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O Processo de Aquisição de Tecnologia

M pela Indústria Petroquímica Brasileira


Carlos A. Hemais, Henrique M. Barros, Mirela T. Pastorini
E Grupo de Gestão Tecnológica, IMA,UFRJ

Resumo: Um dos setores industriais brasileiros mais dinâmicos, a indústria petroquímica, está localizada em
três pólos (Camaçari, São Paulo e Triunfo) e hoje representa cerca de 2% do PIB do país. O estabelecimento
R dessa indústria no Brasil ocorreu há menos de 30 anos, por iniciativa governamental, através da adoção de um
modelo societário de empresa chamado modelo tripartite. Neste modelo 1/3 do capital era proveniente da
Petroquisa, 1/3 de sócio privado nacional e 1/3 de sócio estrangeiro, geralmente fornecedor da tecnologia,
que era explorada pela formação de joint-ventures. Apesar de já ser uma indústria consolidada e de grande
C potencial de exportação, a petroquímica ainda é bastante dependente tecnologicamente de fontes exógenas e
essa dependência não parece que será eliminada a curto prazo. O presente trabalho examina o processo de
aquisição tecnológica por parte da indústria petroquímica brasileira, dando ênfase ao uso de joint-ventures
como a forma escolhida para obtenção da tecnologia.
A Palavras-chave: Indústria petroquímica brasileira, transferência de tecnologia, joint-ventures, pólos
petroquímicos.

The Process of Technology Acquisition in the Brazilian Petrochemical Industry


D Abstract: One of the most dynamic industrial sectors in Brazil, the petrochemical industry is located in three
complexes (Camaçari, São Paulo and Triunfo), and today it represents around 2% of the Brazilian GNP. This
industry was established in the country nearly 30 years ago as a governmental initiative, when the government
adopted a tripartite model of a commercial society. In this model, 1/3 of the capital belonged to Petroquisa,
O 1/3 belonged to a Brazilian partner and 1/3 belonged to a foreign partner, usually the supplier of the technology
through a joint venture. In spite of the fact that this industry is consolidated and has a large potential of
exports, the petrochemical industry is still technologically dependent upon exogenous sources. Moreover, it
seems that this dependency will not be eliminated in the near future. The present paper examines the process
L of technological acquisition by the Brazilian petrochemical industry, especially the use of joint ventures as
the way chosen to obtain technology.
Keywords: Brazilian petrochemical industry, technology transfer, joint-ventures, petrochemical complexes.
O
Introdução de oitenta, enfrentou com ímpeto todo o início da
recessão econômica e processo inflacionário descon-
G A indústria petroquímica é considerada um dos se- trolado, e tornou-se, na época, um grande fornecedor
tores industriais brasileiros mais importantes. A partir do mercado externo, contribuindo de forma destacada
da instalação no país de três pólos petroquímicos (São para a balança comercial do país.
Paulo, Camaçari e Triunfo), desenvolveu-se de forma O estabelecimento da indústria petroquímica
I ordenada uma indústria que hoje se constitui em uma brasileira ocorreu pela adoção do modelo tripartite,
das mais ativas do país. Seu crescimento ocorreu em através do qual as joint-ventures formadas eram
ritmo vigoroso na década de setenta e início da década constituídas, geralmente, de 1/3 de capital proveniente

A Autor para correspondência: Carlos A. Hemais, Grupo de Gestão Tecnológica, IMA/UFRJ, C.P. 68545, CEP: 21945-970, Rio de Janeiro, RJ. E-mail:
hemais@ima.ufrj.br

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da companhia estatal brasileira de petróleo, Petrobrás, Cada vez mais a tecnologia ganha força, o que a
através de sua subsidiária Petroquisa, 1/3 de sócio torna, gradativamente, indispensável às empresas. Isso
privado nacional e o 1/3 restante de sócio estrangei- se justifica pelo fato dela não apenas permitir as ope-
ro, normalmente através de fornecimento de rações de transformação, mas também por fornecer o
tecnologia. A formação destas joint-ventures poderia alicerce vital ao desenvolvimento e à sobrevivência
propiciar posteriormente melhores condições para a da corporação em uma economia cada vez mais
efetiva absorção e transferência tecnológicas. A op- globalizada (Fusfeld, 1989)[3]. Avanços tecnológicos
ção governamental pelo modelo tripartite seguia um contribuem para as mudanças nos custos e na produ-
planejamento estratégico de dotar o país de uma for- tividade industrial, causando um impacto sobre as
te indústria de base, na qual a petroquímica se in- estruturas nacional e global de produção, comércio e
cluía. No caso brasileiro, além do interesse pela emprego (Ohmae, 1990)[4].
tecnologia, estava o desejo de implantar em um pe- Tem-se dado um tratamento especial à tecnologia
queno espaço de tempo, uma infraestrutura que per- visando criar vantagens competitivas para se alcan-
mitisse ao país ser auto-suficiente em derivados çar com êxito os resultados desejados (Stacey &
petroquímicos. Assim, não houve a preocupação ini- Bradford, 1990)[5] e conquistar fatias de mercado. Po-
cial de criar tecnologia nacional para suprir essa in- rém, a busca intensa de oportunidades de mercado
dústria nascente, uma vez que era exigido curto prazo pode falhar se a empresa não estiver estruturada in-
para instalação dos Pólos Petroquímicos. Com o de- ternamente. O que importa em estratégia é a constru-
correr dos anos, a formação tripartite do capital das ção e a consolidação de competências internas
empresas foi-se modificando. Essa modificação foi capazes de ativar um processo de integração
acelerada a partir do processo de privatização iniciado (Whittington, 1993)[6].
pelo governo brasileiro, no início da década de 90. Assim, esse tratamento especial culmina com a
O presente trabalho estuda a forma de aquisição integração entre as estratégias de negócios e a de
de tecnologia pelo setor petroquímico brasileiro e tecnologia, cuja importância torna-se cada vez maior
tenta delinear possíveis mudanças ocorridas ao lon- em função da internacionalização da economia e da
go desses anos no que diz respeito ao processo de abertura de mercado. Desenvolver um planejamento
capacitação tecnológica. estratégico da tecnologia significa concentrar esfor-
ços para tornar possível a utilização, eficientemente,
Tecnologia: importância estratégica da variável tecnológica como instrumento de apoio
ao cumprimento das metas e objetivos da corporação.
Estudos já comprovaram que o desenvolvimento Conforme proposto por Vasconcellos & Saia (1993)[7],
econômico está diretamente relacionado com a capa- o planejamento estratégico de tecnologia engloba não
cidade de inovação tecnológica. Conforme exposto por apenas a estratégia de pesquisa e desenvolvimento
Matesco & Hasenclever (1996)[1], isso ocorre porque (P&D); mas também as estratégias de tecnologia de
a inovação atua no processo produtivo, alterando a base manufatura e de tecnologia de informação. E essas
organizacional-gerencial das empresas e acelerando, três estratégias se interligam, formando um conjunto
sustentando e alterando a fronteira da produção. de decisões que são interdependentes.
Além disso, os níveis de investimento das em- Schumpeter (1934)[8], em sua época, já havia pre-
presas em tecnologia servem como uma forma para dito que o processo inovativo, a “destruição criativa”,
explicar as diferenças internacionais em termos de é vital para a manutenção da posição monopolística
produtividade e de conquista de mercados, de acordo do primeiro entrante no mercado. Quinn (1985)[9] afir-
com Berry & Taggart (1994)[2]. Conforme salientam ma que a melhor forma de se inovar tecnologicamente
os autores, a capacidade inovativa não é, e talvez nun- é de maneira incremental, pluralista e descentraliza-
ca venha a ser, disponível em abundância. Enquanto da, isto é, “um caos sob controle”, segundo o autor.
os mercados estão se tornando cada vez mais globais Porter (1985)[10] sugeriu que a evolução tecnológica
em sua natureza, o mesmo não acontece com o de- é a força mais importante na mudança das regras da
senvolvimento tecnológico. As novas tecnologias e competição. O autor, também, identificou a necessi-
os recursos humanos preparados para produzí-las dade das firmas renovarem periodicamente suas van-
continuam restritos a poucos países. tagens tecnológicas competitivas, já que caso isso não

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seja feito, o competidor o fará e as desalojará de seus do a um novo mercado, quando comparada com a
respectivos mercados. exportação. Também permite um controle melhor da
Dentro desse contexto, é estudado o comporta- tecnologia do que o licenciamento.
mento de um dos principais setores industriais brasi- Alguns países restringem participações totalitárias
leiros, o setor petroquímico, quanto ao aspecto de empresas estrangeiras em seus territórios. Contudo,
tecnológico, principalmente pelo fato de esse setor o fornecimento de conexões pelos parceiros locais, é
passar por uma fase de reestruturação de suas metas uma maneira rápida de entrar em novos mercados com
e reavaliação de suas estratégias após o processo de capital limitado e a joint-venture pode ser uma opção
privatização iniciado no início da década de 90. Com a atrativa para se obter escala global em P&D e em pro-
saída da Petroquisa do papel de articuladora tecno- dução (Hemais, 1997)[15]. Davidson & Mc Fetridge
lógica, o setor apresentou uma desestruturação dos or- (1985)[16] observaram que o parceiro local, tendo aces-
ganismos tecnológicos das empresas, que reduziram so à tecnologia, pode tentar mudar os termos do empre-
as suas equipes e os seus dispêndios nessas atividades. endimento. Apesar disso, é crescente o reconhecimento
Assim, a partir de então, foi iniciada uma nova fase na de que a formação de joint-venture é uma boa opção
indústria petroquímica brasileira, caracterizada pelo estratégica para a firma investir, por causa da divisão de
corte de subsídios, fim da reserva de mercado, política riscos e responsabilidade gerencial (Casson, 1987)[17].
industrial e de comércio exterior liberal e diminuição É possível detectar na literatura sobre joint-
dos valores das tarifas de importação. Mais especifi- ventures que, em países em desenvolvimento, uma
camente, esses valores, que antes variavam entre 30% das motivações dos sócios locais para a realização de
e 50%, passaram a zero, nos casos de eteno, propeno e empreendimentos conjuntos com empresas estrangei-
benzeno; a 10% para o estireno; e a cerca de 20% para ras reside no fato de se desejar a transferência
os principais produtos petroquímicos finais, ou seja, tecnológica e o acesso facilitado, por parte dos sóci-
este setor ficou mais exposto à concorrência interna- os locais, aos melhoramentos e desenvolvimentos
cional (Parisi Jr., 1993)[11]. futuros. Entretanto, uma outra linha de pensamento
Hoje essa indústria ocupa uma situação privile- se mostra contrária à anterior por achar que o sócio
giada no cenário industrial brasileiro, representando estrangeiro (fornecedor da tecnologia) não repassa
2% do PIB, porém parece que pouco foi feito em se completamente as informações necessárias, o que lhe
tratando de criação de unidades autônomas de P&D permite participar de maneira incisiva sobre as deci-
e desenvolvimento autônomo de tecnologia e isto sões referentes ao controle do empreendimento. Em
pode representar uma séria ameaça em médio prazo. países em desenvolvimento, é comum observar a fir-
Vale lembrar, que o mecanismo utilizado para ma estrangeira fornecendo a tecnologia, enquanto os
aquisição de tecnologias até a implantação no tercei- parceiros locais fornecem o aporte de capital, o co-
ro pólo foi através de joint-ventures e, portanto, é in- nhecimento do mercado, a mão-de-obra e o suporte
teressante frisar alguns pontos sobre o assunto. do governo local. Uma discussão mais detalhada so-
bre o assunto pode ser vista em Hemais et al (1994)[18].
Joint-Ventures No caso brasileiro, além do interesse na tecno-
Do ponto de vista das multinacionais, não é sem- logia, estava o desejo de implantação da indústria
pre possível para uma firma se estabelecer em um petroquímica em um país sem tradição no setor e o
outro país através de uma subsidiária. Isso se torna sócio estrangeiro se fazia necessário pois, além de ser
ainda mais crítico quando o outro país possui um detentor do conhecimento tecnológico, ele possuía
mercado doméstico atrativo, porém com forte inter- conhecimentos de logística, de assistência técnica,
venção governamental. Sendo assim, a formação de entre outros, que auxiliariam o rápido desenvolvimen-
uma joint-venture pode ser a única opção possível to dessa indústria (Silva Filho, 2000)[19].
para a empresa ter alguma participação nesse novo
mercado (Gomes-Casseres, 1989; Gilpin, 1987)[12,13]. Indústria petroquímica brasileira
Mowery (1989)[14] observou que a joint-venture pode
ser uma opção razoável em termos de riscos e custos,
quando comparada com o investimento direto (foreign Algumas características
direct investment), e em termos de acesso mais rápi- O setor químico é descrito por Pavitt (1984)[20]

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como setor baseado na ciência (science based), cuja racterísticas estruturais, desconhece tais possibilida-
característica é ter como principal fonte de tecnologia des: por serem suas empresas monoprodutoras, cada
a função P&D. A indústria petroquímica mundial se planta se confunde com uma “empresa”; fechá-la,
caracteriza, desde sua origem, por elevada intensida- portanto, significaria encerrar as atividades da pró-
de de capital, movimentação de grandes volumes de pria “empresa”. Como todas permanecem no merca-
matérias-primas e economia de escala expressiva. do, todo setor passa a operar com capacidade ociosa
Além disso, as firmas consideradas líderes do setor num mercado recessivo, resultando na ineficiência
petroquímico adquiriram ao longo do tempo alto grau relativa do conjunto”.
de integração da cadeia produtiva, em relação a no- A indústria petroquímica brasileira foi estruturada
vas etapas de processamento e a controle de fontes na forma de pólos petroquímicos. Foram implanta-
de matérias-primas. Essa característica permite um dos conjuntos de indústrias de primeira geração (up-
aumento do porte da empresa e, assim, uma elevação stream) e de segunda geração (down-stream) ao
no faturamento, nos investimentos em P&D e uma mesmo tempo, com capacidade para atender a toda
diminuição dos riscos da monoprodução. É interes- demanda projetada e, dessa forma, promover a dese-
sante ressaltar que, seguindo a tendência mundial de jada substituição de importações. Essa forma de or-
integração, as empresas petroquímicas transnacionais ganização deu origem na Bahia e no Rio Grande do
com atuação no Brasil são, aqui, mais integradas e Sul às chamadas centrais de matérias-primas, manu-
diversificadas que as próprias empresas de capital tenção, tratamento de efluentes e utilidades que, no
nacional. Da mesma forma, a globalização se inten- entanto, permaneceram como indústrias de primeira
sificou a partir da década de oitenta e atualmente é geração, independentes das empresas de segunda ge-
condição necessária à estratégia de negócios. Assim, ração. Portanto, não existia nos pólos brasileiros uma
a indústria petroquímica integrada, diversificada e empresa responsável por unidades de vários produ-
globalizada apresenta configurações para atuar em tos ou, no máximo, uma empresa proprietária de fá-
segmentos variados e mantém flexibilidade para bricas cobrindo toda gama de termoplásticos; e isso
acompanhar as alterações do mercado. constitui hoje em dia um dos problema estruturais da
Ao contrário do padrão adotado na maioria dos petroquímica nacional.
países do mundo, a petroquímica brasileira, apesar Atualmente, a petroquímica mundial continua o
de ser o segmento mais dinâmico da indústria quími- processo de reestruturação (fusões, trocas de acionis-
ca, ainda se encontra em nossos dias da mesma for- tas, parcerias) procurando superar a demanda estagna-
ma como foi implantada no início dos anos 70, isto é, da, agravada pelo aumento de capacidades. A
com empresas de pequeno porte, monoprodutoras, petroquímica brasileira, entretanto, não seguiu o mes-
não-integradas, utilizando economia de escopo e de mo caminho e o processo de privatização tem atuado
difícil integração no processo de globalização. Tal- timidamente no sentido de promover a reestruturação
vez isso tenha sido conseqüência do montante de capi- no setor, capaz de minimizar os efeitos advindos da
tal necessário à implantação das unidades produtivas, fragilidade dessa indústria perante a abertura do mer-
uma vez que os grupos privados nacionais não deti- cado. Segundo Oliveira (1994)[21], o processo de
nham tal quantia na época. Segundo Silva Filho privatização, com a consequente saída do Estado do
(2000)[19], os grupos mais atuantes de então foram negócio de petroquímica apenas reforçou a composi-
incentivados pelo governo a participar dos novos em- ção das joint-ventures ou introduziu novos grupos
preendimentos porém não tiveram porte de capital e acionários, o que pode dificultar a autonomia
experiência prévia no setor. Acresce a isso o fato de decisória e a reestruturação.
os complexos petroquímicos terem sido implantados
em épocas próximas, ou seja, antes mesmo de um Desenvolvimento dos pólos
pólo iniciar suas atividades um novo já estava sendo O desenvolvimento da indústria petroquímica no
idealizado. Isso limitou ainda mais a participação si- Brasil ocorreu quando tal indústria se estruturava
multânea dos grupos privados nacionais em mais de mundialmente e, em função da ausência quase com-
um pólo. pleta dos principais insumos (tecnologia, capital e co-
Conforme bem observado por Oliveira (1994)[21], nhecimentos de mercado), foi necessário que firmas
“a petroquímica brasileira, não dotada dessas ca- estrangeiras participassem do processo, seja por im-

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plantação direta de fábricas e/ou pelo fornecimento operação da fábrica” (Erber & Vermulm, 1993)[12].
de tecnologias. Além disso, o setor petroquímico bra- Além disso, especialmente para os produtos finais
sileiro foi instituído dentro de um sistema regulatório, (polímeros), também eram fornecidas informações
cuja trajetória foi caracterizada por modificações ao advindas do produto e suas respectivas aplicações.
longo do tempo. Bastos (1989) [24] detectou que a tecnologia
Com a inauguração, em 1956, da primeira refi- exógena tinha seu desempenho garantido pela aqui-
naria no país, passou a haver a disponibilidade de fra- sição de equipamentos, serviços e outros insumos de
ções residuais do refino de petróleo, o que permitiu o fontes específicas, ou seja, o fornecedor procurava
estabelecimento de um conjunto de fábricas na re- restringir ao máximo as ações da indústria quanto a
gião de São Paulo, dentre as quais uma de polietileno sua capacitação tecnológica e impunham nos contra-
(Erber & Vermulm, 1993)[22]. No início da década de tos cláusulas de sigilo e restrições à ampliação da
60 foi colocada em operação a segunda refinaria, ago- capacidade ou à implantação de novas unidades.
ra no Rio de Janeiro, e, nas proximidades, foi Diversos autores (Bastos,1989[24]; Amaro,1985[25];
construída uma fábrica de borracha sintética, com Teixeira,1985[26]) acreditam que devido ao fato de as
pequena escala de produção e tecnologia adquirida principais preocupações iniciais terem sido voltadas
da Firestone e da Goodyear. Foram feitos esforços para a implantação da indústria no país, não é possí-
para assimilação dessa tecnologia e para nacionali- vel detectar o estabelecimento de uma política tecno-
zar os serviços de engenharia e de bens de capital, lógica explícita, ou seja, o objetivo inicial limitou-se
conforme relata Cunha Lima (2000)[23]. Contudo, a ao estabelecimento de uma indústria para atender a
instabilidade político-econômica do Brasil, de 1961 demanda do mercado interno.
a 1964, estagnou o setor, assim como toda a econo- A primeira fase de implantação dos pólos
mia do país, e, praticamente, anulou os investimen- petroquímicos se caracterizaram por certa inex-
tos produtivos (Erber &Vermulm, 1993)[22]. periência por parte das autoridades brasileiras na ne-
Desde o início, a evolução do setor petroquímico gociação de cláusulas contratuais relativas à
no país foi marcada por uma série de indefinições e transferência de tecnologia. Eram comuns cláusula
incertezas legais e políticas. Porém, após 1964, o novo de sigilo eterno aparecerem em contratos firmados
governo brasileiro deu prioridade ao desenvolvimen- com fornecedores estrangeiros. Isto se modificou bas-
to da indústria petroquímica e, com isso, foi promul- tante a partir de 1970, quando foi criado o INPI (Ins-
gada uma série de medidas, para definir e estimular a tituto Nacional da Propriedade Industrial), que ficou
participação da iniciativa privada, dentre as quais a responsável pela política governamental de proprie-
isenção ou redução de impostos de importação sobre dade industrial e por desenvolver meios através dos
as matérias-primas, cujo destino fosse a viabilização quais o processo de transferência de tecnologia fosse
de investimentos considerados essenciais na época, e mais rápido. Isso englobaria o estabelecimento de
sobre produtos industrializados para os equipamentos determinados critérios de negociação (como o valor
importados. Ao Estado coube as funções de planeja- dos royalties a serem pagos) e de registro de contra-
mento, fixação de diretrizes políticas e coordenação tos, para que, dessa forma, a empresa que fosse ad-
global dos investimentos no setor, enquanto a ativi- quirir a tecnologia, tivesse seu poder de barganha
dade produtiva ficou a cargo da iniciativa privada reforçado, conforme expõe Cunha Lima (2000)[23].
(Bastos, 1989)[24]. De fato, isso foi constatado por Bastos (1989)[24], que
observou que tanto as restrições como o prazo para o
Processo de implantação dos pólos término do sigilo, previamente estabelecidos nos con-
Durante o processo de implantação da indústria tratos, diminuíram após 1975, pois o INPI passou a
petroquímica no país, vários contratos foram firma- impedir tais cláusulas e pressionou para que as em-
dos com empresas estrangeiras; sendo que, inicial- presas nacionais desenvolvessem suas respectivas ati-
mente, tais contratos tinham como característica o vidades tecnológicas
fato de abrangerem “a engenharia de processo, de Outros órgãos governamentais brasileiros, que es-
projeto básico, de detalhe, diligenciamento e compra tavam ligados ao financiamento de projetos de desen-
de equipamentos, assistência e finalização de cons- volvimento econômico e tecnológico, patrocinaram
trução e montagem, testes de aceitação, partida e pré- projetos visando o fortalecimento da infraestrutura

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tecnológica das empresas, tentando incrementar a articulador do pólo foi de fundamental importância
competitividade das empresas brasileiras. pois assegurava o apoio governamental e, além dis-
Também foi criada a Petrobrás Química S.A. – so, permitia a presença de um sócio que tinha a visão
Petroquisa, subsidiária da Petrobrás, que atuou de todo um conjunto e experiência, devido à implan-
vigorosamente no planejamento e implantação dos tação do pólo em São Paulo.
pólos petroquímicos. Essa subsidiária tornou possível Teixeira (1985)[16] observou que as tecnologias
o desenvolvimento de toda a indústria petroquímica tiveram de ser selecionadas por critérios que, em sua
nacional. maioria, não obedeceram a aspectos técnicos. Esses
critérios estavam mais relacionados aos interesses das
Polo Petroquímico de São Paulo, SP multinacionais. Silva Filho (2000)[19] relatou que eram
Como parte do plano de metas para a indústria poucas as multinacionais interessadas em participar
petroquímica, foi iniciado, em meados da década de dos investimentos no país, confirmando-se que, ini-
60, o projeto da Petroquímica União (PQU), com a cialmente, os aspectos técnicos não foram relevantes
participação de grupos privados nacionais e da no processo de seleção das tecnologias. Outro aspec-
Petroquisa. Além disso, o Governo tomou a decisão to a ser ressaltado, seria a deficiência de pessoal qua-
de garantir, via Petrobrás, o fornecimento da maté- lificado e experiente no setor para análises técnicas
ria-prima (nafta) ao pólo, o que ajudou ainda mais a mais detalhadas.
impulsioná-lo.
O pólo petroquímico de São Paulo foi a primeira Pólo Petroquímico de Triunfo, RS
experiência no setor. Tentou-se aproveitar a in- Com as metas governamentais de manter o cres-
fraestrutura já existente no estado, e criar uma cen- cimento e alcançar autonomia econômica e tecno-
tral de fornecimento de matéria-prima (a PQU), que lógica para o país, através de estrutura empresarial
atendesse à demanda das empresas (a maioria de ca- forte, capaz de competir também com o mercado ex-
pital privado, nacionais e multinacionais) que já se terno, foi iniciado o projeto para implantação de um
localizavam na região. Paralelamente, grupos nacio- terceiro pólo petroquímico. Após disputas políticas,
nais começaram a estabelecer joint-ventures com fir- foi decidido que o novo pólo seria na Região Sul (Tri-
mas estrangeiras, sendo que, em muitas destas, a unfo - Rio Grande do Sul) que detinha, na época 20%,
Petroquisa teve participação, formando a composi- do mercado nacional de produtos petroquímicos, além
ção acionária denominada de “modelo tripartite”, do fácil acesso aos principais mercados sul-america-
mencionado anteriormente. Este modelo foi propa- nos da Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile.
gado e serviu como paradigma na constituição dos Esse pólo, de dimensões inferiores aos demais, e
demais complexos petroquímicos no Brasil, até por- inaugurado em 1982, apresentou algumas modifica-
que tanto as empresas estrangeiras como os finan- ções em relação ao modelo original pois privilegiava
ciadores estrangeiros dos futuros empreendimentos o fortalecimento do capital privado nacional e o es-
estavam exigindo a participação da Petroquisa. forço para capacitação tecnológica a partir de me-
lhor absorção das tecnologias exógenas. Isto pode ser
Pólo Petroquímico de Camaçari, BA observado nos requisitos para as empresas se instala-
Em 1970, já com um ritmo de industrialização rem, que previam programas de absorção e desen-
acelerado, fez-se necessário a expansão da produção volvimento das tecnologias.
de petroquímicos e, a partir daí, foi tomada a decisão Apesar das modificações realizadas, as fases de
de implantar um novo pólo, com melhor in- implantação e de operação das empresas do pólo de
fraestrutura. O local escolhido foi Camaçari, Bahia. Triunfo ainda se mantiveram com uma ampla inter-
Embora a região escolhida fosse afastada do centro venção governamental. Houve, contudo, menor par-
industrial do sul do país, este pólo se justificava pois ticipação acionária da Petroquisa nas empresas de
teria alguns incentivos fiscais e, além disso, estava segunda geração, porém a central de matérias-primas
próximo às fontes de matéria prima, uma vez que a (Copesul) permaneceu integralmente estatal. Procu-
Bahia dispunha, na época, de 80% das reservas de rou-se o fortalecimento dos sócios privados locais,
petróleo conhecidas. concedendo-lhes recursos financeiros e garantindo a
A participação da Petroquisa como principal liderança dos projetos. Assim, os sócios estrangeiros

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deveriam efetuar a transferência efetiva de tecnologia momentos de crise no mercado interno, como a ocor-
e teriam prioridades aqueles que permitissem e con- rida na época. O segundo choque do petróleo e a po-
tribuíssem para o desenvolvimento de capacitações lítica de ajuste recessivo motivaram uma crise tal que
tecnológicas e aumentassem, comparado com o pas- fez com que a indústria petroquímica se deparasse,
sado, sua contribuição em termos de capital de risco pela primeira vez, com a situação de ser obrigada a
(Bastos, 1989)[24]. exportar devido à queda no consumo interno. Pes-
Com o mesmo intuito, Teixeira (1985)[26] mos- quisa realizada na época demonstrou que, em deter-
trou que foram utilizados novos critérios para sele- minado período, havia empresas que chegavam a
ção das firmas de engenharia, de forma a permitir a exportar 75% de sua produção (Hemais et al, 1989)[27].
Copesul não apenas construir e operar as unidades, Se, por um lado, a alternativa de exportação aponta-
mas maximizar o uso de serviços locais e ainda do- va um caminho viável para a produção, por outro lado
minar o conhecimento para construção de plantas si- a dependência tão pesada do mercado externo pode-
milares. Assim, as firmas estrangeiras deveriam ria criar uma situação irreal e de extrema instabilida-
participar também do programa de transferência de de, uma vez que a concorrência no exterior começava
tecnologia, além de fornecer a engenharia de proces- a ser violenta.
so, básica e serviços, necessários à construção das Nesse processo, o aparato regulatório se fez pre-
plantas. Ocorreram, ainda, treinamentos de pessoal sente através do estabelecimento de preços ao longo
das empresas brasileiras pelas licenciadoras de da cadeia produtiva e da articulação com a Interbrás,
tecnologia, assim como técnicos advindos dessas for- antiga trading da Petrobrás, que assumiu os estoques
necedoras vieram auxiliar no processo de implanta- existentes para vendê-los no exterior. Foram elabo-
ção e partida da fábrica, porém tudo restrito a nível radas metas, oriundas de pressões políticas, que aten-
operacional. dessem a todos os interesses, ou seja, a expansão dos
pólos de Camaçari e Triunfo, o desgargalamento do
Início dos novos tempos pólo de São Paulo e a implantação de um pólo no Rio
Em princípios dos anos 80, o governo brasileiro de Janeiro para absorver o gás natural proveniente da
promoveu medidas políticas para melhorar a Bacia de Campos. Como conseqüência, muitos pro-
capacitação tecnológica do setor, tais como fortale- jetos não foram adiante.
cimento do capital privado nacional e tentativa de O aparato regulatório que sustentava a indústria
criação de mecanismos para absorção de tecnologia petroquímica nacional começou, então, a mostrar os
importada, entre outras, conforme explicado anteri- primeiros sinais de desestruturação. Além disso, o
ormente. No entanto, em função da segunda crise do controle de preços realizado fez com que a distância
petróleo de 1979 e do agravamento da crise econô- entre os preços nacionais e internacionais crescesse
mica brasileira, alguns projetos foram ameaçados. gradativamente.
Teixeira (1985)[26] sugere que alguns resultados fo- Em 1988, foi realizada uma reforma tributária que
ram alcançados em termos de transferência de reduziu as tarifas médias de importação. Essa refor-
tecnologia, principalmente nas negociações de con- ma não afetou, inicialmente, a estrutura do setor, mas
tratos, mas que foram menores do que o esperado deixou delineado o que estava por vir e que certa-
devido às crises econômicas do período. mente poderia provocar o desmoronamento de um
Após a implantação do Pólo de Triunfo, foi inter- dos pilares que sustentavam a indústria petroquímica
rompido um processo onde um novo pólo tinha seu brasileira, ou seja, a proteção de mercado.
planejamento iniciado antes mesmo do anterior ter Contudo, apesar dos primeiros sinais de deteriora-
sido finalizado. Por muitos anos, indústria petro- ção da estrutura reguladora do setor, no decorrer da
química teve o mercado interno cativo, promovido década de 80, as empresas do pólo de Camaçari orga-
pela reserva do mercado e conseqüente proibição de nizaram um programa de pesquisas de interesse co-
importação. Ao mesmo tempo, com as subvenções mum e procuraram utilizar o Centro de Pesquisas e
patrocinadas pelo governo brasileiro, o produto final Desenvolvimento (CEPED), o qual era mantido pelo
tinha preço altamente competitivo em termos de mer- estado da Bahia. Entretanto, as atividades não prospe-
cado internacional e fez com que a opção de exporta- raram. Paralelamente, a Petroquisa decidiu criar um
ção fosse uma alternativa muito utilizada para centro de pesquisas destinado a desenvolver tecnologia,

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em forma de consórcio, para atender às necessidades sendo denominado, agora, de pólo gás-químico. Na
das empresas do Sistema Petroquisa, com investimen- verdade, o chamado pólo será uma fábrica de
tos da ordem de US$35 milhões, gerando 180 empre- polietileno ligada a uma unidade de pirólise de gás
gos diretos, dentre os quais 2/3 de pessoal de nível natural, ou seja, um sistema mais sintético que dos
superior. O centro seria formado pela fusão do efetivo outros pólos existentes no Brasil onde se utiliza a nafta
tecnológico da Gerência Técnica da Petroquisa para a geração de vários subprodutos.
(GETEC) e do Departamento de Polímeros do Centro O pólo terá uma capacidade de 540 mil toneladas/
de Pesquisas Leopoldo Miguez de Mello, da Petrobrás. ano de polietileno, sendo que 70% da produção será
O empreendimento foi penalizado em função do Pro- destinada para abastecer o mercado nacional e o restan-
grama de Desestatização do Setor Petroquímico. O te 30% será destinado para exportação (Bouch, 2000).
projeto foi interrompido e o esqueleto do prédio do A mudança realmente significativa e que torna o
CENTEP se encontra abandonado na Cidade Univer- processo distinto dos demais pólos existentes é o mo-
sitária da Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. delo empresarial: o projeto pertence majoritariamen-
Em 1990, o novo governo brasileiro instalou uma te à iniciativa privada, através da associação dos
política de caráter liberal e a regulação do setor grupos Unipar e Suzano (66,6% do capital), mais a
petroquímico sofreu sua grande crise, chegando-se participação da Petroquisa (16,7%) e do BNDESpar
ao fim do aparato governamental regulatório. As ven- (16,7%), que criaram uma empresa especificamente
das internas, no início da década de 90, sofreram que- para explorar a nova atividade - a Rio-Polímeros. Não
das e foram ainda mais agravadas pela concretização há mais disputas políticas, proteção de preços e van-
de alguns empreendimentos, tais como a duplicação tagens oferecidas pelos órgãos governamentais. Exis-
da Copene, as ampliações da Copesul e da PQU, além te, agora, a iniciativa privada e financiadores externos,
do aumento do número de empresas produtoras de sendo necessário, portanto, um projeto competitivo
termoplásticos ao redor dos pólos. para possíveis disputas, oriundas de uma economia
Em 1993 foram observados alguns sinais de re- de caráter liberal, e capaz de atender as exigências
cuperação do setor, mas uma nova etapa favorável só dos financiadores (Bouch, 2000)[28].
foi observada em meados de 1994 com a retomada Entretanto, a capacitação tecnológica do país pa-
do mercado internacional e a recuperação da econo- rece não ter mudado. A tecnologia será novamente
mia nacional, com o novo plano econômico do país, proveniente de fornecedores externos, ressaltando, no
o Plano Real. entanto, uma nova mentalidade e objetivo, com uma
maior experiência nas negociações.
Pólo do Rio de Janeiro - futuro Para a unidade de polimerização, o processo de
Como mencionado anteriormente, os planos para seleção de tecnologia é convencional e bem mais com-
a criação de um pólo no Rio de Janeiro surgiram jun- plexo que o da unidade de pirólise. Na pirólise o pro-
tamente a interesses de expansão dos pólos de duto de interesse gerado é o eteno, com características
Camaçari e São Paulo. O complexo petroquímico bem definidas. Os polietilenos por sua vez, têm ca-
seria instalado em Itaguaí, com a finalidade de ab- racterísticas dependentes do processo empregado que
sorver o gás natural proveniente de Campos. Este te- dão origem a produtos de qualidades e propriedades
ria menor participação do Estado e o modelo tripartite distintas influenciando nas aplicações e assim dire-
não deveria mais ser adotado na formação das em- tamente no mercado de interesse.
presas. No que se refere à tecnologia, contudo, seria A Rio Polímeros analisou todas as tecnologias
mantida a política anteriormente adotada, isto é, aqui- que estão disponíveis no mercado mundial para
sição de tecnologia estrangeira, através de joint licenciamento e decidiu que a tecnologia de fase ga-
ventures, sem maior preocupação para o processo de sosa é a mais adequada ao mercado brasileiro, pela
sua absorção. Entretanto, o projeto da instalação de diversidade e qualidade de tipos de polietileno que
um novo pólo petroquímico no Rio de Janeiro foi produz (Bouch, 2000)[28]. Entendimentos havidos com
suspenso e adiado por alguns anos. a Univation (associação tecnológica da Union Carbide
Em meados da décade de 90, o complexo com a Exxon), que vai fornecer a tecnologia parece
petroquímico do Rio de Janeiro voltou ao noticiário, que não foram afetados, após a compra da Union
apresentando uma nova realidade em sua concepção, Carbide pela Dow Chemical.

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“Foram analisadas tecnologias de fornecedores tente no país, em um prazo relativamente curto. Isto
externos para todos os tipos de polietilenos. A esco- foi possível devido ao interesse que o mercado brasi-
lha foi uma decisão técnica mas com um grande ní- leiro despertou em algumas empresas multinacionais,
vel estratégico, passando diretamente pelo mercado tanto pelo seu tamanho, como pelo processo de in-
que se quer atingir, para assim definir o tipo de pro- tenso crescimento econômico pelo qual o país passa-
duto ou possíveis combinações” (Bouch, 2000)[28]. va na época. Acresce o fato de que, através da
Há uma tendência mundial, comprovada em aná- joint-venture, os riscos seriam divididos com o go-
lises de mercado, pelo polietileno de alta densidade e verno, através da Petroquisa.
polietileno linear em substituição ao polietileno de Do ponto de vista das multinacionais, ao mesmo
baixa densidade. Outro fator a ser considerado seria tempo em que dividiam os riscos da iniciativa com o
a ampliação de plantas brasileiras, já participantes governo brasileiro, esses fornecedores estrangeiros
do mercado, e a entrada da Dow na Argentina como de tecnologia garantiam sua participação no novo
concorrentes do mercado. O fato da poderosa mercado e protegiam o controle da tecnologia em um
multinacional Dow Chemical se estabelecer na Ar- ambiente de negócios caracterizado pela forte inter-
gentina e as regras de livre comércio do Mercossul venção estatal.
não são fatores ameaçadores para a Rio Polímeros, já A experiência cumulativa adquirida com a insta-
que a nova fábrica brasileira de polietileno estará lo- lação dos pólos petroquímicos brasileiros foi muito
calizado mais próximo do grande mercado da Amé- significativa, mesmo que não englobasse todos os
rica do Sul (Rio de Janeiro e São Paulo) e terá um insumos tecnológicos. Sem dúvida, a maior evolu-
produto de melhor preço, uma vez que utiliza maté- ção relativa é sentida quando se observa a participa-
ria-prima mais barata (eteno a partir de gás natural). ção nacional no suprimento de insumos tecnológicos
Tecnicamente foram feitas análises convencionais na implantação do pólo da Bahia e no de São Paulo.
de cada tecnologia lembrando que os licenciadores são Isto pode ser sentido quando se compara o processo
empresas conceituadas, com experiência nas etapas do de planejamento, implementação e de operação dos
processo, como engenharia básica e detalhamento, fa- três pólos, que se mostram bastante distintos e apre-
cilitando, assim, a aquisição de financiamentos exter- sentam, claramente, os ganhos acumulados pela cur-
nos pela confiabilidade do projeto. va de aprendizagem ao longo do tempo.
Em síntese, embora inaugurando nova fase no pla- O domínio de parte da trajetória tecnológica aca-
nejamento da indústria petroquímica brasileira, o novo bou levando muitas empresas ao desenvolvimento de
“pólo” do Rio de Janeiro segue os anteriores no que otimizações e desgargalamentos, dentre outros, que
se refere à aquisição de tecnologias exógenas. É de possibilitaram tanto uma queda no consumo de ener-
se ressaltar, porém, que o modelo empresarial é dis- gia como o aumento da capacidade nominal das em-
tinto, sem interferência do Estado, e, segundo Bouch presas.
(2000)[28], “com uma grande dose de estratégia e uma O acúmulo progressivo de conhecimento técnico
maior experiência no que se refere aos contratos que resultou em progressiva institucionalização das ati-
incluem treinamentos, acompanhamentos e acesso a vidades tecnológicas no decorrer da década de 80.
possíveis melhorias realizadas pelo fornecedor”. Durante esse período, os produtores de termoplásticos
Diante desse contexto, novos investimentos pa- procuraram se adaptar à demanda e realizaram aper-
recem estar por vir, não apenas próximo à fábrica de feiçoamentos de produtos, desenvolveram novos gra-
polietileno, mas também para o desenvolvimento de des, novas aplicações e estruturas de assistência
um novo pólo gás-químico em São Paulo, que se en- técnica aos clientes. Ao final da década, grande parte
contra em fase de análise de viabilidade técnica para das empresas tinha seu centro especializado em P&D
o empreendimento e seria desenvolvida também pela ou realizava essas atividades em outros laboratórios,
iniciativa privada, contando com o abastecimento de porém em níveis ainda modestos.
gás natural oriundo da Bolívia. A tentativa de realizar atividades conjuntas de
P&D parece ter fracassado, mas ao longo dos anos a
Balanço das atividades Petroquisa procurou se empenhar para que a trajetó-
A opção por joint-ventures parece que foi acerta- ria tecnológica do setor petroquímico pudesse ser
da no sentido de criar uma indústria de base não exis- desenvolvida com êxito. A Gerência Técnica da

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Petroquisa, dentro de seu papel de articulador al bastante dinâmico, só houve absorção parcial da
tecnológico do setor, sempre se preocupou inclusive, tecnologia e o país, ainda hoje, é dependente de fon-
em acompanhar os dispêndios tecnológicos pratica- tes externas a cada processo de renovação ou dupli-
dos pelas empresas do Sistema Petroquisa e interce- cação de seu parque industrial. As tão propaladas
der no assunto, quando necessário. As despesas com transferência de tecnologia e o acesso às inovações
P&D do Sistema Petroquisa cresceram aproximada- parecem que se frustraram. Um balanço dos prós e
mente 4 vezes no período de 1985 a 1989, passando contras, contudo, mostram que a experiência foi po-
de cerca de US$ 6,5 milhões para US$24,8 milhões. sitiva e os possíveis efeitos negativos podem ainda
Porém, cabe lembrar que tais dispêndios estão muito ser corrigidos.
longe dos praticados pelas principais empresas Atualmente, parece não existir uma política que
multinacionais atuantes no setor. busque a absorção tecnológica. Isso pode dificultar a
Por ocasião do primeiro pólo petroquímico, o de internalização das atividades capazes de fornecer, a
São Paulo, a prioridade de alocação de recursos go- longo prazo, uma certa autonomia quanto aos fatores
vernamentais era para importação de tecnologia e en- exógenos e, dessa forma, limitar outros investimen-
genharia de detalhamento. Por ocasião da implantação tos; até porque o percentual do investimento destina-
do pólo do Rio Grande do Sul, esse enfoque variou do a tecnologia cresceu bastante desde a década de
para maior ênfase às atividades de P&D, com a fina- setenta (fase inicial de implantação dos pólos).
lidade de absorção da tecnologia. O esperado era que, A abertura do mercado está promovendo uma
a longo prazo, as empresas fossem capazes de con- busca maior de empreendimentos competitivos; isso
trolar seus processos de desgargalamentos da produ- pode ser observado com a implantação do futuro pólo
ção e desenvolverem suas próprias inovações gas-químico do Rio de Janeiro. Talvez essa compe-
tecnológicas, quando o mercado assim o exigisse. titividade estimule a busca pelo conhecimento da
Isso, porém, ainda não está operando plenamente. tecnologia adquirida. Contudo, é uma previsão con-
Antes da deterioração do aparato regulatório, pa- testada por profissionais da área, já que o futuro pólo
rece ter sido satisfatória a política tecnológica adota- continua apresentando características como mono-
da; levando-se em conta as variáveis restritivas, a produção, ausência de integração e pequena escala,
Petroquisa, juntamente com o INPI, BNDE e FINEP, que dificultam altos investimentos em P&D e, con-
procurou fazer com que as empresas, pertencentes ao seqüentemente, a efetiva absorção tecnológica.
Sistema, internalizassem as atividades tecnológicas.
Contudo, Bastos (1989)[24] detectou, através da análi- Agradecimentos
se de vários contratos de joint-ventures, que “não há
nada nos contratos de tecnologia que caracterize me- Os autores agradecem ao CNPq pelo auxílio re-
lhores condições de transferência quando seu fornece- cebido para a pesquisa.
dor é também acionista da empresa receptora”. Isto
também foi enfatizado por Brito (2001)[29], quando Referências Bibliográficas
relata que o modelo tripartite, quando o sócio estran-
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