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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

Curso de Direito

A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL, DIREITOS


INDIVIDUAIS COM PREJUÍZO AOS DIREITO COLETIVOS, A REALIDADE SOB
OLHAR SOCIOECONÔMICO.

ANTONIO ARNALDO DE CARVALHO MACHADO NETO

Rio de Janeiro
2018
ANTONIO ARNALDO DE CARVALHO MACHADO NETO

A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL, DIREITOS


INDIVIDUAIS COM PREJUÍZO AOS DIREITO COLETIVOS, A REALIDADE SOB
OLHAR SOCIOECONÔMICO.

Artigo Científico Jurídico apresentado à


Universidade Estácio de Sá, Curso de Direito, como
requisito parcial para a conclusão da disciplina
Trabalho de Conclusão de Curso.

Orientador: Prof. FERNANDO DE ALVARENGA


BARBOSA

Rio de Janeiro
Campus Recreio
2018
O A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL, DIREITOS INDIVIDUAIS COM
PREJUÍZO AOS DIREITO COLETIVOS, A REALIDADE SOB OLHAR SOCIOECONÔMICO.

Antonio Arnaldo de Carvalho Machado Neto*

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo demonstrar e discutir o processo de judiciliazação datudo
que envolve o Poder de Polícia das Forças Armadas em especifico da força terrestre, citando suas limitações e
atuações, colocando em pauta a autonomia outorgada pela Constituição Federal. O estudo aborda
preliminarmente o surgimento e a evolução do Poder de Polícia, desde seus primórdios até a evolução do
Estado Democrático de Direito, hodiernamente com o novo conceito de Poder de Polícia reconhecido pelo
Direito Administrativo faz-se uma apresentação de suas características, aplicabilidade, proporcionalidade e
limitações.

Palavra-Chave: Poder de Polícia; Forças Armadas; Direito Administrativo; Proporcionalidade; Atuação;


Limitação.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1 Origem; 2.2 Conceito; 2.3 O Poder de Polícia como fator
de segurança e desenvolvimento; 2.4 O Poder de Polícia das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem; 2.5
Questões Jurídicas. 3. Conclusão. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho é uma análise do processo de judicialização da saúde pública no Brasil, um


processo polêmico e complexo, que tornou-se um grande desafio a ser vencido pela sociedade, visto que
tal processo tem se transformado em um fator de desequilíbrio do insuficiente financiamento da saúde,
fazendo que no Brasil de hoje, parte dos cidadãos tenha acesso a medicamentos e procedimentos
caríssimos, exclusivos, alguns nem aprovados pelas autoridades sanitárias, enquanto a maioria da
população, mais carente, luta para ter algum tipo mínimo de atendimento, que nem sempre obtém. A
judicialização tem deslocado ao Poder Judiciário decisões que nem sempre seriam as mais acertadas.

Na medida em que uma sentença judicial, seja em caráter liminar ou decisão definitiva
envolvendo um procedimento ou fornecimento na área de saúde pública que envolve um alto custo
financeiro é proferida para o atendimento a um paciente, parte do recurso que é orçado e finito, e que
* *
Graduando em Direito da Universidade Estácio de Sá
atenderia uma gama maior de usuários deixa de ser utilizado, o que de certa forma estaria trazendo
prejuízo de um grupo de indivíduos, o coletivo em detrimento do individual.

Desta situação abordada, exemplificada de modo simples, surge um conflito. De um lado está um
magistrado que ao emitir sua decisão, seja ela em caráter liminar ou seja ela em caráter definitivo, invoca
a universalidade do sistema único de saúde. Do outro lado está o gestor de saúde , representando a
administração pública que possui um orçamento limitado, finito e insuficiente, tendo a necessidade de
garantir a organização, a racionalidade e a normatização quantos aos tipos de serviços oferecidos e
medicamentos distribuídos por meio da assistência farmacêutica gratuita e as patologias que irão atender.

A judicialização na saúde tornou-se um enorme desafio a ser vencido pela nossa sociedade, já que
este processo tem causado um grande desequilíbrio do insuficiente orçamento da saúde, fazendo com que
no Brasil de hoje, parte dos cidadãos tenha acesso a medicamentos e procedimentos caríssimos,
exclusivos, alguns nem aprovados pelas autoridades sanitárias, enquanto a maioria da população mais
carente, luta para ter algum tipo mínimo de atendimento, que nem sempre é conseguido, além de outras
demandas que carecem de fundamentos científicos e estudos mais detalhados que acabam sendo
processadas e por muitas vezes acolhidas pelos judiciário.

Através deste trabalho, procuraremos propor sugestões com o intuito de resolver ou minimizar o
que seria um conflito entre direito individual com prejuízo ao direito coletivo, procura explorar possíveis
alternativas aos excessos da judicialização da saúde, no sentido de subsidiar uma estratégia voltada a sua
redução, com base na abordagem de Direito e Políticas Públicas.

Buscaremos entender o que vem a ser o processo de judicialização da saúde, quais os fundamentos
constitucionais elencados nestes processos, com a saúde sendo analisada sob o ponto de vista de seu
regime jurídico-constitucional, historiando-se as dimensões dos direitos fundamentais e a posição do
direito à saúde como um direito fundamental social na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, quais os impactos socioeconômicos que tal medida acarreta e a proposição de medidas que possam
solucionar ou minimizar tal processo.

Será utilizado o método indutivo de abordagem, com pesquisa bibliográfica realizada a partir de
documentação direta ou indireta, partindo de uma análise jurídica, abrangendo a Constituição Federal e a
legislação sanitária infraconstitucional.
2. DESENVOLVIMENTO

Atualmente no Brasil, por ineficiência do Poder Público em gerir políticas de saúde, quer seja por
má gestão financeira, quer seja por orçamento insuficiente ou até mesmo por outros interesses alheios ao
bem comum, tem resultado na busca pelos cidadãos da satisfação de suas necessidades sociais por meio
das ações judiciais, previstas em nossa Carta Magna, assegurando o acesso à prestação positiva de um
direito fundamental.

2.1 Analise do processo de judicialização da saúde pública no Brasil

A judicialização na saúde tornou-se um enorme desafio a ser vencido pela nossa sociedade, já que
este processo tem causado um grande desequilíbrio do insuficiente orçamento da saúde, fazendo com que
no Brasil de hoje, parte dos cidadãos tenha acesso a medicamentos e procedimentos caríssimos,
exclusivos, alguns nem aprovados pelas autoridades sanitárias, enquanto a maioria da população mais
carente, luta para ter algum tipo mínimo de atendimento, que nem sempre é conseguido, além de outras
demandas que carecem de fundamentos científicos e estudos mais detalhados que acabam sendo
processadas e por muitas vezes acolhidas pelos judiciário.

Como forma de exemplificação do que foi a colocado acima, recentemente tivemos uma chuva de
liminares determinando a entrega da substância fosfoetanolamina pela USP a pacientes com câncer, a
famosa pílula do câncer, não é registrado como medicamento, não passou pelos testes preconizados aos
medicamentos para serem usados em seres humanos, não se tem certeza de sua eficácia e eficiência
terapêutica, não há segurança com relação ao sua toxicidade, não existiam pesquisas em grandes artigos
científicos na área, mesmo assim , independente de todas etapas acimas não preenchidas, houve uma
avalanche ao judiciário atrás da tal pílula do câncer, que teria efeitos quase milagrosos, não se sabe como
disseminou a orientação que a melhor maneira de consegui-la seria pela via judicial, que por esse
caminho passou a servir de porta de entrada para se conseguir tal medicamento milagroso.

Não era apenas a crendice popular que atribuía a tal pílula a cura, centenas de juízes atuando desde
a primeira instância até aos tribunais superiores, passaram a acreditar nisso, passando por cima dos
protocolos há muito tempo estabelecidos na ciência, amparados no art. 196 da Constituição e em sua
crença na auto aplicabilidade dos direitos fundamentais parecendo que o judiciário havia descoberto a tal
pílula para o câncer.

A judicialização da saúde no Brasil, desde do final da década de 1990, tornou-se um problema. A


ampliação das ações judiciais para a prestação do direito à saúde, assumiu características epidêmicas no
judiciário, se por um lado as demandas de massa realizam a derrubada, pelo menos parcial, de barreiras
que impediam a reivindicação consequente de atendimento de direitos, por outro lado criaram uma
paradoxo, em que a judicialização gera mais judicialização.

Se banalizou tal prática com problemas e soluções para tudo, diante da rotina de liminares
garantindo a entrega de praticamente todo e qualquer medicamento e providência requerido, qualquer
medida oferecida no âmbito do sistema de saúde, ainda que célere e razoável, tende a desencadear o
desequilíbrio, aos que procuram o caminho judicial, tudo; à coletividade a lei. O direito de Saúde de uns
opostos ao Direito à saúde de muitos.

2.2 Fundamentos constitucionais elencados no processo de judicialização

Com base no art 196 da CRFB de 1988 temos:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.1

A constituição federal trouxe os princípios fundamentais do direito à saúde e estabeleceu os


princípios norteadores do SUS (artº . 196 e 198, 1988), dentro os quais se destacam: a universalidade, que
se traduz no direito de qualquer indivíduo, independentemente de suas condições pessoais, tais como
nacionalidade, naturalidade, classe social entre outras, de ser atendido em sua plenitude pelos órgãos de
saúde pública, ser beneficiado por ações governamentais que envolvem políticas públicas direcionadas à
1
CRFB, art.196
saúde da população a ter a sua disposição todos os insumos farmacêuticos indispensáveis para prevenção
e proteção de sua saúde; outro princípio importante previsto , o da integralidade, princípio segundo o qual
deverão ser destinados aos que necessitam toda a assistência e esforços para a recuperação da doença bem
como a sua prevenção, assim como políticas sociais e econômicas que vise a redução do risco da doença e
de outras enfermidades; outro norteador e importante princípio , o da igualdade, preconiza o atendimento
do Estado de maneira equânime, sem discriminações de qualquer natureza e sem oferecer privilégios ou
preferências de origem subjetiva, devendo as ações e serviços de saúde ser distribuídos de maneira
igualitária pelo gestor; outro princípio, o da gratuidade, traduz basicamente que as ações e serviços
voltados na área de saúde não podem conter nenhuma forma de contraprestação por parte do usuário;
temos também o princípio da regionalização e hierarquização, significando a necessidade de se organizar
a prestação de serviço por meio de divisões territoriais, bem como a divisão da prestação do serviço em
classes, de acordo com a complexidade, no sentido de série contínua de graus, do menos complexo ao
mais complexo; o princípio da descentralização, significando que as ações e serviços devem ser passados
à responsabilidades dos municípios, permanecendo os poderes públicos e estatal como corresponsáveis;
temos o a participação social como princípio, onde consiste na participação da comunidade em
Conferências de Saúde e Conselhos de Saúde e por último o princípio da informação , onde todas a
pessoas atendidas tem o direito pleno de saber e terem o conhecimento amplo de seu real estado de saúde
bem como o tratamento a qual poderá ser submetido.

Conforme abordado em nossa Carta Magna em seu art 198 com o Sistema único e seus princípios
norteadores
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;

A reivindicação da saúde com direito tem levado o Estado a assumir responsabilidades crescentes
pela promoção, proteção e recuperação da saúde do povo. A autuação do Estado contemporâneo - de
Direito - é orientada por normas jurídicas e o direito da saúde pública, parte do direito administrativo é
constituído por um conjunto específico de normas que precisam ser conhecidas pelos sanitaristas, para
efetivação desse direito humano.
As ações e serviços de saúde foram caracterizados como sendo de “relevância Pública” pela
Constituição Federal de 1988. A única função cumprida pelo conceito de relevância pública no quadro
constitucional parece ser, porém, a de se ensejar que o Ministério Público atue, em relação a eles, nos
termos do art. 129, II, da Constituição, nada mais (Grau, 1992)

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia;

Existem contornos jurídicos da integralidade da atenção de saúde, conforme definido em lei, pois
não se pode admitir o argumento de que tudo, irrestritamente, cabe no direito à saúde ou, ao contrário
senso, tudo pode ser negado em nome da falta do financiamento. Caso não se desmarque urgentemente a
extensão da integralidade, a saúde poderá sofre um grande revés em virtude do crescimento de ordens
judiciais que estão gerando uma desestruturação do SUS. Do ponto de vista jurídico, integralidade da
atenção à saúde tem os seguintes contornos ou limitações: o paciente deve observar todas as regras do
sistema único de saúde no tocante ao acesso, ao optar pelo atendimento público, ingressando no sistema e
nele tendo acesso a assistência terapêutica integral disponibilizada segundo esse regramento, não fora
dele, o do direito a saúde deve ser efetuado dentro do montante de recursos constitucionais destinados a
seu financiamento (EC 29/2000, que Alterou os Artigos 34,35, 156,160, 167 e 198 da Constituição
Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Transitórias, para assegurar os recursos mínimos para
o financiamento das ações e serviços públicos de saúde); a integralidade tem um padrão que corresponde
aos regulamentos técnicos e científicos, protocolos de condutas, limites para incorporação de tecnologias
e protocolos farmacológicos, não admitindo toda e qualquer terapêutica existente; deve-se por fim
respeitar o planejamento imposto pela lei ao gesto do SUS, baseado em epidemiologia, não sendo
legítimo ao Judiciário interferir no plano de saúde. Ao Judiciário compete coibir os verdadeiros abusos
das autoridades públicas de saúde, mas as decisões judiciais, quando desbordam de sua competência e
interferem nas políticas sem respeitas estes contornos, acabam destruturando o SUS e privilegiando
aqueles que recorrem ao Judiciário em prejuízo dos que ingressam no SUS voluntariamente, o que coloca
em risco o princípio da igualdade (Santos, 2009, p 63-72)

O Sistema único de saúde e a inciativa privada formam corpos distintos de prestação de serviços.
As estruturas e as ações do sistema público são afetas aos usuários efetivos do SUS, que as acessam
conforme regras e procedimentos específicos, e não ao usuário potencial do SUS que optou pela
assistência privada de saúde, o SUS foi e deve ser estruturado para permitir o acesso igualitário e
equitativo dos cidadãos, tendo um regime jurídico diverso das ações e serviços privados. Há porta de
entrada disciplinadas e regulamentadas, tanto para proteger a organização do sistema como garantir o
acesso democrático, isonômico e não discriminatório ao serviço público. O atendimento, apenas quando
obedecidas estas regras, deverá ser integral. O Sus não está como regra constitucional obrigado a fornecer
insumos isolados àqueles que optarem pelo o uso de serviços privados.

Os gestores do SUS precisam reconhecer a legitimidade constitucional e democrática da


intervenção do Poder Judiciário e do Ministério Público nas questões de saúde, tão frequentes no caso da
assistência farmacêutica, mas, de outro lado, estes precisam compreender que não se pode confundir
direito à assistência farmacêutica com direito ao consumo de medicamentos. Em primeiro lugar, devem
ser respeitados os protocolos de atenção e os esquemas terapêuticos do SUS, mas, como o cidadão que
tem necessidades especiais não pode ficar desassistido e a medicina não é uma ciência exata, devem ser
atendidas os casos excepcionais, por um canal administrativo ou via judicial, desde que lastreados na
medicina baseada em evidências. Em segundo lugar, o SUS não está constitucionalmente obrigado a
atender prescrições médicas advindas de fora do sistema. De qualquer forma, talvez o crescimento no
número de demandas judiciais tenha causado um efeito colateral favorável, pois provoca a aproximação
dos agentes políticos e impõe mútua compreensão de seus papéis e deveres (Wichert, 2010)

Como o direito à saúde tem status de direito fundamental e como tal merece e exige eficácia, a
omissão e/ou ineficiência do Estado deu azo ao fenômeno da judicialização da saúde. Quando o judiciário
determina ao Estado que forneça determinado medicamento, atendimento médico ou insumo terapêutico
deve fazê-lo com cautela, a fim de obter a lei, bem como não inviabilizar o funcionamento da máquina
estatal. Algumas regras são importantes serem observadas a fim de evitarmos maiores problemas como:
observância do princípio ativo prescrito, a fim de se verificar se este medicamento possui os estudos
inerentes e está de acordo com a patologia acometida, observância da existência do registro do
medicamento pleiteado, pois sabemos que um medicamento sem registro pode ser um risco ao usurário já
que o processo que envolve o registro tenta minimamente através de protocolos rigorosos evitar os danos
ao paciente, observância da pertinência do medicamento ao tratamento do paciente e a observância aos
programas de assistência farmacêutica do SUS. Não é possível atribuir a prescrição médica o caráter
absoluto que se vem dispensando. Não há direito líquido e certo a justificar a utilização do mandando de
segurança e a concessão de tutela de urgência nos processos é suficiente para garantir o direito à saúde,
desde que presentes seus requisitos legais. Iniciativas inovadoras envolvendo os gestores, o Ministério
Público e o Judiciário, como ocorreu na Comarca de Ribeirão Preto/SP, mostraram exitosas (Gandin et al.
, 2008).

2.3 Impactos do processo de judicialização

A escassez de recursos requer a formulação de políticas públicas para a alocação compatível com os
princípios de universalidade, integralidade, igualdade e equidade do SUS. Existem critérios técnicos por
meio dos quais o Poder Executivo prioriza os gastos para formular a política de saúde, cabendo o controle
social averiguar a observação aos princípios do SUS. O Poder Judiciário, porém, parece associar mais a
integralidade à noção de consumo, ao determinar o fornecimento de produtos sem considerar a existência
de política pública para tratar doenças, como se a negativa do fornecimento de algum produto
farmacêutico significasse a negativa do direito do cidadão à saúde. O registro de um produto por si só não
implica na sua incorporação ao SUS, que por sua vez necessita usar critérios técnicos e econômicos para
organizar a política, não existe nenhum sistema de saúde no mundo que oferte todos os medicamentos
existentes em seu mercado. Como o SUS trabalha com a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
(RENAME), seguindo a orientação a orientação da Organização Social da Saúde que publicou a primeira
lista de medicamentos essenciais em 1975, e com o Programa de Medicamentos de Dispensação em
Caráter Excepcional para as doenças mais raras, a concessão de medicamentos pelo Poder Judiciário sem
observância das normas consolidadas que disciplinam o acesso à saúde compromete o esforço do Poder
Executivo e a organização legal do SUS, prejudicando em última análise a equidade na saúde (Vieira ,
2008)

A lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90), em ser art 7º dispõe:


Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou
conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de
acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo
ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das
ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada
caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e
moral;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer
espécie;
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua
utilização pelo usuário;
VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação
de recursos e a orientação programática;
VIII - participação da comunidade;
IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de
governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento
básico;
XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços
de assistência à saúde da população;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e
XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios
para fins idênticos.
XIV - organização de atendimento público específico e especializado para mulheres
e vítimas de violência doméstica em geral, que garanta, entre outros, atendimento,
acompanhamento psicológico e cirurgias plásticas reparadoras, em conformidade
com a Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013. (Redação dada pela Lei nº 13.427, de
2017)

Abordando novamente o quesito da integralidade, é preciso observar, em primeiro lugar, que


assistência integral combina as ações e serviços de saúde preventivos com os assistenciais e curativos,
apesar da prioridade dos primeiros; em segundo lugar, a assistência implica em uma atenção
individualizada, para cada caso, segundo as exigências do usuário e em todos os níveis de complexidade
do sistema (art 7º, LOS). O direito a saúde, entretanto deve pautar-se por alguns pré-requisitos, dentre
eles o de cidadão, livremente, ter decidido pelo sistema público de saúde e acatar seus regramentos
técnicos e administrativos. O SUS é integral e não “complementar” ao setor privado, não podendo a
integralidade da assistência terapêutica ser um direito aleatório e ficar sob a mais total independência
reivindicatória do cidadão e da liberdade dos profissionais de saúde indicarem procedimentos, exames,
tecnologias não incorporadas ao sistema, devendo a conduta profissional pautar-se pelos protocolos e
pelos parâmetros técnicos da comunidade científica. Apenas em relação à Síndrome da imunodeficiência
humana adquirida (AIDS), em razão de lei específica (Lei nº 9.313/96), justificada por questões
epidemiológicas, o medicamento deve ser garantido a todos, até para os não tratados pelo SUS (Carvalho;
Santos, 2006, p 64/71)

É certamente na condição de direito a prestações materiais, diante da insuficiência das referências


constitucionais às noções de cura, prevenção ou promoção elencados no artº 196 da Constituição, e a um
imperativo genérico de “integralidade”, que o direito à saúde suscita as maiores controvérsias, De um
lado há de se reconhecer a dimensão pessoal e individual do direito à saúde e o acesso a jurisdição
garantido constitucionalmente; de outro tem-se o problema da limitação dos recursos públicos e o efeito
colateral questionável e até perverso que as decisões judiciais têm causado ao assegurar o direito apenas
àqueles que tem acesso ao judiciário. (Scarlet; Figueredo,2009)
Racionar os cuidados de saúde envolve “escolhas trágicas” porque isso implica na distribuição de
escassos bens, em decisões que impactam diretamente a vida e a saúde do homem. Governos evitam
assim debater publicamente este assunto e o Supremo Tribunal Federal (STF) também tem tentado se
esquivar do enfretamento dos pontos mais controversos do tema. No período de 1997 a 2006, o STF
constantemente reafirmou o posicionamento de que o sistema público de saúde deve garantir qualquer
tratamento, pouco importando se experimental ou caro, porque o direito à saúde se sobrepõe a qualquer
interesse financeiro e secundário do Estado. Assim ficou decidido no caso de um paciente com distrofia
muscular de Duchenne, que obteve um tratamento experimental existente apenas nos Estados Unidos em
1997, e depois as decisões da Suprema Corte adotaram essa abordagem centrada no paciente, pouco
importando outros aspectos, como a escassez de recursos, custo-efetividade e possibilidade de outra
terapia oficial alternativa. No período de 2006 a 2009, inicialmente o STF apontou para as limitações no
direito à saúde, condicionando-o à “razoabilidade de demanda” e à “disponibilidade de recursos”;
chegando mesmo a negar tratamento de drogas em dois casos para pacientes com doença renal crônica e
câncer, reconhecendo que a não consideração do custo-efetividade significaria prejudicar a maior parte da
população. Ao depois, a Suprema Corte estipulou pela primeira vez um critério de limitação do direito à
saúde, em uma abordagem agora centrada na população: a lista oficial de medicamentos, aprovadas pelo
Ministério da Saúde e Secretarias; em decisões posteriores, porém, voltou a focar apenas a necessidade do
tratamento em questão para aquele paciente.

No período de 2009 a 2010, o STF debateu profundamente os aspectos do problema em audiência


pública e balizou diretrizes em decisões judiciais seguintes, reconhecendo o direito ao tratamento se: já
previsto na política pública de saúde, reconhecido como eficaz e seguro pela ANVISA, usado com
consenso científico, excetuando-se, portando, os tratamentos experimentais. Além disso, um tratamento
pode ser garantido judicialmente, se o autor da ação provar que o tratamento público não é apropriado no
seu caso ou não é oferecido, provar que o tratamento vem sendo usado por um longo período por outros
pacientes e os protocolos ainda não o acolheram porque sua atualização é muito lenta. Na análise destes
critérios do STF, percebe-se sua insuficiência porque os juízes não consideram o cenário no qual a
concessão do tratamento se insere, em termos de impacto na política pública e prejuízos na assistência de
outros indivíduos, como exemplos inexequíveis como triplicar o número de leitos de UTI em uma
pequena cidade num prazo de 90 dias. No fundo acaba prevalecendo a “regra do salvamento” (rule of
rescue), que pode ser definida como um sentimento de dívida moral imediata em atender o que for
possível para salvar uma pessoa identificada cuja vida ou saúde está em perigo, independente do custo.
As Cortes com facilidade se preocupam com uma pessoa individualizada, mas não estão preparadas para
lidar com o suposto prejuízo de anônimos cidadãos: “as cortes conhecem quem vencem, mas não podem
identificar quem perde”. De todo jeito, a Suprema Corte tem falhado em examinar dilemas mais
fundamentais e difíceis na distribuição dos cuidados em saúde, acabando por priorizar alguns pacientes e
excluindo outros, até mesmo concedendo terapia de última chance discutíveis (Wang, 2012).

As primeiras teses de defesa apresentadas pelo poder público em ações civis e mandados de
segurança que tratam de assistência farmacêutica, não acolhidas pela jurisprudência majoritária do Brasil
são: (1) ausência de solidariedade entre as três esferas do governo, que não se sustenta porque a
responsabilidade é solidária dos gestores que integram o mesmo sistema (SUS) decorre da Constituição
Federal (art.23, II) e da Lei Orgânica da Saúde (art. 7º, XI); (2) conteúdo programático da norma contida
no art 196 da CF, que apenas indica diretriz ao gestor público, ideia não aceita porque os contornos
precisos do referido artigo, exigem concretude das políticas públicas e a saúde é direito fundamental de
aplicação imediata (art. 5º , parágrafo 1º, CF); (3) princípio da reserva do possível e ausência de dotação
orçamentária, ambos inaplicáveis na medida em que questões orçamentárias levantadas de forma genérica
não podem se sobrepor ao mínimo existencial, ou seja, àquilo sem o qual o ser humano não consegue
alcançar a condição de dignidade (art. 1º, III, CF), devendo ser demonstrada objetivamente a escassez
absoluta de recursos públicos no caso concreto; (4) impossibilidade do Poder Judiciário se imiscuir em
questões relativas a políticas públicas – violação do princípio da separação de poderes, o que se afasta
com a sistemática constitucional de controle recíproco entre os poderes, de garantia da proteção judiciária
(art. 5º, XXXV, CF) e da interferência do Poder Judiciário para sanar toda conduta ilegal do Poder
Executivo; (5) ausência de obrigação do Estado de fornecer medicamentos ou tratamentos que não
constem de lista oficiais e protocolos clínicos do SUS, hipótese em que o deferimento judicial é possível
se comprovada a necessidade do usuário, a despeito da importância dos produtos clínicos, porque o
direito a saúde e a integralidade do atendimento são garantidos constitucionalmente; (6) ausência do
registro do medicamento na ANVISA, regra geral que não pode ser considerada absoluta e cujo
afastamento depende diretamente do conjunto probatório produzido nos autos, devendo-se, porém,
respeitar os programas oficiais de uso de medicamentos experimental e do acesso expandido e; (7)
necessidade de esgotamento da via administrativa e comprovação da negativa do poder público em
fornecer o medicamento ou tratamento, exigência que afronta o art. 5º, inciso XXV, da Constituição
Federal e que fica suplantada com a contestação do mérito no bojo da ação pela administração; (8)
necessidade de relatório ou receituário médico firmado por médico do SUS, exigência desvinculada de
legalidade estrita, embora se reconheça que as prescrições médicas devam respeitar o regramento ético e
legal quanto ao seu conteúdo; e (9) desrespeito ao disposto no art. 100 da Constituição Federal e
inadmissibilidade do bloqueio de verbas públicas, por ser lícito ao magistrado determinar o bloqueio de
valores em contas públicas para garantir o custeio de tratamento indispensável, como meio de concretizar
o princípio da dignidade da pessoa humana (Mapelli Júnior et al., 2012, p. 112-137)

A judicialização da saúde por si só não importa em ativismo judicial, compreendido o fenômeno


como a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da
função legislativa, mas também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Boa parte
das decisões judiciais que pretendem garantir o direito a saúde, senão todas, porém, assumem perfil
ativista e constituem inaceitável usurpação de competências cometidas pelo Constituinte e outro Poderes.
A despeito da existência da farta doutrina e jurisprudência em sentido contrário, o direito à saúde é direito
fundamental derivado, pois depende de concretização por meios de políticas públicas e de
regulamentação legislativa, conforme se depreende da redação dos arts. 196 e 197 CF. Essa
caracterização é relevante porque demonstra que o exercício do direito à saúde resta condicionado e
limitado pelas medidas de implementação adotadas pelo Poder Público, não se podendo admitir que
magistrados, ao invés de exercerem o controle sobre políticas de saúde, determinem a adoção de
providências, que, na verdade, as substituem. Além disso, como as decisões em matéria de saúde são
opções de conduta, com embasamento técnico, normativamente asseguradas ao Poder Executivo, estamos
no campo da discricionariedade administrativa imprópria técnica.

O ativismo judicial na implementação do direito à saúde equivoca-se ao pensar que pode solucionar
as questões que lhe são apresentadas pela técnica da ponderação de normas-princípios constitucionais,
fazendo tábula rasa da caracterização constitucional do direito à saúde como direito fundamental
derivado, completado mediante medidas de implementação infraconstitucional. Uma das nefastas
decorrências do ativismo dessas decisões judiciais é, assim, o completo olvido de normas legais que, de
modo expresso e taxativo, impedem determinadas prestações em saúde, como nos casos dos
medicamentos ou procedimentos médicos experimentais, bem como os dos medicamentos sem registro na
ANVISA. A ineficácia ou impropriedade da prestação de saúde preconizada pelo protocolo clínico ou
relação de medicamentos somente pode ser reconhecida pelo Poder Judiciário se houver erro manifesto
de apreciação por parte do gestor do SUS competente, sob pena de desrespeito à discricionariedade
administrativa. Novas tecnologias em saúde somente podem ser introduzidas pela via judicial se
estiverem presentes duas condições: a primeira delas, a demonstração, após o devido contraditório de que
atendem a condições mínimas de eficácia, acurácia, efetividade e segurança; e a determinação da medida
por meio da decisão revestida de efeito erga omnes, em decorrência da propositura de ação civil pública.
O ativismo judicial em matéria de saúde pública produz efeitos perniciosos, consistentes em uma
intervenção do Poder Judiciário permeada de elementos potencialmente destrutivos das bases jurídico-
normativas do regime democrático da Constituição Federal, por distorções na solução de conflitos de
justiça comutativa, e pela desorganização do SUS com a redistribuição irracional dos limitados recursos
financeiros e humanos para atender os autores que, em regra, pertencem aos extratos médio e superior da
sociedade. O Supremo Tribunal Federal, Fazendo uso de suas prerrogativas, deve editar súmula
vinculante a respeito do tema, fixando de alguma maneira alguns parâmetros para o controle judiciário
das políticas de saúde (Ramos, 2013)

2.4 Soluções e propostas de enfretamento da Judicialização

2.4.1 Criação do Fórum Nacional do Poder Judiciário para o monitoramento e resolução das demandas de
assistência à Saúde

O Conselho Nacional de Justiça designou um grupo de trabalho a partir dos resultados da


Audiência Pública nº4, realizada pelo Supremo Tribunal Federal, com a finalidade de realizar estudos e
propor medidas para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional ao Direito a Saúde, o que resultou na
aprovação, pelo Plenário, da Recomendação nº31, de 30 de março de 2010, no sentido de indicar a adoção
de medidas para assegurar mairo eficiência na resolução das demandas judiciais envolvendo a assistência
à saúde.

Recomendação nº31 de 30/03/2010: Ementa: Recomenda aos


Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e
demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das
demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde (Publicado no DJ-e nº
61/2010, em 07/04/2010, p. 4-6).

O fundamento do documento foi a constatação do elevado número de demandas judiciais e do


representativo dispêndio de recursos públicos decorrentes desses processos judiciais, em contraponto à
relevância dessa matéria para a garantia de uma vida digna à população brasileira.

Estipulou-se que os Tribunais de Justiça dos Estados e os Tribunais Regionais Federais


celebrassem convênios com o fim de disponibilizar apoio técnico composto por médicos e farmacêuticos
para auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor quanto à apreciação das questões clínicas
apresentadas pelas partes das ações relativas à saúde, observadas as peculiaridades regionais.

A corregedorias foram aconselhadas a orientar os magistrados a: a) Instruir as ações, quanto


possível, com relatórios médicos, com descrição da doença, inclusive CID, contendo prescrição de
medicamentos, pela denominação genérica ou princípio ativo, produtos, órteses, próteses e insumos em
geral, como posologia exata; b) evitar a autorização do fornecimento de medicamentos ainda não
registrados pela ANVISA ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em
lei; c) ouvir quando possível, preferencialmente por meio eletrônico, os gestores, antes da apreciação de
medidas de urgência; d) verificar junto a Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (Conep), se os
requerentes fazem parte de programas de pesquisa experimental em laboratórios, caso em que estes
devem assumir a responsabilidade e continuidade do tratamento; e) determinar, no momento da concessão
da medida abrangida por política pública existente, a inscrição do beneficiário nos respectivos programas

Duas recomendações mereceram destaque e vão suscitaram adiante reflexão mais profunda, que
são: (I)a inclusão da legislação relativa ao Direito Sanitário como matéria individualizada no programa de
direito adminitrativo dos respectivos concursos para ingresso na carreira da magistratura, de acordo com a
relação mínima de disciplinas estabelecida pela Resolução nº75/2009 do Conselho Nacional de Justiça;
(II) promoção para fins de conhecimento prático de funcionamento, de visitas dos magistrados aos
Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, bem como as unidades de saúde pública ou conveniadas ao
SUS, dispensários de medicamentos e a hospitais habilitados em oncologia como a Unidade de
Assistência de Alta Complexidade em Oncologia ou o Centro de Assistência de Alta Complexidade em
Oncologia.

É importante consignar a recomendação dirigida à Escola Nacional de Formação e


Aperfeiçoamento de Magistrado (Enfam), à Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do
Trabalho (Enamat) e às Escolas de Magistraturas Federais e Estaduais que: (I) Incorporem o Direito
Sanitário nos programas de cursos de formação, vitaliciamento e aperfeiçoamento de magistrados; (II)
promovam a realização de seminários para estudo e mobilização na área da saúde, congregando
magistrados, membros do Ministério Público e gestores, no sentido de propiciar maior entrosamento
sobre a matéria.

Com a fixação destas diretrizes iniciais, foi editada a Resolução CNJ nº 107 de 2010, que criou o
Fórum Nacional do Poder Judiciário para o monitoramento e resolução das demandas de assistência à
saúde, além da atribuição de propor estudos, medidas concretas e legislativas para o aperfeiçoamento de
procedimentos, com o fim de prevenir novos conflitos.

O novo arquétipo tem o fim de prevenir conflitos judiciais e definir estratégias nas questões de
Direito Sanitário. Assim, se por um lado reafirmou-se a ideia de que a “atuação do Poder Judiciário é de
crucial importância para o resgate efetivo da cidadania e a realização do direito fundamental à saúde,
ainda que se argumente que do seu exercício advenham tensões perante os gestores e executores das
políticas públicas, por outro lado, reconheceu-se que as ponderações apresentadas pelos gestores de
políticas de saúde contribuíram como subsídio para equacionar um dos mais graves problemas nacionais,
sendo expressivas as palavras da Declaração do I Encontro do Fórum Nacional de judiciário, in verbis:

“O que se presenciou nesse momento ímpar não foram apenas dados


técnicos e meros relatos, mas, principalmente, a matéria-prima colhida de um debate
democrático e plural, portanto público, transparente e legitimado pelos mais
variados protagonistas por excelência, que oportunizou o emergir de subsídios para
o efetivo aprimoramento das políticas de saúde”

Ganhou força a recomendação da necessidade de mobilização dos vários segmentos da área da


saúde para promover estudos e debates para atingir esses objetivos: membros do Judiciário, do Ministério
Público, advogados públicos, Defensorias Públicas, Ordem dos Advogados do Brasil, gestores,
executores de políticas públicas, universidades e outras instituições de pesquisa, autoridades e
especialistas em áreas correlatas.

Criou-se um sistema eletrônico de acompanhamento de ações judiciais eletrônico que envolvem a


asssitência à saúde, chamado de Sistema Resolução 107.

A princípio, o enfoque do Fórum foi tratar da Saúde pública, mas houve a ampliação do objeto
para atender, também, às demandas da saúde suplementar e ações resultantes das realções de consumo.

2.4.2 As Jornadas de Direito da Saúde

O modelo das Jornadas de Direito da Saúde tem a finalidade de produzir diálogo e traçar formas
de equalizar os litígios na área de saúde. O Ato convocatório se dá pelo CNJ com objetivo geral de
produzir, aprovar, publicar e divulgar enunciados interpretativos sobre o direito à saúde e objetivos
específicos de: 1- Identificar e compilar interpretações já consolidadas sobre a matéria; 2- Auxiliar a
comunidade jurídica na interpretação de questões não pacificadas no âmbito doutrinário e jurisprudencial.
O evento é organizado em Reuniões dos Grupos de Trabalho, com tres eixos temáticos distintos:
Grupo I - Saúde Pública, Grupo II - Saúde Suplementar e Grupo III – BioDireito.

O público-alvo envolve magistrados, membros do Ministério Público, advogados, membros de


procuradorias, defensores públicos, servidores do Ministério da Saúde, gestores de saúde, profissionais da
área da saúde, profissionais da área acadêmica e cidadãos com conhecimento e atuação nas áreas de saúde
pública, saúde suplementar e biodireito.

2.4.3 Soluções extrajudiciais de conflitos

Não se pode confundir o direito à saúde com o seu pedido perante ao Poder Judiciário, como se
fossem coisas interligadas. Na realidade, a saúde é um direito é um direito que deve ser exigido do
Estado, mas não necessariamente por meio de ações judiciais, devendo-se muito ao contrário, buscar
formas extrajudiciais de composição de conflitos. O Poder Judiciário, geralmente despreparado para
resolver problemas de saúde pública, deve ser deixado como ultima ratio, ou seja, somente deve ser
procurado quando não for possível a obtenção espontânea da assistência farmacêutica.

Nesse ponto, a iniciativa tem que ser do gestor do SUS, mediante pactuação de todas as esferas do
governo, para a construção de mecanismos interfederativos e extrajudiciais de triagem farmacêutica e
encaminhamento ao SUS, sem que o paciente precise optar pela via judicial. Como uma boa explicação, e
possível a contribuição dos agentes jurídicos, desde que compreendam corretamente o que são políticas
públicas, programas de ação governamental que não podem ser a todo tempo atacados por prescrições
médicas particulares.

2.4.4 Outras propostas para enfrentamento

Mais recentemente, a sugestão é a criação de Varas Especializadas de Saúde Pública, nos termos da
Recomendação do CNJ nº 43, de 20 de agosto de 2013, providência realmente essencial, mas que deve
provocar ainda muita discussão, ou a determinação de instituição obrigatória de Comitês Estaduais de
Saúde para enfrentar a judicialização, de Núcleos de Apoio Técnico ao Judiciário e de sítio eletrônico
específico com banco de dados com pareceres, notas técnicas e julgados, de acordo com a Resolução do
CNJ nº 238, de 6 de setembro de 2016, onde temos :

RESOLUÇÃO Nº 238 DE 06/09/2016


Ementa: Dispõe sobre a criação e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e
Regionais Federais de Comitês Estaduais da Saúde, bem como a especialização de
vara em comarcas com mais de uma vara de fazenda Pública.
Origem: Presidência
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso
de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO que a judicialização da saúde envolve questões complexas que
exigem a adoção de medidas para proporcionar a especialização dos magistrados
para proferirem decisões mais técnicas e precisas;
CONSIDERANDO as diretrizes formuladas pela Resolução CNJ 107, de 6 de abril
de 2010, que estabeleceu a necessidade de instituição de Comitês da Saúde
Estaduais como instância adequada para encaminhar soluções para a melhor forma
de prestação jurisdicional em área tão sensível quanto à da saúde;
CONSIDERANDO que a Recomendação CNJ 43, de 20 de agosto de 2013, orienta
os Tribunais indicados nos incisos III e VII do art. 92 da Constituição Federal a
promoverem a especialização de varas para processar e julgar ações que tenham por
objeto o direito à saúde pública e orientem as varas competentes a priorizar o
julgamento dos processos relativos à saúde suplementar;
CONSIDERANDO que a referida especialização pode ser realizada por meio da
concentração da distribuição de novas ações que envolvam direito à saúde pública e
à saúde suplementar em uma das varas cíveis ou de Fazenda Pública de cada
Comarca, com a devida compensação na distribuição de outros feitos;
CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ no Ato Normativo 0003751-
63.2016.2.00.0000 na 18ª Sessão Virtual, realizada em 30 de agosto de 2016
RESOLVE:
Art. 1º Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais criarão no âmbito
de sua jurisdição Comitê Estadual de Saúde, com representação mínima de
Magistrados de Primeiro ou Segundo Grau, Estadual e Federal, gestores da área da
saúde (federal, estadual e municipal), e demais participantes do Sistema de Saúde
(ANVISA, ANS, CONITEC, quando possível) e de Justiça (Ministério Público
Federal e Estadual, Defensoria Pública, Advogados Públicos e um Advogado
representante da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do respectivo
Estado), bem como integrante do conselho estadual de saúde que represente os
usuários do sistema público de saúde, e um representante dos usuário do sistema
suplementar de saúde que deverá ser indicado pela Secretaria Nacional de Defesa do
Consumidor por intermédio dos Procons de cada estado.
§ 1° O Comitê Estadual da Saúde terá entre as suas atribuições auxiliar os tribunais
na criação de Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS), constituído de
profissionais da Saúde, para elaborar pareceres acerca da medicina baseada em
evidências, observando-se na sua criação o disposto no parágrafo segundo do art.
156 do Código de Processo Civil Brasileiro.
§ 2° Aplica-se aos Comitês Estaduais de Saúde, naquilo que lhe compete, as mesmas
atribuições previstas ao Comitê Executivo Nacional pela Resolução CNJ 107/2010,
destacando-se aquela estabelecida no seu inciso IV do artigo 2°, que dispõe sobre a
proposição de medidas concretas e normativas voltadas à prevenção de conflitos
judiciais e à definição de estratégias nas questões de direito sanitário.
§ 3° As indicações dos magistrados integrantes dos Comitês Estaduais de Saúde
serão realizadas pela presidência dos tribunais respectivos ou de acordo com norma
prevista em regimento interno dos órgãos, de preferência dentre os magistrados que
exerçam jurisdição em matéria de saúde pública ou suplementar, ou que tenham
destacado saber jurídico na área da saúde.
§ 4º A presidência do Comitê Estadual será definida de comum acordo entre os
magistrados participantes, sendo que, no caso de divergência, presidirá o magistrado
mais antigo, independente da justiça originária.
§ 5° Os Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS) terão função
exclusivamente de apoio técnico não se aplicando às suas atribuições aquelas
previstas na Resolução CNJ 125/2010.
Art. 2º Os tribunais criarão sítio eletrônico que permita o acesso ao banco de dados
com pareceres, notas técnicas e julgados na área da saúde, para consulta pelos
Magistrados e demais operadores do Direito, que será criado e mantido por este
Conselho Nacional de Justiça.
Parágrafo Único. Sem prejuízo do contido no caput deste artigo, cada tribunal
poderá manter banco de dados próprio, nos moldes aqui estabelecidos.
Art. 3° Os Tribunais Estaduais e Federais, nas Comarcas ou Seções Judiciárias onde
houver mais de uma vara de Fazenda Pública, promoverão a especialização de uma
das varas em matéria de saúde pública, compensando-se a distribuição.
Parágrafo único. Nos tribunais onde houver mais de uma Câmara de Direito Público,
recomenda-se que seja aplicado o mesmo critério do caput.
Art. 4º Esta Resolução entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua
publicação.
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI

Na tentativa de resolver o dilema, o Superior Tribunal de Justiça, fazendo uso do instrumento de afetação
de processos como idêntica questão de direito (arts. 1036 e 1037 do CPC de 2015), em decisão proferida
em 26 de abril de 2017 por unanimidade dos Ministros da Primeira Seção, determinou a suspensão, em
todo o território nacional, dos processos pendentes, individuais e coletivos, com pedidos de fornecimento
de medicamentos não incorporados ao SUS, para uniformizar a jurisprudência a respeito ao prazo de um
ano.

3. CONCLUSÃO

Ao abordamos o processo de judicialização da saúde pública no Brasil, nos deparamos com uma
situação que vem crescendo vertiginosamente em dimensões epidêmicas, o que fez o judiciário,
juntamente com o executivo e os gestores de saúde trazer a discussão a problemática, apontando os
desafios e a proposição de soluções para tais ações.

Em virtude desse processo complexo de ativismo judicial na área da saúde, verificou-se que todo
um coletivo de certa forma poderia estar sendo prejudicado por uma ação individual, com o olhar
constitucional.

Face ao exposto acima, tornou-se fundamental pensar em propostas de enfretamento da


judicialização da saúde, que sem desconsiderar a necessidade de atendimento integral do paciente público
do sistema único de saúde, de acordo com suas necessidades clínicas, propiciassem o respeito às
populações públicas segundo o SUS.

Portando, foi verificado que para esse enfretamento, a preferência pela resolução dos conflitos,
ações que evitem o judiciário, soluções extrajudiciais se fazem eficazes e experiências exitosas vem se
configurando nas resoluções dessas demandas, e no caso das demandas judiciais, atenção na correção das
políticas em ação civil pública, não em ações individuais, sendo sugerido: Centros especializados de
triagem farmacêutica, Câmaras Técnicas de Conciliação Extrajudicial, ações mais céleres por parte da
ANVISA, com seu fortalecimento, bem como das atividades da CONITEC com ampla divulgação e por
fim instituição de Varas Especializadas em Saúde Pública pelos tribunais de justiça em todo o país.

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