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Instituições de arte no Brasil

relatos de experiências

Este dossiê, organizado pela equipe de Arte & Ensaios e relacionado à temática deste
número – Exposições – procura levantar elementos para uma análise da condição recente
das instituições de arte no Brasil, particularmente no âmbito expositivo. Teria havido alguma
transformação significante na última década, em relação ao nosso tradicional confronto
contra a precariedade? Após elaborar uma lista de colaboradores, a execução do dossiê
ficou ao encargo de Guilherme Bueno, Joana Csekö e Ronald Duarte. Procuramos convidar
pessoas de diversas regiões e experiências no país, tanto vinculadas formalmente às
instituições, quanto em contato permanente com elas para responder livremente a estas
perguntas: A partir de sua experiência profissional nas instituições nas quais trabalha (ou
trabalhou), dos desafios locais e/ou específicos reconhecidos nesse período, das estratégias
de trabalho desenvolvidas para enfrentá-los, como analisa as transformações havidas
recentemente? Quais seriam as perspectivas que reconhece como os desafios atuais? A
equipe de Arte & Ensaios agradece a todos aqueles que puderam responder-nos. Esperamos
que tal painel nos auxilie a aprofundar a reflexão sobre um tema – como sempre – atual.
Guilherme Bueno

Instituições de Arte; Arte Brasileira – Sistema de Arte; Arte Contemporânea Brasileira – depoimentos.

O lugar nenhum em algum lugar Salvo exceções, os espaços institucionais


surgidos na última década se baseiam em
Em 1980, o meio de arte no Brasil foi chamado formatos modernos, os quais precisam ser
de “lugar nenhum” por Paulo Venancio Filho. De adaptados à produção de algum projeto de arte
lá para cá, esse meio incrementou-se, e o artista “menos convencional”. Ao mesmo tempo,
se assumiu como profissional dentro de uma observam-se novos locais cujas atividades
lógica de mercado, enquanto novos críticos, conceituam-se no uso da tecnologia, mas que
curadores, e produtores surgiram, juntamente não têm em sua proposta dar conta da
com novos estabelecimentos oficiais para a arte, multiplicidade da produção contemporânea.
como museus e centros culturais, além das
galerias comerciais. Tal movimentação leva a É interessante perceber que nesse descompasso
crer que esse lugar nenhum tenha amadurecido entre produção contemporânea e modelos
no sentido de se tornar algum lugar em que a institucionais caducos, a formação de base dos
arte circule de modo democratizado por entre curadores e teóricos nos últimos 20 anos não
instituições preparadas para apresentar necessariamente se deu na instituição de arte ou
práticas contemporâneas, seus discursos e na escola especializada (que no Brasil não há).
suas possibilidades. Assim, feiras, eventos e galerias oferecem mais
oportunidades de estágios e treinamentos
Porém não é difícil constatar que a realidade
permanece outra. O meio de arte no Brasil se práticos para o futuro curador e o crítico do que
ressente do descompasso entre o modelo propriamente o museu ou o centro cultural,
institucional vigente e a produção de propostas com vagas e orçamentos em geral restritos.
contemporâneas, em especial aquelas que não
se limitam ao suporte. Esse é o caso das práticas No caso específico do curador, quando este
efêmeras em geral, residências, projetos chega para atuar profissionalmente na instituição
processuais e interdisciplinares, entre outros. “oficial”, traz consigo uma formação múltipla,

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árdua de ser objetivada sem uma tutoria, mas de arte e escrever nos catálogos das exposições
não menos eficaz para a obtenção de um perfil do Ceuma.
diversificado. Hoje, a atuação desse
profissional é entendida como a de um Hoje, a revista chegou ao sétimo número,
pesquisador polivalente que deve saber contando com a parceria de outras instituições
conjugar teoria da arte, prática de montagem, paulistanas, como o CCSP e a Pinacoteca, além
acompanhamento crítico, produção, dos necessários apoios com merchandising de
administração e até captação de recursos. estabelecimentos comerciais. Após alterações
em seu esquema de sobrevivência e da troca de
Notamos, portanto, que, se atualmente as alguns editores, ela é publicada com
instituições de arte não representam um vínculo periodicidade inconstante, enfrentando percalços
empregatício garantido nem uma escola para burocráticos e financeiros, mas firme em seu
iniciantes em curadoria e crítica, elas funcionam propósito cultural.
como parceiras do profissional autônomo,
permitindo que determinada idéia se realize e Mesmo com as dificuldades enfrentadas, a
que então circule. proposta obteve sucesso e sugeriu um novo
formato de publicações de arte no Brasil. Além
Diminuir o descompasso entre os modelos de dar espaço para a circulação de muitos textos
ainda modernos, dos espaços institucionais, e as e projetos artísticos, a Número foi uma
propostas de arte contemporânea depende de plataforma de amadurecimento profissional para
uma reforma conceitual ampla. Tal reforma o próprio grupo editorial.
consiste em valorizar projetos artísticos que não
se limitem ao suporte, ao objeto ou à exposição No circuito independente, a Revista Número
em si. Isso ampliará o campo de infiltração social ainda é privilegiada por ter, desde o início,
de subprodutos artísticos como livros, vídeos, respaldo institucional – o que não ocorre com a
cds, catálogos, simpósios, etc. Ao mesmo maioria das iniciativas do mesmo tipo no Brasil.
tempo, é preciso encorajar o investimento Porém, creio que essa experiência sintetiza a
privado em arte sem vistas ao lucro, importância que o circuito alternativo tem,
acreditando em projetos culturais de pesquisa estimulando a formação da prática profissional
ao longo prazo, desinteressados em lances em geral, ampliando a circulação de propostas
comerciais e de marketing. menos convencionais e ajudando na formação
de um público de arte contemporânea.
Conseguir desvencilhar-se da lógica comercial é
ainda um desafio para a produção de arte no Daniela Labra, curadora independente
Brasil, que continua sendo legitimada de acordo setembro de 2006
com sua inserção no mercado. Frente a essa
situação se consolidam, quase como uma outra
instância institucional, as muitas iniciativas
independentes que compõem o cenário instituições de arte
alternativo hoje. Tais iniciativas terminam por
construir uma lógica própria para a circulação de Vivemos hoje uma gigantesca crise institucional,
propostas artísticas e curatoriais com difícil do congresso ao museu de belas artes,
entrada nos espaços “oficiais” para a arte, sejam passando por saúde pública, transporte urbano e
galerias ou museus. concessões de rádio e tevê; acima de tudo,
vivemos uma grande crise cultural, resultado da
Entre as atividades que serviram como absurda falta de investimento educacional, da
treinamento profissional para mim e outros segregação social e, quem sabe, da mistura de
colegas está a Revista Número, uma publicação nossa popular herança mameluca com as elitistas
temática e gratuita, de arte e crítica, apoiada capitanias hereditárias – dois espaços em que a
inicialmente apenas pelo Centro falta de amor nos deixou abandonados no
Mariantonia/USP e por alguns anúncios privados, mundo, seja pela família, de origem duplo-
principalmente de galerias. bastarda mameluca, seja pela terra hereditária
tão distante, longe dos amados filhos, esposas,
A Número UM foi lançada em 2003, abordando amigos e amantes; vivemos uma crise
justamente o tema “iniciativas independentes”. institucional e cultural por falta de amor, a nosso
Seu surgimento deu-se após pouco mais de um país, a nossa terra, a nossa história, a nossas
ano de atividades do grupo de “jovens críticos”, instituições... parece que do positivismo
reunido por Lorenzo Mammi para estudar crítica

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pescaram aquelas duas estranhas palavras, histórico cultural, se tornam belezas vazias. Acho
ordem e progresso, e esqueceram do amor que que toda abertura institucional deveria ter o
vinha em seguida; de qualquer forma isso não discurso obrigando diretor e curador a
mudaria nada, pois ‘ordem e progresso’ parece assumirem posições de responsabilidade política
piada quando se fala de Brasil. sobre o que está sendo apresentado; e acredito
que assumir essa responsabilidade é uma
Na maioria das instituições de arte poderemos maneira de dar transparência ao programa e de
encontrar um lugar para analisar a crise geral se tornar mais forte para conseguir o
que acontece em nosso país; cada uma é um financiamento para a instituição.
reflexo de nossa cultura burocrática e
extrativista, e entender o que se passa neste Parece que estamos vivenciando uma realidade
microcosmo é entendermo-nos como um todo. cosmético-cultural que se porta superior ao
intelecto estrutural.
Diante do espaço limitado, vamos à prática em
si. Acima de tudo o que falta a nosso presente Somos seres culturais, a única forma de
institucional, seja na Presidência da República ou sobrevivência e desenvolvimento de uma
na curadoria de uma instituição, é a noção do sociedade humana é através da cultura, ciência,
programa, qual é o destino de nosso país, de educação, arte; não existe a menor condição de
nosso povo, qual é o destino de nossa se libertar historicamente como país se não for
instituição... na direção de uma instituição através do conhecimento, da cultura... afinal,
podemos e devemos criar objetivos concretos isso é o que nos difere dos cachorros, gatos,
para conquistas coletivas – afinal, as instituições ursos, vacas, etc. Parece, porém, que a
são o que somos, o que nos representa, sociedade brasileira auto-extrativista ainda não
existem para o coletivo e não para o pessoal. acordou para essa realidade; não adianta
Sendo assim, definidos esses objetivos, fica responsabilizar a falta de verba para justificar a
muito mais fácil organizar a tropa, pois todos falta de criatividade – é necessário o verbo, o
estão cientes do rumo que seguiremos; para grito! As instituições precisam funcionar, delas
cumprir esse destino ideal, porém, é preciso um dependemos enquanto corpo coletivo, é
programa. Ele até pode começar um pouco absolutamente necessário e urgente que se
incompreensível, mas é sua continuidade que vai pense no coletivo, que o intelectual assuma sua
dar identidade à instituição... e, aliás, para responsabilidade histórica, que tomemos
falarmos agora simplesmente de instituições de consciência do tempo e das vidas que estamos
arte, já que focalizando nesse horizonte jogando fora com nossa inércia.
podemos analisar a problemática geral, posto
Segunda parte
que o conflito é cultural, nos deparamos com a
primeira das ferramentas que constituem a Das principais instituições de arte
deformação de nosso projeto cultural – as leis contemporânea, isto é, a interpretação de nosso
de incentivo. Elas não valorizam o programa e mundo artístico, hoje podemos citar e julgar.
sim eventos isolados; deveríamos ter leis de
incentivo estruturais, aplicadas a programas e O Paço Imperial é definitivamente uma das
finalmente leis complementares para viabilizar instituições mais ativas da cidade, com várias
eventos isolados que poderiam até e deveriam salas e mostras; já teve mais identidade, antes
ser parte do programa... claro que, diante do do ar-condicionado, e agora mescla história com
estado de coisas, tanto os programas deveriam contemporaneidade; tem em sua curadoria uma
ser desenvolvidos quanto a lei deve sofrer um vocação para a diversidade, o que é ótimo;
processo evolutivo; é preciso pensar a longo deveria investir em textos e publicações... com
prazo e não simplesmente no aqui e agora tantos artistas que por lá passaram, a federação
perdeu e perde oportunidade histórica de dar
O programa necessita texto... vivemos a era do contexto cultural, conteúdo político e
curador; na verdade, o intelectual está afastado simplesmente de valorizar suas ações. Por sua
do debate, talvez pelo gerente de marketing; localização privilegiada e sua importante história
virou figura simbólica; falta o texto, o discurso, recente, o Paço deveria ter uma biblioteca, um
falta a palavra-ação com o posicionamento departamento educativo, enfim, a federação
político no verbo, contextualizando o deveria aproveitar a oportunidade de realizar
acontecimento artístico no contexto cultural um centro cultural importante para a história do
humano, terra Brasil, século 21 – vibrações país; e finalmente deveria, assim como todas as
poéticas são importantes, mas, sem contexto instituições, valorizar o artista financeiramente na

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hora da produção do trabalho que vai ser cultural na sociedade carioca como um todo.
exposto – isso não é “ajudar” o artista; é Curiosamente, para além dos objetivos
fortalecer a instituição. administrativos e curatoriais, acho que até a
maravilhosa arquitetura do museu atrapalha sua
O Espaço Cultural Sérgio Porto é uma das vocação de lugar cultural; seria fundamental para
instituições mais importantes do Rio, por se a saúde do meio o fortalecimento do MAM.
voltar – ou, pelo menos, assim era – para a
produção mais jovem, que forma a base da Seria uma idéia tanto o MAM como o Hélio
pirâmide; perdeu muito crédito devido à Oiticica e o Paço terem uma sala destinada a
péssima gestão cultural dos últimos governos um programa independente curado por gente
municipais. Diante de seu formato atual, com mais jovem. Acho que é fundamental a
duas galerias, acredito que deveria dar valorização do intelectual jovem, bem como a
oportunidade para que dois curadores diferentes pluralidade de intelectuais curadores na gestão
criassem um programa para cada sala; seria dos espaços culturais.
interessante dar espaço a curadores jovens para Chegamos ao CCBB; o que é o CCBB? Não é
incentivar a prática de organizar e contextualizar de fato um lugar em que podemos identificar
mostras; a produção de texto é fundamental. um programa, apesar de sua intensa atividade;
O Museu Nacional de Belas artes, coitado, nos parece sempre fora de contexto; seria uma
meus 20 anos de artes plásticas em nenhum espécie de butique cultural, um luxo; cumpre o
momento teve qualquer expressividade como papel de um museu, mas é um lugar sem
lugar cultural, mais parecendo um museu de responsabilidade cultural – o episódio da
aluguel com alguns momentos isolados de censura da obra de Márcia X pela pressão de
brilho; é triste a saída de Paulo Herkenhoff da seitas religiosas foi um tapa na cultura e mostrou
direção, mais lamentável ainda a declaração claramente a distância e o medo da instituição
pública da nova diretora – finalmente temos para o debate cultural; tudo está muito bom
agora um técnico na direção –, isto é, desde que não se incomode ninguém... não é
funcionário de carreira daquele ícone da inércia assim que se faz cultura, não é assim que se
burocrática das instituições brasileiras. desenvolve um país. Como maior banco
público, deveria ter mais amor ao presente e
O Centro de Arte Hélio Oiticica teve, futuro de nossa sociedade; como exemplo,
embora conservadora, ótima gestão nos deveria ter aproveitado a oportunidade para
tempos da Vanda Klabin – era um lugar vivo, chamar a sociedade para o debate e não se
agraves de mostras, palestras e publicações; esquivar; a retirada da obra foi uma
não se sabe o que acontece por lá hoje, pois atrocidade cultural.
suas salas estão fechadas, um dos maiores
absurdos no que se refere a instituições Um dos melhores programas dos últimos anos
culturais; todos os envolvidos devem aconteceu: o Museu de Arte da Pampulha, de
explicações à sociedade. Pobre Hélio, por um lugar sem expressão no panorama cultural
tudo que fez, merecia mais do que ser hoje mineiro ou brasileiro, se tornou referência a
uma placa no meio da Luís de Camões. partir do programa de exposições, bolsas e
residências desenvolvido pelo curador Adriano
A Funarte, que sumiu depois da brilhante Pedrosa, continuado por Rodrigo Moura, sob o
administração de Iole de Freitas, ressurge das apoio da diretora Priscila Freire. Como tudo que
cinzas com um interessante projeto de brilha no Brasil dura pouco, o lugar já foi
integração nacional e com o Programa Projéteis. minado por (des)intereses políticos; se
Lógico que, como órgão do Ministério da acontecer como de costume em se tratando
Cultura, poderia fazer muito mais, no entanto, de instituições de arte públicas, em breve vai
que ministério é esse? sumir do baticum cultural e vai ser mais um
momento perdido na história.
O MAM é sempre um mistério; acho que seria
necessário um choque de criatividade para dar É bom lembrar algumas atitudes
mais vida ao museu, um símbolo carioca; ele independentes, como o AGORA e o
está ativo, porém muito aquém do que deveria interessante trabalho do capacete projects,
representar diante da sociedade. De alguma que, além de mostras, residências e viagem,
forma parece que a distância que vivemos como lançou várias publicações, algumas com
meio (artes plásticas) pode ser verificada pela ótimas entrevistas e textos, tem atividade
desimportância que o MAM tem como lugar

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discreta mas importante e constante; sem instituições têm corrido o risco de se tornar algo
esquecer Alfândega, Galaxie, Ralador, Poste desnecessário. Quando devem ser
e outras atitudes autônomas, que têm sido a imprescindíveis. Pensemos isso no contexto do
grande novidade. inegável fortalecimento do mercado de arte
como força legitimadora e circuito expositivo,
Sei, ou espero, que todos os gestores
envolvidos nas instituições citadas ou não estão das megaexposições do art-marketing a sedar o
fazendo o que podem, as dificuldades são público (e o privado também), do surgimento
muitas, mas obviamente esses são problemas do de comunidades artísticas auto-suficientes e no
gestor; o público quer o resultado. A realidade é franco ocaso da prática colecionista pública!
que temos que assumir nossas responsabilidades
e estar preparado para as críticas, que Num estranho paradoxo, o trabalho das
infelizmente no nosso cotidiano pós-ditadura, instituições precisa, urgentemente, ser
antes não sei, são feitas de forma velada. reconhecido para existir de fato.
Estamos todos no mesmo barco, e o inimigo de No caso do Museu de Arte da Pampulha, onde
fato está entre aqueles que defendem a atuei como curador assistente e curador, de
ignorância, a injustiça, a obscuridade, aqueles 2001 a 2006, foi desenvolvido um programa
que acreditam que se domina o outro sem radical de descondicionamento de uma cultura
cultura com mais facilidade, acham que está de trabalho conservadora que pautava a
tudo ótimo, já que o particular está garantido e instituição – embora num prédio revolucionário,
não acreditam ou têm medo da potência criativa num contexto progressista e com algum passado
e intelectual do povo brasileiro. vanguardista. Citando a leitura (negativa) feita
Ernesto Neto, artista por um colega mais experiente, é como se a
instituição tivesse sido expulsa dela mesma. De
fato. Foram realizadas mais de 40 exposições
individuais, mesclando artistas de projeção local
e internacional, buscando ter uma ocupação do
espaço constante e efetiva, com artistas que, na
maioria dos casos, desenvolveram exposições
exclusivas para o Museu (curadas, organizadas e
produzidas pela instituição). Foi dada ênfase a
mostras de escultura e instalações, permitindo
uma leitura mais fluida do prédio, que durante
anos esteve coberto por cenografias das
exposições temporárias. Além disso, foi criada a
Bolsa Pampulha, para artistas emergentes
brasileiros, extinguindo-se o modelo
desatualizado, burocrático e festivo do Salão, e
Considero que o principal desafio para o iniciou-se uma política colecionista, inédita no
trabalho institucional (estou falando de Museu. Sobre esse tripé, construíram-se
instituições museológicas lidando com arte legitimidade e apoio junto aos artistas, o que
pode ter conseqüências ainda maiores se for
contemporânea) no Brasil é o desenvolvimento
pensado o desenvolvimento de políticas mais
de estratégias para conferir espessura e amplas de publicações, de comunicação, de
visibilidade à produção intelectual/artística no educação e de público.
contexto das instituições. A meu ver, isso
equivaleria a fazer com que elas tivessem Muito ao contrário, em Inhotim, onde está se
presença efetiva na sociedade. É preciso que as formando um centro de arte baseado em um
instituições se livrem de uma espécie de sina de acervo permanente, o desafio é garantir atuação
ser ponta (final) e segunda mão no processo de institucional e cultural à altura desse acervo, com
respostas curatoriais/museológicas para o
significação do trabalho de arte, a ponto de ser
contínuo desenvolvimento da coleção e de suas
lugares onde foi parar aquilo que pouco ou nada estratégias de exposição num contexto único e
interessa ao público e mesmo aos artistas. É muito distante daquele dos museus urbanos. No
duro afirmar, mas, mesmo com todas as momento, consolidamos alguns espaços
exceções honrosas (e já não são poucas), as monográficos e permanentes dedicados a

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artistas que consideramos referenciais para o principalmente quando pensamos em arte


escopo da coleção (Cildo Meireles, Tunga, moderna e contemporânea. Desconhecem-se
Adriana Varejão, Doris Salcedo) e outros os critérios definidores adotados para as
espaços para exposições temporárias, cuja tarefa exposições e como se dá o fomento para a
é reinterpretar a coleção de dois em dois anos, produção artística.
criando relações novas com o acervo. Esse é o
núcleo do Museu, permeado por um parque De certa forma, no MAC buscamos solidificar
botânico, que esperamos expandir para outras nossa atuação perante a arte contemporânea e
situações, formando um grande arquipélago: procuramos criar um diálogo objetivo e em
obras de arte no interior da mata, trabalhando primeira instância com o público do museu para
em projetos site-specific e dando condições de justificar nossa existência nas comunidades do
os artistas desenvolverem projetos únicos e entorno. E com essas ações no contexto dos
ambiciosos. Simultaneamente, estamos atuando programas Artista Invasor e Obra em
num amplo projeto educativo para Inhotim, Destaque, bem como com a ativação do
envolvendo vários departamentos da instituição serviço educativo, estamos, definitivamente,
e a comunidade do entorno. Está em
colocando Fortaleza no circuito cultural do
desenvolvimento o Centro Educativo, que será
Nordeste e abrindo novas perspectivas
um complexo com salas de aula, auditório e
biblioteca, onde vamos desenvolver cursos para museológicas além do eixo Rio-São Paulo.
adultos, capacitação de professores para as Em sintonia com a produção mais instigante da
visitas guiadas, atividades práticas com os grupos arte, o MAC CDMAC, apenas como ilustração
escolares e oficinas de criação para a do acerto do caminho que tomamos, foi
comunidade. Potencialmente gostaríamos de indicado este ano pela Associação Brasileira de
atuar em contato direto com a rede escolar,
Críticos de Arte com uma menção honrosa pelo
criando atendimento sistemático e ações
trabalho desenvolvido em 2005. Com eleitores
continuadas com a cidade e o Estado.
do Brasil todo, a lembrança de nosso nome
Resumindo, para mim, enquanto nós, confirma que foi feliz a escolha de nossa política
curadores, não nos sentarmos com de exposições e ações museológicas,
administradores, arquitetos, comunicadores, valorizando a produção local, investindo na
educadores, empresários, museólogos etc., formação tanto do corpo profissional do museu
criando diálogos multidisciplinares de alto padrão quanto de um acervo. Além desse trabalho,
para garantir a gestão técnica e continuada e o criamos junto à Presidência do Centro a
acesso descentralizado do público às instituições, primeira biblioteca dedicada às artes visuais no
corremos o risco de ver o bonde passar. Depois estado, a Biblioteca de Artes Visuais Leonilson.
pode ser muito tarde.
Desde o início do ano, conseguimos cerca de
Rodrigo Moura, 300 doações para a formação de uma coleção.
jornalista cultural, editor e crítico de arte. Em menos de dois anos conseguimos saltar das
Curador do Museu de Arte da Pampulha e, 55 obras que compunham o acervo do MAC
desde 2004, curador adjunto de exposições e para cerca de 400. Não é muito se
da coleção do Centro de Arte Contemporânea comparamos com outras instituições em melhor
Inhotim (Minas Gerais, Brasil). situação no país, mas já é uma coleção suficiente
para ocupar por diversas vezes todas as salas de
exposição do museu com mostras do acervo. E
ainda conseguimos ser aprovados em dois
As perspectivas para se dirigir o Museu de Arte
importantes editais, o da Petrobras e o da Caixa
Contemporânea do Centro Dragão do Mar de
Econômica Federal, com investimentos que
Arte e Cultura são muito positivas atualmente.
somam cerca de 700 mil reais. Pelo primeiro,
Não tenho dúvida, em minhas andanças, de que
vamos equipar nossa reserva técnica e
este museu que dirijo é uma das instituições
requalificar nossas salas de exposição. Pelo
mais vibrantes do país quando observamos a
segundo, vamos adquirir acervo. Fato inédito no
atuação de outros museus nacionais. As
estado a envergadura das ações.
atuações política e cultural, na maioria dos casos,
não se definem. São confusas, e não se No entanto, definir nossa linha de atuação
esclarecem as estratégias adotadas, museológica foi o primeiro desafio enfrentado

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quando assumi a direção da instituição, em momento no qual as demandas que o campo
março de 2005. O museu estava sem das artes coloca para os museus são
programação, e a equipe, desmotivada diante da aproximadamente as mesmas para qualquer
falta de um diretor havia mais de três meses. A país, há uma pronunciada diferenciação entre a
verba, que em um primeiro momento poderia capacidade sustentada de resposta das
assustar e espantar, seria o segundo obstáculo. instituições brasileiras a esses requerimentos e a
Tornou-se um desafio gerir o equipamento, que, capacidade de adaptação de instituições situadas
apesar da estrutura museológica em países que há muitas décadas estabeleceram
reconhecidamente qualificada com cerca de um sistema museológico diversificado e denso.
800m2 de área expositiva, demonstrava
deficiência na produção de mostras e no Nesse contexto, a programação do Museu de
número de obras de arte contemporânea em Arte Moderna Aloisio Magalhães – MAMAM
acervo. No entanto, essa tarefa motivou a nova tem-se pautado, desde sua criação, em 1997,
gestão a buscar soluções criativas para as pela ambigüidade que permeia as atividades
carências do MAC. da maior parte dos museus de arte moderna
brasileiros: embora criados como instituições
Dirigir um museu fora do eixo Rio – São Paulo voltadas para a conservação e a difusão da
não é tarefa das mais fáceis num país pouco arte moderna, esses museus assumem, no
afeito a suas instituições culturais. Mas quando se ambiente institucionalmente rarefeito do país,
encontra uma equipe competente e disposta a também a responsabilidade de expor artistas
inovar, torna-se mais curto o caminho para o (maduros e jovens, de suas regiões ou dos
sucesso da iniciativa. O mérito está em saber mais diversos cantos) que partilhem a
descobrir em cada um dos funcionários as condição de ser construtores ativos da
potencialidades individuais e coletivas, ainda mais visualidade contemporânea.
quando se trata de uma equipe reduzida como a
nossa. E o mérito não é do diretor em perceber Adicionalmente, e mais uma vez de modo
tais qualidades, é dos próprios funcionários que similar ao que ocorre com a maior parte dos
se deixam descobrir. Cabe ao diretor trazer a museus de arte moderna e contemporânea
noção de equipe e as condições do trabalho a
brasileiros, a realização das exposições do
ser desenvolvido. Depois, é só colher os frutos.
MAMAM – sejam elas individuais ou coletivas –
Ter sido o escolhido em um processo seletivo depende, em grande medida, do empréstimo
inédito no país, em que um conselho curatorial de acervos de colecionadores privados, de
indicou o diretor do museu, me dá uma certa galerias, de outras instituições, ou dos próprios
isenção política. Mas, se não contasse com o artistas. Se essa situação indica a incapacidade da
apoio incondicional da Presidência do Instituto sociedade brasileira de formar acervos públicos
de Arte e Cultura do Ceará, a organização e atualizados até mesmo das produções de seus
social do estado que gerencia o Centro mais importantes criadores, ela tem também
Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura, do
permitido a ampliação do repertório visual à
qual somos mais um equipamento, parte do
nosso sucesso profissional e institucional não disposição daqueles a quem esses museus
seria possível. servem, atualizando seu olhar e oferecendo o
contato com formas diversas de negociação
Ricardo Resende artística com o mundo.
Diretor Museu de Arte Contemporânea Centro É precipitado, portanto, formular uma oposição,
Dragão do Mar de Arte e Cultura em termos de relevância para o desempenho da
função educativa dos museus, entre exposições
permanentes de acervo e exposições
A condição tardia do meio das artes do temporárias. Em várias situações, as exposições
Brasil e a experiência do MAMAM temporárias podem ser de tal importância
formativa e afetiva para o público dos museus,
A situação das instituições museológicas que é mesmo possível considerar as obras
brasileiras parece sugerir que o Brasil chegou à nelas incluídas pertencentes a um acervo
contemporaneidade tardiamente. Em um simbólico das instituições que as abrigam (ainda

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que de veloz circulação e sem quaisquer MAMAM concede a atividades de reflexão sobre
implicações patrimoniais). a produção artística.

O fundamental, todavia, é que, qualquer que O reconhecimento do papel formativo que as


seja a origem do acervo exibido (próprio ou exposições temporárias desempenham nas
emprestado), as exposições e demais ações programações dos museus de arte no Brasil não
educativas a elas relacionadas (sejam elas desobrigou o MAMAM, contudo, da
discursivas, editoriais ou de criação) responsabilidade que possui em relação a seu
estabeleçam e estimulem, em seu conjunto, acervo. Simultaneamente a projetos de
uma relação crítica e reflexiva do público com a recatalogação e de informatização de toda a sua
produção artística. Isso implica, entretanto, que coleção, de higienização e de restauro de todo
os museus precisam adquirir, desenvolver ou o acervo em papel e de parte de seu acervo de
pintura, de implementação de novo sistema de
recuperar sua capacidade de formulação e de
controle ambiental da reserva técnica (projetos
implementação de um projeto institucional, ou
financiados pela VITAE) e à criação de uma nova
seja, é preciso encontrar os meios adequados
reserva técnica para obras tridimensionais, o
(e inovadores) de financiamento e de gestão de
Museu constituiu, em sua coleção, um núcleo
museus para lidar com essa condição tardia,
expressivo da produção contemporânea do país
não fazendo dela impedimento para assumir a em artes visuais, composto de 130 obras de 60
responsabilidade frente às necessidades do artistas, a maior parte delas generosamente
meio das artes do país. doada por artistas, galerias e colecionadores a
partir de solicitações do MAMAM. Além disso, o
Ao longo dos últimos seis anos (2001-2006), os
Museu adquiriu, mediante patrocínio do
esforços do MAMAM foram voltados,
Programa Caixa de Adoção de Entidades
prioritariamente, para a consolidação dessa
Culturais, 80 gravuras de Gilvan Samico, que,
capacidade de posicionar-se criticamente frente
somadas às obras desse importante artista já
à produção artística moderna e contemporânea.
existentes no acervo, perfazem toda a sua
Para alcançar esse intento, o Museu assumiu,
produção da década de 1950 aos dias atuais.
gradualmente, a responsabilidade de conceber e
produzir a maior parte das exposições nele Esse esforço busca, talvez utopicamente, a
realizadas, promovendo a profissionalização de implantação gradual de um modelo de
sua equipe e comissionando, em diversos casos, formação visual que não dependa quase
a criação de obras novas por parte dos artistas exclusivamente de exposições temporárias feitas
convidados. Mais do que simplesmente inserir- com acervos emprestados, mesmo que
se em um circuito de exposições já existente no formatadas a partir dos museus e voltadas para
país, o MAMAM optou por ampliá-lo e alimentá- as necessidades das comunidades que os
lo a partir de um ponto de vista local. freqüentam. Por mais relevantes que tenham
sido e ainda sejam para a atualização do olhar
Também fundamental nesse esforço de de sua audiência, é necessário que as
requalificação institucional foram as publicações exposições temporárias cedam aos acervos
editadas pelo Museu para acompanhar cada permanentes dos museus o lugar de primazia
exposição nele concebida ao longo desse que hoje ocupam, passando a desempenhar, no
período. Aliando textos críticos que privilegiam a futuro, um papel especulativo ou de releitura
análise das obras expostas e projetos gráficos dos juízos de valor assentados por aquelas
que respeitam e favorecem sua visualização, coleções. Somente assim será possível fazer
esses catálogos são oferecidos como alternativa com que, no correr do tempo, os museus
editorial para um segmento comumente justifiquem, em termos menos defensivos do
marcado pelos extremos de precariedade e que aqueles ainda empregados, o porquê de
desperdício. A criação de uma biblioteca ser, afinal, instituições sociais importantes.
especializada em arte moderna e
contemporânea aberta à consulta pública Moacir dos Anjos
solidificou ainda mais a importância que o Diretor do MAMAM

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O avião não decola o caso das escolas parques e do Espaço Cultural
508 Sul, onde se formaram excelentes artistas,
Breves considerações sobre as artes visuais que hoje já consolidaram suas carreiras dentro e
em Brasília fora do estado. Sem nenhuma expressividade
O ambiente da cultura visual em Brasília cresceu atual na formação dos jovens artistas brasilienses,
e profissionalizou-se, razoavelmente, na o Espaço da 508 Sul encontra-se à margem do
presente década. processo de transmissão do conhecimento,
embora seja ainda um emblemático centro
Algumas instituições públicas e privadas cultural de Brasília, mais por seu passado do que
vêm contribuindo para a demarcação de por seu presente. A questão é que por aqui não
um território brasiliense na artes visuais se investe mais no processo, o que prejudica o
brasileiras e estrangeiras. produto. Aposta-se muito no evento em
detrimento do advento da formação artística.
Na esfera pública federal, os editais de estatais
de centros culturais como os da Caixa e do Ainda no âmbito da Secretaria de Cultura de
Centro Cultural Banco do Brasil, criados ainda Estado do DF, o FAC (Fundo de Apoio à
nesta década, vêm aproximando o público Cultura do DF) desenvolve um mecanismo de
amante das artes de projetos de exposições fomento às artes, mas que funciona sem
nacionais e internacionais, embora artistas do DF critérios eletivos claros para projetos culturais,
se ressintam de apoio à cultura brasiliense destinando seus recursos aleatoriamente, em
nesses espaços. ineficaz tentativa de constituir uma instância
democrática para a distribuição dos parcos
Apostando na arte contemporânea, a Funarte recursos públicos para a área.
local desenvolve um programa para as artes
visuais em Brasília, que poderia ampliar seus O MAB, Museu de Arte de Brasília, que possui
editais de galerias privilegiando também as um belo acervo de arte contemporânea
intervenções urbanas, tendência em franco brasileira, desenvolve uma tímida política
desenvolvimento nas artes da capital federal. cultural. Refém do futuro Museu da República,
em fase inaugural na Esplanada dos Ministérios,
A Secretaria de Cultura de Estado do DF, por o MAB, antigo museu da cidade, vive dias de
sua vez, não apresenta, no momento, nenhuma incertezas e falta total de recursos para sua
política concreta para as artes visuais. Nenhum manutenção.
prêmio de incentivo à produção para as artes
visuais foi instituído desde 1990. Só o Iate Clube O novo museu é uma grande incógnita.
de Brasília, e não regularmente, organizou um Plantado na Esplanada, a grande cúpula branca
prêmio com vistas à produção emergente. Hoje
de Oscar Niemeyer não apresentou até agora
extinto, o prêmio Iate deixa uma lacuna nos
programação nem divulgou à classe interessada
meios artísticos da cidade.
o conceito do museu a ser implantado.
As galerias da Casa da Cultura da América Sabendo-se que um museu pode ativar
Latina, da Universidade de Brasília, desenvolvem econômica e culturalmente uma cidade,
um programa de artes visuais voltado para a presume-se que a grande incógnita do iglu da
pesquisa e experimentação, dando Esplanada venha devolver a Brasília a identidade
oportunidades aos jovens artistas, muitos deles cultural perdida e também reconduzi-la ao posto
egressos do Instituto de Artes da UnB, único de cidade nascida sob o signo da arte.
centro oficialmente voltado para o ensino das
artes no DF. Não obstante as dificuldades descritas, Brasília é
hoje um centro de excelência das artes visuais
Ressalte-se que, em Brasília, a total ausência de brasileiras. Artistas e coletivos locais ultrapassam
escolas de arte prejudica e causa retrocesso no constantemente as divisas da capital e projetam-
desenvolvimento da cultura visual da cidade, que se no cenário das artes nacionais e
em seu apogeu, nos idos de 1960, abrigou um internacionais.
original e exemplar modelo de arte- educação,
na figura dos centros interdisciplinares, como é Wagner Barja, Artista Visual

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