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As OlimPIADAS da contradição

Como tudo neste mundo globalizado pelas força do deus-mercado, as


competições esportivas também se tornaram mercadorias. Valiosas, por sinal.
Produtos fabricados pela indústria do entretenimento que, para além aumentar
os lucros de políticos e de detentores do capital midiático, de alguma forma,
extravasam parte de nossa agressividade e transferem para o plano simbólico
nossos ódios e a radicalização das nossas rivalidades identitárias. Isso é
fundamental por que ritualizam o conflito, a disputa e a competição. Por isso nos
sujeitamos mais facilmente a outras formas de competição mais selvagens,
impostas no cotidiano às pessoas pela sociedade de mercado. Em outras
palavras, o esporte moderno alivia e faz com que a sobrevivência individual no
capitalismo não seja algo absolutamente insano. Produz uma certa socialização
sem a qual certamente retornaríamos à vida selvagem.

Assim, o desporto acabou sublimando parcialmente rivalidades e disputas que


antes somente seriam resolvidas pela guerra, pela vendeta e pelo arrivismo. O
conflito saiu do plano material e passou – novamente advirto, em parte – para o
plano simbólico. Porém, isso também reflete o quanto estamos distantes de uma
verdadeira cultura de paz, longe de uma verdadeira civilização global. Apesar do
poder simbólico do esporte, a violência e a selvageria com a qual nos
defrontamos diariamente mostra que o papel do esporte é mero paliativo, ainda
que possa nos emocionar e comover.

Os ideais olímpicos resgatados pelo Barão de Coubertain (paradoxalmente uma


mistura de fidalgo com burguês) são diluídos pelos aspectos mercadológicos já
descritos. Nessa lógica capitalista, mesmos os aspectos que envolve o cuidado
com a saúde, ou o caráter educativo da prática desportiva ficam em segundo
plano. Isso explica porque as olimpíadas acabam por deixar como maior legado
um enorme prejuízo às cidades que as sediam.

Um traço que marcará os jogos do Rio, no campo esportivo, é o cenário que


emoldura as competições ao ar livre. O remo na Lagoa, com aquela vista e o
Corcovado no alto, o vôlei de praia no Leme, na enseada mais famosa do país,
e a prova de rua do ciclismo hoje evidenciaram isso. O ciclismo ainda merece
menção pelo traçado do seu percurso, entrecortando a Floresta da Tijuca,
mostrando ao mundo como mar e montanha estão tão próximos em nossa
cidade. A fotografia destas imagens pela TV foi de tirar o fôlego, com paisagens
que não costumamos ver com frequência em jogos olímpicos.

Já a organização dos jogos tem feito o Rio passar vergonha. Detectores de metal
e portas de Raios X que não funcionam, filas intermináveis para entrar. Fiquei
sabendo que a empresa responsável pelos acessos às praças esportivas foi
troca agora às vésperas dos jogos. O interesse comercial falou mais alto que
conforto do espectador. Essa gente não trata bem nem seus próprios clientes.
Em alguns lugares de competição, nem comida tinha para se vender. Resultado:
arenas vazias no início das competições, mesmo com todos os ingressos
vendidos. E uma chuva de reclamações... Deve ser o jeito PMDB de organizar
as coisas. A população, os turistas, a imprensa internacional estão podendo ter
uma pequena amostra do que a prefeitura e o governo estadual fazem com
servidores e usuários de seus precários serviços... E ainda tem a repressão a
qualquer um que se manifeste contra este governo biônico que tomou de assalto
o país. Quando penso na ressaca que virá após os jogos...

A festa de abertura foi até simples, curta e bonita. Nada que justifique os
arroubos ufanistas de alguns comentaristas esportivos, nada que nos faça
esquecer nossas mazelas e acreditar que o espírito olímpico, como em um passe
de mágica, fará a nossa redenção. Mas cometeu erros graves porque deu a
impressão de que a cidade se resume aos seus pontos turísticos. E bem que Nei
Lopes, Elton Medeiros Martinho da Vila ou mesmo Monarco poderiam estar no
lugar do esforçado Wilson das Neves... Faltaram menções à Zona Norte, aos
subúrbios. O discurso de Nuzman forçou a barra, apelando para valores que sua
gestão no COB desconhece. E finalmente, não poderia ser mais significativo que
Guga e Hortência fossem os últimos a carregar a tocha olímpica, e que Vanderlei
Cordeiro de Lima acendesse a pira olímpica. Merecido e justo para um atleta que
teve verdadeiro espírito olímpico, coisa raríssima nos dias de hoje. Ainda bem
que Pelé não teve essa honraria. E não fez a menor falta na festa. E ficou
evidente a covardia de Temer que nem anunciado foi. Tomou vaia.

No futebol, vivemos o oposto nas primeira partidas dos nossos selecionados


olímpicos. A seleção feminina fez seu dever de casa e ganhou com facilidade,
vencendo as chinesas por três a zero. No entanto, o escrete apresenta um
problema crônico: a ausência de uma armadora. E Marta foi discreta na partida.
Além disso, se compararmos com as outras seleções, fica evidente que EUA,
Canadá, França e Alemanha estão um nível acima. Nossa seleção pareceu jogar
em “slow motion” se comparadas a essas. Porém, na segunda partida o Brasil
goleou a Suécia e teve uma atuação mais sólida. Voltou a sofrer com o enorme
espaço entre a defesa e o meio de campo, e a suecas perderam dois gols
incríveis no começo. Contudo, o Brasil de ontem a noite teve um fator decisivo:
Marta. Quando a craque resolve jogar uma parte do que sabe, a seleção se eleva
a outro patamar. Por isso goleamos por 5 X 1. Elas se tornaram favoritas ao
ouro? Não, estão longe disso. Ainda mais porque a artilheira Cristiane sofreu
uma distensão muscular e sua ausência poderá ser sentida. A medalha será
bastante difícil.

Já a seleção masculina padeceu na sua estreia, empatando de forma pífia com


a África do Sul. Teve muitas chances mas pareceu afoita demais. E procurou
Neymar em excesso. Mesmo quando outro jogador estava em melhores
condições, a bola era passada para o astro do Barcelona. Renato Augusto
pareceu fora de forma, a China não está lhe fazendo bem. Estamos longe de ter
um time e falta humildade e capacidade de autoavaliação dos jogadores. Micale
cometeu seu primeiro erro ao deixar a braçadeira de capitão com Neymar. A
medalha de ouro é possível, mas parece que não é uma barbada.

Infelizmente o Judô não ganhou medalhas. Nossos judocas não eram favoritos
dessa vez. Outros estavam melhores. Faltou condição física e técnica. A jovem
Sarah Menezes teve uma grande lição hoje. E certamente voltará ao alto do
pódio no Japão, em 2020. Já o vôlei feminino passeou contra a seleção de
Camarões. Mas preocupa a contusão da Thaísa, uma craque de bola. Ainda
assim, tem todas as condições para ser tricampeã. A dupla masculina de vôlei
de praia liderada pelo gigante Alisson venceu sem muitos sustos a dupla
canadense. Já as meninas precisaram do tie break para derrotar a boa dupla
tcheca. Na esgrima, nossa atleta com sua espada levou o Brasil ao inédito 5º
lugar. Faltou um pouco só pra medalha.

Mas a medalha do dia foi prateada e do esporte que nos deus a primeira medalha
da nossa história, nos jogos de Antuérpia -1920. Felipe Wu, que até anteontem
treinava sem condições em casa e sequer tinha patrocínio (e anda me vêm o
prefeito e o Nuzman falar de legado esportivo?), só não levou o ouro por 0,4
pontos. Uma história que se repete e que nos faça entender porque levamos 96
anos para conseguir nossa segunda medalha no tiro esportivo...

E finalmente, o handebol feminino. Sempre estranhei o fato de não sermos uma


potência no esporte que é o mais praticado nas escolas brasileiras. Como??? E
porque não temos uma liga nacional forte? Todo mundo sabe as regras!!!! Mas
no caso feminino o trabalho desenvolvido pelo dinamarquês Morten Soudback é
revolucionário! Ele conseguiu montar uma seleção competitiva com as meninas.
Elevou o Brasil a condição de potência e por isso já levamos um campeonato
mundial. O Brasil deixou de ser zebra e nossas jogadoras jogam nos melhores
times do mundo. A história da seleção de handebol é épica, vale a pena procurar
um documentário, feito pela ESPN Brasil, e assistir. E hoje, na estreia, as
meninas já mandarem muito bem e venceram com propriedade as bicampeãs
olímpicas, a Noruega. Pra melhorar, a atual campeã mundial, a Romênia (que
nos eliminou no último mundial) perdeu para Angola – zebra de primeira
grandeza! E ambas estão no nosso grupo. Esse time brasileiro tem cheiro de
medalha. E Soudback merecia um estátua em praça pública e uma
condecoração por serviços prestados ao handebol brasileiro.

Fico devendo basquete feminino e a ginástica masculina. Mas prefiro comentar


sobre esses esportes no texto de segunda, junto com natação e após a segunda
partida do futebol masculino. Abraços e prometo textos mais curtos daqui para a
frente

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