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PRÁTICAS DE INCUBAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS E A

FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA.

Silvio Luiz de Oliveira Soglia

Introdução

Em sua trajetória, ao longo de 14 anos de atuação, a Incubadora de Empreendimentos


Solidários da UFRB (INCUBA/UFRB), sempre usou a extensão universitária como espaço de
formação acadêmica e como metodologia de incubação voltada para a transformação da
realidade social, apoiada em processos formativos em que prevalecem a dialogicidade, onde as
pessoas são consideradas sujeitos participativos e contribuinte na construção da trajetória do seu
próprio empreendimento. Assim, o processo de incubação de Empreendimentos da Economia
Solidária (EES) é realizado na perspectiva de uma ação que vincule programas governamentais e
políticas públicas territoriais de estruturação e sustentabilidade desses empreendimentos, na
busca de qualificação profissional e na formação para o exercício da cidadania. Em outras
palavras, a equipe da incubadora é orientada para não oferecer apenas capacitações e atividades
pontuais, descontextualizadas e desengajadas. Ao contrário, tenta se apropriar das práticas
pedagógicas de educação popular como processo de mudança social. Entende assim, que cada
grupo produtivo tem sua dinâmica própria de acompanhamento, a partir de seu estágio
organizacional, orientado pelo respeito à sua autonomia.

A adoção de estratégias de desenvolvimento territorial busca a compreensão e a


articulação dos sujeitos sociais para que possa construir políticas que promovam o aumento da
riqueza produzida, a distribuição mais equitativa dos benefícios gerados desta riqueza e sua
sustentabilidade ao longo do tempo.

Iniciamos esse artigo com uma breve contextualização do ambiente acadêmico em que as
atividades de extensão e de incubação de EES estão inseridas. Fundamental compreender, na
realidade da universidade pública brasileira, a atuação dessas incubadoras como projetos de
extensão, e a relevância da Economia Solidária, enquanto um segmento de atuação político-
acadêmica. De modo transversal referenciamos o papel social da universidade e o seu aspecto
contraditório, que historicamente sempre foi compreendida como espaço de reprodução do
“establishment” de um lado, e, por outro lado, o lugar legitimado de contestação dessa ordem
social.

Os antecedentes históricos de um sistema universitário em formação.

Desde o seu surgimento, o ensino superior no Brasil sempre foi marcado por um modelo
colonialista, necessário à formação das elites eclesiásticas, militares ou da aristocracia agrária.
Nos referimos aos colégios jesuítas, aos cursos em escolas e institutos isolados que
predominaram no Brasil até o início do século XX, uma vez que, no formato de instituição
universitária, nada foi implantado na “Terra Brasilis”, ao longo do período colonial, do império
ou mesmo no início da república.

Com o advento da república mantém-se a ideia de ensino superior utilitário de caráter


profissional, esquecendo-se de sua função de formadora da cultura nacional e da cultura
científica. Apenas após 1920 essa ordem começaria a sofrer uma forte contestação por parte de
distintos grupos e movimentos, nucleados em torno da bandeira da republicanização da
República (MENDONÇA, 2000). O que se seguiu neste período, foi um profundo debate sobre
educação e o papel das universidades no Brasil, e algumas poucas foram criadas por
reorganizações e aglutinações de escolas e faculdades profissionalizantes, constituindo o
conjunto das nossas primeiras instituições universitárias nacionais.

Cunha (2007) explica essa expansão como uma resposta ao aumento da demanda
ocasionado pelo deslocamento dos canais de ascensão social das camadas médias e pela própria
ampliação do ensino médio público, bem como pelo alargamento do ingresso na universidade
decorrente do processo de equivalência dos cursos técnicos ao curso secundário.

No período, entre 1946 a 1964, também ocorreram intensas lutas por reformas sociais e
políticas que permitiram redirecionar o processo de desenvolvimento nacional (as chamadas
reformas de base). No campo da educação dois novos atores coletivos protagonizaram os debates
e marcaram as discussões para aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1961: a
comunidade científica organizada e o movimento estudantil. Mesmo com pouco sucesso,
lutavam em defesa do ensino público, do sistema universitário como modelo antagônico às
escolas isoladas, em favor da modernização da carreira universitária com a extinção da cátedra e
a luta em desfavor do caráter elitista da universidade.

A partir de 1964 se instala no Brasil o governo militar e com ele uma série de mudanças
no sistema de ensino superior empreendida pela reforma universitária de 1968, que, no olhar de
Anísio Teixeira, atendeu unicamente à dimensão mais técnica, por se limitar apenas a uma
“reestruturação da maquinaria organizacional e administrativa da universidade” (TEIXEIRA,
1989). Outra característica nesse período foi a forte expansão do ensino superior privado. Sob a
influência direta dos acordos MEC-USAID, os militares colocaram a Universidade a serviço da
produção do capital monopolista, esvaziando a proposta de reforma universitária da sua
dimensão política.

Com o fim do regime militar, a partir de 1985, no contexto da chamada redemocratização


do país, o debate sobre os rumos da universidade foi protagonizado pelo movimento docente, que
juntamente com outras entidades formaram o “Fórum da Educação na Constituinte” que teve
uma ativa participação durante todo o processo, sendo a proposta subscrita por estas entidades
fundamental para a inclusão do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão
no artigo 207 da Constituição Federal. Este novo paradigma reforça o papel social da
universidade, e a identifica como instituição que contribui para o pensamento crítico e para a
transformação da sociedade.

Com a ascensão do neoliberalismo no Brasil, os contextos políticos e econômicos


ocuparam o centro do debate. Toda a década de 90 e início dos anos 2000 foram as universidades
federais excessivamente centradas na dimensão econômica, coerente com o conceito de Estado
mínimo que sustentou a base das políticas governamentais neoliberais daquele período.
Modificações substantivas sobre o ensino superior foram introduzidas pela política educacional
implementada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Essa mudança, que se
consubstanciou na nova Lei de Diretrizes e Bases e em outros documentos legais
complementares, combinou uma política de redirecionamento do financiamento público, que
resultou em subfinanciamento das universidades federais, cortes de verbas para a pesquisa e a
pós-graduação, congelamento de salários dos docentes entre outras decorrências.

Na expectativa de reverter o processo de desgaste acentuado que atingia o ensino superior


desde os anos 90, inicia-se em 2003 até 2011 o chamado “Governo Lula”. Na educação superior
o novo governo adotou uma política de ampliação ao acesso e permanência, criando programas
nacionais consubstanciados no Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), que resultaram
na expansão e interiorização do ensino superior brasileiro. Esta política foi um passo gigantesco
rumo à inclusão das camadas populares na educação superior pública. Deste período até 2015 o
Brasil teve importantes conquistas no processo de ampliação e democratização do acesso ao
ensino superior. As matrículas na rede federal em todo Brasil cresceram 51,7% (INEP, 2018).

Permanecerá aqui o questionamento para um novo debate, que se afasta do escopo deste
artigo. Se a expansão e suas políticas associadas e os projetos pedagógicos inovadores,
implantados durante o período de 2003 a 2015 nas universidades públicas, garantiram a
democratização do acesso ao ensino superior, a permanência do extrato social incluído e ainda
mais, se essas políticas refletiram nos processos formativos para cidadania e para à tão aspirada
justiça social.

Universidade e Sociedade: o papel social em questão

Ao analisarmos os antecedentes históricos do sistema universitário no Brasil, percebemos


que a universidade brasileira sempre exerceu um papel de controle social, desde o período
colonial, na produção de conhecimentos e na formação de mão de obra qualificada para a elite,
necessários a assegurar e reproduzir a ordem social vigente. Entretanto, esta conformação não
evitou que as universidades fossem palco de lutas, indagações e movimentos reformistas, seja
por aspirações liberais republicanas ou por pressão das classes médias burguesas, muitas vezes
para atender aos interesses econômicos do capital. Apenas recentemente as universidades estão
permeando-se aos setores populares.

As sociedades globais cada vez mais convivem com as desigualdades sociais e a falta de
oportunidades para grandes contingentes populacionais, especialmente para a juventude. No caso
do Brasil, que ainda se ressente das práticas colonialistas do passado e atuais, e do atraso de suas
elites, trabalhar com afinco pela educação para que as novas gerações tenham acesso também ao
ensino superior qualificado não é suficiente.

Boaventura Santos, ao discutir a crise da universidade ao final do século XX, identificara


três crises intimamente ligadas, reconfiguradas pela globalização neoliberal e ainda não
totalmente superadas. A crise de hegemonia, de legitimidade e por fim, a crise institucional,
prevalente e absorvedora das outras duas, que no contexto brasileiro seria definida pelo autor
como:

Resultante da contradição entre a reivindicação da autonomia na definição dos valores


e objetivos da universidade e a pressão crescente para submeter esta última a critérios
de eficácia e de produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade social
reduzida à sua capacidade para produzir conhecimento economicamente útil, isto é,
comercializável (SANTOS, 2010, p. 10).

Essa terceira crise que dominou a atenção das políticas educacionais nos últimos anos
resulta da crise financeira do Estado e seu consequente descompromisso crescente com o
financiamento público da universidade. A lógica neoliberal global se instala e cresce a partir dos
anos 80, ampliando ainda mais a privatização do ensino superior e a sua transnacionalização,
aprofundando a crise financeira das instituições públicas. Como consequência, certamente não a
única, a universidade é obrigada a competir no emergente mercado de serviços universitários,
dando origem, ao nosso ver, à privatização dos serviços de ensino e pesquisa e da extensão
utilitarista, associada a parcerias com grupos capitalistas nacionais e internacionais.

Na visão de Boaventura Santos, essas contraposições têm desestabilizado a


institucionalidade atual da universidade. Por um lado, a pressão privatista da mercantilização do
conhecimento. Por outro lado, uma pressão publicista social difusa que rompe o espaço público
restrito da universidade, em nome de um espaço muito mais amplo atravessado por confrontos
muito mais heterogêneos e por concepções de responsabilização social muito mais exigentes.
Como alternativa a esses desafios, propõe caminhos para uma reforma criativa democrática e
emancipatória da universidade, centrada em um projeto de país, protagonizada por setores
progressistas da universidade, pelo Estado nacional comprometido com avanços sociais e pela
sociedade organizada individualmente ou coletivamente; movimentos sociais, sindicatos, ONGs
e suas redes, entre outros (SANTOS, 2010, p. 44-60).
De acordo com Dagnino (2014), as instituições públicas de geração de conhecimentos
científicos e tecnológicos, como as universidades, necessitam conceber as tecnologias sociais
enquanto processo de libertação a medida que contribui para a construção de sujeitos
participativos. Essa afirmação é importante para compreender que a agricultura familiar é
intrínseca às tecnologias sociais, voltadas para a construção de um modelo de desenvolvimento
que valorize as relações sociais e que contribuam para a inclusão social e econômica.
Numa visão gramsciana, a universidade tem se tornado cada vez mais um espaço
ideológico de disputas, onde a luta pela hegemonia entre grupos sociais busca produzir e
reproduzir conhecimento que legitime modelos específicos de sociedade. O mesmo lugar de
contradição de sempre; por um lado comprometida com a reprodução das relações de poder
vigentes, e por outro, legitimada como o espaço para sua confrontação (SANTOS e CRUZ, 2008,
p.1-2).

O lugar e a concepção de Extensão nas atividades da INCUBA/UFRB

As atividades extensionistas são as principais estratégias utilizadas pela INCUBA no


desenvolvimento do seu trabalho e a sua regularidade e qualidade indicam o grau de
compromisso e interlocução que a instituição pratica com as comunidades. Tais atividades estão
alicerçadas em princípios de humanização, de exercício da cidadania, de convivência e respeito à
diversidade cultural.

A concepção de extensão universitária que se apresenta na proposta da Incubadora na


UFRB é demarcada pela dimensão transformadora e dialógica entre a universidade e a sociedade
na construção de ações de transformação social. Portanto, a universidade é um sujeito que tem
contribuições nessa relação, voltadas à realidade social, política, ambiental, cultural e econômica
do seu território.

Importante demarcar esse entendimento porque por vezes a extensão universitária é


permeada por práticas de posições assistencialistas, que são caracterizadas por atendimento de
prestação de serviços, que muitas vezes devem ser realizadas pelos entes do poder público
municipal, estadual ou federal; ou ainda de caráter difusionista, em que primeiro se pesquisa
dentro do ambiente acadêmico para depois estender o seu conhecimento à sociedade, prática que
Paulo Freire denomina criticamente como de caráter da educação bancária (FREIRE, 2011).

Nas últimas décadas no Brasil, a Extensão Universitária vem ganhando reconhecimento e


mais espaço institucional no contexto universitário. O diálogo das diversas experiências
demonstra que, mesmo dentro de uma universidade onde predominam os interesses das classes
sociais dominantes, estudantes, professores e sujeitos de comunidades e movimentos populares
vêm construindo ações acadêmicas pautadas pelo diálogo e pela construção conjunta do
conhecimento na relação entre a universidade e a sociedade. Isso confere à Extensão
Universitária a utilidade de articular o Ensino e a Pesquisa, com o intuito de se inserir no mutirão
de lutas das classes subalternizadas; empreender ações que colaborem para garantir os direitos e
superar a pobreza econômica e as desigualdades e identificar seus empreendimentos como
Extensão Popular (CRUZ, 2017).

O envolvimento de estudantes com a complexidade da dinâmica social, povoada de


sofrimentos, de opressões e de muitas possibilidades de fascinante criação coletiva, pode
despertá-los da alienação individualista e consumista difundida pela sociedade capitalista e que
marca tão fortemente a juventude, conforme assinala Vasconcelos (2006).
Do mesmo modo as reflexões de Boaventura de Sousa Santos se mostram implicadas
com as práticas de extensão nos moldes aqui propostos. Segundo ele, na luta para reconquistar a
sua legitimidade, a Universidade do Século XXI deve conceder uma nova centralidade às
atividades de extensão. Isto ocorrerá com implicações nos currículos e na atividade docente.
Dessa forma as universidades terão uma participação ativa na construção da coesão social, no
aprofundamento da democracia, na luta contra as desigualdades e exclusão social e na defesa no
meio ambiente e da diversidade cultural (SANTOS, 2010, p. 73).

No meio acadêmico, o acúmulo de experiências a partir do desenvolvimento de projetos e


programas de Extensão universitária, na interface entre Pesquisa e Formação profissional,
particularmente aqueles assentados em uma Extensão Popular, vem consolidando, nas várias
áreas do conhecimento, uma perspectiva diferente e inovadora de interação
Universidade/Sociedade. Cresce paulatinamente o aprimoramento de metodologias capazes de
promover uma qualificação na luta cotidiana das classes populares pela conquista plena da
cidadania e de direitos, dando sentido aos esforços empreendidos por sujeitos da comunidade,
estudantes, técnicos e professores.

O Projeto INCUBA/SAF: Uma ação acadêmica de incubação

Para a investigação do papel da universidade, por meio das atividades extensionistas, e o


impacto desta relação na formação dos sujeitos, utilizou-se as ações de incubação de grupos
produtivos agroindustriais da agricultura familiar, vinculados a um dos projetos de extensão
executado desde maio de 2019 pela INCUBA/UFRB, denominado “Fortalecimento de grupos
produtivos da agricultura familiar do estado da Bahia”, que aqui denominaremos de projeto
INCUBA/SAF.

O projeto supracitado, recebe apoio financeiro da Secretaria de Agricultura Familiar e


Cooperativismo - SAF, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA) e tem duas dinâmicas distintas e integradas: a primeira, propõe na prática, a
formar/orientar os grupos produtivos da agricultura familiar para o seu fortalecimento, para a
geração de trabalho e renda e a promoção da segurança alimentar e nutricional; e a segunda,
como espaço de formação acadêmica de exercício da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão, com envolvimento direto de professores e estudantes. Estão envolvidos neste trabalho
cerca de 300 agricultores e agricultoras de 12 unidades produtivas da Agricultura Familiar no
estado da Bahia, localizadas nos Territórios de Identidade do Recôncavo, Portal do Sertão, Vale
do Jiquiriçá e Baixo Sul.

Procedimentos metodológicos da pesquisa

Como vimos o trabalho de investigação envolveu os grupos vinculados ao projeto


INCUBA/SAF. Os estudantes envolvidos na pesquisa participam diretamente e ativamente em
atividades de acompanhamento desses grupos, nos aspectos organizativos, econômicos e sociais.
Importante destacar que estas atividades representaram momentos de apropriação da base social
dos grupos produtivos da agricultura familiar, em que é possível construir uma agenda de
formações, em que a centralidade da gestão está na sua base social, mas com a parceria da
universidade no ambiente territorial. Na perspectiva aqui apresentada, estas atividades
envolveram, necessariamente, a participação dos integrantes dos empreendimentos associativos.

A obtenção dos dados que compuseram o material principal dessa investigação ocorreu
por meio de uma pesquisa qualitativa, utilizando a entrevista semiestruturada, com uso de um
roteiro orientador contendo 9 (nove) tópicos referentes à extensão universitária, incubação de
empreendimentos solidários e formação acadêmica.

As entrevistas foram realizadas no período compreendido entre abril a maio de 2020,


privativamente entre o pesquisador e o entrevistado, tendo o seu acordo e garantia de total sigilo
e anonimato. A amostra foi composta por 15 (quinze) estudantes participantes do projeto
INCUBA/SAF. Destes, 12 (doze) pertence ao gênero feminino (80%) e 03 (três) ao gênero
masculino (20%).

Nesse sentido pretendeu-se, ao utilizar esta metodologia, que as narrativas dos


entrevistados expressassem as experiências e seus significados, tornando-os construtores do
conhecimento. As falas apresentadas foram livres, sem restrições de tempo para responder às
perguntas, buscando da melhor forma possível manter a entrevista sintonizada com os objetivos
da pesquisa.

As entrevistas foram gravadas para que não se perdessem nenhuma informação que o
entrevistado espontaneamente revelou, bem como para se obter, juntamente com as palavras, a
emoção e/ou sentimento revelado. Para o processo analítico interpretativo, cada entrevistado
recebeu um código de identificação que denominamos por (E1; E2...até E15). Os relatos foram
transcritos e qualitativamente analisados num movimento de contextualização, comparação e
crítica, para reconhecimento das expressões e elementos de conteúdo similar, e identificação das
ideias e aspectos comuns.

Resultados obtidos

Os resultados obtidos são apresentados em forma de seis indagações (ou categorias), para
melhor ordenar e organizar os dados empíricos produzidos nas entrevistas, a partir das narrativas.
Resumidamente, procurou-se explorar a importância da articulação da extensão com o ensino da
graduação, enquanto possibilidade extracurricular no âmbito da universidade e sua relevância
para a formação pessoal e profissional. Vamos a elas:

• Por que fazer extensão? As motivações que levaram os estudantes a participarem do


projeto.

As motivações que induziram os estudantes a participarem de atividades de extensão,


incluindo aí o desejo concreto de fazer parte do projeto da INCUBA/UFRB, tem procedências e
orientações diversificadas, mas que se convergem para um ponto em comum: a realidade social e
sua materialidade, incluindo o modo como tal realidade é percebida e vivenciada por estes
estudantes. O intrigante e curioso gosto pela convivência com a comunidade, em seus diversos
espaços, instiga-os a experimentarem outro tipo de inserção universitária. O engajamento nas
lutas cotidianas destas populações, despertam nesses estudantes o anseio de ultrapassarem os
limites e as inconsistências do próprio saber científico-acadêmico, muitas vezes deslocados da
realidade social que os cercam. Os conhecimentos teóricos acadêmicos parecem adquirir
significado e se movem em direção a um trabalho socialmente útil. Neste sentido alguns
depoimentos são ilustrativos.

Eu não consigo me ver muito num laboratório, eu preciso de resposta [...] com a extensão eu
consigo ver que eu estou dando retornos concretos, eu consigo ver a situação na prática,
então eu me sinto mais motivada (E2).

[...] alguns posicionamentos dentro da universidade de alguns professores em relação a


agricultura me incomodavam. [...]. Então eu fui conhecer, estava nesse processo de iniciar a
incubadora, e eu acabei fazendo parte dessa caminhada e aí me encontrei realmente na
questão da extensão (E1).

Outra motivação que não foi ocultada nos depoimentos, foi o benefício do auxílio
financeiro (bolsa), como suporte a sustentação econômica dos estudantes. O que revela a
importância dos programas e projetos governamentais de apoio a extensão, suplementar a uma
política pública de permanência dos mais empobrecidos nas universidades, sem a intenção de
aqui, com essa afirmação, defender a substituição da política de financiamento da assistência
estudantil.

• O que revela as experiências anteriores? A extensão como espaço de experimentação


e consolidação de novos contornos de atuação acadêmica.

Neste item, observou-se que a maioria dos estudantes selecionados tiveram uma
participação ativa, seja como estudante, agente comunitário ou profissional, em diversas
experiências anteriores, inserindo-se em uma multiplicidade de atividades e projetos de natureza
extensionista. Correspondem desde estágios de vivência, participação em coletivos
independentes, à vinculação em projetos institucionais de pesquisa e extensão, dentro e fora da
universidade, vivenciando nas comunidades as suas realidades e contradições. Vejamos o que nos
revelam os excertos narrativos transcritos abaixo.

Antes de entrar na universidade eu fazia parte de um projeto de extensão. Lá no projeto a


gente participava de várias coisas então a gente fazia a feira “Prosas do campo”, que é uma
feira de agricultura familiar e economia solidária, a gente fazia trabalhos específicos em
comunidades (E14).

Eu participei de um projeto como um agente da comunidade. A gente fazia a parceria, onde


elas entravam com a parte acadêmica dos conhecimentos e eu com uma parte aqui da
comunidade, do grupo (E12).

Eu participei do projeto “Mais mercado” também. Eu fiquei nove meses no projeto (E8).

Foi no PET que eu comecei no seguimento de extensão e lá a gente fazia várias atividades
extensionistas em escola e em comunidades (E6)

Já tive experiências anteriores com avaliação das políticas públicas do estado da Bahia que aí
foi um projeto do governo do Estado junto com a UFRB (E2).

A partir de então, estas múltiplas experiências iniciais, promoveram o engajamento destes


estudantes nas ações de extensão, que ao nosso ver, vem construindo uma consciência crítica,
reflexiva que os afastam da visão individualista e consumista tão própria da sociedade capitalista.
Podemos aqui relacionar estas práticas com o conceito de formação de “subjetividades
inconformistas” apontada por Boaventura Santos. Para o autor, o objetivo de um projeto
educativo emancipatório, podemos aqui incluir também de uma extensão comprometida com a
emancipação humana, social e material da população empobrecida, “consiste em recuperar a
capacidade de espanto e de indignação e orientá-la para a formação de subjetividades
inconformistas e rebeldes" (SANTOS, 2009, p. 18).

• O que se aprende fora da sala de aula? A relação Teórico-prática na ampliação dos


conhecimentos adquiridos na graduação.

Com este tópico gostaríamos de discutir a contribuição da extensão na aprendizagem


técnica profissional, materializada na relação teoria e prática, implicada com o papel social da
produção e utilização do conhecimento. Partimos da premissa que essa aprendizagem deve ser
compreendida na indissociabilidade com o ensino e a pesquisa. Sendo a extensão uma atividade
que extrapola a sala de aula, interage necessariamente com os segmentos sociais locais, que no
âmbito do nosso trabalho compreende os empreendimentos da Agricultura Familiar, numa
evidente conformação de troca de saberes, tema que trataremos no próximo item. Os
entrevistados assim expressaram este entendimento:
Você amplia o seu olhar sobre aquilo que você está vendo, entendeu? Então, com certeza
existe essa associação, do que a gente vê na sala de aula com as professoras, do que a gente
discute com os artigos que a gente lê e com o que a gente vai para a prática e realmente ver
que aquilo é mesmo. E é fantástico isso, porque você consegue juntar o conhecimento sabe?
Consegue que esse conhecimento seja efetivo (E9).

Em parte, sim porque tem ainda algumas disciplinas que não faz esse diálogo com o campo e
muitas informações que a gente precisa para trabalhar no campo, a gente tem que buscar
fora. Aí nesse ponto a Incubadora te abre essa porta, esses projetos que estão sendo
desenvolvidos te abre um leque de oportunidade (E1).

[...]. Então a gente pode pôr em prática os conceitos que a gente ver em sala de aula, então
vou conseguir fazer muito a ligação com os conteúdos e a prática (E8).

Porque a gente quando está lá na sala de aula a gente acha que o que está passando lá não vai
conseguir encaixar cá na nossa realidade, mas a gente consegue sim (E5).

Destas revelações podemos deduzir que para a maioria destes educandos houve ali, uma
aplicação direta dos conceitos e técnicas que a teoria explicita em sala de aula. Pode-se também
inferir que os estudantes experimentaram um trabalho de produção e construção do
conhecimento, confrontando o que os livros descrevem com o que a realidade apresenta.
Entretanto, é justo concluir que, em seus relatos aparecem outras dimensões que não se limitam à
absorção de teorias e técnicas, mas também, compreende outros aspectos da dinâmica social dos
grupos envolvidos.

• É possível aprender com as Comunidades? Importância da convivência ou


interatividade social proporcionada pelo projeto. Troca de saberes com a comunidade.

No tópico anterior, vimos que a construção do conhecimento pode se dá no confronto


com outros saberes na relação com atores sociais em atividades rotineiras de aprendizagem. É
consenso no meio acadêmico de que o modelo tradicional de ensino vive um processo de
exaustão. Para muitos é urgente uma mudança na forma, na concepção e nas técnicas de
aprendizagem, apesar dos avanços recentes. Seriam alternativas epistemológicas, nomeadamente
quando o debate é a produção do conhecimento em um contexto de formação acadêmica e sua
relação com a sociedade.

É nesses termos que podemos dizer que a aprendizagem é um processo complexo, que
não pode prescindir de alguns referenciais indispensáveis. No contexto deste trabalho, como
explicita Pedro Demo, a aprendizagem se materializa na intermediação e ambiência humana, na
sua complexidade e experiência histórica e cultural. Para este autor todo processo de
aprendizagem, age de modo reconstrutivo e político, mesmo aqueles de caráter instrucionista,
ainda dominante na esfera universitária (DEMO, 2001, p. 310-311).

O reconhecimento de que a aprendizagem pode ser melhor suscitada em ambientes


humanos mais flexíveis e sedutores, emocionalmente mais dinâmicos, nos faz refletir que a
extensão universitária pode assumir essa condição, uma vez que possibilita ao estudante assumir
o protagonismo do próprio processo de formação. Este é um desafio que permeia o debate sobre
a construção reformuladora dos currículos de graduação. Ou mais precisamente, a anunciada e
defendida “curricularização da extensão”.

Em quase a totalidade dos depoimentos, podemos constatar a percepção que os estudantes


tiveram da interatividade com a comunidade, bem como a oportunidade de aprender com elas,
ressignificando e reconstruindo os conhecimentos e saberes adquiridos na universidade, numa
lógica de complementariedade. Vejamos algumas dessas narrativas.
O conhecimento popular deles é muito vasto. Eles trabalham com diversas coisas e eles têm
uma organização própria. [...] eu acho eles muito organizados e a carga que eles vão trazendo
na reunião, as experiências é maravilhosa eu consigo enxergar fora da caixinha (E6).

[...] a gente mesmo sendo de movimento é muito mais teórico quando a gente fala de
coletivo do que a prática e aí lá eu estou tendo que aprender na prática o que é trabalhar e
lidar com o coletivo (E2).

[...] e eles fazem a conta do jeito deles e a gente tentou explicar isso a eles, que o interessante
é eles saberem onde está indo aqueles gastos (E7).

[...] a gente vem com a teoria do ideal e encontra ali o real e faz o possível. Então tem essa
troca de conhecimento (E1).

[...]. elas têm um conhecimento de como colher a fruta, de como fazer todos os
procedimentos, então nisto a gente já aprende juntos, é uma troca. Eu vou com os
formulários, mas eu aprendo mais com elas do que eu mesma (E11).

Eu particularmente, aprendo muito com a comunidade. Porque assim, eu aprendi muito que a
gente não tem que ir para lá impor. A gente tem que ir construir junto com eles, porque é a
partir disso a gente aprende e eles também aprende muito com a gente. (E5).

Como vimos, a reivindicada Troca de saberes, tão necessária à construção de uma


aprendizagem, reconstrutiva, surge nas narrativas dos estudantes, reconhecendo o processo
dialógico de construção e reconstrução do conhecimento na interação com a comunidade.
Partindo de um ponto de menor escala para outro de maior dimensão, podemos relacionar esta
experiência com o conceito de interconhecimento, assentado em conceito de “ecologia de
saberes” amparado em Boaventura de Souza Santos. Pressupomos haver aqui uma interação
sustentável e plural de conhecimentos heterogêneos preservando-se as autonomias (SANTOS,
2007).

Ou de outro modo a ecologia de saberes como um aprofundamento da pesquisa-ação. A


ecologia de saberes é, por assim dizer, uma forma de extensão ao contrário, de fora da
universidade para dentro da universidade. Consiste na promoção de diálogos entre o saber
científico ou humanístico, que a universidade produz, e saberes leigos, populares, tradicionais,
urbanos, camponeses, provindos de culturas não ocidentais que circulam na sociedade
(SANTOS, 2010, p. 75-76).

• As dificuldades causam frustrações? Quais os principais obstáculos encontrados na


execução das atividades de incubação.

Neste tópico analisamos as principais dificuldades elencadas pelos estudantes na


execução das atividades de acompanhamento dos empreendimentos. Estes entraves foram
restringidos ao ambiente da universidade; estrutura de apoio física ou humano, e também aqueles
relacionados com a compatibilidade entre a carga horária do curso, o que é disponibilizado para
este tipo de atividade extracurricular. Bem como em relação a comunidade; receptividade e
convivência com a equipe.

Uma das dificuldades mais externadas pelos estudantes se refere ao deslocamento até as
comunidades. Seja pela distância (a maioria se localiza na zona rural), dificuldade de acesso ou
pela precariedade do transporte oferecido pela instituição.

[...]. A maior dificuldade que eu digo nesse momento da universidade está sendo o
deslocamento (E6)
Acho que a principal dificuldade nossa é o acesso a essas localidades. Sempre tem que ter
alguém do município para levar gente porque é de difícil acesso (E9).

A dificuldade que a gente tem aqui é chegar até comunidade. Porque é distante, são
comunidades distantes aqui do município (E5).

É simples notar que os projetos de extensão necessitam de financiamento para prover as


condições mínimas de infraestrutura que resulte no encontro dos sujeitos envolvidos. Ou seja, é
indispensável um empenho da instituição para melhor execução das atividades.

Outro aspecto salientado pelos estudantes diz respeito a presença dos professores no
acompanhamento das atividades nas comunidades, a despeito da carga horária do professor e de
suas múltiplas tarefas acadêmicas.

[...] Eu sinto falta muito, eu sei que os professores são muito ocupados, são muitos grupos
para eles acompanharem. Mas eu sinto falta dessa questão da presença maior dos
professores. [...] A universidade deveria criar no calendário, algumas datas específicas para
que os professores pudessem estar indo a campo (E12).

[...] trago novamente a oportunidade de fazer uma crítica a universidade as condições que a
universidade não dá aos professores para poder fazer o acompanhamento dos alunos no
tempo comunidade (E13).

A conciliação das agendas da equipe em relação a disponibilidade dos associados e mais


que isso, a discussão acerca de como ampliar a carga horária da extensão nos projetos político-
pedagógicos dos cursos, foi um elemento limitador trazido pelos estudantes.

Se observa aí a imperativa necessidade de reformulação dos currículos, tornando-os mais


flexíveis. Ou que a extensão se torne também parte desse processo formativo dos alunos. Em
outras palavras, como incorporar essas atividades na carga horária dos próprios componentes
curriculares.

Além dos entraves estruturais e acadêmicos, outros aspectos na relação com os


empreendimentos, merecem ser analisados. O conflito sobre a autonomia e a práxis da
autogestão, ou uma incompreensão do papel da universidade. Percebe-se nos depoimentos
coletados que o papel da universidade no processo de incubação junto às comunidades, ainda é
carente de definição, sendo, às vezes, confundido como apoio assistencial, puramente técnico ou
resolutivo dos seus problemas. Parece-me aqui, em alguns casos, uma certa imaturidade no
desenvolvimento do processo autogestionário dos empreendimentos.

Portanto, é imprescindível também evocar a responsabilidade dos extensionistas, neste


caso professores, professoras e estudantes, na mediação pedagógica adequadas nesta relação, que
as vezes se torna conflituosa. Me refiro ao exercício da horizontalidade, necessária ao estímulo a
participação de todos e todas para o aprendizado da autonomia e para assegurar a autogestão.
Estas práticas pedagógicas emancipadoras, assim ressignificadas, se tornam um campo indutor
de possibilidades educativas formadoras.

• Extensão é também um processo formativo? A importância da extensão e sua


relevância para a vida pessoal e formação profissional no domínio da universidade pública.

Neste ponto, que consideramos o mais central deste trabalho, sem ser necessariamente o
mais importante, pretendemos oferecer caminhos para uma reflexão acerca da potencialidade da
experiência de extensão universitária, na sua característica peculiar de ensinar e aprender,
dirigida a formação emancipatória de sujeitos, aqui particularizada para estudantes universitários.
Vimos ao longo da elaboração desse texto, as tensões internas e externas, provocadas nos dias de
hoje pelo debate sobre o papel social da universidade como bem público. Esta acepção, está
permeada de pressões e confrontos, desde que a sua hegemonia na produção de conhecimento, e
a sua legitimidade perante a sociedade, foram arguidas, reformadas ou simplesmente perdidas.

Acreditamos que dentre as ações necessárias a serem empreendidas para mitigação destas
crises, se encontra o modo de se promover a formação universitária, tendo clara a definição dos
sujeitos políticos desta “transformação”. Um processo formativo que considere as subjetividades
e a emoção, que abdique da hierarquização dos saberes e onde a experiência não seja silenciada.

Neste caso, é imperativo o fortalecimento da extensão universitária e sua forma popular


de construção de conhecimento e de formação dos discentes, indissociável da pesquisa e do
ensino, ciente de que esta integração é um desafio ainda a ser suplantado, já que sua prática ainda
não se incorporou ao fazer cotidiano do ensino/aprendizagem nas universidades.

Vejamos o que trazem os depoimentos coletados através das entrevistas individuais de


alguns dos quinze (15) participantes da pesquisa.

A minha percepção é que essa questão mesmo de você se tornar um profissional e de dar um
retorno para a sociedade, para seu entorno, esse tipo de discurso só existe em professores que
trabalham com extensão (E1).

Eu acho que as atividades extracurriculares, falando especialmente de mim, ela salvou minha
vida (E2).

Acho que a principal, é que eu sou uma pessoa mais preparada profissionalmente. Tenho
muito para aprender ainda, mas acho que todos os projetos contribuíram demais na minha
formação. De saber mediar conflitos, saber lidar com diferentes tipos de pessoas, diferentes
tipos de grupo, diferentes pensamentos (E3).

Quando a gente vai para a realidade, que a gente passa a conhecer outras realidades,
conhecer outras situações que são diferentes das nossas, a gente passa a ver que a teoria meio
que fica um pouquinho de lado (E4).

O projeto mudou a minha forma de pensar, em sentido de que, eu achava que eu não tinha
conhecimento (E5).

[...] me fez ver que a gente precisa reconhecer essa sociedade que a gente está inserida,
compreender essa sociedade que a gente está. Saber quem são essas pessoas, saber que as
pessoas têm direitos na nossa sociedade e que em grande parte não são alcançados por esses
direitos. [...] Com certeza eu não me formaria se não tivesse participado desse projeto. O
trabalho na comunidade amplia os olhos das pessoas, porque ele abre esse olhar, desperta. A
gente aprende uma coisa, a respeitar o outro (E9).

Hoje eu consigo ver os acontecimentos diferentes, consigo dialogar, consigo me comunicar


melhor, consigo correr atrás dos objetivos meu e também do grupo produtivo. E aí a cada
grupo que eu conheço, que eu vejo as pessoas sonhando eu vejo que já sonhei como eles.
(E12).

Impacto muito positivo. Porque a gente sai dessa formação só académica, mas a gente tem a
formação política, a formação social, a formação ambiental (E13).

As narrativas expostas acima renovam o paradigma da extensão universitária como um


espaço distinto para promover práticas integrativas de formação entre sujeitos, no sentido de
transformação pessoal e coletiva.

Considerações Finais

O objeto investigativo principal deste trabalho foi refletir sobre o papel da extensão e os
seus impactos na formação universitária. Obviamente, não teve a pretensão de ineditismo, nem
tão pouco de aprofundamento teórico-crítico da temática principal. Na verdade, partiu do nosso
convencimento empírico de que a formação emancipatória de estudantes universitários passa por
uma maior inserção na extensão. Esta convicção resulta da nossa experiência ao longo de 34
anos de docência em universidades públicas, a maioria deles dedicado a extensão.

A implantação de mecanismos institucionais que estimulem e permitam que alunos


tenham contato com a realidade social, se inserindo, apreendendo na interação com a
comunidade, é crucial para ruptura com os diferentes modelos formativos de caráter técnico-
instrumental, desfocado da realidade, que continua diplomando verdadeiros algozes das
transformações sociais progressistas. Sujeitos que na sua prática social, vazia de sentidos ou de
coesão social, agem estritamente para atender suas necessidades socioeconômicas individuais
atreladas a inserção competitiva no mercado de trabalho, e ao pensar e agir assim, não contribui
nem com a sociedade nem com a universidade.

É notório que esse modelo formativo, implicado na função social da universidade, vem de
modo crescente, sendo questionado por diversos segmentos da sociedade, em particular pelos
movimentos sociais, que travam uma discussão sobre a finalidade dessa incumbência da
universidade, seus métodos, conteúdos, e consequentemente, o traço final dos que nela são
educados e formados. Esta questão deriva do tipo de relação que se tem estabelecido entre a
universidade e a sociedade ao longo da sua história, mas que ganha novos contornos diante dos
desafios atuais que essa instituição tem se confrontado neste novo milênio.

Decerto que muitos esforços têm sido empreendidos por uma fração de professores,
professoras e estudantes, ainda restritos àqueles comprometidos com as lutas sociais e populares,
em articular uma aproximação dialógica da universidade com a comunidade, e mais tenuamente
no sentido inverso, legitimar a ocupação dos espaços universitários pela comunidade. Isto tem
ocorrido predominantemente no campo e nas práticas da extensão, dando um novo significado ao
papel social da universidade, em particular, na construção de saberes, de tecnologias e inovações,
na troca permanente entre os sujeitos deste processo.

Deste modo, é perceptível um deslocamento da atuação acadêmica impulsionando a


universidade brasileira para ambientes mais identificados com as classes populares, no alvorecer
deste século, como por exemplo: contribuições na formulação de políticas públicas e ações
afirmativas nas mais diversas áreas; desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão ligados
a organizações e movimentos populares; maior receptividade a projetos políticos institucionais e
dirigentes progressistas no seu interior; criação de novos cursos superiores em articulação com
os movimentos sociais; inovações em estruturas curriculares, ou novos itinerários formativos ou
métodos pedagógicos;. Enfim, propostas que melhor instrumentalizam projetos comprometidos
com as lutas sociais populares no âmbito da universidade.

A incubação de Empreendimentos Solidários, representam uma potência acadêmica, uma


inovação na extensão, que diante da crescente luta pela emancipação da universidade e contra a
exclusão social, atrai sujeitos que estão despertando para novas formas de construir, produzir e
compartilhar conhecimentos, na perspectiva de atuar, na relação com as comunidades, em favor
da superação das desigualdades e das injustiças sociais.

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