia só serão
possíveis se realizado de forma coletiva e cooperativa. A palavra cooperação, nesse caso, está
sendo utilizada no sentido piagetiano, e, portanto, relacionada à ideia de operar com o outro.
Nas palavras de Menin (1996), cooperar é operar com, é realizar trocas equilibradas com os
outros, favorecendo, assim, a descentração e diminuindo o egocentrismo. Se queremos que
nossos jovens sejam capazes de coordenar as próprias perspectivas com as dos outros, e,
portanto, que saiam de si e percebam que um pensa ou sente de uma forma e outro de outra, é
preciso investir e proporcionar momentos em que possam interagir. Ações nesse sentido são
imprescindíveis para um trabalho que visa à prevenção das agressões virtuais.
119
Também é preciso que haja profissionais preparados para lidar com esses
fenômenos violentos. Na visão de Ortega-Ruiz et al. (2013), as escolas hoje se encontram em
uma situação ambígua, pois, por um lado, precisam atender os nativos digitais e, por outro, as
pessoas que educam esses nativos digitais têm um nítido desequilíbrio em suas habilidades,
capacidades e conhecimentos tecnológicos, ou seja, a geração que é responsável por educar
para os riscos não consegue acompanhar o ritmo dos mais jovens na internet. Essa desigualdade
é denominada brecha digital geracional, e se refere ao conceito que as gerações têm a respeito
das TICs. Como exemplo, temos o conceito de privacidade ou intimidade, que se difere entre a
maioria dos jovens e as suas famílias e professores, porque, como pertencer a uma rede social
envolve muitas vezes a divulgação de informações na Internet que podem ser íntimas ou
pessoais, é algo que se diverge do conceito de privacidade de muitos adultos ou de outras
pessoas menos acostumados a usar as redes sociais. Dessa forma, o desconhecimento, por parte
dos adultos, dos problemas ou das consequências danosas decorrentes das ações e condutas na
Internet acaba impedindo ou dificultando a ajuda aos jovens, que são os principais usuários
destes ambientes (p. 39). Por esse motivo, é preciso investir também na formação de educadores
para que possam propor intervenções adequadas.
Dessa forma, faz-se necessário reconhecer o fenômeno como um problema grave e
urgente, que necessita do olhar atento dos educadores, e, consequentemente, uma nova postura,
por parte das instituições que educam. Não fazer nada é deixar esses meninos e meninas à
própria sorte. E, se assim permanecer, a escola estará sendo omissa, senão conivente com essa
grave situação que incide sobre essa geração. Isentar-se desse papel torna a escola
corresponsável pela situação caótica que estamos prestes a vivenciar, se nada for feito antes.
Pretendemos refletir nos capítulos que seguem sobre o que a escola pode fazer para
reverter esse quadro.
120
5. A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
5.1. Objetivos
Este estudo tem como objetivo geral identificar e analisar as propostas de ações
educativas que visam à intervenção e à prevenção aos casos de cyberbullying e de cyber
agressão nas escolas. Essa avaliação será no sentido de compreender se, de fato, tais programas
visam à autorregulação, tão necessária para o alcance da autonomia moral, e,
consequentemente, para a prevenção de casos de agressão virtual.
Em síntese, o presente trabalho almeja descrever programas de intervenção
educativa propostos por autores de referência na área, tanto nacionais quanto internacionais, e
122
analisar, do ponto de vista da psicologia moral piagetiana, a eficácia dos programas para a
prevenção dos riscos e agressões virtuais.
5.2. Método
Para atingir nosso principal objetivo, foram selecionados, para esta parte da
pesquisa, apenas os trabalhos que continham algum indício de que estariam relacionados a
programas de intervenção ou prevenção às agressões virtuais. Dessa forma, o primeiro critério
de seleção utilizado por nós foi:
Trata-se de uma fonte que contém a ideia implícita ou explícita de práticas
escolares eficientes para a prevenção e intervenção ao cyberbullying e cyber agressão?
Após essa primeira leitura de reconhecimento do material, muitos artigos foram
descartados por nós, pois, ou exigiam assinatura da revista e periódico para acesso às
publicações, ou abordavam questões relacionadas à agressão virtual e ao cyberbullying, mas
não tratavam especificamente de programas de prevenção. Dessa forma, muitos dos materiais
encontrados nesta primeira triagem foram utilizados por nós para compor o nosso quadro
teórico e revisão de literatura sobre bullying, cyberbullying e as outras formas de agressão
virtual, pois continham elementos que contribuíram para conceitualização e caracterização
destes fenômenos. No entanto, apenas 21 artigos enquadraram-se em nosso primeiro critério de
seleção.
Apresentamos a seguir o quadro que ilustra as pesquisas selecionadas previamente
para uma leitura exploratória:
16
https://scholar.google.com.br/
130
presentes na literatura acadêmica. O quadro 4 ilustra os resultados encontrados por nós neste
site, que também atenderam o nosso primeiro critério:
Além disso, obras impressas de autores para o estudo dos programas também foram
sugeridas por pesquisadores e, portanto, também incluídas no presente estudo. São essas:
17
GONÇALVES, C. C.; ANDRADE, F. C. B (org). Violências e bullying na escola: Análise e prevenção. Editora
CRV: Curitiba, 2015,
132
4. El uso violento de la tecnologia: el Rosario Ortega- 2010 Capítulo de
cyberbullying Ruiz, Joaquim livro18
Mora-Merchán,
Juan
Calmaestra,
Peter K Smith
5. O cyberbullying José Maria 2013 Capítulo de
Avilés Martínez livro19
6.Proyecto Antibullying: Prevención del José Maria 2015 Livro
bullying e cyberbullying en la Avilés Martínez
comunidad educativa
Fonte: autoria própria a partir da consulta das obras impressas sugeridas por pesquisadores
Por fim, também buscamos elementos para compor a presente investigação em sites
da internet, encontrados nas referências bibliográficas que selecionamos:
1. http://www.hinduja.org/
2. http://www.scholastic.com/browse/article.jsp?id=3754805
3. http://archive.c4eo.org.uk/themes/schools/sustainedprogress/vlpdetails.aspx?lp
eid=338
4. http://ww2.cybertraining-project.org/?folio=7POJ4E717
5. www.eukidsonline.net
6. http://www.bullybust.org/educators/partner-schools
7. http://www.cdc.gov/violenceprevention/pub/EA-brief.html
8. http://new.safernet.org.br/
9. http://www.prevnet.ca/
10. http://www.kivaprogram.net/
11. http://www.uco.es/laecovi/conred/
18
ORTEGA, R. (coord). Agresividad injustificada, bullying y violência escolar. Alianza Editorial: Madrid,
2010.
19
AVILÉS MARTÍNEZ, J., M. Bullying- Guia para educadores. Editora Mercado de letras: Campinas. 2013
133
Após a leitura seletiva das 60 fontes, foram excluídas primeiramente as fontes que
continham apenas o resumo da publicação e, depois, aquelas que não continham dados
suficientes para a posterior análise do programa. O quadro a seguir apresenta as que atenderam
nosso segundo critério:
16. Analysis of Experts’ and Trainers’ Views Thomas Jäger; 2010 Artigo
on Cyberbullying João Amado;
Armanda Matos;
Teresa Pessoa
17. The use and effectiveness of anti-bullying Fran Thompson, 2011 Relatório
strategies in schools Peter K. Smith de
pesquisa
20
GONÇALVES, C. C.; ANDRADE, F. C. B (org). Violências e bullying na escola: Análise e prevenção. Editora
CRV: Curitiba, 2015,
21
AVILÉS MARTÍNEZ, J., M. Bullying- Guia para educadores. Editora Mercado de letras: Campinas. 2013
22
http://archive.c4eo.org.uk/themes/schools/sustainedprogress/vlpdetails.aspx?lpeid=338
23
http://www.uco.es/laecovi/conred/
135
A partir da leitura crítica e reflexiva dessas 19 fontes, apresentamos, no quadro
seguinte, a seleção de programas encontrados por nós, bem como as referências, fontes de
nossos dados e os respectivos países de implementação.
Site: http://www.uco.es/laecovi/conred/
2.KIVA SALMIVALLI C.; KARNA A., POSKIPARTA, E. Finlândia
ANTIBULLYING Counteracting bullying in Finland: The KiVa program
PROGRAM and its effects on diferente forms of being bullied.
International Journal of Behavioral Development, 35(5)
405–411, 2011.
Site:http://archive.c4eo.org.uk/themes/schools/sustaine
dprogress/vlpdetails.aspx?lpeid=338
4.CYBERTRAINING MATOS, A.; PESSOA, T.; AMADO, J.; JÄGER, T. Alemanha
Agir contra o Cyberbullying – Manual de Formação.
Congresso Nacional "Literacia, Media e Cidadania", (coordenação)
Braga, Universidade do Minho: Centro de Estudos de
Comunicação e Sociedade, 2011.
5.4. Apresentação e análise dos programas educativos que visam a agressão virtual
O homem nasceu para aprender, aprender tanto quanto a vida lhe permita
Guimarães Rosa
Categoria 1- Objetivos
Consideramos importante identificar a origem, bem como o objetivo do programa
educativo a fim de verificar se as ações propostas são condizentes com a sua finalidade.
Compreender a intenção do autor na elaboração da proposta parece ser o primeiro passo para a
avaliar sua relevância. Acreditamos que o programa precisa contemplar tanto estratégias
educativas como formas de prevenção à agressão virtual, bem como apresentar propostas de
intervenções precisas que podem ser realizadas com os envolvidos (caso sejam identificados)
após o problema instaurado.
Categoria 3- Características
Elaboramos esta categoria a fim de conhecer as principais características que
compõem os programas, bem como os elementos necessários para seu funcionamento.
Compreender a forma pela qual são planejados e quem os planeja, quais são as estratégias
utilizadas para seu desenvolvimento e aplicação, a integração ou não ao currículo escolar, a
duração do programa, a necessidade de formação do profissional responsável por conduzir as
propostas, entre outros. Todos esses são pontos considerados por nós como essenciais na análise
dos programas, uma vez que são informações que julgamos indispensáveis para conhecermos
e analisarmos as propostas.
Categoria 4- Conteúdo
Para compreendermos o que de fato o programa aborda e se corrobora seus
objetivos, consideramos necessário destacar os principais conteúdos abordados, principalmente
no que diz respeito ao trabalho com alunos.
Apresentamos e discutimos no quadro teórico da presente investigação os diferentes
tipos de agressões ou outras formas de desrespeito no espaço virtual que coexistem nos dias
atuais; conhecemos as características do espaço virtual, tais como: a possibilidade de
anonimato, ausência de controle das informações pessoais, permanência do conteúdo online,
rápida propagação das publicações no meio virtual, a invisibilidade dos internautas, a presença
de uma ampla audiência, a falta de sensibilidade com o outro virtual, entre outras; bem como
conhecemos algumas características do contexto histórico em que estamos inseridos, tais como:
a liquidez das relações, a ausência de privacidade, a necessidade de exposição, a indiferença
entre o que é público e privado; e também peculiaridades dos adolescentes, grupo de sujeitos
que mais utilizam o espaço virtual nos dias de hoje, como: a impulsividade, a falta de
pensamento consequencial, dificuldade de autorregulação das emoções e ações etc.
Nesse sentido, consideramos que um bom programa de intervenção e prevenção
educativa aos problemas virtuais deve levar em conta todos esses conteúdos, propondo
trabalhos reflexivos em que estejam presentes. Acreditamos que há necessidade de refletirmos
e agirmos sobre estes aspectos que atrapalham ou prejudicam a convivência no ciberespaço,
como meio para a superação da agressão virtual.
140
Categoria 5- Atividades
Um dos elementos centrais para a análise dos programas é descrever e avaliar os
propósitos das atividades que são sugeridas. Dentro da perspectiva teórica adotada por nós para
a realização deste estudo, um programa nessa área deve visar à educação moral. Consideramos
educação moral a prática educativa dirigida à construção da autonomia por meio da apropriação
racional dos valores morais. Foram os estudos desenvolvidos essencialmente por Piaget (1930-
1998) e Kohlberg (1958) que fundamentaram teoricamente as práticas pedagógicas
apresentadas por outros autores de referência na área, como Puig (1998), voltadas para o
desenvolvimento da autonomia moral dos alunos, bem como na promoção de um ambiente
escolar democrático.
Nesse sentido, quando alegamos a importância de desenvolver atividades pautadas
na educação moral, estamos nos referindo a propostas educativas que visam à construção da
autonomia dos sujeitos e, portanto, à autorregulação de suas ações. Sim, pois, nesta concepção
teórica, a autonomia moral não é transmitida verbalmente, tampouco ensinada, mas é construída
e conquistada quando o sujeito passa a assimilar e interiorizar normas e regras, tornando-as suas
e podendo, então, autorregular suas ações. Entendemos por autorregulação um processo
contínuo e interno que ocorre quando a relação consigo mesmo é intensificada e que torna o
sujeito condutor de seus próprios atos, protagonista de suas escolhas. Nas palavras de Puig
(1998, p. 113-114), “trata-se, portanto, de que o sujeito controle sua conduta e a oriente de
acordo com seus critérios morais e propósitos, metas e interesses idealizados por si mesmo. [...]
a autorregulação é um sistema interno e autônomo de conduta moral”.
Segundo Piaget (1930-1998), o método mais efetivo para o desenvolvimento da
moralidade autônoma é o ativo, ou seja, quando o sujeito pode, de fato, agir sobre o objeto de
conhecimento. Os métodos ativos da educação moral supõem que o sujeito realize experiências
morais, desde que a escola se constitua no meio próprio para tais experiências. Eles levam em
conta a natureza da própria criança ou do adolescente e supõem sua atividade e a cooperação
no trabalho. Segundo o autor, à medida que o trabalho na escola suscita a iniciativa do
educando, ele se torna coletivo, assim como a cooperação na atividade escolar é resultado da
liberdade do trabalho em classe. Atividades em grupo, discussões coletivas, propostas
desafiadoras ou reflexivas são exemplos de práticas que podem favorecer a cooperação
(dependendo da maneira como são conduzidas), pois, quando os alunos trabalham com seus
pares, podem operar conjuntamente, trocar pontos de vista, discutir, colocar-se no lugar do
141
outro, sensibilizar-se com o outro, exercer a democracia, enfim, cooperar, no sentido
psicológico da palavra.
Os métodos verbais/transmissivos, descritos pelo autor, favorecem um modelo de
educação moral pautado na doutrinação. Trabalhar valores, nesta perspectiva, por meio de uma
postura heterônoma de transmissão de valores e imposição de regras, mais prejudicará do que
favorecerá a formação moral do aluno. Por sua vez, os métodos ativos favorecem a “construção
autônoma de valores”, ao buscar um ambiente cooperativo caracterizado pela participação
coletiva dos alunos na construção de regras de convivência e por espaços de diálogo e reflexão
sobre problemas morais e éticos que permeiam a escola e seu entorno.
Nesse sentido, é evidente que a educação moral deve ser trabalhada no ambiente
escolar como um todo, não apenas dentro do programa preventivo à agressão virtual, contudo
consideraremos favoráveis os programas que levarem em consideração tais fundamentos
construtivistas em suas propostas de atividades. Dessa forma, não legitimaremos ações pautadas
na educação doutrinadora, que, como vimos, são propostas em que os sujeitos são receptores
passivos de discursos, normas, leis e teorias, pois consideramos ações adversas ao
desenvolvimento da autorregulação moral.
Outro aspecto que estimamos é a atuação educativa por meio de sistemas de apoio
entre pares. Como vimos, Piaget aponta que apenas a autoridade adulta não é suficiente para
educar moralmente, é preciso intensificar a relação entre pares pautada no respeito mútuo e
cooperação. Partindo desse princípio, diversos estudos (AVILÉS et al., 2008, 2012, 2014;
COWIE, 2008, 2012) têm validado a importância da implantação dessas ações. Tais práticas
educativas consistem em estratégias para melhorar a convivência, visando à busca por soluções
colaborativas para a resolução de conflitos, em que os alunos podem ser protagonistas e atuar
na gestão de seus problemas de convivência, tanto presenciais quanto virtuais. É uma ação
fundamental para a escola que pretende intervir e prevenir a cyber agressão, tanto porque engaja
os alunos em propostas em que podem prestar ajuda às vítimas, quanto porque fortalece a ação
do público que assiste às agressões.
A esse respeito também nos atentaremos na análise dos programas à necessidade de
intervenção com os três personagens - autor, alvo e espectador - quando tomamos
conhecimento de situações de cyberbullying ou agressão virtual na escola, em que os
envolvidos são identificados. Como já discutimos anteriormente, consideramos imprescindível
o uso de práticas restaurativas que visem a provocar a sensibilidade moral nos autores, ao
142
acolhimento e ao fortalecimento do alvo e à indignação e instrumentalização dos espectadores
para que possam ajudar.
É de fundamental importância que os programas também proponham a educação
digital aos membros escolares. Acreditamos não ser suficiente atuar na prevenção da agressão
virtual apenas no momento em que ela já está instaurada, mas se faz necessário um trabalho
preventivo que também vise a instrumentalizar os sujeitos para utilizarem as novas tecnologias
de forma consciente, colaborativa, respeitosa, segura e benéfica. Na prática, são estratégias que
almejam a formação dos sujeitos a partir do uso da tecnologia, pois, nas palavras de Nunes
(2012), aprender a viver no mundo de hoje implica necessariamente aprender a usar as redes
sociais; e a escola, como uma das instituições responsáveis por preparar os jovens para a vida,
não pode se negar a participar desse processo de formação. É preciso que a escola desenvolva
um trabalho de base, previamente planejado e estruturado, assim como faz nas outras áreas do
conhecimento. Sim, pois desse modo, como no “mundo real”, em que os alunos precisam
aprender a participar da comunidade da sala, da série, e da escola, no “mundo virtual” precisam
aprender a lidar construtivamente com ideias, situações e práticas sociais.
O trabalho com os alunos desde cedo é primordial, contudo consideramos
significativo o envolvimento das famílias e dos educadores da escola. Como vimos, os pais e
responsáveis também não estão preparados para utilizar, tampouco educar seus filhos para o
uso positivo da internet e das redes sociais. Assim como não sabem, muitas vezes, como intervir
em situações em que os filhos participam como autores, alvos ou espectadores de agressão
virtual. Também validamos a formação e instrumentalização dos profissionais da escola, como
ação fundamental para vencer a agressão virtual e o analfabetismo digital em vigor nos dias de
hoje.
Categoria 1- Objetivos
O programa ConRed foi desenvolvido com o intuito de alentar o uso correto da
Internet e Redes Sociais. Foi financiado pelo Projeto Europeu Cyberbullying na adolescência:
investigação e intervenção em seis países europeus (Espanha, Itália, Alemanha, Grécia,
Inglaterra e Polônia) e pela Universidade de Córdoba. A equipe espanhola foi liderada pela
professora Rosário Ortega-Ruiz.
Surgiu como resultado de um trabalho do LAECOVI (Laboratorio de Estudios
Sobre Convivencia y Prevención de la Violencia) como parte do projeto europeu Daphne III
Programme 2009-2010 (To Prevent and Combat Violence Against Children, young people and
women and to protect victims and groups at risk) e tem sido desenvolvido com a intenção de
promover o uso seguro das redes sociais e prevenir o cyberbullying.
O programa tem como objetivo geral potencializar e sensibilizar a comunidade
educativa para o uso seguro, positivo e benéfico da Internet e das Redes Sociais, por meio de
um plano específico de atuação diante dos riscos provenientes desses ambientes, visando à
melhoria da competência técnica e procedimental do uso de dispositivos digitais, assim como
a alfabetização digital. Tem como prioridade a instrução e o aumento da competência de alunos,
144
professores e famílias para o uso seguro e saudável das redes sociais e da Internet. Dessa forma,
propõe a ajuda aos alunos, famílias e professores na criação de espaços de comunicação virtual
seguros, incluído o ciberespaço nas ações para a melhoria do clima escolar (CASAS, 2013, p.
53-54, tradução nossa).
Como objetivos específicos, tem-se: a importância de se conhecer os mecanismos
de segurança e de proteção das informações pessoais na Internet, a fim de evitar o seu mau uso;
aprender a usar Internet de forma segura e saudável, com plena consciência de seus potenciais
benefícios; reconhecer a incidência do cyber assédio e outros riscos virtuais na educação
secundária (Ensino Fundamental II); evitar o envolvimento dos alunos em atos de agressão,
assédio etc., seja como alvos ou autores, nas redes sociais; incentivar uma atitude de
enfrentamento por parte dos espectadores e ajuda às pessoas afetadas por condutas violentas ou
prejudiciais na Internet; descobrir qual é a percepção que os usuários têm a respeito do controle
das informações compartilhadas nas redes sociais; evitar abuso no uso das TICs e mostrar as
consequências da dependência da tecnologia (ORTEGA-RUIZ et al., 2012b p. 133).
Categoria 3- Características
Casas (2013) afirma que o programa tem como característica a promoção de uma
cultura do apoio mútuo, sensibilidade para com os mais fracos e a melhoria das relações sociais
entre alunos, famílias e professores.
O programa integra o currículo, pois faz parte de um projeto maior, do plano de
convivência escolar. Isso porque, desde de 2005, após o suicídio de um aluno alvo de bullying,
todas as escolas espanholas devem construir um Plano de Convivência como parte do currículo.
Estes planos buscam a melhoria do clima escolar e a prevenção dos problemas que mais
prejudicam a convivência entre os atores escolares: os conflitos e os fenômenos da violência,
incluindo o bullying e o cyberbullying (ORTEGA- RUIZ et al., 2012a).
Após o estudo e o desenvolvimento da proposta educativa, foi implementado em 3
escolas secundárias de Córdoba, na Espanha, pela equipe da Professora Ortega-Ruiz, ou seja,
por pesquisadores universitários. Duas das escolas selecionadas eram públicas (uma com
indicadores socioeconômicos relativamente altos e a outra nem tanto), e a terceira era uma
escola privada. Em cada escola foi organizado um encontro com a gestão e o profissional
responsável pela melhoria do clima escolar para explicar os objetivos e as condições de
implementação do programa. As escolas, então, cederam tempo e espaço para a intervenção. O
projeto teve duração de três meses durante o ano letivo de 2010-2011, em que os alunos
participaram de oito sessões realizadas durante o período das aulas.
Categoria 4- Conteúdos
De acordo com Casas (2013), os três blocos que sustentam o programa ConRed são:
1) mostrar a legalidade e as ações prejudiciais do mau comportamento no espaço virtual; 2)
conhecer a existência de determinadas ações ligadas aos riscos virtuais; e 3) expor como certas
condutas não refletem ou promovem maior aceitação em determinado grupo.
146
Ortega- Ruiz et al. (2012b, 2013) apresentam esses três blocos como conteúdos a
serem trabalhados com os alunos. O primeiro visa a analisar e a discutir as leis que regulam e
sancionam certas formas de conduta na internet e nas redes sociais, bem como as consequências
de suas transgressões. O segundo bloco ressalta a importância da crítica e da reflexão sobre o
uso compulsivo da Internet e das redes sociais, a ingenuidade de acreditar que se tem controle
total sobre a informação pessoal compartilhada em ambientes virtuais, e as consequências
negativas do mau uso da linguagem no meio virtual. Finalmente, o terceiro objetiva discutir
questões relacionadas à identidade do grupo, em que os adolescentes são envolvidos em debates
sobre os efeitos devastadores que podem ocorrer quando um indivíduo é atacado publicamente
na internet ou nas redes sociais.
Categoria 5- atividades
O programa tinha como finalidade envolver toda a comunidade educativa, e,
portanto, sessões de treinamento foram realizadas com alunos, professores e famílias dos
alunos. O trabalho realizado com cada grupo girava em torno de três eixos: 1) a Internet e as
redes sociais; 2) os benefícios do uso da Internet; e 3) os riscos e estratégias de utilização.
Apesar de o programa abarcar a comunidade escolar, o principal grupo-alvo foi o
dos alunos, que receberam oito sessões de treinamento, realizadas pelos próprios pesquisadores.
Os especialistas trabalharam em colaboração com cada equipe de planejamento do clima escolar
de cada escola por três meses. As atividades realizadas com os alunos visavam a: 1) melhorar
os hábitos de utilização das TICs, especialmente aqueles relacionados ao controle de
informações pessoais como uma forma de reduzir a vulnerabilidade na web; 2) sensibilizá-los
com relação ao tempo gasto utilizando as TICs, especialmente o tempo excessivo dedicado às
atividades na internet, bem como o risco de dependência; e 3) analisar a natureza moralmente
injusta e nociva do cyberbullying e os riscos enfrentados pelas vítimas diante da agressão
perpetrada por meio de dispositivos digitais (ORTEGA-RUIZ et al., 2012c).
Essas atividades foram aplicadas em 595 alunos (45% do sexo feminino) que
correspondiam ao grupo experimental, divididas em oito sessões realizadas durante o período
das aulas, conforme a descrição de Ortega-Ruiz et al. (2012c, p. 306, tradução nossa):
Sessão 1- O que as TICs significam para você? E para as pessoas em geral?
Sessão 2- Como você usa redes sociais?
Sessão 3- Nosso plano de ação.
Sessão 4- Como eu me sinto fazendo diversas atividades na internet?
147
Sessão 5- Como a internet pode me ajudar? Como posso ajudar os outros?
Sessão 6- O que fazemos na internet e por que isso pode ser prejudicial?
Sessão 7- As vantagens e desvantagens das redes sociais.
Sessão 8- Reflexão: Jogo de perguntas para a consolidação do conhecimento.
Essas sessões integraram três unidades:
Unidade 1- A internet e as redes sociais e a importância da privacidade e do controle
sobre o conteúdo compartilhado nesses ambientes (destaque para as consequências negativas
relacionadas à incapacidade de controlar ou estabelecer medidas de segurança nos processos de
comunicação online);
Unidade 2- Benefícios e uso da Internet e redes sociais de forma saudável e
inteligente (os alunos são ensinados a melhorar suas habilidades técnicas, para priorizar espaços
e práticas pró-sociais, e para exercer a consciência moral e a justiça, evitando o envolvimento
em situações de cyberbullying);
Unidade 3- Como lidar com os problemas que podem surgir se a Internet e as redes
sociais forem usadas de forma ingênua ou mal-intencionado (sugerem estratégias para abordar
os problemas associados com o uso inadequado e irresponsável da Internet, com especial
atenção à prevenção do cyberbullying e ao vício em internet).
As mesmas temáticas integraram duas sessões de atividades com os professores e
uma sessão com as famílias dos alunos.
O trabalho destinado aos alunos iniciou-se a partir da exploração de suas ideias e
conceitos preconcebidos a respeito das questões envolvidas. Uma foto, um vídeo, uma notícia,
ou o relato de um caso foram, então, usados por um dos especialistas para gerar uma discussão
acerca do tema. De acordo com os autores (ORTEGA-RUIZ et al., 2012c, p. 306, tradução
nossa), “o objetivo era provocar conflito cognitivo e sensibilizar os participantes para os erros
conceituais e falsas crenças”. A proposta terminou com uma atividade personalizada na internet,
em que os alunos, juntos, puderam relatar o que tinham aprendido sobre a prática na internet.
Paralelamente a essa intervenção com os estudantes, professores e famílias, o
programa ConRed também implementou uma campanha de sensibilização usando materiais
como folhetos, cartazes, adesivos, marcadores de livros etc. para apoiar e incentivar a
continuidade das medidas que estavam sendo tomadas nas escolas. Mensagens simples e
objetivas foram apresentadas, fornecendo informações sobre como utilizar a Internet e redes
sociais corretamente e como evitar os riscos que podem ser encontrados se tais recursos são
utilizados de forma inadequada.
148
Como orientações aos professores, havia as seguintes mensagens (ORTEGA- RUIZ
et al., 2012c, p. 306, tradução nossa):
1) conhecer e dominar o conteúdo das TICs, da internet e das redes sociais é um de
seus objetivos;
2) a criação de espaços para diálogo e reflexão é fundamental para trazer a escola
mais perto de estudantes, evitando aliená-los;
3) inclua o clima social virtual como parte do projeto de clima escolar, porque as
relações entre os alunos continuam nas redes sociais;
4) adapte os procedimentos de detecção e combate para os problemas emergentes,
como cyberbullying;
5) peça orientação se a nossa intervenção não está tendo o efeito desejado.
Como orientação às famílias, as mensagens eram:
1) ensine seus filhos a se movimentarem na internet da mesma forma que você os
ensinou a se moverem na rua: tomar cuidado para não esbarrar em ninguém e não deixar
ninguém esbarrar em você;
2) proteja os seus filhos de elementos nocivos na internet assim como você ensinou-
os a se protegerem contra o frio, a chuva e os perigos na rua;
3) ensine seus filhos a ter o cuidado com convites e mensagens de estranhos, pois
na internet nem todos os amigos são amigos de verdade;
4) não se esqueça das chaves; nas redes sociais as chaves são as senhas, ensine seus
filhos a usá-las de forma segura;
5) ajude o seu filho ou filha a tomar suas próprias decisões quando estão online, e
para não ser influenciado pelo que os outros fazem ou dizem.
Categoria 6- avaliação
Após a aplicação do programa nas três escolas, a proposta foi avaliada. Os
pesquisadores tinham como hipótese inicial que a implementação do programa ConRed iria
melhorar e reduzir problemas como cyberbullying, o vício em internet e percepções errôneas
quanto ao controle sobre as informações pessoais nas redes sociais. Ortega-Ruiz et al. (2012b,
p. 133) apresentam o estudo como quase-experimental, em que dois grupos foram criados, um
que recebeu a intervenção (grupo experimental) e outro que não recebeu (grupo controle).
Houve duas fases de coleta de dados, uma antes e outra após a intervenção, nos dois grupos,
dos quais um era um grupo quase-controle.
149
Com relação aos instrumentos utilizados para medir a eficácia do programa, em um
dos artigos selecionados por nós (ORTEGA-RUIZ et al., 2012b, p. 134) foram apresentados a
princípio três instrumentos envolvendo especificamente o meio virtual: um referente ao
cyberbullying, outro para medir o vício na Internet e outro relacionado à percepção do controle
sobre a informação. São esses:
European Cyberbullying Questionnaire, criado pelos próprios autores em 2011,
composto por 24 itens e do tipo Likert com cinco opções de frequência que variam de nunca a
várias vezes por semana e cuja consistência interna é adequada: α Total = 0,87, vítimização =
0,80 e α agressão = 0,88. Esse questionário tem duas dimensões, uma que abrange a vitimização
cibernética e a outra, a agressão.
Perceived Information Control, de autoria de Dinev, Xu e Smith (2009), tipo Likert
de 4 itens da escala com sete opções de resposta que reflete o grau de concordância (desde nada
a concordo muito) e um bom nível de consistência interna: α = 0,896.
Cuestionario de Experiencias relacionadas con Internet (CERI), que foi adaptado
de outro questionário desenvolvido por Beranuy e colegas em 2009. Contém 10 itens do tipo
Likert com quatro opções (nada, pouco, algo e muito), cuja consistência interna também é
aceitável: α = total de 0,781, α = 0,719 intrapessoal e interpessoal α = 0,631.
Casas (2013, p. 81) acrescenta que este questionário possui duas partes: a primeira,
referente aos conflitos intrapessoais, abrangendo aspectos relacionados ao abuso ou ao vício na
Internet; a segunda parte, que se refere aos conflitos interpessoais, abrangendo elementos
advindos das relações interpessoais virtuais. A seguir, apresentamos os itens que compõem o
CERI (tradução nossa):
Parte 1: conflitos intrapessoais
Item 1. Quando você tem problemas, conectar-se à Internet o ajuda a ficar longe
deles?
Item 2. Com que frequência você antecipa sua próxima conexão na internet?
Item 3. Você acha que a vida sem a Internet é chata, vazia e triste?
Item 4. Você fica com raiva ou irritado quando alguém lhe incomoda quando você
está conectado?
Item 5. Ao navegar na Internet, o tempo passa sem que você perceba?
Item 6: Você acha que é mais fácil ou confortável se relacionar com as pessoas
através da Internet do que pessoalmente?
Parte 2: conflitos interpessoais
150
Item 7. Quantas vezes você fez novos amigos na internet?
Item 8. Quantas vezes você deixa de fazer o que está fazendo para ficar mais tempo
conectado à rede?
Item 9. Você acha que o seu desempenho acadêmico ou profissional foi afetado
negativamente devido à utilização da Internet?
Item 10. Quando você não está online, se sente nervoso ou preocupado?
Além disso, nos outros dois trabalhos selecionados por nós (ORTEGA-RUIZ et al.,
2012c, p. 307; CASAS, 2013, p. 81), os autores apresentaram outros três instrumentos que
também utilizaram para avaliar o ConRed. Esclarecem que o programa foi avaliado por meio
de uma análise mais completa, abrangendo todas as variáveis envolvidas no programa, tais
como a empatia, o cyberbullying, o assédio moral, a percepção da segurança na escola, controle
da informação e vício em internet. Dessa forma, esses são os instrumentos utilizados para tais
medidas:
• The European Bullying Intervention Project Questionnaire (ECIPQ), de autoria
de Brighi e colegas (2012), que contém quatorze itens, também do tipo Likert com cinco opções
de resposta para frequência, variando de "nunca" a "sim, mais de uma vez por semana”. Este
questionário tem duas escalas, uma, referente à vitimização, e outra, à agressão. Os níveis de
confiabilidade são aceitáveis (α Total = 0,82; α Vitimização = 0,85; α Agressão = 0,77). Este
instrumento e o European Cyberbullying Questionnaire foram validados em seis países
europeus (Espanha, Polónia, Itália, Alemanha, Reino Unido e Grécia) para a sua utilização na
avaliação do impacto dos programas implementados contra o bullying e o cyberbullying.
• The Basic Empathy Scale, de autoria de Jolliffe e Farrington, de 2006, que
compreende vinte itens, do tipo Likert com cinco opções de resposta refletindo o nível de
concordância. Este questionário tem duas dimensões, a empatia cognitiva e a empatia afetiva,
com níveis de confiabilidade aceitáveis (α total = 0,70; α cognitiva = 0,79; α afetiva = 0,85).
• The School Climate Scale, de autoria de Brand e colegas, de 2003, em que foram
utilizados apenas os itens relacionados aos problemas de segurança. Também é do tipo Likert
com cinco opções de resposta (6 itens, α = 0,71).
Nas palavras de Casas (2013), o objetivo da aplicação desses instrumentos era
verificar se o programa cumpriu os seus objetivos no que diz respeito à melhoria da capacidade
de percepção acerca do controle das informações no meio virtual; redução do tempo de uso de
dispositivos digitais; e redução do envolvimento em cyberbullying, bem como avaliar o efeito
dessas mudanças no mundo virtual como um aspecto real da segurança percebida na escola.
151
Os resultados refletiram mudanças positivas no que diz respeito aos três objetivos
principais da proposta: reduzir o envolvimento dos alunos em casos de cyberbullying; reduzir
o uso excessivo de Internet e o risco de dependência; e alterar a percepção de controle que
tinham sobre as informações pessoais compartilhadas nas redes sociais. Este último resultado
sugere uma maior consciência da própria falta de informação sobre como controlar os próprios
dados, a vulnerabilidade, bem como a utilidade de dominar as estratégias de segurança para
aumentar o controle e garantir a privacidade da informação pessoal no ciberespaço.
Ortega-Ruiz (2012b) afirmam que o grupo experimental obteve melhores resultados
após a implementação do programa se comparado ao grupo controle, no qual alguns tipos de
conduta, como, por exemplo, o controle sobre as informações pessoais, até aumentou. Tal fato
parece comprovar a hipótese inicial de que a execução do programa ConRed levaria à redução
de certos comportamentos indesejáveis do adolescente.
Contudo, diferenças com relação ao gênero foram observadas pelos pesquisadores.
Ortega-Ruiz (2012c) afirmam que, em relação ao segundo objetivo, o de promover um
comportamento online mais saudável, entre os meninos houve uma redução significativa da
necessidade de interagir virtualmente com os outros nas redes sociais (dependência
interpessoal). No entanto, considerando que as meninas mantêm níveis mais elevados de
frequência de comunicação com os outros no ciberespaço, esse tipo de comportamento não foi
significativamente modificado após a implantação do programa.
Ainda a respeito das divergências com relação ao gênero, os autores revelam que,
entre os meninos envolvidos em casos de bullying, houve redução tanto de autores quanto dos
alvos; porém, com relação às meninas, não houve redução de autoras de bullying. Por outro
lado, a empatia afetiva aumentou significativamente entre as meninas, e não entre os meninos.
Outro dado importante foi que, após a aplicação do programa, os meninos passaram a se sentir
mais seguros na escola; as meninas, não.
Com relação ao envolvimento em situações de cyberbullying, houve redução dos
índices entre todos os alunos que participaram diretamente do programa (ORTEGA-RUIZ,
2012b; 2012c). Os níveis de envolvimento tanto como alvo, quanto como autor, diminuíram e
os autores consideram esse dado como o grande sucesso do programa, pois prova que o ConRed
alcançou com êxito seu principal objetivo. Atribuem o fato à formação dos alunos e à
sensibilização deles no que diz respeito às implicações morais, decorrentes da publicação de
conteúdo agressivo ou ofensivo, para a vida social dos outros, bem como os danos que podem
152
causar por meio da manipulação de conteúdo, linguagem ofensiva, exclusão social, ameaças, e
outras situações no meio online.
Vale ressaltar que Casas (2013) esclarece que o bullying, seja tradicional ou
perpetrado utilizando dispositivos digitais, é fortemente influenciado por fatores pessoais
(empatia) e contextuais (clima escolar), por isso supõe que os programas educativos que visam
a prevenir o bullying também podem desempenhar um papel importante na prevenção do
cyberbullying, uma vez que esses fatores estão estreitamente interligados em ambos os tipos de
fenômenos. Isso não significa que não há necessidade de conceber, implementar e avaliar
programas específicos destinados a prevenir o cyberbullying, apenas indica que o efeito
positivo das medidas que se revelaram eficazes na prevenção e redução do fenômeno.
Os autores também afirmam que a formação de professores e pais para monitorar e
orientar o comportamento dos jovens reduz a incidência das condutas de risco, induz a tomada
de medidas cautelares, e incentiva ações de proteção das atividades realizadas na Internet. Para
Ortega-Ruiz et al. (2012c):
Embora a avaliação do ConRed tenha sido positiva com relação aos objetivos
propostos, os autores ressaltam algumas limitações. Esclarecem que o programa foi
implementado pelos próprios pesquisadores, foram eles que trabalharam diretamente com
estudantes, professores, e famílias, contudo afirmam que é necessário que essa responsabilidade
seja transferida para os membros da comunidade escolar. Outra limitação considerada
importante pelos pesquisadores foi que os grupos, experimental e controle, eram compostos por
alunos das mesmas escolas e, como consequência, havia o risco de “contaminação” da amostra.
Além disso, esclarecem que seria essencial realizar uma avaliação do impacto do programa
após um certo período de tempo, a fim de verificar se os efeitos positivos do ConRed são de
longa duração, mesmo quando não há intervenção ou até se os benefícios desaparecem
gradualmente. Seria significativo também confirmar se esses efeitos positivos permanecem
quando o programa é executado pelos próprios professores.
Apesar dessas limitações, os autores concluem que é necessária a implantação do
programa mesmo com intervenções de curto prazo voltadas às relações interpessoais em
ambientes virtuais, pois reiteram a necessidade de favorecer o uso consciente das redes sociais,
153
de reduzir a lacuna geracional existente entre nativos e imigrantes digitais e mitigar os
problemas decorrentes do uso indevido da Internet por parte dos adolescentes. Ortega-Ruiz et
al. (2012b) lembram-nos o quão é importante que a prevenção dos riscos da Internet e das redes
sociais façam parte do currículo escolar. Consideram como parte da tarefa educativa, isto é,
como parte do processo de ensino-aprendizagem e afirmam que é preciso formar os professores
neste campo a fim de reduzir a distância que os separa dos alunos, nativos digitais. Da mesma
forma, as famílias devem compreender o contexto em que os seus filhos estão inseridos, para
poder monitorá-los e oferecer o seu apoio. Em suma, o ConRed tem mostrado que trabalhar
com toda a comunidade educativa e em colaboração com ela é possível melhorar a qualidade
de vida virtual e, portanto, dos adolescentes reais.
Por fim, os autores alertam que o apoio das autoridades educacionais é fundamental
para a conscientização da comunidade educativa. Ressaltam a importância da realização de
campanhas de sensibilização e reiteram que o foco da ação deve ser a formação de professores
e seu senso de responsabilidade. Recomendam, também, o desenvolvimento de leis
educacionais voltadas ao direcionamento do programa e afirmam que o programa precisa de
apoio financeiro para ser implementado.
Análise do programa
O programa Conred tem como propósito melhorar os sistemas relacionais da
convivência escolar tanto direta, quanto virtual. Concordamos com os autores Ortega-Ruiz et
al. (2013), que afirmam haver a necessidade de compreendermos a entrada das redes sociais
nas escolas como mais um local de convivência entre os atores escolares, alunos, professores e
famílias, convertendo-se no que denominam de ciberconvivência. Eles apontam que o trabalho
com a convivência na Espanha conta com programas antecedentes avaliados empiricamente, e
que são construídos com base nos seguintes pilares para formar futuros cidadãos: a gestão
democrática, o fomento de uma concepção cooperativa do processo de ensino-aprendizagem e
o trabalho com as emoções, os sentimentos e os valores como parte do processo educativo. São
aspectos que também consideramos imprescindíveis para a promoção da convivência positiva
nos ambientes educativos brasileiros, bem como para embasar ações de um programa voltado
à prevenção da agressão virtual.
Dessa forma, avaliamos como positivo o fato de o programa ser parte de um plano
maior que visa à convivência na escola. Concordamos que um trabalho preventivo à agressão
virtual não é eficaz se for uma iniciativa isolada, ou um trabalho pontual de um professor, mas,
154
sim, uma das ações que essa instituição pode empregar para prevenir esses e tantos outros
problemas de convivência.
Também consideramos aspectos positivos do ConRed o fato de envolver tanto as
famílias dos alunos quanto os outros profissionais da escola; bem como o trabalho que é
realizado com os estudantes visando à discussão sobre a ausência de controle sobre a
informação pessoal compartilhada em ambientes virtuais, as consequências negativas do mau
uso da linguagem no meio virtual, os efeitos devastadores que podem ocorrer quando alguém é
atacado publicamente no ciberespaço. Ademais, as atividades propostas abordam temas
importantes, como a privacidade e o controle sobre o conteúdo compartilhado nesses ambientes,
os benefícios e uso da Internet e redes sociais de forma segura e positiva, a aprendizagem de
habilidades técnicas no ambiente virtual e as estratégias que podem ser utilizadas para lidar com
os problemas virtuais.
Como aspectos negativos, destacamos a ausência de discussão sobre os diferentes
tipos de agressão virtual, bem como a falta de um trabalho envolvendo estratégias em que os
alunos podem ser protagonistas de ações preventivas, como os sistemas de apoio entre pares,
por exemplo. O fato de serem pesquisadores da universidade que aplicam o programa e se
ausentam após a avaliação, sem que os profissionais da escola recebam formação para dar
continuidade ao projeto, também foi considerado por nós uma lacuna. Contudo, o fato que mais
nos chamou a atenção foi o embasamento teórico do programa.
Não conhecemos a fundo as premissas e os principais autores da teoria do
comportamento social normativo, no entanto podemos comparar as ações do programa pautadas
nessa teoria com as contribuições da psicologia moral. Se tomarmos como referência os estudos
de Kohlberg, podemos inferir que algumas propostas do programa condizem com um raciocínio
de nível intermediário do desenvolvimento moral, que o autor chamou de nível convencional.
Expliquemos.
Como já apontamos anteriormente, o autor definiu três níveis de raciocínio moral,
em que cada um possui dois estágios. O pré-convencional, composto pelos estágios: 1.
Obediência e punição, em que as justificativas para agir ou não moralmente dependem de uma
possível punição ou recompensa; 2. Hedonismo instrumental relativista, em que a ação moral é
relativa, uma vez que depende dos possíveis benefícios alcançados pelo sujeito, o qual visa a
satisfazer suas necessidades (hedonismo). O convencional, composto pelo estágio 3.
Moralidade do bom garoto, de aprovação social e relações interpessoais, em que a ação moral
depende do olhar do outro, ou seja, o sujeito considera moralmente certo o que traz uma
155
aprovação do grupo em que está inserido; e o estágio 4- Orientação para a lei e a ordem, em
que há uma grande preocupação e respeito pela lei, pela autoridade e pela manutenção de uma
ordem social. Já o nível pós-convencional abarca os estágios 5. A orientação para o contrato
social, em que não uma obediência cega pela lei, assim como no estágio anterior, e, sim, a
percepção de que as leis ou costumes morais podem ser injustos e devem ser mudados quando
necessário; e o estágio 6. Princípios universais de consciência, em que, quando não há
possibilidade de leis injustas serem modificadas, o sujeito não cede a elas porque age de acordo
com seus próprios princípios morais.
Os autores do Conred trazem informações de que a linha teórica que sustenta o
programa defende a ideia de que o comportamento humano é fortemente influenciado pelas
convenções sociais ou com o que percebe como socialmente aceitável, normal ou legalmente
justificável. Ou seja, apresenta elementos relacionados tanto ao estágio 3, uma vez que colocam
a ideia de que o sujeito age dependendo das ações que os outros membros do grupo apresentam,
quanto do estágio 4, uma vez que afirmam que o sujeito concebe como correto aquilo que é
legitimado pela lei ou pela ordem social. Podemos inferir que ambas ações conservam
elementos do nível convencional de Kohlberg e sinais de heteronomia moral, uma vez que as
ações dos sujeitos permanecem pautadas em convenções sociais e não embasadas em princípios
morais internos.
Ademais os autores também nos dão indícios da presença de outros mecanismos de
controle externo, quando avaliamos um dos conteúdos do programa. Uma das propostas tem
como finalidade que os alunos conheçam as leis e as possíveis sanções para aqueles que as
descumprirem. Como vimos anteriormente, esse tipo de prática também é favorável à
manutenção da heteronomia moral dos sujeitos, uma vez que ele pode agir corretamente movido
por fatores exteriores a ele, nesse caso a legislação ou medo da punição. Ou seja, sua ação é
motivada por circunstâncias alheias e tende a desaparecer ou se modificar quando os fatores
externos também se modificam.
Não discordamos da importância das leis criadas para abarcar os problemas virtuais,
mas consideramos ineficaz, do ponto de vista da educação moral, uma proposta em que os
alunos aprendam os códigos legais e suas sanções. Primeiro porque podemos inferir que,
mesmo que saibam as leis, isso não é suficiente para que ajam com respeito ao outro no âmbito
virtual; ou, ainda, pode ser que o façam apenas por medo de serem punidos. Concordamos com
os autores que os adolescentes, muitas vezes, podem não perceber os problemas de âmbito
virtual e suas consequências como graves, mas porque não encontram espaços sistematizados
156
para discutir tais questões, e não porque não conhecem as leis ou não sabem as regras. Ter
contato com o código penal, além de não garantir que ajam moralmente, também não é
considerado por nós o caminho mais acertado para tal fim. E, sim, educar para o uso consciente
da tecnologia, refletir sobre as suas ações e consequências no espaço virtual, sensibilizar-se
com aquele que é vítima; essas são, por exemplo, estratégias que consideramos mais coerentes
para garantir a regulação das ações dos sujeitos no ciberespaço. Até porque, com a velocidade
das mudanças que estão ocorrendo no ciberespaço, as leis se tornam rapidamente obsoletas –
daí a necessidade de pautar as ações neste espaço por princípios.
Com relação à avaliação do ConRed, os autores julgaram os resultados do programa
como positivos e nós não temos parâmetros para questioná-los, uma vez que não tivemos acesso
aos instrumentos utilizados. Eles afirmam que o instrumento foi suficiente para medir e inferir
a redução do envolvimento dos alunos em casos de cyberbullying; a redução do uso excessivo
de Internet e o risco de dependência; e alteração da percepção de controle que tinham sobre as
informações pessoais compartilhadas nas redes sociais. No entanto, podemos questionar o fato
de encontrarem redução do envolvimento dos alunos em casos de cyberbullying. Se levarmos
em consideração a presença da discussão das leis como um tipo de estratégia de controle dos
alunos, podemos inferir que os índices de casos de cyberbullying talvez tenham diminuído mais
porque foram motivados pelo medo da punição, do que pela conscientização ou autorregulação
das ações no meio virtual.
Em síntese, o programa apresentou aspectos considerados por nós extremante
relevantes, como, por exemplo, o fato de ser parte de um plano de convivência escolar, bem
como o trabalho com alguns conteúdos importantes, como: a necessidade de garantir a
intimidade e privacidade no ambiente virtual e os possíveis benefícios do uso da Internet como
estratégias para garantir a segurança nesse espaço e prevenir o cyberbullying. No entanto,
questionamos algumas ações baseadas na teoria do comportamento social normativo, já que há
o indicativo de que os sujeitos podem agir corretamente motivados pelas ações das outras
pessoas do grupo social em que está inserido. Entendemos que essas ações podem se modificar
dependendo do contexto e das pessoas com as quais o sujeito se relaciona, o que significa que
não há autorregulação moral de suas ações.
Específicas:
Discussões e reflexões com alvos e autores, bem como com
colegas pró-sociais escolhidos, que são convidados a
apoiar o colega vitimado.
Categoria 1- Objetivos
De acordo com Salmivalli et al. (2011), na Finlândia, desde 1999, com a Lei
Finlandesa da Educação Básica do Estados, todos os alunos têm direito a um ambiente escolar
seguro, onde os profissionais em educação são responsáveis por garantir que os alunos não
experimentem atos de violência ou intimidação durante o período em que estão na escola. Em
2003, a lei foi reformulada e descrevia que o provedor de ensino devia elaborar um plano, em
conexão com o currículo, para salvaguardar os alunos contra a violência, intimidação e assédio,
e era também sua função executar o plano e supervisionar a aderência a ele. Em 2006, o Ministro
da Educação identificou bullying escolar como um tópico que precisava de atenção, e fez um
158
contrato com a Universidade de Turku, visando ao desenvolvimento e à avaliação de um
programa antibullying, que deveria ser implementado e abranger amplamente as escolas
finlandesas.
O programa Kiva foi desenvolvido, então, com esse objetivo por pesquisadores da
Universidade de Turku, com a colaboração do Department of Psychology e do Centre for
Learning Research. O projeto foi coliderado pelas pesquisadoras Christina Salmivalli e Elisa
Poskiparta, e a avaliação inicial do Kiva é o tema de doutorado do pesquisador Antti Karna.
A implementação do programa teve um forte apoio, tanto do Ministério da
Educação quanto do Conselho Nacional de Educação da Finlândia (FNBE). Essa organização
é a agência responsável pelo desenvolvimento da educação na pais, que determina os objetivos
fundamentais, conteúdos e orientações para o ensino na Finlândia. Os professores elaboram os
currículos com base nesses documentos nacionais e, durante todo o desenvolvimento do Kiva,
havia um representante do FNBE (2011. p. 35).
Categoria 3- Características
Salmivalli e colegas apresentam dois currículos do Kiva, um do ensino primário
(Graus 4-6) e outro do ensino secundário (graus 7-9). O primeiro inclui 20 horas de atividades
em sala de aula realizadas pelos professores durante um ano escolar (duas aulas de 1 hora/aula
por mês). Os professores recebem slides de apresentação que lhes guiam em cada módulo. O
segundo difere do currículo do ensino primário com relação à frequência das atividades. Em
vez de aulas mensais, as atividades de sala de aula do ensino secundário são baseadas em quatro
temas sucessivos que são entregues quatro vezes durante o ano letivo. Estes temas são
159
semelhantes aos propostos para o currículo elementar e têm como objetivo a conscientização
sobre a influência do grupo à manutenção do bullying, a empatia entre os envolvidos, e
estratégias eficazes para intervir em situações dessa natureza.
Além disso, os autores afirmam que o Kiva diferencia-se de outros programas
principalmente com relação à sua estrutura e conteúdos trabalhados nos cursos de formação de
professores. Em vez de oferecer princípios ou filosofias norteadoras, o programa explica as
dinâmicas sociais complexas de bullying, destacando os papéis comumente encontrados entre
os envolvidos e define claramente o bullying, incluindo cyberbullying, objetivando diferenciá-
los de outras formas de comportamento agressivo. A formação de professores e o guia
formativo que recebem fornecem instruções passo-a-passo para as aulas, para que as ações dos
professores sejam consistentes, o que, segundo os pesquisadores, melhora a qualidade da
execução e fidelidade ao programa.
O Kiva também inclui um guia de pais que contém informações comuns sobre o
bullying e cyberbullying; não contém orientações específicas para lidar com o cyberbullying,
mas, sim, conselhos gerais para os pais sobre como trabalhar em parceria com a escola e como
ajudar seus filhos.
Categoria 4- Conteúdos
Com relação ao cyberbullying especificamente, os autores afirmam que, embora
distinto do bullying tradicional, muitas vezes também há presença de testemunhas ou
espectadores, e que nem sempre serão sujeitos conhecidos pelo agressor ou pela vítima. No
entanto, esclarecem, ainda, que nem todos os membros da rede social de uma criança sejam os
pares da mesma sala de aula, classe, ou na escola, uma parte das interações sociais dos alunos
no ciberespaço são com esses colegas conhecidos. Dessa forma, sugerem que as propostas
voltadas a promover a mudança de comportamento do espectador trabalhadas em sala de aula
podem se generalizar para os contextos fora da sala de aula, como no meio virtual, por exemplo
(SALMIVALLI et al., 2013).
Sabendo disso, os autores incluíram nas aulas algumas propostas que abordam o
cyberbullying. Os principais conteúdos abordados são: a necessidade do respeito e o
comportamento adequado no ciberespaço, as estratégias de enfrentamento às situações de
cyberbullying, a conscientização do papel que o grupo desempenha na manutenção do
problema; e a empatia.
160
No intervalo entre as aulas, os alunos podem acessar o ambiente virtual de
aprendizagem e participar de um jogo de computador que reforça o conteúdo trabalhado em
sala de aula, além de poder praticar/treinar novas habilidades de defesa no ambiente virtual
(2013, p. 822).
Categoria 5- Atividades
O programa inclui tanto as ações universais (com todos) quanto intervenções
específicas (apenas com os envolvidos). As universais consistem em aulas para os estudantes
do ensino primário (Fundamental I) e apresentação de temas para os estudantes do ensino
secundário (Fundamental II). Há um jogo de computador antibullying para os alunos do
primário e um fórum na Internet, '' Kiva Street '', para os do secundário.
Tais propostas voltadas aos estudantes incluem a discussão de casos ou filmes, em
duplas e grupos pequenos. Os tópicos abarcam uma variedade de questões relacionadas à
interação do grupo, pressão do grupo, mecanismos e consequências do bullying, as diferentes
facetas do fenômeno, e, especialmente, ações que os estudantes podem fazer em conjunto, a fim
de combater o problema e apoiar os colegas vitimados. O ambiente virtual de aprendizagem
está estreitamente relacionado com os temas das aulas e tem o objetivo de motivar os alunos e
melhorar a aprendizagem durante o processo.
Além disso, as ações universais incluem também um guia para os pais, bem como
a inserção de emblemas, a divulgação de cartazes e o uso de coletes de alta visibilidade para os
professores que supervisionam a hora do recreio, denominados de Kiva Watchers, lembrando
os alunos e os funcionários da escola do programa Kiva e de que sua tarefa é ser responsável
pela segurança de todos. Há também um endereço de e-mail para que as vítimas e espectadores
possam denunciar algum caso que ainda não é de conhecimento da instituição educativa.
As intervenções específicas envolvem discussões e reflexões com alvos e autores,
bem como com colegas pró-sociais escolhidos, que são desafiados a apoiar o colega vitimado.
Em cada escola, há uma equipe Kiva, composta por três adultos que atuam logo que têm
conhecimento de um caso de bullying ou cyberbullying. Primeiramente, investigam para saber
se a agressão é pontual ou sistemática e, depois, realizam discussões com os autores e alvos.
Ao mesmo tempo, o professor de sala de aula organiza uma reunião separadamente com os
espectadores pró-sociais, possíveis apoiadores da vítima.
Com relação às intervenções específicas aos incidentes de cyberbullying, há
também a intercessão dos adultos, bem como o apoio dos pares ao estudante vitimado. Nesses
161
casos, assim como nos casos de bullying no meio físico, os membros da equipe Kiva (três
funcionários da escola) também realizam discussões individuais e em grupo com o autor e a
vítima, enquanto que o professor de sala de aula atua com os possíveis apoiadores da vítima,
desafiando-os a pensar sobre como eles poderiam apoiar o colega intimidado em uma próxima
situação.
24
Interpretamos que há diferença conceitual entre os termos cyberbullying e cybervitimização para os autores. O
primeiro termo é designado para denominar o autor da agressão virtual e o segundo é utilizado para denominar as
vítimas de agressão virtual. Esses termos foram assim utilizados baseados nessa interpretação durante toda a
descrição do programa Kiva.
162
relacionadas à idade na prevalência de cyberbullying (HINDUJA; PATCHIN 2006), enquanto
outros ainda indicam que o pico de cyberbullying ocorre no ensino secundário, diminuindo com
a idade (WILLIAMS; GUERRA, 2007 apud SALMIVALLI et al., 2013).
O estudo publicado por Salmivelli e colegas em 2013 tinha como objetivo avaliar
se um programa de prevenção ao bullying nas escolas pode impactar em comportamentos
cibernéticos. Três questões nortearam a pesquisa:
Em que medida o cyberbullying e a cybervitimização incide na sala de aula?
Será que Kiva tem efeito na incidência de cyberbullying e cybervitimização entre
os participantes da intervenção, em comparação com os alunos do grupo controle?
Gênero e idade dos estudantes interfere nos efeitos da intervenção?
Os dados utilizados neste estudo foram coletados durante um grande projeto piloto
do Kiva, na Finlândia, entre 2007 e 2009. A amostra consistiu de alunos do quarto, quinto,
sexto, sétimo, oitavo, e nono graus, representando todas as cinco províncias na Finlândia. Um
total de 275 escolas, inicialmente, voluntariaram-se para o estudo após terem sido contatadas
por carta, no outono de 2006. Destas, 78 escolas foram aleatoriamente selecionadas para a
intervenção ou para o grupo controle; 39 escolas foram aleatoriamente designadas para o grupo
controle, e 25 foram aleatoriamente designados para receberem a intervenção. Oito escolas da
quarta a sexta séries e mais cinco escolas da sétima a nona séries desistiram.
A amostra final contou com 18.412 estudantes, sendo que 9.914 participaram do
grupo experimental e 8.498 do grupo controle. No grupo experimental, 50,9% da amostra eram
do sexo feminino, a idade média dos participantes era de 12,91 anos, e 89,0% falavam finlandês
como língua principal. No grupo controle, 48,4% da amostra eram do gênero feminino, a idade
média dos participantes era 12,75 anos e 88,2% falavam finlandês como língua principal. Não
houve diferenças significativas com relação às características demográficas.
Os dados foram coletados três vezes durante a pesquisa. Os primeiros em maio de
2007 (4-6 graus) e maio de 2008 (7-9 graus), depois em dezembro de 2007 e janeiro de 2008,
e, após um ano da implementação do programa, foram coletados novamente em maio de 2008
e 2009. As informações e os autorrelatos foram coletados por meio de um instrumento online
aplicado no laboratório de informática da escola. Duas semanas antes da coleta de dados, os
professores receberam instruções sobre os procedimentos de coleta.
Cada aluno recebeu um ID de usuário e senha exclusivos para acessar o instrumento
online. Os instrumentos foram aplicados durante o horário regular da escola. Antes de responder
as perguntas da pesquisa, a definição de bullying, conforme definido por Olweus (1996), foi
163
esclarecida, e os estudantes foram incentivados a tirarem suas dúvidas; e a definição de bullying
também se manteve na tela do computador durante todo o procedimento.
O instrumento utilizado foi uma versão modificada do OBVQ, de autoria de Olweus
(1996). Dois itens do questionário relacionados ao cyber bully e cyber vítima foram avaliados.
Esses itens avaliam a frequência de vitimização a partir do item “Eu já fui intimidado por meio
do celular ou através dos recursos de internet: recebi mensagens, ligações ou fotos ofensivas”
e da agressão “eu já intimidei alguém por meio do celular ou internet: enviei mensagens,
ligações, ou fotos ofensivas”. Todos os itens de frequência no OBVQ são classificados numa
escala Likert de 5 pontos. Variando entre 0 (nenhuma), 1 (uma vez ou duas vezes), 2 (duas ou
três vezes por mês), 3 (todas as semanas) e 4 (várias vezes por semana). Os dados foram
medidos por meio da análise de regressão ordinal multinível.
Gênero, idade, e tratamento dado aos estudantes foram incluídos na pesquisa. O
programa Kiva foi considerado uma variável do nível da classe, o que é considerado importante
pelos pesquisados, uma vez que os professores são responsáveis por uma parcela substancial da
execução do programa. A língua de ensino foi incluída como variável de controle, porque um
número reduzido de escolas que usam o sueco como língua de ensino foi localizado na amostra.
O estudo realizado por Salmivalli e colegas (2013) teve três objetivos principais: 1)
avaliar o quanto a intervenção do Kiva com os alunos do grupo experimental evidenciou a
redução significativa na frequência de cyberbullying e cybervitimização, em comparação com
estudantes em uma condição de controle; 2) examinar se houve diferenças do efeito de Kiva
(cyberbullying e cybervitimização) com relação à idade ou ao gênero; 3) averiguar se
cyberbullying e cybervitimização poderiam ser considerados fenômenos que incidem na sala
de aula.
Os pesquisadores especulam que pode haver necessidade de desenvolver novas
ações interventivas ou modificar programas antibullying existentes para abordar
especificamente o cyberbullying. No entanto, constaram em relatórios anteriores efeitos
positivos da KIVA sobre cybervitimizaçao (SALMIVALLI et al.,2011) para o ensino primário
e neste, mais recente, afirmam que os resultados sugerem que o efeito do KIVA sobre
cybervitimização estende-se a alunos do ensino secundário. Além disso, fornece evidências de
que o programa tem um efeito único sobre a cybervitimização se comparado com a intimidação
no bullying presencial. Ademais, a probabilidade de cybervitimização entre os alunos do grupo
controle foi 29% maior do que para os alunos do grupo experimental.
164
No entanto, o efeito sobre o cyber agressor está condicionado à idade. As
frequências mais elevadas de agressão no meio virtual no pós-teste foram significativamente
maiores para os alunos do grupo controle em comparação com estudantes do grupo
experimental quando a idade dos alunos estava abaixo da média da amostra. Isso significa que,
para estudantes com cerca de 12,87 anos de idade, o efeito de da intervenção não foi
significativo.
Embora Kiva tenha impactos positivos sobre cyber vítima e cyber agressor
(condicional a idade), os pesquisadores sugerem que as intervenções antibullying nas escolas,
como Kiva, precisam incorporar ações adicionais voltadas especificamente para a redução de
cyberbullying. Por exemplo, a participação dos pais pode ser crucial na prevenção de
cyberbullying, uma vez que experiências com manifestações agressivas podem ocorrer em casa
(HINDUJA; PATCHIN, 2008; YBARRA; MITCHELL, 2004). Nas palavras dos autores da
pesquisa (SALMIVALLI et al., 2013, p. 829, tradução nossa), “reforçar as ações do programa
destinadas a melhorar o conhecimento dos pais e monitoramento das atividades online de seus
filhos pode ser uma estratégia particularmente importante para a prevenção de cyberbullying”.
Além disso, intervenções específicas com o agressor poderiam resultar em maiores
impactos do programa sobre o cyberbullying. Afirmam que, por exemplo, ações como incluir
instruções para os alunos sobre o uso adequado das TICs, formar professores para que possam
reconhecer e lidar com incidentes de cyberbullying, e implantar políticas antibullying explícitas
para cyberbullying seriam positivas no combate ao problema.
Porém, apesar da necessidade de incluir estes aspectos exclusivos voltados ao
fenômeno cyberbullying, os autores concluem que o Kiva é eficaz tanto para a intervenção com
os envolvidos em bullying presencial quanto virtual. Acreditam que isso se deve ao fato de o
programa incluir diversas atividades que visam à atuação contra o cyberbullying diretamente,
tais como: as atividades em sala de aula que descrevem as agressões que ocorrem por meio das
TICs, a discussão sobre a necessidade do respeito e o comportamento adequado na comunicação
virtual e a sugestão de estratégias específicas para os alunos enfrentarem situações de
cyberbullying. O jogo de computador também inclui algumas atividades que envolvem o
bullying virtual. É possível também, na visão dos autores, que as ações indicadas do Kiva
projetadas especificamente para lidar com incidentes de bullying, incluindo o cyberbullying,
podem ter aumentado a conscientização dos professores e o monitoramento de comportamentos
cibernéticos de seus alunos.
165
Além disso, o Kiva tem como princípio favorecer a empatia entre os pares, bem
como ajudar os alunos a construírem crenças de autoeficácia25 para agirem contra situações de
bullying. Nas palavras de Salmivalli e Voeten (2004), embora tais atitudes antibullying sejam
mais comuns do que o apoio às agressões, os estudantes raramente expressam essas crenças
publicamente. A proposta do Kiva é ir além de simplesmente ressaltar o papel de espectadores,
incluindo estratégias específicas destinadas a favorecer a empatia e a autoeficácia dos pares
para apoiar os colegas vitimados.
No entanto, a questão que os autores colocam é se o espectador olha de forma
diferente um incidente de bullying virtual em comparação com um incidente de bullying
tradicional. Alguns incidentes de cyberbullying ocorrem fora da escola e o papel de
espectadores na mitigação dos comportamentos cyberbullying de pares é pouco claro. No
entanto, afirmam que os membros da rede online de um aluno possivelmente incluem colegas
de classe, e, dessa forma, as intervenções que visam a refletir sobre o comportamento do
espectador na sala de aula, em casos de bullying, poderiam generalizar a contextos sociais
online. Os resultados encontrados sugerem que, em parte, as intervenções realizadas na sala de
aula podem ter um efeito sobre o comportamento do espectador de bullying no meio virtual
quando os membros desses contextos são colegas de classe, o que, para os autores, significa ser
possível que o cyberbullying ocorra também nas dependências da escola.
Ainda com relação aos resultados encontrados, os autores afirmam haver correlação
entre o cyberbullying e a cybervitimização, sugerindo que aqueles indivíduos que cometem
bullying no ciberespaço também são mais propensos a serem vítimas dele neste mesmo
ambiente. Esse dado é consistente com a literatura que indica que, nas formas tradicionais de
intimidação e agressão entre pares, os jovens que se envolvem em atos agressivos também são
mais propensos a serem vítimas de tais comportamentos (OSTROV, 2008; SCHWARTZ et al.,
1999 apud SALMIVALLI et al., 2013).
Encontraram, também, que o gênero foi uma variável significativa com relação à
frequência de cybervitimização. As meninas eram mais propensas a relatar maior frequência de
vitimização no ciberespaço do que os meninos. Há uma explicação para isso que corrobora
outros estudos já apresentados por nós neste trabalho (ADAMS, 2010, AVILÉS, 2013B,
SMITH, 2012, HOLLODAY, 2011), as meninas se envolvem mais em situações de agressão
relacional (velada e indireta).
25
O termo é empregado na psicologia para designar a crença que uma pessoa tem de ser capaz de realizar uma
tarefa específica.
166
Com relação às limitações do estudo, Salmivalli e colegas (2013) apontam, em
primeiro lugar, o instrumento utilizado para medir o cyberbullying e cybervitimização, uma vez
que apenas dois itens foram utilizados para avaliar a incidência. A provável consequência é
que os efeitos da Kiva foram subestimados devido à falta de confiabilidade da medição, e,
apesar de encontrados efeitos positivos da intervenção, estudos futuros, utilizando outras
medidas cybervitimização e cyberbullying, podem encontrar efeitos maiores do que os relatados
neste estudo. No entanto, ressaltam que a definição de cyberbullying é ainda um tema que
promove debate entre os investigadores, e que instrumentos para medir autorrelatos são
escassos. Em segundo lugar, afirmam que o Kiva foi testado numa amostra bastante
homogênea, isso significa que não está claro que os resultados encontrados seriam os mesmos
em outras regiões de outros países.
Indicam, ainda, que uma direção fundamental para futuras pesquisas sobre o Kiva
seria avaliar quais são as características dos envolvidos (atitudes pró-vitima, empatia etc.) e as
características do clima da sala de aula (normas de sala de aula, os espectadores que se colocam
contra o assédio moral ou a favor das vítimas de defesa etc.). E, ainda, como o cyberbullying
pode envolver os alunos da mesma sala de aula, é possível que o cyberbullying ocorra nas
dependências da escola, dessa forma afirmam que são necessárias estratégias de prevenção para
lidar com o cyberbullying dentro e fora das dependências da escola.
Nas palavras dos pesquisadores, investigações futuras devem também considerar o
papel de espectadores mais especificamente em casos de cyberbullying e como as diferentes
formas de manifestação desse tipo de violência podem influenciar suas atitudes. Com relação
ao gênero e à idade, podem ser variáveis importantes com relação aos comportamentos
cibernéticos, e, portanto, sugerem mais pesquisas para explorar as diferenças de gênero e de
idade nas taxas de cyberbullying e cybervitimização.
Por fim, anunciam que, até a data da publicação deste último artigo, estão limitados
à compreensão de como o Kiva pode afetar ambas as formas, tradicionais e virtuais, de bullying
naquele contexto. Consequentemente, não sabem ainda se o Kiva em outras regiões geográficas
terá o mesmo resultado, e que é necessário também compreender se o país de origem do
programa pode influenciar nos efeitos da intervenção aos comportamentos presenciais e
virtuais.
Análise do programa
167
O Kiva, na verdade, não é um programa que visa estritamente à prevenção à
agressão virtual, é um projeto antibullying que prevê ações específicas ao cyberbullying. No
entanto, decidimos incluí-lo na presente investigação por apresentar aspectos que consideramos
importantes para um trabalho nessa área.
Dentre as características positivas do programa, podemos destacar a inserção da
proposta na grade curricular das escolas, a continuidade do projeto nos anos subsequentes, a
forma como foi implementado, a formação de profissionais para atuarem com os alunos (ainda
que nos pareça desprovida de embasamento teórico), a existência de uma equipe composta por
três adultos que são responsáveis por investigar e intervir logo que têm conhecimento de um
caso de bullying ou cyberbullying. Também destacamos as intervenções específicas com os
envolvidos, em que são realizadas, separadamente, discussões e reflexões com alvos e autores,
e colegas selecionados para prestarem apoio ao alvo.
Gostaríamos de ressaltar também a relevância das ações universais, ou seja, a
atuação com aqueles que assistem às agressões. Um dos grandes ganhos do programa é a
intervenção com os espectadores. As pesquisas comprovam que o número de espectadores é
muito maior entre os alunos se comparado com o número de alvos e autores (SALMIVALLI et
al., 1996; TOGNETTA et al., 2010). Então validamos a possibilidade de aproveitar essa
situação para que aqueles que assistem possam intervir nos casos em que se conhecem os
envolvidos, desaprovando as ações cometidas pelos agressores. Schulman (2002) afirma que a
maioria dos espectadores não concorda com o ato do autor e gostaria de ajudar o alvo
voluntariamente, mas, muitas vezes, não sabe o que fazer para intervir ou se sentem confusos e
envergonhados por não saber se sua ajuda pode mesmo ser útil. Dessa forma, formar os
espectadores para prestar ajuda à vítima é uma intervenção considerada eficaz, porque engaja
os alunos em propostas em que podem se colocar no lugar de quem sofre, o que pode fortalecer
a ação do público que assiste às agressões. Sim, pois, assim como Avilés (2013), acreditamos
que os estudantes que assistem às agressões precisam ser incentivados a se posicionarem contra
o bullying e, mais, precisam conhecer estratégias de enfrentamento para que possam mudar os
critérios morais que os mantêm imóveis perante a imposição abusiva do bullying.
O Kiva prevê, então, o protagonismo dos pares nas situações de intervenção ao
cyberbullying, contudo são ações que não são sistematizadas, como acontece em outros
programas, por exemplo Beatbullying e PRIRES (discutiremos esses programas a seguir).
Neles, os alunos prestam ajuda às vítimas, mas de forma fundamentada e previamente
organizada, como acontece nos sistemas de apoio entre pares espanhóis, em que os alunos são
168
eleitos pelos pares e formados para integrarem equipes de ajuda, por exemplo. Dessa forma,
reconhecemos a importância do trabalho que o Kiva desenvolve com os espectadores, mas
consideramos a necessidade de sistematização dessas ações.
Concordamos com os autores (SALMIVALLI et al., 2013) que indicam que as
intervenções com espectadores no meio presencial podem influenciar suas ações no meio
virtual. Eles apontam que nem todos os membros da rede social de uma criança são os pares da
escola, mas afirmam que grande parte das interações sociais dos alunos no ciberespaço são com
os colegas dessa instituição. Assim, as intervenções voltadas a mudar o comportamento
espectador na sala de aula podem, sim, ultrapassar os muros da escola para que passem a atuar
também no meio virtual.
Com relação ao conteúdo abordado e às atividades propostas, reconhecemos a
importância de um trabalho que visa a caracterizar e a conhecer a agressão online, a discutir a
necessidade do respeito e a comunicação no ciberespaço, a fornecer estratégias de
enfrentamento para as situações de cyberbullying, a conscientizar os alunos sobre o papel que
o grupo desempenha na manutenção assédio moral, a trabalhar a empatia virtual e a conhecer
estratégias educativas para apoiar a vítima. Contudo, parece que o Kiva é um programa que
propõe intervenções ao fenômeno após o problema instaurado e não atua, portanto, de forma
preventiva. Consideramos que um programa nessa área necessita também da educação para o
uso positivo da tecnologia, como acontece no ConRed, por exemplo, a fim de evitar, entre
outros objetivos, diversos problemas de ordem virtual. Observamos, também, que não há o
trabalho com conteúdos como a privacidade e a segurança no meio virtual, e há a ausência de
atividades que propõem a discussão de outras formas de violência no ciberespaço, além do
cyberbullying, temas que consideramos imprescindíveis visto o aumento de casos de sexting,
por exemplo, entre os adolescentes do mundo todo.
Outra lacuna que os próprios autores do programa reconhecem é a ausência do
envolvimento da família dos alunos. Os pais recebem um manual de orientação da equipe
educativa, que, além de não contemplar o cyberbullying, não é suficiente para saberem como
intervir. Há a necessidade de informá-los, mas, mais do que isso, aprimorar o conhecimento
dessas famílias para que possam atuar como parceiros das escolas.
O que nos chama atenção também é que o programa enfoca a atuação dos
espectadores, mas tal variável não foi avaliada. O instrumento utilizado pelos autores visou a
testar a redução da frequência de autores e alvos no meio virtual, as diferenças do impacto da
intervenção com relação ao gênero e à idade, e a incidência do cyberbullying na sala de aula;
169
mas não mediu o impacto do programa justamente no grupo que definem como essencial para
manutenção ou combate ao problema, os espectadores. Muitas das ações do programa são
destinadas a esse grupo, logo pensamos que seria importante avaliar as mudanças de condutas
dos colegas que chamaram de pró-sociais, aqueles espectadores que foram orientados a prestar
apoio à vítima. Dessa forma, podemos considerar o instrumento utilizado ineficaz para medir
todos os impactos do programa.
Também nos indagamos a respeito dos resultados obtidos. Os autores afirmam que
o número de cyber vítimas diminuiu, mas o número de cyber autores não (dependendo da
variável idade); como explicar esse dado? Uma das hipóteses que podemos levantar é: os
autores continuam agredindo, mas (como o número de vítimas de cyberbullying diminuiu)
estariam agredindo novos estudantes que ainda não se reconheceram como alvos? Ou será que
uma mesma vítima passou a ser agredida por um número maior de cyber agressores, já que o
número de vítimas diminuiu e o dos agressores manteve-se o mesmo? Ou, ainda, será que após
a intervenção as vítimas deixaram de se considerar alvos de agressão online e os autores não?
Também podemos indagar: será que as ações do programa não foram suficientes para os
agressores reconhecerem suas ações como um problema ou para se sensibilizarem com as
vítimas, e, por isso, continuam agredindo? Enfim, sentimos a necessidade de uma explicação
para esse fato e inferirmos que o instrumento não foi capaz de medir o impacto do programa no
grupo de cyber vítimas e cyber agressores, uma vez que não há coerência entre os dados
apresentados.
Em síntese, o programa apresentou um aspecto que consideramos imprescindível
para uma boa proposta educativa nessa área, que é o envolvimento dos pares nas intervenções
ao fenômeno; contudo, os resultados e os instrumentos utilizados não nos pareceram
satisfatórios para a avaliação positiva do programa.
Categoria 1- Objetivos
O programa foi desenvolvido por uma organização não governamental e visa à
prevenção do bullying/cyberbullying utilizando estratégias de apoio entre pares dentro e fora
das escolas. De acordo com as informações contidas no site localizado por nós, o Beatbullying
existe desde 2002, foi fundado por Emma-Jane Cross e é uma das principais organizações que
visam à prevenção do bullying no Reino Unido. O programa destaca a importância do
engajamento dos alunos em todas as fases do trabalho antibullying e dirige-se à utilização de
estratégias de apoio entre pares (peer support) dentro das escolas. Uma das ações do programa
é a formação de cybertutores, que passam por um processo de treinamento intenso, envolvendo
a escuta, orientação e tutoria online. O trabalho com os cybermentores objetiva combinar essa
estratégia de apoio entre pares (tanto dentro das escolas, quanto fora, no meio virtual, por
exemplo) com outras ações voltadas aos jovens, a fim de trazer mudanças positivas por meio
liderança e ativismo dentro e fora da escola (BANERJEE et al., 2010).
Categoria 3- Características
No Reino Unido, de setembro de 2008 até novembro de 2010, uma série de
estratégias antibullying, incluindo o Beatbulying, fori implantada nas escolas. Nesse período,
uma pesquisa foi conduzida pela Unit for School and Family Studies em parceria com a
171
University of London com o apoio do Antibullying Alliance. Esse projeto foi dirigido pelo
Professor Peter K. Smith, e o principal pesquisador do trabalho foi o Professor Fran Thompson.
Realizaram uma ampla investigação a respeito das estratégias utilizadas pelas
escolas britânicas por meio de questionários que tinham como objetivo coletar informações
básicas sobre as intervenções utilizadas, bem como a eficácia de tais intervenções com relação
à redução do número de casos de bullying.
Os autores descrevem que, de setembro de 2008 a março de 2009, uma pesquisa
nacional foi realizada em todos os 150 municípios, contando com a participação de 10% das
escolas. A partir de setembro/dezembro de 2009, a pesquisa repetiu-se com as escolas que
tinham respondido o questionário anteriormente. A primeira pesquisa consistiu em coletar
informações sobre as intervenções que visavam a prevenir e a combater o bullying. Os
questionários foram enviados pelo correio, e-mail (ou realizados online) para a escola e para as
famílias. A segunda pesquisa continha a mesma lista de estratégias, mas apresentava perguntas
diferentes a respeito da eficácia do programa na redução do bullying. No total, 1.378
questionários escolares foram obtidos na primeira coleta e 527 questionários na segunda coleta
(THOMPSOM et al., 2011).
Também foram realizados estudos de casos individuais em algumas escolas
selecionadas (variaram de escolas em áreas rurais até cidades do interior, algumas em áreas
nobres e quase um terço em áreas de baixa renda). Estes visavam a coletar informações mais
detalhadas sobre estratégias antibullying e exemplos de boas práticas. Grupos focais foram
realizados com funcionários e alunos, e foram registrados 285 incidentes de bullying em todas
as escolas participantes do estudo de caso, 108 relatados pelos próprios alunos durante as
entrevistas.
Três principais estratégias foram encontradas: as proativas, as de apoio entre pares
(ações do Beatbullying) e as reativas. Foram descritas as estratégias proativas em três frentes:
as abordagens com toda a escola (Programa Nacional Escola Saudável, PSHEE, SEAL,
melhoria do ambiente físico escolar, assembleias, conselhos escolares, sistemas que envolvem
os pais, modelo de relações positivas, desenvolvimento de um ambiente restaurador e cultura,
que apoia o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais26); estratégias de sala de aula
(círculos de qualidade, grupos cooperativos de trabalho, currículo27 e circle time); estratégias
26
Tradução nossa
27
Tradução nossa
172
no parque infantil (melhoria desses espaços, supervisionar a hora do almoço, e implantar
diretrizes no parque infantil28). Como estratégias de apoio entre pares havia: círculo de
amizades, tutoria pelos pares, pares de escuta, mediação pelos pares, clubes da hora do almoço,
conselheiros escolares e formação do espectador defensor29, cybermentores, Buddy schemes e
playleaders. Como estratégias reativas: sanções diretas, práticas restaurativas, grupos de apoios,
método Pikas e tribunal escolar30.
Optamos por descrever todas as estratégias utilizadas, para que o leitor possa
conhecer os trabalhos que são realizados em paralelo com a formação de cybermentores no
Reino Unido. Todas elas serão descritas conforme apresentaram Thompson e Smith (2011, p.
16-142).
Dentre as proativas, as abordagens com a escola inteira consistem em combater e
prevenir o bullying. Envolve toda a comunidade escolar, visando a melhorias de uma forma
sistemática. A maioria dessas ações foi utilizada pelas escolas e geralmente foram classificadas
como positivas na prevenção de assédio moral.
O Programa Nacional de Escola Saudável oferece suporte para coordenadores de
programas locais e acreditação para as parcerias de educação e saúde, abrangendo quatro temas-
chave: o PSHEE, alimentação saudável, atividade física, e saúde emocional e bem-estar
(incluindo o assédio moral). O PSHEE (Pessoal, Social Saúde e Educação Econômica) é parte
do currículo escolar que ensina a identificar os diferentes tipos de provocação e intimidação,
bem como ajuda a responder ao bullying, pedir ajuda, compreender os efeitos do bullying, como
lidar de forma assertiva, tomar a iniciativa de dar e receber apoio. O SEAL também é uma
estratégia curricular baseada em cinco domínios de desenvolvimento social e emocional, e
inclui autoconsciência, gestão dos sentimentos, habilidades sociais, empatia e motivação. A
estratégia de melhorar o ambiente escolar visa a tornar os edifícios escolares mais seguros para
as crianças e jovens. As assembleias são usadas para discutir o bullying, como uma estratégia
preventiva. Os conselhos escolares envolvem os estudantes, geralmente representantes eleitos,
que se reúnem regularmente com os membros da equipe da escola para discutir e deliberar sobre
diversas questões, incluindo o bullying. Os sistemas de envolvimento dos pais variam desde
consultá-los a respeito das diretrizes da escola até apoiá-los se seus filhos estiverem envolvidos
28
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29
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30
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173
em situações de risco; também podem se envolver no processo de enfrentamento de situações
de bullying, seja por meio de reuniões com os envolvidos, ou ações restaurativas em que são
envolvidos no processo de resolução do problema. O modelo de relação positiva é praticado
pelos funcionários da escola, que investem na qualidade da relação entre os membros escolares.
E o último, o desenvolvimento de um ambiente restaurador e cultura, que apoia o
desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais, é uma oportunidade para que todos
possam se ouvir e contribui para o desenvolvimento de amizades e relações positivas e
incentivar as crianças a assumir a responsabilidade por suas ações.
Após a avaliação dos pesquisadores, o PSHEE, as assembleias e os conselhos
escolares foram utilizados pela grande maioria das escolas de todos os setores para evitar o
bullying. No entanto, o desenvolvimento de um ambiente restaurador e cultura, que apoia o
desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais e o modelo de relações positivas tiveram
a mais alta classificação de eficácia. O Programa Nacional de Escolas Saudáveis recebeu a
classificação mais baixa (embora ainda positivo) das estratégias proativas para o seu impacto
sobre bullying. Melhorar o ambiente escolar foi essencial para tornar as escolas mais seguras
para os alunos. Sistemas que apoiaram o envolvimento dos pais foram utilizados pelas escolas
para prevenir o bullying, muitas escolas desenvolveram ações para garantir a comunicação entre
a instituição e a família e também elaboraram uma política de portas abertas para os pais para
que pudessem expressar suas preocupações, de modo que todas as escolas se esforçaram para
engajar os pais.
Ao mesmo tempo, estratégias proativas de sala de aula foram implantadas. São
ações que fazem parte do currículo e objetivam educar os alunos a respeito do bullying e discutir
o trabalho das ações antibullying. O trabalho com o currículo envolve uma série de métodos
usados para abordar e lidar com o bullying, incluindo literatura, materiais audiovisuais, vídeos,
dramatização, música, debates, workshops, fantoches e bonecos e trabalho em grupo. A maioria
das escolas utilizam o trabalho com o currículo para prevenir o bullying, no entanto os autores
reforçam a necessidade de qualificar os funcionários para esta intervenção. Os grupos
cooperativos de trabalho são momentos em que os alunos participam de atividades de forma
cooperativa, compartilhando tarefas e ajudando uns aos outros na aprendizagem. Os circles
times são reuniões semanais com duração de meia hora em que as crianças se sentam em círculo
para discutir questões pertinentes de forma amigável. Os círculos de qualidade visam, por sua
vez, a organizar os alunos em pequenos grupos para sessões regulares na sala de aula, em que
os grupos discutem problemas que têm e apresentam resoluções para essas questões específicas
174
(como assédio moral, por exemplo) por meio de procedimentos padrões (coleta de informação
e apresentação de soluções). A minoria das escolas utilizou este último procedimento.
As escolas classificaram todas as estratégias de sala de aula como eficazes na
redução do bullying. O trabalho com o currículo foi a estratégia mais utilizada, assim como o
circle time. Os círculos de qualidade foram os menos utilizados, embora eles tenham recebido
a melhor avaliação das escolas que utilizaram essa estratégia. O trabalho com o currículo foi
mais eficaz quando as aulas eram criativas e interativas e quando os funcionários eram
qualificados. O grupo cooperativo de trabalho foi classificado como uma forma eficaz de
ensinar os alunos sobre o trabalho em equipe e colaboração e ajudou a desenvolver habilidades
de pensamento crítico.
Ainda dentro das estratégias proativas, foram desenvolvidas ações específicas para
prevenir o bullying no parque infantil, tais como melhorar o espaço físico do parque fornecendo
mais oportunidades criativas para os alunos durante o lanche e o almoço (introduzindo zonas
tranquilas, zonas para atividades lúdicas) e identificando as áreas de perigo. Também foram
implantas diretrizes visando ao comportamento apropriado nos intervalos e incentivando
atividades e jogos pró-sociais. Treinar supervisores para atuarem na hora do almoço foi outra
estratégia utilizada a fim de desenvolver habilidades para que pudessem reconhecer os
comportamentos dos alunos envolvidos em bullying e mediar estas e outras situações de
conflito.
Os autores indicam que a maioria das formas diretas de bullying acontecem nos
espaços de lazer da escola e, portanto, essas estratégias são importantes para a prevenção do
fenômeno. A maioria das escolas primárias adequaram o espaço do parque para prevenir o
bullying e classificaram a estratégia como eficaz na redução do problema. As diretrizes foram
eficazes, no entanto utilizadas por uma minoria. E o treinamento de supervisores para a hora do
almoço foi classificado como positivo na prevenção de assédio moral (embora menos pelas
escolas secundárias).
Como uma segunda frente de trabalho, foram implantadas as estratégias de apoio
entre pares. A primeira delas, o Buddy scheme, visa a prestar apoio social e emocional aos
estudantes vulneráveis, podendo incluir: alunos vitimizados por seus pares, estudantes recém-
chegados à escola, crianças na transição de ciclo escolar (da creche para o ensino primário; do
primário para o secundário etc.). Existem dois tipos de amigos, mais velhos e dos pares. Nas
escolas primárias e secundárias, grupos de alunos mais velhos são recrutados para apoiar grupos
de alunos mais jovens e intervir em casos individuais de estudantes vulneráveis. Os amigos dos
175
pares são direcionados aos novos alunos. Os alunos se candidatam ou são selecionados pela
equipe escolar e, em algumas escolas, os amigos são treinados para atuarem no recreio como
líderes, enquanto outros são treinados para atuarem como mediadores, incluindo habilidades de
escuta e confidencialidade. Todos são supervisionados por um membro da equipe escolar,
geralmente que faz parte da equipe de pastoral. Os Buddy schemes do ensino primário
normalmente são organizados formalmente, dividem-se em turnos e são identificados por
vestuário (bonés, jaquetas, braceletes) e fotos em um quadro de avisos.
A mediação entre pares (aluno mediador) é um processo de resolução de conflitos
que incentiva os alunos a definir o problema, identificar as principais causas, discutir e debater
possíveis soluções, acordar um plano de ação e acompanhar e avaliar os resultados. Estudantes
mediadores são treinados para a resolução de conflitos, ajudando os envolvidos a resolverem
os problemas e saindo com a sensação de que o acordo é justo para todas as partes. O
treinamento pode ser oferecido por colegas da mesma idade ou alunos mais velhos e são,
geralmente, apoiados ou supervisionados por funcionários da escola.
A tutoria pelos pares (aluno tutor) tem o intuito de promover o bem-estar emocional
e acadêmico dos alunos mais jovens. Os programas de tutoria pelos pares são mais frequentes
no ensino secundário. As escolas recrutam os mentores por meio da publicidade (em
assembleias ou divulgando cartazes, por exemplo). Em algumas escolas, os alunos preenchem
formulários de candidatura com referências, semelhante à candidatura a uma vaga de emprego.
São realizadas entrevistas pessoais e os alunos selecionados são treinados de forma intensiva
em oficinas ou em períodos de tempo mais curtos ao longo de várias semanas. Os alunos tutores
são treinados para desenvolver habilidades de escuta, empatia, linguagem corporal,
confidencialidade e orientados a procurarem um adulto em casos mais graves. São identificados
por crachás e organizados em três maneiras: acompanhar um aluno que lhe é designado, fornece
apoio de acordo com a demanda em uma sala designada geralmente na pausa para o almoço, ou
estão de plantão em torno da escola durante os intervalos. São treinados para lidar com o
bullying em casos mais leves e encaminham os casos mais graves para um adulto.
Sistemas de escuta pelos pares são baseados na ideia de que os alunos são mais
propensos a relatar a um colega sobre os problemas que têm do que a um adulto. Os alunos
ouvintes são alunos mais velhos que prestam ajuda aos mais novos, ouvindo-os quando estão
com algum problema. Podem oferecer tanto apoio emocional quanto acadêmico. Habilidades
de escuta ativa são fundamentais para o treinamento dos alunos ouvintes, bem como
aconselhamento e intervenções mais formais (por exemplo, abordagens restaurativas). No
176
ensino primário, os ouvintes são informalmente organizados e acessíveis a todos os alunos
durante os jogos ou intervalos, sendo identificados por um crachá ou fita. No ensino secundário,
os ouvintes são direcionados aos alunos mais jovens, mas também participam de sessões na
hora do almoço ou intervalos em salas de apoio.
No círculo de amizade, uma classe ou grupo de alunos encontra-se com uma pessoa
indicada, na ausência do aluno em questão, e acorda diversas medidas para ajudar este aluno.
Alunos voluntários são treinados para ajudar e apoiar os outros alunos que são identificados
como isolados ou rejeitados por seus pares e, portanto, vulneráveis ao bullying. As autoridades
locais fornecem treinamento para estudantes e professores que supervisionam a ação. Os
círculos objetivam ajudar os alunos a se sentirem menos isolados, reconhecendo que seus pares
não irão permanecer passivos se eles forem intimidados ou perturbados.
A formação do espectador defensor é uma intervenção orientada para as
testemunhas de bullying. O objetivo do treinamento é transformar espectadores passivos em
ativos e defensores de um estudante intimidado, proporcionando, assim, uma intervenção entre
os próprios pares de forma espontânea.
Os Playleaders (os líderes de jogos, também conhecidos como líderes do
playground; dirigentes desportivos e amigos do playground) são alunos mais velhos que
organizam e incentivam um "jogo construtivo" para os alunos mais jovens. No ensino
secundário, eles recebem o nome de mentores esportivos. Alguns playleaders atuam também
em outro sistema de apoio entre pares (por exemplo, esquema de amigos); enquanto outros
organizam atividades lúdicas, pautadas no respeito e na amizade. Estudantes se voluntariam ou
são selecionados pela equipe. O treinamento geralmente é realizado pelo coordenador de
esportes do ensino secundário, e também são identificados com crachás. Os autores afirmam
que essa estratégia pode ser uma maneira eficaz de relatar o assédio moral, mas que,
principalmente, pode ser usada de forma proativa para evitar o assédio moral, por manter as
crianças ocupadas.
Os conselheiros escolares são representantes eleitos que se reúnem regularmente
com os membros da equipe da escola para discutir e deliberar sobre questões de política;
incluindo o tema bullying. Os integrantes do Conselho divulgam entre alunos que as suas
opiniões são bem-vindas e são consideradas importantes, oferecem espaços onde as
informações e pontos de vista sobre o bullying são discutidos e os estudantes podem se envolver
na elaboração de políticas antibullying.
177
O trabalho do Cybermentor é uma estratégia de apoio entre pares virtual. Dentro do
programa Beatbullying, é a ação voltada especificamente ao cyberbullying e somente a escola
secundária realiza essa intervenção. Podem participar do programa jovens que possuem de 11
a 25 anos de idade, que são treinados como cybermentores e cybermentores seniors para
orientar os pares tanto dentro da escola, quanto online. De acordo com o guia CyberMentors:
online peer mentoring (2013), o programa é difundido por instrutores em escolas, faculdades,
grupos comunitários. E os cybermentores participam de oficinas de formação com duração de
2 dias.
Outra estratégia são os Clubes da hora do almoço, compostos pelos alunos que
fazem parte de algum sistema de apoio entre pares para oferecer atividades em sala de aula aos
estudantes vulneráveis durante o horário de almoço. Não apenas oferecem apoio informal aos
alunos vitimados, mas também aos alunos novos ou àqueles que mudaram de ciclo
recentemente. Os alunos podem participar das atividades e discutir quaisquer problemas,
incluindo o bullying.
O Buddy schemes foi a estratégia mais utilizado pelas escolas, principalmente pelas
de educação primária. Depois, o sistema de tutoria foi o mais utilizado na educação secundária.
Os autores afirmam que os resultados dos inquéritos escolares mostraram que os sistemas
apresentaram efeito preventivo positivo. Os que demonstraram mais eficácia foram as
estratégias de tutoria e mediação.
Por fim, a terceira frente de trabalho foi composta por estratégias reativas.
Contemplam desde sanções intermediadas por práticas restaurativas, até abordagens mais
indiretas e não punitivas.
As sanções diretas são compostas por uma série de procedimentos disciplinares
utilizados pelas escolas. Para a pesquisa, as escolas foram convidadas a fornecer informações
sobre sanções diretas tais como: censuras verbais, reuniões com os pais, exclusão temporária
da classe, retirada de privilégios, serviços para a comunidade escolar, exclusão de uma sala, ou
exclusão permanente.
As práticas restaurativas vão desde conversas informais até reuniões formais.
Visam a resolver o conflito ou a reparar o dano, incentivando aqueles que prejudicaram alguém
a reconhecer o impacto de suas ações e dando a oportunidade de reparar o ato. Para essa
pesquisa, as escolas forneceram informações de diversas práticas, tais como os círculos
restaurativos de resolução de problemas, discussões restauradoras, reuniões restaurativas entre
178
funcionários e alunos, planos de pensamento restauradores, miniconferências, conferências em
sala de aula e conferências restaurativas completas.
Os grupos de apoio utilizam técnicas de grupo para responder ao bullying. O
método é composto por sete etapas: 1) o facilitador conversa individualmente com o aluno
intimidado; 2) posteriormente, é realizada uma reunião com um grupo de até oito alunos,
incluindo o intimidador e outros alunos sugeridos pela vítima; 3) o facilitador explica ao grupo
que o aluno intimidado tem um problema, mas não discute os incidentes; 4) o facilitador
enfatiza que todos os participantes devem assumir a responsabilidade conjunta para fazer o
aluno intimidado se sentir feliz e seguro; 5) cada membro do grupo apresenta suas próprias
ideias de como o aluno intimidado pode ser ajudado; 6) o facilitador encerra a reunião com o
grupo que recebeu a responsabilidade de melhorar a segurança e o bem-estar do aluno
intimidado; 7) reuniões de acompanhamento individuais são realizadas com os integrantes do
grupo, uma semana após a primeira reunião, para avaliar a intervenção.
O método Pikas foi desenvolvido pelo psicólogo sueco Dr. Anatol Pikas para os
casos já conhecidos e confirmados de bullying. É uma abordagem terapêutica que tenta
investigar as causas da intimidação, bem como objetiva chegar a uma solução duradoura para
o caso por meio de uma série de reuniões individuais ou coletivas com os estudantes envolvidos.
Para a eficácia dessa estratégia, o facilitador precisa de treinamento. O método possui seis fases:
1) reunir informações para identificar os estudantes envolvidos em um incidente de bullying;
2) conhecer os alunos suspeitos de praticar o bullying; 3) reunir-se com o estudante intimidado
a fim de ajudá-lo a pensar em estratégias de defesa; se este for uma vítima provocadora (aquela
cujo próprio comportamento contribui para o assédio moral), é incentivado a modificar seu
comportamento; 4) verificar o progresso da intervenção, reunindo-se com todos os envolvidos
individualmente; 5) reunir-se com o grupo de estudantes suspeitos de praticar bullying a fim de
consolidar os progressos e se preparar para a reunião final; 6) finalmente, reunir agressores e
vítima para resolver o problema.
Por fim, os tribunais escolares são reuniões realizadas após um suposto incidente,
em que todos os envolvidos são entrevistados incluindo as testemunhas e é tomada uma decisão
sobre a punição (se houver) apropriada.
As sanções diretas foram utilizadas por quase todas as escolas. As práticas
restaurativas também apareceram em maior número, enquanto os grupos de apoio, método
Pikas, tribunais escolares foram estratégias utilizadas pela minoria. Os inquéritos nacionais
revelaram diferenças entre a política das autoridades locais e prática escolar. As autoridades
179
locais recomendavam mais estratégias que favoreciam o desenvolvimento da empatia para
combater o bullying, como o método Pikas, por exemplo, enquanto que grande maioria das
escolas utilizava sanções diretas. No entanto, as autoridades locais recomendaram mais e as
escolas também utilizaram mais as práticas restaurativas. Ambas classificaram todas as
estratégias reativas como tendo um efeito positivo na redução do bullying.
Essas são as principais ações desenvolvidas e avaliadas para prevenir o bullying e
o cyberbullying nas escolas do Reino Unido. De acordo com os dados encontrados por nós, a
formação de alunos cybermentores dentro do programa Beatbullying é a estratégia mais
utilizada para intervir especificamente em casos de agressão virtual.
Categoria 4- Conteúdos
As oficinas de formação dos cybermentores abordam especificamente conteúdos
relacionados ao desenvolvimento de habilidades de tutoria, tais como: a comunicação, trabalho
em equipe e uso técnico do site. Também discutem o que é cyberbullying, a confidencialidade
do programa, a proteção da criança e os jovens também aprendem a usar o site CyberMentors.
Tudo é realizado por meio de atividades disparadoras envolvendo discussões, trabalho em
grupo, exercícios, jogos e dramatizações.
Categoria 5- Atividades
Após o treinamento, o cybermentor inicia o trabalho no site oferecendo ajuda e
apoio online aos alunos com idades de 11 a 17 anos que estão enfrentando problemas. Estão
protegidos de abusos no ambiente virtual, pois o site em que atuam foi desenvolvido
especialmente para registrar as conversas e monitorar o uso de linguagem inadequada. Em
situações extremas, eles podem acionar botões de pânico e contatar os adultos. Os
cybermentores ficam disponíveis online nos horários de intervalo, após o horário da escola e
nos finais de semana. Identidade, nome de usuário, idade, perfil e imagem dos cybermentores
não são divulgadas. Eles participam de uma sala de conversas abertas, aconselhando e
discutindo sobre problemas que foram relatados. Também podem ser contatados por e-mail ou
mensagens de texto. Ao contrário das outras formas de apoio dos pares, são supervisionados e
apoiados por adultos conselheiros que estão disponíveis a qualquer momento, e alguns
cybermentores também oferecem orientação presencial em uma sala especifica durante o
horário escolar.
180
Há uma estrutura prévia claramente definida descrevendo quais tipos de problemas
os Cybermentores são autorizados a oferecer apoio e quais devem ser encaminhados para os
adultos. Para a própria segurança dos cybermentores só é permitido que lidem com os casos
que não são considerados graves; nada que envolva questões relacionadas à automutilação,
pensamentos suicidas, abuso sexual. Tais questões são encaminhadas para um membro da
equipe de adultos conselheiros.
31
Um departamento não ministerial do governo britânico que define os padrões de qualidade do ensino no país.
181
(Office for Standards in Education) também foi instituído a fim de avaliar as estratégias
utilizadas para lidar com o bullying (incluindo cyberbullying) nas escolas.
Thompson et al (2012) esclarecem que desde 2000, quando as pesquisas
relacionadas ao fenômeno cyberbullying passaram a ser desenvolvidas de forma mais
sistemática no país, houve um aumento do número de organizações não governamentais e
iniciativas para investigar e combater o problema. Afirmam que as principais organizações que
ofereceram recursos para as escolas com relação à segurança online e cyberbullying foram: a
Child Exploitation and Online Protection Centre (CEOP); o Childnet International; o próprio
programa Beatbullying e o The Safer Schools Partnership (parceria com a polícia).
Ações interventivas dessas quatro organizações foram avaliadas dentro do projeto
europeu Daphne III e, com base nesses dados, Thompsom e colegas (2012) apresentaram um
estudo em que são descritas e comparadas quatro estratégias utilizadas por tais organizações.
As duas primeiras são dois vídeos sobre segurança online que foram avaliados pelos alunos
com relação ao impacto na prevenção de cyberbullying; a terceira foi o trabalho dos
cybermentores já descrito por nós; e a quarta um trabalho desenvolvido em parceria com a
polícia.
A estratégia avaliada dentro do programa proposto pela organização Childnet
International foi o filme Let’s Fight It Together32, utilizado para discutir a temática do
cyberbullying com adolescentes de 11 a 14 anos; outro vídeo denominado Exposed33 para
trabalhar o tema sexting com adolescentes de 14-16 anos foi a estratégia avaliada dentro do
Child Exploitation and Online Protection Centre’s; dentro do programa Beatbullying o trabalho
dos cybermentores; e o The Safer Schools Partnership propôs uma estratégia em que policiais
trabalharam com as escolas secundárias durante algumas horas semanais.
Os pesquisadores do Daphne III desenvolveram um questionário que incluía
questões a respeito das quatro intervenções específicas. Estes foram enviados para seiscentas
escolas, mas obtiveram um retorno de apenas 10% delas (62 escolas). Perguntaram às escolas
se eles conheciam as quatro organizações ou estratégias e se já as haviam utilizado. As
estratégias avaliadas, bem como os resultados comparativos das quatro intervenções, serão
descritas a seguir de acordo com os dados apresentados por Thompson et al. (2012, p. 3-17)
32
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dubA2vhIlrg
33
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7KOcKDIswfI
182
A Childnet International 34é uma organização sem fins lucrativos que trabalha com
pais e professores para ajudar as crianças e os jovens usarem a internet de forma construtiva,
adquirir novas habilidades de “alfabetização digital” e proteger as crianças dos riscos nos
ambientes online. Eles oferecem oficinas de um dia sobre segurança digital nas escolas e filmes,
recursos e planos de aula que podem ser baixados do site. Os recursos podem ser utilizados em
aulas ou as reuniões gerais da escola. Eles também oferecem questionários online para avaliar
seus recursos. Apenas metade das escolas que preencheram o questionário conhecia a
organização, e destas, apenas 18% usaram seus recursos.
A avaliação incidiu no trabalho com o filme Let’s Fight It Together, que relata o
dia a dia de uma vítima de cyberbullying, o Joe, e o impacto das ações dos outros estudantes
sobre sua vida. Procurou avaliar seis aspectos do filme a partir do ponto de vista dos alunos.
Outro objetivo foi avaliar o impacto que o curta-metragem teria sobre os alunos no que diz
respeito às estratégias de enfrentamento. Os alunos foram convidados a fornecer informações
sobre as estratégias de enfrentamento utilizadas para lidar com o cyberbullying, antes e depois
da intervenção com o vídeo. Os dados foram coletados durante o período escolar de inverno do
ano de 2011, e participaram 3 escolas secundárias do sudeste da Inglaterra; 383 estudantes (296
meninos, 86 meninas) participaram do pré-teste e 390 alunos (287 meninos, 97 meninas), do
pós-teste.
Antes de assistirem ao filme, os alunos foram convidados a apresentar uma
definição de cyberbullying; verificou-se que 92% foram capazes de dar uma definição válida.
Os alunos foram também questionados se já tinham experimentado qualquer forma de
cyberbullying; 52 alunos relataram ser vítima de cyberbullying, e, destes, 37 conheciam o
agressor. Quando questionados se conheciam alguém que tinha sido vítima de cyberbullying,
99 alunos disseram que já havia praticado tal forma de violência.
Depois de ver o filme, os alunos foram convidados a classificá-lo em uma escala de
1-5 (1 = muito insatisfatório, 2 = insatisfatório, 3 = satisfatório, 4 = bom, 5 = muito bom).
Nenhum estudante avaliou como insatisfatório ou muito insatisfatório; 11% classificaram como
satisfatório, 54% como bom, e 33% como muito bom. Os alunos também foram convidados a
avaliar os seguintes aspectos: a história, os personagens, a música, a duração, o final e se
“prendeu a atenção”. Em geral, os alunos avaliaram todos os aspectos do filme como bons, e a
música e o quesito se “prendeu a atenção” como muito bons.
34
Site: http://www.childnet.com/resources/kia/
183
Os alunos foram questionados a respeito das estratégias de enfrentamento ao
cyberbullying, antes e depois de ver o filme. Foi solicitado que indicassem o que fariam se
fossem vítima de cyberbullying e as opções eram: contar a um amigo, contar aos pais ou um
responsável, contar a um professor, denunciar à polícia, reportar ao site, confrontar o agressor
e não fazer nada. Antes do filme, a estratégia mais comum foi contar aos pais ou responsáveis
o que estava acontecendo (79%), seguida de contar a um amigo (64%), depois contar a um
professor (57%), à polícia (19%), e a estratégia menos utilizada era não fazer nada (5%). Depois
do filme, a estratégia mais utilizada continuou sendo contar a um responsável (79%) e a um
amigo (62%), em seguida, a um professor (60%), à polícia (24%) e não fazer nada (5%); as
demais opções não foram estatisticamente significativas.
As mesmas opções foram apresentadas aos alunos e eles foram questionados sobre
o que fariam se soubessem que alguém estava agredindo uma pessoa que conheciam. Antes do
filme, a estratégia mais comum foi contar a um professor (65%), em seguida, aos pais (58%), a
um amigo (42%) e confrontar o agressor (41%); a estratégia menos comum era não fazer nada
(4%). Depois do filme, contar aos pais (69%), a um professor (61%), confrontar o agressor
(46%) e contar a um amigo (43%); a estratégia menos comum ainda era não fazer nada (3%);
as demais opções também não foram estatisticamente significativas
Nas palavras dos autores, os dados indicaram que o trabalho com o filme teve pouco
impacto sobre as estratégias de enfrentamento que os alunos utilizariam se fossem agredidos
virtualmente ou se soubessem que um colega estava sendo agredido na web, uma vez que os
índices do pré e pós-testes não apresentaram mudança significativa.
A segunda estratégia avaliada foi o filme Exposed sobre sexting, proposto pela
organização Child Exploitation and Online Protection Centre35 (CEOP). A organização foi
fundada em 2006 e é afiliada à Agência de Crimes Organizados Graves e parcialmente
financiada pela Comissão Europeia. A CEOP é encarregada de combater crimes sexuais online
e também desenvolve recursos e treinamentos que visam à proteção das crianças no espaço
virtual. As escolas só são autorizadas a utilizar os recursos do CEOP após uma sessão de
treinamento de meio período num dia. Uma vez treinados, os professores podem acessar uma
variedade de atividades no site para todas as faixas etárias, incluindo filmes e planos de aula.
Os recursos podem ser utilizados em reuniões gerais da escola também. O CEOP avalia
35
Site: www.thinkuknow.co.uk
184
regularmente suas estratégias por meio de questionários online preenchidos por funcionários e
alunos.
Aproximadamente 75% das escolas que responderam ao questionário do Daphne
III já haviam utilizado o site e recursos do CEOP. O filme proposto foi desenvolvido em
resposta a um relatório sobre sexting de Phippen (THOMPSON et alm, 2012). O relatório
constatou que o sexting foi prevalente entre os jovens, e que eles apresentavam uma concepção
muito diferente da dos adultos sobre o que constituía uma imagem inapropriada.
Exposed é um vídeo de oito minutos que conta a história de Dee, uma garota que,
movida pela excitação de um novo relacionamento, envia fotos sensuais ao seu namorado, Si.
Ele compartilha as imagens com seu amigo Jay que as envia para um site. As imagens são vistas
por alunos da escola de Dee e ela passa a ser intimidada presencial e virtualmente. A garota
confronta seu namorado e descobre o que aconteceu, foge e acaba passando a noite em um café.
O filme termina com a menina voltando para casa e a atriz que a representa falando sobre
diversas estratégias para ajudar os jovens que se encontram nessa situação, incluindo a denúncia
no site do CEOP, em que há um botão "Denunciar abuso", que pode ser utilizado pelos
adolescentes para esses casos.
Quatro escolas participaram do treinamento prévio que foi organizado pelo CEOP.
Participaram professores, responsáveis pela segurança das crianças, oficiais da polícia e
autoridades locais. O treinamento consistiu em uma apresentação de PowerPoint sobre a
proteção infantil, identificando os problemas virtuais e apresentando estratégias de combate ao
cyberbullying utilizando os recursos CEOP. O treinamento foi avaliado empregando-se
questionários pré e pós-testes. Os participantes foram questionados sobre a qualidade do
treinamento e se sentiram mais confiantes com o reconhecimento de problemas online, do
cyberbullying e das estratégias de segurança antes e após o treinamento. Eles relataram que se
sentiram mais confiantes no que diz respeito ao reconhecimento de situações de cyberbullying
e outros problemas online após o treinamento. Os índices com relação às estratégias de
segurança mantiveram-se inalterados, devido ao conhecimento prévio que já tinham com
relação às estratégias de proteção à criança.
A fim de realizar a avaliação do trabalho com o filme, os professores foram
convidados a transmiti-lo aos seus alunos em uma de suas aulas e a utilizarem recursos do
CEOP para dar continuidade à proposta. A ideia era que os alunos respondessem um
questionário antes de assistir ao vídeo e o mesmo questionário uma semana depois. O
questionário foi desenvolvido para avaliar o que eles achavam do filme, bem como o impacto
185
dele sobre o comportamento dos estudantes (ou seja, as estratégias de enfrentamento utilizadas
caso se envolvessem ou testemunhassem um incidente de sexting).
No questionário do pré-teste, foi solicitado aos alunos que definissem o fenômeno
sexting. Aqueles que responderam que foram vítimas e aqueles que já tinham assistido a esse
tipo de agressão foram convidados a relatar o incidente, descrevendo os fatos, quem estava
envolvido e as estratégias de enfrentamento utilizadas. Havia duas outras questões em que os
estudantes deveriam indicar estratégias de enfrentamento que utilizariam se estivessem
envolvidos em algum caso de sexting ou se testemunhassem um incidente desta natureza. As
estratégias de enfrentamento listadas eram as mesmas da investigação anterior: contar a um
amigo, contar aos pais ou responsáveis, contar a um professor, denunciar à polícia; reportar ao
site; confrontar o agressor e não fazer nada.
Após assistir ao filme, as ações utilizadas foram as mesmas descritas na
investigação do vídeo anterior, Let’s Fight It Together.
Participaram da pesquisa 1.135 alunos com idades entre 13 e 16 anos de quatro
instituições de ensino. Apesar de solicitado às escolas que aplicassem o pós-teste em um
intervalo de uma semana após o pré-teste, 75% dos alunos completaram os dois questionários
no mesmo dia. Os autores afirmam que os resultados indicaram que apenas metade dos alunos
definiram sexting corretamente (a maioria eram meninas), no entanto não apresentam tal
definição correta neste artigo selecionado por nós.
Também encontram como resultado: 23% dos estudantes testemunharam um caso
de sexting; 4% já haviam se envolvido, destes 68% eram meninas e 32% meninos, com idade
média de 14-15 anos. As informações fornecidas por pessoas envolvidas em um incidente de
sexting e aqueles testemunhando um incidente sexting corresponderam razoavelmente bem. A
maioria das imagens foi divulgada por texto e algumas postadas no Facebook; outras vítimas
de sexting tiveram imagens divulgadas no MSN e Blackberry Messenger.
Todas as vítimas e testemunhas disseram que o agressor era conhecido da vítima,
geralmente um "amigo" ou "ex-namorado”. A maioria dos relatos descreve que as imagens
atingiram um público amplo (todos; amigos de amigos; grupo de amigos). Em 60% dos casos,
a imagem íntima foi removida, mas em um grande intervalo de tempo, que variou de horas a
meses. Quando questionados sobre o que eles fizeram quando souberam o que estava
acontecendo, tanto as vítimas quanto as testemunhas, as estratégias mais utilizadas foram contar
a um amigo e não fazer nada. Porém, algumas testemunhas disseram que os envolvidos em
186
sexting tinham contado a um professor ou denunciado à polícia, embora nenhuma das vítimas
relatou isso.
O filme foi avaliado como satisfatório e bom pela maioria dos estudantes, no
entanto a classificação das meninas foi significativamente maior do que a dos meninos em todos
os aspectos do filme.
Quando questionados no pré-teste a respeito do que fariam caso fossem vítima de
uma situação de sexting, 53% disseram que iriam confrontar o agressor, 51% contariam a um
amigo, 48% contariam aos responsáveis, e 5% não fariam nada. No pós-teste, os resultados para
a mesma pergunta foram: 54% confrontariam o agressor, 52% contariam a um amigo, 51%, aos
responsáveis, e 3% não fariam nada. Com relação às outras estratégias, os pesquisadores
encontraram um aumento nas estratégias: reportar para o website (de 39% para 49%); denunciar
à polícia (de 30% para 38%) e contar a um professor (de 22% para 30%).
Também no pré-teste, quando questionados sobre o que fariam se testemunhassem
um caso de sexting, 44% disseram que confrontariam o agressor, 42% contariam a um amigo,
34% reportariam ao website, e 8% não fariam nada. No pós- teste, houve mudança pouco
significativa na estratégia “não fazer nada” (5%). No entanto, reportar ao site aumentou de 34%
para 42%, contar a um professor, de 26% para 35%, e denunciar à polícia, de 28% para 36%.
Os autores concluem que, de forma geral, as meninas mais jovens e que já foram
vítimas de sexting classificaram melhor a intervenção com o filme. Entretanto, a intervenção
não apresentou forte impacto sobre as estratégias de enfrentamento da maioria dos estudantes.
A terceira estratégia avaliada pelos pesquisadores da Daphne III foi a intervenção
com os cybermentores dentro do projeto Beatbullying. As principais ações dessa proposta
foram apresentadas por nós anteriormente, no entanto, Thompson e colegas (2012)
complementam as informações sobre o programa. Descrevem que os alunos cybermentores
participam de oficinas de formação com duração de 2 dias, organizadas pelas escolas ou pelas
autoridades locais. Esses alunos atuam dentro e fora das escolas, como já citamos, possuem
uma identidade online, são protegidos por um software, chamado netmod, e são apoiados por
uma equipe de adultos que fazem parte do programa Beatbullying.
O questionário mostrou que mais da metade das escolas que responderam
conheciam o trabalho com os cybermentores, mas apenas 14% realmente o implantaram na
escola. Daqueles que implantaram, a maioria considerou a proposta muito eficaz para a
promoção da segurança virtual e para lidar com o cyberbullying.
187
A fim de realizar a investigação, dois questionários online foram enviados para os
alunos, tanto aos cybermentores, quanto aos alunos que eram acompanhados pelos
cybermentores. Os participantes foram convidados a fornecer informações sobre incidentes de
cyberbullying relatando o que aconteceu, a identidade dos autores (incluindo idade e sexo), os
meios utilizados para a prática da agressão, a duração do ocorrido e as estratégias de
enfrentamento utilizadas pelas vítimas. Os cybermentores foram questionados sobre quais
aconselhamentos e que tipo de apoio deram às vítimas e se eles sabiam se a agressão havia
parado. Eles foram convidados, também, a avaliar a sua formação, os procedimentos de
encaminhamento e os níveis de apoio prestado pela equipe Beatbullying. Avaliaram, ainda, a
utilidade do aconselhamento e o apoio prestado à vítima e se usariam o mesmo procedimento
novamente.
Foram coletados 74 questionários online, tanto dos alunos cybermentores quanto
dos adultos que acompanhavam o trabalho dos cybermentores, e a maioria dos participantes era
do gênero feminino (86%), com a idade variando de 11 a 25 anos. Do total, 97% avaliaram
positivamente a formação que receberam da equipe Beatbullying, 39% consideraram o site fácil
e 54% muito fácil de usar; 77% se sentiram muito seguros e 87% muito apoiados pela equipe
Beatbullying. Mais da metade dos cybermentores gastou mais tempo do que o recomendado
(dez minutos) com os sujeitos que os procuravam e 42% acompanharam jovens que tinham sido
vítimas de cyberbullying; 42% dos incidentes de cyberbullying relatados pelos participantes
duraram algumas semanas, e a maioria ocorreu no Facebook; além disso, mais da metade foi
considerado de média gravidade e um terço considerado grave ou muito grave. Apenas 21%
dos cybermentores tinha conhecimento se a agressão havia parado. Os cybermentores também
relataram as estratégias de enfrentamento de seus orientandos, vítimas de cyberbullying: 45%
contar a um professor, 39% a um amigo, 39% aos pais ou responsáveis. Poucas vítimas tinham
envolvido a polícia (3%) ou confrontaram o agressor (6%).
Do total de 106 questionários online preenchidos pelos sujeitos orientados pelos
cybermentores, a maioria (90%) era do gênero feminino e a idade variou de 9 a 18 anos (mas a
maioria tinha 15 anos). Desse total, 44% consideraram fácil e 44% muito fácil entrar em contato
com um cybermentor, e 44% gastaram mais de 10 minutos conversando com um mentor.
Dos 42 sujeitos que disseram ser vítimas de cyberbullying, 83% possuíam entre 11-
16 anos e todos (com exceção de um menino) eram do gênero feminino. Elas consideraram a
maioria dos incidentes graves (39%) ou muito graves (36%). Grande parte dos incidentes (57%)
durou mais de um mês, e 28%, algumas semanas. Mais da metade dos casos ocorreu no
188
Facebook. Dois terços dos incidentes envolveram de uma a quatro pessoas com idade entre 9 e
16 anos, e um terço envolveu dez ou mais pessoas. Um caso envolveu cerca de quarenta pessoas.
Mais da metade dos alunos vítimas de cyberbullying contaram a um amigo (57%), 53% aos
pais, 47% a um professor, e 47% relataram o problema ao site. Poucos envolveram a polícia
(8%) e 17% não contaram a ninguém. A maioria considerou os conselhos dos cybermentores
úteis (40%) ou muito úteis (40%) e disseram que voltariam a procurá-los se precisassem. Eles
também recomendariam os cybermentores a um amigo.
Em suma, os autores afirmam que, embora o Beatbullying seja conhecido no Reino
Unido, surpreenderam-se com o fato de muitas das escolas não conhecerem a proposta dos
cybermentores. Com relação à grande participação das mulheres, esclarecem que era opcional
responder ao questionário e talvez os meninos não quiseram responder, no entanto afirmam que
esse desequilíbrio entre os gêneros é comum na maioria dos sistemas de apoio entre pares.
Discutem, também, que houve coerência entre as informações relatadas pelos cybermentores e
os sujeitos que os procuraram para pedir ajuda.
A quarta e última estratégia avaliada, The Safer Schools Partnership36, é parte do
Youth Crime Action Plan, em conjunto com o Home Office; Department of Children, Schools
and Families; Youth Justice Board e com a Polícia para combater o elevado nível de
criminalidade e comportamento antissocial dentro e no entorno das escolas. O projeto consiste
basicamente em introduzir um agente policial para trabalhar regularmente em uma escola, em
tempo integral ou meio período, para ajudar e aconselhar a comunidade escolar, especialmente
os alunos que apresentam comportamentos antissociais, incluindo aqueles que se envolvem em
situações de bullying. O papel do agente é o de tornar as escolas mais seguras, e, em algumas
escolas em que foi implantada essa estratégia, aumentou o número de casos de cyberbullying.
A investigação do Daphne III apontou que, embora a maioria das escolas
conhecesse o The Safer Schools Partnership (90%), pouco menos de dois terços das escolas
implantaram a proposta. Das escolas em que havia o agente da polícia, denominado de police
community support officer (SSPO), 82% recorreram a ele para ajudá-los a intervir em algum
caso de cyberbullying. Nesses casos, o SSPO aconselhou os envolvidos e emitiu avisos aos
alunos, em alguns momentos envolvendo também os pais. Alguns SSPOs utilizaram
abordagens restaurativas para lidar com o cyberbullying, e o impacto desta proposta no combate
36
Site: http://www.justice.gov.uk/youth-justice/prevention/safer-school-partnerships
189
aos incidentes de cyberbullying foi avaliado pelas escolas como eficaz (51%) ou muito eficaz
(35%).
Por fim, após a explanação das quatro estratégias avaliadas pelos autores, eles
apontam que os trabalhos com os dois filmes foram bem avaliados pelos alunos, em todos os
aspectos, indicando que são eficazes no sentido apreciativo e informativo. No entanto,
pareceram não impactar de forma significativa na mudança de estratégias de enfrentamento dos
jovens para lidar com o cyberbullying. Com relação à intervenção com os cybermentores,
enfatizam que o programa foi considerado de extrema importância tanto para quem atua como
cybermentor quanto para quem precisa da ajuda do cybermentor. Advertem que o impacto dessa
ação para ajudar jovens vulneráveis é evidente e avisam que existem planos para expandir o
programa para outros países europeus. Com relação aos oficiais de polícia, indicam que têm um
papel positivo, não só ajudando a definir os limites da legalidade e ilegalidade do cyberbullying,
mas também favorecendo a aproximação entre as escolas e as comunidades que as cercam.
Por fim, ressaltam o fato de encontrarem mais as meninas do que os meninos
envolvidos em casos cyberbullying e sexting e afirmam que consideraram surpreendente o fato
de meninas de a partir de 13 anos de idade serem vítimas de sexting.
Análise do programa
Consideramos relevante apresentar todas as estratégias educativas desenvolvidas
no Reino Unido com relação à intervenção ao bullying a fim de evidenciarmos que o trabalho
dos cybermentores não é uma estratégia isolada e, portanto, caminha em parceria com outras
práticas. Embora não fique claro o referencial teórico utilizado pelos autores do programa,
Cowie (2012) afirma que o apoio entre pares é uma intervenção antibullying amplamente
utilizada em escolas primárias e secundárias do Reino Unido, como pudemos observar na
descrição das estratégias supracitadas. São ações projetadas para melhorar habilidades de
resolução de problemas interpessoais em crianças e jovens, capacitando-os para identificar os
problemas interpessoais e para geri-los de forma não violenta.
A autora valida a importância desse tipo de intervenção uma vez que os jovens
recebem formação para lidarem com os conflitos e para ajudarem seus pares a se relacionarem
entre si de uma forma mais construtiva. Afirma que esse tipo de interação ajuda a reduzir o
preconceito e promove a confiança através de gênero e grupos étnicos, bem como são dadas
190
oportunidades aos alunos para aprenderem boas habilidades de comunicação, a compartilharem
informações e a refletir sobre suas próprias emoções nos relacionamentos com os outros.
Como aspectos positivos especificamente do programa Beatbullying -
cybermentores, citamos o conteúdo abordado na formação que os jovens recebem. As oficinas
realizadas trabalham temáticas importantes para a atuação dos cybermentores, tais como:
habilidades de tutoria, habilidades de comunicação, trabalho em equipe, e também aprendem a
usar o site que atendem as vítimas, tudo isso a partir de atividades disparadoras que envolvem
discussões, trabalho em grupo, exercícios, jogos e dramatizações etc. No entanto, sentimos
necessidade de obter mais informações sobre as estratégias de comunicação e mediação que
utilizam na comunicação com as vítimas que pedem ajuda, como, por exemplo, o tipo de
linguagem que utilizam, se há algum tipo de acolhimento, orientação etc.
O acompanhamento e suporte que recebem dos adultos também é um aspecto
relevante, uma vez que, dependendo do caso recebido, pode ser que o cybermentor não saiba
como intervir da melhor forma e podem pedir ajuda aos adultos imediatamente. Também é
relevante o fato de os cybermentores estarem disponíveis tanto online nos horários de intervalo,
após o horário da escola e nos finais de semana, quanto presencialmente durante o horário
escolar.
Não ficou claro para nós se são necessariamente os pares da mesma sala de aula ou
escola que atuam ajudando as vítimas. Pareceu-nos que alunos são formados para atuarem em
diversas escolas, independentemente se são ou não alunos daquelas escolas. Esse dado é
importante, pois consideramos mais eficaz um programa em que os próprios pares da sala ou
escola são formados para ajudar, uma vez que pertencem à e conhecem a realidade da sua
escola.
Também não conseguimos esclarecer quais são as outras estratégias que compõem
o programa Beatbullying, pois a ação dos cybermentores é uma das possibilidades dentro do
programa. Foram apresentadas todas as estratégias utilizadas pelas escolas britânicas, contudo,
não foram identificadas quais pertenciam ao Beatbullying e quais não pertenciam.
Com relação à avaliação do programa, lembramos que Thompson e colegas (2012)
afirmam que as pesquisas britânicas mostram uma redução significativa do bullying tradicional
após a implantação dessas ações antibullying nas escolas, entretanto os casos de cyberbullying
permaneceram inalterados. Isso significa que a ação dos cybermentores não é suficiente para a
redução dos casos de cyberbullying. Uma explicação para esse dado pode estar relacionada com
o fato de que a ação do programa é somente voltada à intervenção ao problema após a ocorrência
191
da agressão virtual e não atua, portanto, de forma preventiva. Isso significa que não há
momentos em que os alunos possam refletir sobre as características e as consequências desse
tipo de violência, conhecer estratégias de prevenção e segurança no meio virtual, realizar
atividades sistematizadas visando à discussão desses problemas, vivenciar experiências em que
possam se sensibilizar com as vítimas etc. Nesse sentido, reiteramos que um bom programa
nessa área deve atuar não só intervindo após o problema ter ocorrido, mas também investir em
ações pautadas na educação moral e na educação digital para que, de fato, a prevenção e o
combate ao problema ocorra na prática.
Com relação à avaliação da atuação dos cybermentores, os autores indicam que
tanto os próprios cybermentores, quanto as vítimas que foram ajudadas consideraram o
programa de extrema importância e eficaz para a promoção da segurança virtual e para lidar
com o cyberbullying. No entanto, os autores afirmam que, apesar de mais da metade das escolas
conhecer o trabalho com os cybermentores, apenas 14% realmente o implantaram. Isso significa
que uma pequena parcela de estudantes conheceu, de fato, o programa.
Analisando também os resultados obtidos sobre os tipos de conselhos que os
cybermentores sugeriam às vítimas, identificamos que estavam relacionados à denúncia ou ao
pedido de ajuda a alguém. Entre os mais citados, estavam: contar o caso a um professor, a um
amigo, ou aos pais ou responsáveis. Concordamos que o primeiro passo para a superação desse
problema pode ser o pedido de ajuda, porém o fato de pedir ajuda não significa que ela será
capaz de lidar com as possíveis consequências de uma agressão no meio online ou com novos
problemas que podem surgir. Acreditamos, também, na importância de que a vítima aprenda
não só estratégias de segurança no meio online para que saiba se proteger, mas que seja também
instrumentalizada para saber lidar com os problemas de âmbito virtual, para que se sinta forte
o suficiente para enfrentar a situação.
Com relação ao tempo recomendado para atender as vítimas, indagamos se esse
marco de dez minutos é necessário, além de consideramos que um problema tão sério precisa
de atenção, cuidado e acompanhamento durante um tempo muito maior.
Gostaríamos de questionar, também, outros resultados que os autores apresentaram.
Começando pelo fato de encontrarem entre os 42 sujeitos que disseram ser vítimas de
cyberbullying, todos (com exceção de um menino) serem do gênero feminino. Os autores
tentam explicar esse dado esclarecendo que era opcional responder ao questionário e talvez os
meninos não quiseram responder, mas sentimos a necessidade de mais explicações para esse
fato. Por que as meninas estariam mais propensas a relatar os casos ou a procurar ajuda?
192
Ademais, elas consideraram a maioria dos incidentes graves (39%) ou muito graves (36%), e,
se foram considerados graves e a atuação dos cybermentores era voltada apenas para casos
considerados leves, como a equipe de adultos conselheiros conduziu esses casos? Essas
indagações não foram esclarecidas pelos autores.
Com relação à duração dos incidentes, encontraram que grande parte (57%) durou
mais de um mês e 28%, algumas semanas. Para quem é vítima, é tempo mais que suficiente de
sofrimento prolongado. Contudo, não podemos inferir que, pelo tempo de duração dos
incidentes, eles cessaram. Como vimos no quadro teórico deste estudo, um único ato de
agressão virtual causa sérios impactos na vida vítima durante muito tempo, pois as ações no
meio virtual podem ser replicadas inúmeras vezes e atingir um número extenso de espectadores.
Vimos, também, que os conteúdos inseridos no ciberespaço podem permanecer online durante
muito tempo, uma vez que não temos mais controle desses conteúdos a partir do memento que
estão na rede virtual. Isso significa que o instrumento que mede a duração dos incidentes pode
não compactuar com a realidade, pois sabemos que os incidentes podem ser sentidos pela vítima
durante anos e não semanas e dias, já que o conteúdo pode permanecer no tempo, no espaço
virtual.
Há ainda a necessidade de destacarmos outro dado apresentado pelos autores: mais
da metade dos casos ocorreu no Facebook e dois terços dos incidentes envolveram de uma a
quatro pessoas com idade entre 9 e 16 anos. Os resultados indicam uma lacuna do programa: a
atuação dos cybermentores não engloba a educação digital. Como já apresentamos
anteriormente, a educação digital envolve o trabalho com os estudantes, inclusive com os mais
novos, de forma preventiva, visando ao aprendizado seguro e benéfico das novas tecnologias.
Esse dado enfatiza a necessidade de trabalharem também com a educação digital, pois indica
que crianças a partir dos 9 anos já utilizam o Facebook e são vitimizadas nessa rede social.
Por fim, os autores reconhecem a importância de adotar medidas cabíveis de
utilização da internet e formação online para os funcionários, alunos, pais, mas sugerem a
intervenção de oficiais da polícia para posicionar os membros da escola a respeito da ilegalidade
do bullying online. Como já discutimos anteriormente, tratar o bullying e o cyberbullying do
ponto de vista da criminalidade não é suficiente para prevenir ou combater esses problemas na
escola, uma vez que a punição não atua nas causas desses tipos de violência.
Em suma, o Beatbullying apresenta uma proposta considerada válida por nós, que
é a formação dos cybermentores, uma das estratégias de apoio entre pares. Contudo, esta
prática, isolada de outras ações (como a educação digital, por exemplo) que visam também à
193
prevenção da cyber agressão, parece ser insuficiente para a superação de problemas de
convivência no espaço virtual, como sugerem os resultados do programa apresentados pelos
autores.
5.4.4 Cybertraining
Categoria 1- Objetivos
O projeto Cybertraining: A Research-based Training Manual On Cyberbullying,
foi desenvolvido entre outubro de 2008 e setembro de 2010 por equipes compostas por
pesquisadores de diversos países da Europa, entre eles: Alemanha (responsável pela
coordenação), Portugal, Espanha, Reino Unido, Irlanda; por especialistas em TIC e cultura
194
digital da Bulgária, Suíça e Noruega; e apoiado pelo Life Learning Programme da Comissão
Europeia. Matos e colegas (2009) descrevem que o principal objetivo do programa foi a
elaboração de um manual de formação e informação, para ser utilizado por profissionais de
educação envolvidos na formação de pais, agentes escolares e jovens, embora também possa
ser utilizado por todos aqueles que se preocupam com ou debatem o problema do cyberbullying.
Categoria 3- Características
Consiste em um manual formativo e informativo, elaborado por uma equipe de
pesquisadores, e que pode ser utilizado por profissionais de educação que atuam na formação
de pais, agentes escolares e alunos.
Categoria 4- Conteúdos
Nas palavras de Matos et al. (2011, p. 189), o manual é composto por sete módulos
que podem ser utilizados de forma flexível, em função dos objetivos específicos e das
características do grupo de formandos. Esses módulos consistem de uma parte inicial mais
teórica e uma parte que visa à prática, contendo diversas atividades e recursos. Cada módulo de
formação foi elaborado por uma equipe específica, formada por membros de uma ou duas das
instituições parceiras. A primeira fase consistiu na discussão coletiva sobre a estrutura do
material, realizada em um fórum online na plataforma Moodle do projeto. Posteriormente, cada
equipe elaborou o respectivo módulo em língua inglesa, que passou novamente por uma
discussão coletiva no fórum online, com o objetivo de realizar uma avaliação do material, além
de apresentar sugestões e recomendações. Na fase final do processo de construção colaborativa
do manual, foram realizadas reuniões via Skype, com o intuito de tomar as decisões finais sobre
195
a estrutura e os conteúdos dos diversos módulos. Após a elaboração dos módulos, eles foram
avaliados por especialistas de diferentes países, sendo cada um foi avaliado por, pelo menos, 2
especialistas (um investigador e um formador). Posteriormente, cada equipe realizou a
reformulação de seu módulo a partir das recomendações dos avaliadores. Por fim, foi elaborada
a versão final do manual.
Os primeiros quatro módulos apresentam uma introdução geral ao tema. Os
conteúdos abordados são: princípios e estratégias de formação, TIC e segurança na Internet,
caracterização do cyberbullying e algumas abordagens europeias de combate a esse problema.
Os três últimos módulos são mais orientados para a prática do formador. Os módulos
apresentam uma estrutura semelhante, a primeira parte é teórica em que, após um resumo, a
introdução e a explicitação dos objetivos e dos resultados esperados, é apresentada uma síntese
de informações atuais sobre cada tema. A segunda parte inclui atividades que visam a
aprofundar, discutir e refletir sobre o tema ou determinado conteúdo. A maioria das atividades
utiliza materiais como relatos, narrativas, vídeos, entre outros. Também estão disponíveis nos
módulos outros recursos online, além de sugestões de materiais adicionais, como vídeos,
referências bibliográficas úteis etc.
Categoria 5- Atividades
O primeiro módulo Introdução à formação: princípios e estratégias é introdutório
e oferece aos formadores informações e orientações que podem lhes auxiliar no
desenvolvimento das suas competências de formação no sentido de lidarem eficazmente com o
tema cyberbulling. As informações iniciais consistem em alguns princípios básicos que devem
orientar as atividades de formação. Posteriormente, são apresentadas orientações gerais sobre
as especificidades da aprendizagem em diferentes grupos etários. Para responder às dificuldades
dos formadores, foi desenvolvida uma seção intitulada desenvolvimento de competências de
formação, que aborda algumas competências de relações interpessoais e de comunicação
básicas e sugestões sobre formas de melhorá-las, bem como algumas estratégias para planificar
e desenvolver uma formação eficaz. Por fim, na área denominada metodologias e estratégias
para a formação, são oferecidas orientações e sugestões práticas sobre como utilizar alguns
casos e imagens na formação.
196
O segundo módulo, intitulado introdução às TIC e à segurança na Internet, visa a
apresentar os novos meios de comunicação e oferecer-lhes uma visão geral sobre a influência
que eles têm na vida dos jovens. Na primeira parte, é apresentada uma introdução sobre os
princípios fundamentais da Internet e, depois, uma reflexão acerca de sua evolução e do uso
que os jovens fazem dela. Procura também abordar a importância que os meios de comunicação
têm no cotidiano dos jovens e as diferenças na forma como os adultos entendem o “real” e o
“virtual”. Por fim, é apresentada na última sessão uma discussão sobre os benefícios e riscos
que os novos meios de comunicação apresentam para os jovens. Ao longo desse módulo, são
disponibilizados diversos recursos, como relatórios, narrativas e vídeos, que ilustram os
conteúdos trabalhados.
No módulo seguinte, é trabalhado o cyberbullying especificamente. São
apresentados conceitos e as características desse fenômeno, bem como as facetas que pode
assumir e a prevalência do problema. No final, é apresentada uma reflexão sobre o impacto e
as consequências que o cyberbullying pode causar na vida dos envolvidos. Também são
oferecidas atividades e recursos que visam a sensibilizar os formandos para a amplitude e a
gravidade dessa problemática.
O manual aborda no quarto módulo, prevenir e combater o cyberbullying as
iniciativas, projetos e estratégias que foram consideradas eficazes na prevenção e na redução
do bullying, tanto a nível da escola e da comunidade educativa, quanto o trabalho com os alunos
ou as intervenções diretas com autor e alvo. A segunda parte aborda as intervenções específicas
que têm sido desenvolvidas para combater o cyberbullying e também projetos e estratégias que
têm sido adotadas a fim de reduzir e combater o problema, tais como campanhas
governamentais, iniciativas de ONGs, orientações fornecidas para o uso adequado e seguro da
Internet, entre outras. As atividades sugeridas no final do módulo almejam promover a
discussão e a reflexão crítica sobre as dificuldades relacionadas à implementação de medidas
legais, bem como sobre as ações dos governos e das ONGs. É realizada também uma reflexão
sobre as características das crianças e dos jovens mais vulneráveis ao cyberbullying. São
disponibilizados recursos que descrevem os projetos e métodos específicos mais utilizados,
além de sugestões de estratégias eficazes no combate ao bullying e ao cyberbullying.
Os três últimos módulos dirigem-se à prática e ao trabalho desenvolvido com pais,
escolas e jovens. O módulo cinco, intitulado trabalhar com pais, apresenta informações,
atividades, exercícios e recursos que os formadores podem utilizar no trabalho com as famílias,
tanto relacionadas à caracterização do fenômeno quanto a ajudar os pais a perceberem se os
197
filhos são vítimas de cyberbullying. Os pais também recebem orientação e conhecem diversas
estratégias de atuação, caso descubram o envolvimento dos filhos em situações de vitimização.
O módulo seguinte, trabalhar com escolas, visa a auxiliar a comunidade educativa
(professores, funcionários e outros agentes educativos) a desenvolverem ações necessárias à
abordagem do problema do cyberbullying. O objetivo é sensibilizá-los para a importância do
papel que desempenham no sentido de ajudar os adolescentes a desenvolverem a capacidade de
lidar com o problema de agressão no meio virtual. Os autores (2011, p. 191) afirmam que as
escolas desempenham um papel fundamental na prevenção e no diagnóstico de casos de
cyberbullying, bem como nas medidas a serem tomadas para lidar com o fenômeno; por isso,
no sexto módulo são apresentadas propostas educativas tanto de prevenção quanto de
intervenção ao problema. As propostas preventivas abarcam: compreender e discutir sobre
cyberbullying; analisar a atualização das políticas e das práticas existentes na escola e facilitar
o relato de casos de cyberbullying, mediante a disponibilização de canais anónimos de
denúncia; promover a utilização positiva das TICs; avaliar tais medidas de prevenção
implementadas. Também são sugeridas atividades que permitem aos formandos discutir e
refletir sobre o fenômeno, a partir da utilização de vídeos e links para sites que oferecem
conselhos e exemplos de boas práticas. As propostas de intervenção, após a confirmação de um
caso específico na escola, envolvem o apoio ao alvo; a investigação dos incidentes; o trabalho
com o agressor e aplicação das sanções. Também são sugeridas atividades e recursos que
auxiliam os formadores a ilustrar os diversos conteúdos e a envolver os formandos no processo
de formação.
Por fim, no último módulo, intitulado trabalhar com os jovens, são apresentadas
diversas atividades que podem ser desenvolvidas com os alunos, objetivando trabalhar os
conhecimentos necessários sobre o tema, motivá-los e apoiá-los para que participem de
iniciativas de combate ao problema e ajudá-los a desenvolver a empatia com os alvos de
cyberbullying. As atividades visam a refletir sobre os diferentes papéis em situações de agressão
no meio online, sobre a questão da responsabilidade daqueles que assistem às agressões e da
relevância das sanções ou de outras medidas educativas alternativas. As estratégias são
desafiadoras, na visão dos autores, pois convidam os jovens a avaliar as ações preventivas e de
combate ao cyberbullying e até planejar uma campanha de prevenção para a sua escola. As
ações objetivam não só consciencializar os jovens sobre a necessidade de se auto protegerem
contra o cyberbullying, mas também do seu possível papel enquanto defensores de colegas
vitimizados.
198
Análise do programa:
Entendemos, a partir dos trabalhos analisados, que o Cybertraining é um manual ou
um guia didático construído com o objetivo de embasar as ações de um possível programa.
Consideramos a sua relevância por abordar temas que julgamos importantes em um trabalho
nessa área, contudo com algumas ressalvas.
O manual propõe o trabalho com temas, como o uso das TICs pelos jovens, a
influência dos meios digitais em suas vidas, a segurança na Internet, os benefícios e riscos que
os novos meios de comunicação têm para os jovens; indicando que valorizam os conteúdos
envolvendo a educação digital. Também aborda o cyberbullying, suas características e
incidência, as consequências para a vida dos envolvidos, indicando um trabalho que visa à
compreensão e à sensibilização para esse problema; bem como aborda também as facetas que
pode assumir, o que sugere que outros tipos de agressão virtual são apresentados.
Outro aspecto positivo que destacamos é o fato de disponibilizarem no final dos
módulos os recursos que ilustram e que podem ser usados para se trabalhar com os temas, tais
como: relatórios, histórias e vídeos. Com relação à parte prática, identificamos que o manual
sugere o trabalho com as famílias, os profissionais da escola e os alunos, o que é considerado
por nós essencial para o desenvolvimento de um programa nessa área. No módulo que visa ao
trabalho com os alunos, estratégias e reflexões relevantes são propostas, tais como:
conhecimentos necessários sobre o tema, atividades que almejam refletir sobre os diferentes
papéis em situações de agressão no meio online, a responsabilidade daqueles que assistem às
agressões; o incentivo aos jovens para que participem de iniciativas de combate ao problema; e
a necessidade de desenvolver a empatia com os alvos de cyberbullying. As estratégias indicam
37
http://www.cybertraining-project.org/book
201
que há uma preocupação dos autores em propor ações que visem tanto à intervenção após a
ocorrência de um caso, quanto à prevenção dessa forma de violência.
Entretanto, algumas ressalvas com relação a esse programa são necessárias. Matos
e colegas (2009) apontam que o principal objetivo do programa foi a elaboração de um manual
de formação e informação, para ser utilizado por profissionais de educação para trabalhar o
tema do cyberbullying. Discordamos dos autores, pois consideramos que o uso manual pode
ser suficiente para informar, mas não para formar os profissionais de educação. Ou seja,
acreditamos que apenas propor a leitura do manual não é suficiente para a formação desse
profissional que atuará na escola. Isso porque ele precisa se envolver em outras ações para que
seja de fato capacitado para a realização desse trabalho, precisa, por exemplo, debater o tema
com especialistas da área e outros profissionais da escola, ter contato com pesquisas sobre o
tema, identificar os problemas que incidem em sua escola, refletir sobre sua prática, conhecer
e estudar o referencial teórico que está por trás das ações propostas. Se isso não ocorre, ele
apenas reproduz o que está escrito no manual, mas não compreende, de fato, a concepção teórica
e os mecanismos que embasarão suas ações.
A esse respeito, também destacamos o fato de os autores não apresentarem os
referencias teóricos utilizados para a construção do manual. Apenas apontam que os módulos
foram construídos a partir das necessidades relatadas por formadores e especialistas da área e
em suas propostas e sugestões. O fato de não conhecermos os pressupostos teóricos que
embasam as ações propostas impede-nos de realizarmos uma avalição minuciosa do programa.
Ademais, o programa não foi avaliado após a implantação do uso do manual pelos
profissionais de educação, o que significa que não há clareza se a proposta contribuiu para o
combate ao cyberbullying.
Em síntese, o programa Cybertraining apresenta conteúdos essenciais para um bom
trabalho de prevenção ao cyberbullying, porém ressaltamos que é um guia didático que pode
ser usado sem formação prévia do profissional; que não foi avaliado após ser implantado como
um programa; e que não há aporte teórico que o sustente. Dessa forma, podemos inferir que há
contribuições, mas seu alcance transformador é questionável.
Categoria 1- Objetivos
O programa PRIRES é de autoria do pesquisador espanhol José Maria Avilés
Martinez e colaboradores. Pretende intervir e prevenir os maus tratos em contextos virtuais das
redes sociais, focando pincipalmente o cyberbullying. Assim como o ConRed, também é parte
do plano de convivência escolar e compreende o cyberbullying como um dos problemas de
convivência presentes neste espaço.
Categoria 3- Características
O PRIRES é um programa educativo que faz parte de um projeto maior, o projeto
antibullying da escola, que, por sua vez, integra o plano de convivência. Primeiramente,
descreveremos as premissas do projeto antibullying enfatizando o trabalho com o cyberbullying
e, posteriormente, descreveremos as ações específicas do PRIRES.
O projeto antibullying voltado às intervenções com o cyberbullying deve ser
desenvolvido em 3 etapas. A primeira delas consiste em um trabalho de conscientização e
sensibilização com os integrantes das três frentes de trabalho, descritos da seguinte forma pelo
autor (2013 p. 224-226):
Compartilhar informações sobre o cyberbullying (as formas como se manifesta, as
consequências, os danos causados a vítima etc.) por meio de cartazes, adesivos, folhetos,
campanhas a fim de alertá-los para a dimensão do problema.
Informar sobre os riscos do cyberbullying: divulgar, principalmente entre alunos,
os riscos da exposição no meio virtual, a resposta aos ataques, o papel do espectador, a forma
de buscar ajuda etc.
Identificar os sinais que os envolvidos podem manifestar: não querer falar do
assunto, apresentar sinais de ansiedade, angústia, depressão, ser excluído de grupos sociais,
manifestar interesse com ideias ou grupos perigosos encontrados na rede, fazer comentários
cruéis a respeito de colegas etc.
Apresentar estratégias seguras que podem utilizar se o problema acontecer: não
confrontar o agressor no meio virtual, pedir ajuda a alunos mentores e adultos, guardar provas
do que está acontecendo mesmo que não seja a vítima, denunciar os ataques aos provedores das
páginas virtuais etc.
Difundir regras de boas práticas online que incluem: aprendizagem do uso saudável
das novas tecnologias, controle sobre as informações pessoais, acompanhamento dos que
204
iniciam a utilização dessas tecnologias etc. Firmar essas regras como um contrato estabelecido
entre os membros da comunidade educativa.
Uma segunda fase seria diagnosticar os problemas da escola, com a finalidade de
investigar a incidência do fenômeno. Por isso, o pesquisador sugere que se faça o uso de
instrumentos que avaliam os casos de cyberbeullying, tais como: questionários pormenorizados
que oferecem legitimidade e confiabilidade estatística, e listas de verificação, questionários
menos sistematizados que consistem em listas de ações de determinadas práticas online.
Após essa triagem, a terceira etapa consiste na realização de trabalhos de prevenção,
que devem ser sistematizados em torno de duas medidas: organizativa e formativa/informativa.
Nas palavras do autor, essas são as características que compõem essas medidas:
Organizativa:
- Formar uma comissão de convivência que atuará de forma intencional na
prevenção do cyberbullying, compostas por membros da gestão, orientação, famílias, alunos,
funcionários e professores.
- Eleger um professor com habilidades técnicas em informática para orientar os
alunos no ciberespaço.
- Assegurar que os professores tenham habilidade e conheçam o funcionamento dos
diversos dispositivos tecnológicos e suas ferramentas (internet, redes sociais, smartphones etc).
- Construir redes de apoio àqueles que se envolvem em casos de cyberbullying,
implantando sistemas de apoio entre pares, tais como equipes de ajuda, mentores e
cybermentores38.
- Criar um sistema anônimo de comunicação para denunciar incidentes de
cyberbullying (site, e-mail etc).
- Organizar um protocolo de atuação acordado e conhecido por todos os membros
da comunidade educativa.
Informativa e formativa:
Essas ações precisam envolver os membros das três frentes de trabalho e devem
abordar estratégias que podem utilizar na prevenção e intervenção ao fenômeno. O pesquisador
38
São sistemas de apoio entre pares desenvolvidos com a finalidade de envolver os alunos na resolução dos
problemas que têm; aprofundaremos a atuação dos cybermentores neste capítulo. A descrição mais detalhada dos
sistemas de apoio está nos trabalhos de Avilés (2010, 2013a, 2014b) e Torrego e Carlos (2012).
205
sugere como pauta para essa ação o trabalho com os alunos, professores, famílias e comunidade
educativa, que serão descritos a seguir.
Primeiramente, o trabalho com os alunos (AVILÉS, 2013a, p. 228-236) implica:
alertá-los quanto aos riscos a que estão sujeitos no espaço virtual, bem como propor estratégias
para evitá-los; discutir sobre o que é público e o que é privado no espaço virtual e a necessidade
de assegurar a intimidade; refletir sobre as respostas às agressões virtuais, enfocando
principalmente na assertividade, mas os alertando que o ideal é não entrar em confronto com o
agressor, guardar as provas e procurar ajuda. Alertá-los, também, com relação à associação a
sites ou comunidades virtuais de risco, tais como suicídio, anorexia, grupos extremistas; bem
como acerca do tempo que permanecem conectados, pois pode ocasionar isolamento ou
afastamento de grupos ou familiares de referência e impedi-los de dissociar a fantasia da
realidade.
Ademais, é necessário propor a discussão sobre a construção da identidade no
mundo virtual, principalmente no que diz respeito à: atributos próprios que podem ser usados
contra si mesmo no âmbito virtual; aceitação de si como realmente é e a não exposição de uma
imagem ilusória; fortalecer a resiliência perante às pressões das outras pessoas (realmente fazer
o que quer e não o que os outros querem que faça); práticas de condutas seguras no ciberespaço
(não acreditar em tudo que vê, diferenciar o falso do verdadeiro); pedir ajuda aos adultos quando
tem um problema online ou quando não sabe como agir.
Tem também como objetivo favorecer a empatia virtual e cognitiva dada a ausência
de feedback proporcionada pela distância e possibilidade de anonimato. É um trabalho realizado
por meio da análise das consequências das próprias ações e das ações dos outros no meio virtual.
Isso levará a outra tarefa, a de favorecer também o pensamento consequencial, vinculando a
ação e as suas consequências, visando à construção de tomada de decisões assertivas e a
aprendizagem do autocontrole, evitando as condutas impulsivas, as provocações e outras
situações de que poderão se arrepender depois.
Ao mesmo tempo, é preciso investir na educação moral como parte do currículo,
refletindo com o aluno sobre a importância de tomada de decisões éticas também no meio
virtual, independentemente se há alguém o observando ou não. As ações propostas pelo autor
a esse respeito estão vinculadas às seguintes questões: ser prudente e pedir ajuda quando
necessário; valorizar os verdadeiros amigos e não medir a popularidade dos outros pela
quantidade de amigos virtuais que têm; não ter como parâmetro o que conhece da vida das
pessoas na internet, pois as aparências podem não corresponder à realidade; resistir quando
206
tentam lhe convencer de algo que não acha correto ou que não acredita; não confiar em tudo
que vê na web; ter cuidado com os prêmios, as ofertas e promoções nesse espaço.
Outro procedimento favorável é implantar um modelo de prática restaurativa,
visando à resolução de conflitos por meio do diálogo, da colaboração e da cooperação. Nas
palavras do autor:
Categoria 4- Conteúdos
Avilés (2014a, 2015) propõe seis conteúdos de trabalho dentro do programa
PRIRES:
Privacidade: trabalhar a diferença entre espaço público e espaço privado, a
permanência e ausência de controle do conteúdo online, os conteúdos sensíveis e ações não
morais próprias e alheias daqueles que convivem no ciberespaço.
Comunicação: trabalhar no sentido de que o aluno aprenda a diferenciar os círculos
de comunicação online (pessoas conhecidas, parceiros, familiares, amigos, pessoas
desconhecidas), adotando estratégias de comunicação que garantam segurança técnica e
emocional.
Empatia virtual: envolver o aluno na perspectiva emocional do problema, ajudando-
o, partindo de situações concretas, a reconhecer sinais virtuais emocionais, usar códigos
emocionais ativando elementos da comunicação virtual e administrar as emoções no âmbito
virtual.
Pensamento consequencial: torná-los conscientes a respeito do impacto de suas
ações no outro, antecipar as consequências, ajudá-los a controlar a impulsividade, a adotarem
respostas equilibradas e a exercitarem o pensamento meio-fim.
Autorregulação: são sessões de perguntas e respostas relacionadas ao
autoconhecimento e à autoaceitação, que visam ao controle das emoções, à resiliência, ao
exercício do uso de acordos educativos estabelecidos nos segmentos tutoriais e familiares e à
autossuficiência tecnológica.
Riscos da Internet: trabalhar preventivamente os riscos online, adotando códigos
seguros, sabendo como enfrentar conteúdos perigosos na rede, tais como: as mentiras na web
(hoax), as tentativas de roubo de dados (Phishing), os aplicativos maliciosos (redes zumbi), a
identificação de publicidade enganosa (SMS de prêmios). Trabalhar também a prevenção de
agressões virtuais, como sexting, grooming, cyberbullying, happy slapping etc.
211
Categoria 5- Atividades
As atividades visam a auxiliar alunos, professores e famílias na construção de
estratégias que permitam gerir situações frequentemente vivenciadas nas redes sociais. O
PRIRES parte do pressuposto da necessidade de promover uma identidade social que seja
reconhecida pelos outros membros do grupo, de modo a contribuir com o desenvolvimento
moral do aluno, por meio de ferramentas sociais, pedagógicas e psicológicas, tais como a
cooperação, a adaptação às regras e a prática da gestão democrática (2015, p.32). Está centrado
na implicação das ações dos indivíduos à convivência escolar, lembrando que as redes sociais
também são espaços de convivência. Dessa forma, segundo o autor, é preciso também
proporcionar aos discentes a construção de uma identidade social virtual.
Pautado nos princípios do estruturalismo moral (KOHLBERG; KRAMER, 1969
apud AVILÉS, 2015), o programa aponta para o “progresso individual, na construção do
desenvolvimento moral do aluno, incidindo no avanço até conceitos e práticas de justiça
ancoradas em princípios universais” (p. 32). Por isso, a estratégia utilizada para o
desenvolvimento das atividades é apresentar aos alunos situações que envolvam conflitos de
convivência, que lhes permitam refletir, dialogar e propor resoluções conjuntas e de forma
colaborativa, visando à construção de caminhos sempre em direção a estágios pós-
convencionais39. A proposta é educativa e restauradora, e não punitiva, e deve oportunizar que
os alunos, de forma individual e em grupo, reflitam e tomem decisões assertivas em suas
práticas cotidianas nas redes sociais ou diante das situações de cyberbullying, tanto como
espectadores, quanto como protagonistas (autores e alvos). Ademais, desenvolve um trabalho
dentro da perspectiva de educação moral, incorporando: as emoções e sua gestão na convivência
escolar; o maltrato entre iguais em particular; a competência social e o treinamento em
habilidades sociais.
O programa não se limita somente à reflexão sobre os riscos a que os alunos estão
sujeitos nas redes sociais e às agressões virtuais, mas apresenta também um caráter formativo,
visando à tomada de decisões corretas frente a essas situações. Por isso, o PRIRES incorpora a
perspectiva moral.
São seis frentes de atuação que compõem o programa:
Caráter preventivo da intervenção: procura antecipar situações de risco online.
39
Na teoria de Lawrence Kohlber, o nível pós-convencional compreende dois estágios morais mais evoluídos, em
que a base da moralidade se dá por princípios universais.
212
Critério moral: visa à tomada de decisões autônomas dos estudantes.
Efeito somativo e formativo: abarca um caráter somativo, uma vez que as ações
formativas com os estudantes são reforçadas pelas intervenções de todos os agentes educativos.
Acompanhamento e supervisão: são tarefas dos professores e das famílias
acompanhar e supervisionar as atividades online dos alunos e estes precisam participar na
gestão de suas relações nas redes sociais.
Educação digital: proporciona oportunidades de enriquecimento digital para os
alunos.
Conteúdos de trabalho: abordar temas relevantes com relação aos riscos virtuais e
cyberbullying.
Análise do programa
O PRIRES é outro programa educativo espanhol que faz parte de um projeto maior,
o plano de convivência, assim como o ConRed. Como já enfatizamos anteriormente, avaliamos
os benefícios desta peculiaridade, uma vez que entendemos que a prevenção aos problemas
virtuais é mais eficaz se caminha com outras ações que visam à convivência positiva entre os
membros escolares, dentro de um ambiente escolar mais democrático. Além disso, o programa
também faz parte do projeto antibullying e integra o currículo escolar. Ele tem caráter
preventivo, mas o fato de pertencer ao projeto antibullying assegura o desenvolvimento de
ações específicas de diagnóstico e intervenção ao cyberbullying. Consideramos tanto as ações
que visam à prevenção, quanto as que visam à intervenção aos casos em que se conhecem os
envolvidos, essenciais para o combate ao problema.
Destacamos a relevância das três frentes de trabalho que compõem o projeto que
abarcam: os diagnósticos dos problemas virtuais; estratégias para informar, conscientizar e
sensibilizar a comunidade escolar para os perigos do problema; bem como formar pais, alunos
e professores para enfrentarem as situações de agressão virtual. Outro aspecto positivo é que
são os professores da própria escola que desenvolvem o trabalho com os alunos, suas famílias
e com os outros profissionais da educação.
Identificamos que o programa é baseado nos princípios da educação moral, um dos
critérios importantes levantados por nós. Tem como premissa o exercício da reflexão sobre as
ações prejudiciais que incidem no ciberespaço, bem como a tomada de decisões éticas também
nesse espaço, visando, portanto, à autorregulação das ações, e não à regulação por meio de
estratégias punitivas. O autor afirma que há intervenções distintas com alunos, famílias e
215
professores, contudo são alicerçadas pelas mesmas premissas dentro do âmbito da educação
moral, e, entre elas, destacamos o trabalho com valores que almejam a educação, e não a
proibição, e as ações pautadas no diálogo e na prática restaurativa.
O programa também abarca estratégias que visam à educação digital. Destacamos
as ações que identificamos com essa finalidade: a aprendizagem do uso saudável das novas
tecnologias, controle sobre as informações pessoais, acompanhamento dos que iniciam a
utilização dessas tecnologias, seleção de professores com habilidades técnicas em informática
para orientar os alunos no ciberespaço, formação dos professores para que tenham habilidade e
conheçam o funcionamento dos diversos dispositivos tecnológicos e suas ferramentas (internet,
redes sociais, smartphones etc.), assegurar que os alunos reflitam sobre a construção da
identidade no mundo virtual e as práticas de condutas seguras no ciberespaço. Além disso,
práticas que promovam o uso adequado da internet e redes sociais, tais como: comunicar-se de
forma saudável no ciberespaço, adquirir o hábito seguro das novas tecnologias, adaptar os
conteúdos à idade dos alunos, acompanhar a vida virtual dos alunos, fomentar a leitura crítica
dos conteúdos online, respeitar os limites à própria intimidade e à intimidade dos outros,
analisar as práticas online do ponto de vista ético, evitar os riscos no espaço virtual, valorizar
os benefícios das novas tecnologias, conhecer o funcionamento das diversas ferramentas
virtuais, tais como: aplicativos de mensagens, redes sociais etc.
Com relação às condutas educativas específicas com os alunos, destacamos o
trabalho visando à construção da autonomia moral, o conhecimento das características dos
diferentes tipos de agressão virtual, o trabalho reflexivo que realizam no intuito de alertá-los
sobre os riscos a que estão sujeitos no espaço virtual; discutir sobre a necessidade de garantir a
intimidade nesse ambiente; refletir sobre as estratégias de enfrentamento às agressões virtuais,
enfocando principalmente na assertividade, sobre o tempo que permanecem conectados,
fortalecer a resiliência perante às pressões das outras pessoas (realmente fazer o que quer, e não
o que os outros querem que faça); pedir ajuda aos adultos quando tem um problema online ou
quando não sabe como agir.
Com relação ao trabalho realizado com as famílias, avaliamos como aspectos
positivos a reflexão sobre as ações corretas no ciberespaço, o acompanhamento das atividades
online dos filhos, visando à orientação, e não à proibição, o ensino de conhecimentos técnicos
básicos e necessidade de promoção de espaços de diálogo com os filhos para que possam
compartilhar algo que acontece no espaço virtual.
216
O trabalho com os professores também é essencial, uma vez que são formados para
intervir em casos conhecidos de cyberbullying, tanto com as vítimas quanto com os autores e
espectadores de agressão virtual. Destacamos a relevância das seguintes atuações com os alvos:
oferecer apoio, ajudá-los a reconhecer seus pontos fortes e fracos diante das situações que lhes
acometem; incentivá-las a buscar ajuda com seus pares ou adultos; ensinar técnicas de
habilidades sociais e de assertividade; reintegrá-las no grupo se for necessário. Com os
agressores: a reflexão sobre suas condutas no ciberespaço, incentivá-los a reparar os danos que
cometeram, trabalhar a empatia afetiva e cognitiva com relação às vítimas, conscientizá-los a
respeito das consequências de seus atos nos outros, estabelecer acordos educativos visando à
restauração dos atos, incentivá-los a participar da resolução dos casos nas redes de apoio entre
pares existentes na escola. E com os espectadores: incentivá-los a prestar ajuda à vítima e
demonstrar que não apoiam a situação de agressão e envolvê-los nos sistemas de apoio entre
pares.
Este é outro ponto que avaliamos como positivo. O programa conta com mais um
item considerado essencial para nós, que é a formação de alunos cybermentores como uma das
estratégias de apoio entre iguais. Diferentemente do Beatbullying, são os alunos mais velhos da
escola que possuem habilidades técnicas com as TICs e que são formados para ajudar os outros
alunos a não cometerem erros que são comuns no ciberespaço, a evitarem a exposição da
intimidade e de dados pessoais; também ensinam algumas estratégias de segurança e são
responsáveis por incentivar os demais a pedir ajuda em caso de cyberbullying.
As atividades sugeridas pelo autor (AVILÉS, 2015b) parecem promover, de fato, a
reflexão, uma vez que a metodologia utilizada visa à análise de casos ou outras situações
envolvendo conflitos de ciberconvivência, em que os alunos podem refletir, dialogar e propor
soluções para os problemas apresentados. As propostas também contam com diversas
ferramentas disparadoras para o início de cada atividade, como vídeos, relatos, músicas,
dramatizações, exercícios de role play etc.
O único aspecto que avaliamos como uma lacuna do PRIRES, que compreendemos
ainda estar em fase de desenvolvimento e que o próprio autor reconhece, é a aplicação e a
avaliação do programa em larga escala. Vimos que foi desenvolvido um projeto piloto em uma
escola de ensino secundário da Espanha, contudo consideramos necessárias a aplicação e a
avaliação do programa para um número maior de sujeitos e incluindo os alunos mais novos, do
Ensino primário, uma vez que eles também necessitam dessa formação. Sim, pois, como já
afirmamos anteriormente, um programa eficaz nessa área deve apresentar um caráter formativo
217
e envolver alunos de diferentes faixas etárias, visando à prevenção da agressão virtual por meio
da educação moral e digital.
Validamos a ideia de que toda proposta educativa deva apresentar o respaldo teórico
que a legitime e a fundamente. Nesse sentido, destacamos o programa espanhol ConRed, que
evidenciou declaradamente a teoria científica que embasa as ações dos trabalhos. No entanto,
como já discutimos anteriormente, divergimos de algumas ações do programa, pois elas
apontam para a regulação dos sujeitos por meio de normatizações e convenções sociais, o que,
em nossa visão, são mecanismos de regulação externa que não favorecem a autonomia moral.
Gostaríamos de destacar e legitimar as ações do PRIRES, que, apesar de não
apontar especificamente a corrente epistemológica que o embasa, parte de pressupostos teóricos
da educação moral, estimada por nós.
A seguir, apresentaremos o quadro comparativo entre as características dos
programas.
Específicas:
Discussões e reflexões com alvos e autores, bem como com colegas
pró-sociais escolhidos, que são convidados a apoiar o colega
vitimado.
Fonte: autoria própria a partir da leitura dos trabalhos selecionados para estudo.
Dentro da perspectiva teórica adotada por nós para a realização deste estudo, um
programa nessa área deve estar embasado na educação moral. O programa PRIRES assume
declaradamente essa premissa teórica, contudo o Kiva, indiretamente, abarca algumas ações
que também caminham nesse sentido, quando sugerem, por exemplo, práticas reflexivas com
os envolvidos em agressão virtual ou quando propõem a discussão de casos reais ou situações
hipotéticas, em duplas e pequenos grupos.
Com relação à educação digital, lembrando que, para nós, são ações educativas que
visam a instrumentalizar os sujeitos para o uso seguro, positivo e benéfico das redes sociais
222
virtuais e de outras ferramentas da internet, os programas que abrangem essa função são os
espanhóis Conred e PRIRES, e parece-nos que o Cybertrainning também tem um módulo que
prevê um trabalho nesse sentido. Mas notamos que o Conred não realiza essa educação para
uso positivo das tecnologias com os alunos mais novos (do Ensino Funfamental I), o que, para
nós, seria essencial, já que estamos visando à prevenção por meio da educação.
Outro aspecto que contemplamos é a atuação educativa por meio de sistemas de
apoio entre pares. Como vimos, o número de espectadores de agressão online é muito maior, se
comparado com o número de alvos e autores, e, por isso, temos um número expressivo de
sujeitos que podem intervir e prestar ajuda à vítima. Sabemos, também, que nas situações de
agressão virtual os pares da escola, geralmente, tomam conhecimento sobre o que está
acontecendo com o alvo, uma vez que se relacionam ininterruptamente por meio de aplicativos
ou redes sociais. Ademias, os alvos geralmente procuram a princípio os próprios colegas da
escola para relatar alguma situação desrespeitosa que estão vivenciando online, como
comprovaram diversos estudos anteriormente apresentados por nós (SMITH; SLONJE, 2008;
YBARRA; MITCHELL, 2004; DEHUE et al., 2008; LIVINGSTONE et al., 2011). Isso
significa que precisamos instrumentalizar esses sujeitos que só observam para que possam se
colocar contra as práticas de agressão virtual. Podemos inferir, também, que sensibilizar os
espectadores desenvolvendo estratégias em que possam se colocar no lugar do alvo, como
fazem os sistemas de apoio entre pares, por exemplo, parece ser um caminho para superar esse
tipo de violência que repercute na escola. Os programas PRIRES e Beatbullying propõem o
trabalho com cybermentores, um tipo de estratégia de ajuda entre iguais, e, ainda que não
sistematizado e organizado, o Kiva também. Os alunos cybermentores são elementos
importantes dentro de um bom programa nessa área, pois são sujeitos formados para intervirem
especificamente em casos de agressão virtual. No caso do programa PRIRES, o trabalho é ainda
mais vantajoso, pois, além de orientar e incentivar as vítimas a comunicarem os casos de
cyberbullying aos adultos; também ajudam os colegas a não cometerem erros que são comuns
no ciberespaço, a dosarem a comunicação de dados pessoais, evitarem respostas inadequadas,
ebitarem expor a intimidade, conhecer as estratégias de segurança etc.
Por último, legitimamos o envolvimento dos atores escolares (famílias, professores,
alunos e comunidade) em todos os programas educativos analisados por nós, com exceção do
Beatbullying, pois consideramos necessário educar e instrumentalizar as famílias e os
profissionais da escola para lidarem com problemas de âmbito virtual, que podem tanto
acometê-los quanto acometer seus filhos ou alunos.
223
Comparamos, por último, os modelos avaliativos dos programas, bem como os
resultados apresentados pelos pesquisadores:
Podemos concluir que o programa PRIRES atendeu, de forma geral, os critérios que
julgamos necessários para a realização da análise das propostas selecionadas por nós.
1-OBJETIVOS Visam à prevenção X X X
Visam à intervenção X X X X
QUADRO 20- comparação final (programas e categorias de análise)
Fonte: autoria própria a partir da leitura dos trabalhos selecionados para estudo.
2-REFERENCIAL Sim X X
TEÓRICO
3- CARACTERÍS- Aplicado pelo professor X X
TICAS
Apresenta a duração X X X
Integra o currículo X X X
4-CONTEÚDOS Relevantes X X X X X
5-ATIVIDADES Envolve a comunidade X X X X
escolar
Sistema de apoio entre X X X
pares
Educação moral X X
Educação digital X X
6-AVALIAÇÃO E Avaliado X X X X
RESULTADOS
Resultados satisfatórios X X X X
(na perspectiva dos
autores)
226
Ressaltamos que o programa contempla aspectos importantes para o desenvolvimento de um
trabalho criterioso nessa área, tais como: a prevenção e intervenção à agressão virtual; o
embasamento da proposta na educação moral; ações voltadas para a educação digital; a
formação de alunos para integrar sistemas de apoio entre pares; a aplicação das atividades por
professores da escola em parceria com os alunos cybermentores; o envolvimento de toda a
comunidade educativa (professores, alunos e famílias); a avaliação do programa e apresentação
de resultados positivos (embora os autores apontem que outras avaliações são necessárias).
Dessa forma, o consideramos um programa de referência, que poderá inspirar
futuras ações em escolas brasileiras, uma vez que, do ponto de vista da educação moral numa
perspectiva construtivista, apresenta elementos essenciais para o desenvolvimento de uma
proposta educativa satisfatória, visando à prevenção e à intervenção à cyber agressão.
Contudo, não podemos deixar de citar a relevância dos outros programas, como,
por exemplo, o Kiva e o Conred, que também apresentaram aspectos positivos dentro das
categorias de análise levantadas por nós, tais como a integração ao currículo, o trabalho com
conteúdos importantes, como o vício em internet (Conred) e estratégias de apoio entre iguais
(Kiva), o fato de envolverem toda a comunidade escolar no trabalho com o cyberbullying, bem
como a realização de avaliação do programa em larga escala. Os programas Beatbullying e
Cybertrainning, embora não atendam a maioria das premissas consideradas por nós, também
apresentam elementos positivos que não podemos desconsiderar. Citamos o trabalho de
formação de jovens cybermentores (Beatbullying) e o fato de o manual (Cybertrainning)
contemplar estratégias preventivas e interventivas aos casos de cyberbullying que se conhece
na escola.
Não identificamos nos programas atividades que visam à diferenciação e à
discussão dos diferentes tipos de agressão virtual com que convivemos hoje, tais como sexting,
shaming, cyber assédio, entre outros; mas acreditamos que as propostas abarcam esses
conteúdos de forma indireta quando discutem, por exemplo, as facetas do fenômeno
cyberbullying, a exposição demasiada e falta de privacidade na internet e redes sociais, ou,
ainda, as estratégias de segurança no ciberespaço. Sabemos também que são termos recentes e
muitas vezes usados como sinônimo de “cyberbullying”, e estas, talvez, sejam explicações para
o fato de não comporem os programas.
Gostaríamos de ressaltar, por fim, a importância de um programa ser flexível, no
sentido de abarcar temas novos, pois surgem, de forma muito rápida, outras situações,
aplicativos, ambientes e plataformas online que propiciam novas experiências e interações. Por
227
isso, é importante que os educadores responsáveis pelo desenvolvimento desse trabalho com os
alunos estejam antentos ao que está acontecendo na rede para que possam discutir com os
alunos.
Sabemos que inúmeros professores e escolas estão tendo iniciativas para trabalhar
a educação online ou as agressões virtuais, algumas de forma mais reativa diante de conflitos
que surgem no ambiente online, outros de forma mais formativa. Durante a presente
investigação, foi-nos apresentado um relato de uma iniciativa pontual de um professor que
trabalhou o tema da agressão virtual em uma escola brasileira. A ação não integra,
necessariamente, um programa educativo de prevenção e intervenção a esse fenômeno, por isso
não foi incluída na seleção e análise dos dados. No entanto, considerando a relevância do tema
e as características da iniciativa desse professor, optamos por descrevê-la aqui.
A proposta é de autoria de Satiro (2014), docente da disciplina de Informática
Educativa, que desenvolveu o projeto com adolescentes do 9º ano do Ensino Fundamental. O
objetivo da proposta foi informar e alertar os alunos mais novos da escola sobre os problemas
que existem quando não se usam as redes sociais e a Internet com responsabilidade. O professor
relata sua experiência no site EDUCAPX40.
Descreve que a ideia surgiu quando, durante uma de suas aulas, ouviu alguns alunos
comentando sobre uma briga entre duas alunas do 4° ano do Ensino Fundamental, que se
ofendiam, provocavam-se e se ameaçavam publicamente no Facebook. Os alunos
acompanhavam toda a discussão em seus celulares, e afirma que, a princípio, resolveu orientar
os estudantes sobre as consequências de uma exposição no meio virtual, mas que não foi
suficiente para que parassem de acompanhar a discussão.
Iniciaram, então, um debate sobre o assunto e os alunos relataram que situações
dessa natureza eram comuns e que, geralmente, muitos problemas que ocorriam dentro da
escola iniciavam-se nas redes sociais virtuais. A partir da conversa, sugeriu que os alunos
trabalhassem o tema “Segurança na Internet”, recorrendo ao conflito ocorrido. Os alunos se
40
http://pedrosatiro.educapx.com/problemas-do-territorio-Virtul1427402999.html?0.47764509031549096
228
entusiasmaram com a ideia e o professor questionou-os sobre o que poderia ser feito para
resolver esse tipo de problema, ao menos, dentro da escola. Os jovens propuseram, então, que
dessem dicas às crianças da escola sobre o bom uso das redes sociais.
As discussões realizadas foram registradas num ambiente virtual colaborativo, o
Edmodo, e, a partir de três provocações, os alunos foram direcionados às diversas possibilidades
de projeto. O primeiro fórum de discussão tinha como objetivo apresentar suas opiniões e
vivências acerca do uso das redes sociais. As respostas publicadas evidenciam que alguns
alunos não tinham conhecimento algum sobre os Termos de Uso do Facebook e, assim,
puderam perceber que existem outros problemas, além das ofensas no âmbito virtual. Neste
fórum, Satiro apresentou feedbacks individuais aos alunos e aproveitou a ocasião para
apresentar vídeos, leituras de fontes confiáveis e outras mídias para ampliação do repertório dos
estudantes.
Para dar início ao segundo fórum de discussão, questionou “qual é o papel da
família, da escola e da comunidade na orientação de crianças e jovens para o uso consciente da
Internet?”. E, assim, os alunos passaram a refletir sobre as responsabilidades da comunidade
educativa na orientação e no acompanhamento de crianças e jovens para o uso consciente da
Internet. Nesse momento, inferiu que os comentários dos alunos caminharam intuitivamente
sobre diversas ideias de intervenções, contudo evidenciando principalmente as ações da família
e da escola. Os feedbacks foram individuais e procurou valorizar as ideias que apontavam o
diálogo, a orientação e a educação, como formas de prevenção aos riscos virtuais, ao invés de
proibir o uso das TICs.
No terceiro fórum de discussão, incitou a participação dos estudantes apresentando
duas ações sociais em prol do uso consciente da Internet, ambas de autoria da ONG SaferNet
Brasil: O “Dia da Internet Segura” e o Help Line, um canal de ajuda gratuito em que psicólogos
especializados em violência online prestam ajuda ou orientam. A pergunta disparadora desse
fórum teve o objetivo de verificar se os alunos consideravam importantes tais ações. A partir
dos relatos divulgados, parece que grande parte acredita em sua relevância.
A 1ª etapa do projeto buscou avançar das ideias iniciais dos alunos à melhoria do
debate com as informações levantadas a partir das suas leituras e pesquisas. Satiro propôs
avaliar essa etapa, sugerindo que os alunos refletissem sobre participação no projeto; para isso,
229
construiu um instrumento de avaliação por rubricas41. Nesse instrumento, foram avaliadas as
ações relacionadas ao compromisso com a discussão, participação nas discussões e
aprendizagem colaborativa. Nessa proposta, os alunos poderiam se autoavaliar nos seguintes
níveis de reflexão:
41
A rubrica é um instrumento de autoavaliação que visa a promover o desenvolvimento da autonomia moral-
intelectual por meio de uma aprendizagem qualitativa, utilizando uma linguagem clara que permite a
autorregulação dos alunos.
230
e, junto com seus orientadores, organizaram os espaços da escola para as apresentações. Os
alunos do 4º, 5º e 7º anos foram convidados a participar de uma semana especial, em que as
atividades organizadas foram apresentadas: palestras informativas, sessões de curta-metragens,
apresentações musicais, gincanas na quadra, sala de jogos de tabuleiro e jogo da memória,
mostra de murais informativos, peça teatral e contação de histórias etc. Os espaços foram
decorados especialmente para que os alunos mais novos se envolvessem. Outras apresentações
foram feitas também para a comunidade.
Por fim, os projetos foram concluídos e avaliados. Os alunos foram convidados a
produzir relatos, em que puderam refletir sobre os caminhos percorridos durante a realização
do trabalho. A autoavaliação realizada por meio desse relato foi o instrumento adotado para
avaliação final do projeto.
A iniciativa do professor com certeza trouxe muitos ganhos para o contexto
educativo em que se desenvolveu. É um trabalho válido, pois partiu de um problema real e
objetivou informar e alertar os alunos mais novos da escola sobre os problemas existentes no
âmbito virtual. Para isso, os próprios alunos foram incentivados a refletir sobre as ações no
ciberespaço – utilizando o próprio espaço virtual – bem como autoavaliar os passos no projeto
e, por fim, compartilhar informações e descobertas que fizeram com os demais.
Diferentemente dos programas europeus descritos e analisados por nós, em que a
ações para superação do problema são desenvolvidas por autoridades no assunto, tal proposta
foi pensada pelos próprios alunos dentro de um projeto institucional, indicando que a escola
reconheceu e se apropriou do problema evidenciado, envolvendo os jovens na sua resolução.
Por isso, reconhecemos e validamos essa iniciativa, uma vez que a proposta abarcou o
protagonismo juvenil. Como discutimos anteriormente, legitimamos ações que visam a busca
por soluções colaborativas para a resolução de conflitos, em que os alunos podem ser
protagonistas e atuar na gestão de seus problemas de convivência. Ao mesmo tempo, é uma
ação que abarca a educação digital, pois os alunos são envolvidos em propostas nas quais
aprendem a usar a tecnologia de forma positiva, auxiliando-os no processo formativo.
Por outro lado, apesar dos benefícios oferecidos, essa prática analisada se trata de
uma atividade pontual, que atua essencialmente visando à intervenção ao conflito após o
ocorrido, uma vez que surge de um problema já instaurado, atuando, portanto, como “remédio”
ao problema da agressão virtual. Ressaltamos que, mais do que intervir, é preciso prevenir, ou
seja, investir na formação moral dos sujeitos. Lembramos que a falta de respeito no âmbito
virtual (assim como no presencial) é um problema moral. E, se a moral é construída no dia a
231
dia, a partir das inúmeras experiências que vivenciamos; portanto, a “vacina” também é
necessária. A moral precisa ser vivida, mas também precisa ser pensada. Por isso, reiteramos a
necessidade de haver espaços de diálogo na escola que visem à apropriação racional dos valores
morais, onde as questões de âmbito coletivo, como as agressões virtuais, possam ser discutidas
e refletidas por todos.
Além disso, embora tal iniciativa esteja embasada em premissas científicas sobre
temas relevantes, tais como avaliação formativa, construção coletiva do conhecimento,
linguagem de feedbacks, apresenta estratégias pouco inspiradas no que a ciência tem produzido
sobre o tema da agressão virtual. Vimos neste trabalho a importância de se trabalhar com a
comunidade escolar os problemas advindos das relações interpessoais no meio virtual, bem
como uso equivocado que fazemos, muitas vezes, da internet e das redes sociais. Conteúdos
essenciais como a privacidade, a exposição exacerbada, o tipo de linguagem utilizada, as
consequências das ações no âmbito virtual, a ausência de controle do que é divulgado não foram
trabalhados, evidenciando possíveis lacunas nessa proposta. Nesse sentido, consideramos a
iniciativa válida, porém insuficiente para prevenir e reduzir a incidência da agressão virtual.
232
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